23
O gênero editorial e a “virgindade emocional”: mito ou realidade? João Benvindo de Moura UFPI/UFMG

O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Comunicação apresentada por João Benvindo de Moura no I COGITE - Colóquio de estudos sobre gêneros & textos - realizado pelo Grupo Cataphora

Citation preview

Page 1: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

O gênero editorial e a “virgindade emocional”: mito

ou realidade?

João Benvindo de Moura

UFPI/UFMG

Page 2: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Piauí: berço das emoções

Page 3: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Por que pesquisar sobre editorial?

• Um editorial não é meramente um artigo que exprime a opinião de um órgão de imprensa, em geral escrito pelo redator-chefe, e publicado com destaque. Muito mais que isso, um editorial é um discurso, sendo capaz de orientar retoricamente pontos de vista, estados emocionais e até atitudes.

Page 4: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Por que pesquisar sobre editoriais da imprensa piauiense?

• Apesar de o primeiro jornal do Piauí (O Piauiense) ter circulado em 1832, as pesquisas sobre a atuação da imprensa no estado são raras. No campo da Análise do Discurso elas são ainda mais escassas. Há, portanto, a necessidade de observação das peculiaridades da mesma, bem como, das influências regionais na produção do sentido.

Page 5: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Qual a relação entre as emoções e o gênero editorial?

• Aristóteles, há muito tempo atrás, já falava que a arte de convencer se utiliza de três elementos básicos: logos, ethos e pathos:

• Logos – o próprio discurso em si, produto da faculdade da linguagem, da razão;

• Ethos – As imagens de si produzidas pelo sujeito enquanto enuncia;

• Pathos – As emoções suscitadas no auditório;

Page 6: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Qual a relação entre as emoções e o gênero editorial?

O editorial tem o poder ou a intenção de emocionar alguém?

Existe alguma diferença valorativa entre razão e emoção na história da sociedade?

Descartes: “As paixões são um signo de doença e, somente no momento em que forem totalmente alijadas, a mente estará em perfeita saúde.”

Page 7: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

O editorial se assemelha ao discurso científico?

• A suposta “virgindade emocional” da ciência não constitui uma descrição da prática científica efetiva. (Doury, 2002)

A argumentação é vista como um “ato”, a saber, o de “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento”. (Perelman, 2005)

Page 8: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

O editorial se assemelha ao discurso científico?

• A suposta “virgindade emocional” da ciência não constitui uma descrição da prática científica efetiva. (Doury, 2002)

A argumentação é vista como um “ato”, a saber, o de “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento”. (Perelman, 2005)

Page 9: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Charaudeau e as emoções

• As emoções são de ordem intencional, estão ligadas a saberes de crença e se inscrevem em uma problemática da representação psicossocial.

• As quatro grande tópicas: dor/alegria; angústia/esperança; antipatia/simpatia; repulsa/atração.

Page 10: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

O editorial analisado

Page 11: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

• O texto remete, logo no primeiro parágrafo, a uma situação altamente patêmica: o choro do governador durante a cerimônia de passagem do cargo para o seu sucessor. Através da seleção lexical, o vocábulo “chorou” está entre aqueles apontados por Charaudeau como sendo capazes de descrever de maneira transparente, determinadas emoções.

Page 12: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

O enunciador passa a apontar sequencialmente uma série de fatos e argumentos pragmáticos para justificar toda a cena enunciativa, a saber:

1. A fala do governador externando a sensação de dever cumprido, revelando um sentimento de completude, seguida de um exemplo de sensatez:“Disse que deixava o Palácio de Karnak com a sensação do dever cumprido, mas, como é de praxe e sensato, informou também que muito está para ser feito.”

Page 13: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

2. A referência à situação de pobreza histórica imputada ao Piauí:

“Desafios e problemas sobram em um estado pobre que precisa se esforçar para manter serviços públicos funcionando, expandir os investimentos públicos que favorecem o crescimento econômico, bem assim fazer frente às demandas crescentes.”

Page 14: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

3. A avaliação positiva do governo e seu legado:

“Pode-se afirmar que a administração encerrada na quinta-feira foi, sim, bastante positiva para o Piauí. Wellington Dias legou ao estado uma obra não física que certamente é fundamental: a organização da sua estrutura administrativa e funcional.”

Page 15: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

4. E, principalmente, no último parágrafo, a alusão à origem humilde do governador, ressaltando o seu distanciamento das elites o que possibilitou, na visão do enunciador, uma maior proximidade com o povo e, consequentemente, com seus anseios e necessidades:“O estado do Piauí certamente vai ter bastante tempo doravante para discutir o legado que fica de um governador com perfil político distanciado das elites políticas e que se valeu disso para estabelecer também outra construção definitiva: o governante tem que ouvir mais a sociedade e tirar dela práticas positivas para a gestão pública.”

Page 16: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

• Não basta, por exemplo, que o leitor do jornal perceba a existência do editorial ou que ele saiba que o editorial carrega dentro de si um saber. É necessário também que esse leitor tenha condições de avaliar esse saber, posicionando-se em relação ao mesmo, para, a partir de então, vivenciar ou exprimir uma emoção. Trata-se, portanto, de um saber de crença que se opõe a um saber de conhecimento, o qual se baseia em critérios de verdade externos ao sujeito.

Page 17: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

• Dizer: “o governador transferiu o cargo ao vice em função de sua candidatura ao senado” advém de um saber de conhecimento; mas dizer “o governador chorou” advém de um saber de crença que descreve propriedades qualitativas e essencialistas de um indivíduo. Esses enunciados circulam na comunidade social constituindo o chamado “imaginário sociodiscursivo”.

Page 18: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

• O editorial pode fazer suscitar a tópica da angústia, no momento em que apresenta o choro do governador. Traduz a incerteza pelos dias que virão, um estado de espera desencadeado pela cena enunciativa podendo representar um perigo para o estado. Ao mesmo tempo suaviza a tensão mobilizando a imagem do dever cumprido, do estado organizado financeiramente, da democracia implantada. Tais recursos remetem à esperança por tempos melhores e justificam o choro.

Page 19: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Análise

• Ao explicitar o fato de que o governador não pertence às elites, o texto induz a uma repulsa aos diversos outros governadores piauienses ligados à famílias oligárquicas, oriundos da casta privilegiada com o poder econômico. Em seguida, ao expor a proximidade do governador com a sociedade ouvindo seus desejos e anseios, e, atribuindo a esta atitude um valor positivo, desencadeia a atração, ou em outras palavras, a “adesão dos espíritos”.

Page 20: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Conclusões

• O editorial analisado possui uma intencionalidade. Mobiliza uma série de saberes de crença: a situação de pobreza do estado do Piauí, a existência de sucessivos governos ligados à elite dominante e a ascensão de um jovem bancário ao posto de governador, destoando da lógica até então estabelecida. Verifica-se, portanto, que essas crenças são mobilizadas por um saber polarizado em torno de valores socialmente compartilhados.

Page 21: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Conclusões

• O desencadeamento das emoções suscitadas coloca então o sujeito enunciador numa situação de sanção social que culminará em julgamentos diversos de ordem psicológica ou moral, pelos vários tipos de leitores do jornal.

Page 22: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Conclusões

• Por fim, a análise demonstra que quanto maior for o conhecimento do orador acerca do auditório, compreendendo as características e inclinações afetivas deste, maiores serão as suas chances de produzir a emoção-adesão.

Page 23: O GÊNERO EDITORIAL E A “VIRGINDADE EMOCIONAL”: MITO OU REALIDADE?

Bibliografia

AMOSSY, Ruth. O Ethos na Intersecção das Disciplinas: Retórica, Pragmática, Sociologia dos Campos. In: Amossy, Ruth (Org.). Imagens de si no Discurso: a Construção do Ethos. São Paulo: Contexto, 2005  

CHARAUDEAU, Pathos e discurso político. In: Machado, Ida Lúcia et alli (Orgs.). As emoções no discurso. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

______ . Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2007.

PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.