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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS O Gosto Público que sustenta o Teatro Subsídios para o estudo da vulgarização do pensamento teatral oitocentista em Portugal Volume 1 José Guilherme Mora Filipe (Guilherme Filipe) Orientadora: Profª Doutora Maria Helena Serôdio Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de Estudos Artísticos, na especialidade de Estudos de Teatro Júri: Presidente: Doutora Maria Cristina de Castro Maia de Sousa Pimentel, Professora Catedrática e Membro do Conselho Científico, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Vogais: - Doutora Maria Eugénia Miranda Afonso Vasques, Professora Coordenadora da Escola Superior de Teatro e Cinema, do Instituto Politécnico de Lisboa; - Doutora Ana Isabel Pereira Teixeira de Vasconcelos, Professora Auxiliar do Departamento de Humanidades da Universidade Aberta; - Doutora Maria Helena Zaira Dinis de Ayala Serôdio Pereira, Professora Catedrática Aposentada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; - Doutora Maria João Monteiro Brilhante, Professora Associada com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; - Doutora Maria João Oliveira Carvalho de Almeida, Professora Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 2017

O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

O Gosto Público que sustenta o Teatro

Subsídios para o estudo da vulgarização do pensamento teatral

oitocentista em Portugal

Volume 1

José Guilherme Mora Filipe (Guilherme Filipe)

Orientadora: Profª Doutora Maria Helena Serôdio

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo

de Estudos Artí sticos, na especialidade de Estudos de Teatro

Júri:

P residente: Doutora Maria Cristina de Cast ro Maia de Sousa P imentel,

P rofessora Catedrática e Membro do Conselho Cientí fico, da Faculdade de

Let ras da Universidade de Lisboa.

Vogais:

- Doutora Maria Eugénia Miranda Afonso Vasques, P rofessora Coordenadora

da Escola Superior de Teat ro e Cinema, do Inst ituto Politécnico de Lisboa;

- Doutora Ana Isabel Perei ra Teixei ra de Vasconcelos, P rofessora Auxil iar do

Departamento de Humanidades da Universidade Aberta;

- Doutora Maria Helena Zai ra Dinis de Ayala Serôdio Perei ra, P rofessora

Catedrática Aposentada da Faculdade de Let ras da Universidade de Lisboa;

- Doutora Maria João Montei ro Brilhante, P rofessora Associada com

Agregação da Faculdade de Let ras da Universidade de Lisboa;

- Doutora Maria João Olivei ra Carvalho de Almeida, P rofessora A uxil iar da

Faculdade de Let ras da Universidade de Lisboa .

2017

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ii

Declaração

Eu, José Guilherme Mora Filipe, a luno nº 33303, autor da tese de

Doutoramento, submetida à Faculdade de Letras da Univer sidade de

Lisboa, intitu lada O Gosto Público que sustenta o Teatro: Subsídios para

o estudo da vulgarização do pensamento teatral o itocentista em Portugal

e orientada pela Professora Doutora Maria Helena Serôdio, declaro ser o

autor deste trabalho original, que não foi antes submetido a outra

institu ição para efeitos de ob tenção de grau. Declaro ainda que toda s as

fontes de informação usadas nesta t ese fora m devidamente referidas.

Lisboa, 26 de novembro de 2016

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i

Agradecimentos

À minha orientadora, Professora Doutora Maria Helena Serôdio, pela

disponibilidade, dedicação e motivação com que sempre me orientou,

quer como li cenciando, nos idos de 1976, quer no posterior reencontro,

desde 2004, como mestrando e doutorando.

Aos Professores Doutores Maria João Brilhante, Maria João Almeida e

Fernando Guerreiro, por t erem acreditado nas minhas capa cida des e dado

oportunidade de leccionar História do Teatro em Portugal e Análi se do

Texto Dramático, que em muito contribuiu para a consistência desta tese,

e na abertura de possibilidades de escrita a lém -fronteiras.

Aos Professores Doutores Maria Alexandre Lou sada, António Ventura ,

Ernesto Castro Leal e Ernesto Rodrigues, pelos ensinamentos, amizade e

sábias orientações.

Aos doutores José Carlos Alvarez, Paulo Ribeiro Bapti sta e Sofia Patrão,

pela amizade e apoio de investigação, no Museu Nacio nal de Teatro.

Aos doutores Cri stina Faria , Ana Catarina Pereira e Ricardo Cabaça,

pelo apoio de invest igação, na Biblioteca -Arquivo do Teatro Nacional D.

Maria II .

À doutora Luísa Marques, pela amizade e grande apoio de investigação

no Arquivo Histórico da Biblioteca da Escola Superior de Teatro e

Cinema.

Aos meu s colegas do Centro de Estudos de Teatro, F ilipe F igueiredo,

Paula Magalhães, Cláudia Oliveira , pela a mizade e disponibi lidade em

partilhar saberes.

Aos meus amigos António José Morgado, Paulo Lages e David Casimiro,

pela amizade e abnegada di sponibilidade em servir em de cobaias na

leitura desta t ese e no levantamento de questões pertinentes.

À minha família – Ana Cristina , Maria Ana, Zé Franci sco, Hugo Jorge – ,

pelo afecto com que me sustêm em momentos de dúvida s exi stenciais .

A todos quantos de alguma forma me serviram de fonte de inspiração e

refl exão.

E, sobre tudo, à memória sempre viva de meu Pai e minha Mãe, pela

grande dádiva de me ter em feito ver o mundo de forma inteligente e

positiva.

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iii

Resumo

Idealizou Almeida Garrett , que o gosto público formaria hábitos e, com

eles, a necessidade de t eatro, como meio de civ ilização. O plano cultural,

que equacionou, englobou a formação competente de dramaturgos e de

actores, e a ilustração crítica do público. Essa preocupação educativa

serviu de fundamento interrogativo a esta t ese sobre o pensa mento t eatral

oitocentista na construção de um “mercado factício”. De que forma se

relacionaram os di ferentes sectores da criação dra mático -teatral? Com o

advento da bu rguesia , o teatro, seu género de eleição, constitu iu -se como

um veículo demopédico ideal de ilu stração e entr etenimento. Em torno

do t eatro público, cujo negócio se ampli ou ao longo de Oitocentos, a

esfera semiprivada dos teatros parti culares criou relaçõe s interativas, que

dinamizaram a qualidade da produção dramática, da realização do

espectáculo, com o objectivo de desenvolver o espírito críti co da receção

estéti ca e a ilustração popular. Tal como a imprensa, o teatro funcionou

como veículo divulgador de ideias políti cas, sociai s e estética s, na

recriação de quotidianos e na ilustração de comportamentos adequados

que pretenderam formar tanto a consciência individual, como a coletiva.

Arte Dramática e Arte Teatral evoluíram a par, no apuramento dos

modelos lit erário, estético e crítico. Enquanto o público era conduzido

na leitura da cena como u m manual de civilidade, os produtores de

conteúdos dramáticos -teatrais foram apurando o seu sentido crítico, no

palco e na redação de obras de divulgação t écnico -artísti ca , destinada s a

melhorar o entendimento estético do público que acorria aos teatros

públicos e parti culares, e dos atores amadores, n o florescente campo do

associativi smo, de a cademias, clubes, e sociedades dramática s.

Palavras-chave:

História do Teatro – Espetáculo – Palcos públicos e particulares – Arte e

técnica – Folhetos e manuais – Lisboa – Século XIX.

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iv

Abstract

Almeida Garrett idealised that general good ta ste would structure

consumption habits , which would make -up the need of theatre as a means

of civili zation. The cultural plan he outlined compri sed both the accurate

tra ining of playwright s and actor s, a s wel l as the tu toring of audiences.

This enlightening concern served as the inquisitive foundation of thi s

thesi s on the nineteenth-century theatrical yearning for a "facti tious

market". In what way did the di ffer ent sector s of drama and theatri cal

creation and propagation interact with one another? Wi th the advent of

the bourgeoi sie, theatre became it s favourite genre, and constitu ted a

supreme medium for democratic education and jubilant enterta inment.

Outside the theatre industry, whose bu siness expanded throu ghout the

19t h

century, the private theatre sphere created in teractive r elationship

which str eamlined the quality of dra matic production and of

per formance. This process a imed the development of critici sm on poeti cs

and aesthetic expertise by playwrights a nd actor s, as well as the

audience awareness of performance. Like the press, theatre served as a

propagation vehicle for politi cal, social and a estheti c ideas, by

recreating identi fiable characters and situations, and by i llustrating

appropriate behaviours to form both individual and collective

consciousness. Drama studies and Theatrical Art evolved together with

the establishment of li t erary, aesthetic and critical models. Since

audiences were l ed to under stand the content of plays as manuals of

civility and citizenship, both playwright s and producer s developed

critical sense in the technique of dra ma writing and staging to enlighten

the audiences. Alongside came the need to publi sh pocket book s that

delivered general under standing of theatre a estheti cs to those who

attended public and private theatres, and for a mateur actors in the

flourishing associative field of academies, clubs and drama groups .

Keywords:

History of Theatre – Per formance studies – Public and private stages –

Art and techné – Booklets and manuals – Lisbon – 19t h

century

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v

Lista de tabelas

Tabela 1 - Géneros teatrais publicados ............................................................... 169

Tabela 2 - Entreactos ................................................................................................. 170

Tabela 3 - Comédias I ................................................................................................ 171

Tabela 4 - Comédias II .............................................................................................. 171

Tabela 5 - Dramas ....................................................................................................... 172

Tabela 6 - Teatro musicado ..................................................................................... 172

Tabela 7 - Monólogos e cena s cómicas ............................................................... 172

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Lista de abreviaturas e s ig las

AESTC – Arquivo da Escola Superior de Teatro e Cinema

AHCM – Arquivo Histórico do Colégio Militar

AHM – Arquivo Histórico Militar

ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo

BATDMII – Biblioteca Arquivo do Teatro Nacional D. Maria II

BNP – Biblioteca Nacional de Portugal

MNT – Museu Nacional de Teatro

MR/DGIP – Mini stério do Reino/ Direção Geral de Instrução Pública

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vii

Índice

Agradecimentos i

Resumo i ii

Abst ract iv

Lista de tabelas v

Lista de abreviaturas e siglas vi

Índice vi i

Int rodução ix

1.1. Contexto ix

1.2. Mot ivação e objetivos ix

1.3. Metodologia de desenvolvimento do t rabalho xi

1.4. Organização do t rabalho xi ii

Parte I – Pessoas, espaços e repertórios 1

1. No teatro não só escuto o que se diz , mas vejo o que se faz 2

2. Sociedades de vizinhos, divertimento úti l e propagação das Luzes 26

2.1. A esfera pública e privada: tea t ros públicos e part iculares 26

2.2. Elites e classes médias: ascensão burguesa pelo teat ro 37

3. Para que esta Nação tenha com que o Povo se ent retenha 52

3.1. Arquivos, bibl iotecas, álbuns e galerias 52

3.2. Ent re o antigo e o moderno 71

3.3. Ser útil aos compatriotas e à nação que lhes deu berço 78

4. Seja o teat ro escola e templo 81

4.1. Publicações dramát icas de António José Fernandes Lopes 83

4.2. Edições baratas de li teratura dramática para todos 92

5. Editor não é comerciante, é amigo… poeta… um pombo! 120

6. Peças fáceis de representar em sociedades particulares e em família 145

7. “Todos os negócios que d igam respeito ao teat ro” 150

7.1. As coleções da Livraria Popular de Francisco Franco 173

Parte II – A missão const rutiva da Arte Dramática 185

1. Entender e senti r… Fazer entender e fazer sent i r…. 186

1.1. Teat ro para sociedades dramáticas acadé micas (1816 – 1820) 188

1.2. Teat ro para diletantes d ramáticos (1821 – 1823) 221

1.3. Teat ro de grande público (1839 – 1854) 256

2. A ilust ração geral e proveitosa das grandes massas 296

2.1. Uma época que i rradiou da scena 296

2.2. P ropagação de ideias fecundas de uti lidade 300

2.3. A necessidade de uma escola de teat ro 303

2.4. Arte de declamação ou arte cénica: ensinar a representar com

natural idade 306

3. Inte ligência e sentimento: o culto da Verdade e a realização do Bem -

comum 314

3.1. Ciência ao a lcance de todos: Biblioteca do Povo e das Escolas 317

3.2. A d ivulgação teat ral na Biblioteca do Povo e das Escolas 319

4. Das palavras aos a tos: a Arte Teat ral afi rma o naturali smo -real i smo na

cena 322

Índice remissivo 342

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Introdução

1. Contexto

O nosso interesse pelo teatro popular não é uma questão acidental.

Não nos referimos à vertente do drama popular, da realidade pré-l iterária

de transmissão oral, na s suas tradicionai s modalidades r eligiosas ou

etnográficas, mas ao teatro fomentado pelo espírito da industri a lização e

pelo cr escimento das c idades no século XIX. A construção de grandes

teatros destinados ao entretenimento das grandes massa s explorou

comercialmente as potencialidades mecânicas do espetáculo cénico,

manipulou o sensacionalismo emocional das plateias e criou a figura do

ator “alforriado”, ofi ciante la ico do ritual teatral, de um púlpito feito

palco. Para a elite li terata , fomentar o gosto das classes labor iosa s pelo

teatro funcionaria como um meio de evolução individual e coletiva , na

medida em que “o nível mental dos povos é sempre garantia ou negação

do seu progredimento moral e ma teria l” (Vidal 1881 apud Ribeiro 2011:

7). Destronando o gosto trágico do Ancien Régime , procurou despertar a

consciência social adormecida , pelo melodrama, “a simple a nd sincere

drama of action and feeling” (Sha w 1932: I , 93), um género capaz de

exprimir uma lógica democrática , que tanto servia as aspi rações do

filósofo como do operário, que viria também a deleitar-se com a ilusão

cómica de um mundo per feito de vaudeville .

2. Motivação e objetivo

A partir da investigação que levámos a cabo a propósito da ú ltima

companhia de província em Portugal1, ficá mos despertos para a

exi stência de outras realidades artí stica s da atividade t eatral, para a lém

da tradicional a tividade profissional, mas dela sendo subsidiárias. Esse

estudo teve o condão de nos revelar mod os de interliga ção entre o

univer so do teatro profi ssional e o amador, ao longo de Oitocentos, não

só ao nível de Li sboa, Porto ou Coimbra, ma s das pequenas cidades

provinciai s do Continente e da s Ilha s , a lcançando as colónia s africana s e 1 F ILIP E , José Gui lherme Mora (2007), Percursos it inerantes : A companhia d e Rafael

d e Ol iveira , Ar ti stas associados. Dissertação de mes t rado em Es tudos de Teat ro .

Li sboa: Faculdade de Let ras/ Univers idade de Lisboa (FLUL).

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x

asiáticas, e o mercado brasil eiro. Abordar o fenómeno teatral,

sublinhando apena s o papel da obra dramática, ou o da função

espeta cular, seria tomar uma parte pelo todo. A tradicional h istória do

teatro cimentou -se na análise da obra dramática, canonizou um corpus

l i terário e constru iu sucessivas teorias logocêntricas, mesmo quando

pretendeu romper com a lógica aristotéli ca e conduzir à re leitura da

tradição e à assunção de formas t eatrais suportadas por outras

linguagens, verbais ou não verbais .

Sendo o t exto dramático popular , por natureza , fl exível , ele

dist ende-se ao sabor da s necessidades do espetá culo que serve, segundo

uma fórmula tão tradicionalmente antiga quanto a apologia da Arte nova

de fazer comédias , de Lope de Vega. O texto cénico surge naturalmente

híbrido, plural, ta l como a vida quotidiana em todos os tempos,

entendível por toda s as cla sses de espectadores, não se eximindo a uma

mais ou menos clara pedagogia social. Por outro lado, a composição

dramática monotemática, veiculando a demonstração de u ma ideia ,

fomenta uma ideologia , torna -se didática , quod erat demonstrandum ,

forma e serve uma elit e. Ao longo da hi stória do espetáculo, a exi stência

de di ferentes classes de público, que partilham uma vivência dramática

comum em espa ços de teatro popular, torna difí cil , para não dizer

impossível, uma releçã o unívoca entr e a produção dramática e o público

destinatário. Não obstante, evidencia o carácter totali zante do fenómeno

e objetiva a necessidade de conhecer o objeto teatral dent ro de um

contexto mais abrangente. Por tudo isto, O Gosto Público que sustenta o

Teatro pretende constitu ir -se como um estudo da vulgarização do

pensamento teatral oitocenti sta , a través dos múltiplos fazedores que

materia lizam o fenómeno teatral e promovem a sua evolução crítica .

Ainda que dividida em três partes autónoma s, pretende qu e o leitor

interligue pessoas, espaços e repertórios, numa vi são panorâmica de uma

sociedade, para quem o teatro serviu como cultura de massa - agente de

ideologia e de formação de bom gosto - e como indústria cultural .

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xi

3. Metodologia de desenvolvimento do trabalho

O fenómeno teatral assume-se como uma forma panorâmica de um

poli ssi st ema cultural, composto por um património vasto, materia l e

imateria l, feito não só de grandes obras, de grandes momentos, de

grandes atos públicos, mas também de obras menores, de factos

secundários, que estimulam um olhar dialético, capa z de despertar outras

formas de sentir . Enquanto fenómeno semiótico, ou seja , enquanto

modelo de comunicação humana regido por signos, a a tivida de t eatral

ganhará em ser entendida como um si st ema dinâ mico de r elações, em v ez

de uma recolha positivi sta de elementos organizados como dados, num

si stema estru tural está tico. Ainda que cada elemento do fenómeno teatral

possua uma função própria dentro da rede de relações sincrónica s, na

realidade, será o continuum temporal, o fa tor diacrónico, que explicará

as mudanças e as variantes que forem detetada s.

Ao analisar a obra dramática, a teoria da literatura privilegia a

“correlação entr e estru turas estilí stico -formais e estru turas semântica s e

temáticas” (Silva 2010: 340). Ao anali sar a obra cénica, uma teoria

crítica do espetáculo terá de per spetivá -la numa interpretaçã o própria ,

dialética , entr e a produção de u m objeto dramático, a realiza ção de um

objeto artí stico e a r eceção de um objeto estéti co, e o todo, enquanto

modo de comunicação da sociedade coeva. Estas a tividades in telectuais,

que podemos r econhecer como organi smos independentes dotados de

vida, estabelecem u ma relação harmónica entr e si , durante e para a lém da

efemeridade do momento t eatral, inter fere m na vida social. Para ju lgar

este fenómeno, preci samos entender os elementos caracterí sticos da vida

social no momento em que ocorre, e como se articulam as diferentes

dimensões estru turais da sociedade: economia, política , cultura e

ideologia . Compreender o fenómeno teatral é compreender de que forma

o processo comunicacional articulou di ferentes dimensões sociais, e qual

o papel que desempenhou na estru turação entre elas.

Na segunda metade de Oitocentos, em L’Histo ire par le théâtre ,

Théodore Muret conclu ía que o texto dra mático refl etia e traduzia

histórias das “ manifestações do espírito público”, e , para a lém dele, os

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xii

“aplausos, apupos, récitas tr iunfais ou calamitosas” constitu íam o

“manancial de r evelações, de sinais curiosos, que permaneceriam

desconhecidos” (1865: I ; tradução nossa ), se não lhes fosse da da voz em

espaços menos formais de divulgação. A per spetiva de Muret admite a

exi stência de uma sociedade do espetáculo, cujos elementos se

encontra riam presentes na s característi cas da vida social e n as prática s

culturais e de socia bilidade. O espetáculo não se centra ria

exclusiva mente no que se produz em palco, mas na relação social que

estabelece entre pessoas, mediada por imagens, sons e movimentos, que

se prolongam para além da própria sala de espe táculo.

O espectador, enquanto partic ipante a tivo da produção do sentido

do espetáculo, apropria -se, por esta via , da intencionalidade do drama ,

a través da oralidade de uma segunda leitura , criando uma interpreta ção

harmónica dos di ferentes elementos narr ativos que a cena lhe

proporciona . A reali zação do espetá culo cénico r evela assim duas

unidades de medida do fenómeno teatral: a unidade de interesse, ou de

plurissonância do palco, e a unidade de monotonia , ou de unissonância

do auditório. Qualquer dramaturgo, ou qualquer a tor, que exercesse a sua

atividade profi ssionalmente, r econheceria a exi stência de uma

proporcionalidade dir eta nesta corr elação, e do seu bom desempenho

dependeria o sucesso individual de cada um deles. A fruição do

espetá culo balizava -se, por um lado, pela apetência ( intelectual ,

sensorial, etc.) do público e, por outro, pelo seu desejo de sociabilidade

festiva, conjugados pelo prazer estimulante da novidade que em palco se

representava .

A teatralidade social quotidiana de Oitocentos revia-se tanto na

teatralidade cénica, como na decoração de interior das áreas sociais do

edi fí cio do t eatro, que a mpliavam a função da sua doméstica sala de

visita s. Para que uma hi stória do teatro fosse “real e vigorosa, sem se

levar por abstrações fi losó fi cas ou estéti cas” (Gautier 1858: I , i ;

tradução nossa ), segundo os editores da Histoire de l’art dramatique en

France , seria necessário que ela fosse redigida o mais possível sobre o

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xiii

acontecimento , assumindo o narrador o papel de t estemunha desse mundo

oú l’on s’amuse, ou oú l’on s’ennui2:

L’histoi re du théât re chez un peuple mobile e t passionné […], qui veut

de la variété , ou, tout au moins, le semblant de la varié té dans ses

plaisi rs intel lectuels, […] c’est, à proprement parler, l’histoi re des

goûts e t des engouements l ittérai res de la fo ule. […] Notre théâtre a

donc ses modes, capricieuses e t fugi tives comme toutes les modes; e t où

faut -il chercher l’histoi re sinon dans ses chroniques hebdomadai res qui

sont une des spéciali tés du journal i sme […]? (Gautier 1858 : I, i -i i)

A interligação do s processos comunicacionai s, sociai s e hi stóricos ,

permite definir uma moldura mental, a través da qual qualquer época

exprime e organiza a sua experiência (James 1980: 4). O século XIX

exprimiu-se através do melodra ma, uma modalidade cénico -dramática

que colocou em relevo a dialética de duas “absolute forces in conflict

towards a resolution” ( ib id .: ib id .):

The “good” heroine against the “bad” villain, […] the c lass conflic t of

Worker against Capita li st of Marx and Engels, or Darwin’ s natural

selection of species (James 1980: 4 -5).

O estudo do teatro popular convoca a capacidade de entendimento

da atividade teatral de profi ssionais e amadores, observados pelo ângulo

da atividade espetacular, uma realidade tão ou mais complexa , do que a

análise da obra dramática:

Popular d rama can be a t once clichéd and professionally expert,

escapist and re lat ing to deep levels of audience experience, ephemeral

yet able to capture our attention with moments of complete conviction

(Bradby/James/Sharrat t 1980: 2 ).

4. Organização do trabalho

A nossa investigação pretendeu constitu ir -se como tomada de

consciência sobre elementos que caracteri z em a exi stência de u m espírito

2 Tí tu lo de duas comédias de Edouard Pai ll eron (1834 – 1899). A primei ra, de 1868,

em u m ato , sati r i za a l eviandade do d emi -mond e . A peça representa o seu primei ro

sucesso públ ico . A segunda, de 1881, em t rês atos , sati r i za de forma mordaz o

mundo pedante e hipócri t a dos salões l it erários , que promo via m as reputações

l it erárias e pol ít i cas. Pai ll eron pertence à p lêiade de autores que cul tivara m as

múl t ip las facetas da comédia, ent re a sáti ra e o moral i smo, abordando temas

domést icos e sociai s , em a mbientes d iversos e cujas personagens apresentam t raços

ps icológicos de mat iz l igei ro.

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teatral popular no Portugal de Oitocentos, a través da pesquisa de

situações parti culares que conduzi ssem ao entendimento do conceito

garrettiano sobre o “mercado factí cio” do teatro: “ Creado o gosto

público , o gosto públ ico sustenta o teatro” (Garrett 1904: I , 627). Estaria

Garrett aplicando os princípios cartesianos sobre ideias feita s ou

inventadas pelo ser humano, para constru ir uma estru tura ao nível dos

factos, uma facti cidade, matizada pel o ju ízo estéti co de Kant , em Kritik

der Urteilskta ft (1790, Crítica do Poder do Juízo )? A ilustração do

público de t eatro conferir -lhe-ia o poder de ju lgar, de elaborar o

ju lgamento estéti co, especulativo e prático. A universalidade deste

ju lgamento presumia que os fr equentadores de teatro parti lhassem a

mesma avaliação mora l livre que estabelece a avaliação estéti ca . Parece

vislumbrar-se em Garrett u m pensamento próximo do professado pelo

filósofo alemão Heidegger , um século mais tarde, definindo a facticidade

do mercado como um modo de ser do próprio homem, na compreensão

emotiva dos factos, ou coi sas u tilizávei s, segundo as situações em que se

encontra , conduzindo à criação de uma identidade e de um sistema de

valores, sobre a qual constrói a decisão pessoal que define a sua

exi stência (Sá 2012 : passim) . A enuncia ção desta norma geral, que

reconhece no fenómeno teatral um processo de produção e de consumo de

um bem materia l e cultural, conduziu à identi ficação de alguns dos

modos práticos e teóricos que nortearam a produção de espetá culos para

a lém do âmbito dos teatros públicos – a inda que se interl igando – ,

a través da análise de obra s de ilustração geral sobre a missão constru tiva

da arte dra mática e teatral . A indagação do particular serviu de guia na

escrita dos capítu los que constituem esta tese, procurando criar uma

leitura crítica entre os tr ês momentos do fenómeno teatral .

A Parte I , incidindo sobre pessoa s, espaços e repertórios, volt a -se

para a compreensão do papel da burguesia na constitu ição de um

mercado teatral, desde as goradas tentativas dos Árcades, na criação de

um Teatro Novo , a té ao movimento r egenerador, que as implement ou

segundo as novas luzes do liberalismo. A constatação da exi stência de

um grupo alargado de teatros particulares, superando largamente o

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número de t eatros públicos, e que repli cavam os espetáculos

profissionais , para entretenimento de “ família e amigos”, conduziu ao

estudo da publicação de obras dramática s, coligidas por editores

inter essados em fornecer entr etenimento lit erário à generalidade dos

leitores, e também às sociedades dramáticas a madoras, que se

constitu íram à luz de um espírito associativo. Estando as obras literárias

intima mente ligada s ao tempo e aos autores que as produzir a m, sendo

“reflexo e imagem” do seu tempo, podemos perguntar de que modo foram

elas “ instru mentos intervenientes no devir da hi stória e fautores desta”

(Belchior 1980: 102).

A Parte II procura entender a ideia que subjaz ao modelo de

Garrett , na missão constru tiva da Arte Dramática. Procuramos ler a sua

obra dramática na per spetiva do destinatário e da sua pretens ão de

formador de dramaturgos, a tores e público. Mais do qu e ser um

dramaturgo profi ssional, a tividade que Garrett delegou em outros, como

Mendes L eal, ele constitu iu -se como ideólogo da arte dramática, com

maior refl exo na atividade dos grupos a madores do seu tempo, a quem o

seu l egado serviu como modelo. O r econhecimento do papel da educação

e forma ção do grande público fomentou o desenvolvimento da Escola do

Conservatório, que t eve r eflexo evidente na consciencial ização da

atividade t eatral e dos seus agentes, e que fomentou o aparecimento de

obras de vulgarização teatral, como “ciência” ao alcance do povo,

a través de opúsculos na Biblioteca do Pov o e das Escolas, de David

Corazzi. A arte teatral, entendida como “segurança da tradição”, “refúgio

das consciências”, “caudal de todos os progressos, morais, económicos e

a té políti cos” (Ortigão 2006: 108), adopta o naturalismo-realismo da

cena para difundir no povo o gosto “para distinguir o bom do mau, o belo

do vulgar” (Lima 1872: 1).

A Parte I II recenseia quatro teorizadores da atividade tea tral ,

a través da s obra s que editaram no último quartel de Oitocentos. Manuel

de Macedo, Augusto de Mello, Lu ís da Costa Pereira e Augusto Garraio

apresenta m vi sões particulares do fenómeno teatral, enquanto

cenógra fos, a tores, encenadores, professores e formadores de atores e

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públicos. Sinteticamente analisados por Eugénia Va sques, como

contributo especí fico Para a História da Encenação em Portugal (2010),

pareceu-nos igualmente interessante a sua leitura como contr ibuto para

formação do grande público, que a todos norteia , valorizando o trabalho

individual de cada um e criando assim uma perspet iva analíti ca da Arte

de Palco. Além di sso, pareceu -nos importante desvendar as bibliogra fias

por eles consultadas, fontes essenciais do seu pensamento cr ítico, que

constituem uma espécie de palimpsesto da cultura teatral coeva . A sua

atitude pedagógica vulgarizou a importância do conhecimento da história

do teatro, da dramaturgia , da consciência cient ífi ca na formação do ator,

e do aspeto social na construção do papel. As suas preocupações

surgiram idênticas às que Constantin Stani slavski demonstrará mais tarde

sobre a vida no teatro , e que constitu irá um “método” de trabalho, que

sustentará a produção de diver sas abordagens sobre a técnica do ator,

tanto em palco, como no audiovi sual.

Este estudo é fru to da atividade ligada à docência e à pesquisa ,

enquanto professor de História do Teatro em Portugal, de Dramaturgia e

de Interpreta ção, bem como da vontade de contribuir para o estudo de

uma indústria teatral que floresceu no Portugal oitocenti st a , e cujo

pendor polí tico, facilmente detectado nas suas obra s dra mática s, r efletiu

o desejo de formação de u ma opinião pública ilustrada. A primeira

Regeneração, do Setembri smo, pretendeu formar o Cidadão ideal,

publicitado pela figura do grande herói hi stórico . O pensamento

grandioso com que é apresentado surge como uma luz iluminadora que, à

passagem pelo prisma ótico da expressão cénica, se expande na

pluralidade do espectro cromático das impressões do público. Numa

per spetiva newtoniana, o t eatro surge como um pri sma, ao mesmo tempo,

disper sivo, refl etivo e polarizador. A evolução da sociedade e a

complexa afirmação da burguesia fazem surgir no t eatro r etra tos de

outros protagonista s e de dilemas sociais , envolvendo as cla sses

laboriosas e as profi ssões liberais . A burguesia fini ssecular, favorecida

pela expansão económica da política regenerativa de 1850, tornou -se

dinâmica, e com objetivos mais consentâneos com a mudança dos

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tempos. A evolução do fenómeno teatral , perante os novos fatores da

cultura urbana , refl ete a s palavras de Almeida Garrett : “a sociedade já

não é o que foi, não pode tornar a ser o que era” (1904: II , 271) . Esta

desceu à rua e apresentou -se no t eatro, no concerto, no ca fé, no clube, na

associação políti ca , cultural, recreativa ou profi ssional, sendo

publicitada pelo palco , pelo livro, pelos jornai s, pelas r evi stas.

Identi fi car, col igir e r elacionar estas múltiplas fases de produção e

reprodução cultural representa uma tarefa agreste, ma s a petecível, para

um investigador que pretenda inquirir sobre o pensamento humano

através da Arte. Seguindo a provocação lançada por Natália Correia , fa ce

ao “horror do popular pelo grande embasbacamento […] perante uma

cultura que não sendo vivi fi cada pela experiência , redunda em erudição”

(Sousa 2004: 28), procurar na filosofia das artes per formativas e das

artes plá stica s a contribuição para a compreensão do desenvolvimento da

mente humana:

We need to bring past effort s in the art s and the humanit ies into the mix

and a lso use the current cont ribut ions of art i st s and phi losophers to

understand this most compl icated process that i s the human mind […] to

help develop the mind’s architecture so that i t can create c itizens

(António Damásio em ent revista a Kathleen M ILES, 2014).

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Parte I – Pessoas, espaços e repertórios

Todos nós vamos ao teat ro para assist i r a

um mi lagre: ao milagre da t ransposição

de toda a obra de arte. […] E os poetas

fa lam pela nossa boca, que é a dos

actores, uma linguagem que nos serve, e a

esses sent imentos, melhor do que a nossa

própria voz.

António Pedro, Antígona (1954), Prólogo.

Quando as pessoas começaram a fazer,

música e reci tai s de poesia – por

exemplo, nas arenas da Grécia -, estavam,

de facto, a questionar acerca da mente

humana, e de forma mui to incisiva. Eram

curiosos e levados à aventura da sua

curiosidade. […] A filosofia , o teat ro e a

música propocionaram-nos boa parte das

primeiras incursões a sério na mente

humana, um meio para nos

compreendermos a nós próprios e ao

out ro.

António Damásio, Uma fábrica para a

c idadania , 2015

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1. No teatro não só escuto o que se diz, mas vejo o que se faz

Alterando a s formas tradicionais de sociabilidade, o espírito

iluminista criou novos espaços, para a sua divulgação, e fez emergir uma

noção de espaço público enquanto categoria política hi storicamente

organizada3. A mudança de sensibilidades alterou as r elações sociais e a

vida políti ca nas sociedades europeias ; uma nova “economia emocional”

demarcou a exi stência de uma esfera privada e outra pública . Aquela

resguardou os sentimentos e as emoções, e esta os mostrou sob formas

socia lmente aceites. Autónoma em relação ao espaço da corte, a

aristocracia a largou os seus círculos de convívio , onde a cultura letrada

ganhou espaço de pensa mento próprio. A politiza ção da cri ada esfera

literária gerou uma esfera pública política e a transformação cultural da

sociedade, fru to da associação natural de indivíduos que produzem

julgamentos, e debatem temas de interesse geral pelo uso da razão. Os

novos modos de escrita , de cir culação das notícias – gazeta s e cartas – e

a emergência e consolidação de “forma s de sociabilidade literária e

mundana” – academia s, salões e cafés – serviram como estru tura

propagadora do moderno espaço público (Lousada 2011: 424).

O centro da esfera pública deslocou -se da figura do rei, enquanto

Estado, para o “domínio privado da família e dos indivíduos” , baseado

no “princípio da igualdade no uso da razão […] e na partilha e circulação

da informação fora dos cír culos tradicionais (colégios e univer sidades no

caso dos sábios, eruditos e filósofos, e corte e os meios diplomáticos no

caso da políti ca)” ( id., ibid.: 425). As “modernas ciência s empíricas, a

autonomização das artes e as teorias da moral e do dir eito” geraram

“esfera s cu l turais de valores que possibilitaram processos de

aprendizagem, segundo as l eis internas dos problemas t eóricos, estéti cos

ou prático -morais, respectivamente” (Habermas 1990: 13). A meritocracia

intelectual li terata de uma “sociedade marcada por padrões de referência

3 Ainda que sem ut il i zar a designação de opinião pública, em Beantwor tung d er

Frage: Was i s t Aufklärung? (1783) e out ras obras , Kant enuncia esse concei to ,

enquanto uso públ ico da razão. Cf . L IMA , F ranci sco Jozivan Guedes de (2011), “A

concepção Kant iana de Opinião Públ ica: sua relação com a guerra e a c orrupção do

poder públ ico”, Kines is 3 (6); HA BER MA S , Jürgen (1981), His tor ia y cr i ti ca d e la

opinión públ ica. La t ransformación cultural de la vida públ ica .

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formal e hierárquica” criou novos valores que reforçaram o poder das

elites ari stocráticas, na medida em que a “vanguarda burguesa das

classes médias instru ídas apre ndeu a arte do raciocínio público […] com

o mundo elegante” da autonomizada aristocracia (Haberma s 1986: 67 -

68).

Os estrangeirados foram preponderantes na di fusão do espírito da s

Luzes em Portugal. Francisco Xavier de Oliveira , o Cavaleiro de

Oliveira , que se tornara num burguês europeu em Londres, valorizava , no

Amusement périodique (1751), a importância de “uma burguesia rica

[relativamente] a uma nobreza indigente” , enquanto Ribeiro Sanches

defendia uma monarquia moderna ou burguesa, assente no trabalho e na

indústria , numa igualdade política e civil , em que o comércio tr aria a

justiça , a ordem e a liberdade , num progressi smo que ultrapassava o

espírito pombalino. Não obstante o comentário pouco abonatório de

alguns visitantes estrangeiros, o Portugal fine -setecentista viveu um

“cosmopolit ismo culto” (Lousada 2011: 428). De forma livresca, a elit e

mundana l etrada sofreu a influência da cultura das Luzes, pela leitura de

obras inglesas e francesas, que tanto escapavam ao controlo

alfandegário, como provinha m do contrabando de livreiros, para depois

serem discutidas em anima da s assembleias, em diver sas c idades de

província , para a lém de Lisboa, Porto ou Coimbra4. Não só se l eram e

discutiram textos de Voltair e , Diderot e Rousseau , como se

representaram tragédia s censuradas. O espírito de academia , que então se

vivia , contribuiu para a criação de um público capaz de interpretar,

avaliar e expressar o seu ju ízo crítico, a inda que a polí tica de P ombal

procurasse cercear uma opinião pública ampla e esclarecida.

O aparecimento do movimento árcade, com o objetivo de restaurar

as letras portuguesas, evidencia o advento de uma classe média letrada

para quem a arte li terária se r eveste de uma função de entr etenimento

intelectual, ou de ocupação de momentos de ócio. Apesar de contarem

com o apoio de elementos da aristocracia , as academia s árcades são

4 Cf. ARA Ú J O , Ana Cris tina (2003), A cul tura das Luzes em Portugal . Temas e

problemas . Lisboa: Livros Horizonte ( ci t . Lousada 2011: 248 )

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fundada s por elementos da burguesia . A Arcádia Lusitana teve origem

em tr ês “ juristas em busca de integração no funciona lismo público”

(Anastácio 2007: 2). A Cruz e Silva , Gomes de Carvalho e Esteves

Negrão, juntaram-se Reis Quita , Manuel de Figueir edo e Correia

Garção5, em cuja casa da Fonte Santa decorriam as a ssembleias

6. O grupo

da Ribeira das Naus reunia-se em ca sa do padre Francisco Manuel do

Nascimento, e no escritório do advogado J erónimo Estoquete, da Casa da

Suplicação (Lousada 2011: 437-38).

Os Árcades possuíam a profunda consciência t eórica , de que o poder

da razão e da vontade permitia “plani ficar as produções do espírito”

(Saraiva 1982b: VII) . O preâmbulo aos Estatu tos da Arcádia Lusitana

expõe a necessidade de um trabalho coletivo, estru turado, na pluralidade

de opiniões sapientes, reunidas em academia, numa clara exposição da

“ideia fundamental da moderna organização do trabalho cientí fico” ( id .,

ib id . : IX) , segundo um espírito cartesian o:

Communiquer fidèlement au public tout le peu que j 'aurais t rouvé, e t de

convier les bons esprit s à tâcher de passer plus out re , en cont ribuant,

chacun selon son inclination et son pouvoi r, aux expériences qu'i l

faudrait fai re, et communiquant aussi au p ubl ic toutes les choses qu'i l s

apprendraient, afin que les derniers commençant où les précédents

auraient achevé, e t ainsi , joignant les vies e t les t ravaux de plusieurs,

nous a l lassions tous ensemble beaucoup plus loin que chacun en

particulier ne saurait fai re (Descartes 1637: 63).

A Arcádia Lusitana fundou-se para “adiantamento das Belas Letras,

e não para fazer ostenta ção de ta lentos, para divertir o público ou para

dar que fazer aos prelos” (Garção 1982: II, 217). Assumiu um papel

5 Correia Garção , Manuel de Figuei redo e F rancisco José F rei re (Cândido Lus i tano)

pertenceram à Acade mia dos Ocul tos (1745), que t erminou em 17 55, após o

Terra moto , quando os seus me mbros se di spersaram (Saraiva 1982a: XV II- XV II I ; Anas tácio 2007 : 6). 6 A Fonte Santa, nos arrabaldes de Lisboa, aparece frequentemente mencionada na

obra poética de Garção. O “Long room da Fonte Santa” (soneto LI) “tornou -se um

curioso cent ro social”, após o Terra moto , quando “a ausência de espectáculos

públ icos e a t ransferência de mui tas famí l i as para os arredores da cidade foram a

origem do furor das reuniões casei ras e das pequenas festas com chá, torradas ,

reci t ais , bail aricos e ‘modinhas’ bras il ei ras” (Saraiva 1982a:x). Do cí rculo de

ami gos , constava o arqui teto húngaro Carlos Mardel , os oficiai s aus t r í acos

Weinhol tz, encarregados de organizar o Exército , sob a d i reção do Conde de Lippe , e

o coronel inglês Forbes MacBean, intendente de arti lhari a, ent re out ros es t rangei ros ,

a quem Garç ão dedicou algumas composições poét icas.

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nacional e público , l ivre de sujeições ao poder oficia l ; o espírito de

crítica foi o instrumento essencial da reforma (Saraiva 1982b: XXV ) . Se a

poesia apresentava uma utilidade social, como “ forma particular de

exprimir proposições lógicas” (Saraiva 1982b: XXXIV ) , o género

dramático, gra ças ao seu papel pedagógico, possuí a a força de

impressionar direta mente o público, incutindo sentimentos e ideias. Por

essa razão, os Árcades definiram que a restauração de um teatro

português era um objetivo de cariz nacional . A ideia prolongou -se pelo

Romanti smo, influenciando o espírito de Garrett7.

De muito lhes serviu L’Art poétique (1674) de Boileau8, o apodado

législa teur du Parnasse , e a Poética o reglas de la poesia en general

(1737) , de Ignácio de Luzán, mais do que a adaptação ao gosto português

do George Dandin , de Molière, por Alexandre de Gusmão , que o fez

representar por amadores de Li sboa, em 17379. A exagera da moda

ita lianizante foi sendo progressivamente substitu ída pelo espírito

francês, mais consentâneo com o ideal neoclássico. A “tradução em

vulgar” de Le bourgeois gentilhomme , pelo capitão Manuel de Sousa10

,

em 1769, passou a ser objeto de atenção dos imitadores portu gueses. A

sociedade culta percebeu a importância do impacto social do teatro, que,

acima de qualquer outro divertimento, apresentava um poder de

comunicação capaz de emocionar a té o público anal fabeto. A reforma do

teatro apresent ou-se como um investimento importante de uma burguesia

em ascensão, quer como ocupa ção do tempo de ócio, quer como forma de

negócio , ou ainda como forma de “negócio” polít ico .

7 Cf. Parte II – A missão const ru tiva da Arte Dra mát ica.

8 Te ve t radução portuguesa por D. F rancisco Xavier de Meneses , 4 º conde da

Ericei ra, em 1697. Foi publ icada no Almanak d as Musas , o ferecido ao Genio

Por tuguez , apenas em 1793. Cf . MO NT EIRO , Ofél i a Paiva (1965), No alvorecer do

“Iluminismo” em Portugal . D. Franci sco Xavier d e Meneses , 4 º cond e da Er iceira .

Coimbra: Coimbra. 9 Cf. MA RT IN S , António Coimbra (1969), “A propósi to de uma t radução de George

Dandin , at ribuída a Alexandre de Gusmão”, Arquivos d o Centro Cultural Por tuguês

(Paris ) , vol . 1 , 1969, pp . 216 -235; R EBE LLO , Luiz F ranci sco (1973), “Sobre Molière

em Portugal” , Colóquio/ Letras, nº 16 (nove mbro 1973). Li sboa: Fundação Calous te

Gulbenkian , pp . 22 -29. 10

Ta mbé m autor da t radução de Tartuf fo, ou o Hypocri ta (1868) , dada à es tampa e m

Lisboa, na Oficina de José da S ilva Nazaré .

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A afiançada burguesia virtuosa , que tanto apontara o dedo ao vício

sumptuário da aristocracia , como ao trabalho por necessidade do povo,

acabou por questionar , em finai s de Setecentos, o ideal de frugalidade e

de zelo, e criou doutrinas que valoriza ram os prazeres. Ó cio e negócio

tornaram-se doi s modos de consumo do tempo livre. Bailes, jogos e

saraus dançantes, formas de passatempo aristocrático, fora m igualmente

adotados pela burguesia . O trabalho, enquanto fonte de r endimento,

fundamentou a éti ca da burguesia: o negócio validou o ócio como forma

de r estaurar as energias despendidas quotidianamente. A nova classe

emergente rev ia-se no retrato que lhe traça va o romance de ambiente

plebeu . A fi cção condensava uma análise de caracteres e de ambientes,

ta l como nas artes plá stica s o faziam William Hogarth, em Inglaterra , ou

Jean-Bapti st e Chardin, em França. O teatro não podia deixar de

acompanhar a observação r ealista de tipos e ambientes, expondo

conflitos domésticos, com tendência s sentimentali stas, como defendia

Diderot , em França, ou Lessing , na Alemanha. A arte dramática prov ou

ser, tanto um excelente meio de ocupação do t empo livre, como uma

forma culta , na esfera privada do s teatros de salas, e na esfera dos

teatros públicos.

Abonando o serviço público da arte dramática, o projeto árcade não

podia deixar de valor izar uma sustentação t eórica na criação de um

repertório. Todavia , teoria e prática teatral constitu íram um binómio de

difí cil harmonização, na medida em que o público se habituara à exibição

dos géneros tradicionais, apelando ao “deslumbramento do ver e ouvir ” .

A magia verbal e vi sual do teatro barroco, “verdadeiro caleidoscópio de

imagens”, sobrepunha -se à essência textual (Barata 1991: 241), tanto na

erudita ópera ita liana , com na produção popular de entremezes, farsas e

mogigangas, de gosto fácil . Ora o modelo ari stotélico -horaciano,

preconizado pela Arcádia , defendia a clareza expositiva e est ilísti ca do

aspeto literário, o respeito pela verosimilhança, o tra tamento do caracter

psicológico da per sonagem como um todo consequente, assim como o

encadeamento ló gico da fábula , sem recurso a efeitos teatrais e

mecânicos para a resolução dos desfechos dramáticos.

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A verosimilhança constitu ía -se como força motriz de um drama que

se pretendia de atualidade. Apresentava-se como um elo entre a

per spetiva da receção estéti ca do espectador e a da produção l iterária do

dramaturgo, incentivado a inventar uma fábula e motivações capazes de

produzir em um efeito e uma ilusão de realidade. O verosímil interliga a

“teatralidade da ilusão teatral e a realidade da coi sa imitada pel o teatro”

(Pavis 2003: 428-29), na vontade de expressar uma verdade aceitável,

individual ou coletivamente. O que se a ceita como verdade e se

representa como tal deriva de “uma crença colectiva no que é normal, no

que é r egra , no que é a boa opinião e a op inião correcta , ortodoxa, sendo

essa normalidade indissociável da experiência do grupo ou da

comunidade” (Borralho 2011: 57). Explica -se a ssim a relatividade

histórica do conceito, dependente de uma mutante noção de verdade e de

uma evolutiva noção de parecença. A realidade é anali sada segundo os

padrões do pensamento dominante , e cada escola procura descrevê-la

segundo o seu ju ízo crítico. O cla ssici smo procurou demonstrar “a

verdade da s relações hu manas e das boas r egra s”, e o naturalismo

utilizou a realidade como objeto de descrição. No drama e no palco, a

realidade é contextualizada através do di scurso ficcional adequa do ao

descrito. Ser verosímil equivale à técnica artísti ca que imita , i .e . que

“põe em signo” uma realidade (Pavi s 2003: 429), que tanto serve o

dramaturgo e o a tor – enquanto produtores de signos dra máticos e

teatrais – , como o espectador, enquanto intérprete da competência

pragmática daqueles.

A preferência que a burguesia demonstr ou pela comédia e pelo

drama realis ta revel ou a importância que conferia à função t eatral : Hic

mores hominum castigantur11. O palco publicitava os ideai s fi losóficos

sobre arte de forma mais poderosa do que um artigo na Gazeta . A ação

do espetáculo teatral sobre o público vi sa o amor à virtude e o ódio ao

vício, mobili zando a razão e transformando a sensibilidade. O papel do

poeta dramático imita o do filósofo que disserta sobre a natureza

humana:

11

Aqui serão cas tigados os cos tumes dos homens . Divi sa mandada inscrever no

frontão do teat ro das Laranjei ras , por Joaquim Pedro Quintela , conde de Farrobo.

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Il parsèmera son récit de petites ci rconstances si l i ées à la chose , de

t rait s si simples, si naturels, et toutefois si di ffic iles à imaginer, que

vous serez forcé de vous d i re en vous-même: Ma foi, cela est vra i: on

n’invente pas ces choses- là. C’est ainsi qu’i l sauvera l’ exagération de

l’ éloquence e t de la poésie; que la vérité de la nature couvri ra le prest ige

de l’art; et qu’ il sati sfera à deux condi tions qui semblent cont radic toi res,

d’ê t re en même temps historien e t poète, vérid ique et menteur (Diderot

1819: 636).

Entre os árcades, Manuel de Figueiredo foi dos que mais trabalhou

para a reforma da arte dramática, muito embora a sua obra careça de

“uma mais estreita relação com […] a projecção cénica do dramático

enquanto lit eratura” (Barata 1993: 314)12

. Garrett tanto reconheceu nele

o “instincto de descobrir assumptos dramáticos nacionais” , a capacidade

para “desenhar bem o seu quadro”, para organizar bem a s figuras, como a

inépcia para a construção do diálogo, que se torna em “semsaboria

irremediável” . Todavia , na imensa produção dramática , que deixou,

encontra -lhe a possibilidade de ser “arranjada e apropriada à scena”,

tornando-se nu ma “mina tão rica e fértil para qualquer mediano

dramático!” (Garrett 1904: II, 171). Os seus prólogos demonstram um

sentido autocrítico e revelam uma vi são teórica teatral que proporcionará

a construção do modelo dramático garrettiano.

Em prol da verosimilhança, Figueiredo r ecusava o artifi cia lismo

teatral de solilóquios, apartes e personagens confidentes (Figueiredo

1804-1815: XIII , xvi) . Defendia uma consciência autoral difí cil de

conseguir , em que “os Autores se não [retra tassem] nas suas obras,

principalmente anali sando costumes e tra tando da anatomia do coração”

( id . , ib id . : IX , 444). O seu teatro trágico tende, por isso , a ser mais

“filósofo” do que “poeta” , mas a sua vontade de escrever “dramas útei s e

verosímeis” ( id . , ib id . : I, v) demonstra o desejo de refl etir sobre

conceitos paradoxais de Inverosimilhança e Verda de, Arte e Realidade,

Literatura e Dramaturgia (Borralho 2011: 49):

12

Cf . B A RAT A , José Ol ivei ra (1993), “A Poét ica de Manuel de F iguei redo”,

Hvmanitas , vol .XLV, pp.313 -334.

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Onde está o poeta que hei -de imitar, onde os originais que hei -de segui r?

Hei -de mover o ri so, o ri so crítico. E onde encont rarei os c aracteres?

(Figuei redo 1804 -1815: I, v)

Propondo-se criar uma comédia de costumes nacionais, uma

comédia burguesa, o palco a firma -se como uma “espécie de púlpito

efi caz donde prega o filósofo” (Saraiva [s .d.]: 626), e a cena como um

quadro vivo que “pinta os homens como são” (Figueiredo 1804 -1815:

VII I , xlvi) . Dramaturgo e a tor, servindo -se da liberdade poéti ca do faz de

conta , constroem um mundo falso e fantasi sta , que carece da aceitação

do espectador, para que a Arte ganhe uma d imensão virtual (Borralho

2011: 50). Figueiredo r econheceu que as regras dos géneros

espeta culares – tragicomédias, óperas trágicas e cómicas, far sas,

burletas, entremezes, sainetes e divertimentos por música – não se

encontravam nas preceptiva s clá ssicas, mas “no Theatro, na Musica e no

Povo; e no verniz que lhes [dava] um ou outro Comico” (Figueiredo

1805b: VIII , xlv). O seu constante desejo de encontrar novos conceitos

conforma uma propen são para a experimentação inspirada nas lições de

Voltaire ou de Diderot sobre o drama burguês. No Discurso que antecede

A mulher que não parece , além das tradicionais terminologia s –

“comédia larmoyante”, “ tragédia bourgeoise” – , propõe a novidade de

uma “natural representação da vida humana” (Figueiredo 1804 -1815: IX ,

26).

É indi scutível a importância que atribui ao u so de didascálias, quer

para especi fi car o quadro cenográfico e o figurino, quer a prosódia

indi spensável à cena – vozes a ssu stadas, palavras su ssurradas . Quando a

referência denotativa lhe falta , transforma -a em metáfora de

comportamento – “em ar de tocar -lhe o fogo”. Na esteira de Diderot ,

Figueiredo compreende o valor do silêncio enquanto linguagem cénica,

que valoriza o gesto que se executa entr ementes:

Esta he a tercei ra vez que deixo o theat ro em silencio neste Dramma; e

como cahi no mesmo defei to em out ros por sacri fício à Ver i simelhança

[…] devo adverti r os Cómicos de que, nestes momentos, não só a ffe item

a pantomima e a carreguem, como dizem os i ta l ianos, quanto o permi ti r o

Caracter das personagens e a paixão; mas encurtem quanto for possivel

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aquelles momentos em que o teat ro fica em silencio (Figuei redo13, apud

Borralho 2003: 145 ) .

Perigos da Educação , única peça r epresentada, no Teatro do Bairro

Alto, a 8 de maio de 1774, desagradou ao público, sendo retirada de

cena . Esse conflito di fí cil de aceitar l evou-o a escrever O dramático

afinado ou Crítica aos Perigos da Educação14. Para quem considerava

necessário “ introduzir o bom gosto neste povo bárbaro” (Figueiredo

1804-1815: XII, xi) com precaução, o público pagava com estranheza a

novidade de um teatro que parecia demasiado verdadeiro:

Reagiam, de certa manei ra, à t raição que é um teat ro que se pode

confundi r com a vida comum, a vida que no fundo desprezavam. Iam ao

teat ro por dele ite , por desejo de fantasia , pela di ferença que o Teat ro

t inha da Vida. […] A Vida , sabiam eles o que era (ou pensavam ser): não

iam ao Teat ro ver a sua Vida, mas a Vida que n ão podiam ter (Borralho

2011: 52).

Correia Garção, condenando a tradução, recomendava aos confrades

árcades o modelo horaciano , de imitação dos antigos, “nas fá bulas, nas

imagens, nos pensamentos, no estilo”, porque “quem imita deve fazer seu

o que imita” (Garção 1982: II, 135). O conceito servia ao teatro, e muito

sabería mos sobre a sua aplicação, se não se tivessem perdido Régulo e

Sofonisba , as duas tragédias de assunto romano que ter á escrito.

Ironica mente, de que m di ssertou sobre as r egras do t eatro trágico grego,

apenas conhecemos os “dramas” cómicos, Teatro Novo (1766) e

Assembleia ou Part ida (1770) , que não alcançaram o sucesso

ambicionado, sobretudo aquele, vaiado pelo público do teatro do Bairro

Alto, sem que a representação termina sse15

. Em ambos se desenrola um

13

F IG UE IRED O , Manuel, Poez ias e out ros t extos , BNL. , COD 12925, s.p ., fo lha sol ta,

cortada em oi tavo. 14

Em maio de 1990, a Cornucópia apresentou o espetáculo Um Poeta Af inad o, uma colage m de t rês comédias de Manuel de Figuei redo que se relacionam ent re si –

Ensaio Cómico, Per igos da Educação e O Dramático af inado – , que, segundo Luís

Miguel Cint ra, revela m o confl ito de F iguei redo “com os cómicos , com o próprio

t exto e com o mundo e m geral”. Todas elas havia m s ido escri t as em Ma io de 1774,

no espaço de escassos dez dias . [Teat ro da Corn ucópia. Historial . 40 – Um Poeta

Af inado . http :/ /t eat ro -cornucopia.p t ] (consultado 25/02/2015) 15

Assembleia ou part ida , em adaptação de Gus tavo de Matos Sequei ra , fo i l evada à

cena do Teat ro Nacional Almeida Garret t , encenada pelo ator -encenador António

P inhei ro , a 1 de junho de 1915. Pertenceu ao repertório da empresa Rey Colaço –

Robles Montei ro , que a fez representar , no mes mo teat ro , a 4 de fever ei ro de 1933,

ent re 6 e 20 de março de 1937 (4 récit as ) e a 13 e 20 de abri l de 1940 (2 réci t as ) .

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quotidiano burguês presumido, insólito, r isível , em que Garção identi fi ca

doi s grupos sociais distintos, cujas personagens principais se encontram

financeiramente falidas. Enquanto Brá s Carril ( Assembleia ) se endivida

para manter a r epresentação social, Aprígio Fa fes ( Teatro Novo ) dispõe-

se ao mesmo, quando descobre as potencialida des do t eatro, para

conseguir um estatu to socioeconómico que lhe falta .

Mais do que satir izar a burguesia , ao j eito do entr emez , estes

“dramas” de situação revela m “as t endência s democrática s que se

generalizavam” (Saraiva 1982b: LVI I) , r etra tando a vivência quotidiana,

numa tentativa de criar um teatro de matri z nacional, com personagens

característi cas do meio e da época, de fác il identi ficação pelo

espectador , uma comédia humana do seu tempo . A pretendida

verosimilhança exigia um estudo psicológico ; forçoso se tornava

trabalhar a ação e os estados de alma de forma económica, a través do

encadeamento plausível dos acontecimentos e do decorum das

per sonagens. O público deveria ser impressionado “pelo movimento da s

paixões”, pela sensação de “surpresa” proveniente dos acontecimentos,

sem recurso ao “ridículo” de “tramoia s e decora ções” mecânica s:

Aos teat ros concorre todo o mundo com a ideia de que só vai d ivert ir -se

e recrear-se. E se o poeta tem a fe liz arte de obrigar a que os

espectadores se t ransportem com o movimento das paixões, e neste

t ransporte lhes inspi ra uma máxima de boa Ét ica , o t riunfo é infa lível

(Garção 1982: I I , 128).

A boa intenção não chegou para fazer vingar a contenção estética

árcade, que sobrepunha a linguagem à mecânica de cena. Embora

transmita m o “testemunho atento e participado das inquietudes da época

em que viveram” (Barata 1993: 315), tanto Figueiredo, como Garção,

escreveram para “um tempo que ainda não era o seu, ou já o er a , mas não

na plenitude r enovadora que se pretendia” ( id ., ib id . : 317).

Assembleia ou Partida , levada à cena no Teatro da Rua dos Condes,

lembra a gravura hogarthiana de um quotidiano burguês. A ação gira em

torno de uma família que pretende levar a efeito uma “assembleia”, ou

sarau elegante, “manias” de f idalguia , imitação “da s sãs delícia s, do

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suave prazer da companhia” (Garção 1982: II, 45), como ocorria nos

palácios da aristocracia de sangue, expressas nas Memórias do Marquês

da Fronteira . Embora a frequência dos espa ços de sociabilidade

aristocrática fosse selecionada, o sucesso dos saraus repercutia -se na sua

imitação em ca sa de comerciantes abastados e de oficia is mil itares. Os

atributos elegantes de nobres serviam à ascensão da burguesia , cuja

prática regular das assembleia s patenteou a vivência de um espaço de

formação cultural e de amadores notáveis. A modernização da

sociabilidade cultural e mundana emancip ou a “tu tela cur ia l e

aristocrática” e construiu uma “nova elite socialmente alargada ” , em que

as relações interpessoai s de a madores e profi ssionai s produz iram

acontecimentos culturais semiprivados de “divertimento mundano”, que

fez r ealçar o papel preponderante da mulher (Lousada 1995: 293).

A esfera mundana feminina pretendia afirmar -se como alternat iva à

erudição masculina; o salão particular servia como alternância à

academia de sábios. A linguagem de salão cultivava a flu idez, excluía a

grande retórica , e priv ilegiava o aspeto lúdico, bem como a aparência de

naturalidade. A cultura elegante, segundo o Grand Dictionnaire des

Précieuses ou la Clef de la langue des ruelles (1661), de Somaize ,

realçava a oralidade, a cujos cultores se exigia a capacidade de decla mar

(e de improvisar) pequenas composições poética s – sonetos, epigra mas,

madrigais – , e possuírem l’esprit como atributo : “ il est absolument

nécessaire qu 'une personne en ait ou affecte de paroi stre en avoir, ou du

moins qu 'ell e soit per suadée qu 'ell e en a” (Somaize 1661: I, 23)16

. Nesta

definição enquadraram-se as rid icules que Molière figurou e Garção

recriou.

Sem ridicularizar o gosto pelas r euniões sociais, que ele próprio

organizava na Fonte Santa , Garção satir izou o “rábido furor do

16

Somaize vers i f i cou Les précieuses r id icules , de Mol ière, como forma de fazer

just i ça aos ensinamentos do romance do abade de Pure, que aquele roubara. Escreveu

ainda uma comédia e m prosa, Les vér itables précieuses (Paris , 1660) e out ra, em

versos burlescos , Le procés d es précieuses (ibid . , 1660).

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13

pedantismo”17

, e r ebaixou as pretensões pequeno-burguesa s daqueles que,

copia ndo a aparência dos estratos sociais superiores, eram incapazes de

entender a sua essência . Apenas a dona da ca sa, D. Urraca Azevia ,

lusitana précieuse rid icule18

, e o pinta legrete Jofre , seu fi lho, são

declaradamente ridículos . O teatro do mundo r etratado encontra -se ele

próprio eivado do mundo do teatro que o r etrata; diver sas são as a lusões

à linguagem teatral – “isto é comédia, Dulce; trazem ambos os papéi s

estudados” (Ga rção 1982: II, 65) – , sem contar com a caracterização do

amaneirado Jofre , excessiva personagem de farsa quotidiana. Neste

retra to irónico de dia -a-dia de elegância fingida, duas peripécias deita m

por t erra as pretensões sociais . Primeiro, o pânico criado na assembleia

pelo diagnóstico pedante do Doutor Mucónio sobre a “ endémica,

epidémica, estrangeira pestí fera , leta l enfermidade ”, que contagia Jofre e

a “mocidade estu lta” ( id ., ib id . : II, 82):

Consiste na disforme, na medonha,

Espantosa grossura dos cabel os

Que ci rrosos, talvez ligni ficados

Se grudam e se empastam um com out ro.

Esta massa fa tal ou côdea espessa ,

A cutânea excreção embaraçando,

Os humores estagna excrementíc ios,

Se inflamam, se coagulam nas minutas

Ceri ferárias glândulas represos .

(Garção 1982: I I , 84).

Contra tão douta e ágil argumentação fi ca a perplexidade de Braz

Carril sobre “quanto sabe, quem sabe a Medicina” ( id ., ib id . : II, 92) e a

nossa l embrança de um soneto de Tolentino , sobre u m toucado feito de

colchão . A segunda peripécia ocorre na der radeira cena, com a entrada

do Meirinho e demais autoridades “mandadas” cobrar a dívida de Braz

Carril , sob pena de arresto dos bens. Desfecha -se a comédia na amarga

ironia de uma felicidade comprada , tropo usado anteriormente em Teatro

Novo . Incapaz de pagar, vê-se o dono da casa obigado a casar Dulce,

17

Verso de uma Sát i ra perdida de Garção, ci t ado por Luís Rafael Soyé (1760 –

1831), no Discurso preliminar ao seu poema Sonho Erót ico (1786) (apud FILIPE

2003: 240). 18

Cf . R EBE LLO , Luiz F ranci sco (1973), “Sobre Mol ière em Portugal”, Colóquio

Letras, nº 16 (nove mbro 1973). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian , pp .23 -29.

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Branca e Jofre com Jacob, Picote e Mafaldinha, num hogarthiano

marriage à la mode, sem a mor e sem dívidas, num conclu sivo elogio à

amizade conveniente:

Que generoso exemplo de amizade,

Que nobres corações de honrados peitos!

Mas neste raro exemplo se não fie

Quem se emprega no mar de desperdíc ios.

[…]

E Bi lhost res, Mucónios e Picotes

São di fíceis de achar. Batei as palma s.

(Garção 1982 : I I , 101)

A situação retratada não seria a lheia a Garção , que em 1766, passara

por di ficuldades financeiras. Ele, que vivera abastado, viu -se intimado,

nesse ano, por uma provisão Régia , a ver penhorados os ordenados que

auferia do Estado, por causa de uma dívida (Saraiva 1982a: XX) . A

antevi são de um “trágico Destino” regi stou -a no soneto XVII I: “da fome

crua, esquálida pobreza/ em vão fugir desejo, em vão procuro” ( Garção

1982: I, 20).

Nesse ano, os fidalgos protetores do Teatro da Rua dos Condes

ligaram esta empresa com a do Bairro Alto . Para Garção , a situação

revela va-se excecional, digna de uma “Ode Pindárica”, que lhe

conferi sse um estatu to digno. Em estilo neoclássico, de expressão

complexa, a mpli fi cada, erudita , Garção eleva o facto comum a um

acontecimento de pompa e circunstância , espécie de “ máscara de

grandeza colectiva” (Saraiva 1982a: XLVII) , dedicada Aos fidalgos que

protegiam o Teatro do Bairro Alto :

Tempo, tempo vi rá que as desprezadas

Musas do pát rio Tejo,

Por vossas mãos benignas levantadas,

No porto vão surgi r que ‘inda não vejo.

Então, então sem pejo

Em grave cena adereçando a História,

Most rarão quanto pode o amor da glória.

Calçando o humilde soco, ao fe io vício

A máscara rasgada,

Hão-de ensinar no cómico exercício

Como a Verdade, do alto Céu mandada,

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De rosas coroada,

Sãs máximas d itando ao povo rude

Espalha os claros raios da Virtude .

(Garção 1982: I , 82-83)

O momento parecia apresentar -se propício à renovação da produção

dramática, como aqui se l ê, em sintonia com o papel do ator e a

qualidade formadora do teatro. Garção terá visto ensejo para a sua

contribuição de poeta dra mático, e à exposição dos princípio s arcádicos

associou uma composição dramática original, metateatral, que expõe,

numa duplicidade titu lar, o seu conceito irónico de um novo teatro, numa

nova Lisboa . Teatro Novo representa “uma reunião de pessoas

inter essadas em montar um teatro e que di scutem a peça a levar a cena”

(Saraiva 1982b: LV I) , segundo um pro cesso de descritivi smo realista19

.

Tal como em Assembleia ou Partida , retra tam-se costumes, pessoas e

ambientes, da s institu ições e da sociabilidade burguesa, numa per spetiva

costumbri sta , sem apologias, nem depreciações excessiva s. Garção

entendia esta novidade teatral, como enunciara na Dissertação primeira

sobre tragédia (1757) : “no teatro não só escuto o que se diz, mas vejo o

que se faz” (Garção 1982: II, 110). O emergente reali smo burguês não se

afastava substancialmente da prece ptiva ari stotélica quanto ao ofício do

poeta dra mático, a quem competia “representar o que poderia acontecer

[…] segundo a verosimilhança e a necessidade”, em vez de narrar o

acontecimento em si mesmo (Aristóteles 19 86: 115).

Todavia , Teatro Novo publicita a consciência de que a a tiv idade

teatral vale também enquanto negócio. Este motivo sustenta uma intriga

simples, em total oposição ao gosto set ecenti sta pelo desenvolvimento de

enredos complexos, recheados de coups de théâtre . Garção privilegia um

interesse dramático centrado num único motivo, que ocorre num único

espaço cénico, sincronizando o tempo de ação com o tempo de

representação e reduzindo o elenco aos agonistas necessários à ação, o

que permite desenvolver a caracterização psicológica das personagens,

entre a s quais não encontramos um patente protagonista , mas a pena s uma

19

Cf . THO RA U , Henry (2015), “Teoria ao palco: o d ivert id í ss imo Teatro Novo de

Correia Garção, 1766”, em MÜ LLE R , Chri stoph/ NEUMA N N , Martin (eds.) , O Teatro

em Por tugal nos séculos XVIII e XIX. Lisboa: Colibri.

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per sonagem central, motor do conflito dramático: o fa lido “zângano”

Aprígio Fafes.

É o desejo de sobreviver em tempo de crise económica que o

mobiliza a considerar a hipótese de constru ir um teatro e investir nu ma

“nova companhia/ de cómicos e músicos chapados”, como forma “breve”

de enriquecer e casar suas filha s com out ro dote, que não “ seu s olhos

azuis, cabelos loiros” apenas. O seu espírito negocial ideali za a empresa

financiada pelo compadre Artur Bigodes, “mineiro” recém -chegado com

“infindo dinheiro”, tão “sagaz” quanto “avarento”, e pa drinho de

Aldonça. A críti ca a o emigrante regressado do Brasil , carrega do de ouro

fei to na escravatura , que não “compra um nome digno da póstuma

memória” (Garção 1982: I , 120) , encontra -se também na Ode XV:

O Minei ro na roça afli to cave

C’os sórdidos escravos;

Por ignotos sertões exponha a vida

Do bárbaro Tapuia

À seta venenosa, à veloz garra

Do tigre mosqueado;

Sofra na Linha podre calmaria,

Relâmpagos e ra ios;

Para n’aldeia ent rar acompanhado

De descalços t rombetas,

De purpúreas araras, inquietos,

Petulantes bugios.

Gaste pródiga a mão, em poucas luas,

O ganho de dois lust ros,

Para a vermelha Cruz brilhar no peito,

Que os fardos incurvaram.

(Garção 1982 : I, 119-20).

Arma -se o “engodo” para “ tosquiar” o compadre; l evá -lo a cr er que

a tímida afilhada lhe quer bem, apesar da repu gnância que sente pela

notória diferença de idades, tornando -se assim em títu lo de caução do

empreendimento. Aprígio exige-o em nome do amor filia l devido a um

“pai cansado”, que apena s almeja ver a filha bem “ca sada c’um senhor de

terras, rodando pela s ru as de Li sboa em dourado carrinho”. A astu ta

mana Branca, retra to da mãe, “cigana refinada/ que as a lmas atraía […] a

beijar a pedra d’ara”, fará papel de alcoviteira no arranjo ma trimonial;

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será uma enredadeira descarada na caça ao dinheiro e favores do

compadre Artur em seu benefício próprio (Garção 1982: II, 7-11). Tudo

estaria bem nesta comédia, com um casamento por conveniência a

legalizar a arte dramática, se o capricho enciumado de Artur B igodes em

ser galã exclusivo de sua dama, no t eatro e na vida, não comprometesse o

empreendimento, provocando u m desenla ce aparentemente fel iz de uma

desenganada Aldonça:

Aldonça

Infausta sede de ouro, a quanto obrigas

A cara liberdade! O puro afecto

A duro cativei ro hoje condenas!

Artur

Amigo Aprígio Fafes, de teat ro

Bem te podes deixar: assaz nos bastam

Os teat ros que temos em Lisboa

Nem tudo há -de ser óperas ou comédia.

Eu caso com Aldonça e doto Branca.

(Garção 1982: I I , 38)

Desta unidade emerge uma segunda, sobre a essência do teat ro. O

enredo torna -se meta teatral, numa comedida autoironia autoral. A

Arcádia Lusitana encontrava -se em declínio desde 1759. Garção parece

querer parodiar uma assembleia árcade em casa de Aprígio Fafes, para

discutir a empresa teatral. A reunião organiza -se de forma ordeira por

sugestão do próprio dono da casa, “votando por turno cada qual, quando

lhe toque” ( id ., ib id . : II, 27), conforme publicitavam os Estatu tos

árcades. O compadre “mineiro”, que admitira que o negócio tinha “laivos

de jogo”, mais dependente da “fortuna” que da “ciência”, aprovava o

“bom projecto”, desde que levasse vantagem sobre os teatros da Rua do

Condes e do Bairro Alto: uma alusão óbvia à qualidade do

empreendimento louvado na Ode aos patronos do t eatro.

Sonhos de grandeza motivavam Aprígio; espectros de herói s

trágicos la tinos inspiravam -lhe uma vi são de teatro. Presumindo de

entendido em vi sualidades de feira e vestes de romarias, apalavra desde

logo alguns elementos para a companhia: “arquitecto, poeta , bons

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actores, um mú sico”, a lém de Branca e Aldonça, da mas galantes, de

cujos olhos travessos todo o povo ficaria pendente. Propõe -se um belo

reclamo para lucro certo , sem o qual Artur Bigodes não daria aval:

Pois i sso é ouro sobre azul; que o povo

Ou dorme ou ri , se vê uma tapuia 20,

Arrancando suspi ros emprestados,

Torcer os vesgos olhos e most rar -nos,

Abrindo a negra boca, que é cerrada.

Eu empresto o dinhei ro; mas declaro

Que i sto se entende em quanto as damas forem

Engraçadas, formosas e bem feitas .

(Garção 1982: I I , 15)

Fica expressa a reprovação do estilo grotesco de representação, em

favor do que se entende ser a mais -valia de um espetáculo popular –

damas engraçada s, formosas e bem -feita s – , sobretudo nas comédias de

capa e espada espanholas – Pedro Calderón, Moreto y Caba ña , Baces

Candamo, ou Salazar y Torres – , que Artur Bigodes tanto aprecia .

Os convocados para a reunião vão chegando. Jofre, que é mú sico e

mestr e de Aldonça, por quem nutre sentimentos, e Inigo, que é a tor de

profissão. Aquele “arrepia a lmas” nas árias, e este arrasa nos “lances

amorosos”. Segundo Aprígio, sendo também dançarinos e grandes poetas,

“ tudo ao mesmo tempo”, tornam -se doi s “non plus u ltra do teatro”. O

doutor Gil Leinel, Homero e P índaro português, chega só, descrendo da

sinceridade humana, que se aproveita do ta lento do poeta , para o

desdenhar em seguida. O li cenciado Braz traz consigo Monsieur Arnaldo,

“prático arquitecto” que em si transporta o espírito dos grandes

cenógra fos – “Pozzi , Paradossi e Bibiena” – , e a quem a per spectiva sai

em “cada pulsa ção” arteria l na construção de um teatro. Formada a

assembleia , Aprígio Fafes abre os trabalhos na sua forma peculiar:

Que grave t ribunal ! Que majestoso!

Mal sabe o mundo agora que pendente

Deste conclave está o seu dest ino. 20

António José Saraiva sugere que o t ermo equivaleria a “l abrega” (Garçã o 1982: II,

14 , nota 14). Contudo não deixa de ser in teressante que a palavra seja usada por

Artur B igodes, que chega do Brasi l. O termo s igni f i ca, por um lado, o modo como os

portugueses des ignava m os indígenas brasi l ei ros que não falava m tu pi ; e, por out ro,

um c aboclo ignorante, conceito que parece exprimi r a ideia de alguém se m

competência para o exercício do ofício de ator .

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19

Oh! Quanto, amada pát ria, quanto deves

A teu bom cidadão, Aprígio Fafes,

Suando e t ressuando por salvar -te

Do pélago profundo da ignorância,

Onde pobre jazias, atolada

Ent re péssimos dramas corriquei ros!

Deste cano real hoje te saco,

Qual saca o gandaei ro um prego torto

D’ent re os chichelos velhos da enxurrada.

(Garção 1982: I I , 25)

O autoelogio justi fica -se na euforia de “fundar um bom teatro”,

agora que a Fortuna lhe “depara feliz ocasião de executá -lo” , a expensa s

do compadre. Apesar di sso, o seu ju ízo de curioso dramático dita -lhe

uma estru turação desordenada: “ajuntar a sarabanda, rep artir os papéi s,

escolher obra, as vistas idear, e [celebrar]/ com solene escritura [o]

contrato” ( id ., ib id . : II, 26). Como presidente da assembleia comporta -se

arcadicamente, dando a palavra a cada elemento para que exponha o seu

“voto”; cinco visões sobre a arte dramática consubstanciam um modelo

de Garção para um teatro novo, onde se escutaria o que se diz, e se veri a

o que se fa z.

Gil Leinel, que “sustenta o ponto de vi sta de Garção” (Sa raiva

1982b: 26, nota 8), assume a defesa da poesia , do drama regular,

segundo Ari stóteles. Ainda que o t eatro possa ser um divert imento do

“povo rude”, sali enta o seu valor pedagógic o, feito a través de “fábulas

sublimes”, exposta s com “si suda dicção”, “fra se nobre” e “sonoroso

ver so torneado”. Ao poeta dramático competiria “desagravar” a “casta

língua”, expurgando -a da mania da “remendada fra se de mil vozes

bárbaras”, tendo como objet ivo a restauração de um teatro português.

O licenciado Braz, pretensioso representante de uma faceta da

burguesia , aprecia a jo ie de vivre – “quem ao teatro vem, vem divertir -

se,/ quer rir e não chorar” (Garção 1982: II, 28) – , antagonizando assim a

per spectiva de l’ésprit de grace do literato Leinel . A postura sobranceira

em relação ao público que “ só se agrada de lances sobre lances”

denuncia uma sobrevalorização da classe média face a e stra tos

inferiores, num elogio ao consumismo de importação – “não fal tam boas

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ópera s, comédia s, em Francês, I ta liano, em outras línguas/ que pode

traduzir qualquer pessoa” – , condicionando a produção autoral a

espetá culos de moda, de reconhecimento público, para “que o povo diga

bravo e dê palmada s” ( ib id .: ib id .) .

O ilustrado arquiteto Arnaldo sintetiza a relação entre o espaço

fí sico do t eatro e a produção espeta cular: “com drama s não me meto; os

bastidores é só o que me toca” ( id ., ib id . : 29). A referência ao moderno

teatro ita liano, que abolira a tragédia r egular, aponta para a mudança de

paradigma no gosto do público, a tra ído pelo deslumbramento “de vi stas

sobre vi stas” e de efeitos cénicos – “trovoada s com raios e relâmpagos

tão próprios” – , em que a fi cção se confunde com a realidade, a ponto de

“ver a gente fugir dos camarotes espantada, [bradando], misericórdia”. O

elogio da cenogra fia determina o bom arquiteto, que “mágico parece”

( ib id .: ib id .) . A clara filiação na escola de Bibiena, que o licenciado

Braz lhe atribui, torna evidente a referência de Garção ao conceit o de

palco à ita liana, com bastidores múltiplos, r ecurso à per spetiva

cenográ fica de profundidade, ao uso de maquinaria de cena mais

complexa, que permitia “a construção de efeitos de i lusão, de

maravilhoso e de magia no palco cénico” (Vasques 2009: [5]):

Estes processos de instauração da metamorfose como fantasia libertadora

a t ravés de efe itos eminentemente tecnológicos e plásticos, viria a

aumentar o fosso […] ent re o “ teat ro de texto” e o “ teat ro de imagem”.

[…] A cena teat ral tornara -se não só o lugar por excelência da

c i rcunstância e o espelho ideal para exprimir a pompa absolut i sta, mas,

parale lamente , o veículo do inconformismo e da dissimulação que são os

sintomas premonitórios de grandes convulsões sociais que o inconsciente

colectivo, de que a arte é expressão, adivinha antes de compreender

(Vasques 2009: [5 -6]).

Inigo r epresenta o t estemunho do ator profissional, que , a reboque

de Metastásio, tanto interpreta , como escreve obras dra máticas com

“duos, árias e cavatinas” . Ele e Jofre, defendem a importância da música

e da dança em cena. Jofre elogia um estilo que soa ao da comédie-

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ballet21, que Molière, Lully, Charpentier e Beauchamps haviam criado e

desenvolvido em França :

Há cousa mais formosa que a ligei ra,

Calada pantomima, cujos gestos,

Sem auxílio das vozes, representam

Recôndi tas paixões, mudos suspi ros,

Que entende o coração, ouvem os olhos?

(Garção 1982: I I , 31)

Garção parece prenunciar a introdução futura deste género na cena

portuguesa, onde, para a lém do representado George Dandin , se haveria

de levar à cena Le bourgeois gentilhomme , considerado a obra -prima da s

suas comédias-ballet s22

, e Le malade imaginaire23. A defesa da

espeta cularidade do baile, com “leves e grandes saltos mortais” ,

entrechats (“bater c’os calcanhares oito vezes”) e port-de-bras (“ torcer o

corpo e revirar os braços”), denota o conhecimento da arte da dança,

aperfeiçoada por maîtres de balle t, como Noverre, que a teorizou em

Lettres sur la danse et sur les balle ts (1760). Para este bailarino-

coreógra fo a pantomima emprestava à dança uma expressividade capaz

de sensibilizar e emocionar. O depuramento dos figurinos barrocos

permitiu uma maior mobilidade na ação e nas movimentações cénica s.

Simplifi cando os passos e tornando os gestos subtis , procurou criar um

ideal de expressão, uma verdade que interpretasse as ideias contida s na

música. O estudo da gestualidade do cidadão comum, nos diver sos

21

Género criado e m Les Fâcheux (1661) , quando Molière se instalou no Palai s Royal

com a sua t rupe, depois Les Coméd iens d u Roi . Da colaboração direta com o

composi tor Jean -Bapti ste Lul ly e o mes t re de bai le Charles -Louis -Pierre de

Beauchamps surgi ram várias obras , em que o r igor da t écnica da dança cláss ica se

inseria no ent recho dramát ico para expressar sent imentos humanos . Beauchamps

codi ficou a t écnica de dança, com as cinco pos ições cláss icas . Quando Mol ière e

Lul ly rompera m co m a parceria art í s ti ca , Marc-Antoine Charpentier tomou o lugar de

Beauchamps , compondo a música para Le malade imaginaire (1673). 22

Comédias -ballets de Molière -Lul ly-Beauchamp: Les fâcheux (1660), La pastorale

comique (1667), Le Sici li en (1667), L’Amour méd ecin (1665), George Dandin

(1668), Monsieur d e Pourceaugnac (1669) , Les amants magni fiques (1670), Le

Bourgeois genti lhomme (1670), Psyché (1671), La Comtesse d’Escarbagnas (1671);

comédia-bal let de Mol ière -Charpent ier -Beauchamps: Le Malad e imaginaire (1673).

Ao longo do século XVIII, o género fo i perdendo importância e t ransformando -se na

coméd ie l yr ique . Voltai re retomou -o em La Pr incesse de Navarre (1745), com

música de Jean -Phi lippe Rameau . 23

Sobre as peças de Mol ière representadas em Lisboa, até 1770, cf . MA RT IN S ,

António Coimbra (1982), “Pombal e Mol ière”, Revista de His tória das Ideias , vol . 4

– Tomo II, pp . 296 -297.

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espaços de sociabilidade plebeia , aproximou a dança da

contemporaneidade (Laban 1990: passim ) , e o di scurso de Noverre

esboçou assim uma filosofia da encena ção24

:

La Poésie, la Peinture & la Danse ne sont […] ou ne doivent ê t re qu’une

copie fidelle de la belle nature: c’est par la vérité de cette imi tat ion que

les Ouvrages des Racine, des Raphaël ont passé à la postérité; […] Un

balle t est un tableau, la Scène est la toi le, les mouvements méchaniques

des figurants sont les couleurs, leur physionomie est , si j’ose m’exprimer

a insi, le pinceau; l’ensemble & la vivaci té des Scènes, le choix de la

Musique, la décoration & le costume en font le colori s; enfin, le

Composi teur est le Peint re. Si la nature lui a donné ce f eu & cet

enthousiasme, l’âme de la Peinture & de la Poésie, l’immortalité lui est

également assurée. L’Art i ste a ici , j’ose di re , plus d’obstacles à

surmonter que dans les aut res Arts; le pinceau & les couleurs ne sont pas

dans ses mains; ses Tableaux doivent ê t re variés, & ne durer qu’un

instant; en un mot , il doit fai re revivre l’Art du Geste & de la

Pantomime, si connu dans le siècle d’Auguste (Noverre 1760: 2 -3).

Garção, pela boca de Jofr e, desaprova as óperas cantada s em

português, l íngua imprópria para o canto lír i co . Tolera todavia a

recitação de algumas árias e duetos, sendo “o mais em prosa: para o

teatro nós não temos ver sos” (Garção 1982: II, 31), em remissã o clara

para António José da Silva – Encantos de Medeia , Precipício de

Faetonte , e Guerras de Alecrim e Manjerona – , de quem Branca

referencia as obras impressas, numa alusão evidente à quarta impressão

do Theatro Comico Portuguez ou Collecçaõ das Operas Portuguesas…

(1759 – 1765) , na Oficina Patriarcal de Franci sco Luís Ameno25

. Na

realidade, esta “estru tura joco -séria” em prosa, entr emeada de números

musicai s e de árias, expressava um gosto popular, um “embrião da opera

buffa , recheada com elementos zarzuelescos” (Barata 1998: 223), de uma

comédie foraine , oriunda das feira s de Paris , onde, em 1714, nasceu a

opéra-comique (Picchio 1969: 189).

Se as duas primeiras obra s citada s sã o de argumento mitológico, a

lembrar o t eatro espanhol de Rojas Zorrilla , nos Encantos , e o de

Calderón, no Faetonte , a terceira reproduz um quotidiano mexeriqueiro

24

Cf . Parte III – Quat ro t eorizadores da práti ca t eat ral . Augus to de Mel lo: o r igor da

escri t a de cena. 25

Cf . B A RA T A , José Ol ivei ra (1998), Histór ia d o Teatro em Por tugal (séc. XVIII):

António José d a Si l va (o Judeu) no Palco Joanino . Algés : Di fel .

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l isboeta , a través de uma “precisa caracterização das per sona gens e um

inter esse pela construção interior do drama, entendido como enredo além

de espectá culo” ( id ., ib id . : 192). Tendo o Arcadi smo reagido contra o

uso e abu so dos artifí cios espetaculares, torna -se singular que Garção

cite esta s obra s, sem nomear o autor, expressando “um juízo sobre o

valor da s que considera as peça s principais do Judeu” (Barata 1998: 88).

De alguma forma parece elogiar, por um lado, a capacidade de conjugar

o espírito lit erato com o gosto da plateia , de forma leve e livre, e, por

outro, a tentativa de retratar ironicamente os costumes burgueses, com

isso cumprindo o papel pedagógico que atribuía ao teatro . Há uma

espécie de complacência , como refere Manuel de Figueiredo, no

Discurso d’O Cid de Cornei l le , em relação às “opera s de bonecros, com

as quaes devemos ser mais indulgentes que com nenhumas outras

composições Dramáticas” (Figueiredo 1804 -1815: VIII , xlvi) .

O aspeto parodíst ico não será a lheio a Garção , cuja comédia

humana, ta l como no Judeu, pretendia constitu ir -se, “para um público

mais informado, como alerta crítico”, que despoletasse “tensões entr e

ordem real e ordem i deal” (Barata 1998: 231):

O parodista percorre […] um caminho genuinamente literário, que desde

logo o posiciona dent ro do quadro da li teratura. Longe de se poder

considerar como um “ parasita” li terário ou simples “ herege da

paráfrase” , o verdadei ro parodi sta t ranscende o modelo que parodia,

acabando por exercer sobre ele um verdadei ro “ juízo”, quantas vezes bem

mais eficaz do que o da crítica literária . Esta, quando veiculada pela

paródia, é uma “crí tica sem lágrimas” onde, de forma agradável , ri so e

humor, sem invalidarem a admiração que o parodismo nut re pelo modelo

que escolhe, acabam por reforçar o valor da técnica “ int ral iterária”

considerada dent ro das normas narra tivas prescritas ( Barata 1998: 224-

25).

O público não entendeu Garção desse modo. Na sua subtil

dissertação dialógica sobre as t endência s teatrais do século, satir izando

“na diver sidade das per sonagens escolhidas […] o complicado xadrez de

influência s dra máticas que entr e nós se mani festava m” (Barata 1991:

246), o público não percebeu a proposta de uma nova dramaturgia para

um novo tempo e para uma nova socieda de, que se refazia a inda da

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violência do terramoto, e que procurava novos valores de ident idade.

Essa sociedade que, ta l como Artur B igodes, estaria tonta de ouvir tantas

teorias novas, não entendeu as razões que desaconselhavam assi stir à s

comédias espanholas, que tanto “gosto” e “prazer” haviam da do a tanta

gente, sobretudo aos aristocratas, cujo exemplo deveria ser seguido. Por

que razão seriam estes os “asnos” e os novos os a ju izados, armados em

“Colombos e Gamas denodados para achar novos climas, novos mares”?

Ironica mente, Garção desloca o ónus da conclusão para o parecer de

Aldonça, que, diga o que di sser, t em o destino traçado pela tragédia da

vida que lhe gizou o pai e a irmã: tomar estado, ser dona de sua casa e

rodar pela s ruas de Li sboa em dourado carrinho. Cumpre -se nela o voto

que legitima o teatro novo e, metaforicamente, na escolha da peça, ser

Ifigénia , a heroína que se sacri fi ca pelo sucesso do empreendimento:

Neste acto único esconde -se um drama complexo sobre o casamento entre

a arte e comércio (na época da burguesia em ascensão). É fascinante a

forma como Garção interliga o tema ‘wahre Kunst ’ (arte verdadei ra) com

o tema de ‘Kunst al s Ware’ (arte como mercadoria), como se fosse uma

forma antecipada do debate sobre o ‘Warencharak ter der Kunst’ (caracter

da arte como mercadoria) (Thorau 2015: 35).

Tudo estaria bem, se a cabasse bem, ma s, apesar do hu mor, não é

uma comédia, é um drama, e o inesperado ataque de ciúmes de Artur

Bigodes contra Jofre Gavino cria uma peripécia qu e desconst rói todo o

enredo traçado, sem apelo nem agravo para os convivas que vão saindo

desanimados, deixando Aprígio Fafes decla mando o monólogo

conclusivo, que “resu me o voto dos Árcades” (Garção 1982: II , 39 , nota)

e retoma o t ema da Ode I , aos fidalgos protetores do t eatro, a quem se

exorta proteger o t eatro nacional.

Garção tem plena consciência de não t er chegado ainda “a época

fel iz e suspirada/ de lançar do teatro alheias Musas, de restaurar a cena

portuguesa”. Augurará o tempo de ver “vingados” e “ soltos” do

esquecimento os “manes” de António Ferreira , de Sá de Miranda e de Gil

Vicente; u m tempo em que vingarão as lusitanas mu sas, que “ publicarão

[…] os grandes fei tos, que eternos soarão em seus escritos”, se for

defendido o seu “paterno ninho” e com honra forem “agasalhadas” ( ib id .:

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II, 39). Preanuncia -se um projeto de teatro nacional letrado, bem di stinto

das muitas obra s traduzidas ou “acomodadas ao gosto português”, que

vagamente remetiam para a obra original, mas criavam cenários e

situações tipica mente lusa s, e que constitu íram um “vasto repertório que

alimentou os palcos portugueses” (Barata 1991: 251), circulando em

folhetos, ditos de literatura de cor del . Era a baixa comédia, que exprimia

uma “atonia do sentimento da dignidade humana” (Braga 1871: III , 3), na

figura do fidalgo pobre, símbolo de uma sociedade que vivia um espírito

decandenti sta , à sombra de tradições heróicas, porém de forma miserável

e anulada ( ib id .: ib id .):

A renovação do teat ro […] nasce do espí ri to de revol ta suscitado pela

pressão moral […]. Alguns homens procuraram descobrir a t radição

dramát ica do século XVI […]; procuraram o velocino e não o acharam; a

Antonio José [da Silva] faltava a noção da realidade, observava

caprichosamente, via os rid ículos porque só viu os cont rastes; Manoel de

Figuei redo, creava a ideia mas não sabia popularizar a forma; Nicolau

Luiz concebia o typo, tinha a fecundidade da creação, Antonio Xavier

[Ferre i ra de Azevedo], apesar da sua rudeza tinha o dom da

popularidade; Sebastião Xavier Botelho queria restaurar o teat ro pela

imitação de Racine, Molière e Metastasio. Todos estes minei ros, que

procuravam recompor o edi fício, ajustavam pacientemente as pedras,

primit ivamente faceadas. Descobriram os grandes lavores, o plano, a

eurythmia da obra, mas fal tou-lhes uma faculdade – o senso phi losophico

(Braga 1871: III, 3 ).

Os Árcades propu seram um teatro que aferi sse “os cri térios

necessários para , pela crítica , resolver a crise que […] acabava […] por

se revelar no viver de uma sociedade civil que […] se revia

burguesmente no espelho da Lisboa pombalina toda ela igualmente

dividida entre tradição, cri se, inovação, religiosidade e secularização”

(Barata 1993: 315). Apelando à corr eção moral , na cena, pretendia -se um

teatro-instrumento de uma “ paideia social” , de uma “escola de costumes”

( id . , ib id . : 319), que per seguisse o “vector pedagógico de uma estéctica”,

pela “composição correcta e regular das fábulas assentes na invenção

poét ica , a través de uma mimese verosímil, enquanto refl exo da natureza”

( id . , ib id . : 320). A comédia, “natural representação da vida humana”

(Figueiredo 1804 -1815: IX , 26), mostrava -se de grande u tilidade à

sociedade, como “correctivo do vício”, empregando o ridículo ( id ., ib id . :

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I, 5). Serviria como divertimento racional, instru indo e deleitando ao

mesmo tempo, ma s cujos intu itos pedagógicos se confrontavam “com a

impossibilidade de um diálogo directo com o «vulgo», arredado que

estava dos valores de um teatro edi fi cante, preferindo claramente o

teatro de ilusão onde […] se sacri fi cava a correcção ao deleit e e o

recreio dos sábios ao ri so dos ignorantes” (Barata 1993: 323):

Progressivamente a arte abandonará a esfera rest rita do simples

comprazimento para se tornar reflexo de uma est rei ta art iculação com a

experiência , a verdade e a natureza. […] O longínquo conceito barroco

de engenho agora visto e teorizado como natureza e o gosto deixa de ser

indefinido […] para se tornar numa faculdade inerente ao homem comum

(Barata 1993: 333-34; itá licos originais).

2. Sociedades de vizinhos, divertimento útil e propagação das

Luzes

2.1 . A esfera pública e privada: teatros públicos e particulares

No alvor de Oitocentos, Li sboa contava apena s três t eatros públicos,

situados na zona central, no eixo que unia o Chiado ao Passeio Público.

Na zona baixa da cidade, doi s teatros de tipologia setecenti sta – o Teatro

velho da Rua dos Condes (1770 – 1882)26

e o Teatro do Salitre (1782 –

1879)27

– constitu íam os teatros populares , “raras vezes fr equentados

pela primeira sociedade” (Ruder s 2002: I , 96). Segundo Ruder s, o Teatro

da Rua dos Condes era fr equentado pela classe média , embora na plateia

se vi ssem espectadores com aspecto de “ínfimos operários”, qu e aplaudia

o baixo cómico do “enredo e interpreta ção”, de algumas tr agédias e

comédias, e, sobretudo, dos “dramas, cujo assunto [era] tirado da vida

ordinária” , a ternando o sério e o rid ículo ( ib id .: ib id .) .

26

O primei ro edi f í cio , o Teat ro novo da rua dos Condes ou Pát io dos Condes (1738 – 1755), sucumbiu ao t erramoto , dando lugar a out ro , igualmente acanhado, seguindo a

t ipologia dos t eat ros de ópera, qu e se manteve e m at i vidade durante um século . A

modernização arqui tetónica ocorreu t ardiamente, e m 1888, dando lugar a um tercei ro

t eat ro do mesmo nome, que durou até 1951, quando fo i t ransformado em cinema. Cf .

CARNEIRO, Luís Soares (2002), Teatros por tugu eses de raiz i tal iana. Tese de

doutoramento em Arqui tetura. Porto: Faculdade de Arquitectura/ Univers idade do

Porto . 27

Será vulgar mente conhecido por es te nome, apesar das denominações que fo i t endo

ao longo da sua exi stência. A sua exi s tência foi posta em causa pela necess idade de

cons t rução da Avenida da Liberdade, idealizada por Rosa Araújo , que poria t ermo

defini tivo ao Passeio Públ ico, marco da velha Lisboa pombal ina.

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Na colina do Chia do, o Teatro de S. Carlos (1793) correspondia ao

novo ideal de modernização e de abertura de pensamento, num contexto

políti co hostil às ideias iluminista s, levado a cabo por uma sociedade de

quarenta homens de negócios de Li sboa, entre os quais se contava

Joaquim Pedro Quintela , 1º barão deste nome28

, que participara já na

Sociedade Estabelecida para a Subsistência dos Teatros Públicos da

Corte (1771), no consulado de Pombal, quando uma “burguesia comercial

[passou] a considerar o teatro como coi sa sua” (Carvalho 1993: 44) e a

definir u m monopólio para si.

O Teatro de S. Carlos, o maior de todos os teatros, incluindo os de

Corte, recuperava, com a sua imponência e luxo, a função prest igiante da

efémera Ópera do Tejo . Pina Manique, ao compreender a eficá cia

políti ca de col ocar o teatro “ao serviço da representa ção do próprio

Poder” ( id ., ib id . : 55), relegou para segundo plano os objetivos

iluministas de divertimento, e privil egiou uma cultura do Eu. Até 1818,

pelo menos, este teatro alternou espetáculos de teatro decla mado e de

teatro lír ico , vindo a perder a caracterí sti ca de instrumento de educação

do liberalismo, quando se converteu no “Passeio Pú blico do

Romanti smo” ( id ., ib id . : 71) da grande burguesia e do almejado

refinamento social.

A hi stória dos teatros públicos teve sempre mais cultores do que a

dos espaços privados, fru to possível do seu menor número e de maior

docu mentação impressa, com destaque para a importância a tribuída pelos

periódicos. Desde Teófilo Braga a Duarte Ivo Cruz, muitos autores

traçaram o retrato dos t eatros principai s, fixando a s suas caracterí stica s,

a evolução de repertórios e de públicos, tomando em consideração o

modelo empresaria l destinado às grandes massas. Todavia , c onforme

refere a autora de Teatros particulares em Lisboa no in ício de

Oitocentos , desde os finai s do século XVIII que se conhece a exi stência

deste tipo de t ea tros, sem que se lhes tenha dada qualquer relevância , à

exceção do Teatro das Laranjeira s , do Conde de Farrobo, pelo papel que

28

Trata-se do segundo baronato f inancei ro at ribuído pela rainha D. Maria I, a 17 de

agos to de 1805. Dois dias antes , Jacin to Fernandes Bandei ra recebera o t í tu lo de

Barão de Porto Covo Bandei ra.

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28

desempenhou, enquanto polo de vida cultural e mundana ext ramuros29

.

Segundo Júlio César Machado, aqui se assi stiu , pela primeira vez, à

“graça do dizer natural, a declamação nova” ( cit. Rebello 2010: 411).

Os diver sos t eatros particulares em Lisboa e arrabaldes estenderam

a prática dos saraus pelas primeiras década s de Oitocentos, determinando

uma sociabilidade privada de entretenimento t eatral. Nas residência s

aristocrática s, há notícia de representações em ca sa de Diogo Noronha

Coutinho, marquês de Marialva, na década de 1780, dos marqueses de

Angeja e de Fronteira , dos condes de Rio Maior, Sampaio , Redondo e

Almada, do barão de Quintela e dos Câ mara Coutinho, fu turos condes de

Taipa (Lousada 1995: 297). Em 1822, na obra seminal sobre a situação

socioeconómica, Essai s ta tis tique sur le royaume du Portugal , o

geógrafo Adriano Balbi coloca em destaque os t eatros particulares dos

condes da Anadia , às Amoreiras, e de Franci sco de Paula Cardoso do

Amaral e Gaula , o célebre morgado de Assentiz , prolí fi co autor, membro

do Conservatório, e tradutor de Al fieri , Pixérécourt e Beaumarchais, cujo

Barbeiro de Sevilha foi representado no seu teatro particular (Rebello

2010: 410) . A casa de Lisboa deste ilustre amigo de Bocage , “uma

vivenda quase rústica com um largo quintalão” (Sequeira 1967: 495),

ficava situada na praça da Alegria de Baixo, paredes meias com o

chafariz no topo norte do Passeio Público, e nela se constru iu um belo

teatro:

On y donna des représentations pendant plusieurs années avant le départ

du roi pour le Brési l [1807], et l’on continua à en donner plusieurs

années après. Les décorations avaient été exécutés par les meil leurs

peint res de Lisbonne, e t le célèbre da Costa y avait travai llé beaucoup.

Une société d’amateurs d ist ingués y jouai les meilleurs pièces

portugaises, et presque tous les auteurs y faisa ient représenter leurs

pièces pour juger de leur effet avant de les fai re jouer devant le publ ic

(Balbi 1822: II, ccxxiv).

29

O Conde de Farrobo mandou também cons t ru i r um teat ro , poss ivel mente de sala,

no palácio da Herdade do Farrobo, em Vi la F ranca de Xi ra. Dado que se des tinava a

res idência de caça, as referências a saraus nes te espaço são todavia desconhecidas ,

em co mpara ção com os hábi tos palacianos da famí l ia Quintela Farrobo, t anto em

Lisboa, como no seu espaço de vi l egiatura nas Laranjei ras . A respeito da Herdade do

Farrobo cf. QUEIRO Z, J . F ranci sco Ferrei ra/ SO A RES , Catarina Sousa Couto (2011 -

2013), “Os túmulos românt icos da famí l ia Quintela Farrobo”, CIRA Boletim Cul tural

11, Do patr imónio à His tória .

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29

Vários anos após, a inda a Descripção geral de Lisboa em 1839, de

Paulo Perestrelo da Câmara , o definia como o mais célebre e o melhor

teatro particular da Lisboa, a funcionar como balão de ensaio

dramatúrgico (apud Sequeira 1967: II , 463). O próprio morgado de

Assentiz escreveu muitas obras dra máticas originais , imitadas ou

traduzidas, nunca dadas à esta mpa, que, após a sua morte, se

encontravam na posse de um dos seu s amigos íntimos. Segundo a

biogra fia traçada por Inocêncio da Silva , no Archivo Pittoresco (1857: I ,

300-303; 307-309), o conjunto da obra compunha cinco volumes, entr e

dramas, comédia s, farsa s e mág icas, cujos títu los ci ta (Silva 1858-1911:

II I, 21).

Nestes teatros de sala , desempenhava -se um repertório heterogéneo

de qualidade, entre a ópera e a comédia, que permitia o conv ívio da

sociedade “mais a legre e divertida da capita l” , não se coibindo os

promotores dos gastos necessários à procla mação do seu bom nome,

conforme regi sta o Marquês da Fronteira , a propósito das “assembleia s”

em ca sa de D. João de Noronha Sousa Moniz , 6º Marquês de Angeja ,

entre 1818 e 1819 . As “companhias” amadoras eram compostas por

damas e cavalheiros da melhor sociedade aristocrática lisbonense, a que,

por vezes, se juntavam prestigiados ator es profi ssionai s (Lousada 1995:

297).

A par dos espaços ari stocráticos, r egi sta -se a exi stência de vinte e

sei s teatros particulares30

em funcionamento, no período compreendido

entre 1818 e 1831 . Disseminados pelos bairros da peri feria ,

correspondem a um desejo de ascensão da burguesia por mimeti smo

sociocultural, bem como pela difi culdade de acesso ao centro

cosmopolita , numa cidade essencialmente pedestr e. Uma circular da

Intendência -geral da Polícia , de 8 de ju lho de 1820, coloca em evidência

a existência de tipos e funções distintas destes t eatros pa rticulares

burgueses, quando mandou que os ministros dos bairros “fizessem

constar aos Donos dos t eatros parti culares que existissem nos seu s

30

Cf . Apêndice 1. Teat ros part i culares não ari stocráti cos em Lisboa no primei ro

quartel de Oi tocentos .

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30

Bairros, e fossem de natureza daqueles para que era necessária licença da

Polícia , que desmancha ssem tais teatros” (apud Lousada 1995: 307). Se

aos de sala , constru ídos em casa dos seus proprietários, ou em casa

alugada, correspondia m representações t eatrais privadas, aos que se

assemelhava m a teatros públicos corr espondia a exi stência de um

comércio cultural de natureza pública , su jeito, por i sso, ao licenciamento

oficia l.

Pelos pedidos de licenciamento para espetáculos privados perpassa

a necessidade de l egitimação da atividade, pondo em destaque a

“probidade” dos intervenientes, defensores dos valores fa mil iares e d e

vizinhança, com o objetivo de fomentar o “divertimento útil e

propagação das luzes” , bem como o de prevenir a tenta ção dos jogos de

azar (Lousada 1995: 299). Entre Maio de 1822 e Setembro do ano

seguinte, o “mercador de livros com loja ao Chiado”, José A ntónio de

Figueiredo , fez r epresentar “comédia s e peças li cenciadas”, num

“pequeno teatro” que alugou na rua das Escolas Gerai s nº 24. O

desempenho por uma sociedade de “cidadãos amantes da s belas artes”

sublinhava o valor do “divertimento inocente e lícito” entre “amigos,

família s conhecida s de probidade”, a lém de celebrar o real aniversário de

D. João VI ( id ., ib id . : 301).

A função t eatral privada enobrecia -se na s prática s de cidadania

patriótica , e de solidariedade social. Em 1825, João Manuel Carvalho

propôs-se organizar representações teatrais à noit e, no t eatro particular

da rua do Colégio dos Nobres, e , como contrapartida, promet eu um

“donativo de 4$800 réis à Casa Pia” ( id ., ib id . : 299). Todavia , esta forma

de altru ísmo parece esconder um subter fúgio para obtenção de

licencia mento. Em dezembro de 1829, Dâmaso Gonçalves Chaves

Carreira , a judante de soli citador da Bula da Cruzada, viu indeferido o

pedido de licenciamento para representar um drama, como divertimento

em festa de Natal. Sete meses depois, o mesmo suplicante, à cabeça de

uma sociedade de catorze amigos e nove músicos soli citou que lhe fos se

autorizado representar o drama O parricíd io frustrado , de António

Ricardo, destinado a entreter, como “ evitação de funestos deboches", um

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31

público composto maioritariamente por “empregados públicos” e ma is

sessenta convidados ( id . , ib id . : 303). A licença requerida dest inava -se a

“doze representações, uma por mês (no fim de cada mês)” e o requerente

prometia também um donativo à Casa Pia , a obra de predileção do já

fa lecido Intendente -geral Pina Manique, cuja memória possivelmente

estaria celebrando.

As sociedades dramáticas burguesa s, embora apresent assem uma

variação ampla do número de participantes – entre cinco e catorze – ,

eram composta s por elementos ma sculinos, que assumiam os papéis

femininos, indiciando a exi stência de preconceito social em relação ao

papel da mulher não -atriz na cena. Ao belo sexo caberia desfruta r a

representação cénica , enquanto jogo de homens, excet o numa situação

particular . O alfaiate José Amaro de Jesus , em novembro de 1820, a lugou

um teatro na calçada dos Barbadinhos , nº 1 , para fazer representar uma

comédia, para amigos e família dos sócios”, por uma “sociedade de

vizinhos, incluindo duas senhoras que tinham sido a ctrizes em teatros

públicos” ( id ., ib id . : 300).

Este univer so de curiosos dramáticos, que mistura as classes

laboriosas, o “ mundo artesanal ” com os “empregados da admini stração

central” (Lousada 1995: 308), nem sempre se organizou em sociedades

formais. Em 1826, o teatro da rua da Fábrica das Sedas era propriedade

de uma sociedade, possivelmente irregular, composta por doze pessoas,

dos quais dez eram artesãos ou fabricantes ( ib id . : ib id .) , e, em 1829, no

teatro da rua do Loureiro , funcionava uma sociedade composta

maioritariamente por funcionários públicos . Se sobre esta s sociedades

paira a dúvida institucional, o mesmo não acontece em rela ção ao t eatro

particular que “em 1818 funcionou na rua do Olival, às Janelas Verdes, e

que a partir de 1822, passou para a rua de S. Francisco Borja” ( id ., ib id . :

309). O requerimento que a sociedade de José Maria Codina envia ,

soli citando a aprovação dos respetivos estatu tos, evidencia a

preocupação de digni fi car a a tividade d esta sociedade, exi stente desde

1818, pondo em relevo os motivos de ordem moral que haviam presidido

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32

à sua const itu ição, indicando as designações sociais que tivera e

anexando os seus estatu tos ou regulamentos ( ib id . : ib id .):

Diz José Maria Gervasio Codina , e mais Sócios, constantes do

Documento junto, que sendo moradores nas Freguesias da Lapa e Santos,

e ficando-lhes mui to longe os T heat ros públ icos se lembrarão à sinco

para seis anos d’arranjar hum piqueno Theat ro para seo l icito

divertimento e de suas famíl ias; e porque a hum só ou a dois ficava

oneroso, associarão desde logo out ros Amigos, Pessoas de probidade, o

que tem sempre continuado fazer e derão a esta sociedade vários t í tulos

conforme as vic issi tudes que tem sofrido chamando -a – Concordia –

Amizade – P razer e Alegria – Bons Amigos; e ul timamente P razer

Regenerado por que cessando esta por a lguns tempos de novo se reuni rão

seus mais ant igos Sócios; e admitindo outros arrendarão a Caza nº 49 na

Rua de S. Francisco de Borja, às Janelas Verdes, e ali se tem conservado

à mais d’um anno, d ivertindo -se [o] que podião, pelo não poderem fazer

quantas representações desejavam. Antes por em de o fazer requeriam

sempre à Intendência a necessária licença […]. Este o modo Real Senhor

por que esta piquena porção d’Amigos se reúnem, e se divertem,

preferindo este passatempo ao jogo ou qualquer out ro, que fazendo -lhes

perder o tempo, e est ragand o-lhes a fazenda, poderia infelizmente cobri -

los de oprobrio e torna -los indignos (apud Lousada 1995: 310)31.

Os onze artigos, que constituem o regulamento da sociedade,

preceituam “a manutenção e arranjo do Teatro” e o valor das quotas do s

sócios, em 480 réis por mês. A sociedade , que possuía contabilidade

organizada, propunha -se representa r comédias e entr emezes, u ma ou duas

noites por mês, sendo o “divertimento gratuito para as pessoas

convidada s, […] as família s dos sócios”. Em cada 8 a 10 dias posteriores

à representação de cada comédia, proceder -se-ia à eleição de u m Diretor,

de um Caixa, de um Secretário e de um Procurador. O regulamento

seguiu os trâmites legais, t endo o corregedor aprovad o a Sociedade

Teatral Prazer Regenerado (Lousada 1995: 312).

Alugar casa para representações era situação comum nesse tempo.

Joaquim Alves do Couto, em 1823 , a lugou uma casa fronteira à sua

residência na rua da Verónica, para “com seu s amigos recitar todas as

vezes que se poderem [sic ] juntar os Dramas que já [estivessem]

l icenciados”32

(apud Lousada 1995: 312). Muitos destes teatros

31

ANTT, Minis tério do Reino, Polícia, mç.462, cx.578, doc. s .n. 32

ANTT, IGP , CMB, mç.92, docs .230 -231.

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33

particulares a lbergava m di ferentes grupos, como o teatr o da rua direita

do Colégio dos Nobres e o da rua do Loureiro ( ib id .: ib id .) . Se a maioria

dos ca sos r efere tra tar -se de teatros de sala de modesta envergadura,

casos há em que a realidade se tornou mais aparatosa, para espanto dos

oficia is admini stra tivos. Na travessa do Despacho, uma sociedade de

carpinteiros, pintores e arquitetos constru iu uma sala de t eatro , “em

ponto piqueno”, num armazém arrendado, que apresentava duas ordens

de varandas, uma para homens e outra para senhoras, e um camarote para

o mini stro do bairro, segundo o critério de “hum teatro com asseio, e

grandeza, exceto vestidos, que os a lugão quando r epresentã o”33

(apud

Lousada 1995: 313).

Os teatros particulares di stinguem, portanto, duas tipologia s: os que

se constroem em salas, não sendo forçosamente em piso térreo, e os

espaços constru ídos de raiz segundo o modelo dos t eatros pú blicos, em

escala reduzida. Neste caso, imitam o espírito da nova ari stocracia , como

são os casos do Teatro das Laranjeiras , ou o do Conde de Burnay, à

Junqueira34

, que funcionaram como dependência s anexa s aos r espetivos

palácios. Segundo Lousada ( ib id .: ib id .) , os requerimentos de

licencia mento indiciam teatros particulares, que, embora se a presentem

como de amadores, são na realidade fonte de r endimento tanto das

sociedades gestoras, como de pequenos empresários. O Requer imento de

junho de 182035

(apud Lousada 1995: 314), de João Lício Borralho ,

capitão de navios da carreira da Índia , morador no segundo andar da rua

de S. Paulo, nº 68 A, que erigira um pequeno teatro numa sala da sua

residência , em 1819, é sintomá tico na denúncia destes casos:

33

ANTT, IGP , CMB, mç. 110, doc. 141. 34

Em 1880, o Palácio do Conde Monte Cris to, do capi tal is t a Manuel António da

Fonseca (o Monte Cri sto , de alcunha), à Junquei ra, foi adqui rido pelo conde

Henrique de Burnay, que int roduziu grandes renovações no seu in terior , res taurando ,

ampl iando e decorando as salas e salões com obras de arte, porcelanas e mobi li ár io

d iverso . Foram cont ratados arti st as portugueses e es t rangei ros , como Malhoa , que

p intou o t eto da sala de j antar (1886), o es tucador Rod rigues Pi ta, o pin tor i t ali ano

Carlo Grossi , e o escultor Paolo Sozzi . No teat ro, organizaram-se espetáculos de

beneficência, onde o conde chegou a part i cipar como ator , à image m do conde de

Farrobo , cujo es ti lo emulou. O teto da sala de t eat ro é da autoria do pintor Ordoñes .

(Albino, 2003) Atualmente, a sala enc ont ra-se em es tado de degradação. 35

ANTT, IGP , CMB, mç. 225, docs. 116 -117.

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34

[Ao] suppl icante consta que V. Sª [o intendente geral da Polícia] tem

cohibido a continuação de alguns teat ros chamados particulares, mas que

pela sua localidade, e pelas suas manei ras o não pareciam, ou fosse por

serem estabelecidos em planos baixos e da Porta para a Rua, ou fosse

pelo uso dos Bilhetes para concurso dos espectadores, e o Theatro do

Supplicante está muito longe destas Ci rcunstâncias, (1º ) porque he na

substancia, e no modo rigorosamente particular, tendo a nat ureza de

out ro qualquer divertimento, que he líc ito ao Chefe de Família na sua

própria Caza (2º ), porque he estabelecido em huma sala do segundo andar

da habitação, e residencia do Supplicante (3º ) porque não há o uso de

Bi lhetes (apud Lousada 1995: 314 ).

A bem da moral e dos bons costumes, a Intendência Geral de Polícia

decretou três medidas funda mentais: (1) autorizar apenas a representação

de peça s já licenciada s e apresentada s nos t eatros públicos; (2 ) limitar o

tempo da autorização, normalmente a três meses, r enováveis quando

houvesse novo pedido; (3) e enviar um oficial ao bairro para assistir aos

ensaios e representações. Todavia , sendo escassa s as referências à

proibição de di stribuição, ou venda de bilhetes ( id , ib id . .: 314), torna-se

contraditório o comentário de Diogo António Correia de Sequins Pinto ,

Ju iz do crime do Castelo e também no bairro do Andaluz . No ofício que

fez sobre o teatro particular da Travessa do Despacho , em setembro de

1820, desvaloriza a postura da Intendência , depreciando a repercussão

comercial que estes teatros pudessem ter na di sputa com os públicos,

considerando que não influenciava m a concorrência de espectadore s36

(Lousada 1995: 315).

Estes teatros particulares procuravam colmatar a d ifí cil

acessibilidade ao centro de Lisboa, que Carl Ruder s refere em Viagem em

Portugal (1798 – 1802). Instalado numa hospedaria do Arco do Marquês,

ao Cais do Sodré, este pa stor sueco invocava essa razão para a sua pouca

assiduidade ao Teatro da R ua dos Condes. A geografia dos t eatros

particulares evidencia assim um aspeto alternativo fa ce a os t eatros

públicos, em zona s desprovida s de espaços de cultura , e d i stantes da

concentração dos espaços de sociabilidade mundana, políti ca e cultural

de elite:

36

ANTT, IGP , CMB, mç. 110, doc. 141.

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Os teat ros particulares encont ravam-se dispersos pela cidade […]. O

gosto popular pelo teat ro e as caracterí sticas dos teat ros públicos […] –

local ização e repertório, para a lém dos preços dos bilhetes – , combinados

com os menores recursos das classes média e populares e o peso da

distância numa cidade pedest re , explicam pr ecisamente esta geografia

dos teat ros particulares de cariz popular (Lousada 1995: 315).

O repertório l evado à cena nos t eatros particulares contemplava

comédias, far sas e dramas, que associavam o gosto do t eatro de cordel ao

sabor dos melodramas. Em 1823 , o militar António Joaquim de Beça

Bettencourt fez representar o drama original Sensibilidade no crime , de

António Xavier Ferreira de Azevedo37

, e as far sas O Hespanhol e

Astúcias de Zanguizarra, de Ricardo José Fortuna , por um grupo de

parentes e amigos, por ocasião do aniver sário de sua mãe ( id ., ib id . :

301). O novo espírito romântico do sentimentali smo exacerbado povoa os

palcos amadores, cujas plateias sofrem com os revezes dos herói s do

melodrama sentimental e de aventura , por influência de Kotzebue e

Pixérécourt . O sucesso de António Xavier nos t eatros públicos prolonga -

se pelos amador es. Sensibilidade no crime e Manuel Mendes Enxúdia

surgem em diversos pedidos de licenciamento particular, ta l como as

suas traduções de Camila ou O subterrâneo, de Vivetièr es, ou de Roberto

chefe dos salteadores , versão da obra de Schiller, por J . Lamartelièr e .

Também o madeirense Luís José Baiardo surge r epresentado, em

setembro de 1826, no teatro da rua da Fábrica das Sedas, por uma

sociedade de doze amadores, que l eva à cena Cristiano rei da

Dinamarca38.

A escolha destas obras de sentimentali smo excessivo, r epletas de

imbróglios pungentes e di scursos patéticos, evidencia uma ruptura com a

37

Braz Martins modernizou a obra com o t í tulo Pecad os da mocid ad e, e, posteriormente, sofreu nova versão, Nuvem negra em ceu azul , por Manuel José de

Araújo , para o Teat ro da Rua dos Condes (Bastos 1898:95), edi tada por F rancisco

F ranco, na B iblioteca dramát ica popular , 121. 38

Tratar-se-ia do drama Chris ti erno Rei da Dinamarca ou a Sed ução punida, cujo

manuscri to se encont ra na Biblioteca Jorge de Faria, na Univers idade de Coimbra,

em cuja fo lha de rosto se l ê: “Ficção original escripta sem algu m fundamento

h i stórico , e inventada to talmente por Luiz Joze Baiardo em Setbrº de 1824.” ( LEMO S ,

Maria Luísa (1974), Secção de manuscr itos da Bibl ioteca Geral d a Univers idad e de

Coimbra, Coimbra, p .37) Te ve edição impressa com o t í tu lo Chris ti erno, rei d a

Dinamarca, via jando incógnito pelos seus estados ou A cons tância e heroísmo d e

uma mulher . Lisboa: Tipografia de J . A. S . Rodrigue s [rua da Condessa] , em 1841.

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cultura aristocrática do Ancien Régime, do “imobi lismo paralisante da

tragédia neo -clá ssica” e do “convencionalismo dos elogios dramáticos”,

ainda vigente em alguns círculos (Rebello 1980: 28). Em dezembro de

1828, o furriel Teotónio Correia do Coito e Aguiar , do 4º batalhão Corpo

de Voluntários Realistas39

, fez representar no Palácio Loulé, à Graça, um

divertimento para “melhoras do Rei” , levando à cena um Elogio a D.

Miguel , seguido de Roberto chefe dos ladrões e da farsa Aviso na

Gazeta . A índole tradicional do r epertório r eflete o deficiente grau de

politi zação permitido, num período r epressivo, que proibia manifestações

culturais e a juntamentos, fora da iniciativa oficia l, nos quatro anos que

durou a governação migueli sta (1828 – 1832).

Entre o t eatro tradicional, contar -se-ia também a obra do

cabeleireiro António Joaquim de Carvalho , que trocou a profissão pela

de mestr e de dança (Silva 1858-1911: I , 159). Escreveu ampla obra

poét ica , cujo estro Ca stilho elogiou, na Epísto la ao morgado de Assentiz ,

publicada em Escavações poéticas : “O Carvalho, em que discordes/

Natureza e fortuna andaram sempre” ( id ., ib id . : I , 160). Desenvolveu

Carvalho o estilo joco -sério, muito aplaudido no seu tempo. A sua

Collecção de obras dramáticas (Lisboa: T ip. Lacerdiana, 1813) , em

prosa, compunha -se da comédia A ribeira do peixe, ou a Peixeira

virtuosa , e das farsas A velhice namorada , A aula dos toureiros to los , e

o Galego bruto e moco ( ib id .: ib id .) .

Em 1818, para um anónimo articulista do Jornal de Coimbra (v.12,

n.LX II , p.44), “os theatros, a lém de aper feiçoarem a s línguas, [eram] as

melhores eschola s de costumes; mas [ era] necessário para a ilusão ser

per feita , que o edi fi cio [ fosse] apropriado, bons comicos, e que os

Espectadores [ estivessem] a cómmodo”. A sociedade burguesa,

assi stindo à transformação da vida económica e social portuguesa,

procla mou a restauração da liberdade em 1820, pondo fim ao Antigo

39

Organização mi l i ciana, cr i ada por D. Miguel para defender o regime a bsoluti st a,

por Decreto de 26 de maio de 1828, na sequência da re vol ta l iberal do Porto . O

Duque de Cadaval fo i comandante deste escalão de eli t e no seio da s Mil ícias do

Reino, t endo tomado parte nas guerras liberais . In icialmente const itu ído pelos

batalhões de Lisboa, fo i alargado ao res to do paí s, devido à forte afluência de

voluntários.

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37

Regime, promoveu as primeiras eleições para as Cortes, em 1822, redigiu

a Constitu ição liberal, assistiu às vitórias e derrota s de liberais e

absolutis tas na guerra civil , à agitação política , a té à vitória da

Revolu ção de Setembro de 1836, sem que o t eatro que subia à cena nos

seu s palcos particulares se afasta sse da visão tradicionalis ta do velho

repertório. Será preci so que o espírito do experimentali smo idealista de

Garrett e a sua noção de estadi sta estru turem uma nova linha de

pensamento, para que o cír culo amador popular se transforme pelo

caracter do repertório e pela técnica da representação.

2.2 . Elites e c lasses médias: ascensão burguesa pelo teatro

A nobreza lisboeta oitocenti sta , anterior à Regeneração, qu e F ialho

de Almeida descreveu como “uma fina flor de mundo requintado, podre

de chique, frenét ica de elegância” (1993: 155), comportava-se como u ma

elite intelectual, i .e . como uma classe no topo da pirâmide social ,

exercendo funções importantes, valoriza das e reconhecidas por

privilégios, prest ígios e outros b enefícios de direito e de facto (Fonseca

1998a: 393). A partir da capita l do reino, esta elite emanou a sua

mundividência cosmopolita , influenci ou a realidade regional,

constitu indo-se como referência e polo de atração, como uma nova

nobreza . Definia -se “muito menos pelo seu volume do que pela sua

densidade social” , e media -se “pelo dina mismo […], num jogo de

representações sociai s, que a torna m objecto de conc orrência e/ou de

imitação” ( id ., ib id . : 394). Interligando -se com ela , a classe média , feita

de funcionários administra tivos e judiciais, militares, professores,

negociantes, comerciantes, e pequenos proprietários, sustent ou o

processo da modi fi cação socia l originário de Setecentos, acelerado pela

Revolu ção Liberal.

Os conceitos de elit e polí ti ca e intelectual interpenetra ram-se. Com

a vitória do Constitucionalismo, em 1834, a própria Câmara dos Pares,

sofr eu modi fi cações, acolhendo no seu círculo notabilid ades não

titu ladas. Esta elit e materia lmente independente do Trono evidenciou -se

por mérito e pela “ capacidade para o exercício do cargo” ( id ., ib id . :

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399) . Segundo Fialho de Almeida, era m os “nababos”, que haviam

exercido “ásperos esforços […] para acumul ar for tuna, soldo a soldo” .

Era a “geração de finança e brasil eirismo”, dos “imperadores da alpaca

ou da farinha”, que acabou por aprender “na arte de viver, o grande

estilo, e o dom de encontrar nos meandros da sumptuosidade o justo

meio de bom gosto”. A sociedade enobrecida pelo liberalismo compunha -

se de “indivíduos de nervos educados e espírito eleito , […] almas doidas,

joviais, intrépida s, bem formadas, sua pontinha de herói s em sua

levedura de cabotinos, […] duma embriaguez comovida para todos os

assuntos de força, de arte e selecção” ( Almeida 1993 : 157-58). A ironia

fia lhina serve o retra to descomprometido desta sociedade de dilettanti ,

cultivando música, canto e teatro como artistas consumados:

Em 1840, a sociedade, esquecida já das guerras civis, dera rebate ao

prazer, num tantã de opulência […] : e no seu requinte empenhava -se em

continuar do grande século aquela t radição de graça e d esenvoltura , que

todos os anos ent rava em Portugal, nas bagagens dos e legantes vindos de

Paris – desde o marquês de Nisa , fundador da Sociedade do Delí rio [40],

arremedo dos Treze , de Balzac, a té aos marqueses de Viana e seus

congéneres na arte estonteadora de dest ragar ( Almeida 1993: 181).

A comédia de sala serviu múltiplos fins. Não só como di st ração

artística e estéti ca , mas como desenvolvimento das capacidades de

memória e como manual prático de conver sação em sociedade, ensinando

às jovens menina s as subtilezas necessárias ao são convívio em público.

Prestava-se, a lém disso, como forma cortês, em que o jovem podia

corte jar a sua dama, a coberto de um alheio di scurso eloquente e de uma

dicção aprimorada e deli codoce, que o transformava m invariavelmente

em amador cabotino. Todavia , quando bem executado, o t eatro de sala

não representava uma empresa fácil para os intervenientes. Em

40

Espí ri to boémio ret ratado por Eduardo Noronha , em A Sociedad e do Del ír io

(1921), que versa sobre a vida de Domingos F ranci sco Silvei ra e Sousa, 9º Marquês

de Nisa, e cont inua O Cond e d e Farrobo e a sua época , sobre Joaquim Pedro

Quintela. Era resul tado di reto da influência dos salões pari sienses , que os serões

l i sboetas reproduziam. A s i tuação perpetuou -se ao longo de todo o século , como

referiu Eça de Quei rós , em Correspond ência : “A nossa arte e a nossa l i t eratura vê m-

nos fei t as de F rança, pelo paquete, e cus tam-nos caríssimo com os d i rei tos de

al fândega”. Cf. RA FA EL, Ul i sses (2010), Sociedad e do Delí rio: Boémia e l i t eratura

portuguesa no século XIX. Coimbra: Cent ro de Es tudos Sociais . FEUC (Faculdade de

Economia/ Univers idade de Coimbra). ]

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Oitocentos, o compor tamento do público dos salões da eli te não se

afastaria do descrito pela condessa Du Barri , nas suas Mémoires :

En général , le public des salons est fort indulgent tout le temps que dure

la représentation qu’on lui donne; mais si tôt la toile tombe, il devient

plus sévère que l’aut re public, pour se dédommager de sa poli tesse (Du

Barri 1829 -34: I I I , 23).

Um curioso -dra mático da sociedade elegante não poderia nunca

aproximar o seu estilo de representação do dos atores de profi ssã o. Para

aquelas plateia s selecionada s, quem se apreciava era a di stinta figura da

sociedade, que interpretava o papel de servidor. Esta parti cularidade

criava um paradoxo ao comediante amador: como conseguir imprimir ao

papel o r ealismo exigível , tornando -o vivo e inter essante em termos de

ilusão teatral? Jamais poderiam cair na prosódia enfática do velho t eatro

de declamação do estilo melodramático e enfadonho de ais e suspiros,

que, de resto , Émile Doux, Garrett e o a tor Epifânio procuravam extirpar

nos atores de profi ssão. O teatro de sala visava desenvolver a arte de

bem dizer, a partir da compreensão da s situações da comédia ou do

drama:

[Estas] representações de amadores, gente dist inta , a maior parte da qual

vi ra em Paris as soirées dramáticas de Bouffé , da du Plessy, de Régnier e

de madame Favart […] estas representações eram uma cont raprova

artí stica oferecida pela classe de eli te aos nossos actores, uma espécie de

levantador de nível , susceptível de exercer influência na arte dos nossos

teat ros, e de corrigi r nela , por l ições de elegância e dist inção, as

hesi tações e chatezas de arti stas quase todos e les t i rados dos bas-fond da

sociedade (Almeida 1993: 184).

Entendem-se, por i sso, as objeções levantadas por Garrett à

representação de Frei Luís de Sousa no Teatro Nacional da rua dos

Condes, onde subiram à cena as suas proposta s de renova ção do teatro

português: Um Auto de Gil Vicente e O Alfageme de Santarém . A obra

foi estr eada no teatro particular da Quinta do Pinheiro, na s imediações

das Laranjeiras, propriedade da fa mília de Duarte de Sá , não sem antes

ter passado pelo crivo do salão lit erário de D. Maria Kru s , na rua

Formosa, a “corbeille de todas as ambições políti cas” ( id . , ib id. : 185). O

drama foi lido nu ma dessas soirées elegantes, em que l iteratos e

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jornalista s se misturavam, e a li mesmo se decidiu da representação e da

distribuição dos papéis:

Rambois e Cinatt i encarregaram-se de pintar as vistas; as aguarelas dos

t rajos fizeram-se no próprio salão, aos serões, sendo a Levail lant […], se

não me engano, a encarregada de sobre os desenhos cortar os vestuários

para a mulher e fi lha de Manuel de Sousa (Almeida 1993: 185; itálico

original ).

O drama garrettiano teve estr eia absoluta no pequeno teatro de sala

da Quinta do Pinheiro, em tão ilustre conclave de damas e cavalheiros da

primeira sociedade, que “esbarrondava” a sala ( id . ,ib id . : 188). No seu

estilo ampli fi cador, a inda que fundamentado n a leitura dos jornais

coevos, Fialho afiança que a lotação desse dia teria a tingido quase o

quíntuplo dos duzentos lugares que o espaço comportaria :

O teat ro da quinta do Pinhei ro era pequeno, e apesar dos adornos de que

fora revestido, das pi râmides de ar bustos, das serpentinas e lust res

carregados de velas, das colgaduras da Índia e da China caindo em

artí sticas draperies a cada banda dos porta is, e fazendo uma espécie de

baldaquino por cima da boca do palco, revestia um meio aspecto de

capela rica e de boudoir, onde diziam frei ra ticamente os rost inhos das

l indas senhoras que o enchiam (Almeida 1993: 188 ).

A exiguidade do palco, sem condições técnicas para a cenografia

segundo as didascálias garrettiana s, permite conjeturar uma ampliação da

leitura inicia l , de gabinete, para uma espécie de “leitura encenada”. A

qualidade do desempenho r egi stou níveis de qualidade, sobretudo no

papel de D. Madalena, em que D. Emília Krus de Azevedo demonstrou

ser uma “grande actriz, que sabia dizer com rara pureza de intenção, e

dosear os efeitos dramáticos por forma a não sacri ficar a verdade à

ênfase”, secundada por José Joaquim de Azevedo , interpretando a

impetuosidade de Manuel de Sousa Coutinho com a “veemência dum

talento ta lvez amaneirado, porém largo de arrancos” ( id ., ib id . : 190).

Aquém das expectativa s, fi caram as interpretações da jovem D . Maria da

Conceição e Sá , no papel de Maria de Noronha, e do autor do dra ma ,

substitu indo à ú ltima hora no papel de Telmo. A filha do anfitr ião Duarte

de Sá carecia de experiência , e embora “possuidora de raça”, fa ltava -lhe

a força da expressão necessária . O seu inexpressivo “ filete de voz cheio

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41

de dolência” coadunou -se com as cenas de “ingénua nos doi s primeiros

a tos”, mas “deixou imenso a desejar” no lance patéti co da cena da morte

no derradeiro momento. Quanto ao próprio autor, que todos esperavam

ver dar uma “figura cheia de carácter, e desdo brasse no actor o

cori scante génio” de dramaturgo (Almeida 1993: 191) :

Erro profundo! Garret t , em primeiro lugar, sabia mal o papel ; e o seu

recita tivo, particularmente empenhado em fazer belezas l iterárias,

imprimiu à criação um empolado de mau gosto, e ti rou ao personagem

precisamente aquilo que sobre a cena poderia individualizá -la: a

ded icação de um velho servidor que vacila ent re a lembrança de um amo

morto e a afectuosa nobreza de um amo vivo, e teimando em guardar ao

primeiro a fé jurada, mercê de um pressentimento inexpl icável ( Almeida

1993: 191).

Por toda a Lisboa elegante, o teatro , a mú sica, a dança, ou os bailes

ocupavam a atenção da primeira sociedade, ta l como os ga binetes de

leitura41

. Oitocentos é o século das musas – Euterpe, Tália , Melpómene e

Terpsícore, música, comédia, tragédia e dança – , que trazem consigo a

memória do arcadi smo em tempo revolucionário. Não será por isso de

estranhar que as sociedades particulares, que surgem graça s ao espírito

do liberalismo, se apropriem ainda dos ilustr es nomes, identi ficando um

possível objetivo da sua razão de ser na designação onomástica d o

agrupamento. Quando as musas cairam em desuso, o seu lugar no templo

da arte foi tomado por semideu ses de carne e osso da cena portuguesa, e,

em finais de século, por designações de simboli smo republicano.

A burguesia filha de Euterpe a ssenhoreou -se dos hábitos musicai s

da aristocracia . O cravo deu lugar ao piano, importado da Europa, que

invadiu as casas abastadas da média -burguesia comercial42

. C riou-se a

monomania musical e, com ela , o “ tipo nacional” do “fila rmónico”,

descrito por Lopes de Mendonça :

41

Cf . EST EVES , Rosa (1984), “Gabinetes de l ei tura em Portugal no séc. XIX (1815 –

1853)”, RUA-L: Revis ta d a Universid ad e d e Aveiro . Let ras . Avei ro: UA; ___(1986),

Aspectos d a sociabil idad e oi tocenti s ta: “O Jornal f rancês” L ’Abeil l e (1840 a 1841).

Separata de Revis ta d e His tór ia das Ideias , vol . 8. Coimbra: Faculdade de Let ras . 42

A part i r de meados do século o seu predomínio é indiscut ível ; ent re 1861 e 1890,

as al fândegas regi stam uma média de ent rada de 500 pianos por ano (Cascão 1998:

445).

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Desde o dandy imponente, que est raga o fôlego robusto, assoprando

numa t rompa, até ao ignorado fadista, que arranha nas hortas as cordas

de um cavaquinho, o género é numeroso, e insinua -se em todas as

camadas sociais, em todas as profissões conhecidas (Mendonça 1852: II,

junho).

Idêntico ao do t eatro, o poder social da música promovia a

distração, “[renovava] as forças do entendimento, [combatia] o tédio e

[prevenia] a ociosidade viciosa” (Cascão 1998: 445). Academias,

grémios, clubes, sociedades, ou assembleia s designam vu lgarmente

entidades, que se organizavam como espaços de sociabilidade artística , e

se constitu íam formalmente, com estatu tos e regulamentos aprovados

pelo poder central. A Regeneração f omentou o espírito associativo e a

criação de espaços de instrução, cultura e recreação, como forma de

evitar a influência perniciosa do jogo e do alcooli smo. O ideário liberal

fazia florescer a boa intencionalidade dos “anseios de fraternidade e de

associação” (Maçarico 2010: 16)43

. Guilherme Cossoul , Lopes de

Mendonça ou o republicano Sousa Brandão pugnaram pelas causas

mutualistas e pelo associativi smo operário, como forma de melhoramento

das cla sses laboriosas, ta l como José Cipriano Costa Goodolphim, para

quem a s associações deveriam ser espa ços em que o op erário usufruísse

da leitura de obras apropriadas à sua inteligência e saber44

.

A 15 de agosto de 1855, António Pedro , então ainda ator amador,

Ricardo Sestelo e Júlio Silva fundaram a Academia Recreio Artíst ico,

com sede num primeiro andar, do número 286, da Rua dos Fanqueiros,

paredes meias com o Teatro de D. Fernando45

. A academia formou desde

logo o seu grupo dramático, que promovia saraus dramático -musicai s, em

que convidava outros amadores d e r econhecido mérito. António Pedro

gozava já de “muita fama, entre os a madores da época” (Sousa 1908: 3),

43

Cf . MA ÇA RIC O , Luís F il ipe (1998), “O problema cul tural da ident idade como factor

de desenvol vi mento e be m-es tar social”, comunicação em 1º Encontro da Associação

para a Recuperação do Patr imónio de Arruda, Arruda dos Vinhos , maio , 1998;

C O RD EIRO , Gr aça Índias (1991), “Espaço Associativo Urbano: Bases ét i cas para

prát icas lúdicas: Associat ivi smo e Sociabilidade numa Colect ividade de Lis boa”, em

B RIT O , J . Pais de/ O’NEILL, Brian (eds) , Lugares d e aqui , Actas do seminár io

Terrenos Por tugueses . Lisboa: D. Quixote. 44

Cf. C O RBA IN , Alain (2001), A His tór ia dos t empos l i vres . Lisboa: Teorema. 45

A associação ainda hoje exi ste e mantém at i vidade divers i f i cada.

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após a estreia no teatro particular da calçada do Ca scão , e da passagem

pelo t eatro particular da Graça , “reputado o melhor dos pa rticulares”

( ib id .: ib id .) . Graças a essa dinâmica, a Academia chegou a fazer

representar operetas nas suas instalações. Em 1883, fundou uma

publicação própria , O Argo: tosador efectivo das to lices da Academia

Recreio Artís tico (Lisboa: [ s.n.]) , continuado por O Piparote e por O

Recreio (1921) (Rafael/ Santos 2001: 66).

Os grupos musicais e os dramáticos, criados dentro dessas

associações, evidenciam uma cultura popular urbana heterogénea, que

pretende evoluir pelas artes, formando o gosto público. A escolha dos

repertórios dos t eatros particulares, segundo a sua localização geográfica

na cidade, permite aferir da qualidade dos frequentadores. O teatro do

Cascão l evara à cena em estreia a farsa O primo de Imbófia , do ator

amador e livreiro José António Coimbra, cujo estilo se aproxima do

Manuel Mendes Enxúndia , que integrava o r epertório do teatro particular

da Graça. Ainda que este teatro levasse à cena dramas como Afonso III

ou o Valido de El -Rei, de Henrique Guilherme de Sou sa, o repertório

amador compunha -se maioritariamente de comédia s e farsa s, abundando

esta s nos teatros particulares dos bairros populares.

O Teatro Thalia , constru ído cerca de 1840, no Palácio dos Condes

de Resende, ao Campo de Santa Clara (Câncio 1962: 258), constitu i um

caso curioso de evolução de um teatro particular de elit e, para um teatro

público de bair ro, sofr endo obras de ampliação, para se tornar no Teatro

Popular de Al fama , em 1872. Naquele teatro, a Sociedade Thalia (ou

Sociedade Dramática Thaliense) r epresentara , pela primeira vez, duas

comédias que o seu vice-presidente Almeida Garrett imitara , para os

associados: o Tio Simplício , a 11 de abril de 1844, e Falar verdade a

mentir , a 7 de abril do ano seguinte. Para esta sociedade , composta pela

a lta sociedade li sbonense46

, escreveu também Júlio César M achado o

46

Sousa Bastos regi s ta a composição do elenco da réci t a, a 11 de feverei r o de 1848,

em que se representou, em francês , o vaud evi ll e de Bayard , La lect rice, e se es t reou

a comédia de Mendes Leal , Quem por fia mata caça : D. Emí l ia Krus , a primei ra D.

Madalena de Garret t, D. Maria da Madre de Deus Aze vedo Coutinho, a Condessa da

Lapa, Duarte de Sá , Ernesto Bies ter, Conde de Mello , Conde de Farrobo , Alexandre

de Cas ti lho e António Maria Berquó (Bas tos 1898: 67).

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provérbio Amigos… amigos… (1863) , que subiu à cena “magistralmente

executado”, para um “público escolhido” que o “applaudio devera s”

(Machado 1854: 7). Após dez anos de inatividade, o teatro ressurgiu por

iniciativa de Joaquim José Alves, vereador do Pelouro da s Obras, na

Câmara Municipal de Li sboa, tendo a Sociedade Thaliense levado à cena,

a 26 de fevereiro de 1872, as comédias Os dois inseparáveis , de Pedro

Maria da Silva Costa , Mestre Jerónimo, de Rangel de Lima e Ari stides

Abranches, e Joaquim, o Terra Nova, de José Carlos dos Santos, todas

elas do repertório do t eatro do Giná sio Dramático .

A 22 de Junho desse ano, começaram as obras para a amplifi cação

do r enovado teatro, que t erminam a 18 do mês seguinte. Foram

empresários Campeão & Cª, e fi cou encarregado da obra o Assunção,

antigo maquini sta do Teatro de Variedades. Além de sala de espetáculos,

constru iu -se um salão de bail es e um botequim. Foi seu dir etor técnico

Franci sco da Costa Braga . T inha estreia prevista para 14 de Setembro,

anunciando o cartaz Um Homem do Povo, drama em 2 atos, de Eduardo

Martins, e a comédia O Vestido Rasgado, do próprio Costa Braga .

Todavia , a 10 de Outubro, a empresa suspendeu a inauguração do teatro ,

ao fim de três meses de ensaios, e exonerou os artistas das suas

escrituras. Terminava assim, sem grandes explicações em per iódicos, a

tentativa de criação de um teatro público em Alfa ma, para se manter a

a tividade amadora, levando a antiga Sociedade Dramática Thaliense à

cena, a 19 de Outubro, a peça em 1 ato A carteira perdida, dos atores

Isidoro Ferreira e Queir ós Sarmento, a peça em 3 atos, de José Maria

Braz Martins, Os Pecados da mocidade, e a comédia em 1 ato Sempre o

mesmo tio Torquato47, de Al fredo Ataíde (Matos-Cruz 2010: passim ) . Os

47

A co média f i cou conhecida por es te nome, ainda que originalmente se t enha chamado Rosário, batina e chambre, editada pela Livraria Económica de Domingos

Fernandes , em Teat ro dos Curiosos: Colecção de peças para sala e t eat ros

part i culares , nº 50 . Al fredo Ataíde escreveu propos itadamente a comédia em u m ato ,

Uma excentricidad e, para ser representada no teat ro part i cular do Marquês de

Al vi to , D. José Lobo da S ilvei ra Quaresma , na noi te de 2 d e abri l de 1866. Na edição

impressa da obra, no ano seguinte, imprime u ma dedicatória a D. Margarida de

Vasconcelos : “A excent ricidade nasceu em berço humi lde, e era dest inada a não

t rajar os atavios de corte, a V. Exª que a elevou, de ve a sua gloria. //A pobre f lor do

ca mpo, quási murcha e coberta pelo gelado manto do inverno, tocou -a um raio de sol

que lhe deu vida. //Conceda -lhe V. Exª um modes to lugar ent re os louros da sua corôa

de art is t a”. O fo lheto inscreve t a mbé m a d i st r ibuição: Felicidade da Si lva: D.

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autores destas comédias eram atores de nomeada, que partilhavam com

os a madores a s suas obras e a di sponibilida de para as representar48

.

O gosto sofria nitida mente a influência dos t eatros públicos –

Ginásio, Condes, Variedades, Príncipe Real – , pelo estilo e pelos autores

da moda, a liás ampla mente di fundidos pelas coleções dramáticas em

voga. A Academia Fenians seguiu o exemplo. Em 1865, o mestr e de

dança Justino Soares compôs uma quadrilha a que chamou Os Fenians. O

êxito da dança, que chegou inclusive a Paris quatro anos depois, levou o

seu autor a abrir uma academia para quem quisesse aprender a dançar, e

que foi muito concorrida durante vários anos. Chegou a possuir teatro

próprio, onde se representaram comédia s de José Bento de Araúj o

Assi s49

, do jornalista Eduardo Coelho50

e do empresário Baptista

Machado51

, di fundidas em folhetos das coleções dra máticas populares.

Margarida de Vasconcelos ; Henrique de Mendonça : Al fredo Ataíde ; Um criado:

Jorge de Cabedo. 48

No ano de 1872, regi s ta -se a atividade de t eat ros part i culares: Teat ro Popular , ou

Teat ro Novo Ginás io , no Pátio do Ti jolo , à Pat r i arcal , inaugurado a 1 de agos to , e

para o qual F ranci sco Duarte de Almeida Araújo anunciou ter escrito o dra ma Vasco

da Gama e a Descober ta d a Índia, para aí ser representado (Matos -Cruz, 2010); Teat ro da rua Formo sa; Teat ro do Quartel de Infantaria 2 , cons t ru ído por subscrição

de oficiai s e sargentos , cujo pano de boca foi pin tado pelo sargento F razão

( id .: ibid . ) ; e o Teat ro do Cas ti lho , na t ravessa das Terras de Santana. O teat ro de

sala cont inua a exi st i r em casa do Conselhei ro Constâncio , na de D. Franci sco de

Al meida e na de André Ludgero Mendes , em Lisboa, cujas peças e elencos são

publ icit ados pelo Diár io d e Notícias . 49

Indus t ri al e comerciante, fo i fundador da Companhia Lisbonense de Es tamparia , e

secretário da Companhia das Lezí r i as . Foi um dos primei ros emp resários do

comércio de carnes de Lisboa, possuindo diversos t alhos. Foi ator amador de

nomeada, t endo chegado a ser con vidado para se tornar ator profiss ional. Colaborou

em di versos periódicos da capital, e produziu diversas obras dramát icas de sucesso .

Foi redactor da Crónica dos Theatros . 50

Natural de Coimbra, veio para Lisboa, para t rabalhar no comércio , após t er f i cado

órfão de pai . Aprendeu o ofíc io de tipógrafo e ingressou na imprensa Nacional como

Oficial Composi tor de Textos . Colaborou em vários jornais e fo i secretário de

António Fel iciano da Cas ti lho e de José Es têvão de Magalhães . Aos 29 anos , fundou

o jornal Diár io d e Not ícias , que di rigiu até à sua morte. Era i rmão do f ilólogo

F rancisco Adol fo Coelho e amigo ín t imo de Eça de Quei rós . A sua produção l i t erária é vas ta, t anto na f i cção, como no teat ro , de que t ambém fez t raduções . O seu drama

Opressão e L iberd ade foi expressamente escri to a convi te da d i reção do teat ro de D.

Luís , em Coimbra, onde subiu à cena a 11 de j anei ro de 1862. Cf. C UN HA , Alfredo da

(1904), Ed uardo Coelho. A sua vida e a sua obra. Alguns factos para a h i stória do

jornali smo português contemporâneo . Li sboa: Tipografia Universal . 51

Foi amador dramát ico nas sociedades part i culares. A sua comédia de est reia, Uma

exper iência , representou-se no Teat ro da Rua dos Condes , com música de F rancisco

de F rei t as Gazul . Era um autor que redigia com rapidez, todos os géneros , sobretudo

no domínio da comédia, que “escrevia a brincar” (Bas tos 1898: 365). Escreveu

també m mui tos monólogos e cenas cómicas , género mui to em voga na segunda

metade do século . Foi um ensaiador de grande competência em vários t eat ros, e

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Os serões culturais interligavam o teatro e a música, cujos

repertórios definia m assim di ferentes grandezas de cultura artística . No

teatro da Sociedade Assembleia Fa miliar , situada na rua do Alecrim, em

1872, representaram-se comédias -imitações do francês, ma s também

subiu à cena, a 4 de maio, a ópera de Bellini , Os Puritanos, e a 26 de

outubro, o Rigoletto , de Verdi . No seu periódico A Arte Dramática ,

Sousa Bastos noticiou que estes “distinctos curiosos dramáticos” ( AD,

01/11/1873: 4) eram ensaiados pelo ator Taborda, em cuja noite d e

benefício, lhe foi oferecido, como prova de gratidão, o a lfinete de peito

que pertencera ao ator Tasso ( AD, 24/12/1873: 2).

Alguns teatros particulares funcionaram como espaços mistos de

entretenimento popular, onde di ferentes estra tos convergiam pelo

espírito boémio. O teatro particular do Pátio do Maldonado (1855), na

Costa do Castelo, o Teatro T herpsicore (1857), a S. Bento, e o Teatro

Garrett (1860), aos Anjos, exempli fi cam espaços populares de amadores,

em que o teatro se misturava com a mú sica e a dança, nos célebres

“bailes campestres”, em “tempos de picaresca folia” de bailes de negros,

da Rainha Jacinta (Sequeira 1967: II , 20)52

. Os doi s ú ltimos viriam a

tornar-se viveiro de dramaturgos, a tores e a trizes populares, entre 1850 e

o fim de século, estabelecendo uma ponte entre o dil etante e o

profissional, bastas vezes com assomos de pretensiosi smo amador,

regi stado em críti cas jornalísti cas arrasadoras.

Não cabendo aqui a história de todos estes t eatros, fica toda via a

memória daqueles que tiveram importância no seu tempo, não só como

espaços de sociabilidade burguesa , ma s também como escolas populares

chegou a ser empresário no Teat ro do P ríncipe Real . Vi timado pela doença, que o

cegou, faleceu no hospi tal de Ri lhafoles , no es tado de loucura (Bas tos 1908: 238). 52

Em 1862, F ranci sco Rocha , empresário do Teat ro da Rua dos Condes , de parceria

com Gui lherme Celes tino e out ros , decid iu organizar no Therps icore um benefício

em ho menage m à negra Jacin ta, que “se finava à penúria” (Sequei ra 1967: II,21).

Organizara m-lhe um ca marote, ao qual foi conduzida com toda a so lenidade, para

ass is ti r ao espetáculo em sua honra, que começou pela “marcha dos pretos de S .

Jorge que a Rainha e os seus d ignitários ouvi ram de pé” ( ibid . : ibid. ) . També m

Francisco Palha lhe organizou “uma cor t e de duques , marqueses , condes e out ros

t ítu los”, ent re os quai s se encont rava António Fel iciano de Cast ilho , “duque de

Catumbela”, e Cami lo Castelo Branco , “marquês”, ent re out ros (Bastos 1947: 125).

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de arte dramática, cujos pequenos palcos melhor se adequavam ao estilo

das peça s íntimas:

Os teat ros pequenos são os melhores […]; deixam observar bem os

arti stas, o jogo da sua physionomia, o mais leve olhar, o mais leve

sorri so, o mais leve gesto, todo o t rabalho delicado e fino que consti tue a

arte do actor e que em distancia se perde! Dispensam de gritar, deixam

ouvir phrase por phrase , e servem até para d isfarçar melhor… nas récitas

em que não teem publ ico! (Machado 1871: 44).

Na travessa do Forno, aos Anjos, o T eatro Garrett era propriedade

de António Cândido da Cruz , o Cruz do Guarda -roupa, que além de

comerciante também foi empresário do Teatro do Ginásio , na temporada

de 1870/71. O teatro estreou a 12 de maio de 1860, com a comédia em

um ato, ornada de copla s, A paixão de André Gonçalves, de Luís de

Araújo Júnior , por um grupo de amadores. Pelo seu palco passaram todas

as sociedades a madoras – Sociedade Recreio Fa miliar , Sociedade César

Polla , Troupe Carlos de Almeida , entre tantas – , e se estr earam, ou

tiveram reprises, peças de autores populares como Júlio Rocha , Júlio

Howorth, Domingos Manuel Fernandes (aliás Roberto Valença ), ou

Frederico Napoleão da Victoria , de quem falaremos a devido tempo. A

frequência do t eatro era diversi fi cada, sendo concorrido por estudantes,

entre os quais Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro , “que fazia espirituosos

‘croquis’ dos amadores” (Ferr eira 1943: 126). Estaria seguindo as

peugadas de Rafael Bordalo Pin heiro, seu pai, que também aí r epresentou

como a mador, assim como no Teatro Taborda , na encosta do Ca stelo.

Este teatro deveu -se à Sociedade Taborda , consti tu ída a 16 de

janeiro de 1870, em homenagem ao ator do mesmo nome, por iniciativa

de João Augusto Vieira da Silva , que o mandou edi ficar. As obras foram

dirigida s pelo arquiteto da Câmara M unicipal de Lisboa, Domingos

Parente da Silva , que também esteve a ssociado à construção do Teatro do

Príncipe Real , de Li sboa. A inauguração ocorreu a 31 de dezembro do

mesmo ano, com um espetáculo ensaiado pelo ator Portu lez, em que se

ouviu o Hino da Sociedade , de autoria do professor Augusto José de

Carvalho, pela recitação do poema de José Inácio de Araújo, A Sociedade

aos seus convidados , e pela representação do drama de Tomás Lino da

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Assunção53

, O mundo e o c laustro , pela sua comédia -imitaçã o de La

grammaire (A gramática ), de Eugène Labiche , e pela comédia O

Morgado (Bastos 1994: 371). O teatro foi dirigido pela sociedade até ao

seu desmembra mento, acolhendo vári os grupos amadores, que exibiam

um repertório selecionado de dramas, comédia s e operetas. Pelo seu

palco, passaram vultos do t eatro e da imprensa: Taborda , que

abrilhantava as festas com monólogos e cenas cómicas, tão do agrado do

público em geral, mas também António de Menezes (o gazetilheiro

Argus, autor de revista s), o a tor Carlos Posser , os jornali stas Henrique

Chaves e Avelino Baptista , ou o empregado de comércio Gervásio

Correia , que aí brilharam como intérpretes da s óperas -cómicas A

Perichole , de Jacques Offenbach, em tradução de Cardoso Leoni , e Os

sinos de Corneville , versão de Les cloches de Corneville , de Robert

Planquette . Foi considerado o melhor t eatro de amadores de Li sboa, pelo

rigor de representação dos grupos dramáticos que aí a tuavam.

Quando a Sociedade Taborda se desfez, a lguns dos seus sócios

constitu íram uma nova academia de amadores dra máticos, que decidiram

homenagear um ator, cuja fa ma influenciou a designação do próprio

espaço, o Teatro Teodorico , na calçada de Santo Andr é, no solar

quinhenti sta que aí exi stiu , junto ao arco54

. Este pequeno teatro ,

inaugurado em 1890, era constitu ído por uma sala modesta e uma cerca

exterior, em socalcos, pela encosta do Castelo , onde era costume jogar -

se ao chinquilho. Chamara -se anteriormente Teatro Jacobet ty . A

53

Completou o curso de condutor de obras públicas no Ins t ituto Indust r i al e

frequentou o Curso Superior de Let ras . No Bras il , d i rigiu a const rução do caminho -

de-ferro de S . Paulo ao Rio de Janei ro. Colaborou em jornais e re vi s tas , escreveu

teat ro e t raduziu obras de Georges Ohnet e de Eckermann -Chat rian (pseud. ) . Foi

redator do periódico O Dia, fundado por António Enes , e secretári o da Inspeção -

Geral das B ibl io tecas (29/12/1887). Pos it ivi s ta e anticlerical , dedicou -se a es tudos h i stóricos, fruto da consul ta de arquivos conventuai s (S ilva 1858 -1911: XIX , 278). 54

O ator Teodorico começou a sua carrei ra em teat ros parti culares , em papéi s de

baixa comédia, com os quais grangeou grande sucesso . Ins tado por amigos , decidiu -

se a segui r carrei ra nos t eat ros públicos, ingressando no Teat ro do Sal it re . Em 1838,

in tegrou a companhia do Teat ro da Rua dos Condes , onde se mante ve at é 1843, nas

empresas de E mí l io Doux e do Conde de Farrobo. Teodorico fez parte da sociedade

de art is t as que tomara m a exploração deste t eat ro , até que, em 1846, fo i nomeado

societário de primei ra classe do Teat ro de D. Maria II . Foi um ator versát il , que

possuía uma excelente me mória, e dotes h is t riónicos , e um espí r ito capaz de geri r a

adminis t ração de um teat ro . Cf . a sua biografia, no jornal crí ti co -li t erário Galeria

Theatral , nº 20, 30/12/1849, pp .2 -3 .

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sociedade de amadores, que o inaugurara , fora dirigida pelo ta lentoso

sapateiro Vitorino Gomes, porém péssimo empresário teatr al (Santos

1921: 31). Foi ta l o preju ízo, que o empresário o trespassou a António

Martins dos Santos, que procedeu a melhorias no espaço, durante um

ano. O pequeno teatro parti cular reabriu portas em 1891, e tornou -se num

local elegante. Chegou a possuir um considerá vel conjunto cenográfico

de t elões, mobil iário e adereços, várias vezes cedido ao empresário Luís

Ruas, do Teatro do Príncipe Real . Pelo palco do Teodorico passaram

muitos profi ssionais: Armando Vasconcelos, Delfina Vítor , Jaime

Venâncio (o autor da ópera cómica popular Processo do Rasga ) , Cecília

Machado , Palmira Torres (a Severa de Júlio Dantas)55

, e Alfr edo Silva ,

entre muitos outros (Santos 1921: 31-32). O teatro desapa receu, em

1913, quando foi demolido o arco existente nessa rua, junto ao qual se

situava.

No bairro do Mocambo, a tual Madragoa, ficava situado o Teatro da

rua das Trinas de Moca mbo, também conhecido por Clube Recreativo da

Lapa, propriedade de um indivíduo de apel ido Gomes56

. A sua fachada

assemelhava -se à de um teatro público, servindo a população do bairro,

gente ligada ao mar, pescadores e varinas peixeira s, sendo o seu

ambiente peculiar ; comia -se e bebia -se durante a função, por lá

circulando a fava -rica , as pevides, o burrié cozido e ou tros acepipes. O s

desacatos frequentes na assist ência l evavam à intervenção da guarda

municipal. O teatro possuía grande quantidade de adereços, que o seu

proprietário cedia de empréstimo a outras salas parti culares. No início de

Novecentos, foi destru ído por um incêndio, dando lugar ao animatógra fo

Salão das Trinas, após obras de remodela ção (Santos 1921: 34-35). Não

teve grupo dramático próprio, servindo como teatro de acolhimento a

55

A at r i z, que se es t reou aos 15 anos , no Teat ro da Avenida, es teve l igada à

modernidade t eat ral do reali smo -natural ismo, in iciada em fi m-d e-século e

continuada nas décadas seguintes de Novecentos . Além de t er desempenhado o papel

t itu lar em Severa, de Júli o Dantas , esteve l igada ao projecto art ís ti co de Araújo

Perei ra e Luciano de Cast ro , no Teat ro Livre (1902), além de t er di r igido uma

companhia de t eat ro infant il , no Teat ro da Avenida . 56

Apresenta várias designações : Teat ro da rua das Trinas de Mocambo (1888),

Teat ro Recreat ivo da Lapa (1890), Teat ro das Trinas (1894), Clube Recreat ivo da

Lapa (1894) e Salão das Trinas (1919-1940), quando passou a funcionar como

animatógrafo .

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outros grupos : Grémio Dramático Bapti sta Machado , Grupo Dramático

Eduardo Brazão, Grupo Dramático António Portugal , Grupo Dramático

Mocidade , Grupo Dramático Almeida Garrett , ou Grupo Dramático Pedro

de Sousa , entre outros. As r écitas surgem publicitadas nos per iódicos de

amadores, O Amador Dramático e A Scena .

Na freguesia de Santa Isabel , ao Rato, para a lém do Teatro

particular do Ca stilho, exi stiu , na rua da Arrábida, nº 110, um teatro

particular elegante e bem frequentado, designado Teatro particular

Almeida Garrett , e que funcionou com o Animatógra fo da Arrábida , a té

ser destru ído por um incêndio, em 1912. As r écita s eram concorrida s, o

repertório variado, e a s críti cas do Amador Dramático sublinhavam a

qualidade dos intérpretes, verdadeiras vedeta s amadoras, capazes de se

dividir em entr e o t eatro declamado e o musicado, r evela ndo a mestria

dos ensaiadores e dos chefes de orquestra dos clubes recreativos.

No bairro de Alcântara exi stiram várias sociedades r ecreativas57

, e,

na rua do Alvito, uma sociedade de quatro membros mandou edi fi car o

Teatro Apolo, inaugurado a 3 ª de dezembro de 1896, com o drama

marítimo Jerónimo, o marinheiro , com música de Franci sco da Silva

Corado (Bastos 1994: 317-18). No largo do Calvário existiu o Clube de

Lisboa , nas instalações atualmente ocupadas pela Sociedade Promotora

de Educação Popular . Teve grupo dramático, que se estreou a 18 de

junho de 1896, com a peça lír ica original, em 3 atos, de Artur Marinho

da Silva , com música do maestro Felipe Duarte58

, A lancha favorita , que

teve edição impressa na coleção de obra s dramáticas do clube. As duas

récitas foram apoteót icas, correspondendo à vontade artística da

sociedade, em que ponti fi cava Mari nho da Silva, professor e diretor do

Asilo da Ajuda, e João Mendes , professor do Conservatór io, e seu

57

Em 10 de março de 1946, d a fusão da Sociedade F ilarmónica Esperança e Alegria

(1865) com a Sociedade F ilarmónica Alunos de Har monia (1868), no Al to de Santo

Amaro, e do Grupo Dra mát ico e Musical Apolo (1915) surgiu a Acade mia de Santo

Amaro , vulgo ASA, que possui t eat ro próprio e t em produção teat ral regular , t endo

educado amadores para o t eat ro profi ss ional, como Carlos Areias , ou Miguel Dias ,

ent re out ros . 58

A respei to des te maes t ro -composi tor cf . C O ELHO , R i ta Fi lipe Trindade (2004), O

Texto d a Opereta A Leiteira de Entre -Arroios o composi tor Felipe Duarte. Relatório

de es tágio, Mes t rado em Linguís ti ca. Li sboa: Faculdade de Let ras, Univers idade de

Lisboa (FLUL).

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ensaiador. Para que se analise da qualidade exigida aos amadores, em

finai s de Oitocentos, transcrevemos u m excerto da críti ca public ada em A

Scena (11/07/1896: 4) , a propósito da estreia de A lancha favorita :

Os numerosos e se le tos espectadores que enchiam a vasta sa la ,

aplaudi ram sem reserva a nova parti tura de Fil ipe Duarte. E o entusiasmo

subia de valor e mais se acentuava nos que s abiam que aquela inspi rada

produção fora fei ta em poucos meses e nas horas dest inadas ao repouso

duma vida afad igosa do arti sta que t rabalha para viver. Fi lipe Duarte tem

espontaneidade na conceção e perseverante intuição, dotado de um

talento maleável, ora exprime o sentimento que nos comove, ora nos

desperta a expansibil idade que nos alegra. […] O Sr. Artur Marinho é um

professor d istinto e um poeta correto. Os seus versos são em geral

sonoros e bem metri ficados, achamos, porém, a ação da sua peça um

tanto monótona, concorrendo para i sso a fal ta de uma personagem alegre

e o facto de fazer passar 3 a tos só no mesmo recinto, ent re pescadores. O

que em boa verdade lhe dá vida são os descantes populares int roduzidos

pelo autor na música. Fil ipe Duarte recebeu, pois, a consagração de

composi tor inspi rado de todos aqueles que já lhe conheciam o seu grand e

mérito como violonceli sta e o prestígio da sua batuta . […] As récitas da

Lancha favorita foram duas noites de glória para os seus au tores,

cont ribuindo poderosamente a esplêndida interpretação dada pelas sras.

D. Maria Leite Diniz , D. Maria dos Santos Be lo, e pelos srs. Paulo do

Quental , Alfredo Hansen, Henrique dos Santos, Alfredo de Barros, e bem

assim os sr s Gui lherme Borja de Araújo, que ensaiou os coros, e

Hermenegildo Blanc, que se encarregou das partes cenográficas. Os coros

podem considerar-se de primeira ordem.

Muitos palcos particulares, muitas a cademias, grupos dramáticos

fica m por r eferir . Na r ealidade, em finais do século XIX, o movimento

de teatro amador é forte, cu mprindo o objetivo r ecreativo e espiritual a

que se propusera desde o início da centúria . Os curiosos dramáticos –

qualificados de “furiosos dra máticos” se exagerava m na representação – ,

correspondiam também ao ideário pelo qual Garrett pugnara na formação

do gosto popular , e que a ideologia republicana r etomou, a partir da

década de 1870, a través da atividade das sociedades ama doras nos

centros e clubes republicanos. Em Lisboa, muita gente empregada em

oficina s, em lojas, ou na função pública , pertencia a a lguma associação,

formando uma “sociedade de associações” para o povo, tão r espeitável e

patriótica , quanto a sociedade da s elit es (Ramos 2001: 79). O teatro

enquanto espaço de sociabilidade e de desenvolvimento literário cumpria

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a sua função civili zadora intercla ssista . Almeida Garrett , Cami lo Castelo

Branco, Júlio Diniz, Eça de Queirós, e muitos outros, pi saram como

atores não só os palcos académicos, como os dos t eatros particulares, o

“modesto t eatro”, a quem Marcelino Mesquita prestou homenagem, nas

páginas de A Comédia Portuguesa (nº2 , 13/10/1888: 7):

Parou é certo; mas como “ vielle roche” fi rme no seu ideal . Usa a inda a

cabel lei ra sol ta , o casaco de veludo, a bota à Frederico, manto negro,

mas tudo limpo. Pode incomodar a alma simples do povo, mas não

re laxa; pode ser banal, ant iquado, piegas, perante as exigê ncias

phi losophicas do nosso espí rito moderno; mas não é nunca ordinário,

imoral , corrupto.

Na segunda metade do século, o a tor perdia definitiva mente o

estatu to de “proscrito”, e ganhava a fama, “graças à civilizaçã o, que com

poder assombroso, um throno deu à rasão”, tornando -se sinónimo de

“liberdade, [e] i lustração”, como o definiu o ator Correia da Si lva , em O

Actor e a Civilização (Silva 1865: 5):

O actor é qual o poeta / n’a lma, vida e no senti r; / Dá-lhe Deus a

excel lencia, / n’um olhar, ou n’um sorri r; / Inspi ra -lhe a mente ousada, / e

na fronte laureada/ do condão de sua gloria, / imprime vivos signaes: / e

no templo da memoria , / vive a par dos immortaes! ( Si lva 1865: 5)

3. Para que esta Nação tenha com que o Povo se entretenha

3.1 . Arquivos, bibliotecas, álbuns e galerias

A França, “civili zação di stribuidora” no sul europeu, e

particularmente na Península Ibérica , ganhou o estatu to de “filtro da

Europa” (Nemésio 2008: 24). Se Herculano ou Garrett preteriram a

cultura francófona, para contemplarem a germânica e a anglo -saxónica,

“o comum dos mortais estava ilaqueado pelos medianeiros franceses na

exploração desses mundos” ( ib id .: ib id .) , a través do “livro culto –

l i teratura , vulgarização, ciência” ( id . , ib id . : 25) – , oriundo dos prelos

gálicos. Pa ssada a importância da Impressão Régia , a indústri a editoria l

diver si fi cou-se em pequena s tipografias, que compunham, imprimiam e

comercializavam “o in -16.º das obra s dos árcades, o fo lheto das ópera s

ita lianas, o caderno da didacidade setecenti sta e da publicação polémica,

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políti ca e rel igiosa, dos começos do século XIX” ( ib id . : ib id .). As loja s

de l ivros convertera m-se em verdadeiras livrarias, em que apelidos

franceses – Rolland, Planti er, Bertrand, Moré, Aillaud, Orcel, Chardron

– , dominaram tanto o comércio, como o fabrico dos liv ros, em Lisboa,

Porto e Coimbra59

.

Entre 1825 e 1840, entre o desabrochar e o enraiza mento do

romanti smo português, a prática dos hábitos de l eitura contribuiu para o

desenvolvimento da economia nacional. O livro tornou -se objeto de

consumo da sociedade, veiculando ideia s, comunicando mensagens, e

a lfabeti zando as massas populare s (Ribeiro 1999: 188). A forte

consciência que a classe média ganhou de si fê -la autodefinir -se, não só

pelos rendimentos, mas também pela ilustração e costumes (Fonseca

1998a: 401). Em 1851, quando da convenção literária entre Portugal e a

França, Garrett concluía que os livros “bons, os ú tei s, os civi lizadores”

provinham direta mente de França, em “edições l egítimas sem prejuízo

dos seus proprietários” (Amorim 1881 -84: II, 491). A revolução

romântica assu miu o papel r eformador sonhado pelos árcades. Adoptou

os valores civili zacionais de educação e de di fu são de nova s ideias, e

veiculou-os pela imprensa periódica e pelo teatro, enquanto “escola da

boa e lídima linguagem”, “da moral sã e pura”, “ incentivo da glória e

gérmen das virtudes sociais” (Garrett 1984e: 416).

As coleções dramáticas em Oitocentos marcam “uma tónica

releva nte da realidade cultural” . O seu número expressivo e a sua

abrangência na cional contribui ram “para a di fusão de modelos e estéti ca s

dramáticas a o longo do século” (Santos 2012: 75). Estabelecendo uma

ligação entr e o t eatro que se representava e o teatro que se lia ,

favoreceram o desenvolvimento editoria l e a formação do gosto do

público , numa vi são ampliada entre Portugal e a Europa culturalmente

desenvolvida. O setor editoria l l igado ao teatro constitu iu -se como um

dinamizador da ambicionada reforma do t eatro nacional, determinando “o

59

Sobre os livrei ros franceses , que viera m ins talar -se em Portugal , cf. GUED E S ,

Fernando (2012), Livrei ros Franceses do Del finado em Por tugal no Séc. XVIII .

Edição reelaborada e acrescentada. Li sboa: Edi torial P resença. Sobre a at ividade

l ivrei ra e m geral , cf . GUED ES , Fernando (1993), Os L ivrei ros em Por tugal e as suas

associações d esd e o século XV até aos nossos d ias . Mem Mart ins : Verbo.

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papel relevante dado à prática de tradução” ( id ., ib id : 76), tanto quanto à

figura do imitador, estádio intermédio entre o autor e o tradutor. O go sto

pelo “teatro encenado e declamado à francesa” deveria agora desterrar a

sensaboria de “dramalhões incolores e das farsa s grosseiras […] muitas

vezes a climatados […] por aqueles de quem se esperava o remédio

(Nemésio 2008: 27) .

Em 1787-88, o impressor -livreiro Franci sco Rolland60

(T ip.

Rollandiana) editou “Theatro estrangeiro” , uma coleção de sei s volu mes

de autores franceses de r eferência . As obra s de Corneille (Le Cid/ O

Cid ) , Molière (L’avare/ O avarento ) , Regnard (Le joueur/ O jo gador ) ,

Diderot (Le père de famille / O pai de família ) , Beaumarchais (Os dous

amigos ou o negociante de Lião ) e Voltaire (Alzire , ou les Américains/

Alzira , ou os Americanos)61

promoviam o valor educativo da l eitura da

obra dramática, para “refrear as desordenadas paixões dos homens”.

Mandando traduzir “as melhores peça s trágicas e cómicas dos mais

afamados autores”, Rolland contribuía para que “esta na ção [tivesse]

com que o Povo se [ entr etivesse] em coi sa de que [pudesse] tirar

u tilidade, imitando a s Nações cultas da Europa, que toda s [tinham]

colecções de escritos t eatrais” ( apud Santos 2012: 81,nota 5). É

mani festa a consideração dada à centralidade do leitor no mundo dos

livros, que se comporta como um viajante que cir cula por “ terras

a lheias”, caçando “como nómadas no meio de camp os que não

escreveram” em busca do “ paraíso perdido” (Certeau 1998: 269-70).

Os editores responsávei s pelas coleções dramáticas conduzem o

leitor, a través da sua experiência de l eitura e da sua vivência social, a

repensar a obra como objeto de uma estética da receção : “ ler é estar

a lhures, onde não se está , em outro mundo” ( ib id . : ib id .) . Há um convite

implícito ao diálogo com o t exto, num processo de compreensão e de

interpretação da obra, enquanto literatura dramática, e de vi sualização de

uma dinâmica espacial, enquanto lit eratura cénica. A escolha de Rol land

60

Ta mbé m ident i f i cado pelo acrónimo F .R.I.L.E.L. , nas obras que t raduzia ou

compi la va, e que Inocêncio da S ilva in terpreta como F [ranci sco] R[oland]

I[ mpressor] L[i vrei ro] E[m] L[i sboa]. (Si lva 1858 -1911: III, 50). 61

Em 1805, F ranci sco Rol land acrescentou uma sét ima obra, a t ragédia Atreo e

Thies tes , de Crébil lon , em t radução de Manuel Mat ias Viei ra Fialho de Mendonça .

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55

encontrava-se em relação dir eta com o espírito do seu tempo . A literatura

contribuia para a vida social, pela edição de obras provocadoras de

“derrocada de tabus da moral dominante” ou que brindavam o leitor com

“novas soluções para a casuísti ca moral da sua praxis de vida” (Jauss

1994: 57).

As ideia s liberais inculcadas pela cultura dos livros e jornais

franceses formaram a base do espírito revolucionário de 1820 (Herculano

1982: 295-296). O seu paradigma sociopolíti co expressou -se na contínua

vontade de divulgação de ideai s e de desenvolvimento das massa s

populares, que a experiência da prática comercial da “literatura de

cordel” iniciara no século anterior. Oitocentos será tanto “o século do

livro”, quanto “o século da imprensa”. O público heterogéneo que

compra folhetos e o mercado lit erário que os edita desenvolvem -se em

proporção direta , “através da organização do jornalismo e do teatro em

moldes empresaria is” e do incremento de ambas a s a tividade s (Santos

1983b: 12). A liberdade de imprensa, após a Revolução de 1820, apesar

das v ici ssitudes sofridas posteriormente, e a conscienciali zação do poder

da palavra na formação de opinião pública , constitu íram a força do

movimento periodístico político, l i t erário e cientí fico, em que se incluiu

o folheto avulso ou em miscelânea . O literato oitocenti sta acabou por

criar uma dependência , em relação a uma nova entidade, o “grande

público”, a través da imprensa, e de um “novo tipo de profi ssional de

letras, o au tor de folhetins”, e a través do t eatro, e de “outro profi ssional

de l etras, o dramaturgo”, que “tornava mais espectaculares e imediatos

os sucessos e insucessos” ( id ., ib id : 14-15).

As miscelânea s dramáticas, organizadas segundo o espírito de

catalogação, divulgavam um património cultural, destinado a instru ir62

. A

formação do gosto dramático , interligando o instinto individual e a

liberdade espiritual, produzia um juízo intelectual fundamentado.

Ambicionava-se que o público adquir i sse uma consciência de diferença,

de escolha consciente e ponderada, que o convert esse em sociedade

62

Cf . S A NT O S , Maria de Lourdes Lima dos (1985), “As penas de vi ve r da pena

(aspectos do mercado nacional do l ivro no século XIX)”, Anál ise Social , vol .

XXI(86), 1985 -2º , pp .187-227.

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instru ída, ou seja , que o dist ingui sse do vulgo. Sendo um espaço de

sociabilidade, associa ndo ao conceito de gosto o de moda, a função

teatral, enquanto momento de sociali zação univer sal , transfigurou -se em

realidade promocional de uma burguesia em ascensão. O objetivo de

aprendizagem pela arte dramática assemelhou -se ao do manual de

civilidade, na “imitação voluntarista de modelos propostos a través de um

discurso” (Santos 1983a: 53), que tanto confirmava a efetiva ascensão

social, como veiculava o imaginário burguês, na articulação entr e o

“interesse materia l e o interesse simbólico”, na evolução social do

acúmulo do “capita l económico” para o do “capita l simból ico” ( id ., ib id . :

54). Definindo um código de conduta democrática , ba seado no mérito do

saber, a lmejava -se o sentido crítico e a melhoria de comporta mentos. O

desenvolvimento do teatro, enquanto empreendimento cultural e

comercial, vem evidenciar a heterog eneidade do público e “as

descoincidências de gosto entr e as di ferentes fracções” que o constituem ;

por um lado, o público dos teatros privados, “meia dúzia de famílias de

aristocratas liberali zados ou de liberais ari stocratizados”, que legitimava

autores e o bom gosto elegante, e, por outro, o público dos t eatros

comerciais, espectadores anónimos, “ indispensávei s para encher a casa”.

Como resultado do conflito , a fração aristocrática depreciava os sucessos

de bilheteira , e a fração alargada não encontrava interesse na produção

literária sancionada pela anterior (Santos 1983b: 15).

As miscelâneas dramáticas expõem uma moda teatral coeva63

, ao

mesmo tempo que afirmam a expressão de uma preferência , que

salvaguarda a superioridade normativa de uma sociedade ide al. Gosto

aperfeiçoado, equivalente a forma de conhecimento, promoveria junto

das massas o consumo do folheto dramático , objeto de série,

aproximando o leitor do drama escrito e da sua recriação cénica.

Princípio l egitimado por Garrett , quando a firma que, uma vez criado o

63

Uma real idade presente na recolha de F ranci sco Vaz Lobo , na primei ra coleção de

obras dramát icas do século XVIII, Flor d e Entremeses , escolhidos dos mayores

engenhos d e Por tugal e Cas tel la (Lisboa: na Officina de José Lopez Ferrei ra, 1718 ).

Trata-se de um conjunto de catorze pequenas peças anónimas , que, “pelo número de

personagens , pela simpl icidade do enredo, e pela baixeza da l inguagem e fal t a de

gos to , bem re vela m que seriam representadas por Titereros , nas fei ras , nos adros das

igrejas e nos arraes” (Braga 1871: III, 84).

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gosto público, ele sustentaria o teat ro (1904: I, 627). O editor de

miscelânea s dramáticas cumpre o papel de um colecionador

especializado, que classi fi ca as obras segundo convicções pessoais . A

catalogação expressa o espírito de colecioni smo característico da

sociedade burguesa que pretende afirmar -se e na qual se insere. Sob a

designação de “obras” ou “teatro” de autor individualizado, ou em

miscelânea s autorais – “arquivos”, “bibliotecas”, “álbuns” ou “galerias”

– , o tí tu lo da coleção evidencia tanto a perspetiva do gosto do editor -

compilador, como o seu objetivo de produção de u m sentido crítico ;

tanto refl ete a maneira como as obras foram lidas, como define o modo

como o destinatário as deverá entender . O teatro atraía os “home ns de

letras pela popularidade e acesso ao meio intelectual urbano a que dava

lugar, particularmente depois da criação do Conservatório” (Santos

1983b: 16) :

Para além d isso, o teat ro não deixava de ser também uma fonte de

dividendos – ganhava-se algum dinhei ro escrevendo, não apenas obras

originais, mas adaptações e t raduções, feitas, nalguns casos, por escribas

anónimos, mas, nout ros, por escritores já com certo renome ( Santos

1983b: 16 ).

A afirmação de um “mercado factí cio” encontra -se presente em três

coleções dramáticas: o Jornal de Comédias e Variedades (1835 -36; 1840-

41), o “Archivo Teatral ou coleção seleta dos mais modernos dramas do

teatro francês” (1838-45) e o “Recreio T heatral dedicado ao belo sexo”

(1839). Entre 1835 e 1840, divulgou -se teatro traduzido, por influência

da estadia da companhia francesa de Mr. Paul, e pela circulação das

publicações congéneres, amba s apresentando ao público l isboeta a

“novidade do drama romântico , do melodrama e do vaudeville importado

dos palcos dos t eatros do Boulevard” (Santos 2012: 82-83).

Émile Souvestr e balizara a sociedade em ricos e proletários, entre

cujos extr emos colocou a numerosa classe média , flu tuando entre uns e

outros, entr e a finura dos ri cos e o rude gosto do proletário (Souvestre

1832: 20). Enquanto este carecia de emoções fortes, de cenas autênticas,

retiradas da vida árdua que conhecia , aqueles preferiam ser embalados

pela sonoridade dos grupos corais, pelas romanzas e pelas a legres

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barcarolas. Ao povo, destinava -se Richard d’Arlington e Antony ; ao rico,

o Guillaume Tell e o Robert- le-diable . O drama e a ópera constitu íam as

“puissances moralizantes” da sociedade ( id . , ib id . : 21), e o vaudeville

estabelecia a ponte entr e eles, produzindo u m efeito benéfico sobre a

população volúvel da classe média , assim como a pantomima, a féerie e o

melodrama. Os projetos editoria is li sbonenses do segundo quartel de

Oitocentos evidenciam modos de entr etenimento, de divulgaçã o cultural

e de educação popular:

L’ imagination e lle -même ne conçoit pas la possibil ité de placer un

t raducteur ent re le Théât re et le parterre, et le d rame doit êt re énoncé

dans le langage que tout le monde entend , sous peine de n’êt re entendu

de personne (Nodier 1841: I, xi ).

Na realidade, na primeira metade da centúria , divulgou-se o género

melodramático, estilo eminentemente teatral (o seu lugar é o palco). A

leitura da obra impressa repetiria , numa primeira instância , o a to de

fru ição do espetáculo, a través da memória que dele se guardasse. O bom

gosto da razão crítica , avesso ao espetáculo melodramático, anteviu a

decadência da arte dramática e procurou contrariar o gosto, “ toujours

porté vers le nouveau, quand le nouveau l’amuse”, da s pla teias qu e,

“trop bla sés, se livrent aux liqueurs fortes pour trouver une ivresse plu s

prompte” (Duval 1822 -23: VIII , 7-8). Em 1834, ao iniciar -se o “reinado

da burguesia” sobre as outras cla sses, escreveu-se em moldes românticos

franceses, “fez -se muito drama sem sabor, muita comédia inclassifi cável,

mas escreveu -se” (Matos 1850: 2), produziram-se “obras literárias

percur soras da acção lenta e progressiva dos espíritos”, e outras “que

[explicaram] e [caracteri zaram] os próprios movimento s l i terários”

(Ferreira 1871 -72: II , 160):

O amor das t radições nacionais, os desejos de emancipação pol ítica

t raduzindo-se no espí rito da independencia litteraria que se sol tava das

pêas da imi tação c lássica , a analyse desassombrada da historia, e, com

essa analyse , a apreciação e muitas vezes a c ondemnação dos erros e

demasias dos antigos príncipes, e d’ahi i lações e inferências de censura

para atos presentes ou pouco remotos, todo este complexo enfim de

intuitos, pensamentos e vôos de fantasia poética, ao de longe aquecidos e

est imulados pelo impulso da polí tica mili tante, forma, em geral, a

natureza da literatura dramática d’esse tempo, tempo ainda de t ransição,

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mas de t ransição que já acusava os largos e profundos t raços que depois

lhe formaram a physionomia (Ferrei ra 1871 -72: II, 160 ).

A ética melodramática veiculada pelas coleções miti fi c ou o

quotidiano e materia liz ou o desejo democrático de todas a s camadas da

população. As classes populares identi fi caram -se com o espetáculo da

virtude oprimida que triunfa, e à burguesia , “depois de batalhar pelas

suas regalias” ( ib id .: ib id .) , agradou cultivar as noções de vi rtude e de

família , de defesa do sentido de propriedade e dos valores tr adicionais,

segundo padrões sociai s muito preci sos, regidos por virtu des civi s,

militares e familiares. A estéti ca do melodrama, o “ sans -cullote de l’art”

(Melai 2013: 18), pretendeu r econciliar ideologias, na reconstrução

nacional e no forta lecimento das institu ições sociais, morais e religiosa s.

Crista lizou os desejos e ambições da s classes populares, mas satisfez a

imaginação da sua “moralité de la Révolution” :

Il fa llai t lui rappeler [au peuple], dans un thème toujours nouveau de

contexture, toujours uni forme de résultat s, cette grande leçon dans

laquel le se résument toutes les philosophies appuyées sur toutes les

re ligions, que même ici -bas, la ve rtu n’est jamais sans châtiment (Nodier

1841: I, VIII).

Jornal de Comédias e Variedades (1835 -36; 1840-41)

Da responsabilidade do livreiro -editor José Joaquim Nepomuceno

Arsejas64

, esta coleção de obras dramática s seguidas de variedades

(poemas, adivinha s, charadas, anedotas e curiosidades históricas), surgiu

em 1835-36, e continuou em 1840-4165

. Importava que o “jornal” fosse

“mais curioso”, e, daí, a inserção de artigos que delei ta ssem, e

instru íssem, sabendo que apenas a s produções dramáticas não satisfariam

64

P ropriedade e d i reção suas , vendia -se na sua lo ja, na rua Augus ta, n º 137, ao preço de 160 réi s (avulso) e 120 réi s (assinatura) . In icialmente impressa na Tipografia de

Luiz Maigre Res tier ( tv. de S. Nicolau , 30), p assou para a da Viúva S ilva e F i lhos

(cç. de Santa Ana, nº 74); a part i r de 1840, os impressores são diversos : Tipografia

da Acade mia de Belas Artes (r . São José, 8), Imprensa Lus i tana (antiga Viúva S i lva) ,

Tipografia de J . J. de Salles (r . São José, 3) e Tipografia Act ividade (r . São Lázaro ,

43). 65

Jú l io de Cast ilho regi s ta que, por al tura da const itu ição do Conservatório

Nacional , Garret t , Herculano , Cast ilho e César Perini haviam redigido um progra ma,

que o primei ro ass inou, para criar uma e mpresa que publ icasse dramas e fa rsas

portuguesas , o Reper tório Dramát ico Portuguez , que não chegou a concret i zar -se

(Cas tilho 1826 -34: II I,318)

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a todos, a inda que publicasse aquelas de “reconhecida acei tação nos

Theatros Portuguezes, e a té hoje não impressas (Arsejas 1836: 52).

Inocêncio da Silva (1858-1911: IV, 178) regista a existência de 27

números, in-8º pequeno, tornados raros e di fícei s de encontrar, tra tando -

se, na sua maioria , de originais e traduções/imitações de António Xavier

Ferreira de Azevedo, dados à estampa “pela primeira e única vez”, e

pesando sobre grande parte a dúvida de autoria . No primeiro momento,

editaram-se originai s deste autor – os dramas O delinquente sem culpa

ou o Patrio ta Escocês (nº 4 , 1835)66, Santo António livrando o pai do

patíbulo (1836?)67

, e traduções/imitações suas de As minas de Polónia

(nº 5 , 1835)68, O marido mandrião (1835?)

69, Roberto chefe de ladrões

(nº 11, 1836)70

e A tomada da ilha de Santa Luzia (nº 13, 1836)71

. Além

66

Ta mbé m gr afado como O d el inquente honrado ou o Patr io ta escocez (advertência

em Jornal d e comédias e va ried ades , nº 8, 1836). 67

Te ma popular alusivo à b i locação do Santo de Pádua para Lisboa, representado

inclusiva mente e m telas do século XVIII. Sousa Bastos (1947b: 159 -60) recorda que

es te t ítulo era dos mais procurados junto dos “folhetei ros” ou “l ivrei ro s ambulantes”

que abancava m nas ruas do Arsenal e Augus ta ( ibid .: 164), o ú lt imo resquício da

l it eratura de cordel , juntamente com a His tór ia verd ad eira d a pr incesa Magalona,

f ilha d ’El -Rei d e Nápoles (Lisboa: Tip . António Joaquim da Cos ta, 1851) , a His tór ia d e João d e Calais , His tória d a Imperatr iz Porcina, mulher d o imperador Lod onio ou

a Conf issão d e marujo, ent re t antas out ras. Sobre a t emát ica de Santo António cf .

S A NT O S , Isabel Maria Dâmaso de Aze vedo Vaz (2014), Do altar ao palco: Santo

António na t rad ição l it erá r ia , art ís ti ca e t eatral em Portugal e em Espanha. Tese de

doutoramento em Es tudos de Li teratura e de Cultura, especialidade em Es tudos

Portugueses . Li sboa: FLUL; sobre de fo lhetos de cordel cf. B O RG ES , Helena Paula

(2015), “Os fo lhetos de cordel na l it era tura popular madei rense séculos XVI a XX”,

em Dicionário Enciclopéd ico da Mad eira.

[h t tps: //ucp.academia.edu/HelenaBi rges /Teaching -Documents ] . (consul tado

29/05/2016). 68

Poss ível imi tação do melodrama de P ixerécourt , Les mines d e Pologne, es t reado no

Théât re de L’ Ambigue -Comique, em 1803. Cf . B O UILLY , “Not ice sur Les mines d e

Pologne”, Théâtre Choisi d e G. d e Pixerécour t , Pari s: Trese, 1841, I, pp . 341 -345. 69

Para José Agos t inho de Macedo (1812: 15) t ratar-se- ia da t radução de Le mari

insouciant . Seria uma poss ível t radução francesa da comédia inglesa The careless

husband (1704), de Col ley C ibber , comédia de sucesso popular , graças à vi vacidade

e elegância do diálogo? Cf . B LA IR , H. (1821), Leçons d e réthorique et d e bel les -

let tres . Tradui tes de l ’anglai s par J . P . Quénot. Tome t ro i s ième. Pari s : L efèvre, 1821, p.241. 70

Para Luiz F ranci sco Rebello (1980: 28), Ferrei ra de Aze vedo t er i a “imi tado do

alemão e t raduzido ao gosto do Teat ro Nacional”. P arece-nos que a t radução l it eral

do t ítulo indicia uma fi l i ação a Rober t , chef d es br igands (Paris : Maradan, 1793) , de

Jean-Henri -Ferdinand La martel i ère , que havia i mi tado, por sua vez, Die Räuber , de

Schi ll er . O herói ger mânico const itu ía uma referência do ideal republ icano, t al como

o F ígaro de Beaumarchai s . Ta mbé m Garret t não lhe fo i indi ferente, como vere mos a

propós ito de Os namorad os extravagantes . 71

Possível t radução/ imi tação do drama La pri se d e Sainte Lucie (Lausanne: F rançois

Grasset , 1781), do dramaturgo suíço Karl Müller von F riedberg . De todos os tí tu los

mencionados , es ta é a única obra do primei ro ano, que conhecemos . Es tá datada de

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destes títu los, surge Tartuffo ou o Hypocrita (1835)72, possível reedição

da tradução de Manuel de Sousa , a lém de inominadas traduções – As

consequências de um desafio (nº 9 , 1836) , imitação do dra ma em 3 atos,

Storb et Verner ou les Suites d’un duel (1805) , de Bonel e Boirie73

; o

drama jocoso em 1 ato, O cinto enganoso, ou a Experiência mathematica

(nº 10, 1836) , imitação da comédia La ceinture magique (1701), de Jean -

Baptiste Rousseau ; o drama em 2 atos, Henrique o Justiceiro , ou o

Senhor d’Alcala (nº 12, 1836) , imitação em prosa da Comedia famosa El

valiente justic iero , y e l r ico ho mbre de Alcala74, de Agustín Moreto y

Cabaña; e o drama trágico em 3 atos, Os salteadores ou a Floresta

medonha (nº 18, 1836) , possível imitação de um drama espa nhol, cuja

ação decorre na Catalunha.

Quatro anos depois, o edi tor Arsejas, filho de “um di stinto actor

dramático dos teatros da rua dos Condes e Salitre” (Bastos 1947b: 1 66)75

,

sublinha a cont inuidade da edição e r eitera o propósito de publicar

mensalmente uma comédia e, esporadicamente, uma farsa76

. Além da s

farsas O frenesim das senhoras (nº 25, 1840) e Parteira anatómica (nº

27, 1841), de António Xavier, surge a sigla de outro autor – M. B. M. D.

– , de quem se publica m os dra ma s Dever de filho e amante ou os

Caprichos de Nobreza (nº 21, 1840) e Santo António (nº 23, 1840).

1836, com o número 13, do Volume IV, des ta coleção, contendo apenas a primei ra

parte do cit ado drama. 72

Mencionado na “advertência” do nº 8 , do Jornal d e comédias e var iedades . 73

Do repertório do Théât re de l a Porte -Saint -Martin , onde subiu à cena a “16

ger minal an 13” (6 de abri l de 1805). 74

Reescrit a de El Rey Don Ped ro en Mad rid y el in fanzón d e I ll escas (1626) ,

at r ibuido a Lope de Vega . 75

O ator-empresário José Joaquim Arsejas deixou um fi lho [José Joaquim Nepomuceno Arsejas ] que “foi empregado da B ibl io teca Nacional , edi tor do

Almanaque Arsejas e proprietário de uma pequena l ivraria da rua Augus ta, onde

havia gabinete de l eitura por assinatura, a exemplo do que j á fazia Joaqui m José

Bordalo . Dessa l ivraria f i cou herdei ro o neto, José Inácio Rufino Arsejas , grande

amador de t eat ro, que depois a passou ao encadernador Lisboa, com oficinas n a rua

da Rosa e Largo do Car mo. Por ú lt imo foi dono da Livraria Arsejas o “di s tinto

escri tor Salvador Marques , t ão hones to e t alentoso , como infeli z em todas as suas

t entat ivas” (Bas tos 1898:14; Bas tos 1947b: 166). 76

Passa a ser impressa na Tipografia da Academia de Belas -Artes , rua de S . José, nº

8 , na Imprensa Lus i tana, calçada de Santana, nº 74 (1840) e na Tipografia

Act i vidade (1841).

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Apesar da abrangência titu lar da coleção, o critério edi toria l

a lvitrado por Inocêncio parece di stinguir o prolífico António Xavier77

,

fa lecido jovem, cujo sucesso se prolongou por todo o século , junto de

plateias apreciadoras deste tipo de lit eratura “solta e desbragada”

(Fortes/ Sa mpaio 1936: 322). Não possuindo mais do que “rudimentos de

instrução primária” e um “ conhecimento medíocre das línguas francesa e

espanhola” (Silva 1858 -1911: I , 297), compôs peças que o grande

público , maioritariamente iletrado, aplaudiu , porque as entendia , apesar

do chi ste “obsceno, desbragado, insultuoso” constitu ir uma “provocação

de quem se r ebaixa e cha furda em comparações grosseira s”, sem ousar

“bolir nos cancros seculares das institu ições caducas” (Braga 1871: III ,

61). Fosse como fosse, as suas obras tr ansitaram da esfera do teatro

público para o particular, como repertório de curiosos dramáticos,

sobretudo as farsa s de agrado certo, como Os doidos, ou O doido por

amor e Manuel Mendes78. Inocêncio r egi sta a exi stência de um grande

volume de cópias manu scritas cir culando em “poder de curiosos” ( Silva

1858-1911: I , 298), a lgumas da s quais ele próprio possuía . O povo

cont inuava a rir da baixa comédia, ta l como haviam feito os seu s avós,

na centúria anterior, pelo lado “travesso, impertinente”, que a proveitava

os tipos portugueses, fa lando em ver so de redondilha, “não precisando de

grandes aparatos scenicos, e ao alcance de quaisquer curiosos” (Braga

1871: III , 81). Apesar da apontada ausência de originalidade e

verosimilhança na construção de enredos, na di sposição e escolha dos

caracteres, no colorido local e na u tili zação dos costumes nacionais,

António Xavier inventou “lances e situações de grande efeito teatral” ,

77

José Maria da Costa e S ilva dedicou-lhe um poema pós tumo, Epicédio I , À mor te

do elegante Poeta Dramático António Xavier Ferrei ra d e Azevedo (Poesias d e José Maria d a Cos ta e Si l va, III, Li sboa: Tipografia de António José da Rocha, 1844, p .

265). 78

E m 1877, Manuel Mend es integra va ainda a coleção “ Theat ro Popular”, do edi tor

portuense João E. da Cruz Cout inho . À exceção do drama Pal fox em Barcelona ,

edi tado na Baía (Bras il ) , em vida do autor (S ilva 1858 -1911: I, 297), todas as suas

obras tivera m edições póstumas ao longo de Oitocentos , o que demo nst ra o seu

agrado popular . Em 1868, na Typ. de Mathias José Marques da S ilva, edi tou -se o

Acto int itulado Santo Antonio l i vrando seu pae do pat íbulo ; em 1896, a Livraria

Portuguesa-Edi tora, de Joaquim Maria da Costa, do Porto , editou -o como o dra ma

sacro Verdad eiro Auto d e Santo António l i vrando o seu pai do patíbulo , com u ma

suges t iva nota de “novíssima edição aumentada”.

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escreveu diálogos vivos e fluentes “com a eloquência patética dos

afectos”, e tornou-se o “ introdutor” do “género sentimental”:

Quem se não lembra ainda da Sensibilidade no crime , da Camilla no

subterrâneo , da Preta de talentos e out ros dramas de angust iosa lucta de

paixões? […] Os t rabalhos de Soares de Azevedo , Fernando José de

Quei roz e vários, não passam de imitações de peças francesas, pouco

mais ou menos no mesmo género de António Xavier, porém mais frouxas

(Ferre i ra 1871 -72: I I , 150 ; i tálicos originais).

As imitações livres da s peças francesas e castelhanas, que ele

tomava por modelos, eram acomodada s, “para lisonjear o gosto e

aprovação daqueles para quem escrevia” (Silva 1858 -1911: I, 297). O

“Jornal de comédia s e variedades” perpetua assim a “tradição chocarreira

da far sa de cordel setecenti sta” (Rebello 1980: 30), chamariz de cartaz,

satir izado nas Pateadas do Theatro , de José Agostinho de Macedo:

Estes mesmos génios raros, estes Fi losofos penet rantí ssimos se

contentarião eguaes a Zero, ou a Braz Badalo, se se a t revessem a

penet rar, ou a querer profanar os mysterios, e os arcanos da int riga

teat ra l. Apezar d isto, a Natureza, e a Fortuna ás vezes brincão, e o que se

negou a Tacito, talvez se conceda a Manoel Mendes (Macedo 1825: 45).

Archivo Theatral ou Collecção selecta dos mais modernos

dramas do theatro francez (1838 - 1845)

Outra lógica presidiu à publicação do “ Archivo Theatral” pela

“Sociedade para a publicação de bons dra mas”79

, ao editar mensalmente

um fa scículo, paginado sequencialmente, para constitu ir um volume

anual, com a s “melhores Comedia s dos principaes Authores Dramaticos

Francezes”. Representada s na sua maioria nos teatros da rua dos Condes

e do Salitre, quer em ver sõe s originais, quer em tradução por tuguesa, a

sua autoria omite -se por vezes, e a do tradutor sempre80

. Uma coleção

79

A es te respei to , cf . S A NT O S , Ana Clara (2012), “A colecção Arquivo teat ral ou a

importação do repertório t eat ral pari s iense”, em C A RVA LHO , Manuela e P A SQ UA LE ,

Daniela d i (org. ) , Depois do labi rin to: Teatro e Tradução. Lisboa: Vega, pp .75 -98. 80

A in ves t igação desenvol vida por Ana Clara Santos e Ana Isabel Vasconcelos

apurou a identi f i cação de vários t radutores, em que f iguram os nomes do Conde de

Farrobo , João Bapti sta Ferrei ra , Luís José Baiardo, Inácio Pizarro de Morai s

Sarmento , Rodrigo de Aze vedo Sousa da Câmara , Pedro C i ríaco da S ilva , Car valho e

Melo, P. G. S. Mart ins , Adriano de Cast ilho , Roberto , José Maria Costa e S ilva , João

Duarte Lisboa Serra , e José Mendes Leal . Veja-se quadros sinópticos da coleção por

S A NT O S , Ana Clara (2012), “A colecção Arquivo teatral ou a importação do

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eclética de literatura dramática francesa, “porque o genio nacional […]

extenuado pela s fadiga s e opressões da pa ssada lucta pol ítica , mal

acordava e coligia força s para acudir aos novos reclamos” (Ferreira

1871-72: II, 160), o que mani festava a moda da sociedade elegante

lisbonense . Identi fi ca-se o r epertório romântico francês – A torre de

Nesle , de Alexandre Dumas, e a Lucrécia Borgia , de Victor Hu go81

– e os

sucessos de boulevard, melodrama s, comédias e vaudeville dos teatros

parisienses da Porte -Saint -Martin, Variétées, Gymna se Dra matique e

Gaîté. O alcance da coleção é amplo, a tendendo ao número de locais de

venda dos folhetos, que vão aumentando, em Lisboa, Porto, e Coimbra82

.

O teatro é indi scutivelmente uma Arte, u ma Indústria e um Comércio, ao

preço de 120 réis por obra , “no qual a tradução funciona como vínculo

de edi fi cação da cena na cional” , i mportando o modelo estrangeiro

(Santos 2012: 85) :

Esta importação e vulgarização […] representam para o si stema da

cultura receptora uma transgressão da ordem que põe em causa […] a sua

própria autonomia (Santos 2012: 85).

O “Archivo Teatral” colige obra s de melodramaturgos da fase

clássica do melodra ma (1800 – 1823) e da fase romântica (1823 – 1848).

À primeira , correspondem os nomes de Guilbert de Pixérécourt , o

Corneille des boulevards, ou o Shakespéricourt (segundo Nodier), de

quem se traduz Le pélerin b lanc ou Les enfants du hameau (1801, O

peregrino branco ou Os meninos da aldeia ) , Le monastère abandonné ou

La malédiction paternelle (1815, O mosteiro abandonado ou A maldição

paterna ); de Jean -Baptist e Augustin Hapdé, Le pont du Diable (1806, A

ponte do diabo ) e La tête de bronze ou Le déserteur hongrois (1808, O

desertor Hungaro); e de Frédéric Dupetit -Méré, La valée du Torrent ou

repertório t eat ral pari siens e”, in C A RVA LHO , Manuela e P A SQ UA LE , Daniela d i (org. )

(2012), Depois d o labi r in to: Teatro e Tradução. Lisboa: Vega, pp .90 -97. 81

A es te respeito , cf . S AN T O S , Ana Clara (2006), “Le Drame Ro mant ique F rançais

sur l ’espace péninsulai re: de Victor Hugo a Alexan dre Dumas”, e m LA FA RG A ,

F rancisco & P EG EN A UT E , Luis (eds) (2006), Traducción y traductores, d el

Romant ici smo al Reali smo. Bern: Peter Lang, pp .447 -462. 82

Li sboa: Loja de Livros aos Paul is tas , 54 e 55, e mais Lojas de Livrei ro , e na Casa

dos Camarotes do Th eat ro da rua dos Condes . Porto : Loja de J. P . de Quei roz Bas tos .

Coimbra: Loja da Imprensa da Univers idade. Em 1841, referenciam-se novos locai s

no Porto – lo ja de António Rodrigues da Cruz Coutinho – em Coimbra – lo ja de

António Lourenço Coelho - , e em Santarém – casa de João Jacinto .

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l’Orphelin e t le meurtrier (1816, O Vale de Torrente ) e Paoli, ou les

Corses e t les Génois (1822, Paulino ou Os corsos e os genoveses ) .

Divulgando ideais didáticos e sociais, crendo que o sentimento

purifica o ser humano, sati sfa zendo a necessidade de educação de um

povo após uma guerra civil , a cena exaltou a abnegação, a noção do

dever, a capacidade de sofrimento, a generosidade, a dedicação, e a

humanidade. Era forçoso crer no otimismo e na Providência , na moral

defensora da fa mília , da pátria , do respeito da hierarquia social, da

dedicação incondicional do empregado ao patrão, do soldado ao seu

superior. O espectáculo dos melodramas hi stóricos, “ouvrages vraiment

classiques” (Nodier 1841: I , III) , proclamou o patrioti smo, a través de

modelos de heroí smo, de bravura, de fidelidade, e de no breza de alma:

C’est qu’à cette époque di ffic ile , où le peuple ne pouvait recommencer

son éducat ion rel igieuse et sociale qu’au théât re , il y avait dans

l’ application du mélodrame au développement des principes

fondamentaux de toute espèce de c ivil i sation une vue provident ielle

(Nodier 1841 : I, I I I).

Da fase romântica do melodrama, para a lém de Hugo e Dumas ,

destacam-se a s traduções de Le sonneur de Saint Paul (1838, O sineiro

de São Paulo) , de Joseph Bouchardy; La Madonne (1839, O quadro) , Le

Chevreuil, ou le fermier anglais (1831, O cabrito montez ou O rendeiro

inglês ) , Monsieur Mouflet ou un Duel au troisième étag e (1833, Um

duelo no terceiro andar) de Léon Halévy, ma s também autores como

Victor Ducange, Auguste Anicet -Bourgeoi s, J ean-Françoi s Bayard,

Casimir Delavigne e Julien de Mallian.

A influência da coleção ultrapassou o t empo e as fronteiras

intelectuais da urbe lisbonense83

. Camilo Castelo Branco , no prólogo à

segunda edição de Agostinho de Ceuta , referencia ironicamente a sua

experiência de “rapaz sem leitura , sem meditação, sem crítica , nem gosto

83

No catálogo da exposição de Folhetos de cordel e Folhas Volantes , da Escola

Superior de Educação de Coimbra, surge um exemplar , in tegrado no acervo

part i cular de Paulino Mota Ta vares , co m data de 1861, referente à peça O Cigano,

em cuja capa f igura o nº 73 , e, na b ibl ioteca do Teat ro de D. Maria, encont ra -se um

exemplar de Capitão Paulo , de 1858, com o nº 76, correspondentes a reedições

posteriores do Archivo Theat ral .

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[escrevendo] um drama para ser representado em theatro de província”, o

de João Pinto da Cunha84

, em Vila Real de Trás-os-Montes. De teatro

“lera quatro dramas originais portugueses, e a lguns do Archivo Theatral”

(Branco 1858: 3). A sua experiência dramatúrgica acompanhou a moda e

o elogiado gosto romântico , respondendo às solicita ções do momento,

dialogando com a norma estéti ca , e, enquanto resposta “à moda dos

melodrama s hi stóricos, imperante na década de 40”, produz iu Agostinho

de Ceuta e O marquês de Torres Novas (Corradin 2005: 365).

O vasto e inovador “Archivo Theatral” , de “voca ção estét ica e

dramatúrgica evidente” (Santos 2012: 83), demonstra a inda um pendor

didático, quando prefacia o volu me 1 º com a “Historia da origem,

desenvolvimento, e progressos da Arte Dramatica entre as principaes

Nações da Europa”, “oferecida” pelos r edatores, a part ir da “Historia

Geral da Arte Dramatica, extrahida pelo erudito Escocez Sir Walter

Scott85

, da grande Encyclopedia Britannica”, de que m se su blinha a

clareza e conci são e, sobretudo, a “críti ca judiciosa”. Scott é ava lizado

pelo estudo profundo da dramaturgia ocidental, “de todos os países, e

todas as escolas” , exposto em duas partes – “teatro dos antigos”86

, e

“teatro moderno”87

. A ele, a Sociedade para a Publicações de Bons

Dramas acrescenta um oitavo capítu lo sobre a arte dramática em

Portugal, fru to da s “ investigações scienti fica s de um Illustr e e Douto

Portuguez” , de omitida autoria . Trata-se, contudo, da Memória sobre o

theatro portuguez (1816), de Francisco Manuel Trigoso de Aragão

84

Foi , posteriormente, representada no Porto , no Tea t ro de Camões , a 30 de

dezembro de 1848. 85

Trata-se de An Essay on the d rama , publ icado originalmente na Enclycopedia

Br itannica, em 1819, e contido em Miscellaneous prose works , volume V I, Essays on

Chivalry, Romance and the Drama, Edinburgh/ London: Robert Cadell / Whi t t aker,

1834, pp .217 – 395. 86

I – Teat ro dos Ant igos, II – Nascimento da Arte Dra mát ica na Grécia, III – Do

Theat ro Grego, e de seus Actores , IV – Caracter part i cular do Drama Gre go, V –

P rincipaes Authores Trágicos de Athenas , VI – Comédia Gre ga – Comédia Ant iga –

Comédia Nova – Caracter geral da co média no va; VII – Theat r o Lat ino –

Avi l t amento da profi ssão de Actor – Decadência e avi l t amento do Theat ro Ant igo. 87

I – Represen tações Dramát icas da Idade Média – Moral idades – Peças l at inas –

Peças h is tóricas , II – Dramas românt icos, III – Tragédia It al i ana – Comédia i t al i ana,

IV – Theat ro francês – Exame des ta dout rina – Corneil l e – Racine – Vol tai re, V –

Comédia F ranceza, VI – Theat ro Inglez – Shakespeare – Ben Jonson – Messinger –

Beaumont e Fletcher – Shi r l ey e out ros, VII – Theat ro Al lemão – Caracter geral do

Drama Al lemão, VIII – Theat ro Portuguez.

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Morato, elogiada por José Silvestre Ribeiro , em Primeiros Traços d’uma

Resenha da Litteratura Portugueza (1853)88

, como “digna do seu illustre

Author”, por conter “mui judiciosas e apuradas notícias sobre a historia

da nossa Litt eratura Dramatica” (Ribeiro 1853: I , 61).

Sobre o valor da s traduções, a inda que não sendo “modelos de

linguagem pura e correcta”, Inocêncio considera que não deslustram os

seu s anónimos autores, havendo até “cousas muito peiores [ sic ] do que

ellas” (Silva 1858-1911: I , 304). As obras cir cularam pelo País , na forma

impressa, e na de repertório de companhia s itinerantes e d e sociedades

de curiosos dramáticos, conforme alud iu Serpa Pimentel , na Revista

Académica89. O “Archivo Theatral” destinava -se, quer à burguesia

lisbonense, frequentadora dos teatros na cionai s da rua dos Condes e do

Salitre, que testemunhara os espetáculos da companhia fr ancesa de

Monsieur Paul e Madame Charton, dirigida por Emílio Doux, quer a

burguesia provincial, a quem se providenciava uma r evoada de ar fresco

do panorama teatral da capita l, no intu ito de lhe morigerar o gosto ,

segundo padrões cosmopolitas mimetizávei s.

Ainda que o gabarito da companhia francesa não fosse dos mais

elevados, os efeitos da sua permanência fi zera m -se sentir na formação de

autores, a tores e público. O “Archivo” constitu i -se simultaneamente

como um repositório literário do bom gosto dra mático, como álbum de

recordações do cosmopoliti smo social, e como instrumento de educação

cívica, espécie de livro de t extos sublimes com ilustrações humanas

fantásti cas. O melodrama reproduzia uma moral conserva dora, que

mantinha a estabil idade política e social, promovendo o culto da virtude,

88

In tegra os art igos de “A Li t t eratura”, publicados na Revis ta Universal Li sbo nense,

em 1849. 89

O Archi vo Theat ral , de Lisboa, segue o modelo das publ icações francesas congéneres – Chefs -d 'oeuvre du répertoi re d es mélodrames joués à d i ff érent s

théât res (Pari s: chez Mm e

Veuve Dabo), Le Magazin Théâtral . Choix d e Pièces

Nouvel les jouées sur l es Théâtres d e Pari s (Pari s: chez Marchant/ Bruxelles:

Augus te Jouhaud), La France Dramatique au d ix -neuvième s iècle (Paris : J . -N.

Barba), La France Dramatique au d ix -neuvième siècle. Choix d e p ièces mod ernes

(Paris : chez Tress ) – , ou os seus prolongamentos belgas (Bruxel les : W. de T retz) e

alemães (Schles inger, Adolphe Martin (Berl in): Réper toi re du Théâtre f rançais à

Ber lin , Berlin: chez Adolphe Martin Schles inger) , a part i r das quai s cons t itui o seu

corpus . O edi tor-l ivrei ro paris iense Marchant , do Boulevard Saint -Mart in , publicou,

ent re 1834 e 1846, um to tal de 42 volumes , e m que se encont ram alguns dos

originais edi tados pelo “Archivo Theat ral”.

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que o romanti smo transformou posteriormente com a reabilitação liberal

da marginalidade.

Recreio Theatral dedicado ao bello sexo (1839)

De objetivo e destinatário evidentes, esta publicação propõe -se

editar mensalmente um “dos melhores vaudevill es do Theatro Francez”,

ao preço módico de 80 réi s. Este género elá stico de di fí cil catalogação,

baseado em hi stórias simples quotidianas, peças de circunstância , e a -

propósitos, pontuados de canções, procura demonstrar de forma inocente

e ideali zada, que o amor é possível dentro dos códigos adoptados. O

primitivo carácter episódico transforma -se, em Oitocentos, com o

contributo de Scribe, r eforçando o interesse de um enredo r egular, de

uma comédia de situação, que r etrata os hábitos e a moral da cla sse

média. “Recreio Teatral ” promove a i lustração de um idealizado “belo

sexo”, a través de peça s, que formam “plataformas de fixação de ideias” e

de “mentalidades e dinâmicas sociai s” (Salvador 2009: 95)90

. A

“experiência quotidiana e doméstica” superava “os mais bem traçados

discursos”, demonstrando a s “delícia s da uma família” , quando tinha “em

seu seio huma Dama de hum espírito cultivado, e de hu m coração bem

formado e virtuoso” (Gazeta das Damas, nº1, 29/11/1822: 2).

A coleção a ssocia o “recreio” literário91

e o “processo de

autoconsciencialização da condição da mulher” (Salvador 2009: 104)

pela arte dramática, enquanto exempl o de uma burguesia qu e realça a

importância da institu ição familiar. Os títu los publicados, entr e Janeiro e

Abril de 1839 , caracterizam a ideia: O capricho de huma mulher , Os

primeiros amores ou Lembranças da mocidade , As despedidas ao balcão

90

Cf . S A LVA D O R , Teresa (2009), “Em torno dos periódicos femininos”, em AN D RA D E ,

Luís (d i r . ) , Cultura . Revis ta d e História e Teoria das Id eias , Vol . 26/ 2009, II série:

O Te mpo das Ideias . Li sboa: FCSH, UN L, CHC, pp. 95 -117.

[h t tp :/ / cul tura. revues .org/425] (consultado em 15 /04/2015) 91

Na mes ma década, out ras publicações part ilham o mes mo ideal de i lus t ração do

belo sexo pela “li t eratura amena”: Colecção d e Novas Modinhas para honesto

recreio das mad amas e apaixonad as d o harmonioso canto (1836), Tardes d e Verão

ou o Diver timento das Damas (1836), O Bei ja -Flor . Semanário de inst rução

d edicado ao belo s exo (1838-39; 1842), O Romancista. Jornal d e recreio . Dedicado

em especial ao belo sexo (1839), ent re out ros. Cf . S A LVA D O R , Teresa (2009), op.

ci t . , Anexo – A Imprensa fe minista (1807 – 1974), pp .108 -115.

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e Mademoiselle Bernard, ou o Poder Paterno . T rata-se de comédias -

vaudevill e, em 1 ato, igualmente em tradução anónima, em que se

reconhecem os românticos autores da moda, da s “ fábricas pari sienses de

[…] fi siologia s morais e imorais” (Herculano 1873 -1908: II, 104) –

Scribe, Mélesville e Auger – e as comédia s do Gymnase D ramatique e da

Porte-Saint-Martin, de Paris, de que o “Archivo Theatral” já havia

editado O urso e o Pachá (L’ours e t le Pacha ) , Um erro (Une faute) ,

Estela (Le cheval de bronze ) , O copo de água ou Os efeitos e as causas

(Le verre d’eau ou Les effe ts e t les causes) , Bertrand e Raton ou A arte

de conspirar (Bertrand et Raton ou l’Art de conspirer ) , e O ambicioso

(L’ambitieux ) , de Eugène Scribe, e A câmara ardente (La chambre

ardente ) , Miguel Pérrin (Michel Perrin ) , O bobo do príncipe (Le bouffon

du prince ) e Os desafios (Le mariage impossible) , de Mélesville e

Carmouche. E, a inda que a escrita t eatral possa ser “um exercício de

pura técnica, despido de pretensões estéti cas ou ideológicas” (Rebello

2010: 52, nota 15), estes enredos simples e verdadeiros funcionam como

“miroir fidèle où se r eflètent l es moeurs, les vices et l es ridicules de la

société” (Moulin 1862: 1):

Si […] le jeune Scribe sut si bien fai re parler les femmes, s’ i l donna la

vie à tant de fraîches e t chastes héroïnes qui charmèrent le monde entier

et le charment encore; si , en un mot , i l est avant tout le poète de l’amour,

c’est qu’i l avait bien lu dans le cœur maternel . On croi ra qu’i l invente!

Non pas, il se souvient ! (Moulin 1862: 1 )

A coleção apela ao sentido crítico de uma burguesia que r eforç ara o

esta tu to social , convertendo-se em nova aristocracia . Misturando o

espírito com o capita l, aspirou à elegância do convívio social, sofr endo

apenas as grandes paixões dos seus interesses esp ecí fi cos. Tal como o

manual de civi lidade, a comédia, “sem os lances violentos, que só

pertencem ao drama” (Mendes -Leal 1865: I) , arrogou-se um papel

ilustrativo e formador de valores morais e sentimentais , apresentando um

“repertório de norma s e valores peculiares ao público vi sado” . Através

de herói s e heroínas, a sua perspetiva em relação ao leitor “acaba sendo

apenas a a lternativa entr e aceitação e negação” (Iser 1979: 138). A

seleçã o dos títu los remete para a comédia d e situação, para o romance de

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salão, para a intriga de alcova, e para as desventuras conjugais. O

capricho de uma mulher (La haine d’une femme ou le jeune homme a

marier, 1824) revela o estudo do coração feminino, a lembrar Marivaux

(Moulin 1862 : 52); Os primeiros amores (Les premières amours, ou les

souvenirs d’enfance, 1825), representada no espetáculo inaugural da

companhia francesa de Émile Doux , no Teatro da Rua dos Condes, em

1835, aborda o mesmo assunto, seguindo a ópera -cómica de Dupaty,

Félicie ou la fil le romanesque (1815), a que Scribe conferiu “ l’ésprit des

couplets, l’habilit é avec laquelle il fa it passer sur les invraisemblances,

enfin le charme pri ntanier des détail s et des idées” ( id ., ib id . : 56).

Em As despedidas ao balcão (Les adieux au comptoir , 1824),

coescrita com Mélesville , criti ca -se a pretensão da petite -bourgeoisie

comerciante em ca sar as filha s com aristocratas, fugindo à ética e ordem

social, sobre as quais se funda menta a própria noção de Estado, enquanto

família em ponto grande. O tema do casamento surge também abordado

na peça de Auger, Mademoiselle Bernard (Mademoiselle Bernard ou

l’autorité paternelle , 1838), retra to de um univer so doméstico em

mudança, em que a autoridade do pater familias se põe em causa, pela

recusa do filho em casar apenas para satisfação paterna. Desva lorizado o

papel da nobreza de sangue, realça -se o da nobreza de carácter , em que a

família representa a célula -base da sociedade e um “projecto de

aspirações” (Vaquinha s/Cascão 1998: 387).

É explícita a intenção demopédica da comédia sobre o papel da

mulher na sociedade. A produção dra mática funciona como instrumento

de socialização na esfera privada, com uma força superior à da família e

da própria escola . Estando à mulher vedada a “carreira pública”, seria a

“carreira artística […] quasi a única que lhe é permitida, e a inda assim

tantos preju ízos a cercam que, a nã o ter nascido nesse estado,

difi cultosamente se resolverá uma mulher a abraçal -a” (A Esmeralda,

nº7, 17/06/1850: 51). A exemplaridade narrativa contesta a velha ordem

social e indica novos hábitos de classe, a través da sobrep osição dos

discursos racionalizador e imaginário, que agindo per suasivamente

tornam o teatro num dos mais propícios elementos de civilização (Santos

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1983a: 90). Quando se denuncia a avidez do lucro, o poder do dinheiro, e

a desumanidade das r elações sociai s do velho r egime, desenha -se a

apologia dos novos valores da pátria , do trabalho e do progresso, sem

deixar de referir os males inerentes ; acalenta -se “o sonho de harmonia

social” , que o drama social irá abordar “na linha de socialismos

pequeno-burgueses e utópicos” ( id ., ib id . : 92).

3.2 . Entre o antigo e o moderno

O Dramaturgo Portuguez ou Colecção de dramas originais

portugueses (1841 – 42)

O propósito da empresa fundada em Dezembro de 1841, por [José

Maria da] Silva Leal92

, secretário de Garrett nos primeiros tempos do

Conservatório, surge evidente na folha -programa:

O Amor da pát ria, das let ras, e da restauração do Theat ro Portuguez, que

ha seculos amortecido, tendo começado por dar ao mundo a primeira

Comedia de caracter e a segunda Tragedia , d os tempos modernos, parece

agora querer ressurgi r bri lhante, se , infelizmente , causas mesquinhas o

não empecerem.. .; suscitou a uma Sociedade, amante da Littera tura -

nacional, a ideia de publicação d’um Jornal com o t í tulo que acima se lê.

Este Jornal sahi rá impreterivelmente no dia 1º de cada mez, e cada

numero ha de conter um Drama original portuguez, que não tenha sido

a inda publicado. Na Int roducção que preceder o primeiro Drama a

Sociedade desenvolverá o seu plano, o pensamento que predomina n’esta

empreza, que certamente nenhum Portuguez que se prése de o ser,

deixará de auxi liar com a sua protecção. A Edição será nítida , e

escrupulosamente revista (itálico original ).

Sente-se transparecer o espírito de Garrett na defesa do

melhoramento da arte dramática, precisa mente no ano em que “causas

92

A e mpresa t inha sede na rua l arga e S. Roque, nº 48 – 2º , em Lisboa. A coleção era

l egi t imada pela sua assinatura, na cont racapa, advert indo -se que a sua inexi stência

configurava que os fo lhetos seriam “reputados como furto”. Os locais de ass inatura e

venda s ituava m-se e m Lisboa, na rua Augus ta, Viúva Henriques , n º1 – Arsejas,

n º126 – Si lva, nº140 – na rua do Oi ro , Pl ant ier , nº62 -63 – na rua nova do Almada,

Lenglet , n º78 – ao Chiado, rua das Portas de Santa Catharina, Mart in ; em Coimbra,

com J . M. S. de Paulo, Loja da Imprensa da Univers idade; no Porto , Tra vessa da

Fábrica do Tabaco nº29 -30, em Casa de José Rodrigues dos Santos. Em 1842, na

edição do nº5 , acrescenta -se novo ponto de venda, e m Vi la Real de Trás -os-Montes ,

em Casa do S r. José Gomes Carnei ro Júnior. Nesta altura, o preço das ass inaturas

varia ent re 2$880 réis (ano), 1$440 (semes t re) , $720 ( t rimes t re) e $24 0 (mensal ) .

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mesquinhas” o haviam exonerado das suas funções de I nspetor -geral dos

Teatros e Espetáculos. O editor estaria presta ndo um bom serviço às

letras portuguesas, em “época de verdadeira regeneração lit teraria” ,

(Herculano, apud Garrett 1904: I , LIX ) . “O Amor da pátria , das letras, e

da restauração do Theatro Portuguez” a que se propõe o “Dramaturgo

portuguez” ecoa o vinti smo l iberal, no momento em que se assist e à

instauração da política cartista , que redundaria no cabralismo (1842 –

1851), e em que Garrett r everbera as causas da decadência do teatro

português, no prefácio d e Um Auto de Gil Vicente . Ao pretender

privilegiar a publicação de drama s originai s e inéditos, a empresa evoca

um objetivo idêntico ao de Paulo Midosi , César Perini e António

Feli ciano de Castilho, fundando a Associaçã o Gil Vicente, para

exploração de peças originai s no t eatro do Salitre .

Torna-se pertinente a “Introdução” ao primeiro volume, – “Panem et

c ircenses é a divisa de todos os povos (diz Voltaire) ” – , assinada pelo

editor S. L. (Silva Leal) , enquanto vi são teórica sobre o teatro. Elogia -se

a superioridade do português sobre o europeu, e a escolha dos autores de

obras de “ forma hi stórica”, ou de “pensamento , desentranha ndo-se do

seio dos monumentos e chronicas do passado” (Ferreira 1871 -72: II,

161): o próprio José Maria da Silva Leal que coescreve com o jurista

Manuel Maria da Silva Bruschy o drama hi stórico D. João I (nº1 ,

dezembro, 1841), e individualmente adapta o Othelo , de Shakespeare, em

O Intrigante de Veneza (nº3 , fevereiro , 1842); César Perini de Lucca,

com o dra ma O Cigano (nº2 , janeiro, 1842) e o drama histórico O

Marquês de Pombal ou Vinte e um anos de sua administração (nº 5 ,

outubro, 1842) , e Paulo Midosi, com duas far sas, Um noivado em Frielas

ou Os dois patacões e Os logros n’uma hospedaria .

O editor evoca os créditos artísti cos de Perini de Lucca e de Paulo

Midosi. Aquele, enquanto Membro do Conservatório Real de L isboa e do

Institu to Dramático de Coimbra, cujo drama, premiado por aquela

institu ição, se representara no Teatro da Rua dos Condes, em Novembro

de 1840; este, pr emiado na s prova s públicas do mesmo Conservatório,

t ivera as suas farsas em cena, no mesmo teatro, em junho e ju lho de

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1841, respetiva mente, e cujos pareceres da Inspeção -geral dos Teatros e

Espetáculos para Os logros n’uma hospe daria se incluem. Paulo Midosi,

a lém de dedicar a obra ao Duque de Palmela, elabora um prefácio sobre a

poesia dra mática em Portugal, na esteira de Garrett . É um espírito

patriótico que norteia a breve coleção.

Ullysseia dramática (1842 – 43)

Em contraponto ao espírito da anterior, esta coleção continua a

moda da literatura francesa dos teatros do boulevard , cujo tradutor

anónimo apenas se ident ifi ca como proprietário da obra em português .

Uma efémera biblioteca, que parece partilhar o mesmo espírito do

“Archivo Theatral” , e que, possivelmente, não terá tido a esperada

aceitação, editando apenas a s traduções livres dos dramas A noite do

homicídio (La nuit du meurtre , 1839), de Albert e F. Labrousse93

, do

repertório do teatro de l’Ambigu -Comique , de Paris, e Edith ou a viúva

de Southampton (Edith ou la Veuve de Southampton , 1840) , de Antony

Béraud e Alfonse Brot , do repertório do teatro da Gaîté, publicado em Le

Magazin Théâtral: Choix de p ièces nouvelles jouées sur tous les théâtres

de Paris .

Ainda que sob a designação de drama, qualquer das peças

corresponde ao género melodramático, tão ao gosto popular. Expurgad o

do costumeiro aparato cenográfico que se transformava à vi sta do

espectador para lhe provocar u ma emoção vi sual, o enredo mantém as

característi cas da moralidade ao alcance da classe média . A escolha de

cenários estrangeiros funciona ria como “estratégia exótica” de agradar a

um público que “ [considerava] como triviais a s personagens que não

[eram] antiga s ou principesca s” (Thiesse 2000: 139). Em A noite do

homicídio , cuja ação se desenrola no momento da Revolução Francesa,

entre 1789 e 1794, entre a queda do Ancien Rég ime e La Grande Terreur,

não esta mos perante um drama hi stórico, mas para o qual a História

93

Des tes autores, o Archivo Theat ral (A. T.) edi tou a t radução dos dramas Fleurette

ou l e premier amour d e Henr i IV (1835, Os amores d e Henr ique IV, A.T. , 1843), e

Prêtez -moi 5 f rancs (1834, Empres ta -me dois pintos, A.T. , 1844).

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serve como pano de fundo de análi se social de um a hi stória ocorr ida na

Bretanha, palco de grande conflitualidade n este período sangrento. O

protagonista Remouald é médico; porém, o altru ísmo que se esperaria de

um salvador de vida s é substitu ído pela ausência de escrúpulos, pela

ambição desmedida, que o torna m num vilão capa z de matar para se

a ltear socialmente. A revolução cria o clima que permite a sua ascensão

a Comissário da Convenção, função que exerce como tirano, dando -lhe

meios para se livrar em definitivo daqueles que conhecem as suas

tramoias.

A obra segue os tropos do género: r ivalidades passionais, mortes

com punhai s e venenos, amores contrariados, frustrados, tra ições

conjugai s e filhos naturais. A natureza , em sintonia com a essência

humana, sublinha dramaticamente as paixões violentas, a o som de

tempestades, que trazem consigo os fantasmas do remorso. Nada demove,

porém, o protagonista de seguir o destino que traçou por obstinação, a té

ao suicídio, se for ca so di sso, mas de forma inesperada, t eatral, tão

rápido quanto um raio que o fu lminasse, com o confessa: “un homme

comme moi fa it dr esser l’écha faud, mais il n’y monte pas” (ato V, cena

viii) . A população toma consciência da opressão, sob a prepotência de

um caciqui smo políti co. A justiça faz -se sem alardes, fru to da qualidade

humana do próprio r egime que se instala , como proclama o velho Jérôme,

convertido à nova ordem: “Thermidor a bri sé l e joug de la t erreur… La

Convention r epousse l es assassins” ( ib id .) . Perdido o duelo com Arthur

Saint-Valry, e sem possibilidade de fuga, Remouald suicida -se com o

punhal que escondera na roupa, junto ao peito, perante uma estupefacta

assi stência , dentro e fora de cena. A tranquilidade r egressa na crença de

que “il s’ est fa it justi ce!” ( ib id .) .

Também Edith ou a v iúva de Southampton segue o mesmo modelo ,

desta vez desenrolando -se a ação, em Inglaterra , entr e o fim do

Protetorado de Cromwell e a restauração da monarquia com Carlos II .

Refletindo um período dita toria l, que antecede em cem anos a Revolu ção

Francesa, a escolha das obras traduzida s parece sugerir uma ilustração

teatral do espírito de revolta que uma fação da sociedade li sboeta nutria

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pela ditadura cabralista , num “reinado da frase e do tiro” (Oliveira

Martins, apud Sardica 1997: 280). Tanto Fabrice Labrousse como Antony

Béraud eram autores que havia m professado a causa liberal e vivido a

revolução de 1830, cujas ideias ganhavam sentido nos meios

oposicionista s li sbonenses:

L’époque ou nous vivons est une époque de t ransition […]; car, dans la

si tuation où nous sommes placés, il n’y a rien de fini, par conséquent

rien de stable . On a fa it de t rès belles phrases sur les révolut ions

comprimées, sur les volcans éteints, sur l’hydre de l’anarchie. Que

signi fie tout cela? […] Il y a quelque chose de plus réel, c’est que tout ce

que nous avons vu et ressenti depuis 89 doit avoi r une fin plus large et

plus conséquente aux principes révolutionnai res (Labrousse 1833: 3).

Com a queda do Império napoleónico, a escrita melodra mática

expressou outra mentalidade. Os valores tradicionai s, cívicos e militar es

deixaram de fazer sentido numa sociedade em processo de

hierarquização. O teatro de boulevard perdeu público para outras formas

de entretenimento. Todavia , a r eescrita de L’Auberge des Adrets (1823) ,

de Benjamin Antier , Saint -Amand e Paulyanthe94

, onze anos mais tarde,

como drama burlesco, com o títu lo Robert Macaire , ce sin istre Scapin du

crime95 (1834) , para as Folies -Dramatiques, veio marcar o aparecimento

de u m novo tipo de dra ma, em que o protagonista , graças à interpreta ção

e parceria de escrita do jovem ator Frédéric Lemaître , de 2 3 anos, se

emancipava do estatu to de personagem lit erária para se tornar num mito

da cena. Théophile Gautier considerou -o “le grand triomphe de l’art

révolutionnaire qui succéda a la Révolution de Juillet” , na medida em

que encarnava “la revanche des misérables sur les ri ches” (Melai 2013:

18). Assi ste -se a uma inver são de valores, que introduz um novo

elemento dramático na tipologia do melodra ma . O dra ma burlesco vem

transformar as personagens dos bandidos Macaire e Ber trand em

per sonagens de comédia de costumes , em tipos dramát icos, que

representam per sonagens reais tornadas cómicas pela caricatura . A sua 94

P seudónimos de Benjamin Chevri l lon , Jean-Armand Lacos te e Alexandre

Chaponnier , respetiva mente. 95

Te ve t radução portuguesa por Joaquim José Anaia , para o Teat ro das Variedades

Dramát icas (ant igo Sali t re), a 25 de j anei ro de 1868, com música de Alexandre

Alcântara Ferrei ra. Te ve edição impressa, em 1869, na coleção Biblio theca

Lisbonense , de que falaremos pos teriormente.

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exuberância cénica corr esponde ao facto de serem simultaneamente

caracteres e má scaras. O marginal, anteriormente proscrito no final da

peça, tornou -se em novo tipo de herói, e o melodrama, que, a té a í, fora o

defensor da s convenções burguesas, adotou, progressivamente, a ousadia

e o excesso, proclamando a tolerância do vício. James Rousseau , em

Physiologie du Robert Macaire (1842), viu nesse “enfant du siècle”

“l’incarnation de notr e époque positive, égoïste, avare , menteu se,

vantarde… essentiell ement bl agueuse” (Rousseau 1842: 5). Théodore de

Banville viu nele “le Cid et l e Scapin de la comédie moderne” ( Banville

1882: 213). A denúncia de uma sociedade corrupta , feita a través de uma

comédia, exibia , segundo Gautier, “ l’audace et l’a ttaque désespérée

contr e l’ordre social ou contr e l’homme” ( apud Descotes 1980: 244)96

.

A Providência deu lugar à Fatalidade que pass ou a matar o herói,

deixa ndo sobreviver os tra idores. As inclinações amorosas,

anteriormente di scretas, expandi ram-se em arroubos pa ssionais. A

moralidade final transformou-se em desa fio social, levando Pixérécourt a

renegar o género que criara . As Dernières réflexions de l’auteur sur le

melodrame (1843) acusam a geração responsável pelo género romântico

de não possuir ideias, diálogo, ou sequer elaborar o plano da intriga. O

pai do melodra ma, que havia estudado as obras de Mercier e de Sedaine,

que elaborara as regras da per feita composição, baseada em assu nto

dramático e moral, a través de um diálogo natural, de estilo simples e

verdadeiro, portador de sentimentos deli cados, probos, sensívei s,

recompensando a virtude e punindo o vício, não se revia na nova geração

“si orgueilleux et si pauvre de coeur, d’âme et sent iment” (Pixérécourt

1841-43: IV, 493-94):

96

A incompreensão deste espí r ito l evou a crí ti ca a não acei tar a comédia de Scribe,

Le f il s d e Cromwell ou une Res taurat ion (O fi lho d e Cromwel l ou uma Res tauração) ,

em t radução de João Bapti sta Ferrei ra , representada no Teat ro da Rua dos Condes ,

em 1843. A peça fo i cons iderada “despida de in teresse”, sem “in t r iga chis tosa”, sem

moral idade: “a boa fé, a consciencia, o pudor – tudo se vende e m me rcado, no

concei to de Scribe; não há home m puro no meio d’aquella a thmosfera de

prost itu ição. […] É vergonhoso! É u m scept icismo à Soulié, que faz mal aos

nervos !” (O Raio Theatral , n.1 , 08/10/1843:6). Di ficilmente se aceit ava que o

protagonis ta proclamasse “je su is pour l a paix , l a vraie vé ri t é et l e bonheur

d’Angleterre! C’es t vous d i re que j e ne suis d’aucun des parti es actuel s !” (ato I,

cena IV) .

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Tous les personnages modernes sont fondues dans le même moule; jamais

de naturel ou de gaîté […]. Il me semble entendre toujours et

incessamment , un professeur de rhétorique […] son langage est le même

partout. Or ce n’est point là le théât re, que n’est aut re , selon moi, qu’une

représenta tion exacte et vérid ique de la nature ( Pixérécourt 1841 -43 : IV,

493-94).

Em princípio , a di ferença entre o drama e o melodra ma româ nticos

não é abi ssal. Autores, t eatro e a tores são -lhes comuns. Qualquer dos

géneros se baseia nos enredos propostos pelo melodrama clá ssico, que

inovou no tom e na temática, retomando à sua maneira o gosto dos

efeitos e da cor local, do ritmo narrativo, da expectativa e da encenação,

do contraste maniqueí sta entre as forças do bem e do mal, e da

composição de per sonagens que representavam valores morais . Trata -se,

no fundo, de um estilo dramático que se deixa l evar pelas suas próprias

invenções e pela sua própria lógica, mais do que pela noção d e reali smo

e de verosimilhança.

A expressão da sensibilidade tornou -se mais viva e ganhou as cores

da revolta social, e o drama expôs a inteligência escandalizada com a

mediocridade dos oportuni stas e dos poderes político e económico. O

tédio e o cansa ço de viver tornaram-se t ema s dramáticos. Os herói s

tentaram o suicídio, quando a fa ta lidade lhes bateu à porta; a morte já

não correspondia ao desenlace do tra idor , mas à exposição cénica das

múltiplas saídas para os problemas. O ca samento , s ímbolo da união

familiar, deu lugar a outro tipo de relacionamentos menos estávei s e

mais passionais. O adultério, raramente abordado, subiu à cena, que

revelou uma população de filhos ba stardos, de mães sol teiras, de

crianças perdidas e r eencontradas, de pais capazes de e xercer violência

sobre os filhos, de lhes lançar a té a sua maldição.

Victor Ducange provocou a opinião pública , que, após as barricadas

de 1830, se tornara mais violenta e com pendor anti cleri ca l, quando

coescreve com Pixérécourt Le Jésuite (1830) , cujo protagonista , um

clérigo sórdido e lúbrico, conduz uma jovem ao suicídio. Os dra mas

tornaram-se anárquicos, violentos e sanguinolentos, servindo como

veículo de propaganda e de ressurgimento dos ideais liberais, e, ta lvez,

por isso, interessa sse à inteligência portuguesa a tradução destas obras,

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cuja ação, no final da década de 1840, se torna mais palpitante. Grande

parte dos melodramaturgos eram também jornalis tas, escreviam em

periódicos, publicava m os romances em folhetins, cuja distribuição pelo

espaço do jornal, corr espondia , em grande parte, à noção das fu turas

adaptações à cena. As ver sões dos romances de Eugène Sue e os

melodrama s de Félix Pyat veiculam a força de um ideário socialista , em

que a violência dá lugar à descrição reali sta . Para Pyat, o melodrama é o

teatro do povo e é sobre este que escreve. Em 1847, em Le Chiffonnier

de Paris (O Trapeiro de Paris )97

, o protagonista representava a ideia do

revolucionário de 1848, daquilo que viria a ser a Segunda República

Francesa. As per sonagens Robert o Macário e João o Trapeiro

demarcaram o espaço do herói melodramático romântico. As obras

traduzidas nesta s coleções da primeira metade do lusitano Oitocentos

integram um repertór io r evolucionário , que, durante o cabralismo,

glori fica a anarquia dos sentimentos e dos comportamentos (Descotes

1980: 81).

3.3 . Ser útil aos compatriotas e à nação que lhes deu berço

Não será apena s na tradução das obras célebres que se veri fica a

u tilidade deste género popular. Ele representa um novo modo de encarar

a realidade, serve de inspiração a novos produtos dramáticos, fru tos do

desejo de “ser ú til aos […] compatriotas e à nação que […] [lhes] deu

berço”, como se l ê no prefácio de Os Dois Renegados (Mendes-Leal

1839: V) . Todavia , a “deformante interpreta ção” (Picchio 1969: 257) das

“ideias profunda s e arrebatadora s de Victor Hugo” e das “ricas e

formosas cenas de Dumas” (Mendes -Leal 1839: VI) mantém a produção

dramática de Mendes Leal dentro da fórmula maniqueí sta do melodrama,

viciado por um “nacionalismo patrioteiro”, sem as “moderní ssimas

anotações psicológicas” com que Garrett “conferira universal

humanidade às paixões r epresentada s” (Picchio 1969: ib id .) . Apesar da

“inclinação à Poesia”, Mendes Leal reconhec ia ter sido a leitura e o “uso

97

Representou -se pela primei ra ve z e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 19 de

ma rço de 1848. Teve d i versas reposições até 1875, sendo mui to usado em

espetáculos de benefício .

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que depois [t eve] dos Theatros, conquanto pequeno que fosse, que o

dirigiu e apli cou” (Mendes-Leal 1839: VI) . A influência do modelo torna -

se, então, clara , quando identi fica a “magn i fi cência e sublimidade de

Casimir Delavigne” como fator de produção de um “desejo indistinto” e

de um “ sentimento indefinível” na alma ( ib id .: ib id .) .

O melodramaturgo reconhece o valor da comunicação que surge de

uma técnica de escrita adequada. Mendes L eal não explica as razões que

o levaram a redigir os Dois Renegados – “executei -o como o concebi, e a

execução é a tradução do pensa mento” ( id ., ib id . : VII) – , mas admite que,

no momento em que prefacia a obra impressa, poucos meses após a sua

estr eia , “ ta lvez” a “reconstruí sse, lhe alterasse as formas”, por razões

diferentes daquelas que o público “sancionou com a sua aprovação” .

Mais do que o esti lo literário, conta a capacidade de influenciar a

receção, consciente da qualidade do público que assi ste e do próprio ato

de comunicação: “o espectador apraz -se em conservar a ú ltima sensação

recebida, e esta perde -se, esfria , morre, se a enterram em longas

narrações” ( ib id . : ib id .) . É o conceito u tili tário intrínseco ao “efeito

dramático” que o dramaturgo utiliza para manipular a leitura do

espectador, mantê -lo a tento à narrativa, despertar -lhe novos interesses,

levá-lo por ca minhos do pensamento , intranquili zá -lo , para o fazer

regressar à paci fi cação emocional na moralidade do desenlace. Uma

espécie de “comboio fantasma” de feira , de jogo de crianças crescidas,

subtilmente u tilizado na atualidade pelas indústrias do cinema e da

televisão, fundamentado em estudos de psicologias de massa s e de

mercado.

Ainda que Mendes Leal possa ter escrito um melodrama, não o

admite enquanto ta l – o termo tornara -se pejorativo – , e a obra configura

antes a justi fi cação de nova t erminologia: o drama – “o estilo que

emprego pode t er, e é possível que tenha – desigualdades, imper feições,

fa lhas e erros” (Mendes-Leal 1839: VIII) . O argumento que servirá a

Garrett para defender a u tilização da prosa no Frei Luís de Sousa , usa-o

Mendes Leal em seu favor: “a poesia não consi ste no verso. [ . . .] A prosa

é poi s suscept ível de sublimidades, de magni fi cências, de poesia” ( ib id .:

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ib id .) . Os Dois Renegados pretendem “a representação fi el da vida” ( id .,

ib id . : IX) , que sensibili za a compaixão do espectador, e o faz puxar do

lenço, para nele conter a furtiva lágrima. Tal como o quadro, “cópia

exacta do objecto que representa”, que varia segundo a per spectiva do

observador, também o drama assume contornos di ferentes, consoante a

“distância do nosso modo de Ser ”, sendo, por i sso “necessário

apresentál -o de um modo diverso do vulgar, de u m modo capaz de

produzir impressão no público costumado às sensa ções usuais” . Atores e

espectadores representam o “mundo ideal” e o “ mundo exi stente”,

respetivamente, de um espetáculo que põe “em face a verdade e a fi cção,

o pensa mento e a realidade”. A plat eia fa la da “vida comum” e o palco

“da vida extraordinária” , das paixões “grandes, fortes e sublimes”, que

comovem corações e abalam as a lmas, e chegam à inteligência , porque é

o “nexo do drama” que interessa e prende, ferindo as corda s do

sentimento ( ib id . : ib id .) . Em defesa do autor, Mendes -Leal esta belece um

conceito de sublimidade para o fazedor da obra dramática , a quem Deus

“colocou na mão direita a virtude e na esquerda o vício” ( id ., ib id . : XI):

Arremessar uma e out ra à mult idão; o vício em toda a sua torpitude; a

vi rtude em todo o resplendor de sua beleza , porque todo este públ ico, que

um dia lhe pedi rá contas da porção de vício ou de vi rtude que d’ele

receberam, enterre uma em seu coração, e repulse o out ro a té dos seus

lábios (Mendes-Leal 1839: XI).

A consciência técnica da sua escrita refle te os t ema s, comuns ao

drama e ao melodrama, convencionados nas per sonagens que conduzem a

perceção da trama (o herói – “o homem lutando com o homem [ . . .] tudo o

que é forte e poderoso” – , o tra idor – “o homem de alma perver sa e

coração danado”, “o malvado aumentando o sofrimento” – , e a v ítima – “a

mulher que sofr e e que morre [ . . .] , a criança su stentando o sofrimento

expirante” – , mas também na epi fania das vivências – “derramar todos os

amores, o a mor de pai, o amor de filho e de irmão, o a mor de religião, o

amor de mulher, o mais forte e o mais ardente de todos os amores” ( id . ,

ib id . : XII) .

O enredo expressa uma realidade entendível à luz do seu temp o.

Fica claro que se tra ta de um exemplo hi stórico , e que tudo o “ mais é um

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drama de imaginação” ( id ., ib id . : XIII) . E quanta! O erro hi stór ico é mais

que evidente . Que importa? Não é História servida como consciência de

um Tempo passado, ma s iguaria servida, apetitosamente, com sabores e

cores locais, como metáfora de um tempo presente idealizado. O herói

“ franco, honrado e extremoso” , quando cai em erros, “ mostra que é

homem” ( ib id .: ib id .) , como os que se encontram na plateia , como todos

nós, di spostos a meditar na s costas a lheias a observação das nossas;

afori smos populares, consciência s primordiai s, tentativas de

naturalismos anteriores a Zola e ao behaviori smo cientí fico,

fundamentam-se na autoridade aristotél ica invocada de que nenhum herói

será só vício ou só virtude, para que não seja causa de comiseração , ma s

de piedade.

Nesses “anos de loucura”, a educação devia sustentar “a civilização

ardentemente desejada ” (França 1999: 70). A sala de teatro não era a inda

o espelho de uma sociedade em espetáculo de si própria , mas um lugar

em que se comungava na ilu são t eatral que atingia o fascínio. O

melodrama propagador da moral convencional e burguesa era veículo de

ideias política s, sociais e sociali stas, de ideais huma nitários e

humanista s, e sustentava a esperança no triunfo das qualidades humanas

sobre os poderosos. Uma década após a estr eia de Dois Renegados ,

quando o paí s adotou um regime liberal -democrático, o dramalhão

ultrarromântico, esva ziado o sentido da fórmula histórica , tornou -se

obsoleto. Seria tempo do modelo social e dos heróis das cla sses média s e

laboriosas.

4. Seja o teatro escola e templo

A queda do cabralismo, na sequência da Revolução da Maria da

Fonte, foi “o sossego dos capi ta listas” (Branco 1983: 153). A burguesia

aumentou em número, fru to da conjuntura que lhe garantiu o cr escimento

dos negócios e consolidou o poder (Vaquinha s/Cascão 1998: 381). O

espírito da Regeneração promoveu a expansão industria l, financeira e

mercantil , dinamizou a evolução da s profissões liberais , consolid ou uma

burguesia in telectual em lugar destacado da sociedade, e criou uma

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civili zação de consumo e ostentação. O Estado liberal promoveu o acesso

da burguesia a uma “aristocracia monetária” , como forma de “coroar”

carreiras pol íticas ou militares prestigiadas, ou as de atividades

comerciais ( id . , ib id . : 385). Oitocentos foi o “século de ouro da

burguesia”, que para se di stinguir enquanto categoria social, constru iu

modelos de conduta e de comportamento social, que a di ferenciavam da

velha ari stocracia e dos estratos inferiores, segundo três vetores: a

família e suas rela ções como célula -base da sociedade, a educação e a s

boas maneiras, e, por fim, a valorização do ócio e do lazer (Santos

1983a: passim ) . Se o dramalhão hi stórico e a ópera cómica serviam a

espeta cularidade do gosto pelas emoções fortes, um novo olhar sobre os

modelos colhidos no quotidiano r evelava, conforme notou Bea umarchais,

que a grandeza de um homem na terra “n’appartient pa s à [son] éta t; ell e

est toute à [son] charactère” (1809: II, 614-15), e que o teatro cont inuava

a ser “un géant qui blesse à mort tout ce qu’il frappe” ( ib id .: II , 9). A par

daqueles géneros surgiu em meados de Oitocentos o drama social, que

regi stou várias designa ções – comédia-dra ma98

, drama de atualidade,

drama realista – e pretendeu ser tão r eformador, quanto emp enhado em

“educar e moralizar um público envenenado pelo mau teatro” (Santos

1983b: 64) e também em digni ficar as classes laboriosas , para que o

teatro fosse “escola e t emplo” (Silva 1867: V) :

Escola onde todos recebam pão de espí rito, abundante, nut ritivo , claro e

bom. Seja templo onde todas as profissões vejam altares erguidos para

todas as virtudes, para todas as acções nobres ( Silva 1867: V).

Afirmada a fórmula social, os dramas de t ese, ta l como a s comédias

de enredo, de caracteres ou de costumes (Mendes-Leal 1865: I) , expõem

os mesmos sentimentos virtuosos, sem os paroxi smos românticos,

segundo a contenção advogada pela moral burguesa, a través de

per sonagens procedentes de um quotidiano “ambíguo e burguês” (Picchio

1980: 259).

98

Nos Livros de Regis to de Repertório do Teat ro Nacional de D. Maria II (TNDMII),

es te género surge referenciado pela primei ra ve z, e m 1850, a propós ito da es t reia da

comédia-dra ma e m 5 atos , Os dois f lorent inos.

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4.1 . Publicações dramáticas de António José Fernandes Lopes

Este editor -livreiro foi proprietário de uma tipografia ao Arco

Bandeira , onde se imprimiu o jornal li t erário e instru tivo O Panorama ,

de que foi proprietário, entr e 1846 e 185899

, e de A Illustração Luso -

Brasile ira (1856, 1858, 1859 )100

, onde t eve como colaboradores a nova

geração de autores do romance social. Dada a escassez de editores de

peças de teatro, “ todos os bons autores iam cair” na sua loja , onde ele os

esperava, “sentado na sua cadeira e encostado a uma grossa bengala”

(Bastos 1947b: 172). Usava a mão esquerda como balança para aferir o

peso da obra, e pagar por ela “uns tostões para o jantar” do literato. À

exceção do Santo António101, de Braz Martins, dos Márt ires da

Germânia , de José Romano, ou da Mulher que deita cartas (La tireuse de

cartes) , de Victor Séjour102

, em tradução de Biester , “pechinchas” de

outros editores, tudo o mais considerava “porcaria” , sem préstimo:

99

3 ª série, volumes IX -XIII (1846 – 1856) e 4 ª série, volumes XIV -X V (1857 –

1858). No início de Setembro de 1846, A. J . Fernandes relançou es te jornal , que,

devido à Patuleia, t eve vida at r ibulada até j anei ro d e 1853, prosseguindo cons tante

até 1858. Inocêncio da S ilva sugere que a d i reção do periódico seria da responsabil idade de Luís Augus to Rebelo da Si lva . Em 1866, O Panorama vol tou a

ressurgi r , em parceria da e mpresa do Panorama, de Fernandes Lopes , e da Tipografia

F ranco-Portuguesa, durando dois anos, até que fo i suspenso defini tiva me nte. 100

A re vi s ta t erminou por ques tões pessoais dramát icas , expostas em nota de rodapé

da ú lt ima página: a morte da esposa, e a necess idade de tomar conta dos o ito fi lhos

órfãos (nº 52 , vol . I I I, 31/12/1859:412). Nela t inham s ido publ icadas , em dra ma -

folhet im, A Herança d o Chanceler , comédia e m 3 atos , e m verso l í r i co de Mendes

Leal , O sapatei ro d e escad a, comédia de cos tumes de Luís Augus to Palmei rim ,

ambas no volume 1º (1856), e À tard e, entre a murta , al ta comédia em 3 atos de João

de Aboim, no volume 2º (1858). A publ icação rematou com uma página dedicada à

poes ia, publ icando A qued a do A respei to des te periódico cf. S AN T ’AN NA , Benedi ta

de Cáss ia Lima (2007-08), “A Ilus t ração Luso -Brasi l ei ra (1856 e 1858 -1859): uma

l ei tura apresentativa”, e m Triceversa . Revis ta do Cent ro Ít alo -Luso-Bras i l ei ro de

Es tudos Linguis ti cos e Culturais (CILBELC), v.1 , n .2 , nov.2007 -abr.2008, pp . 96 -

111 . 101

Es te drama sacro in t itulou -se originalmente Gabriel e Lusbel ou o Thaumaturgo

Santo António. Foi representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro do Ginás io ,

a 3 de abri l de 1854, com gr ande sucesso e edição impressa no mes mo ano. O seu êxi to perpetuou -se pelo século XX, graças às co mpanhias de província, que o t inham

em repertório , e o representava m pela provínci a em tempo de fei ras e romarias

populares , mot ivando os amadores locai s a l evar à cena es tas obras de gos to popular .

Cf . F ILIPE , José Gui lherme Mora (2007), Percursos i tinerantes ; a companhia d e

Rafael d e Olivei ra – Art is tas associados. Dissertação de mes t rado. Li sboa:

Faculdade de Let ras , Univers idade de Lisboa. 102

O melodra ma original , La t ireuse d e cartes , es t reado no Théât re de l a Porte -Saint -

Mart in , a 22 de dezembro de 1860, t eve edição impressa no mesmo an o em Pari s :

Michel Lé vy F rères . E m Portugal t eve es t reia no Teat ro de D. Maria II, a 16 de

ma rço de 1861, sendo reposto várias vezes até 1878 (Livros de Registo de Repertório

do TNDMII).

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- Você está enganado. Isto que aqui lhe t rago é uma bela peça.

- Como se chama?

- A máscara social .

- Olhem que tí tulo esse! Quem diabo há -de comprar uma peça com ta l

nome?

- Você é uma besta!

- Burro quere você fazer -me; mas eu já não caio! Olhe, seu Alfredo

Hogan, se quere , dou-lhe t rês pintos, se não quere, leve, que me faz

mui to favor.

E queria logo devolver a peça ao autor, que, não tendo mais a quem

vender, se resignava e d izia:

- Bom, i sso é um ovo por um real; mas, enfim, dê cá os t rês pin tos .

(Bastos 1947b: 172; itál icos originais)

Apesar do diálogo pouco abonatório, Sousa Ba stos r econhece que o

“Lopes da rua do Ouro” editara grande número de obras dra máticas [103

]

quando poucos o fazia m, mesmo pagando por um drama consa grado, em

três a tos, 1 .440 réis, quando no t eatro do Ginásio , em dir eitos, o mesmo

autor recebia em cada noite 1 .800104

. Fora assim que “por meia dúzia de

cruzados novos t inha as gavetas abarrotadas de originais”105

( id ., ib id . :

173; itá licos originais). Entr e 1854 e 1867, A. J . F. Lopes publicou

periodica mente peça s dos “nomes liter ários da nova geração” (Biester

1856a: I , 63), cujo mérito se firmava então no drama social – Bulhão

Pato, Ernesto Biester , Al fredo Hogan, Henrique Van-Deiter s106

e Avelar

Machado , entr e outros –, a par dos “dois escriptores eminentes que

[marchavam] à testa da novíssima geração lit teraria” ( ib id .: ib id .) –

Mendes Leal , iniciando a sua fase do drama de tese, e Rebello da Silva ,

revi sitando a tragédia shakespeariana do Mouro de Veneza ou criando

com Biester a ver são cénica da Mocidade de D. João V – , e t ambém do

não menos célebre Inácio Maria Feijó , rei terando sempre a autoria do

Camões do Rocio . Ainda que sem consti tu ir uma coleção específica , a

catalogação das publicações, divulgada nos ver sos de capas e

103

Cf. Apêndices – 3 . Tabela de publ icações dramát icas do edi tor A. J . F. Lopes . 104

O Teat ro da Rua dos Condes , o de D. Fernando e o Variedades (Sali t re) paga va m

os atos a quat rocentos e oi t enta réis (Bastos 1947b:173). 105

As obras eram impressas na sua designada Tipografia do Panorama, à rua do Arco

do Bandei ra, e comercial i zadas na sua l ivraria da rua Áurea, nº 132 -133. 106

Faleceu aos 27 anos de idade, de t ís i ca pulmonar. As suas obras dramát icas foram

todas publicadas por A. J. F . Lopes. Foi t ambém autor do poema O Judeu Errante,

paraphrase da lenda alemã d e Schubart , dedicado a Júlio César Machado e

publ icado na Revis ta contemporanea d e Por tugal e Brazi l , vol . III, n º7 , 1861: 362 -

372.

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contra capas, e em coluna pró pria da Illustração Luso -Brasile ira ,

configura uma ecléti ca biblioteca de cento e vinte e nove obras

dramáticas de autores de sucesso107

. Ao longo dos anos, a lguns

regi staram maior presença, enquanto outros tiveram entrada isolada,

numa mistura de géneros de agrado popular, levados à cena nos t eatros

de D. Maria II , do Ginásio, de D. Fernando e da Rua dos Condes.

Entre o drama social, a comédia de costumes, as mágicas e as

paródias burlescas, este repositório demonstra que o teatro continuava a

ser “para a liberdade burgueza o mesmo que as Cathedraes na edade

media” (Braga 1871: IV , 2), expondo a nova revolução liberal, com

idênticas ovações políti cas e desabafando os sentimentos da nova

liberdade. O drama social e a comédia de costumes, que coloca m em cena

per sonagens e situações de atualidade, a liam a “ironia com a

vehemencia , o sarcasmo acerbo com a eloquência audaz”, fazendo vibrar

todas a s cordas da “attenção e do coração”, segundo um “ espír ito móbil,

per scrutador e inquieto de u ma sociedade que é toda el la acção”

(Mendes-Leal 1856: XXII):

A sociedade actua sobre o teat ro, porque o teat ro lhe pede continuamente

os seus typos, e esta reproducção é um verdadei ro reflexo d’ella. O teat ro

actua sobre a sociedade, pela influencia da sensação , influencia que se

não pode negar […], porque não pode negar-se o poder das impressões, e

o teat ro, em todos os tempos, tem vivido d’ellas. […] É assim a scena,

espelho a que a sociedade se chega, no intuito de um desenfado, na vaga

esperança de um sorri so ou de uma li sonja , e que muitas vezes lhe

corresponde e redargue com o gérmen de uma idéa grave […]. Há ahi

mui ta acção, sem haver acção exclusiva. […] Mas, exactamente porque

tal acção se exerce , e pelo modo por que é exercida, a scena e o teat ro

modificam a sua expressão, conforme a inspi ração e a manei ra de ser de

cada seculo, ou antes de cada cyclo de c ivil ização (Mendes-Leal 1856:

IX-X ; i tálicos originias).

Na criação do r eal representado, a linguagem do drama social e da

comédia de costu mes guardou o tom sério, por vezes grandiloquente,

107

Subl inham-se, como ent radas únicas, a cena dramát ica Camões e Jao (1856), do

poeta brasi l ei ro Cas imi ro de Abreu , in iciando a sua at ividade l it erária e m Lisboa,

nos seus quat ro anos de residência; e a comédia -dra ma Amor e per f íd ia (1866) , de

Maria Cândida de Assi s Viana , que apresenta uma “declaração” f inal , cedendo os

di reitos autorai s “a fa vor da Associação da meninas pobres”, caso a peça fosse

l evada à cena e m teat ro público .

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fru to do peso de uma herança clássica , e de um “di scurso didático e

prosaico que se sobrepunha ao di scurso do imaginário”, levantando

problemas críticos para “definir as relações entr e o artístico e o políti co”

(Santos 1983a: 64). A apreciação críti ca de Rebello da S ilva a Os

Homens de Mármore sublinha o “risco” de Mendes Leal ao desprezar a

“antiga regra”, para privilegiar a “unidad e filosófica” do drama108

. Em

vez de desfechar a ação no t erceiro ato, após “os lances ma goados da

reconciliação”, o autor fá -la prolongar por mais doi s a tos, “puros

complementos philosophicos, necessários à s conclusões da peça, ma s

estranhos ao pathetico e ao nó sentimental, que a enreda” (Silva 1862:

vi):

Desde que desprezou com decisão velhos e est re itos moldes, arrostou

com elle, e levou a pintura até onde devia , para a fazer completa […]; a

platéa, juiz supremo n’estes pontos, pode iludi r -se com os rasgos de

paixão, mas nunca as combinações mais frias de verdade phi losophica a

enganarão (Silva 1862: vi ).

Trata-se da defesa de uma literatura dramática “humanitária”, que

pretende “ilustrar, nas r egiões da imaginação, os confli tos e os

problemas da soc iedade” (Mendonça 1862: 81), sem dogmatismos, nem

didatismos , “dentro dos limites, que separam a arte das outras formas,

em que se vasa o espírito da investigação e da analyse”. O naturalismo-

realismo cénico deveria “apropriar a nua realidade da vida humana aos

assumptos dra máticos” ( id ., ib id . : 82-83):

Os personagens são creaturas humanas que se agi tam nos l imi tes de uma

acção calculada, e não typos que obedeçam cegamente às intenções de um

problema humanitário. […] As invenções scenicas vivem sobre tudo da

ind ividualidade, e […] às fó rmulas histó ricas ou phi losophicas […]

cumpre absorverem o homem na idéa (Mendonça 1862: 81).

Os ideais do sociali smo utópico encontraram eco dramático nos

enredos que espelhava m a vida dos estratos inferiores da sociedade

urbana, adaptando as intrigas familiares tradicionai s ao contexto coevo.

108

A comédia-dra ma de Mendes Leal fo i representada pela primei ra vez e m Lisboa,

no Teat ro de D. Maria II , a 13 de julho de 1854. As mulheres d e mármore (Les fi ll es

d e marbre), de Barriére e Lambert -Thiboust , em t radução de César de Lacerda , t eve

es t reia a 14 de março do ano seguinte (Livros de Regis to de Repertório do TNDMII).

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Defendiam-se soluções reformistas e moralistas, visando a regeneração

do operariado, cuja integração na nova ordem políti ca e económica

evitaria os conflitos sociais. Em 1850, a nova geração que chegou ao

poder; “cansada da guerra e das lu tas ideológica s”, apostou no

desenvolvimento dos “melhoramentos materia is” (Castro 19 99: 16). O

público de t eatro, a quem bastara um desenlace providencial,

confrontava -se agora com aspetos sociais, que salientavam a s diferença s

entre ricos e pobres e a r elação entre dinheiro e poder. A representação

teatral funcionou como um novo entretenimento para as emergentes

classes laboriosas:

Despite it s frequently popul i st sentiments, i t s e thos was for the most part

bourgeois or petty-bourgeois and seldom subversive in any serious way.

It s moral values reflected the codes to whic h the petty-bourgeoisie

aspi red (McCormick 2002: 225).

A forma apologética como a cena representava as ditas classes,

sobretudo o operariado, suscitava divergência crítica , nu ma dialética

entre a “vi são liberal individualista e a nova vi são sociali sta” (Ribeiro

1990a: 158), eco da revolução francesa de 1848. Se algu mas vozes

defendia m a legi timidade exemplar do trabalho, como fonte de riqueza e

de felicidade, ergo de progresso , exaltando o papel do operário e do

associativi smo – Fortuna e Trabalho (1863)109

e Os operários (1865), de

Biester, ou O operário e a associação (1867), de Silva e Albu querque110

– , outras precaviam contra o efeito perver so da miti fi cação da figura do

operário, “homem como outro qualquer, su jeito às fraquezas e paixões de

todos os filhos de Eva” (Vidal 1863, apud Santos 1983a: 65). O conceito

de “ consciência de cla sse” apresenta um “sentido universalista e

consubstancia uma dimensão moral” (Ribeiro 1990a: 158). As doutrinas

saint -simonistas e fourieri stas encontra ram eco nos operários,

enaltecendo a sociabilidade, como princípio de fraternidade e

109

Cf. crí ti ca ao espetáculo em C HA G A S , Pinhei ro (1863) , “Folhet im: Revis ta da

semana”, Gazeta de Por tugal , nº 256, 04 .10.1863, pp .1 -2 . 110

Cf . F RA NÇ A , José-Augusto (1976), “A «fi s io logia» do capi tal is t a no t eat ro do

primei ro período do Font i smo”, em Revis ta Colóquio/ Let ras . Ensaio , nº 30, março

1976, Li sboa: Fundação Calous te Gulbenkian , pp.52 -60.

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solidariedade111

. O teatro e o jornali smo, lit eratura para muitos,

constituem veículos propagadores de direitos humanos e do pensamento

social, segundo um “ideário romântico matizado […] dos a nseios de

reformismo social e materia l” ( id ., ib id . : 167).

Neste teatro popular, a “a ctualidade” substi tu ía o “solar da idade

média” (Chagas 1864: 5), o grande herói da História dava lugar ao herói

comum, ao homem de bem, de origem modesta , que a scendia na vida por

trabalho esforçado e mérito pessoal. Fortuna e trabalho fez desvanecer

de orgulho a cla sse dos tipógrafos112

, a quem a obra foi dedicada, ao

mesmo tempo que provocou a “raiva dos noticiaris tas” (Ribeiro 1990a:

167). Se Francisco Gomes, o jovem protagonista de Biester , o “honesto e

inteligente typographo”, favorecia um retrato laboral idealizado, António

Vieira , o jovem “noticiarista” que escondia a origem aristocrática ,

provocou o “ressentimento” de uma classe que se sentiu expos ta à

“irrisão pública na pessoa de uma das figuras da peça” ( ib id .: ib id .)113.

Os jornalistas, a par dos dramaturgos, viam -se como uma influência

benéfica nos “bons instintos do povo”, propagando a “sã doutrina para

um melhor fu turo de bem estar materia l e m oral” (Matos 1850: 2). O

jornal a tingia o grande público , de forma barata , e o teatro, a tingia o

mesmo público de forma fa scinante. A instrução e o recreio associavam -

se, transmitindo “de forma rápida e fácil , o verniz cultural necessário a

uma pequena burguesia promocional” (Santos 1985: 188):

[O] teat ro tem l iberdade ampla e il imi tada, excepto quando descer às

personalidades; o autor d ramát ico chama a sua época ao t ribunal da

publ icidade, profere a sentença, e as platéas depois confi rmam ou

annullam. […] Esta zanga de noticiari stas é o maior elogio que se pode

fazer à peça do sr. Biester. Peças más não incomodam ninguem (Chagas

1863: 2 ).

111

Lopes de Mendonça e Sousa Brandão fundam o periódico social is t a Eco d os

Operár ios , em 1850. Lat ino Coelho e F rancisco Palha , em Lisboa em 1850, primei ra

re vi s ta que subiu à cena no Teat ro do Ginásio , abrem o 1º quadro , do 1º ato , com u m

diálogo ent re doi s candeei ros da capital – o candeei ro de azei te e o de gás – que

i ronizam sobre as novas ideias social i zantes , com indicação explíci t a das t eorias

fourieri s tas , que aquele jornal veiculava. 112

Bies ter foi coroado em cena por uma comissão de t ipógrafos ( Gazeta d e Por tuga l ,

nº260, 27 .09.1863:3). 113

A própria crí ti ca de P inhei ro Chagas (1864:6) desvalorizou o referido papel , que

“nem che ga va a ser um esboceto”, apenas “um pretexto para uma scena engraçada”,

de efei to falhado por “insufficiencia do actor encarregado d’esse papel”.

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Grosso modo, procurava -se transmitir um modelo de herói, cujos

traços morais e comporta mentais se pauta vam por uma consciência

responsável no desenvolvimento do “bem da Pátria” , no respeito pela

hierarquia , segundo o padrão dos novos interesses sociai s, e por uma

competência , fru to da sua inteligência , perseverança e iniciativa,

a tributos que trazem o reconhecimento público do mérito, como defende

Biester , pela boca de António Vieira:

[Antes] de ser António Viei ra, o revisor, o músico, o jornalista , o

soldado obscuro das modernas lutas da inteligência, era António Viei ra

de Cast ro e Almada, descendente de duas casas mais nobres de Portugal.

Se t roquei os dois appel lidos que atestavam a minha fidalguia, pelos

t ítulos que representavam o meu amor pelo t rabalho e a minha veneração

pelo ta lento, foi porque os appell idos eram uma herança, e o s títulos uma

conquista. Faltava -me riqueza para sustentar com dignidade a herança,

sobrava-me animo para tentar a conquista . Queria acrescentar à velha

nobreza dos meus antepassados a moderna nobreza, e esta ganha por mim

(ato v, cena ix, Biester 1863: 95).

A par do trabalho, a família fomenta também a integração social do

herói. Ser escravo do trabalho e da família é uma “abençoada

escravidão" – “ser escravo do trabalho é glória ; ser escravo da família é

dever” – , é ser respeitado pelos homens e por Deus : “viver ama do é viver

duas vezes” (Biester 1863: 5). A família , fonte de feli cidade, define uma

esfera social de “sentimentos puros” perante a “corrupção de um mundo

dominado pela cobiça do ouro” (Santos 1983a: 72). Enquanto o herói

trabalha para fazer carreira , contribuindo para o progresso da Nação, a

heroína fá -lo por necessidade – a ela está r eservado o trabalho de costura

no domicílio, para colmatar vici ssitudes de insu fici entes proventos ou de

desastr es financeiros que se abatem sobre a família . Am bos a presentam

os mesmos atributos morai s; são desinteressados, generosos, e não se

deixa m seduzir por privil égios materia is ou sociai s: o seu “ verdadeiro

capita l é o do coração e da inteligência” (Mendes -Leal 1858: 83). Ser

pobre favorece o aspeto desinteresseiro de um contrato ma trimonial,

sublinha, “n’uma acção dramática, terrível e commum, pathetica e

verosímil” ( id ., ib id . : 247), a força do amor romântico, a inda que em

plano subalterno, frisando “contradições que o u ltrapassa m em

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importância e a mplitud e” (Santos 1983a: 74). O par amoroso vive uma

relação exemplar, segundo u ma missão social transformadora, capaz de

vencer o eterno dil ema entre o casa mento por amor e por conveniência ,

através da “livre escolha”, pelo “sentimento e inclinação mútuos” ( ib id .:

ib id .):

Denuncia -se a hipocrisia e a cupidez do casamento concertado pela

famíl ia sem participação das partes interessadas; repetem -se as

prevenções contra os matrimónios sem amor, focos de destruição das

famíl ias, dos casais, dos ind ivíduos, que assim foram privados da sua

autent icidade (Santos 1983a: 74 ).

O drama social valoriza o amor romântico, enquanto sentimento e

espontaneidade, segundo regra s que conciliam o “coração” e o “dever”, e

repudia as a titudes contestatárias, a lvo de justa punição. Contrário ao

melodrama, as per sonagens negativas são apresentada s como vítimas das

circunstância s, evi tando sublinhar o aspeto pér fido característico da

figura do tra idor. As r eações negativa s são justi ficada s como fruto de

ações negativa s, numa rela ção de cau sa-efei to; as mulheres seduzidas, a

quem se reservava a vida monásti ca , surgem com o vítimas do fascínio do

sedutor, indivíduo ambicioso e hipócrita , cujo desfecho já não encontra o

punhal que trespassa o coração, ma s o mandato judicial, que o conduz à

prisão. Na t ensão dialética dos drama s de t ese, os impulsos emocionais

de autojustiça são substi tu ídos pela legalidade racional do dir ei to.

Os enredos dramáticos veiculam um ideal regenerador, procurando

demonstrar uma capacidade de r esposta positiva face à adver sidade. Em

Fortuna e Trabalho, Biester contraria a regra punitiva e redime o sedutor

Estêvão Miranda, tornando -o num “homem di stinto”, que supera as suas

fraqueza s e, contrariando a a ristocrática vontade paterna, desposa a

seduzida Eugénia . Em cena, os relaciona mentos sociais demonstram, por

um lado, uma “afirmação de consciência de cla sse v isando a realização

(simbólica)” dos seus interesses ( id ., ib id . : 78), e, por outro, o

“reconhec imento da maturidade do jovem adulto, vi sando a sua

consagração enquanto protagonista privilegiado (herói) do confli to”

( ib id .: ib id .) .

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O drama social r etra ta de forma dicotómica uma sociedade dividida

entre ricos e pobres, identi fi cados como per sonagens a nt ipáticas e

per sonagens simpáticas, respetivamente. Esta visão maniqu eísta , que

ilustra a possibilidade da r ecompensa pelo esforço, pela competência

profissional e pelo cumprimento do dever, representa “um passo

importante na documentação e interpretação do longo processo de

modernização económica e social do País” (Cruz 1986: 75-6), uma

imagem da “vida coeva na s suas condições mais característi cas”

(Mendes-Leal 1857: [s.p.]) , que o dra maturgo devolve à sociedade,

depois de transformada em lição. Esta vi sã o moral da ascensão social

repudia o enriquecimento ilícito, a agiotagem, a especulação, a

escravatura branca, todas as a tividades que se constitu í ssem como

agentes de degradação social, fru to do poder do dinheiro – o ouro é o

único rei – símbolo “da falta de escrúpulos e da fri eza inerente às

relações sociai s sujeitas a esse poder” (Santos 1983a: 79), de uma

sociedade potencialmente corrupta , em que “o trabalho raras vezes é

coadjuvado pela fortuna, e que são quasi sempre os que mais lidam que

menos aprove i tam” (Biester 1863: vi) . Ainda que visto com

desconfiança, este realismo ideali zante, antagónico ao realismo cínico

professado pelos contemporâneos Murger e Champfleury (Agu iar e Silva

1965: 22), acaba por legitimar a riqueza pela forma honesta como a ela

se aceda; o trabalho, intelectual ou braçal, associado à instrução,

garantiria o progresso da indú stria e do País, como proclama Paulo, o

herói -operário de Biester, fu turo empresário, decla mando As novas

conquistas, de Tomás Ribeiro , “o cantor do D. Jayme” (Ribeiro 1864:

VII):

As nobrezas d’out rora, são da histó ria,

Que em let ras d’oi ro ilust ra acções de guerra .

Correram tempos; t ransformou-se a gloria;

Mais val que a luz do incendio, a que ilumina;

mais faz que espada ou lança, escopro e serra;

mais que mil arsenais, uma oficina.

Hoje é t rabalho o campo da bata lha;

A indust ria faz plantão faxina e guarda;

Soldado e general é quem t rabalha;

É mais condecorado, o que mais faz;

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É-lhe bandei ra, a sc iencia; a blusa, farda;

E santo e senha, - di ligencia e paz .

(Biester 1865: 212)

O teatro servia , poi s, como instrumento de normal socialização,

“como “escola de sentimentos honrados, de doutrinas sãs e fecundas, de

aferro aos deveres, de amor ao t rabalho, de beneficência mutua enfim em

toda a amplí ssima e variadíssima a cepção d’esta s palavras, ci fra e

epílogo d’uma ideia indi sivel” ( Castilho apud Biester 1865: 222). Tanto

a edição cénica, como a impressa, partilham uma função demopédica ,

que vai a lém da competência da fa mília ou da escola . O “poeta

civili sador” sabe que a interligação entre os di scursos racionalizador e

imaginário, “sem emphases de socialismos, nem li sonjas perigosa s” ( id .,

ib id . : 223) , cria um poder persuasivo, “uma pro fecia do novo século”

( id . , ib id . : 226), que opera uma “regulamentação de condutas

subordinada ao ideal de uma democracia de pequenos produtore s

autónomos” (Santos 1983a: 90) . Os artistas dramáticos, possu idores das

“duas únicas espécies de fidalguia , que o mundo acata” – “a do ta lento e

a do coração”, aquela colhida nos aplausos e tr iunfos públicos, esta fru to

da “próvida mão da natureza” (Barros 1864: 5) – , eram credores da

gratidão autoral pelas “noites de verdadeiro prazer” que tr ansmi tiam,

animando a a rte de Talma (Lacerda 1855: [s.p.]):

Não é verdade […] que há ent re os homens certos laços que é quasi

impossível quebral -os? Não é verdade que os da arte são os que mais

prendem aquellas almas que Deus fadou arti stas? ( Lacerda 1855: [s.p. ])

4.2 . Edições baratas de literatura dramática para todos

O jornal e o teatro possuíam vantagens em rela ção ao livro,

a tingindo de forma económica u m público alargado. A tentativa de

edições “baratas de boa literatura” , por parte do Estado e de

particulares, remonta va a um empreendimento que, em 1821, congregara

o vinti sta Leonel Tavares Cabral114

, o editor Rolland e os intelectuais

Inácio António da Fonseca Benevides e Pedro José de Figueiredo , da

114

Foi editor do Almanak art ís ti co para 1858 , di rigido e ilust rado por F rancisco

Augus to Noguei ra da S ilva .

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Academia das Ciências (Santos 1985: 188), com o objetivo de publicar

traduções de obras célebres estrangeiras e clássicos portugueses, em

edição económica. Ainda que contasse com o apoio do Governo e do

Parlamento, o projeto não chegou a concretizar -se, t a l como,

posteriormente, o de Castilho e Pereira Marecos, em 1842.

Procurava-se que esta forma de transferência da esfera erudita para

a popular fosse feita de forma fácil e agradável, segundo cr itérios de

bom senso e bom gosto censório, vi sando alcançar um público não

literato, desejoso de instrução e , cada vez ma is, de passatempo. Se,

inicialmente, as t entativas tinha m visado autores clássicos, col igidos por

autores coevos, que se comportavam como “organizadores e

coordenadores, e não como produtores” ( id ., ib id . : 189)115

, a partir da

segunda Regeneração, as iniciativas editoria is começaram a dar relevo

aos autores coetâneo s, a través de edições, não só a preços acessívei s,

como, em alguns casos, com aliciantes prémios de fidelidade à compra

dos folhetos. No panorama autoral do circuito popular da segunda

metade do século, os dramaturgos surgiram “ favorecidos t a lvez pela

garantia que podiam oferecer aos editores a través dos sucessos t eatrais

experimentados” ( ib id . : ib id .) .

A expansão do cir cuito popular motivou o “surto da literatura

industria l, […] de uma produ ção lit erária em série destinada a tirar o

melhor partido do mercado” (Santos 1985: 192). E, se os edi tores e os

empresários se identi fi cavam como patrões da indústria e do comércio,

os escritores autodefiniam -se como “operários da pena”, e, quais

115

Em 1859, surgi ram coleções li t erárias populares – “Biblio theca Portugueza” ,

“Bibl io theca Li t t erária” , “Bibl io theca das Damas” e “Bibl iotheca Económica” – ,

ed i t ando obras i lus t radas , ass im como coleções d ivulgadoras de conhecimentos ú tei s ,

que associava m o baixo cus to ao formato de brochura de apresentação cuidada. Em Lisboa, no mes mo ano, A. A. Teixei ra de Vasconcelos , l ançou “Livros para o Povo”,

projeto edi torial de 100 volumes , de 128 páginas , pelo preço de 120 réis . Em 1870,

P inhei ro Chagas di rigiu a “Educação Popular”, uma coleção mensal , de 13 volumes ,

ao mes mo t empo que surgia a “Bibliotheca Popular ou Ins t rução para todas as

classes”. No Porto, no ano anterior , surgi ra a “Biblio theca de algibeira, Lei turas

selectas”, composta por folhetos de l it eratura d ivers i f i cada: romances , contos breves

e l it eratura de viagens . A es te mo vi mento edi torial de ilust ração popular associou -se

t ambé m a i mprensa periódica; o Diár io d e Notícias publicou, ent re 1866 e 1898, uma

coleção de 22 volumes de romance h i s tórico , contos , me mórias e folhet ins , ent re

originais e t raduções .

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arlequins servidores de doi s amos, careciam da boa apreciação do

público , para o desenvolvimento da sua produção e fomento da

divulgação das obras. Tanto os editores, como os empresários teatrais,

defendia m as suas empresas com a escolha de obras traduzidas e

originai s, que tivessem sido do agrado público, ou sido êxitos de

bilheteira . “Maldita raça de operários a nossa, onde se negoceia com a

inteligencia que Deos nos deu”, desaba fou Júlio César Machado em

“Carta a Francisco Palha” (1854: 30), troando a Garrett :

[Creio] pouco no futuro lit terario d’este paiz . Vejo tudo encaminhar -se a

um terrível estado, para as let ras e para o teat ro. Para o teat ro sobretudo,

pois que só obras est rangeiras são est imadas, e pois que há uma tão

decidida antipathia n’esta terra para tudo que nasce n’ella . […] Ao

menos nós os t roncos desta árvore grandiosa a que se chama geração

nova, não desistamos já da v ictoria sem emprehendermos o combate. A

lucta ta lvez não dê gloria, e todavia felizes os que não tem de ent rar

n’ella por necessidade (Machado 1854: 30 ).

A natural disposição do português, “ tímido”, “medroso”,

“prudente”, subjugado pela “hypocresia das institu ições”, impedindo

“criticar sem ofender susceptilidades”, conduzia , segundo ele, ao

desaparecimento da verdadeira comédia, da molier esca “eschola de

fi losofia e de moral” ( id ., ib id . : 27). Colocar os pares e os Barões

constitucionai s em lugar dos marqueses de Molière, comprometeria

politi camente qualquer autor, “sem honra nem proveito”, porque se “os

indivíduos que forma m a nação escutam e percebem, não se esquecem

nunca” ( id . , ib id : 28). A comédia Manuel Mendes, de António Xavier, e a

anónima farsa ornada de mú sica, A castanheira , do repertório da rua dos

Condes e do Salitre, r espetivamente, havia m aberto o ca minho da

comédia portuguesa, que o Giraldo sem sabor, ou uma noite de Santo

António na praça da Fig ueira , de Joaquim da Costa Cascais, fechava no

Teatro de D. Maria ( id . , ib id . : 29)116

.

116

Es ta comédia e m 3 atos , escri t a em 1843, fo i representada no Teat ro de D. Maria

II, a 31 de ju lho de 1846, com o t í tulo Uma noite d e Santo António na Praça da

Figuei ra (Bastos 1994: 301). As obras de Joaquim da Cos ta Cascai s , escritor e

oficial do Exérci to, de cunho acentuadamente português , foram edi tadas

postuma men te, e m 1904, por Maximi l iano de Aze vedo , em quat ro volumes da “Nova

Coleção Portuguesa”, à exceção de um excerto do drama Lei d os morgados (1869),

publ icado no Almanach Taborda para 1871 (Lisboa: Imprensa Nacional ) . Dessa

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Perdidas as “pretensões de ser escutada no teatro”, a comédia de

bom gosto estaria destinada à leitura de gabinete, ou aos palcos das

sociedades dra máticas amadoras mais requintadas. Para esta esfera

privada, ter -se-ia inventado a comédia -provérbio, “um in t ermédio do

drama à comédia, sem maldições, e sem punhaes, com puresa de estilo,

com belesa de ideia , e elegância de forma, primando mais a forma que a

ideia” (Machado 1854 : 30-31). O espírito de Musset coadunava -se com o

espírito do teatro de sala , onde se desculpava “a falta de acção, e onde

mais que tudo se [apreciava] o diálogo” ( id ., ib id . : 31), e o género

“aprimorado e mimoso” se harmonizava com um público selecionado,

como o da Sociedade Thaliense, para quem César Machado escreve u

Amigos… amigos (1853), ta l como o seu vice-presidente Almeida Garrett

havia escrito o Tio S implício e o Falar verdade a mentir . O estilo da

comédia deveria ser, segundo a s Leçons de rhétorique et des belles -

le ttres, do escocês Hugh Blair :

[Pur], élégant et vi f, rarement plus é levé que celui de la conversat ion

ordinnai re , mais jamais dégradé par des expressions grossières ou

t riviales. […] Une des plus grandes di fficultés pour un auteur comique,

celle qui a peut -être le plus d’i nfluence sur le succès d’un ouvrage,

consiste à conserver pendant toute la pièce un dialogue coulant, a i sé,

gracieux, sans roideur, et sans affectation de bel -espri t (Blai r 1845: I I ,

295).

As coleções económicas, que para implementar a venda de

assinaturas seduzia m os l eitores com brindes apelativos, a largavam

naturalmente o mercado do livro -folheto, a lém dos limites urbanos da

capita l, e, no ca so da obra dramática, forneciam materia l para as récitas

dos amadores dramáticos nas cidades de província , qu e de espectadores

se tornava m leitores, para se meta mor fosearem em atores. A vida cultural

das academias e assembleia s provinciais a limentava -se, pela rede postal,

dos êxitos dramáticos r epresentados pelas compa nhias i tinerantes ,

a lmocreves da arte de Talma, nos teatros locai s. A imateria lidade do

génio da representação em palco criava desejos de recriações à sua

natureza portuguesa dão testemunho os tí tu los dos dramas O Alcaid e d e Faro (1848) ,

O Castelo d e Faria (1843) , ou das comédias O Carnid e ou um camarada d e Marquês

d e Pombal , Nem Russo nem Turco ou o fanat ismo poli ti co (1854) , ou Nem César nem

João Fernand es ou os ext remos tocam -se (1865) .

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dimensão físi ca . Os palcos constitu íam -se como diora mas teat rais, como

montras tr idimensionai s de novidades literárias – comédia s, entreatos,

cenas cómica s, comédias -vaudeville , operetas – , uma imensa literatura

dramática de divertimento apelativo, capaz de fazer sobressa ir ta lentos

locais , tanto no domínio da interpreta ção, como no desenvolvimento da

própria produção de escrita provincial.

O folheto dramático impõe-se cada vez mais como mercador ia . O

crescimento do número de coleções dramáticas denuncia a exi stência do

mercado factí cio enunciado por Garrett , em que a variedade nem sempre

correspondia a qualidade, ma s que permi tiu que novos dramaturgos

fossem publicados, fru to da publicidade obtida em palco, da críti ca

teatral periodí sti ca , e, posteriormente, da recensão à obra, nos folhetins -

crónicas. Para o êxito do lançamento editoria l da obra con corr ia , por um

lado, o uso da dedicatória autoral, sem a legitimidade de “instrumento

para a captação de benefícios em dinheiro” (Santos 1985: 214), ao estilo

do século anterior, mas salva guardando uma “eficácia e validade como

meio de aquisição de capita l simbólico” ( id . , ib id . : 215), e, por outro, a

preocupação editoria l de servir as aspirações do público destinatário,

“dignos portuguezes, amigos das produções do nosso poét ico, e bello Paiz ”,

com a “ bella l inguagem portugueza, ataviada da assás d i fficil ( hoje)

original idade dramatica, que já se julgava exgotada nas Escó las Germanica,

Ita lica, Franceza” (apud Aragão 1853: [78]). É disto exemplo, a advertência

fei ta aos a ssinantes, na edição do drama de António Aragão , D. Pedro,

Duque de Coimbra :

[A empresa da Galeria Dramática] profundamente penhorada para com os

seus Assignantes (a maior parte dos quaes, laboriosos e honrados

Arti stas, cujo pão é fructo de hum improbo, mas honesto t rabalho) lhes

agradece a grande coadjuvação, que lhe hão prestado; sem o que este

Drama, verdadei ramente portuguez, e sem mescla de est rangei ro, nunca

veria a creadora luz. Todavia , não obstante apparecer ent re vós, Snrs.

Assignantes, já ataviado, e ufano, com a vida , que vós lhe déstes, á custa

do fructo de vossas fadigas, a mesma Empreza vos pede, Snrs., desculpa,

e indulgencia, pela falta de ordem e regularidade, que tem havido na

dest ribuição deste primeiro Drama, cuja falta ha sido mot ivada por

obstaculos, que infelizmente são mui to communs e t riviaes em todas as

emprezas l itterarias, desherdadas das grandes pro tecções e bens da

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fortuna: no ent retanto ingentes di fficuldades estão já vencidas (apud

Aragão 1853: [77-78]).

Este conjunto de fatores contribuía para a angariação de

subscritores, cujo conhecimento atempado salvaguardava o sucesso da

atividade editoria l , sobretudo no caso da lit eratura dramática, cujo

consumo se alargava a grupos especí fi cos, para a lém do públ ico leitor:

os curiosos dramáticos na s representações de t eatro de sala e dos teatros

particulares117

. Na década de 1850, o número de coleções (ou de

tentativas) duplica o número exi stente nas duas década s anteriores ,

incluindo a s coleções dos próprios t eatros públicos118

. Entre 1860 e 1879,

veri fica -se a explosão de empresas que apostam na comerciali zação dos

folhetos dra máticos, quer em forma de miscel âneas autorais, quer de um

único dra maturgo.

Jornal de comédias e dramas (1853)

Em 1853, a empresa do t eatro do Ginásio, pretendendo corresponder

ao “desejo que muitas pessoas mostram de possuir comedia s do sobredito

Theatro, tanto por mera curiosidade, como para representarem em

Theatros particulares, tanto em Lisboa, como das províncias”, criou o

“Jornal de comédias e dramas”, com o objetivo de publicar as peças “qu e

no mesmo Theatro [tinha m] merecido do publico, maior e mais decidida

aceitação”, crendo que este, enquanto “verdadeiro ju iz […] [decidia]

imparcialmente do mérito das mesmas obras” (advertência , apud Midosi

1853: contracapa). O preço avulso de 160 réis r eduzia -se a 120, por

assinatura , devendo esta ser endereçada, franca de porte , a Izidoro José

da Silva Lima , camaroteiro do dito teatro. Apesar das boa s in tenções, a

coleção não t erá passado dos tr ês número s, publicando obras imitadas do

francês, por Paulo Midosi júnior – O misantropo – e por Ricardo José de

Sousa Neto – As pequenas misérias e À porta da rua119. Com a saída de

117

A es te sector artí st i co se des tinou o periódico Neorama: jornal dos t eatros

públ icos e par ti culares, assembleias e acad emias phi larmónicas . Li sboa: Typ. de F .

A. da Rocha (nº 1 , 16/09/1843 – n º 10, 25/10/1843). 118

Cf. Apêndices – 2 . Tabela de coleções dramát icas no século XIX. 119

Esta comédia será reedi tada na coleção “Teat ro para r i r”, do edi tor António Maria

Perei ra, em 1860.

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Émile Doux, em 1848, e a transformação do repertório por influência do

maestro Miró, o Teatro do Ginásio, a “ópera dos pobres”, um dos

epít etos do templo da comédia (Sequeira 1939-41: III, 313), passou a

ditar o mote do sucesso de entr etenimento dramático de vaudevilles e

ópera s cómicas. O mercado editoria l não podia deixar de glosar o estilo

em outras tentativas: o “ Álbum theatral” , de Joaquim Augusto de

Oliveira , o da s mágicas, encetando a sua própria “colecção de comedias

accommodada s ao theatro portuguez”, que não foi a lém de dois números,

Útil e agradável (1857) e Izidoro o vaqueiro (1857) ; o “Theatro para rir”

(1857–1867), do editor António Maria Pereira , o “Theatro Moderno”

(1857–59; 1863-), do livreiro Miguel Cobellos , filho do velho ator

Teodorico (dos t eatros do Salitre e da rua dos Condes), e de Franci sco

Palha , e daquele o “Theatro de sala” (1858–1861).

Theatro para rir (1857 – 1861; 1867)

Em 1857, a Livraria Pereira , da rua Augusta nº 50 -52120

, lançou esta

“collecção de peça s jocosas tanto inéditas como já applaudidas nos

theatros públicos e própria para récitas de qualquer teatro particular ”, a

cujo sucesso se associou a edição do “romance contemporâneo”, de Júlio

César Ma chado, A vida em Lisboa (1858) , que fez prosperar o modesto

editor António Maria Pereira , e que levou o folhetini sta , em colaboração

de escrita com Al fredo Hogan , a criar a versão cénica da obra, que o

supracitado A. J . F. Lopes editou em 1861.

“Theatro para rir” compreendeu quatro séries121

, entre 1857 e 1861,

e uma quinta , em 1867, que apenas publicou a comédia -imitação O

século XVIII e o século XIX, de Guiomar Torrezão. Ainda qu e referida

super fi cia lmente no Dicionário b ibliográfico , de Inocêncio da Silva , a

coleção encontra -se documentada no espaço promocional r eservado no

120

Foi fundada em 184 8. Por morte do fundador, sucedeu -lhe seu f ilho António Maria

Perei ra , que fez expandi r o negócio , quer em ter mos de ins talações , quer na

produção editorial . A respeito do hi storial des t a casa editora, cf. C ORR E IA , R i ta

(2012), “Branco e Negro , semanário ilus t rado”, f i cha h is tórica da He meroteca

Digi tal [hemerotecadigi tal .cm-l i sboa.pt /FichasHistoricas /BrancoeNegro.pdf]

(consul tado em 29/05/2016). 121

Cf . Apêndices – 4. Tabela de publicações dramát icas de “Theat ro para r i r”, de

António Maria Perei ra (1857 – 61; 1867).

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ver so da capa das di ferentes obras, definindo como padrão a publicação

de dez obras, a 100 réis, a que acresce uma décima primeira , como

“suplemento”, com menos página s, e, por i sso, mais económica, a 60

réis. O comprador de uma série completa recebia grátis o respetivo

suplemento . Num total de 45 obras, divulgaram -se as obras de

dramaturgos populares coevos – Luís António de Araújo122

, sénior e

júnior , Jú lio César Machado, Ricardo José de Sousa Neto123

, José de

Torres124

, José Carlos dos Santos, Pedro Carlos de Alcântara Chaves e

Joaquim Augusto de Oliveira – , associados aos t eatros do Giná sio , da rua

dos Condes e da s Variedades (Salitre), entre comédias em um ato,

originai s e imitações, comédias vaudeville , farsas e, pela primeira vez,

modalidades espetaculares breves, como entr eatos e cenas cómica s, que

permitiam constitu ir o típico r epertório da s récitas de teatros

particulares, ou de soirées beneficentes, imitando a s do Ginásio. Em

1867, o Boletim do governo de Macau e Timor noticiava uma

representação dada por sargentos do batalhão de linha de Macau, a 29 de

setembro, a favor de um projetado a silo de ór fãs e desvalidas, que se

transcreve, pela curiosidade informativa:

Os actores, sob os auspic ios do intel igente al feres Carvalho, o qual fora

guiado pelos conselhos do benemérito commandante do bata lhão,

122

Formado em Di rei to pela Univers idade de Coimbra, Luís de Araújo sénior era

f i lho de out ro Luís António de Araújo , que t raduziu a His tória cr ít i ca do Teatro na

qual se t ratão as causas d a d ecad ência d o seu verd ad eiro gosto (1779), obra

des tinada a “servi r de cont inuação no Theat ro de Manoel de F i guei redo” e oferecida

ao rei -consorte D. Pedro III. Escre veu obras dramát icas de costumes populares ,

ornadas de couplets , como o Juiz elei to , que Garret t cons iderou ser a primei ra cena

de cos tumes salo ios em Portugal . Seu fi lho , Luís António de Araújo júnior foi

empre gado público e in iciou a sua carrei ra li t erária aos vin te anos. Foi colaborador

de d iversos periódicos e autor de vários almanaques ; revi veu o de José Daniel

Rodrigues da Cos ta , como Novo almocreve d as petas (1871) , além do Almanach d e

Luís d e Araújo (1871 – 1902) . Foi um fiel observador dos costumes populares , de

que se serviu para os fo lhetins e para os enredos das suas peças , a s quais

al imentaram o Teat ro do Ginás io na segunda metade de Oitocentos 123

Era oficial da secretaria da câmara dos deputados , dedicando -se à l it eratura

dramát ica nas horas va gas . Apenas imi tou comédias , que foram represent adas no

teat ro do Ginás io , sendo bastante aplaudido. (S ilva 1906: XV II, 274) 124

Natural de Ponta Delgada (Açores) , fo i desde mui to cedo funcionário do Es tado,

primei ro como a manuense da Contadoria da Fazenda e, depois, como oficial da

secretaria da Câmara Municipal da sua cidade, e como oficial do Governo Civi l .

Quando viajou para o Continente, empregou -se no Ministério das Obras Públ icas .

Dedicou-se ao jornali smo pol ít i co e l i t erário em di versos periódicos , t anto

açorianos , como cont inentai s . Foi colaborador de O Panorama, A Il lustração Luso -

Brasi lei ra , Archivo Pi ttoresco e Archivo Universal , ent re out ros (Si lva 1858 -1911:

V , 175).

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desempenharam-se com muita habi lidade dos papeis de que se

encarregaram. O expectaculo compoz-se das comedias: Amasonas

piemontesas, A costureira, O marido v ictima das modas, O capelão do

regimento, e Cada um no seu lugar. Nos intervalos houve a scena cómica

O meu amigo banana, e umas variações sobre a Somnambula , obrigadas a

cornetim. A so irée teat ra l acabou assim bastante tarde, mas o publ ico

conservou-se até ao fim da noite animado e sat i sfe ito com o desempenho

do expectaculo (1867: XIII , nº39, 231).

Este repertório, baseado na comédia de costumes, procura va trazer

para a ribalta a ironia crítica da hi stória social do seu tempo, tornando -se

popular pela forma como o público se identi fica va com os tipos

retra tados, constru ídos a partir de traços externos e super fic ia is do

modelo social representado. Se, nas peças em tr ês a tos, a estru tura

narrativa contempla a apresentação das personagens e da situação, no

primeiro ato, para as desenvolver e problematizar no segundo, e a tingir

um desfecho plausível, no t ercei ro, nas peças de ato único, a crónica

social condensa -se num epi sódio momentâneo, que expõe u ma intriga

ligeira , sem pretensões intelectuais, importada do vaudeville francês, ao

estilo de Scribe. O teatro era vi sto “apenas como di stração”, afirmava

Biester na “chronica semanal” da Illustração Luso -Brasile ira

(28/06/1856: 8):

Houve tempo em que se compraziam de i r chorar para o t heat ro,

apreciavam as comoções fortes, hoje só querem rir. […] O romant ismo

passou. P referem o posi t ivo à idealidade. Os burlescos são os que mais

agradam à pla téa . Triumfa a gargalhada; só esta os enthusiasma

(Illustração Luso-Brasilei ra , 28/06/1856: 8 ).

Os dramaturgos, oriundos da cla sse média trabalha dora,

transformavam a realidade que conheciam numa ilusão, sentida pelo

público como realidade exemplar, como uma pequena provoca ção que o

satisfazia . Assi stia -se à exibição de uma vivacidade e à exaltação de um

sentido popular, equivalente “na vida real ao que o boneco articulado é

para o homem que anda: um exagero assaz artif icia l duma certa rigidez

natural das coisa s” (Bergson 1993 : 77). A popularidade de algumas obra s

deu ensejo ao prolonga mento da intriga, em sequelas dramáticas

folhetinescas, quer do mesmo autor, co mo Alcântara Chaves,

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desenvolvendo a história do Desca sca -milho, quer de autores diferentes,

como Luís de Araújo sénior, cujo Mestre Igreja muito em cima cont inuou

o sucesso cómico de Por causa de um algarismo, de seu filho Luís de

Araújo júnior . Para desempenhar com “muita habilidade” os papéi s, os

“curiosos dramáticos” sofr iam o escrutínio severo do público, que exig ia

o desenvolvimento das suas capacidades de observação e a propriação

formal dos modelos sociai s, pilares interpretativos do “bom

desempenho”125

.

Theatro Moderno (1857 – 1859; 1863)

Miguel Cobellos, enquanto representante e gerente da Livraria da

Viúva Marques & Fi lha fundou, como editor li t erário, esta “collecção de

obras dra máticas r epresentada s com aplauso publico nos theatros

nacionais” , com o objetivo de proporcionar aos amadores da literatura

dramática uma seleção de peça s “ já sancionada s pelo voto público, por

preço tão diminuto quanto possível, e de emancipar ao mesmo tempo os

autores da tu tela que ordinariamente sobre eles e xercem os editores”

(Silva 1858-1911: VII, 298-99). A coleção, que se propunha “publicar as

obras dos nossos melhores authores”126

, organizou-se em séries de sei s

folhetos ordenados sequencialmente127

. Vici ssi tudes d iversas levaram

Cobel los a ceder a responsabilidade editoria l a Francisco Palha , que

cont inuou, enquanto Empresa do Theatro Moderno , a té ao número 36, da

sexta série, em que terminou ( ib id . : ib id .) . Em 1863, o livrei ro Manuel

Campos júnior adquiriu a coleção, cuja estru tura manteve, acrescentando

três novas séries, a té 1864, em que deixou de graf ar a data de

publicação, embora continuasse publicando obra s dramática s sob esse

títu lo, contando então com António de Sousa Bastos , como editor

li terário.

125

A es te respeito cf . Parte III – Quat ro t eorizadores da práti ca t eat ral. 4 – Augus to

Garraio : o alarga mento da es fera de a ção do teat ro . 4 .1. – Um “guia prát i co” de

formação de atores : o Manual do Cur ioso -dramático . 126

Indicação do prospeto in icial , reit erado no verso da capa das d i ferentes edições. 127

Cf . Apêndices – 5. Tabela de publ icações dramát icas de “Theat ro Moderno”, de

Miguel Cobellos e F rancisco Palha (1857 – 1859).

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Em 1857, apontam-se indícios de que a empresa não estive sse a

correr nas melhores condições editoria is, por um lado atribuído ao surto

epidémico que assolou Lisboa, e, por outro, denunciando problema s com

a tipografia , e com os assina ntes, a quem se roga va sist ematicamente que

procedessem ao pagamento aprazado das subscrições a través dos

correspondentes regionais, em lista impressa128

, evitando a “ interrupção

na remessa”129

. Na realidade, a exi stência de edições duplicadas, em 1857

e 1858, na primeira e segunda série da coleção, indicia a rutura entre

Franci sco Palha, Miguel Cobellos e a própria livraria , a inda que os

folhetos a í continuassem a ser vendidos. Este assumiu então a

responsabilidade do Teatro de Sala130

.

O títu lo da coleção aponta para nova forma de representação do

pensamento através da obra dramática, identi fi cando -a com o tempo em

que se vive, e se figura na cena. Um conceito que desloca a estru tura

percetiva da ilusão fanta siosa da r ealidade melodramática para uma

análise da realidade social, pela observação da “comédia humana” fora

de cena. O di scurso sustentado por imagens, metá fora s e analogias,

converte -se em conceptual, quantita tivo e rigoroso, exigindo qualidades

128

Joaquim José Antunes da Si lva Montei ro , Braga; Claudino Augus to César Ga rcia ,

Bragança; Ol ímpio Nicolau Rui Fernandes , Coimbra; Pedro de Medei ros e

Albuquerque , Figuei ra da Foz; Luís Joaquim Lei tão , Lei r i a; F rancisco Palha e

Miguel Cobelos , Li sboa; Jacin to António P into da S ilva , Porto e Joaquim José de

Al meida, Vidiguei ra. 129

Não se t rata de uma coleção económica, con venha mos . Em 1858, na ediç ão de O

Mordomo d’ Harvill e (II – 4 ª série – nº 20) , de Correia Leal , o catálogo informa que

a coleção pode ser adqui rida por ass inatura de sei s números , estampi lhados

(província) ou a vulsos . A 1ª série apresenta preços de 500, 570 e 900 réi s ,

respetiva mente; a segunda sofre um aumento de 15% (660, 760 e 1120 réi s ); a

t ercei ra si tua-se em valores próximos dos in iciais (560, 630 e 900 réis ) . 130

Esta “colecção de comédias , de apuradíssima escolha” (Gazeta d e Portugal , nº 1 ,

09/11/1862:4) saiu “com largas e indeterminadas in terrupções” (S ilva 1858 -1911: V II, 300), t endo s ido apenas impressas cinco obras , duas das quais t raduzidas pelo

próprio Cobelos – uma peça ant iga de sucesso , o Romance d e uma hora (Roman

d ’une heure, de Hoffmann) e Graças a Deus! Es tá a mesa posta (Dieu merci ! Le

couver t es t mis , de Léon Gozlan ). Foi t ambé m publ icado o provérbio t raduzido por

A. P . Lopes de Mendonça, Uma por ta d eve estar aber ta ou fechada (Il faut qu’une

porte soi t ouver te ou f ermée, de Al fred de Musset ), e as comédias de José Gui lherme

de Santos Lima, Rochedo d e constância e Zizania entre o tr igo . Cobelos t raduziu

Invraisemblance ou His to ire d ’un mort racontée par lui même (Um morto narrando a

sua hi stór ia: uma inverosimilhança , Lisboa, 1856) , de Dumas pai , e dedi cou-se à

Li teratura para caminho -de-ferro , em Contos elect r icos , na estei ra dos Contos a

vapor, de J . César Machado, ambos edi tados p elo edi tor Manuel Campos júnior .

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de objetividade, análise e profundidade, “doutrina” que Mendes Leal

prescreveu a partir do “castigat mores do teatro antigo”:

[O] escriptor deve ser como um sacerdote , que a nenhuma classe ha de

cotejar nem incensar, e a cada uma t ransmi te a palavra de Deus, i sto é, a

verdade! Seja qual for a forma de arte que se adopte , é só com este facho

e terno, com este sol de sabedoria, como lhe chamam os l ivros ant igos,

que verdadei ramente se il lumina e illust ra o mundo. […] Aspi rando a

pintar a sociedade como el la é, não podia levantar um patíbulo a cada

desenlace, para sati sfazer os que imaginam que só no cadafalso há

moralidade. Para o author está mais alta e vem de c ima: pensa que

também a ignominia e a humilhação é castigo às vezes mais eficaz e

poem a recompensa das vi rtudes na est ima que estas inspi ram do que nas

remunerações palpáveis (Mendes-Leal 1858a: 3).

Idêntico “principio de consciência , acima de todas a s t eorias

estheti cas” ( ib id . : ib id .) enunciado por Mendes Leal em O tio André que

veio do Brasil (1857)131

, aplicava “a sátira social aos vícios da minha

época e da minha pátria […] trabalhar no melhoramento desta ”. O teatro

pretende t er a mesma força que o panfleto políti co. As “veementes

discussões na imprensa política”, sobre a “praga da aliciação” e o

“sist ema de engajados”, promovendo um “imo ralíssimo tráfico”

(Mendes-Leal 1857a: 3), não de colonos, mas de escravos, serviam de

motivo para a denúncia dramática da escravatura branca, tão vergonhosa

para Portugal, quanto para o Brasil132

; as mesmas preocupações que Braz

Martins manifestará em Bons frutos de ruins árvores (1858), Francisco

da Costa Braga , em Paulo e Maria ou a Escravatura branca (1859), e

Gomes de Amorim, em Alei jões sociais (escrita em 1860) – que subiu à

cena com o títu lo A escravatura branca. Todos pretendem reviver

impressões dolorosa s, sob a forma dra mática:

Não se cohiba que cada um possa ent rar ou sai r do paiz, como e qua ndo

lhe aprouver; mas inst rua -se o povo, por todos os meios possíveis, acerca

da infe liz sorte que tem o maior numero dos que emigram. […] É preciso

dizerem-se estas verdades bem alto na imprensa e na t ribuna, para que

131

Peça de reabertura do novo Teat ro do Ginásio , em 1852, juntamente com a

imi tação de Paulo Midos i júnior, O Misantropo, editado pelo Jornal de comédias e

dramas (nº1) , e a comédia de Braz Martins , O Homem d as botas ( inédita) (Sequei ra

1939-41: I I I,322). 132

A es te respei to cf. B A RBO S A , Rosana (2003), “Um panora ma hi s tórico da

imigração portuguesa para o Bras il ”, revi s ta Arquipélago. História, 2ª série, VII

(2003), pp .173 -196.

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cheguem ao conhecimento de todos, afi m de que ellas suppram a

difficiencia das lei s. N’este d rama, escripto sem a menor idéia de ofender

portuguezes ou brazile iros, não há um único facto, que não possa provar -

se com documentos públicos. […] O meu fim é corrigi r e não difamar

(Amorim 1870: 13-14).

O palco refl ete experiências de vida, arvora -se em simultâneo

crónica de jornalismo e caricatura pictórica , “arma terrível, mas não

desleal” , “espelho que engrossa as feições e torna os objectos mais

salientes” (Queirós [s.d.]: I , 248, apud Carvalho 2013: 36), e e labora um

discurso sobre o indivíduo, para evitar a tentação da falsidade. Da fusão

desses doi s elementos surge a efi cácia da função t eatral, veículo de uma

cultura à la porté de tout le monde . Nessa perspetiva, a qualidade

interpretativa do s atores assumia um papel importante enquanto

intérpretes -transmissores dos sentimentos autorais e dos espectadores .

Quando o “principal merecimento derivasse no diálogo”, deveria o

desempenho ser “estudado esmerada mente e r ealisado com primor”

(Vasconcelos 1871: IV) . Nisso residia a apreciação do mérito em cena,

sustentado por Almeida Garrett133

, e defendido mais tarde por Luís da

Costa Pereira – que também fora do grupo do Trovador – , ao adaptar a

teoria darwini sta sobre a expressão dos sentimentos à metodologia de

trabalho do aprendiz a a tor134

. Se exi ste uma filosofia que sustenta a arte

dramática, então ela também estará contida na arte de representar.

A modernidade de “Theatro Moderno” revela -se a inda na relação

temporal próxima entr e a edição cénica da obra dramática e a sua versão

impressa, indicando uma rutura com os princípios arquivi sta s da primeira

metade da centúria , para convocar o sucesso teatral na memór ia recente

do espectador -le itor. As tr ês primeiras obras – a ópera-cómica Palavra

de Rei!, do novel ari stocrata -actor César de Lacerda135

, as comédias O

133

Cf. Parte II – A missão const ru tiva da Arte Dra mát ica. 134

Cf. Parte III – Quat ro t eorizadores da prát i ca t ea t ral – 3. Luís da Costa Perei ra: a

defesa de um sent ido pedagógico. 135

De ascendência ari s tocrata, César de Lacerda co meçou co mo aspi rante da Escola

Na val . E m 1846, aderiu à Junta Revolucionária, na re volução do Minho, ou da Maria

da Fonte. Regressando à Escola Na val , fo i perseguido pelas suas con vicções

polí ti cas , ingressando então no Exército (Regimento de Art i lharia Montada).

Parti cipou cont ra vontade na re vol ta de 6 de outubro, que l evaria ao reacendimento

da guerra ci vi l , a Patu leia. Após a convenção de Gra mido, Lac erda deixou o exérci to

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anjo da Paz, de José Carlos Santos, e A República das Letras, de

Franci sco Palha – eram obras de sucesso, r epresentada s no ano anterior

ao da sua impressão, aquelas no teatro de D. Fernando , e esta no

Ginásio. A edição de Um noivado no Dafundo vem expor a esfera privada

do t eatro de sala , para colmatar as v ici ssitudes e fazer vingar a empresa

“à sombra do nome ilustre do Visconde d’Almeida Garrett ” . Esta a titude

controversa, face à vontade do seu falecido autor, a testa o desejo de

pagar “com muito respeito e muito entusiasmo” o “peregrino t a lento” do

“Divino” (Palha 1858: 3), que apontara o caminho da irreverência .

A coleção r eúne autores da escola romântica que partilha vam o

mesmo denominador comum anti -cabralista . Franci sco Palha , o “poeta

humorí stico” (Fortes/Sa mpaio 1936: 426), é o único desta geração que

passa impune na apreciação mordaz da Sombra de Cícero (pseud.) , que

elogia a sua compreensão da época e da terra , que conseguiu fazer “da

asneira o degrau para ascender ao capitólio”, e de Fábia e da Morte de

Catimbao “dois padrões lit erários de imorredoura glória” (Cícero 1987:

267). O autor da Verdadeira luz derramada na questão literária e

supremo remate a ela (1866) é pródigo; dedica -lhe um “epitáfio

deslumbrante”, em futuro “que os deuses para longe reservem”:

Ao de Palha Chico extinto

Homem de pilhas de graça ,

Que só na vida achou sério

O méri to da chalaça,

Sagra a Pát ria agradecida

Em paga dos disparates

Para Panteão um nicho

No palácio dos orates.

(Cícero 1987: 267)

Franci sco Palha, com João de Lemos, havia pertencido ao grupo

coimbrão de O Trovador (1844 – 1848), com especial destaque para este,

e ent rou para o Teat ro de D.Maria II , como di scípulo do ator Epi fânio, es t reando -se,

em 1850, na peça O herdeiro do Czar. A sua es t rei a como dramaturgo f ez -se com a

comédia A ass inatura d e El -Rei , a 1 de j anei ro de 1853, no mes mo teat ro . Foi

empresário , autor , ensaiador, e escreveu todos os géneros dramát ico s . Duas das suas

peças foram i mi tadas em cas telhano, por José Inácio de Araújo e representadas em

Madrid : A probidad e , como La fragata Belona (Madrid: Imprenta Viuda y Hi jos de

D. José Cues ta, 1862) e Dois mundos, como Los pecados d el sig lo XIX (Madrid:

Imprenta T. Fortanet , 1863)

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que fora colaborador dir eto de António Xavier Rodrigues Cordeiro ,

principal redator desse “órgão renovador do r omanti smo ga rrettiano”

(Fortes/Sampaio 1936: 417). Palha escrevera duas tragédias heroi -

cómica s e uma paródia à ópera Lucia de Lamermoor – Fábia (1848) [136

] ,

A morte de Catimbao (1850) , e O andador das a lmas (1850)

respetivamente – , “obscuros e humildes escritos”, que o autor colige sob

o títu lo genérico de Paródias (1859) , no derradeiro folheto da coleção:

Ahi vão as t rês manas de acerta o passo. Nunca se pi lharam tão janotas;

é a primeira vez que saem de capa. Quem as vi r ha -de dizer que vão

todas presumpçosas. Pois enganam-se: – não as conhecem. Nenhuma

déllas é vaidosa, – coitaditas; nem janelle i ras – e mais é esse o sest ro das

raparigas de agora. // Deixem-nas i r com os olhos baixos andando o seu

caminho, e não contendam com as pobres envergonhadas. Se lhes

jogassem a mais pequena cufa – tínhamos faniquito. Mas costumadas,

pela delicadeza e bondade com que as t ra tou aquella santa gente do

theat ro do Gymnasio – qualquer beli scãosito que lhes pespegassem hoje

era caso para eterna chorade i ra , tenham dó d’estas creanças (Palha 1859:

3; itálico original ).

O seu espírito esfusiante abriu caminho à introdução de novos

géneros: a r evi sta do ano, Lisboa em 1850, coescrita com Latino Coelho,

e as parodí sticas óperas -cómica s de Offenbach, de quem foi tradutor.

“Theatro Moderno” , que principiara com uma obra musica da, editou

ainda a farsa -lír ica de Duarte de Sá, Os trabalhos em vão , e revelou a

cena-cómica de Paulo Midosi júnior, O senhor José do Capote assistindo

à representação do Torrador (1857), paródia burlesca à ópera do

Trovador, coroa de glória do ator Taborda , dedicatário da obra, e a sátira

aos poetas romântico s, do mesmo autor, Entre a b igorna e o martelo . O

ecleti smo da coleção não esquece a moda feita de importações francesas:

a féerie ou melodrama -fantásti co, dita “mágica” – A loteria do diabo ,

possível “acomodação” à cena portuguesa, em coloração de escrita com

Palha , de Les pilu les du diable (1839), de Anicet -Bourgeoi s, Laloue e

136

Foi representada pela primei ra vez por u ma sociedade part i cular , em 13 de

outubro de 1848. Em 1850, subiu à cena do Teat ro do Ginásio e do Teat ro

Acadé mico de Coimbra. (Palha 1859: 5)

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Laurent137

– , a comédie mélée de vaudevilles ou comédia -vaudeville – A

coroa de louro – , e a revista do ano – Revista de 1858 – , que privilegia m

o mesmo autor popular, Joaquim Augusto de Oliveira , o célebre Ol iveira

das mágica s, representada s no Teatro da s Variedades (Salitre).

Originária dos bailados de corte dos séculos XVI e XVII, a féerie

caracteriza um género híbrido, cuja ação funde uma fábula

melodramática com o desejo de fantasia e espetáculo. Os efei tos das

pantomima s dos atores ita lianos contratados por Cat arina de Medici s

para distração da corte de Henri IV, que apreciava a magia das

transformações, prolongaram -se no tempo, l evando à construção de

teatros apropriados e de obras dramática s cada vez mais e laboradas. No

século XVIII, o género encontrou no públ ico de feira o aplauso que fez

definir regras especí fi cas de um repertório , que atraiu autores como

Marivaux – Arlequin poli par l’amour (1720)138

– , ou Favart e Duni,

transmutando o conto de Voltaire , Ce qui p la it aux dames e o de

Chaucer , The wife o f Bath , em La fée Urgèle: comédie mélée d’ariettes

(1765) , ou mesmo Beaumarchai s , cujo Tarare, com música de Sali eri ,

ecoa os mesmos t ema s políti cos, subversivos e r evolucionários que

granjearam fama à La fo lle journée ou le mariage de figaro (Lévy

1992)139

. O prodígio do univer so das fadas, sonhos de noites de Oberon e

T itânia , conquistou a cena, surpreendendo a s plateias com fábulas

europeia s – La belle au bois dormant (1799) (Pérault/ Caigniez) – , e

contos orientais – Ali-Baba (1833) (Mélesville / Scribe/ Chérubini) ou

Les mille e t une nuits (1843) , dos irmãos Cognard (Charles -Théodore/

Jean-Hippolye) .

Em grande parte da s féeries (mágicas), o enredo serve como

pretexto para o desenrolar cénico da vi sualidade cenográfica , cuja

multiplicidade de quadros permite viajar a través do espaço e do tempo, 137

Es ta parceria é composta por um escri tor , um e mpresário -autor e um a tor -autor ,

respetiva mente. Torna -se claro que a escri t a para cena, como no caso destas obras de

grande espetáculo , congrega m vários saberes , d i recionados para o mes mo objet ivo . 138

Cf. RO BERT , Raymond (2007), “Marivaux lecteur de Mme Durand”, Féer ies , 4,

2007, pp .105 -116. [h ttp: // feeries . revues .org/313#tocto1n1 ] (consul tado 01/05/2015) 139

Cf. LEVY , F rancine (1992),”Tarare : l ’opéra de Beaumarchai s dont Mozart n’a pas

écri t l a mus ique”, Bulletin d e l ’Association Gui llaume Budé, année 1992, volume 1 ,

nr .1 , pp .87 -99 [h ttp: //www.persee. fr /web/ revues /home/prescrip t/ arti cle/bude_0004 -

5527_1992_num_1_1_1493 ] (consul tado 01/05/2015).

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tendo como único protagonista teatral o maquini sta e a sua trupe, que, de

acordo com as diretri zes do encenador, fazia surgir as transformações

que metamor foseava m a r ealidade teatral em perfeita ilusã o onírica ,

convidando o atónito espectador a entrar num universo maravilhoso e a

participar de u ma festa dos sentidos, como Verne e Dennery, em Voyage

à travers l’ impossible (1882). O jovem barão Georges de Traventhal, um

sonhador de viagens, como o espectador na plateia , bebe u ma poção

mágica (a ilusão teatral) e parte à aventura (o espetá culo). Os mundos

escondidos dos ares, da terra e dos mares desvendava m -se, proclamando

a ciência , transfigurando o primordial imaginário de criança em sonho de

adulto, numa Volta ao mundo em oitenta d ias [140] . É a arte da encenação

que ganha pergaminhos de mérito artísti co, conduzindo à teorização de

Louis Becq de Fouquières, L’Art de la mise -en-scène (1884)141

.

Dennery torna o espetáculo edi fi cante; o cómico grotesco

transforma-se em diálogo divertido, que transmite uma moralidade, como

em Les sept châteaux du diable (Os sete castelos do diabo), traduzido

por Carlos Silva Pessoa142

, autor de O leilão do diabo (1863). Figura sem

tempo da literatura , o dia bo romântico da mágica surge como um herói,

belo e bem-falante. Impõe-se pela vi são parodí stica que apresenta da

sociedade, do lado obscuro do ser humano, da angúst ia romântica, de

uma sociedade burguesa, que abandonara as super stições ant igas, e se

debatia com novos demónios. Aristides Abranches traduziu Les pilu les

du diable (As p ílu las do diabo), dos irmãos Cognard, e Joa quim José

Anaia imitou do francês um Raphael, o p intor endiabrado 143, cujo títu lo

definitivo, Raphael-Diabo, parece evocar um Robert-le-diable (1831),

motejando uma vi são “vaudevilesca”, de arquétipos grotescos, em que o

diabo encarna a crítica aos vícios, à corrupção, ao oportunismo

140

Eduardo Garrido t raduziu Le tour d u mond e en 80 jours , grande espetáculo em 6

atos , de Jules Verne e Adolphe Dennery, es t reado no Teat ro da Trindade , e m 1883,

com repos ições posteriores (Bastos 1904: 304). 141

Cf . Parte III – Quat ro t eorizadores da práti ca t eat ral. 2 . Augus to de Mel lo : o r igor

da escrit a de cena. 142

Tradução sem data, nem local de impressão, pertencente à coleção “Biblio theca do

archivo do povo” (BN). 143

Em 1868, para ser representado por alunos no teat ro da escola Académi ca, Anaia

adaptou o enredo ao local, int itu lando -o O colegial endiabrado, que teve edição

impressa na coleção “Bibl io teca Lisbonense”, de que falaremos adiante.

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financeiro e político. É o espetáculo da sociedade pa ssado em revi sta de

forma simbólica, de cuja fórmula a revi sta do ano se a propriará ,

transformando as personae dramáticas em alegorias de paródia , figuras

críticas dos “ sectá rios do moralismo […] que desmentem a religião e o

evangelho, fazendo -se exclu sivamente materia listas” (Mendes -Leal

1858a: 4) , como na vi são de “um curioso observador”144

, que assina a

“comédia satír ica e fantasmagórica” Os melhoramentos materia is , ou

Revista do ano de 1859 , levada à cena no Teatro do Giná sio , e proibida

pela autoridade após alguns dias de r epresentação.

Não sendo objetivo dá -la à esta mpa, Andrade Ferreira sent iu-se na

obrigação moral de expor a obra , para que o público -leitor a ju izasse dos

motivos que haviam levado os “insofridos e picho sos fi scai s da

moralidade publica”, os “zelosos almotacés dos melindres pessoaes” a

“correrem ao mini stério do r eino a bradarem que no Gymna sio se estava

crucifi cando […] os caracteres mais honestos e intemeratos da republica”

(Ferreira 1860: III -IV) . Em abono do seu bom nome, prefaci ou a obra,

transcrevendo o parecer do censor Silva Tullio :

Sendo o argumento de taes composições e chamamento a juizo de todos

os sucessos notáveis durante o anno, personi ficados e m diversas figuras

que fa lam, e julgados pelo lado comico, cumpre que o poeta, visto não

ter que fabular, jamais descaia para o terreno em que Aristophanes tão

escandalosamente li sonjeou a insolencia democrática dos at henienses,

escarnecendo e calumniando, perante o povo, os homens mais d ignos e

benemeritos da Grecia (Ferrei ra 1860: IV-V).

Apesar de se ter desviado do “escolho”, foram -lhe indicadas as

correções necessárias à representação em teatro de segunda ordem. Após

a estreia , uma portaria denunciou a duvidosa qualidade da obra, “cheia

de personalidades, grosseria s e ditos de mau gosto” ( id . , ib id . : vi) . A

representação foi suspensa e o autor veio defender o seu bom nome e a s

boas intenções, invocando um possível complot de Franci sco Palha , já

que a portaria surgira em papel usado na sua repartição. Andrade

144

Pseudónimo do jornali st a pol ít i co e l it erário José Maria de Andrade Ferrei ra .

P roduziu crí ti ca dramát ica e l i t erária na I lus tração Luso -Bras ilei ra e em A Pátr ia ,

em 1858, que comp i lou em Li t t eratura , mús ica e bel las ar tes (1871-72) . Publicou

també m biografias de atores e at ri zes na Galeria Ar tí s ti ca (1859) e na Revista

Contemporânea d e Por tugal e Bras il ( tomos II e IV) .

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110

Ferreira levou a defesa ao extr emo de analisar a qualidade parodí stica

das obras de Franci sco Palha, e de r edigir uma breve resenha sobre “o

que é u ma revi sta do ano” ( Ferreira 1860 : VIII) , os exemplos

estrangeiros, ingleses e franceses, e nacionais, especiali zando as revi stas

de Braz Martins e de Joaquim Augusto de Oliveira . O seu melindre

contra os “inquisidores” políti cos e li t erários a testava a “ levia ndade” de

todo o processo. O público – o eterno “respeitável público” evocado em

Lisboa em 1850 – que lesse e v isse quem tinha razão em apelar para a

imprensa, “se os Tartufos mexeriqueiros, se o auctor” ( id ., ib id . : XI) .

Fosse como fosse, as paródias oscilavam entre a “fa cecia antiga

portuguesa, sinceramente lorpa e boa” e a “ ironia moderna, o r iso

amargo da decadência que espuma fel pelos lábios lívidos” (Branco

1887: I , xv), consubstanciado numa citação de Léon La Forêt145

, por

Castelo Branco:

On ne rit plus aujourd’hui , on ricane. Si l’on fait parfois de l’espri t,

c’est de l’espri t facile , aux dépens du prochain. On ne ri t plus que pour

mordre, et le plus grand poëte de not re t ri ste temps pourra it lui appl iquer

ce vers, où il ne voit dans le ri re qu’une menace: d’une bouche qui rit on

voi t toutes les dents (Forêt, apud Branco 1887: I, xv).

Irreverente, irónica, subver siva, como se constata , a pa ródia

retomava o espírito antigo de r ebeldia contra o institucional, sem nada

respeitar e fa lando “das coi sas que o indivíduo mais a ma” (Queirós

[s.d.]: I , 139, apud Carvalho 2013: 56), a través daqueles que o público

mais ama, fossem atores, autores, ou obra s de sucesso, êxitos de

bilheteira . A sátira que “amassa com o seu fel e a sua cólera ” torna-se

“épica”, de acordo com o “mais a lto princípio da inspiração […], o culto

da beleza moral, da espiritualidade hu mana” , afirmava Antero (apud Pato

1894-1907: I, 327). A irisão, despertando medos, não podia ser de

aceitação consentânea , por razões que Rebelo da Silva enunciou :

A risada, que esta la satí rica e motejadora sobre uma obra séria,

sa lpicando as severas roupagens da arte , de lantejoulas e ouropéis, não

nos a legra, nem nos a t rai . Há o que quer que é de i rreverente e de

145

Trata-se de u m excerto da cr í t i ca de Léon La Forêt , publ icada originariamente no

periódico Le T intamarre, em 1861, inclu ida na edição de Les Contes Rémois , do

Comte de Chevigné (Pari s: Michel Le vy, 1864, 6ª edição, pp.265 -68) .

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forçado nessas contorções burlescas do belo, que indispõe cont r a elas

(apud. Lima 1930: 5 ).

A paródia “ transforma ironicamente um texto preexi stente” (Pavis

2003: 278), nunca esquecendo nessa relação de di stância crít ica o a lvo

parodiado. Prefaciando Les poètes parodistes , Paul Madières (1912: I)

cita o Dictionnaire de Trévoux (1771) , sobre a s espécies de paródia:

(1) Mudança duma só palavra num verso. (2 ) Mudança duma só le tra

numa palavra . (3 ) Aplicação, fe ita sem mudança, mas maligna, de alguns

versos conhecidos. (4 ) Versos no gosto e no estilo do autor que se

pretende parodiar. (5) Trechos, em prosa ou verso, dum autor, que se

aplicam a um out ro assunto e a um out ro sent ido por meio de qualquer

mudança.

Em qualquer dos casos, verifi ca -se a c itação de um di scurso original

deformado, em que o recetor é permanentemente convidado a fazer um

exercício de r econstitu ição cria tiva, numa relação intertextual, que não

despreza, senão demonstra um reconhecimento do parodiante pelo

parodiado. A paródia autonomiza -se, ganha foros de género e de técnica

artística , que resgata a teatralidade e rompe com a ilusão, exibindo as

marcas do jogo teatral. A dialéti ca comparatista e comentarista da

paródia teatral constitu i um “ metadi scurso crítico”, vi sando a própria

tradição literária e teatral, que pode transformar a sua dramaturgia e a

sua ideologia , negando os seus valores estéticos e filosóficos ( Pavi s

2003: 279). Sendo a sensibilidade humana como a água, com seus pontos

de congela mento e de ebulição, a paródia pode inflamar ânimos e, para

evitar susceptilidades, já Favart advertira os parodi stas , que o sal das

boas palavras deveria excitar a consciência , sem nunca a ferir :

Corrigez en amusant / et soyez mains plaisant / qu’ut ile . / Que le t ra it de

l’ épigramme/ frappe l’ espri t, jamais l’âme; / épargnez, / éloignez/ la

sa t ire; / […]/ Et ‘éclat de son flambeau/ loin d’offusquer le beau, /

l’ écla i re (Favart 1809: I I I , 382-83).

A prefação de A morte de Catimbao é ela própria uma paródia

prefacial, panegírico de um herói trágico que os editores avi sam não se

tra tar de uma fantasia do autor:

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O Cat imbao exist iu – e foi cavallo, como se nos apresenta nas scenas

palpitantes de interesse , nos lances patheticos que nos acordam a piedade

e nos arranca as lágrimas durante a leitura , ou a representação, d’esta

obra sublime. – Amoroso fanático da litteratura hespanhola a coroa da

sua ambição era o poder rivalizar um dia com o celebrado Rocinante do

Cavallei ro da Mancha: à custa de vigílias, e de j ejuns, conseguiu não só

imital -o – mas excedêl -o – Ver o Catimbao era ver um fio de re troz cor

de castanha! […] Para chegar a este estado, tinha , além dos esforços

próprios, os esforços do dono, que n’esse tempo se most rava com certas

fumaças a poeta , e queria um Pegaso natural de bom génio, que lhe não

esmurrasse os narizes cont ra algum frade de pedra do seu Parnaso, que

era o Chiado , por i sso o bardo não cantou nunca; - chiou sempre. Poeta e

Pegaso foram dignos um do out ro, e ambos do Parnaso que escolheram.

Com o derradeiro suspi ro do Catimbao estalou a últ ima corda da sanfona

ao insigne vate; as suas ú l timas notas ahi vão. Que as compreendem as

a lmas ternas! Aos insensíveis não se di rige o Shakespeare lusitano (Palha

1859: 87).

Palha apropriava -se do espírito parodísti co parisi ense, na

dessacralização dos mitos146

, para desafiar o cânone clássico e o

contemporâneo. Mais do que um mero entretenimento da esfera privada,

o agrado com que foram recebidas a s composições abriu a cena da esfera

pública . Fábia , a Morte de Catimbao e o Andador das a lmas tornaram-se

regi stos de uma cultura , que transformava as referência s simbólicas do

pensamento coletivo tradicional, criando um novo imaginário, novos

arquétipos, novos padrões de representação cultural:

Toute lit téra ture romantique a comme naturel lement et presque

fa talement sa lit téra ture précieuse et sa li ttéra ture burlesque. Les groupes

romantiques ont toujours eu des précieux et des burlesques, et t rès

souvent même, dans un seul poète romantique, i l y a un précieux e t un

burlesque qui font t rès bon ménage avec l’homme d’imagination

grandiose et grandiloquente . […] L’ imaginat ion du grand , l’imagination

du rare, l’ imaginat ion de l’excent rique sont comme t rois degrés, e t si

l’on ne monte pas facilement du dernier au premier, on descend t rès

facilement du premier au dernier en ces moments de product ion faci le où

l’on fléchit, sans doute, mais sans se dépayser et en restant encore dans

sa nature propre et dans son propre tour d’esprit (Faguet 1910: 3 -4).

146

O Hernani , de Victor Hugo , fo i parodiado por Augus te de Lauzanne, Harnal i ou

la contraente par Cor (1830); Pierre Carmouche , Charles Varin e Louis Huart

escre vara m o Ruy-Blag, quadro da revi s ta Le puf f (1838). A Dame aux camél ias , de

Alexandre Dumas f i lho , deu aso a Dame aux Gobéas, dos i rmãos Cogniard (Madières

1912: VII I) .

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A arte da paródia , enquanto instrumento impulsionador de um

pensamento críti co, deci fra segredos da sabedoria , entrecruza níveis

culturais e contribui para a permuta de conhecimento, para o crescimento

social, l egitimando de algu ma forma o comentário de Eça : “o povo está

cansado de ver qu e não adiantámos nada desde o século XVIII” (Queirós

[s.d.]:II , 171 -72, apud Carvalho 2013: 53). Se Palha reinventou o

motejo, outros lhe glosaram o filão: Gomes de Amorim , que parodiou o

gosto melodramático em Fígados de Tigre , levado à cena com o títu lo

Melodrama dos melodramas (1857) e Luís de Araújo , que tanto parodiou

o gosto das ópera s-cómicas, em In trigas no bairro (1864) e na sequela

Novas in trigas no bairro (1865), como o sucesso do coevo Teixeira de

Vasconcelos, cujo Dente da Baronesa lhe deu aso à sua Baronesa dos

dentes . Inevitavelmente, qual arroseur arrosé, Palha foi também vi sado.

Franci sco Jacobetty compôs a opereta -paródia Os dragões de Chaves

(1885) a partir da obra que ele escrevera em colaboração com Eduardo

Garrido, Os dragões de El-Rei, por sua vez, adaptação da ópera -cómica

Les mousquetaires au couvent (1881) , de Ferri er , Prével e Varney147

.

Com Garrett , Franci sco Palha abrira a porta do teatro de sala , e a

est e r egressava, publicando o Cavalheiro de São Jorge (Le chevalier de

Saint-Georges), tradução do vaudeville de Mélesvill e e Beauvoir , por

Alexandre Magno de Castilho “em obséquio” a D. Constança Lodi , para

um representação no teatro das Laranjeiras , em 1847, em que atuou a

família do Conde de Farrobo e o próprio tradutor. O agrado da peça,

“uma das que mais voga hão t ido em Paris” , deu aso à exibiçã o posterior

147

Não fal t aram paródias a Garret t , q uer por estudantes de Coimbra, quer por out ros

(Li ma 1930: pass im ). José P into Rebelo de Carvalho foi quem primei ro lhe parodiou

o Monumento , o epicédio à morte do l ente J . F. A. Fortuna. També m An tónio Maria

do Couto Montei ro parodiou o poema Camões, em A Cábula -Canção, inserida na parte primei ra de A Cabulogia ou Moral em acção, e reproduzida na Revi s ta

Universal L isbonense, ent re out ras publicações . Amori m descre ve a reação de

Garret t ao ou vi r declamar esse t recho (Amori m 1881 -84: III,542-44). Ta mbé m As

fo lhas caíd as deram o mote para que u m suposto Amaro Mendes Ga veta (pseud. )

edi tasse As fo lhas cahidas apanhadas a d ente e publ icadas em nome d a moral idad e

(1854), e As fo lhas cahidas apanhad as a dente e pescad as no Por to (1855), que

Cami lo , no Cancionei ro Alegre, identi f i cou como Pedro Diniz , guarda-l ivros de José

Is idoro Guedes : “Deplorável ! Todo o paiz e as colonias e o Brazil se r i ram das

Folhas cahid as de Garret t , desde que a satyra de Pedro Diniz as abaixou ao raso da

mordacidade que escancara sempre uma gargalhada quando topa um a mor seni l a

carpi r -se com lást imas de criança amuada” (Cami lo 1887: II,153)

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em teatros públicos148

. Palha e Cobellos prefacia m a obra, abonando a

qualidade do tradutor, pela facilidade com que transporta para a língua

portuguesa as situações do enredo, escrito em “estilo elegante, jocoso,

[e] elevado” (Palha/Cobellos 1857: 3). Estreada em Paris, em 1840,

quando se debat ia a abolição da escravatura , a “comédie mêlée de

chant” , adaptava à cena o romance do próprio Roger de Beauvoir , sobre a

vida do músico mulato setecenti sta Joseph de Boulogne , natural do

Guadalupe, conhecido por Chevalier de Saint -Georges, e por Mozart

Negro. Vivia -se a emergência dos primeiros heróis negros românticos,

que tornavam a s obras populares junto do grande público, ma s que

levantavam reti cência s da críti ca , into lerante à exi st ência de ca sais inter -

raciais. O espírito r eformador liberal, tornando os dramaturgos em

refletores da s preocupações da sociedade, expunha as injustiça s que

urgia combater, a través de trágicos enredos de fundo. Em Portugal, o

decreto de 1854 libertara os e scravos do Estado, e o de 1856, os da

Igreja , e o “Theatro Moderno” dava à luz do prelo, o que já fora visto à

luz da ribalta – impressões de vida s sofrida s que não se esgota vam nu ma

só obra, e que viriam depois, quando em 1869 se aboliu defin itivamente

a escravatura em território português : Ernesto Biester , Cora ou a

escravatura (1862)149, tradução de Cora ou l’Esclavage, de Jules Barbier ;

Ari stides Abranches, A mãe dos escravos ou a Vida dos negreiros da

América (1864), versão cénica de A cabana do pai Tomás, de Harriet

Beecher Stowe150

, e Diogo José Seromenho, Scenas do Brasil ou os

Escravos e senhores (1873) e O escravo (1891).

O convite ao confrade João de Lemos, o celebrizado autor do poema

Lua de Londres , que Braz Martins r eci tava como “intervalo poético”, no

avant-scène do Ginásio (Sequeira 1939 -41: III, 315), e do drama Maria

148

A obra foi est reada no Teat ro de D. Maria II , a 13 de j anei ro de 1848 (Li vros de

Regis to de Espectáculos , TNDMII). 149

Representou-se pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 22 de

maio de 1862, t endo como cenário o famoso panorama do Missi ss i p i , de Rambois e

C inat ti (Livros de Regis to de Espectáculos , TNDMII). 150

A obra de Harriet Beecher S towe surge t raduzida anonima mente e m 1853, como A

cabana d o Pai Thomaz ou os negros na América (Lisboa: Tip . do Cent ro

Commercial ) , e, no mes mo ano, co m t radução de F ranci sco Ladislau Álvares de

Andrada, como A cabana d o Pai Thomaz ou a vida dos pretos na América: romance

moral (Pari s: Rey e Belhat te). Na temporada de 1889 -90, o Teat ro do P ríncipe Real ,

de Lisboa, l evou à cena a versão de Dumanoi r e Dennery, em 8 atos.

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Pais Ribeira (1844) , representado em Coimbra e não impresso, trouxe a

público Um susto fe liz , comédia prometida para a reabertura do t eatro

Académico, a 16 de maio de 1855, após obra s de melhoramento. Um

teatro de amadores dramáticos académicos, que se divulga , com os

mesmos pruridos autorais mani festados por Garrett quanto ao escrutínio

do “theatro da imprensa, onde vae ser ju lgado” (Lemos 1857: 7) pelo

público-l eitor, quando a obra é “composição ligeirí ssima, cousa escripta

a correr” ( id ., ib id . : 6). João de Lemos possuía uma “educação

primorosa, a lma rasgada” (Pato 1894 -1907: II , 153), cujos “primeiros

ver sos prenunciavam u m grande poeta” ( id . , ib id . : 154), que não caiu em

“exageros românticos” ( id ., ib id . : 155). Louvado em Coimbra, Um susto

fe liz recebera iguais aplausos no “elegante t eatro” particular do Conde da

Redinha151

, “diante de uma escolhidí ssima plat ea […] tendo por

intérpretes duas senhoras e um cavalheiro da nossa melhor sociedade, e

dos que entre nós melhor compreendem e executam a arte scénica”

(Lemos 1857: 7). O empenho que a sociedade elegante colocava na

qualidade da s representações particulare s, que publicita m a esfera

privada, perpetua a marca de prestígio social, ao mesmo tempo que se

afirma como uma nova esfera aristocráti ca .

“Theatro moderno” traz à colação o teatro de gabinete, publica ndo A

fada (La fée ) e Receita para curar saudades (L’urne ) , em tradução de

Rebelo da Silva e adaptação de Mendes Leal , respetivamente. Duas

comédias de Octave Feuillet , pertencentes às Scénes et comédies ,

abordando um enredo de atualidade – La fée – e um antigo, um pastel , na

designação do próprio autor. Obras dramática s destinadas à lei tura , mais

do que à cena, por poetas, diria Théophile Gautier , cultivadores “de ce

bel art du langage rythmé”, “d’une prose travaillé , délicate et fantasque”

(Moniteur Universelle , 14/12/1863, apud Berthier 2015).

151

António Maria da Luz de Carva lho Daun e Lorena (1822 – 1905), 5 º conde da

Redinha, descendente do Marquês de Pombal , pertenceu ao partido l egi timis ta, t al

como João de Le mos . O P alácio si tuava-se junto à Igreja de S . Vicente, na atual rua

do mesmo no me, esquina com a rua da Voz do Operário .

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Ao teatro de gabinete152

(o closet drama inglês) corresponderiam as

obras dramáticas que havia m sido escritas com o obj etivo da sua leitura ,

ou , por cir cunstância s especí fi cas, não tinham visto a luz da r ibalta . Na

primeira situação, estariam contidas obras que, pela sua extensão, pela

característi ca romanesca da narrativa e pelo número excessivo de

per sonagens, seriam imp ossívei s de fazer representar no seu tempo,

constitu indo-se como poemas dramáticos. Encontra m-se exemplos ao

longo da hi stória do teatro153

, que privil egiam o carácter didá tico, ou

resultam de momentos em que a liberdade de expressão se encontrou

cerceada154

. Seria uma “lesson in the guise of play”, segundo a

setecentista Hannah More155

, que sublinhava o ato de ler como forma de

motivar o interesse pelo diálogo e ideias, l evando o leitor a compreender

a retórica e a estilí stica . Em An enquiry in to the present s ta te o f polite

learning (1759), o médico Oliver Goldsmith chegou mesmo a preconizar

vantagens para a “virtude”, se as representações fossem lidas e não

representadas:

152

Não confundi r o t eat ro de gabinete com o teat ro de sala. As obras dramát icas que

se representam nesse tipo de funções t eat rai s amadoras apre sentam ca racterí st i cas

s intéti cas , t anto a n ível da narrat iva, co mo da u t i li zação do espaço de representação,

e vi tando mutações de cena próprias das condições t écnicas dos t eat ros , mes mo dos

part i culares . 153

Nes tas ci rcunstâncias , encont ra -se a peninsular Comedia d e Cal ixto e Mel ibea

(Burgos , 1499), vulgo Celes tina , de Fernando de Rojas , cons iderada como uma

“novela” dra mát ica por Menéndez y Pelayo ( Orígenes d e la Novela , 1910), cujo

subt ítu lo adverte para as “ muchas sentencias f ilosofales e a vi sos muy necesarios

para mancebos , mos t rándoles los engaños que es tán encerrados en s i rvientes y

alcahuetas”, conferindo à obra um e minente caracter d idático . Out ros exemplos

encont ram-se em Samson agonistes (1671), de Mi lton , ou o Faust , de Goethe, j amais

pensados para a cena, ainda que sob forma dialogada. Todavia , o desenvolvi mento da

at ividade t eat ral, a parti r do século XX, ve m quebrar a t radicional convenção e

provar que é poss ível representar o supostamente i rrepresentável , como a reescrit a

de The Cenci (1819) , de Percey Shel ley, por Antonin Artaud , em 1935, ou a

produção da versão original , pelo Newcas tle People’s Theat re, no mesmo ano, com

di reção de Cecil McGivern . Do mes mo modo, e m Portugal , a companhia do Teat ro Nacional de D. Maria II (e mpresa Re y Colaço – Robles Montei ro ) l evou à cena a

Celest ina , em 1970, no Teat ro Capi tó lio (Lisboa) . 154

No Reino Unido, no período des ignado por Interregnum, correspondente ao

período republ icano do P rotetorado de Ol iver Cromwel l , r eemer giu a escri t a do

closet drama, por escri toras , versando temas pol ít i cos . Cf . B URRO UG H S , Catherine

(2007), “The pers i stence of closet drama: Theory, His tory, Form”, in DA V IS , T. /

HO LLA N D , P . (eds . ) , The performing century:Ninetenth -century Theatre’s history.

UK: Palgrave Mac mi l lan , pp .213 -235. 155

Escritora inglesa que escreveu pas toral p lays , editadas, em 1773, sob o t ítu lo The

Search af t er Happiness: a pastoral. In three d ia logues (Dubl in: Wil son/ Grai sberry/

B lack).

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117

[For] al l must allow that the reader receives more benefit by pursuing a

wel l writ ten play, than by seeing it ac ted (apud Burroughs 2007: 220)156.

A segunda circunstância englobaria obras a lvo de a lgum

condicionali smo de natureza censória , externo ou interno, que as

confinaria inevitavelmente ao universo da leitura157

. Neste caso, estaria

cont ida a comédia de Al fred de Mu sset , La nuit vénitienne ou les Noces

de Laurette , cuja estreia , no Théâtre de L’Odéon, a 1 de dezembro de

1830, redundara num fracasso imprevisível para o empresário, e criara no

autor um sent imento de injusti ça . Estando em plena querela entre

clássicos e românticos, a obra foi ju lgada demasiado poéti ca para ser

teatral. A partir desse momento, Mu sset escreveu dramas destinados à

leitura , que designou genericamente por théâtre dans un fauteuil , porto

de abrigo contra o fanta sma da derrota que sentia per segui -lo; um

pessimismo nostálgico com que epigrafou o drama La coupe et les

lèvres : “entre la coupe et les l èvres, i l r est e encore la p lace pour un

malheur” (1833: [21]) . Durante dezassete anos, a s suas obra s dramáticas

– Lorenzaccio , Les caprices de Marianne , ou On ne badine pas avec

l’amour – , em vez do palco, terão na Revue des Deux Mondes os

principais r ecetores do t eatro que publica . Ser -lhe-á necessário voltar a

acreditar nas potencialidades da cena, com o sucesso de Un caprice , na

Comédie Française , em novembro de 1847, para que retome as peça s

anteriormente escritas e lhes dê uma forma cénica158

. No soneto “au

156

Seria possivel mente a mes ma in tenção dos ensaios dramát icos de Cami lo Castelo

Branco: Crês ou morres (1849) , provérbio dramát ico , em 11 cenas , publi cado no

Nacional ; O noivado (1855) , drama e m 1 ato , como capí tulo XIX de A f i lha do

Arced iago, como mise-en-abyme narrat iva, incrus tando o drama na no vel a; Patologia

do casamento (1855) , comédia em 3 atos , em Cenas contemporâneas ; e O t io egresso

e o sobr inho bacharel (1849) e Dois murros ú tei s (1849) , em Noites d e Lamego

(1863). A es te respeito cf . CO RRA D ÍN , F lávia Maria (2005), “Dois exercícios

dramát icos de Cami lo Castelo Branco”, Forma breve, nº 3 . Avei ro : Cent ro de línguas e Culturas/ UA, pp.359 -368. A comédia Patologia d o casamento subiu à cena, e m

1989, com o t í tulo Trocam-se mulheres , máximo sigi lo! , pelo Persona – Teat ro de

Comédia, encenação de Gui lherme F i lipe, no P rimei ro Acto – C lube de Teat ro , e m

Algés . 157

John Gay edi tou a ópera Pol ly (1729), após o Lord Chamberlain t er censurado a

sua representação. No prefácio , o autor salva guardou a in tenção de a t er escri to para

a cena, e instou a que o l ei tor a l esse enquanto t al , como sequela da Beggar’s Opera

(1728). Até 1777, ano em que, por f i m, subiu à ce na, numa adaptação t runcada de

George Colman , a obra pertenceu ao closet d rama. 158

À exceção de Lorenzaccio , que cont inuará a ser u m texto para ser l ido , confor me

vontade do seu autor , que não encont rava condições cénicas no seu t empo para a

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118

lecteur” com que prefacia Le théâtre dans un fauteil (1833: 1), Musset

deixa claro os seu s propósitos:

Figure-toi, Lecteur, que ton mauvais génie

T’a fa it prendre ce soi r un billet d’Opéra.

Te voilà devenu parterre ou galerie

Et tu ne sais pas t rop ce qu’on te chantera.

Il se peut qu’on t’amuse, il se peut qu’ on t’ennuie;

Il se peut que l’on pleure, à moins que l’on ne rie ;

Et le terme moyen, c’est que l’on bâil lera .

Qu’importe? c’est la mode, et le temps passera.

Mon livre , ami Lecteur, t’offre une chance égale ;

Il te coute à peu près c e que coute une stalle;

Ouvre-le sans colère, et li s- le d’un bon œil .

Qu’il te déplaise ou non, ferme -le sans rancune;

Un spectacle ennuyeux est chose assez commune,

Et tu verras le mien sans quitter ton fauteuil .

Mendes Leal não partilharia por certo esta crença mais do que

aristotéli ca das potencialidades vi sualizadores do leitor. A sua Receita

para curar saudades , que o Teatro Moderno publica , aproveita a “ ideia

e, em parte, a contextura” da obra de Feuillet , escrita “exclu sivamente

para a leitura” e não “talhada” para a cena ( Mendes-Leal 1857b: [3]),

para ser representada no Teatro do Ginásio, tendo como títu lo inicial

Epitaphio e Epithalamio . Após revisão e correção, entr e o elogio

funerário e o matrimonial, decidiu alte rar o títu lo, torná -lo “menos

vaidoso, mais popular, mais perceptível, mais característi co” ( ib id .:

ib id .) . Na realidade a comédia de Feuillet , não poderia servir como lever

real i zação espetacular. A obra fora escrit a segundo uma fórmula romanesca,

contendo um sem número de di f i culdades t écnicas e de arrojos temát icos e es t il ís ti cos. A didascália apresenta 38 lugares de cena di ferentes, que, segundo os

cri t ér ios cenográficos da época, corresponderiam a out ros t antos cenários, em

sucessão cont ínua, sem qualquer relação de palco com os interiores e os exteriores .

No século XIX, tornava -se mais cómodo, e menos oneroso, exi s ti r apenas um c enário

único, ou, pelo menos , um cenário por ato , em vez de u ma c enografia em quadros .

Alé m di sso, Lorenzaccio cont inha um desmedido número de personagens, principai s

e secundárias , s imul taneamente arquet íp icas e comp lexas , que at ravessa m u m enredo

extenso. Todavia, o t exto dramárico contém o elemento t eat ral, que permi te que o

l ei tor vi sual ize um espectáculo at ravés da l ei tura das d idascálias . Lorenzaccio subiu

à cena apenas e m 1896, no Théât re de l a Renai ssance, t end o Sarah Bernhardt no

protagonis ta.

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de rideau, como havia m sido Le pour et le contre e Le cheveu blanc , na

Comédie-Françai se (Bernheim 1913: 218).

L’urne é um retrato de costu mes, um pastel de tempos antigos; mais

do que uma peça de t eatro é um petit roman dia logado, que explora os

problemas sentimentais de uma aristocracia convenciona l, e os ciú mes

por causa da urna funerária que cont ém a s cinzas do primeiro marido da

Marquesa (em Lisboa, torna -se Condessa). Uma sociedade idea lizada por

Feuillet , que Mendes Leal recria , afastando -se da “contextura” gálica ,

como defendera Casti lho159

, para conferir u m estilo português,

privilegiando os papéi s dos criados, em que a ação ganha gra ça e maior

dinâmica em relação ao modelo francês, cuja “pruderie” acomodava-se

“mieux du marivaudage”:

[Elle] s’ accommode surtout mieux du genre sentimental qui envahi t de

temps en temps le Gymnase quand M. E. Scribe en est absent (Pichot

1854: 251-52).

Feuillet publicara inicialmente estas obras, “un genre mixte, qui a

sa grace et ses tra its heureux” ( ib id .: ib id .) , nas página s da Revue des

Deux Mondes160, ta l como Musset . E, do mesmo modo, guardou implícito

o convite ao leitor, para que imaginasse o espetáculo sem sair da

poltrona:

Une pelouse devant un château. Belle matinée de printemps. Les fenêt res

du château sont ouvertes et aspi rent le soleil. En face du perron, une

avenue; derrière les arbres en éventai l qui encadrent la cour, on aperçoit

à droite les bosquets d’un parc baignés dans les vapeurs du mat in, des

sta tues dans leurs niches de charmi lles, les eaux ja ill i ssantes dans les

c lai rières (Feuille t 1854: 245).

L’urne apresenta uma disfarçada divi são cénica, uma vaga aparência

que utiliza o tempo presente como modo descritivo de locai s e de ações

das personagens, a evocar didascálias. Mendes Leal reelabora a ação,

privilegia a essência da trama sentimental, um quipr oquó em linguagem

159

“O estudo da verdadei ra índole e cons t rução da nossa língua é indi spensável a

todos os escritores que, obrigados a fazer grandes l eituras de obras francesas , toma m

insens ivelmente a contextura daquela l íngua, t ão opos ta à nossa” (António Fel iciano

de Cas ti lho , Restauração, 14/01/1845). 160

L’urne fo i publ icada a 1 de junho de 1852, e La fée , a 15 de abril de 1854.

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ironica mente fluente de alta -comédia, e reduz o local de ação a uma

única cenografia : uma “ sala elegante”, “estilo Pompadour”, com

mobiliário a condizer. Agora sim, temos entr eato, ou comédia de sala ,

com a tradicional “entrada geral” pel o fundo, a saída para o in terior pela

direita – os quartos da senhora – , e uma fugaz visão do exterior, à

esquerda, pelas janelas. Tudo, segundo o modelo clássico de encenação

francesa – côté cour, côté jardin – , para uma cena fechada, com ponto de

fuga óti co ao fundo, permitindo que o espectador aprecie a entrada das

per sonagens. Impossível apena s, fazer entrar em cena o Marquis , de

Feuillet (Conde, em Lisboa), “en pia ffant” e “fai sant volter et pirouetter

son cheval” (Feuillet 1854: 292), que ficaria na imaginação do leitor. O

grande aparato cénico fora -lhe r eservado no t eatro Normal, na encenação

de O templo de Salomão (31/07/1849), pelo ator Teodorico.

Às críticas sobre a originalidade da obra, respondeu com um convite

aos “Tartufos da musa” , para que se tornassem “homens sérios e

verdadeiramente instru ídos”, e não fi cassem adstritos à leitura do

“Magazin Théâtral, único repertório de conhecimentos dramáticos dos

almotacés oficiosos, que tudo toma m por contrabando, porque nunca

vendera m fazenda lí cita” ( Mendes-Leal 1857b: [3]). Eis a difícil

conciliação entre o teatro como ação moral e como agente comercial

(Galeria theatral 21/10/1849: 1), que a coleção dirigida por Francisco

Palha parecia propor como objetivo editoria l, tão longe do moderni smo

evocado pelo “ Archivo Theatral” , vinte anos antes.

5. Editor não é comerciante, é amigo… poeta… um pombo!

A relação dos autores dra máticos com o editor poderia ser, por um

lado, de grande dependência , causando uma revolta interior, ta l como

acontecia com os empresários t eatrais, quaisquer deles dominados pela

sede do lucro e pela ausência de escrúpulos, ou , po r outro, de grande

independência , sendo o editor considerado um protetor da s letras, um

benemérito. Jú lio César Machado , protegido “com solicitude paterna”

por Lopes de Mendonça (Pato 1894-1907: III, 191), soube usar

“cumulativamente as suas relações no meio tipográ fico e no meio

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121

l i terário” (Santos 1985: 216), para editar o seu romance Cláudio ; revelou

a relação autor -editor no posfá cio à 2 ª edição, Aquele Tempo (1875: 280)

e ironizou-a , em “phra ses de tari fa” , em Trechos de fo lhetim (1863: 56):

Seriam poucos os louvores quando se t ra ta do ed itor desta recomendável

obra: não é um comerciante, é um amigo; não é um amigo, é um poeta;

não é um poeta , é um pombo! Nenhuma ideia de interesse preside aos

seus cont ratos; é puramente o amor das belas-le t ras que di ta ao seu

famoso carácter o nobre desejo do nosso engrandecimento ( Machado

1863: 58).

Existia um envolvimento dos autores no processo edi toria l, tanto da

parte daqueles que viviam da escrita , como daqueles que ambi cionavam

alcançar esse estatu to. Será razão possível para o aumento do número de

coleções publicadas entre 1860 e 1870. O ator Isidoro Sabino Ferreira

constitu iu a coleção “Theatro Económico” (1863) com sei s comédias da

sua autoria , e Xavier da Silva editou obra s suas a coberto da

“Bibliotheca Pinto Bastos” (1867) , que invoca o empresário do T eatro

das Variedades como guia161

. A intermitente “Bibliotheca dos actores”

(1866 – 1870) divulgou o trabalho dos atores António Pedro e Carlos

O’Sullivand . O produto lit erário dramático r ecebia uma vantagem

promocional do sucesso das obras “representadas com aplausos nos

teatros públicos”, da crítica favorável dos public ista s, e da possibilid ade

de divulgação no espaço do drama -folhetim. Andrade Corvo editou os

dramas O alic iador e O astrólogo no Archivo Universal , antes de os dar

161

Pin to Bastos foi um caso de sucesso pessoal e empresarial . Natural do Porto , veio

para Lisboa t rabalhar como marçano de uma lo ja de fazendas . Tinha como hobby a

pres tid igit ação, art e que estudou afincadamente, influenciado pela vinda a Portugal

do célebre mágico Her mann. Es t reou -se no Teat ro -Ci rco de P rice , a 27 de setembro

de 1863, encetando digressões pelo país , t endo como secretário Cos ta Braga. Em

1865, de regresso à capi tal , tomou o Teat ro das Variedades , que reabriu com a

má gica Amores d o d iabo , de J . A. de Ol ivei ra . Dois anos depois , associado a José

Carlos Santos , tomou o Teat ro do P ríncipe Real , onde fez representara “as mais arro jadas ideias de progresso e bri lhanti smo dramát ico” (Bas tos 1898:235).

Inaugurou es te t eat ro com o drama de Boucica ul t e Nus , João, o cartei ro (1867),

t endo pagado a resci são dos cont ratos de Emí l ia Let roublon e António Pedro com

Francisco Palha , no Teat ro da Trindade . Graças a Pinto Basto , desenvol veu -se a

melo mania de Offenbach, e os li sboetas puderam ass i s ti r à representação de

companhias es t rangei ras célebres : a do t rágico Ernes to Rossi , a de Paladini, a de D.

Juan Mol ina, a de Dominici , a de P rezios i e Marie Denis , e a de Giacin ta Pezzana , a

vanguardi s ta at ri z it ali ana (Bas tos 1898:235 -237). Sobre es ta at r i z cf. MA RIA N I,

Laura (2004), “Port rai t of Giacin ta Pezzana, act ress of emancipat ionism (1841 –

1919)”, European Journal of Women’s studies, August 2004, vol . 11, nº3, pp .365 -

379.

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122

à estampa, no mesmo ano, como primeiro volume do seu “Teatro de João

Andrade Corvo”162

. A public idade antecipada criava mais -valia para uma

boa entreprise conjointe , um viver de glória , entre autor e editor, como

ironizou o autor de Vinte horas de lite ira :

Nenhum dos livros que correm com o meu nome é meu. São todos dos

ed itores. […] Descobri em mim um segundo apparelho digestivo, que

elabora, em substancia nutritiva, a glória (Branco 1864: 19-20).

Os dramaturgos conhecidos vendia m as obras a diversos edi tores,

surgindo em di ferentes coleções ao longo da segunda metade de

Oitocentos. O teatro progredia , ma s “o progresso [ era] uma voragem”

(Branco 1864 : I) . O livre mercado literário permitia que os au tores

tirassem partido da proli feração das empresa s editoria i s . Mu itas foram

criadas para publica ção de jornal, e stando, por isso, su jeita s à lei da

efemeridade, e da concorrência , sem qualquer garantia de fu turo (Santos

1985: 226). Os editores demonstravam afinidades com os produtores de

cultura a través da atividade literária , recusando o “estatu to de

comerciante ou de empresário”, para o substitu ir pelo de “ difu sor de

cultura” ( ib id .: ib id .) . Menos sorte, t eriam os obscuros “plu mitivos” do

teatro, sem qua lquer referência que os guindasse ao palco da fama, senão

custear a edição da sua obra, esperando que ela servi sse de t rampolim,

pelo menos, para um qualquer palco particular de menor exigência críti ca

e, com i sso, fomenta sse o desejo de fu turas composiçõe s dra máticas, ou

que conseguisse um contrato “vantajoso, no Rio de Janeiro, para escrever

peças de t eatro, que deviam ser representadas pela primei ra vez no

Brazil” , como ocorrera a Mendes Leal (Pato 1894-1907: II, 185).

O tempo das lu tas violentas, do drama hi stórico, do melodra ma de

paixão e de peripécia s levadas ao absurdo exi stencial t inha atingido o

l imite da cr edibilidade, a té do “gosto depravado das platêa s grosseira s”

(Ferreira 1871 -72: II, 164):

Os tyrannos já não horrorizavam; os algozes podiam também passar ao

fundo da scena, que o povo ria -se d’el les; a própria escala dos desenlaces

162

Edição conjunta em Lisboa: Tipografia Uni versal . O Archivo Universal edi tou , em

1860, o “provérbio” Amor com amor se paga (1849) e a comédia Um conto ao serão

(1852).

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assombrosos estava toda percorrida: já não havia t ranse afflict ivo que

não fosse uma lamuria conhecida, nem final de ato, por mais arrojo com

que fossem injuriadas as lei s da verosimilhança, que não houvesse cahido

em t rivia lidade (Ferre i ra 1871 -72: II, 164 ).

O público apreciava agora o sossego que “os escriptores sensívei s,

os ta lentos elegíacos, os partidári os do madrigal na scena” lhe ofereciam

no drama íntimo, que lhes fazia vibrar a corda sensível do coração, e

levava “as mães amorávei s e as filhas de temperamento sensitivo ” a

tomar lugar nos camarotes ( ib id .: ib id . ; i tá lico original ) e, em pou co

tempo, o “sobressalto” deu lugar à “pieguice”. O tirano, o grande herói

do melodrama, morreu , para nascer a ingénua, a “filha legítima do drama

íntimo”:

D’aqui em diante o teatro põe na rua todos os personagens sinist ros das

antigas composições a terradoras, e apena s admite o pae-nobre, o galan

ext remoso e a i rmã dedicada; e quando muito, para fazer sobressai r os

dotes cândidos da a lma pura e simples da ingenua , coloca-lhe ao lado

uma tia rí spida ou um tutor onzenei ro, que, em matéria de consórcios,

não conhecem senão as conveniências sociaes ou as le i s do interesse

(Ferre i ra 1871 -72: II, 164-65; itálicos originais).

A simples ingénua, imaculada expressão de inocência juveni l,

esta mpada no riso diáfano que lhe brinca nos lábios, é seduzida pelo

cínico, e sobre ela abate-se o amor funesto, “assunto capita l d’estes

quadros de affecto intimo” ( id . , ib id . : II , 165). A profundidade do t ema,

“história do coração da mulher” e, por sua vez, “hi stória moral de três

partes da sociedade”, confrontou -se com a di ficuldade de manter a

pureza dos elementos narrativos. Sofreu com o desejo de novidade das

plateias e do exacerbamento cria tivo dos autores, e exagerou,

hiperbolizou as paixões, no “desejo insist ente de investigar e achar nos

epi sódios da vida real as lastimáveis excepçõe s que são o opprobrio das

sociedades e do coração hu mano”, e as ingénuas tornaram -se “heroína s

impossívei s” ( ib id .: ib id .) . O drama lacrimejante regressou com A

pobreza envergonhada (1858) , de Mendes Leal , adaptando Les pauvres

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de Paris (1856) , de Brisebarre e Eugène Nus163

. Em França ou Portugal,

os problema s sociai s equival iam-se. A sociedade despreza va os meios

ilícitos, mas curvava -se diante dos r esultados, do dinheiro sujo, que,

“quando o colhe às mãos nem sequer lhe limpa as nódoa s” ( Mendes-Leal

1858: 2). Os sete a tos originais r eduziram-se a cinco; Bordéus e Paris

vestiram-se de Li sboa; os banqueiros franceses domestic aram-se em ricos

negociantes li sbonenses – a fa lta de escrúpulos mant êve-se – ; e a igreja

de Saint -Étiènne du Mont converteu-se na Igreja das Chagas, s ímb olo do

sofrimento dos que foram aba stados e se v iam na miséria , fru to dos

revezes da fortuna, que encontra ram no altru ísmo social a redenção – “a

desgraça não envergonha senão quando é merecida” ( id ., ib id . : 23):

Se quisermos que não haja pobreza envergonhada… a mais dolorosa de

todas as pobrezas… proporcionemos os recursos às necessidades, e

vamos procurar ent re as sombras a miséria que lá se oculta! (cae o

panno) (Mendes-Leal 1858: 245).

Bibliotheca Theatral. Collecção de peças jocosas representadas

com applauso nos theatros públicos (1861 – 1882)

A década de 1860 começara com talento produtivo, mas de

inspiração “frouxa”, sem criar “fru tos […] sempre maduros e

appetitosos” (Ferreira 1871 -72: I, 218). Um relance pela s obras de

referência francesa s – L’année lit téraire e t dramatique, de Gustave

Vapereau , ou o Almanach de la lit térature, du théâtre e t des beaux -arts ,

de Jules Janin – , ou pelas r evi stas li terárias a lemã s e austríacas

evidenciava “igual pobreza”:

O gosto público, como os paladares est ragados, excita -se unicamente

com fortes est ímulos; e são os enredos compl icados, as peripécias

imprevistas, os espectaculos deslumbrantes que enchem as platêas e

preocupam os espectadores (Ferre i ra 1871-72: I, 227).

O teatro cedia ao “gosto do público” e das “peça s jocosas

representadas com a plauso nos teatros públicos”, que o editor -livreiro

163

Les pauvres d e Par is subiu à cena no théât re de l ’Ambigu -Comique, a 3 de

setembro de 1856, e A pobreza envergonhada fo i no t eat ro de D. Maria II, a 12 de

ma rço de 1857. Apenas sei s meses medeiam as es t reias .

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125

João Marques da Silva organizou em “Bibliotheca Theatral” (1861 –

1882)164

. Irregular a princípio – publicou oito títu los nos primei ros doi s

anos – , a coleção atingiu os 91 folhetos, divididos em doze séries de

oito165

. Na modesta e exígua loja da rua do Carmo, “sem ter livros para

vender, nem dinheiro para os comprar” (Bastos 1947b: 174), Marques da

Silva su stentava a numerosa família com a venda das comédias, cena s

cómica s, poesias e cançonetas, e, mesmo quando mudou para a travessa

de S. Domingos, a antiga cli entela de “ furiosos dramáticos” ( ib id .: ib id .)

cont inuou a procurá -lo.

Era para esta “freguesia” que a maioria das coleções populares se

orientava. A quase metade dos vinte e quatro autores que compõem a

“Bibliotheca Theatral” pertence ao teatro profi ssional, entr etecendo uma

rede cultural entr e as sociedades particulares, os teatros de sala , os

pequenos teatros de bairro e os teatros de feira166

. A coleção abre com a

reedição da s traduções de comédia s em um ato, A compadrice (La

camarader ie ou la Courte échelle ) , Os primeiros amores (Les premières

amours ) , de Scribe, e O papa-jantares (Monsieur le p ique -assiette ) , de

Dartois e Gabriel , pelo tradutor oficia l dos t eatros da rua dos Condes e

de D. Maria II , João Baptista Ferreira . A par do público lei tor, surge o

público “ fazedor”, frequentador de academias, grémios, clubes e

associações r ecreativas, em cujos palcos brilham os “curiosos

dramáticos”, representando quadro s de costumes, comédias de

entretenimento, cenas cómica s e intervalos poéti cos, imitando as récitas

dos t eatros públicos, e os a tores populares, sobre os quais r einava

164

Cf. Apêndices – 6. Tabela de publicações dramát icas de “Bibl io theca Theat ral :

col lecção de peças jocosas representadas com aplauso nos theat ros pubicos”, da

Li vraria J . Marques da S ilva (1861 - 1882). 165

Veri f i ca-se um in terregno de aproximadamente dez anos ent re a 11ª e a 12ª série. 166

João Bapt i sta Ferrei ra, t radutor oficial dos t eat ros d a rua dos Condes e de D.

Maria II (Palmei ri m 1891: 345 -353); F rancisco Xavier Perei ra da Si lva , o “Xavier

dos cartazes” ( id . , ibid . : 251-256; S ilva 1859: I I I, 93-94); F rancisco Joaquim da

Costa Braga , cont rarregra, empresário ; Pedro Carlos de Alcântara Chaves ; Carlos

Al meida, ator; Eduardo Garrido , ator , empresário, ensaiador; Manuel José de Araújo ,

empresário fei rante, proprietário do t eat ro Chalet , que ocupou o espaço do Teat ro da

Rua dos Condes , quando fo i demol ido; Augus to Garraio , ator , empresário, ensaiador;

António Pedro Bapti sta Machado , ator , empresário , ensaiador; Augus to César de

Lacerda, ator; António Sousa Bas tos , empresário, ensaiador; Joaquim José Garcia

Alagari m, músico .

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126

Taborda167

, o tipógrafo que viera do t eatro particular do T imbre para o

Ginásio, e constru íra uma galeria de característicos Zés -Povinho avant

Bordalo: o Senhor José do Capote assistindo à representação do

Torrador , de Paulo Midosi , em que Taborda relata uma ida à ópera,

arremedando árias, ou o entusiasmado Francisco, do entr eato Que circo!

Que amazona! Que palhaço! , de Luís de Araújo, contando à esposa uma

visita ao Teatro-Circo de Price . A monomania de Taborda fica patente na

comédia Taborda no Pombal168, em que Sousa Bastos teatraliza uma

situação ocorrida realmente, que demonstra a adoração popular por este

a tor169

. O aristocrata provincial e furioso dramático barão de Carvalhais,

que impõe o casamento da filha Carolina com o primo Alberto, desde que

este frequente o Conservatório dramático e se torne ator, manda raptar o

fazendeiro Taborda s. Convencido de que se tra ta do célebre ator, de

passagem pela vila de Pombal , pretende que este lhe recite o seu

monólogo favorito. O pobre fazendeiro, sem conseguir di ssuadir o barão

do equívoco, a foita -se, julgando a seu favor as “ teatradas” feitas na

terra , em que representara o “Zé Cosme” e o “Alto Vareta”. O

atrevimento sai gorado, e Tabordas perde um futuro como barão por não

saber r epresentar. Tudo termina a contento com um couplet final para o

público , de quem sempre se espera o aplauso.

Várias crónicas de quotidiano, transformadas em cenas cómica s,

revela m os excessos da vida li sboeta , que atraem deslumbrados

fora steiros. Alcântara Chaves partilha, pela boca do senhor T ibúrcio, em

Um provinciano em Lisboa (2 ªsérie, nº2), a lguma aver são ao progresso

materia l, e quando regressa a casa na província profere um rotundo Não

volto a Lisboa (5 ªsérie, nº6). A interpretação bem-humorada do senhor

167

Cf. MA C HA D O , Júl io César (1871), Esboço biográfico do actor Taborda. 168

Editada na coleção Theat ro Escolhido , em 1870. 169

Trindade Coelho relata o caso , em In i l lo t empore, estudantes , l entes e fu t ricas

(1902: 300 -01, nota 1) . Taborda fo i raptado por es tudantes de Coimbra, cerca de

1858, no Sardão, quando a carruagem parou na mala -pos ta, para mudar de ca valos ,

na viage m do Porto a Lisboa. Taborda acabou por parti cipar de uma réci t a de

benefício de um es tudante, t endo dec lamado duas cenas cómicas . Como todas as

es t relas t eat rai s que representaram na Acade mia Dra mát ica, Taborda recebeu o

d iploma de sócio de méri to .

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127

Tibúrcio pelo ator Joaquim Bento170

, do Teatro da Rua dos Condes, levou

Sousa Bastos a criar para e le a figura do senhor Ramalho de Fr eixo de

Espada à Cinta , de visita à capita l do Reino, em busca de um compadre

desaparecido. Assim se desenvolvem paradoxos da urbanidade

comentados por provincianos, entr e a cidade e a s serras, prosaicas cena s

inocentes da lusa comédia humana. O sucesso do Senhor Ramalho em

Lisboa teve continuidade em A volta do senhor Ramalho , todos editados

na Biblioteca Teatral, evocando a tipologia do caracterí sti co Morgado de

Fafe, de Camilo Castelo Branco, nascido no ano de 1861 .

O espírito do folhetim subiu ao palco, mas não exclusiva mente

oriundo dos grandes romances. Alcântara Chaves, que era tipógra fo,

colaborador de jornai s e procedia dos t eatros particulares, criou uma

saga teatral, uma série de momentos cómicos sobre o Desca sca -Milho,

que se r epresentaram no Teatro da Rua dos Condes, entr e 1861 e 1865, e

que percorreram o país no r epertório da s companhias itinerantes –

Luizinha a le ite ira (2 ªsérie, nº1 ), O Descasca-milho (2 ªsérie, nº1) , O

casamento do Descasca -milho (2 ªsérie, nº7) , O baptizado do filho do

Descasca-milho , A morte do Descasca -milho (4 ªsérie, nº2) e Ainda o

Descasca-milho, ou lamentações de um pai de família (5 ªsérie, nº7) :

E o publico ri com o fi lho como riu com o pae, e como há de ri r com o

neto, se a lgum auctor consciencioso fizer às pred ilecções l itterarias da

plebe o que os t ribunos fazem às políticas… exploral -as (Chagas 1865:

103; itálico original ) .

Era a dinastia dos Descasca -milho, que sucedia à do Manel

d’Abalada (1855) , iniciada por José Romano, e continuada por Alcântara

Chaves, no Manel d’Abalada, assistindo à representação da

“Probidade” (7 ªsérie, nº3 ), ou do Mestre Gaspar Caveira , seguido do

Mestre Gaspar Caveira assistindo aos feste jos reai s (1858) do enlace de

D. Pedro e D. Estefânia . É o comentário polí tico de um socialista

u tópico, colaborador do Eco dos Operários , que sai transformado em

rábula de característi cos cidadãos comuns, que usam o seu speaker’s 170

Foi funilei ro de profissão até ao f im da vida, de vido à instabil idade profi ss ional

no t eat ro . O seu t empo áu reo de grande popularidade correspondeu ao período em

que esteve escri turado no Teat ro da Rua dos Condes , na empresa P into Bastos, após

t er deixado o Teat ro do Sali t re (Bas tos 1898: 28).

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128

corner do teatro para desaba far mágoa s171

: o Meeting promovido pelo

cidadão Leão Pantaleão no Circo Price (5 ªsérie, nº8 ), o Mestre Jaquim,

ou história de um funile iro contada por ele mesmo (1868), e sobretudo O

senhor João Fernandes à procura de uma posição social (1868). São

epi sódios quotidianos, questões prosaica s li sbonenses a lheias às

académicas conimbricenses.

E é também a poesia de sala , o intervalo poéti co avant-scène, que

celebra o altru ísmo – A arte não tem país , Dai aos pobres , ou Relig ião e

Arte (4 ªsérie, nº7) , recitada no teatro particular dos Anjos, por ocasião

de um benefício a favor da construção do monumento a os artistas

dramáticos – e a canção, “ língua sempre clara e fácil para ensinar e

mover a s cla sses populares” (Queirós [ s.d.]: I , 245, apud Carvalho 2013:

57), ou a cançoneta , cuja música se associa à palavra, expondo o

ridículo, e sendo mais efi caz que o panfleto, exceto quando este se torna

cena-cómica, monólogo cómico ou dramático, r evelando o raciocínio

fei to de factos argumentados:

Os pensamentos que é necessário colocar na alma do povo devem -lhe ser

apresentados como uma fórmula viva , nít ida , ou de uma manei ra

insinuante: por i sso os dois meios mais fecundos da propaganda são a

canção viva e concisa , e o panfleto, pela sua manei ra insi nuante. […] O

panfleto é um raciocínio, a canção é um grito ( Quei rós apud Carvalho

2013: 57 ).

O padrão da “Bibliotheca Theatral” repete-se na s coleções coevas.

“Theatro para todos” (1862 – 68), da Livraria Verol e Verol júnior,

publica quinze títu los, entre comédia s, entr eatos, cenas -cómica s e

cançonetas “representada s com aplauso em teatros públicos e

particulares”, do ourives José Inácio de Araújo , colaborador de

periódicos e tradutor da s fábulas de La Fontaine; do contrarregra

Franci sco da Costa Braga , tradutor de Achard e Saunière, de Vitor Hugo

171

Cf . o quadro a óleo de Édouard Dantan (1848 – 1897) Un entracte à la Coméd ie -

Française un soir d e première en 1885 (1886), que ret rata o a mbiente turbulento de

uma plateia de t eat ro ; e o de Paul -Albert Besnard (1849 – 1934), La première

d ’Hernani (1903), que recria o ambiente de es t reia dessa obra contundente, em 1830,

na sala Richel ieu, do Théât re -F rançais , e aproxima o observador do ambiente

descrito por Téophi le Gauthier , em His toi re du romanti sme (1872).

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129

e Bouchardy172

; de Silva Pessoa e José Romano, publicados em coleções

anteriores, mas também do ensaiador J . A. Rodrigues Rolão173

, do Teatro

da Rua dos Condes , de quem apenas se conhece a cançoneta cómica O

asilado, representada pelo ator Augusto no mesmo teatro174

.

A “Galeria Theatral” (1862 – 64) , da sociedade tipográfica Franco -

Portuguesa, edita em duas séries, de forma irregular entre o que publicita

e o que publica , co médias em um ato do s jornalista s Eduardo Coelho e

Franci sco Serra , cofundador do Eco literário (Silva 1858-1911: IX , 299) ,

e do novel poeta -contabilista Alfr edo de Ataíde , a “ensaiar -se na carreira

das letras” ( id ., ib id . : I , 41), que se coadunam com o repertório do t eatro

de sala , que todos frequenta m, enquanto dilettanti (Ferreira 2011: 49).

O “Theatro Escolhido” (1864 – 1872) , tendo o jovem Sousa Bastos

como editor li terário – inicia lmente para a livraria de Campos júnior ,

depois para a Agência Literária e Teatral , e, por fim, para a sua Livraria

Económica de Bastos & irmão – , publicou 36 espécies, em seis séries,

entre drama s, comédias, cena s cómica s e poesia s, dos tr adiciona is

autores populares – Costa Braga , Romano, Alcântara Chaves e Garrido – ,

a que se adita o a tor Queiroz (Raimundo de Queiroz Sarmento ), o

jornalista -conti sta Franci sco Leite Bastos e o próprio editor li terário,

que hegemoniza a coleção, a partir da 4 ª série , com as suas “ tentativas

literárias” . Os t eatros do Príncipe Real , do Cir co de Price, da Floresta

Egípcia , de Belém, e de Alhandra são as fontes recentes de realização

172

Cons ti tu íu a Empresa Edi tora Matos j únior & F. C. Braga, que edi tou a Galeria

dramática: col lecção d e dramas , coméd ias , scenas cómicas e poesias representadas

nos t eatros portuguezes (1865 – 1868), que publicou apenas oi to folhetos, com obras

suas , sendo o ú lt imo a comédia -imi tação Maldi ta campainha, do jove m a utor Thomaz

Lino de Assunção , que havia escri to anteriormente duas comédias – O cr iado de

minha mulher e Dormir acord ado -, quando es tudava Let ras em Coimbra, e aí

representadas . A segunda comédia, originalmente in ti tu lada Boni fácio , o sonâmbulo ,

chegou ao palco do teat ro do Ginás io a 16 de março de 1866. 173

Foi ensaiador do drama hi s tórico 1640 ou a Restauração d e Por tugal , “a rainha

das peças sobre a re vol ução de Sei scentos” (Perei ra 2004:78), de F ranci sco Duarte

de Al meida e Ar aújo e F ranci sco Joaquim da Cos ta Braga , que o censor li t erário

S ilva Tul l io aprovou enquanto obra l it erária, ressalvando o caracter pol ít i co da

mes ma. O drama subiu para conhecimento do governo e ap reciação do Conselho

Superior de Ins t rução Pública que recomendou al t erações t extuai s. Cf . a es te respei to

P ERE IRA , Maria da Conceição Mei reles (2004), “A pena em vez da espada: t eat ro e

ques tão ibérica”, Li teratura e His tór ia – Actas d o Colóquio Internacional . Porto,

vol . II, pp .78 -79 . 174

Cf . Apêndices – 7. Tabela de publicações dramát icas de “Theat ro para todos”, da

Li vraria Verol e Verol júnior (1862 – 1868).

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130

espeta cular das obra s editadas. Uma coleção que especializa o gosto dos

profissionais de teatro por composições ligeiras – à exceção da s

comédias-dra ma de Leite Bastos – , destinadas ao grande público, em

tudo opostas ao gosto cultivado nos t eatros de sala175

.

O univer so comum espelha -se nos enredos dos quiproquós de humor

ingénuo que delicia m as salas populares. Comédias breves, que mais

parecem entr eatos cómicos, poesias dramáticas, a fins dos eternos elogios

ao público, cenas -cómica s feitas crónica s de quotidi anos simples, tudo

serve o divertimento. Sousa Bastos, então com vinte anos, dá à estampa

as suas primeiras composições para o teatro profi ssional – a poesia

dramática Ao público , recitada pelo ator Soares, e a cena -cómica O

tabaco livre , desempenhada pelo ator Queir ós, a mbas no Teat ro da Rua

dos Condes – , e para o teatro de amadores – a comédia As figuras de

cera , escrita para a Sociedade Curiosidade Dramática , do teatro

particular da rua de Vicente Borga , à Esperança, de que faziam parte o

autor, seu condiscípulo Leopoldo de Carvalho176

, ensaiador do grupo, o

a inda amador Ca rlos Bayard177

, o fu turo empresário de espetáculos

Ernesto Desforges178

, e as a trizes a inda amadora s Amélia Vieira179

e

175

Cf . Apêndices – 8. Tabela de publicações dramát icas de “Theat ro escolhido:

Col lecção de dramas e comédias”, da Livraria de Campos júnior (1864 – 1872). 176

Actor e ensaiador t eat ral, principiou pela carrei ra comercial , frequentando,

posteriormente, a Academia de Belas -Artes , onde estudou desenho de f igura.

Aprendeu també m a gra vação e m madei ra. Como a mador de t eat ro , frequentou

diversas sociedades parti culares . Optou pela carrei ra dramát ica, em 1864. Tendo t ido

como professor Duarte de Sá, concluiu o curso de Arte Dramát ica, co mo pens ioni sta,

pres tando prova públ ica no Teat ro de D. Maria II , e m 22 de Maio de 1867, nas peças

O mealhei ro e Viagem à China, sem consegui r obter class i fi cação pos it iva. Percorreu

as sociedades amadoras da província, acabando por ser escri turado, em 1869 , pelo

actor José Carlos dos Santos , para o Teat ro do P ríncipe Real , de Lisboa, onde se

mante ve até 1870, t rans it ando para o do Ginás io , donde nunca mais saiu , a não ser

no ano em que fo i ensaiador no Porto . Traduziu e imi tou diversas co médias para o

repertório do Ginásio (Bastos 1898: 74 -75). 177

Ator que, no t eat ro amador e no in ício de sua carrei ra profissional , em 1865, na inauguração do teat ro do P ríncipe Real , promet ia ser uma re velação, ao ponto de

F rancisco Palha o cont ratar para o t eat ro da Trindade , mas que não correspondeu às

expectativas . Es teve cont ratado no teat ro do Ginásio em pos ição sat is fatória, mas ,

devido a doença, fo i sendo relegado para segundo plano. Seu amigo Desforges

apoiou-o , cont ratando -o para o Teat ro da Avenida , onde pouco fez. Posteriormente,

fo i escriturado no Teat ro de D. Maria II , dese mpenhando mod es tos papéi s na

Empresa Rosas e Brazão, com a qual t rans itou para o t eat ro de D. Amé l ia . Acabou

por se ret i rar da cena, por razões de saúde (Bas tos 1898: 348 -49; id . 1908: 202). 178

Escritor e empresário t eat ral , d i rigiu em diversas épocas os vários teat ros de

Lisboa, além de out ros recin tos de diversão. P rimei ra mente, foi empresário do

Teat ro da Rua dos Condes , de sociedade com seu cunhado José Torres .

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Jesuína Marques, entr e outros que não seguiram a profi ssã o, nem

atingiram o prestígio destes no panorama teatral popular da segunda

metade de Oitocentos .

Desta nova geração t eatral, esperar -se-ia a lgo mais do que o

prolongamento do gosto dos teatros de bairro, mas ta l não acontece. O

teatro assume-se como forma comercial, como “ mercado factí cio”

perver samente contrário à ideologia garrettiana. Na realidade, o gosto

público formara hábitos, a necessidade su stentava o teatro, ma s não era o

“grande meio de civili zação”, que o setembri smo aspirara; eram tempos

de melhora mentos materia is, época moderna de liberdade de escolha de

assuntos, sem a verdade dos sent imentos e afetos da geração romântica,

nem o “estudo microscópico da forma” (Silva 1848b: 107). Ainda que

apelidadas de comédias, estas peças curtas d e sabor naturalista ,

retra tando tipos populares, sem preocupações de estru tura dramática

elaborada, nem desenvolvimento de enredos para a lém de uma mera

realidade facilmente identi ficável a través das suas caracterí stica s

elementares, l embram os – tão em voga – sa inetes.

As comédias de Sousa Bastos cu mprem a r egra dos quiproquós, dos

equívocos amorosos provocados por ciú mes e confusões de ident idade,

“riscos e perigos do casamento em geral” (Bastos 1871: 11), a coberto do

escuro da noi te, como em Figuras de cera , ou às claras, como em Lição

às mulheres . Estas tiranias do amor, guerra de sexos, tra ições conjugai s,

pretendendo demonstrar a “coragem para suportar a desgraça dos outros”

( id . , ib id . : 15), e que os “maridos não são tão tapados como os

apresenta m no teatro” ( id . , ib id . : 23), reproduzem um quotidiano

pequeno-burguês, sem a dimensão dramática de flaubertianas Bovarys ou

de queirosianos Basílios.

Posteriormente, alugou o Tea t ro do Ginásio , onde apresentou a primei ra companhia

de opereta i t al i ana em Lisboa, a co mpanhia F rigerio , que não teve o sucesso

previ s to . Di rigiu o Teat ro -Ci rco de P rice nos úl timos anos de exi stência deste

edi f í cio , onde promo veu espetáculos que at raíam grande públ ico, mes mo da

província. De sociedade com os cavalei ros Enrique Díaz , Alexandre Mó e o palhaço

Whi ttoyne, explorou o Teat ro dos Recreios . Foi um dos fundadores do Teat ro da

Avenida, e promotor das batalhas de flores nessa nova artéria da capi tal. Para o

t eat ro escreveu obra d iversa, que subiu à cena com sucesso (Bas tos 1898: 302 -3). 179

Casou com o ator José Carlos dos Santos , o Santos pi torra, sendo fru to da relação

o ator Carlos Santos .

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O enredo imitado de Figuras de cera , com entradas, por janelas, de

protagonistas em fu ga por t elhados, a lembrar um epi sódio de boulevard

de um aportuguesado Roberto Macário, mistura no mesmo equívoco a

metateatralidade, o divertimento de feira das “peças pantomímica s”

(Bastos 1864: 26) – bonecos de cera tão credivelmente reais que

despertam medos – , e a crítica aos “dramas de punhal” do Teatro-Circo

de Price. Nesse apelativo gosto macabro, encontrou Sousa Bastos a

possibilidade de adaptação do enredo a um carnavalesco Traupmann e

seus cúmplices . Nesta comédia, que segue li teralmente o texto da

primeira , t irou -se partido do efeito jornalísti co em torno do massacre de

Pantin, em que o jovem Jean -Bapti st e Traupmann (ou Tropmann) fo i

guilhotinado pelo assa ssínio da fa mília Kinck. O caso francês,

amplamente relatado fez o sensacionalista Petit Journal tr iplicar as

vendas à sua custa e mobili zar a opinião pública europeia . Condenado a

30 de dezembro de 1869, o autor confesso do crime foi executado em

janeiro do ano seguinte, e Sousa Bastos fez subir a su a comédia, no

teatro das Variedades, a 19 de dezembro daquele ano, em pleno clima

truculento180

. O horror, que Ivan Turgueniev r egi stou no artigo Kazn’

Tropmana (A execução de Troppmann ) , a propósi to da gente que,

desrespeitando a dignida de humana, exultava com o espetá culo público

da execução, confronta -se com a ligeir eza com que a comédia portuguesa

explora esse fa it d ivers, criando um equívoco onomá stico, passível de

signi ficados antagónicos, entre o nobre móbi l anarquista e o vil

assassino a soldo. Faltou a Bastos o que Camilo colocou em O

condenado : a lembrança elevada de um “pungente a contecimento” coevo,

180

Cf. GRA MFO RT , Véronique (1997), «Les cri mes de Pant in: quand Traupmann défrayai t l a chronique», Romant i sme : Revue d u Dix-neuvième s iècle, vo l . 27, n ª 97 ,

Le fai t d ivers , pp . 17 -30. [ht tp :/ /www.persee. fr / i ssue/ roman_0048 -

8593_1997_num_27_97 ]. Segundo a ensaís ta, o caso apresenta contornos dúbios ,

sobretudo numa época de contes tação ao regime pol í t i co do Segundo Imp ério . A

celeridade com que o processo se resolveu i mpl icou sobretudo uma operação de

credibil idade do poder pol icial. Ent re o crime soli t ário , movido pela âns ia de

d inhei ro, o crime pol í ti co e a poss ível exi stência de cúmpl ices, os di ferentes setores

da opinião pública – “la rumeur et l es canaux populai res de l a chanson, des

brochures et des cabaret s , l es résonances […] chez l es hommes de l et t res ou de

pensée” (1997: 30) – tornaram o caso numa das mais re veladoras est ru turas do

ima ginário criminal oi tocenti s ta ( id . : ibid . ).

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“drama de angústias e de sofrimento”, que provoca sse um “calafrio, um

estr emecimento” no auditório (Vidal 1871: 11).

Deste acervo de comédias assentes em mot ivações de banalidade,

badinages, segundo Eduardo Vidal (1871: 20), tão contrárias ao espírito

de independência nacional vivido neste t erceiro quartel de Oitocentos,

guarda-se a sensação de uma vontade de r epresenta ção dramática popular

apolítica , em contraciclo com a literatura que entrava “mass ivamente na

políti ca” (Pereira 2004: 71), quando se fabricavam memória s

legitimadora s dos interesses presentes que antevissem rumos futuros

( ib id .: ib id .) , contrariando o sentimento de decadência nacional .

Bibliotheca Lisbonense (1865 – 1873)

Outras coleções prosseguem interesses de l eitura menos

imediatista s, embora retomem a tradução de obras francesas recentes,

como este repositório híbrido, iniciado em Outubro de 1865, por Joaquim

José Anaia181

, professor do ensino livre, que falava fluentemente francês,

inglês e la tim, e a quem se deveu a tradução de romances e de muitas

peças populares para os t eatros públicos de Li sboa, na segunda metade

de Oitocentos (Pato 1894-1907: I , 58). A “Bibliotheca Lisbonense”182

publicou mensalmente dra mas, comédias e romances183

, em traduções e

imitações do seu editor l i terário, de Rangel de Lima , de Henrique de

181

Era f i lho do b rigadei ro Anaia, l iberal que prescindiu de mordomias , por col id i rem

com as suas convicções pol í ti cas . Segundo o seu amigo de infância Bulhão Pato

(1894-1907: I,58), Joaquim José tinha t anto de fo lgazão como de alt ru ís ta. Em 1847,

ano da febre-amarela, t rabalhou como voluntário nos batalhões organizados cont ra

esse f l agelo. Em 1849, cons ti tuiu famí l ia com Emí l ia de Sá do Amaral , e fundou o

Ins t i tu to Li terário , na rua de Buenos Ai res , em Lisboa, de onde saí ram nomes

i lus t res , como José Tomás de Sousa Mart ins . Em 1855, quando o colégio encerrou

portas, J . J . Anaia t rans itou para a Escola Acadé mica, onde se conservou até 1882.

Foi proprietário , em conjunto com Carlos Borges , do periódico O Ensino L ivre

(1871). 182

Cf. Apêndices – 9. Tabela de publicações dramát icas de “Bibl io theca Lisbonense”,

de Joaquim José Annaya (1865 – 1873). 183

A coleção teve d i ferentes impressoras : Li sboa: Tipografia de Vicente Alberto

Go mes dos Santos , rua d a Vinha, 51 -53 (1865-6; 1867); Li sboa: Tipografia da

B iblio teca Cláss ica, Rua do Norte, 112 (1866); Li sboa: Tipografia Lus itana, Largo

de S. Roque, 7 (1866); Li sboa: Tipografia Comercial , Largo de S . Domingos , 12

(1867-68); Li sboa: Tipografia da Bibliothec a Lisbonense, rua do Duque, ao Carmo,

36-38 (1868-9); Li sboa: Tipografia Lus itana, Rua Nova da Palma, 89 -93 (1870);

Li sboa: Tipografia Comercial , rua do Cruci fixo , 62 -66 (1870-1); Li sboa: Tipografia

do «Ensino Livre », rua do Cruci fixo, 62 -66 (1872); Li sboa : Imprensa Come rcial , rua

do Cruci fixo , 62 -66 (1873) .

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Oliveira júnior e de Carlos Borges, entre outros, enunciados na edição de

ju lho de 1866:

Outubro 1865, Jorge, o marinheiro , comédia em 1 acto. Novembro –

Dezembro, A Vida de um rapaz pobre, comédia-drama em 5 actos e 7

quadros. Janei ro – 1866, Tribulações de um Herdeiro , comédia em 3

actos, Adriana , romance. Feverei ro - Uma lição aos maridos, comédia em

1 acto, Ilusões e Dores, romance. Março - Um naufrágio nas costas da

Bretanha, drama em 4 actos, O Segredo da Confissão, romance. Abri l -

Um Naufrágio (32 pp), O Segredo (32 pp). Maio – Um Naufrágio

(conclusão), O Segredo (conclusão), Um Creado Amo, comédia em 1

acto. Junho – Matheus, o braço de ferro , comédia em 2 actos, Uma noite

de martyrio, romance. Julho – Hade [sic ] servir-me de lição, comédia em

1 acto, A Promessa, romance.

A dir eção motiva o interesse dos assinantes, a tribuindo br indes

tr imestrais. Partituras musicai s de conhecidas polcas, mazurcas e valsas,

para piano, flauta ou canto, entre as quais se contavam composições do

próprio Anaia , despertam outros inter esses para a lém da l eitura das

obras, convocam ao convívio no domicílio e à propagação e

desenvolvimento de atributos artísticos de uma cla sse média i lustrada a

preços módicos:

A Bibl iotheca Lisbonense vencendo todos os obstáculos que sempre se

opõem ao progresso de empresas desta ordem, tem conseg uido sati sfazer,

quanto em suas forças cabe, aos desejos de seus assinantes, excedendo

sempre os compromissos que se impusera no seu 1 º número. A

Bibliotheca Lisbonense publ ica todos os meses um acto de comédia ou

drama representado em algum dos teat ros da capi tal , e duas ou t rês folhas

de romance, ao todo 64 páginas, pelo diminuto preço de 100 réis. Em

Junho foi dist ribuída aos srs assinantes, como brinde, uma Polka inglesa,

em Setembro uma Valsa, e em Dezembro será dist ribuída uma boni ta

Mazurca . Nos mese s de Março, Junho, Setembro e Dezembro – os sr s

assinantes receberão sempre, como brinde, uma Valsa – Polka – Mazurca,

e tc. Esta Bibl iotheca tem conseguido publicar por menos de 200 ré is,

romances, que, em França, onde são muito mais cómodas as despesas de

impressão, custam 3 fr e em Lisboa 600 ré is (Anaia 1867: cont racapa) .

O modus operandi ter-se-á demonstrado proveitoso, influ indo, a

partir de 1871, na qualidade dos brindes, a cujo aspeto in telectual se

acrescentou um melhoramento materia l. Com a publicação da ú ltima

folha dos romances pa ssou a ser distribuído um bilhete com tr ês

números, definidores do prémio, segundo a loteria da Miser icórdia de

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Lisboa, após publicação do referido folheto. Ao primeiro prémio

corresponderia um “broche de ouro ou um par de botões de ouro para

punhos”, e ao prémio imediato, “uma bol sa de prata”.

A coleção ret oma o espírito das traduções/imitações. E se, na sua

maioria , as imitações publicadas diluem na quase totalidade a referência

às obras originais, as traduções deixa m bem claro a proveniência autoral,

e o apreço qu e J . J . Anaia lhes dedica, mesmo que inomin ados: Octave

Feuillet, Le roman d’un jeune homme pauvre (A vida de um rapaz

pobre )184

, Victor Séjou r, André Gérard (André Gérard ) , Eugène Sue, Les

mystères de Paris (Os mistérios de Paris )185

, Antier, Saint -Amand e

Lemaître , Robert Macaire (Roberto Macário ) , Desnoyer e Dennery, La

bergère des Alpes (A pastora dos Alpes ) , Dennery, Le château de

Pontalec (As fidalgas de Pontalec ) , Pierre Berton, Le vertue de ma

femme (Uma ideia imprudente ) e Eugène Scribe, L’artis te (O artis ta ) .

As escolhas de Castilho e Mello: Theatro contemporaneo (1869 –

1873) e Bibliotheca theatral (1874 – 1875)

Dirigida por Augusto Ernesto de Castilho e Melo e pelo Dr.

Guilherme Celestino, a publicação “Theatro Contemporâneo” , em quatro

volumes186

, com periodicidade anual, pretende ser a lgo mais do que u m

repositório de obras dramáticas187

. No “cavaco aos sr s. Assignantes”, qu e

184

A respei to da sua es t reia no Teat ro de D. Maria II , cf . C HA G A S , Manuel P inhei ro ,

“Artes e Let ras”, Annuar io do Archivo Pi t toresco, nº 16, Abri l, 1865: 126. 185

Anaia refere t ratar -se de uma t radução a part i r de versão espanhola. Poderia ser a

versão dra mát ica Los mis térios d e Par i s , de Vicente Lalama, edi tada em duas partes ,

em 1848 (Rubio Cremades , 2008). 186

Cada série de 4 volumes , por ass inatura, cus tava 1$800 réi s ; avulso , 2$250. Cada

volu me a vulso s imples orçava 500 réi s ; com biografia e ret rato val ia 600, e com

duas subia para 700 réi s. Adqui riam-se na Li vraria de S i lva Júnior & Cª, e na de

Campos Júnior, em Lisboa. As livrarias do Porto e das províncias for am anunciadas

posteriormente pela imprensa. As cont racapas da coletânea são preenchidas com charadas assinadas por Duarte de Sá , o senhor calembourg al i ciando os assinantes

com quebra-cabeças , cuja resolução e remessa aos edi tores conferia aos t rês

primei ros “abelhudos” o di rei to à receção grát i s do volume seguinte. O prémio

es tendia-se a quem en viasse as t rês melhores charadas ou logogri fos dent ro do

mes mo prazo. 187

Quando o solicit ador e cami l iani s ta Diogo José Seromenho assumiu a sua

continuidade, em 1874, a empresa passou a configurar o modelo das coleções avulsas

congéneres . E ainda que referi sse o ano de 1869 como dat a fundadora, a nova

b ibl io teca passou a designar -se “Theat ro contemporâneo de Diogo José Seromenho”.

Quer individualmente, quer em sociedade com A. Rebelo Palhai s , ou A. César de

Vasconcelos , indica-se, em catálogo de cont racapa, que “todas as peças são próprias

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prefacia o 1º volu me (1869), os editores lit erários desculpam -se pelo

incumprimento do prospeto, o a traso de um mês, e apelam à

condescendência dos leitores, com promessas r etorcida s de benesses

fu turas que, todavia , se não desvendam. Golpe publicitário, dando com

uma mão e r etirando com outra , para justifi car a ausência da biografia do

ator José Carlos dos Santos, r edigida por Manuel Roussado , autor de

Fossilismo e progresso, entretanto nomeado cônsul em Cádis, pelo

marquês de Sá da Bandeira .

Eis a novidade da empresa. Além das obras dra máticas,

acrescentava a aprecia ção críti ca do a no t eatral antecedente e divulgava

o registo biográfico, a companhado de retrato, de um ator de primeiro

plano da cena portuguesa coeva. Em tempo de vedetas da cen a, a sua

importância era reconhecida como mais -valia promocional, e u tilizada

pelos periódicos nos seus propósitos divulgadores, criando u m sist ema

que interligava os di fer entes setores da produção dramática, da

realização do espetáculo e da receção estéti ca. “Theatro contemporâneo”

prometeu as biografia s de Emília das Neves e de João Anastácio Rosa

(pai) , por doi s colaboradores, de que guardava o “incognito”.

Todavia , a Linda Emília nunca consentiu em ser biogra fada.

Debalde o t entaram Júlio César Machado e António Fel iciano de

Castilho, e só Luís da Câmara Leme , acobertado como “um dos seus

admiradores”, se permitiu coligir documentos para a biografia da mulher

amada. Como tal, o segundo volume publicou a fotogra fia conjunta dos

atores Rosa, pai e filho, cabendo ao polemista Ed uardo Vidal , autor de

Guelfos e g ibelinos , redigir a biografia daquele que se retira va da cena

para se dedicar à escultura188

, deixando que o filho prolonga sse a escola

paterna na r ealização plásti ca do espetáculo, numa transmissão de

para representar em teat ros públ icos e part i culares”. Sem a preocupação de const itu i r

volu mes anuai s , a coleção at ingiu mais de um centenar de fo lhetos: Diogo José

Seromenho (71 tí tu los) , Augusto César de Vasconcelos (12), Al fredo de Sarmento

(8) , António José Rodrigues Lourei ro (6) , Pedro Cabral (3) , Júl io Rocha (3) , José

Romano (1) , A. Rebelo Palhai s (1) , Jú lio Howorth (1) , Jorge Salguei ro (1) , J. R.

Chaves (1) , Carlos de Almeida (1) , F ranci sco Jacobet ty (2), Eugénio Rocha (1) . 188

É de sua autoria o bus to em már more de Al meida Garret t , que se encont ra no át r io

do Teat ro de D. Maria II, inaugurado a 9 de nove mbro de 1868.

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testemunho intergeracional, confessadas na s Recordações de scena e de

fora de scena , de Augusto Rosa .

Para contentamento dos l eitores, ficava a promessa para o t er ceiro

volume do r etrato e biogra fia de outra Emília , a Adelaide P imentel , a

quem se reconhecia m “profundas qualidades de averiguação e de estudo”,

com Duarte de Sá , na Escola do Conservatório, e na viagem a Paris, onde

aprendera novos recursos e meios inéditos de interessar e de comover,

dando à produção artísti ca o “ toque final e veemente que é em todas as

criações da arte como aquelle clarão supremo […], o mystico segredo

d’essa luz estranha e deslumbrante que assignala as obras primas aos

olhos da multidão offuscada” (Ortigão 1871: 15). Todavia , Ramalho vai

a lém dos limites biográficos per sonalizados, debuxando o retrato da

mulher -atriz, na defesa de uma emancipação femini sta , à Dumas filho,

dessas mulheres “equívocas”, para quem o t eatro funciona como “espécie

de clausura”, quando o mundo lhes fecha a porta:

A vida de uma at riz é um título para que não há obra, assim como a vida

particular da act riz é quasi sempre também uma obra para que não há

t itulo. […] A sociedade divorcia -se de todas as mulheres de ta lento

que esposam a arte (Ortigão 1871 : 3 ).

O teatro, onde a “mulher artista” compra a liberdade com o “preço

da solidão”, é o “ cenóbio melancólico” da sua independência . Negando -

lhe as “cousa s suaves, á speras ou pungentes” da s outras mulheres, a

sociedade condena a a triz, tão “fraca, débil, inexperiente” qu anto as

outras mulheres, a “rasgar com o trabalho a s entranha s duras da terra em

que se semeia o pão dos fortes” ( id . , ib id . : 4 ); “poderá vir a ser mulher

de algum homem, ma s não poderá mais deixar de ser para todo o sempre

o homem de si mesma”. O teatro passa a ser a pátria , a famíl ia e o lar.

Ela será a “esposa do público”, um marido caprichoso e volúvel, que

tanto ama com entusia smo, como a apostrofa com raiva. Ela será a

“escrava da glória” , que procura durante metade da vida, e da qual foge

na outra me tade. E a glória , que “está para o ta lento dos artist as, como a

sede para a febre dos enfermos”, consome -a por dentro, nu ma “espécie

de convenção a que está presa a feli cidade e de que depende a

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exi stência” ( id ., ib id . : 5 ). Qual Arlequim, a a triz serve doi s amantes: o

homem de espírito que a acompanha solí cito e a presenteia , e que a

requesta tanto quanto o outro, o público, o “querido anonymo eleito do

seu cora ção”, que “nem aprecia nem agradece” ( id . , ib id . : 8-9), mas por

quem ela sacri fi ca tudo.

A le itura amena das obras dramáticas do “Theatro contemporâneo”

complementa -se com a crónica de Eduardo Vidal , o defensor de Castilho,

que, na secção “Revista Theatral” , faz “apreciação críti ca , destinada a

memorar os sucessos t eatrais” do passado recente , reconhecendo que a

vida lit erária se achava “debi litada por fa lta de alimento próprio”, sem

“favores convidativos, nem incita mentos honrosos”, daí resultando o

“esmorecimento inevitável” . Os escritores ocupavam -se com a políti ca , e

as fileiras li terárias fi cavam desertas, para g rande prejuízo do t eatro

(Vidal 1869: 241-42):

Não teremos nós la tê te dramat ique , como os franceses l ’épique? –

perguntava há quarenta e sete anos o nosso primeiro dramaturgo, no

prologo de uma das suas composições notáveis. Eu creio que a não temos

fecunda; além d isso o povo educado pelo gosto das peças est rangei ras,

afoito ao sabor dos manjares de um contexto e special , nem sempre se

regala com os pratos da casa, apezar de toda a sua nacionalidade de

pregões ou de inst inctos (Vidal 1869: 242).

A ausência de produção dramática nacional justif icaria , a té certo

ponto, a necessidade de obras traduzidas, dando -se primazia ao bom

gosto do teatro francês, pela “vivacidade do diálogo e pelo enredado do

contexto” ( ib id . : ib id .) , “ índole” do povo, capaz de “borboletear” , de

“construir um drama sobre o bico de um al finete”, tão di ferente do

andamento português “sobre bases mais seguras” ( id . , ib id . : 243):

Sardou anda ha não sei quantos anos a queimar maços de cartas para

esquentar a verve; e o publico de cá e o de lá ainda se não cansou de

festejar aquella chamazinha azulada ( Vidal 1869: 243; itálico original ).

Esta condescendência seria razão suficiente para que uma proveitosa

“comunicação de ideia s” ( ib id .: ib id .) intercultural animasse os editores

do “Theatro Contemporaneo” a criar uma compilação de obras traduzidas

do francês, tão ao gosto da atacada escola coimbr ã, umas inédi tas, outras

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representadas no teatro de D. Maria II , ao tempo gerido pela mão hábil

de José Carlos dos Santos. O primeiro volu me (1869) edita duas das

primeiras obras de Edmond Gondinet189

, O Conde Jacques (Le Comte

Jacques , 1868) , traduzida pelo editor li t erário Castilho e Mello , e A

gravata branca (La cravate b lanche , 1867) , por Pinheiro Cha gas190

; e a

comédia-vaudevill e Dois perdigueiros n’um rasto (Deux nez sur une

piste ) , de Marc Michel e Adolphe Choler191

, por Lavínia de Ca stilho e

Mello (L .C.M.). Para o segundo tomo (1870), Guilherme Celestino

traduz livremente o drama de Anicet -Bourgeois e Michel Masson, Marie-

Rose (A doida de Montemayor ) , e Castilho e Mello, o grande sucesso

parisiense de Jules Moineaux192

, Os dois surdos (Les deux sourds) . O

terceiro volume (1871) integra apenas a tradução livre do drama em

cinco atos Les amours de Paris (Os amores de Paris ) , de Dennery e

Lambert -Thiboust (pseud.) , por Castilho e Mello . O último volume

(1873) contém apena s traduções pelo editor principal e por Lavínia de

Castilho e Mello: o drama Júlia (Julie ) , de Octave Feuillet , a s comédias

Meninos grandes (Los niños grandes ) , de Henriqu e Gaspar e História

antiga (Histoire ancienne ) , de Edmond About e Émile Nanjac , pelo

primeiro, e a comédia Em casa da avó (On demande una lectrice )193, de

Paul Siraudin e Al fr ed Delacour (pseud.) , pela segunda.

Terminada a publicação do “Theatro contemporâneo” , Casti lho e

Melo associou -se a Ari stides Abranches na constitu ição da “Bibliotheca

Theatral” , com escritório na editora Carvalho & Cª, com o objetivo de

publicar textos dramáticos originais ou traduzidos, prolongando o

espírito da anterior. A a ssinatura previa séri es de tr ês volumes, que

“para garantia e comodidade” dos a ssinantes podia ser paga por folha s,

189

Foi in icialmente funcionário público em Li moges , t al co mo seu pai , carrei ra que abandonou quando era funcionário do Ministério das Finanças , para se dedicar

in tei ramente à escri t a dramát ica. Escreveu peça sobre a vida pari siense, com especial

relevo para a descrição dos funcionários públ icos que bem conhecia. Escreveu e m

colaboração com Alphon se Daudet e Eugène Labiche, ent re out ros . 190

As cenas I e II fora m edi tadas no Almanach Tabord a para 1869 (Lisboa: Tip .

Uni versal de Thomaz Quintino Antunes) , pp .162 -169. 191

Di retor do Théât re du Palais -Royal , ent re 1868 e 1879. 192

Pai do escri tor Georges Courteline , com quem part i lha o mesmo gos to pela

comédia de s ituação, em que t i ra partido da comicidade de s imples quiproquós. 193

Es te original francês t eve t radução -imi tação pos terior por Penha Coutinho, com o

t ítu lo A costurei ra .

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fascículos ou volumes. As obra s foram editadas ao ritmo de “duas folhas

por semana”, imediatamente di stribuídas aos a ssinantes de Li sboa, Porto

e Coimbra. Para outras localidades do reino, ilhas e Brasil , a remessa

fazia-se por fascículos, compondo uma peça completa , cujo custo seria

consoante as folha s que contivesse. Nas localidades em que existi sse

correspondente , seria da sua responsabilidade a entr ega e cobrança das

obras. Em outras circunstância s, estas seriam remetida s por corr eio,

contra o pagamento por vales ou estampilhas194

.

Como forma de ali ciamento a quem promovesse a venda de doze

assinaturas realizávei s, a empresa oferecia um exemplar grátis e as

regalias dos assinantes. Demonstrando maior ousadia , foi incrementado

um concurso entre os assinantes, a tribu indo prémios por cada série. A 1ª

compreendeu 3 prémios, equivalentes a cada volume editado: um bilhete

de loteria de Lisboa, um estojo de garfos e facas de sobremesa com

cabos de prata , uma inscrição da Junta de Crédito Público no valor

nominal de 100$000 réis, respetiva mente195

. Não terá sido por fa lta de

incentivos materia i s que a coleção não pa ssou desta primeira séri e,

quando tanto prometia pela qualidade dos colaboradores.

Para a lém dos editores literários Castilho e Melo e Ari stides

Abranches, ampliou -se a variedade de tradutores/imitadores e de

repertório publicado, rela tiva mente à coleção “Theatro contemporâneo”,

mantendo-se, porém, o ju ízo de compendiar obras de r efe rência ,

194

A es t ratégia promocional u ti li za o verso de capa e de cont racapa para indicar as

condições de venda, no cont inente e i lhas , e para o Brasi l. Para os ass inantes do

Cont inente e Ilhas cada volume cus tava 500 réi s . Por fascículo , varia va consoante o

número de fo lhas , custando 20 réi s «cada [fo lha] de 16 páginas». Em mo do avulso , o

volu me brochado, cus tava 600 réi s . O preç ário para o Brasi l , pago adiantadamente,

es t ipulava 1 $250 réi s , por volume, e 3 $600 réi s , por série. As remessas para o reino

e para o es t rangei ro seriam «francas de porte» para os ass inantes . Aos l ivrei ros e

cobradores a empresa oferecia uma co missão de 1 0 por cento , ou o dobro, no caso de se sujei t arem às cont ingências da cobrança, pagando as ass inaturas adiantadamente

ou no ato da receção dos exemplares . 195

Os prémios para o 2º e 3º volume era m at r ibuídos ao assinante que t ivesse

subscri to os volumes ante riores . No 2º fascículo, do 3º volume, surge o nome do

contemplado no sorteio do 1º volu me: José Maria Ferrei ra Al mendro , da vi l a de

F rontei ra. Esta informação permi te a val iar a abrangência geográfica da Bibl io teca

Teatral . Na cont racapa, do 5º fascículo , do 3º volume, anuncia -se o ven cedor do 2º

prémio, o “s r . José Lopes de Olivei ra Velho , thesourei ro da câmara municipal de

Lisboa”. Não tendo passado des te ú lt imo volume, desconhece mos o feli z

contemplado com os forçosamente t ão ambicionados 100$000 réi s do Crédito

Públ ico .

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constitu indo u ma biblioteca de leitura doméstica , espécie de álbum de

família , que denota a moda conservadora da burguesia letr ada. Entre

originai s e traduções/imitações, a seleção exala uma espécie de ú ltimo

suspiro da “sociedade do elogio mútuo” (Martocq 1975: 39), perante as

nova s regra s de bom gosto reali sta . Os intervenientes na coletânea

encontram-se d iretamente ligados ao grupo de Ca stilho , t endo o sarcasmo

de Biester, em Os sabichões , a primazia de fascículo de a bertura do

primeiro volume.

A peça, representada no t eatro de D. Maria II , a 21 de dezembro de

1872, durante a gerência da empresa Santos & Cª , era uma “espécie de

máquina de guerra montada em palco” (Medina 1974: 51), possivelmente

instigada pelo próprio Castilho (Martocq 1975: 43), que trazia à memória

a polémica em torno da Conferência do Casin o, no ano anterior196

.

T ratar-se-ia de uma “peça capita l no processo movido cont ra Teófilo

Braga” (Medina 1974: 49), a “cabeça visível da federação dos moços

‘germânicos’” ( id ., ib id . : 52), a geração antagonista de 1865 -66, que,

volvidos cinco anos, se tornara mais aguerrida. A peça passou à margem

da crítica dos hi storiadores de teatro, salvo a referência de Sampaio

Bruno, em A geração nova (1886), e do próprio Teófilo , acu sando a lu ta

de Biester, em As modernas ideias da literatura portuguesa (1892, II) . O

títu lo da comédia alude ao epíteto com que A Nação classi fi cara o grupo

do Ca sino, em artigo a ssinado por “um inimigo dos sabichões” (Medina

1974: 53).

A picardia ganha contorno inci sivo, se tivermos em conta que a

tradução libérrima de Les femmes savantes , por Castilho , em 1867, foi

publicada no mesmo ano da comédia de Biester , com o títu lo As

sabichonas . Se o molier esco pedante Trissotin, travestido em castilhiano

Pancrácio, arenga sobre poesia , academia s, gabinetes cientí fi cos e bela

linguagem, caricatura das novas r egras do bom gosto, qu e Castilho

reprova, em especial quando oriundas da Alemanha, t ambém o

196

A es te respei to cf. MED IN A , João (1974), “Uma peça cont ra a geração de 70: Os

Sabichões, de Ernesto Bies ter”, Colóquio Let ras , nº 21 (set. 1974), pp. 48-64.

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“sabichão” Gaspar Moreira , de Biester, com ressonâncias caricaturais de

Teófilo, elogia as obra s de Herder , Schlegel , Muller, Michelet e Hegel ,

como “labirintos ideai s” donde saem “doudos sublimes” (Biester 1872:

9). A conclu são preceptiva , enunciada pelo conciliador médico Basílio

Feio, parece querer definir os objetivos da coleção de Castilho e Melo:

Não se cria uma nova l iteratura amesquinhando unicamente a velha. […]

Sejam operários das le t ras e não malsins unicamente . […] Levantem o

que julgam decadente, mas subst i tuindo às obras condenadas out ras obras

mais val iosas. […] Apresentem quadros conscientemente estudados em

tais modelos. […] Assim forma -se uma literatura; […] assim a geração

actual e levar-se-á acima das passadas gerações (Biester 1872: 114).

As escolhas de Castilho e Melo tra zem à colação novos vultos da

literatura francesa, entr e o romantismo e o realismo, enredos que

retratam os problemas sent imentai s da alta burguesia , intrigas

deliberadament e sucinta s, sem grande profundidade psicológica, por

per sonagens convencionais. Scribe, fa lecido em 1861, fora o

representante do espírito burguês da Monarquia de ju lho (1830); Octave

Feuillet e Théodore de Banvill e r epresenta m o mundo elegante do

Segundo Império (1852) e da Terceira República (1870). São os

herdeiros da t écnica da pièce-bien-fa ite , que moldou as obra s de Dumas

filho, e de Augier , abordando os conflitos burgueses de forma mais

detalhada, ma s continuando a procurar apenas a confirmação dos valores

morais do público, segundo a escola do bom senso burguês, da sanidade

e ponderação. Teatro dos “enredos honestos, da comédia sem farçantes,

dos diálogos sem ret icências obscenas, das scenas sem estoiros e

fascinações de decla mação ambígua”, divertimento de plateias seletas,

apreciadoras do “delicado, brando, límpido e met iculoso”, mas qu e

entediava as grandes massas (Cordeiro 1874: 75).

Pinheiro Chagas traduz Les sonnettes (As campainhas ) , de Meilhac

e Halévy, dando a conhecer uma faceta séri e dos comediógra fos,

largamente reconhecidos como libreti stas das operetas de Offenbach .

Sem perder o humor vivo, mas co locando de parte o instinto parodísti co,

eles r epresenta m o pintor de costumes, das figuras reai s, que percorrem a

cidade, e, sobretudo, da mulher, da petite femme , que Henr i Lavedan

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definiu como a “gentille marionete de la vie, poupée à caprices d’un jour

et à passions d’une nuit”197

. O autor do Poema da mocidade traduz ainda

Le cas de conscience (O caso de consciência ) , de Octave Feuillet , visão

lúcida e elegante da vida, numa prosa fluente e espirituosa.

O espírito de Hugo revive em Gringoire , de Théodore de Banville,

que Ferreira de Mesquita traduz como Luis XI e o poeta . Avesso à poesia

realista e ao ultrarromanti smo, Banvill e procura a função formal no culto

da beleza, cuja poéti ca precursora do parnasiani smo desenvolve em Petit

tra ité de la poésie française (1870), influenciando Mallarmé, Verlaine,

Coppée e Daudet . Gringoire , considerada a sua melhor peça, em prosa,

apropria -se da figura do jovem poeta mal -afamado de Notre Dame de

Paris , de Hugo, a quem é dedicada esta comédia hi stórica . E sta figura

irreverente serve para Banville denunciar o abuso de um poder tirânico

face à miséria de um povo. Ao alterar o títu lo da peça em português, o

tradutor transfere o ónu s da ação, do protagonista para a própria situação

em que se encontra Pierre Gringoire, em casa de S imon Fourniez, onde

participa de um banquete, entr e cujos convivas se encontra Lu ís XI,

silencioso e desapercebido, a té ao momento em que expressa a sua

crueldade e o prazer de di spor de uma vida, legitimando que a lei deve

ser apli cada como exemplo, como exemplo da inju stiça do poder.

Todavia , enquanto comédia, tudo se resolve pela re denção de Gringoire

pelo amor da jovem Lo yse Fourniez, a contento do público:

[Tandis] qu’on l’ accuse niaisement de ne se plai re qu’aux farces viles et

aux écœurantes apothéoses des féeries l es plus sot tes, c’est lui qui

s’ enthousiasme aux vers énergiques et vrais, c’est lui qui pleure devant

les misères sincèrement racontées, et qui a l’amour et l’ ardente soi f de la

poésie, dont la source éternel lement pure et vive peut seule rafraîchi r les

âmes (Banvil le 1866: v).

197

Henri La vedan sucedeu na cadei ra deixada vaga pela morte de Henri Mei lhac. A

28 de dezembro de 1899, proferiu o d iscurso de receção na Acade mia, e m que teceu

o elogio do antecessor. Cf . “Discours de récept ion de Henri La vedan” , Acadé mie

françai se, Les immortel s . [h ttp: //www.acade mie -francai se. fr /di scours -de-recept ion-

de-henri -l avedan] (consultado em 10/10/2015).

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Ao sentirem-se per seguidos pela nova sociedade literári a , os

adeptos da arte pela arte, do grupo de Castilho, retribuem, r ejeitando -a.

A escolha de Banvill e, e do poeta Gringoir e, enuncia o martírio do poeta

como sinal de redenção: “ le poète n’est plus chez lu i un profete ou un

guide, mais un clown au destin tragique” (Mortelett e 2006: 384). A

classe dos poeta s, enquanto operários da escrita , aproxima r -se-ia da

classe laboriosa – “aux pauvres gens tout est peine et misère” (Banville

1896: 67) – , retra tada por Charles Deslys , em Le casseur de p ierres,

traduzido por Castilho e Mello como João, o britador. Amba s possuíam

uma grandeza de alma, capaz de entender a essência poéti ca , e estavam

condenadas ao peso do progresso, essa l ei div ina “qui sacri fie partout la

poésie du passé aux réalités du présent” , conforme afirmava Sardou

(1863: 77).

Se a s traduções referencia m a autoria original, as imitações

distanciam-se de ta l modo da obra de origem, que se perde a

possibilidade de ident ifi cação, como no caso de A mosca branca, de

Duarte Joaquim dos Santos , cuja fra se final faz lembrar La Papillonne ,

de Sardou , que, na esteira de Scribe , trouxe para a cena o debate sobre o

progresso, abordando com grande liberdade os problemas da história

social. A “Bibliotheca Theatral” manifesta inclusive a vontade de

publicar a ópera -cómica O rouxinol das salas, adaptação, em 2 atos, de

Monsieur Garat (1860) , por Ari stides Abranches, estreada em 1871 , no

Teatro da Trindade198

. A coleção continua di scretamente o êxito de

Victorien Sardou em Portugal, cujo esti lo, bebido em Scribe,

combinando os tr ês modos de comédia – per sonagem, costumes e intriga

– com o drama burguês, desenvolve u m conflito nuclear, que conduz a

um clímax intenso, que emociona o público199

.

198

Eduardo Vidal escreveu u m apontamento de crít i ca t eat ral , na rúbrica “Revis ta

t eat ral”, publicado em Theatro contemporâneo, vol . I I I, p .20 . 199

Traduções de Sardou por ordem cronológica. Les pat tes d e mouche (1860) , por

Rodrigo Montei ro (Por causa d e uma carta, 1863), e Acácio Antunes (Por causa d e

uma carta ,1885); Monsieur Garat (1860) , por Ari s tides Abranches (O rouxinol das

salas , 1870); Nos int imes (1861) , por Luís Augus to Palmei rim (Os amigos ín timos ,

1863); La papil lonne (1862) , por Rodrigo Montei ro (Uma l ição d e f el i cidad e, 1862);

Les ganaches (1862) , por Lat ino Coelho (Os caturras , 1864), t al como Les vieux

garçons (1863) (Os sol tei rões , 1867); La famil l e Benoiton (1865), por Ernesto

B ies ter (Famíl ia Benoi ton, 1866); Nos bons vil lageois (1866) , por P inhei ro Chagas

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6. Peças fáceis de representar em sociedades particulares e em

família

O censo teatral levado a cabo pela Direção -Geral de Inst rução

Pública do Mini stério do Reino, em 1862, identifi cando os t eatros nas

cidades de província do território nacional, não só particulares, como

públicos200

, as suas característi cas e respetivos fr equentadores, tornou

patente a exi stência de uma r ede de exploração t eatral, que o poder

central necessitava controlar. As tradicionais indicações fornecidas com

valor promocional, nos fronti spícios dos folhetos, pa tenteiam uma face

do desenvolvimento indu stria l trazido pel o fonti smo. Em 1884, as

coleções vendem-se por subscrição e nas principais lojas de livros do

país, e chega m mesmo ao mercado brasil eiro , afri cano e asiá tico. As

informa ções sobre as representações das obras não se l imitam à

indicação do seu debute; surgem referência s aos di ferentes t eatros, em

Portugal e a lém-fronteiras, ampliando o espaço geográfico de circulação.

Se as obras estrangeiras continuam a induzir as imitações lusas – a

zarzuela Cazado y soltero , representada no T eatro dos Recreios, inspira

uma imitação homónima de Diogo Seromenho – , também as comédia s

deste autor, A noite dos noivados , Por causa de um retrato ou O que faz

medo, traduzidas para espanhol por Augu sto César de Vasconcelos , são

representadas nos teatros Circo, Luzón, Bretón e Variedades, de Madrid.

A circulação dos espetáculos não se restringe aos teatros públicos do

centro li sboeta; expande -se aos da peri feria , das feiras de Belém e

Alcântara – Chalet , D. Afonso, D. Augusto, Li sbonense – , aos

particulares de bairro – Garrett , Therpsicore, Castilho, Trinas – , às

assembleia s de curiosos dra máticos – Sociedade Recreio Dramático ,

(Uma conspiração na ald eia , 1871); Séraphine (1868) , por Lu ís F il ipe Lei te (Seraphina, 1870); Patr ie (1869) , por Bernardino Sena F rei t as (Pátr ia, 1872);

Fernand e (1870) , por Ernes to B ies ter (Fernanda, 1871); L’oncle Sam (1873), por

F rancisco Palha (Uma famíl ia americana, 1877); Divorçons (1880) , por P inhei ro

Chagas (Divorciemo-nos, 1881), e Furtado Coelho ( id ., 1883); Od et te (1881), por

Eduardo Brazão (Odete, 1882); Féd ora (1883), por Aris tides Abranches e Eduardo

Brazão (Fedora, 1883); La Tosca (1887) , por Maximi l iano de Aze vedo ( id . , 1917), e

Eduardo Nascimento . Ferrei ra (Tosca, 1924); Bel le maman (1889) , por Maximi l iano

de Aze vedo (A mãe da minha mulher , 1890); Madame Sans -Gêne (1893) , por Carlos

Moura Cabral ; Marcel le (1895) , por Guiomar Torrezão (Marcel la, 1897); La pis te

(1906), por Amadeu Cunha (A pis ta , 1909). 200

C f. Parte III – Visões de t eat ro ent re t eoria e práti ca.

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Sociedade União Dramática , ou Academia Lisbonense. A produção

dramática tanto serve os grandes t eatros, como surge expressamente

destinada aos particulares: Diogo Seromenho escreve Doidos… políticos ,

“expressamente para ser representada em casa da Exma. Sra . D. M. J . da

Silveira”. O teatro cumpria a função a que se propunha , de espaço de

sociabilidade nas esferas pública , privada e semiprivada – no teatro, em

família , e na sociedade de r ecreio – , e os autores tomava m consciência

da adequação dos repertórios à monomania teatral dos amadores

dramáticos, satir izada no Theatro cazeiro , de José Inácio de Araújo:

Em casa de burguez, sério e pacato,

Faz-se o “ panno de bocca” de cortinas,

Arvoram-se os lençoes em “bambolinas” ,

Toca um piano qualquer. Começa o acto.

Entra o “galan” e diz em tom gaia to

O que estudou melhor que as sabbatinas;

A “ingenua” assaralhupa phrases finas. ..

E na cozinha ent ra a miar o gato.

Vem o “pae nobre”, que arremeda os Talmas, ´

Destampa de moral uma estopada,

Que chega até a commover as a lmas!. . .

Finda a peça. .. e tão bem representada

Que não faltam os bravos, nem as palmas

De t res primos, da avó, e da criada.

(Araújo 1904: 59)

Álbum teatral. Publicação de peças fáceis de representar em

sociedades particulares e em família (1872)

António Fel iciano Castilho redige uma “ Introdução” promocional

para esta empresa de gente desconhecida, pelo “invejável defeito da sua

muita mocidade”, mas em quem reconhece “a fecunda a mbição de

granjear nome e estima por boa s obras”201

. O introito a este “periódico -

201

Rangel de Lima publicit a a coleção nas páginas da revi s ta Artes e Let ras (1872:

95), corroborando os conselhos de Cast ilho: “todos sabem que em assumptos

l it t erarios n inguem os da melhores”.

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l ivro”202

serve de texto programático a o empreendimento bibliográfico , e,

sobretudo, constata a necessidade de publicações de qualida de, para o

teatro amador, na realização de espetáculos nos teatros parti culares:

As obras, cujos edi tores e lles hão de ser, e que já começaõ a a juntar -se

nas suas pastas, foram escritas umas, estão -n’o sendo out ras (e out ras

muitas o vi rão a ser) por homens de reputação já grandemente ganha na

nossa l i ttera tura theat ral contemporanea. Raro ou nenhum será o nome,

justamente applaudido das pla téas, que alguma vez não haja de figurar

n’esta collecção.

Propunha o sentido críti co de Castilho, que a coleção valesse pelas

“multíplices vantagens” do teatro, como “eschola de moral, como cadeira

de história para o vulgo, que nada sabe”, salvando “para a convivência

delicada de ambos os sexos, horas furtadas a o aborrecimento do ócio

estupido e corruptor” , ensinando na prática a “polidez no tr actar e no

dizer” , e servindo de exemplo contra “quedas e enganos”. O valor de

ilustração atribuído à função t eatral supria “algumas pagina s de estudo

aos que nem estudaõ, nem poderiaõ estudar, porque não sabem ler” :

O senso comum, que todas estas cousas d iz, é (se nos não enganamos) o

que explica naturalmente não só a concorrencia do povo aos theat ros em

todas as terras onde os há , mas tambem o gosto cada vez mais

general i sado de theat rinhos particulares, festas máximas das famí lias

para todos os indivíduos d’ellas e da sua convivencia .

Este género de representaçes domesticas para as quaes todos os d ias se

formam novas sociedades ent re a ari stocracia, ent re os burgueses, e nt re

os arti fices e a té já ent re os rust icos, talvez esteja ainda fadado a

produzi r um consideravel beneficio. Assim como são já espelhos mais ou

menos acanhados, mais ou menos imprefeitos dos theat ros grandes e

professos, est ’out ros mais humildes, bem pod e ser, que tornados

seminariosinhos de ta lentos art i sticos cheguem a dar de si, para os palcos

publ icos, actores e act rizes de merito, que por enquanto lhes não

abundam.

Temos que não é temeraria a conjectura. Quantos e quantas não avul taõ

hoje nas nossas scenas de tercei ra ordem, ou de segunda, ou de primeira ,

que se est re iaraõ e aprenderaõ os rudimentos da arte em the at ritos sem

nome nem importancia alguma ponderavel !

202

Pela primei ra vez se configura uma des ignação para esta espécie bibliográfica,

ainda que ambígua; t anto pode indicar o fo lheto em s i próprio, produzido

periodicamente, como re meter para o conjunto de folhetos des tinados a uma

encadernação conjunta, o l ivro const itu ído por fascículos , como e m casos anteriores .

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Depois outra consideração em que se poderá insist i r, mas que pelo menos

se hade apontar aqui: quanto mais se forem propagando as representações

particulares e a consequente subida de curiosos para actores professos,

tanto mais nos i remos aproximando á completa abolição do milenário e

estereli sador preconceito, que fazia dos art i stas scenicos – párias,

leprosos, excommungados e precitos; o mais d’essa tontaria barbara já lá

vae, Deus louvado!

O representar já não infama, nem degrada, mas (força é confessal -o)

a lguma cousa (e muito) resta ainda que fazer para que os art i stas

d ramat icos decentes, se nivelem desenganadamente com os out ros

arti stas seus i rmãos, o poeta , o pintor, o esculptor, o architecto e o

musico de talento; e não d igo só com os arti stas, mas com todos os mais

ind ividuos, que igualmente servem a sociedade nos d iversos officios,

havidos por nobres; e de a servi r é que subsistem.

Cousas são estas, que uma philosophia já hoje t rivial está repet indo aos

ouvidos da plebe, a alguma vez também hade ter di to ao espí rito dos

magnates.

Como quer que seja, se se concede que a moda, que por ent re nós vae

crescendo, de representações particulares é boa, e por boa e civi li sadora

merece ser coadjuvada, segue -se logo por di rei ta razão, que muito bem

fazem e muito merecem o favor publico estes moços, que tomaram a si a

pat riótica di ligencia de abri r, tomando das melhores fontes, um

manancia l de peças theat raes de todo o genero, onde os curiosos possam

fartar as suas sêdes e escolher o que mais e melhor se lhes conchave com

o gosto, com as forças e com as posses. Para todos e de tudo se espera

que haja ahi abundancia : d ramas, melodramas, t ragedias, comedias das

di fferentes graduações, farças, operetas, scenas comicas.

A constatação da exi stência da esfera de t eatro amador, cuja

dinâmica se reconhecia a nível do t erritório português, criava a

necessidade intelectual de escrutínio de obra s dramáticas edifi cantes,

que pudessem ser “folheados em serões e sesta s da cidade e do campo”,

que enriquecessem a vernaculidade, e aboli ssem o “ soleci smo

gramatical” , o “galici smo bruto” e o “amphiguri peda nte”, que

enfermavam a literatura dramática coeva. “Fugir de torpezas” era o

“requerimento” que Castilho interpunha, solicitando dos editores e do

leitor um “ponctualissimo como pede, e […] um constante cumprimento”.

Os colaboradores anunciados dão conta do ponderad o sinónimo de

qualidade, encabeçando a li sta o próprio António Feliciano de Castilho ,

seguido por Al fredo de Ataíde , Ari stides Abranches, o livreiro -editor

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Avelar Machado203

, A. Rocha , Al fr edo Caleia , Al fredo de Melo, Barão de

Roussado, Bapti sta Machado, o comendador Manuel de Ara újo Porto -

Alegre, cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Cláudio José Nunes , César de

Lacerda , Duarte de Sá , Eduardo Vidal , Eduardo Coelho, Eça Leal ,

Ernesto Biester , Ferreira de Mesqu ita , Franci sco Serra , Garcia Alagarim,

Higino Augusto da Costa Paulino , Joaquim Augusto de Oliveira , Jú lio

César Machado, João Salvador Marques da Silva (Salvador Marques) ,

José Ignácio de Araújo , José Guilherme dos Santos Lima , José Bento de

Araújo Assi s, I sidoro Sabino Ferreira , Leite Bastos, Luís Augusto

Palmeirim, Luís Filipe Leite , Ramalho Ortigão e Rangel de Lima .

Seriam estes “nossos primeiros escriptores”, os “ fornecedores” de

uma “publicação de peças fácei s de representar em sociedades

particulares e em famí lia” , cujas condições de venda implicavam a

publicação de 36 atos por ano, ou 3 séries de 12 atos. Em cada mês

sairiam 3 atos, broxados, a que correspondiam 3 brindes por volume, ou

um brinde no final de cada série. A pessoa que obtivesse 8 a ssinat uras

realizávei s seria considerada assinante gratu ito da coleção204

.

O “Álbum Teatral” propunha -se acolher obras provenientes dos

teatros públicos, como o Ditoso Fado, de Manuel Roussado – atrasado na

publicação porque a empresa do Teatro da Trindade não a possuía em

arquivo –, e obras originais, “exclusivamente destinadas a esta

publicação”, como o provérbio Antes que cases, de Luís Augusto

Palmeirim, que se anunciava, com gáudio, ser dedicado pelo autor ao

empreendimento:

203

A sua comédia-dra ma de cos tumes populares Homens d o povo fo i es treada, em

primei ro lugar, pela Sociedade Dramát ica Recreio Phi lcorense, a 22 de junho de

1864, no Teat ro da Rua dos Condes , e só depois , a 22 de setembro do mesmo ano, a

companhia do d ito t eat ro a l evou à cena. Teve edição impressa em 1867. 204

Como e m qualquer publ icação do género , a informação co mercial encont ra -se no

espaço da capa, perdendo -se todas as referências a parti r do momento em que a obra

se encaderna. Na edição de O d itoso fad o (nº 5) , o espaço l ivre das duas páginas

f inais , o “expediente”, é aprovei tado para informar os cli entes sobre o andamento da

coleção. Em Lisboa, cada ato era vendido a 50 réis , pagos ao di s t ribuidor. Nos

arrabaldes , províncias e i lhas , cada série, ou 12 atos , cus tava 660 réi s; no Bras il ,

Africa e India, cada 3 séries (36 atos) , 2$600 réis (moeda forte) . Acei tava -se o

paga mento das ass inaturas de fora de Lisboa, em vales do correio ou em es tampi lhas.

O preço avulso , para Lisboa, províncias , ilhas e arrabaldes , era de 100 réi s por ato ;

para o Bras il , África e Índia, 120 réi s .

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Aproveitamos a occasião para protestar a nossa indelevel gra tidão aos

escriptores d ramat icos que à porfia se tem esmer ado em obsequiar-nos.

Não estremamos nomes. O fidalgo procedimento d e todos enche -nos de

legítimo orgulho, e antes que offendamos a sua modest ia não podemos

eximir-nos a fazer publico os favores que nos têem dispensado, e a boa

vontade com que o fazem . Também somos devedores à imprensa que,

com rarí ssimas excepções, tem auxiliado cavalhei rosamente os nossos

esforços, endereçando-nos palavras de muito affecto, e feito just iça a

esta publ icação . Aos nosso assignantes e ao publ ico agradecemos tambem

a sua coadjuvação importante.

Não obstante o entu siasmo patente, a r ealidade vem demonst rar a

instabilidade deste tipo de movimento editoria l, com frequentes a trasos

na publicação da s obras, fru to da falta de coordenação dos próprios

autores, obrigando à troca de t ítu los, para cumprir o contr ato com o

público . Talvez por i sso, a empresa, a quem Castilho auspiciara tantas

benesses, acabe por se restringir à primeira série de oito números,

principiando pela comédia -imitação Duas lições n’uma só , de Duarte de

Sá205

, seguindo-se a tradução livre Um anjinho na pele do Diabo, por

Feli ciano Castilho206

, A boceta de Pandora, traduzida por Francisco

Serra , Enquanto ladra o Tobias, tradução da obra de Edmond About , por

Júlio César Ma chado , O ditoso fado, original de Manuel Roussado, O que

fazem as rosas, tradução da obra de Leopold Laluyé , por Eduardo

Vidal207

, A corda do enforcado, imitação por Alfredo Caleia , e Amores de

leoa , original de Ferreira de Mesquita . Prometidos, e não devidos,

ficaram a citada obra de Palmeirim e O casacão do Sousa, do deputado

progressi sta Vitoriano Braga , que se anunciava no prelo.

7. “Todos os negócios que digam respeito ao teatro”

O aparecimento, em 1869, da Agência L iterária e Teatral ,

pertencente à Livraria Teatral, sita na rua do Arco, à Graça, onde Sousa

205

Representada pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II, em 22 de

maio de 1867 (Livros de Registo de Espectáculos , TNDMII). 206

Representada em Lisboa, no Teat ro de D. Maria II, e m 26 de j anei ro de 1900

(Li vros de Registo de Espectáculos , TNDMII). 207

Representada pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II, em 3 de

dezembro de 1870 (Livros de Registo de Espectáculos, TNDMII).

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Bastos publicou diversos títu los, no referido “Theatro escolhido”208

,

refl ete uma nova dinâmica da indú stria do teatro. O considerável impulso

do movimento amador é fru to da proli feração das agremiações de cultura

e recreio, cujas sociedades dramáticas mimetizavam os êxitos do teatro

profissional que mais se a dequavam ao modus operandi dos pequenos

palcos de teatro de sala . A burguesia laboriosa, replicando os hábitos de

sociabilidade aris tocrática , procurava com essa atitude desenvolver a

ilustração dos seus pares, ao mesmo tempo que justi fi cava a necessidade

de uma litera tura dramática apropriada às suas récitas. O teatro assume-

se como indústria dinamizadora de a mpla atividade, entre profi ssionai s e

curiosos dramáticos, entr e os palcos públicos e os privados. A

constitu ição de uma agência de teatro cumpria uma função intermediária

entre o produtor de conteúdos e o seu consumidor. Os próprios editores -

livreiros foram levados a publicitar as caracterí sti cas da obra dramática

editada: género, número de atos, e a tores necessários, especializando o

número de pa péi s masculinos e femininos. O espaço l ivre dos folhetos –

capas e contracapas, r espetivos versos, e páginas finais não impressas –

servia como catálogo da s obras que podiam ser adquiridas.

A dinâmica social conduziu à comercial, fazendo surgir l ivrarias

que se diziam “especializada s em lit eratura dramática”. Os seus editores

eram curiosos dramáticos que escrevia m dra mas, e dirigia m teatros

particulares, criando uma teia multidi sciplinar de saberes e competência s

práticas, de pessoas, espaços e repertórios, que se prolongo u pela

centúria seguinte. As sociedades dramáticas representaram uma fonte

208

António de Sousa Bas tos desenvolveu mui to cedo u ma at i vidade l i t erária

d ivers i f i cada. Aos 19 anos, in iciou a sua atividade jornal ís ti ca, como di retor do

hebdomadário t eat ral , O Palco (1863) , em colaboração com Pedro Alcântara Chaves ,

como redator; em 18 73, fo i redator de A arte d ramát ica, fo lha inst rut iva, cr í t i ca e

noticiosa; em 1889, fo i d i retor do Tim-t im por t im-tim: assumptos theat raes , que vi gorou até 1893. Fez t radução de romances de sucesso , a que não podia falt ar o

novel i s ta Henri de Kock , O amor corcunda (L ’amour bossu) (1870). Exerceu

at ividade de editor - livrei ro , com seu i rmão José, na Livraria Económica de Bas tos &

i rmão , na rua de S . José, para, posteriormente, abri r a Livraria Bas tos , na rua de S.

Bento . Sobejamente conhecido pela sua at ividade como e mpresário t eat ral , pertence

a um pequeno grupo de pessoas l igadas à atividade t eat ral , que produzi ram

bibl iografia sobre a h is tória do t eat ro, a crónica de co stumes t eat rais, e sobre a

vulgarização de conhecimentos t écnico -artí st i cos . Será impulsionador da mudança de

es t ilo da revi s ta do ano, cr iando a primei ra re vi s ta t r imes t ral , Entre as broas e as

amênd oas (1874), e desenvolvendo o es t ilo fantást i co de um espetáculo musical de

grande aparato cénico , as revi s tas fantasia.

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paralela de formação de profi ssionai s de espetáculo, pequenos

conservatórios bairri stas donde saíam “promessa s artísti cas”, para as

quais se escreviam obras de vulgarização didáti ca das artes de palco209

. O

espírito regenerador havia criado as condições para o desenvolvimento

da atividade t eatral, cujo modelo, em finai s de século, se r evelava bem

diver so do espírito do vinti smo idealista de Garrett .

No início do último quartel de Oitocentos, Calisto José de Araújo ,

Franci sco Franco e Frederico Napoleã o da Vitória , amadores dramáticos

das sociedades particulares, de quem falaremos a devido t empo, fundam

a Agência Teatral, sita na rua da Madalena (vulgo calçada do Caldas),

que se encarregava de “todos os negócios que [di ssessem] respeito a

teatro”, discriminados em folhetos promocionais, e a quem recorria m

tanto artistas como dil etantes:

Inculca damas para theat ros particulares de Lisboa e províncias; promove

benefíc ios, dist ribuição de bilhetes e cobrança dos mesmos; t i ragem de

papéis e cópias de peças; fornece part ituras e partes cavadas para

orchest ra, banda, fanfarra, e sol -e-do , musicas para piano, canto, etc.,

aprompta guarda -roupas, scenarios, orchest ras, cabellei ras e

caracteri sações. Cobra di reitos de auctor, quando para i sso esteja

auctori sada. Vende e incumbe -se de remetter para a provincia, franco de

porte, todas as peças theatr aes, a inda as mais raras. Manda vi r do

est rangei ro, havendo previo deposi to, peças theat raes, musicas ou mesmo

l ivros, etc . Compra e vende livros em todos os generos. Descontos para

revender.

Uma agência multi facetada, que possuía um catálogo de peças de

teatro, entre 1 e 5 a tos, a ssim como operetas, cenas cómicas, poesia s,

cançonetas, entr eatos cómicos e dramáticos, e criou, em 1883, a

“Bibliotheca Progresso Theatral: Theatro de sala ” , cuja assinatura se

pretendia de forma permanente, para os êxitos de teatro dos “mais

festejados autores”. Cada “folha” semanal, de 16 páginas, custava 30

réis, sendo que para a província , 5 folhas paga s adiantadamente orçavam

160 réis, auferindo os assinantes um desconto de 10%, quando

comprassem dir etamente à agência , e 20%, nas músicas para piano.

Fornecia m-se “cabeleiras, caracteri zações, dama s, caracterisadores,

209

A es te respei to cf. Parte III – Quat ro t eorizadores da prát i ca t eat ral .

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guarda-roupa, orchestras, et c, por preços sem competência [ sic ]” , às

sociedades dra máticas de Li sboa e província , por encomenda, com o

franco de porte, “em sellos ou valles de correio”.

A “Bibliotheca Progresso Theatral” prometia publica r os

consagrados autores da s coleções anteriores – Guiomar Torrezão,

Pinheiro Chaga s, Costa Braga , César de Lacerda , Maximiliano de

Azevedo, Ludgero Viana e Gervá sio Lobato – , cujos nomes serviam

como t imbre de qualidade. Todavia , à exceção de Aristides Abranches

(Os filhos de Adão ) , a empresa começou por editar autores coetâneos,

diretamente associados aos teatros particulares: o “sociali sta ignorado”

Manuel Luís de Figueiredo (Os Jesuitas, drama de propaganda liberal,

1883)210

, o tipógrafo Frederico Napoleão da Victoria (Milagres de Santo

António , estreado no Teatro particular Garrett , aos Anjos, pela Sociedade

Dramática Polla , a 18 de Março de 1883), e o a tor António Martins dos

Santos, cuja Casa de Babel foi representada por amadores no novel

Teatro do Rato, também conhecido por Novo Teatro das Variedades . A

empresa parece ter cessado no quinto folheto, A Crisálida, imitação do

ita liano por Guiomar Torrezão , fi cando expressa a intenção dos editores

de publicar mais obras dos referidos “consagrados” (algumas

supostamente no prelo), a que se juntavam outros nomes: o a tor -autor

Henrique Peixoto211

, E. Veloso e o r ecém-falecido críti co dramático Silva

Viana212

, autor do opúsculo Decadência da arte dramática em Portugal

(1880).

210

Sobre este autor cf . MÓ N IC A , Maria F ilomena/ MA T IA S , Maria Goret ti (pref .,

in t rod. e org. ) (1986), Manuel Luís d e Figueired o: Um sociali sta ignorado. Lisboa:

Ins t i tu to de Ciências Sociais . Col. Estudos e documentos ICS; 14. Arquivo hi s tórico

das classes t rabalhadoras . 211

Começou como amador, aos 16 anos, sendo marcenei ro de profissão . Em 1880, es t reou-se como discípulo no Teat ro Luís de Camões , em Belém. Representou no

Teat ro do P ríncipe Real , de Lisboa, especial i zando -se no drama sério . Para o t eat ro

escre veu vários dramas e comédias , nos quais tomou parte t ambé m. Em 1890,

escre veu, e m colaboração com João Coelho Dias, Verdad es amargas , re vi s ta do

primei ro t r imes t re do ano, para os t eat ros populares. 212

Sousa Bas tos defin iu -o como u m “excel lente rapaz, bastante in teligente e mui to

dedicado ao t eat ro” (1898:392), que f i zera crít i ca dramát ica em periódicos e falecera

mui to novo. Foi r edator do Correio dos Dois Mund os : Semanário polí ti co , not icioso

e recreativo (1867 – 69), juntamente com Franci sco T. Valdez . Para o t eat ro t raduziu

e imi tou d iversas comédias , que foram representadas nos t eat ros de D. Maria ,

Ginás io e P ríncipe Real , de Lisboa.

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O espírito liberal oitocenti sta sublimava -se na ideia de um estado

cívico, constitu ído por cidadãos educados, que punham o bem comum

acima dos interesses parti culares, na melhoria da condiçã o humana

(Ramos 2001: 47), sendo o cultivo das letras sinónimo de “qualificação

de todo o cavalheiro prendado” ( id . , ib id . : 49). Ainda que os escritores

pudessem queixar -se, como o fez Júlio César Machado ou Fialho de

Almeida , na realidade, em finais do século, era possível viver da escrita .

Embora a tiragem de uma obra pudesse ascender a dois mil exemplares –

o que corr esponderia ao número de alfabetizados, o “sexto da populaç ão

total” que sabia l er – , considerava o autor de Os Gatos que esse número

impedia a existência de uma “literatura ou arte, independentes” (Almeida

1992a: 117). A atividade de editor tornou -se r entável, havendo casas que

disputavam os autores consagrados; a Livraria de António Maria Pereira

(1848), em Lisboa, e a Livraria Chardron (1868), dos irmãos Lello, no

Porto, correspondiam ao padrão de livreiros cultivados, com bom

relacionamento no meio lit erário.

Todavia , a a tividade livreira poderia também ser comparada a um

comércio de “mercearia da literatura” (Ramos 2001: 50). A própria

proveniência social dos livreiros indicia que a competência destes

comerciantes não derivava dir etamente da escola literária : “eram uns

encadernadores, outros mercadores, a lguns vendilhões, estes criados de

servir , aqueles tendeiros, e a té um ferrado r” (Bastos 1947: 177). Não

admira, poi s, que as livrarias vendessem todo o género de produção

livreira: l i teratura romanesca e lír ica , para as classes mais li t eratas, e a

li teratura para o povo, que contemplava os contos, a s hi stórias, a

produção dramática de autos, farsas, entremezes e loa s, e toda a espécie

de manuais de u tilidade prática , destinados a colmatar o novo

conhecimento, em tempo de industria lização. As obras eram englobadas

segundo critérios de “útil e instr u tiva”, de espírito cientí fico, e de “útil e

recreativa”, abrangendo tanto a literatura epistolar, como os manuais de

cozinha e de magia . Para a lém da já praticada políti ca de subscrição por

assinatura , o aparecimento do Almanaque burocrático , de Aristides

Abranches, que reunia os nomes e moradas de funcionários públicos,

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comerciantes e profi ssionais liberais, servia como um a boa fonte de

possívei s compradores de livros, por três razões de ordem prát ica: serem

educados, t erem bons r endimentos, e aspirarem a uma ascensão social,

que as l etras lhe s podiam conferir (Ra mos 2001: 51).

Além di sso, o eterno sucesso dos almanaques, parodiado em Lisboa

em 1850213, de Franci sco Palha e Latino Coelho, correspondia ao

“alargamento do universo da alfabeti zação e a oferta de lit er atura par a

públicos especí fi cos”, baseada em critérios de economia (acessível) , de

dimensão (de bol so), de entendimento (fácil) e de fru i ção (ú til ,

instru tiva , recreativa), para “toda a família”:

Ao percorrer uma colecção […] de a lmanaques, colhe -se a impressão de

i r desdobrando as pregas de uma sociedade multi facetada, de lidar com

um caleidoscópio que a cada pequena passagem apresentasse um novo

quadro de gentes, de géneros, de interesses e de gostos e que aos poucos

fosse t racejando, mesmo se caótico e esfarrapad o, um fresco social

(Radich [s.d. ]: 8, apud Galvão/ Lisboa 2002: 22).

Publicações como o Almanach de Gargalhadas (1861)214, o

Almanach Taborda (1866)215, fundado por Aristides Abranches, o

Almanach dos Palcos e das Salas (1888)216, fundado por Joaquim José

213

No f im da 4 ª cena e durante a seguinte, chove m al manaques vindos da teia, sobre

o piquenique li t erário dos vários periódicos, como “praga” e “cas t igo dos grandes

pecados” do Respei tável Público . 214

Edi tado pela l ivraria Verol , segue grafica mente, a part i r de 1874, o es t ilo de

Boldalo Pinhei ro, i lust rando narrativas . Conta com a part i cipação de José Inácio de

Araújo , Cami lo Mariano F roes , José Romano , Vi riato Sertório Luso , Luís de Araújo,

ent re out ros. Publica cenas -cómicas , cançonetas e poesias próprias para t eat ros de

sala. 215

Da responsabi lidade de Ari st ides Abranches , apresenta, na Parte II , “art igos

humorí s ti cos”, “poesias”, “teat ro”, “anedotas e calembourgs ”, “jogos de prendas”,

“sortes de f ís i ca e de química” e “adi vinhações”. Tem co mo colaboradores Júl io

César Machado , Santos Nazareth , Batalha Reis , nos artigos humorí s t i cos, Duarte de

Sá, Manuel Roussado ou F rancisco Palha , nas poes ias, e Eduardo Garrido , Pedro

Vidoei ra , Joaquim Augus to de Ol ivei ra ou Rangel de Lima , no t eat ro. 216

Editado pelo edi tor - livrei ro Arnaldo Bordalo , que t ambém ass ina obras para

t eat ro , enquanto A. Ar mando e Naraldo . Conta com grande colaboração de art is t as ,

não só portugueses, como espanhóis e franceses: Mercedes B lasco , Acácio Antunes ,

Eça Leal , Ger vás io Lobato , Jú lio Howorth , Júl io Rocha , Maximi l iano de Aze vedo ,

ass im como Victor Cherbul iez , Edouard Pail l eron , Jean Dolent ou Xavier de

Montépin , de quem se t raduzem excertos . Sendo o seu edi tor um a mador dramát ico , é

natural que o avant -propos expl ique o tí tu lo escolhido para o almanaque: “aos

Palcos , a par do ret rato e biografia de um art i s t a de méri to”, se i rá “buscar as mais

notávei s coplas e cançonetas das peças que maior suce sso alcançare m”, tudo

met iculosamente escolhido para que o anuário pudesse t er “ent rada franca nos

boudoirs das senhoras mais honestas e inteligentes”.

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Bordalo e Franci sco Pinto , o Almanach dos Theatros (1889)217, fundado

por Franci sco António de Matos , entr e outros, perpetuavam os sucessos

teatrais do ano anter ior , e antecipava m edições de obras dramáticas,

publicando excertos que se pretendiam apelativos e de u tilidade

sociocultural , como refere José Inácio de Araújo , em soneto elogioso “ao

ilustre editor” , no Almanach Palcos e Salas de 1906 :

Pode a menina ser muito galante,

Chegar mesmo a prodígio de bondade;

Mas não bri lha em qualquer Sociedade

Se lhe falta uma prenda relevante.

Vale-lhe muito a prenda de dançante,

Se n’ella most ra a sua ai rosidade;

Se apresenta em bordados novidade

Nunca lhe fa ltará louvor bastante .

Se adivinhar charadas das gazetas

De lit tera ta alcançará as galas,

Chegará a ter nome ent re as discretas.. .

Porém de inveja att rahi rá as balas,

Quando cantar as lindas cançonetas

Do ALMANAC H primor – P ALC OS E SALAS .

De leitura fá cil , o a lmanaque r egi stava hi stória s diver sas, divulgava

conhecimentos sobre a arte dramática, entretinha com charadas,

logogri fos, e poesias várias de pendor crítico, como os “ju ízos do ano”,

regi stando a a tivida de dos teatros públicos. A ilustração de gravuras em

metal r eproduzindo retratos de arti stas e figuras célebres nacionais

constitu ía uma mais -valia para os leitores, nu ma guerra edi toria l das

empresas editoras, que Franci sco António de Matos218

denuncia no

“antelóquio” ao primeiro nú mero do Almanach dos Theatros (1888):

217

Fundado e d i rigido por F ranci sco António de Matos , e editado por João Romano

Torres , que retomara a sua at ividade edi torial , em 1885, com o se manário l i t erário O

Recreio . Segue o modelo dos congéneres , edi tando ret ratos e perfi s biográficos de

atores e at r i zes, e co ntendo variedade de monólogos , cançonetas , poes ias e

produções humorí s t i cas , ent re out ros géneros de li t eratura amena. Após a morte do

fundador, em 1902, o “antelóquio” de sua autoria desaparece. O seu nome inscrever -

se-á apenas na capa, até 1912, sendo su bs ti tu ído por Jú lio de Menezes , d i retor da

B iblio teca do Povo, que, em 1910, toma o seu lugar na empresa Romano Torres . 218

Jornali st a e comediógrafo . Foi funcionário do Minis tério da Fazenda e escrivão da

Fazenda. Por es te facto , dinamizou grupos de t eat ro amadores , e chegou a cons t ru i r

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Mais um Almanach ! //E porque não? A época é de a lmanaques, como é de

sindicatos. Atualmente em let ra o que mais rende são t retas, como em

pol ítica o que mais deixa são arranjos; que i sto – é bom que se diga –

não é só de hoje ; já vem mui to de longe. // […] Mas sa ibam os que este

l ivrinho vi rem e lerem, que o vil meta l não é o móbi l que t rouxe à l iça o

Almanach dos Theatros. Credo!// Quem aprese nta di ferentes acepipes

teat ra is, e out ros de vários sabores, mas todos de comer e chorar por

mais, como os que se contêm neste dito livrinho, pelo módico preço de

um tostão, não quer, por certo, o suor a lheio, nem pode ser alcunhado de

interessei ro, e muito menos acusado de impingi r gato por lebre . // O

único interesse a que se mira é ser agradável […]. // Agradecemos – é

nosso dever – com o maior conhecimento, a amável e gent il coadjuvação

que recebemos por parte daqueles a quem pedimos alguns frutos do seu

talento para enriquecer o presente anuário, coadjuvação que ousamos

esperar se repeti rá . // E agora que o Almanach dos Theatros viva e reine

por mui tos anos e bons, sempre bem fadado pela benevolência públ ica,

que nunca abandona os que nela confiam, como nós [i tál icos e negri tos

originais] .

Alguns dos mercadores da literatura popular encontrava m -se ligados

à produção de literatura dramática e à a tividade t eat ral, tanto

profissional, como amadora. Domingos Fernandes , Frederico Napoleão

da Victoria , Franci sco Franco e Arnaldo Bordalo asseguraram a

exi stência de coleções dramáticas para as sociedades amadoras,

constitu indo-se inicialmente como copistas manuais das “partes” dos

atores, evoluindo para a impressão tipográ fica das mesmas. A Livraria

Económica, a mais antiga especializada em literatura dramática, a

Livraria Popular , ambas na travessa de São Domingos, e a Livraria

Bordalo, na rua da Vitória , espe cializaram-se como repositórios de peça s

de teatro de todos os géneros ( comédias, dramas, cenas cómica s e

dramáticas), de lit eratura teatral (monólogos, poesias de sala e

cançonetas) e de manuais didáticos. À exceção da Livraria Bordalo , os

restantes descendiam uns dos outros, fazendo lembrar ao espíri to irónico

de Sousa Bastos, “uma cadeia de fuzi s” ( Bastos 1947: 176).

t eat ros e a melhorar os exis tentes nas pequenas local idades de província. Part i cipou

nesses grupos como ator, ensaiador, cenógrafo , adereci sta, ponto , e qualquer função

necessária ao es petáculos . Graças à sua amizade co m Sousa Bas tos e Salvador

Marques, foi secretário do Teat ro dos Recreios , em Lisboa. Escreveu dr amas ,

comédias e uma opereta, que foram representados em Lisboa e na província. ( GEPB,

XVI: 597)

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Tudo começou quando Domingos Manuel Fernandes foi contr atado

como caixeiro de uma diminuta loja de venda de tabaco e lotari a , paredes

meia s com as traseira s da igreja de São Domingos. Oriundo da província ,

t inha a paixão da leitura , passatempo que lhe ocupava o tempo de

marasmo na loja . De cada vez que acabava a lei tura de uma obra,

colocava -a na montra , e a contecia que lha compravam. Ao fim de algum

tempo, tomou o negócio do primitivo proprietário e transformou -o numa

pequena livraria . Em 1876, inaugur ou a Livraria Económica219

, que

editou literatura dramática, em duas coleções: “Theatro cómico: colecção

de peça s jocosas” , e “Theatro dos curiosos: colecção de peças para salas

e teatros particulares”220

. Segundo Sousa Ba stos, o muito que lera ,

colmatara a sua pouca instruçã o, e deu-lhe a ousadia de escrever em

jornais e publicar livros. Sob o pseudónimo de Roberto Valença,

publicou, em 1873, o “poema realista” Podridões modernas , que Camilo

Castelo Branco elogiou, e cuja carta serviu de prefácio à obra. A este

autodidata se ficou devendo uma Biographia politico -litteraria do

Visconde de Almeida Garrett (1880) , dedicada ao “batalhão lit terario que

opera actualmente no campo das letra s portugueza s”. Embora

desaconselhado por Alexandre Herculano , Domingos Fernandes afoitou -

se na obra memorialista , antecedendo a do biógrafo oficia l, Gomes de

Amorim, com a plena consciência das di fi culdades inerentes e da s

lacunas, de que se penitencia na “Prefacção”.

A morte extemporânea de Domingos Fernandes trouxe como

sucessor da propriedade o t ipógrafo Frederico Napoleão da Victoria ,

sócio da Agência Teatral . A Livraria Económica passou a ser publicitada

como a “primeira casa do Paí s em Litt era tura Theatral” desde a sua

fundação. Este autor dramático e livreiro -editor iniciou a vida

profissional aos dez anos de idade, como aprendiz numa oficina, e

219

Anteriormente, exis ti ra uma out ra Livraria Económica, na rua de S . José,

propriedade dos i rmãos Sousa Bas tos , de que se falou anteriormente. A de Domingos

Manuel Fernandes , após a sua morte, fo i adqui rida por F rederico Napoleão da

Victoria, e, pelas mes mas razões , pela empresa J . Andrade & Lino de Sousa, e, por

f im, por es te ú l t imo e f i lhos . Atualmente, o espaço da antiga l ivraria es tá

t ransformado em lo ja de venda de souvenirs turís ti cos . 220

Cf . Apêndices – 12 . Tabela de publ icações dramát icas da Livraria Económica de

Domingos Fernandes (1876 – 1882?).

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acabou por se tornar num gráfico di stinto, chefi ando várias tipogra fias.

Em 1894, foi nomeado subchefe da s oficina s grá fica s do Diário de

Notícias, onde se manteve durante vários anos . Colaborador de diver sas

folhas literárias, a grande atração pelo teatro fê -lo ensaiador em várias

coletividades amadoras, para as quais escreveu, adaptou221

e imitou

muitas obras, a lgumas das quais a lcançaram êxito nos teatros públicos.

Inicialmente, o novo empresário prolongou a venda das coleções de

Domingos Fernandes, a tualizando alguns títu los, em detrimento de

outros, porém mantendo o espírito editoria l das mesmas. A Livraria

Económica permaneceu fi el ao “sortimento de drama s, comédias,

operetas, cenas cómicas, cançonetas, poesia s cómicas e dramáticas”,

a través da coleção de “Theatro escolhido, próprio para amadores e de

agrado certo” , e da “Collecção de coplas de diver sas óperas cómicas”222

.

Estas compilações defin em, por um lado, um conjunto de autores

assumidamente populares – muitos integrando outras coleções, como a

mencionada “Bibliotheca Theatral” – , e, por outro, a exi stência de

modalidades que servem a função t eatr al, – o monólogo dra mático e a

cançoneta – , oriundas quer de espaços de teatro, quer dos de

divertimento dançante, como o s cafés-concerto, onde o couplet reinava

no Baile Nacional , na rua de S. Vicente à Guia, no Jardim Chinês, na rua

nova da Alegria , ou no Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria ,

famoso pela polémica em torno da s interditada s Conferência s

Democrática s, em 1871.

O final do século XIX marcou um tempo de transiçã o, de

lançamento das ba ses que transformaram a centúria seguinte. O sist ema

de valores burguês que fez nascer a democracia , fez evoluir a perceção

do próprio burguês, cuja forma de pensar o notabilizou perante a

sociedade, mas, ao mesmo tempo, o sujeitou ao ju ízo crítico dos seus

contemporâneos: “ sa qualifi cation théâtrale est une disqualification

221

O seu drama-i mi tação, em 4 atos, Jocelyn , o pescad or d e baleias , publ icado na

coleção “Theat ro escolhido, p róprio para amadores e de agrado certo”, da sua

l ivraria, explici t a, no prefácio, que se t rata de uma acomodação “às exigências de

sociedades dramát icas de poucos recursos e de pequenos palcos”. 222

Cf . Apêndices – 13 . Tabela de publ icações dramát icas da Livraria Económica de

F rederico Napoleão da Victoria.

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social. […] Il demeure un matériau de choi x pour su scit er l e rir e” (Dubor

2004: 8). O monólogo dramático e a cançoneta corresponderam à voz

democrática dos pequenos herói s do quotidia no – bombeiros, costureiras,

guardas-noturnos, andadores, e tantos outros, das pequenas miséria s

humanas – , e à exposição irónica dos seus drama s íntimos, em tempo de

desfrutadores de polémicas, que acreditaram na arte como criação de

caracteres humanos e como rejuvenescimento moral e intelectual.

Vivia m-se tempos de boémia literata e “ tresnoitadora”, em que esses

“ratos cerebrais” (Fialho 1992b: 31) contertu liavam nos espaços de

sociabilidade coscuvilheira e r evolucionária , discorr endo sobre o “dia

psíquico, li t eratura , política , boas mulheres, quintilhas e chalaças” ( id .,

ib id . : 32). Na teia dos antros de boémia intelectual, brotava “vida de

imaginação” ( id . , ib id . : 34), “contra o mal do individualismo tíbio, do

espírito de caserna, da cobardia dos chefes perante a miséria e a dor

univer sais, com que a s grandes nações polí ticas arruínam a saúde do

mundo” ( id ., ib id . : 41). O ser boémio comportava -se como uma

“refracção moral ou mental” , que o aproximava de Nietzsche, quando

procla mara que nada era verdadeiro, e tudo era permitido223. O espírito

observador conduziu ao desenvolvimento do espírito r et ra tista de

quotidianos, fixando uma reali dade fotográfica , em substi tu ição da

ilustração gráfica , constitu indo bases para a elaboração de perceções

veri stas. No exacerbamento patriótico finissecular, ser intelectual era

expressão de nacionalidade, num período em que se veri ficou um apogeu

cria tivo da indústria teatral, cuja abundância produtiva nem sempre

encontrou equivalência qualita tiva:

O mal que se discute é antigo. A sorte do teat ro, como a das empresas e

como a dos actores, acha -se em toda a parte indissoluvelmente l igada ao

dest ino da li te ra tura dramát ica . Ora este ramo das le tras portuguesas não

tem feito senão decai r desde que Garret t se reti rou a té aos nossos d ias

(Ortigão 1908: X).

O monólogo dramático e a cançoneta são “pure blague, sans

prétention, ni ambition”, que se constituem como forma primordial de

223

A es te respei to cf . B LO N D E L, Éric (2015), Le problème moral . Paris : P resses

Uni vers i t ai res de F rance (PUF).

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teatro, “ inventi f dans sa mécanique comique” (Dubor 2006). São

excertos do quotidiano, numa kodakização do real224

, sem poética , qu e se

tornaram moda, e suscitaram o aparecimento de autores oca sionais, a

edição de coleções de folhetos, a sustentação de nova s modalidades do

espetá culo e de novos espaços de t eatralidade, desde os cabarets e ca fés

concertos, às matinés teatrais e aos espetá culos de benefício225

. Modo

mínimo de arte teatral, su stentado por um texto paradoxal (contraditório,

absurdo, disparatado), permitia o encontro de um poeta , um intérprete e

um público . Constitu íram plataforma s de sucesso de muitos artistas e

uma reflexão sobre a arte dramática e sobre a sociedade, fa lando da

contemporaneidade, a inda que de forma frívola , enquanto “literatura” de

qualidade irregular. Modalidades de carácter urbano, ecoaram o seu

contexto socio-hi stórico, a través de poucos meios para a sua

representação. Por outro lado, a aparente pobreza poética do texto

permitiu uma maior liberdade interpretativa do ator ou do ca nçonetista ,

que extravasavam as suas capacidades hi striónica s e galvanizaram as

plateias; tanto serviram para lançar um estr eante , como enalteceram a

popularidade do consagrado. Trata -se de um produto que vita lizou o

domínio da s vedeta s populares, profi ssionai s e amadoras, porque a sua

passagem do t eatro público para o particular, e para as salas domést icas,

se fez à velocidade da m oda:

La spéci fic ité de tel s textes se l it en premier lieu dans les condi tions

d’exercice e t de développement propres à la mode dont il s font l’objet :

leur inscript ion sociologique les fonde en objet spectaculai re, puisqu’i l s

t raversent tous les é tages de la société , et consti tuent un lien solide en

créant une certaine homogénéité des publics a insi fédérés autour d’un

spectacle réjouissant. Il s répondent en cela à la mise en œuvre d’un

fonctionnement proprement démocratique dans le domai ne art ist ique

(Dubor 2004: 13).

224

A es te respeito cf . M A T EUS , Isabel Cri st ina Pinto (2008), «Kodakização» e

Despolari zação do Real : Para uma poética d o grotesco na obra d e Fialho d e

Almeida . Li sboa: Caminho. 225

Na réci t a a favor da Sociedade P romotora das Creches de Santa Eulál i a, real i zada

no Teat ro da Rua dos Condes , a 10 de abril de 1891, apenas se representou a farsa Zé

Palonço, escri t a proposi tadamente para o efei to , por Ger vás io Lobato , Lopes de

Mendonça e D. João da Câmara . O res tante espetáculo , em que part i cipara m mui tos

dos primei ros atores de t eat ro , compôs -se de monólogos, cenas cómicas , ár i as,

cançonetas e poes ias : A órfã (Augus to de Melo ), O melro (Augus to Rosa), O r iso

(Vi rgin ia) , Job (Ferrei ra da S ilva) , Solo d e f lauta (Si lva P erei ra) , Um pând ego d e

t rês assobios (Pepa Ruiz) , ent re mui tos out ros (Bastos 1898: 142).

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Para o desenvolvimento da prática do monólogo dramático , em

Portugal f in-de-siècle , muito contribuiu a influência dos atores Coquelin:

Constant , vulgarmente conhecido por Coquelin a iné , e do seu irmão mais

novo, Ernest , dito Coquelin cadet226. No repertório de Molière , enquanto

aquele representava as figuras da alta comédia, este e speciali zou-se na s

figuras dos baixos-cómicos. Todavia , a forma de r epresentação de

Coquelin cadet assentava na requintada utilização do jogo mímico,

associado a uma voz maliciosa, pontuando o fraseado com notas de

ternura e deli cada sensibilidade. Estas c aracterí stica s coadunavam-se

com as necessidades in terpretativas do monólogo fumiste , que ele

inventou: uma composição cómica, curta , de ritmo rápido, para uma só

per sonagem. Virtudes encontradas no poema de Charles Cros , Le hareng

saur, que Coquelin ouvira recitar pelo próprio autor, num jantar de

amigos227

e que decidiu apresentar na Comédie Française :

226

Coquelin ainé (Benoit Constant Coquel in) es teve por quat ro vezes em Lisboa.

Ent re 21 de abril e 5 de maio de 1887, no Teat ro de D. Maria II , com a sua

companhia, onde representou teat ro francês , em 10 réci t as . “Foi a coqueluche dessa Prima vera l i sboeta. […] Os seus monólogos , reci t ados quase todas as noites , eram

recebidos com o vações entus iást i cas . Foi uma jornada t riunfal (Sequei ra 1955:

II,377). No ano seguinte, em maio , de passage m para a América, reci tou monólogo s ,

no in tervalo das récit es da companhia Rosas & Brazão, e tomou parte, a t ítulo

gracioso , num espetáculo de homenage m ao maes t ro Ci ríaco Cardoso, na cidade do

Porto . Ent re 28 de abri l e 5 de maio de 1903, com a sua própria companhia, na qual

se encont rava seu i r mão Coquel in cadet (Ernest -Alexandre-Honoré Coquel in) e seu

f i lho Jean Coquel in , representou no Teat ro de D. Amél ia (empresa Rosas & Brazão),

ao qual regressou, no mes mo ano, ent re 24 e 29 de Nove mbro. Rafael Bordalo

P inhei ro regi s tou -o em Pontos nos ii . Os i rmãos Coquel in escrever am també m

monólogos , e produzi ram l i t eratura t eórica sobre t eat ro – L’ar t et le coméd ien

(Cons tant Coquel in , Pari s, 1880) e L’ar t du coméd ien (Constant Coquel in, Paris ,

1894) – e sobre o monólogo: Recueil d e monologues d i ts par l es frères Coquelin

(Cons te & Ernes t Coquelin , Pari s , 1880), Le monologue mod erne (Ernes t Coquelin ,

Paris , 1881), e L’ar t d e d i re l e monologue (Cons tant & Ernest Coquel in, Paris ,

1884). Sobre a importância que tivera m os i r mãos Coquel in , cf . P LUN KE T T , Jacques

de (1946), Fantômes et souvenirs d u théât re d e la Por te -Saint -Martin (1781 – 1941).

Paris : Ariane; NÖ EL, Benoit/ DELA C RO IX , F rancine/ KA LEN IT C H EN KO , Li l i ane (1998), Les Coquel ins , t roi s générat ions d e comédiens . Société h is torique de Rueil -

Malmaison. 227

Charles Cros t inha por hábito recit ar publicamente a sua poesia, t anto em casa de

part i culares , como em cafés ou cabaret s de Paris . O poeta Laurent Tai l lade regi s tou

uma sessão de poesia de Cros , em sete mbro de 1883, no seu livro Quelques fantômes

d e jadis : “Sur un divan pi sseux, entouré de sous -d iacres, l a p lupart imberbes et tous

d’une évidente malpropreté, Cros , t rês allumé, réci t ai t des vers . Des che veux de

nègre et ce t ein t bi tumeux que M. Péladan devai t quali f i er p lus t ard d’«indo -

provençal», en parlant de sa personne; des yeux bénins d’enfant ou de poète à qui l a

vie cacha ses t r i st esses et ses devoi rs , l es mains déjà séni les et t rembl otant de l a

f i èvre des alcools […] [Cros] délectait l es curieux d’art , cependant que ses

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Le monologue ent re de plus en plus dans nos mœurs. Je parle du

monologue dont Charles Cros est la mère , et moi, si j 'ose m'exprimer

a insi, la sage -femme; de ce monologue particulier, enfant bizarrement

conformé, dont le premier bégaiement a été le Hareng saur . [ ... ] Le

monologue est une des expressions les plus originales de la gaieté

moderne; d 'un ragoût ext raord inai rement pari sien, où la farce française

fumiste et la sc ie s'a ll ient à la violente conception américaine , où

l 'invraisemblable e t l ' imprévu s'ébattent avec t ranquill ité s ur une idée

sérieuse, où la réali té e t l ' impossible se fondent dans une froide

fantaisie . [. .. ] Je vis là l 'aurore du monologue moderne, et jamais

impression plus curieuse ne me fut donnée qu'en écoutant Cros di re, avec

le sérieux d 'un homme qui réciterai t du Châteaubriand ou du Lamennais,

son impayable Hareng saur . Je ne me doutais pas, à cette époque, que ce

petit poisson deviendrai t aussi grand, qu'il serai t goûté par les foules qui

fréquentent les cafés-concerts, e t qu'il charmerait cette mer qui s'appe lle

Paris (Coquel in 1881: 11-15).

Constant Coquelin dividiu os monólogos em cinco modalidades,

segundo as circunstâncias narradas – monólogo trist e, a legre, indeci so ,

verdadeiro, excessivo (Coquelin 1884 : 115) – , e teorizou a sua recitação

em L’Art de d ire le monologue . Os irmãos Coquelin promovera m o

monólogo moderno228

, dos poeta s fumistas, das ideias antiburguesa s e

libertár ias, como Rimbaud, Charles Cros ou Verlaine , tanto quanto

divulgaram a poesia de autores como Mallarmé ou Villier s de l’Isle -

Ada m, transfigurados em “monologadores”:

Dans les soi rées, dans les mat inées, dans les conférences ou dans les

fê tes, partout à peu près où l’on se réunit pour chercher en commun

quelque plaisi r, — en dépit des vieux c lichés rail leurs, — on dit de plus

en plus des vers. […] Si l’on veut, en effet , que la vie soi t quelque chose

de plus relevé que la concurrence des appéti t s, il faut bien lui donner un

charme: or, ce charme -là, la poésie le met partout: dans le plaisi r, qu'e lle

affine, et dans la douleur même; pour cela, nous devons l’ aimer; pour

cela , la répandre (Coquel in 1884 : 5 ).

monologues , colportés au jour para l a fantais ie de MM. Coquelin , évei l l aient dans l e grand publ ic l e goût de l a drôlerie infini t ésimale. À chaque s t rophe de ses p ièces ,

connues pourtant et rabâchées dans l ’entourage du grand homme, un fr i sson

d’enthousiasme secouait l a buée du pétun et l es n idoreuses émanat ions de

l ’assemblé. In tarissablement , Charles Cros ressassai t quelques poèmes , d’une voix

brève et mate, dont l e t i mbre découpai t non sans vigueur l a grâce un peu ét r iquée de

ses composit ions” (1913: 56). 228

Constant Coquelin escreveu duas obras sobre poetas que se dedicaram à arte de

monologar: Un poète d u foyer: Eugène Manuel (1881) e Un poète philosophe: Sully

Proud homme (1882) . Muitos out ros o f i zeram, seguindo o conselho que preconi zou:

«Al lez et monologuez! Que le succès vous acco mpagne, c’es t l a grâce que j e vous

souhai te” (Coquelin 1884:113)

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Do repertório de monólogos dos Coquelin, João Coelho Dias

traduziu L’Hareng saur (Arenque seco ) , oferecido ao ator Augusto de

Melo229

, que o recitou pela primeira vez na noite da festa artística de

Guilherme da Silveira230

, no teatro do Ginásio , a 28 de maio de 1885. A

obra teve edição pela Livraria Popular de Franci sco Franco, na

“Collecção de peças theatraes para salas e theatros particulares” (nº 58),

referenciando a estr eia absoluta na Comédie Française , por Coquelin

ainé, e um extracto da apreciação crítica , contida em L’Art de d ire le

monologue . O sucesso da obra está patente na exi stência de u ma segunda

edição da mesma, e na sua paráfrase, por Oniba s231

, Fiasco , um

“monólogo maçador”, editado no Almanach dos palcos e salas para

1908, por Arnaldo Bordalo .

Também o gazetilheiro Acácio Antunes , prolí fico autor de

monólogos, traduziu livremente a fantaisie en vers , Les écrevisses

(1879) , de Jacques Normand (Os camarões, 1888) , dedicado ao mesmo

ator, e Le hanneton (O besouro ) , de Paul Bilhaud232

, dedicado a Eduardo

Brazão233

. Outras tentativas individualizadas surgem com Fernando

Caldeira , que imitou La mouche (A mosca), de Émile Guiard234

, Machado

229

João Coelho Dias escreveu out ros monó logos impressos pelo mes mo edi tor: O

gaiato d as cautelas e Não é verd ade, menina? 230

Gui lherme da S i lvei ra fo i ator e empresário de uma co mpanhia de t eat ro no Rio de

Janei ro. No Brasi l fez fortuna, e regressou a Portugal com o sonho de inves t i r . Em

Lisboa, const ituiu uma sociedade com o vi sconde São Luiz Braga , Celes tino da

S ilva, Al fredo Miranda , Al fredo Waddington e António Ramos , ent re out ros , para

fundar o Teat ro de D. Amél ia , inaugurado a 22 de maio de 1894. Gui lherme da

S ilvei ra d i r igiu com espí r ito de modernidade es ta sala de espetáculos do dandismo

l i sboeta. Em 1900, pouco tempo antes de falecer , passou o t es temunho ao vi sconde

São Luiz Braga, que o d i r igiu a té 1917, ass is tindo à t ransformação do seu nome para

Teat ro da Repúbl ica , aquando da mudança de regime, e ao incêndio que quase o

des t ruiu, em 1914. Em 1916, quando reabriu portas , o t eat ro foi renomeado, em

homenage m, ao seu empresário , com o nome de Teat ro de São Luís . 231

Es te anagrama poderá ser pseudónimo de Sabino de Sousa . 232

Editado em colectânea: B ILHA UD , Paul (1890), Les gens qui r i ent : choses à d i re .

P réface par Coquelin cadet . Pari s : Barbré édi teur. [1899, 3ª edição]. 233

Toda via, a sua coroa de glória fo i o monólogo original O es tud ante Alsaciano ,

in terpretado por vários atores - Diniz , Vale , Augus to de Melo e Chaby P inhei ro - ,

que reflete a t emát ica do pat r io ti smo popular , l embrando da ocupação da Alsácia -

Lorena, na Guerra F ranco -P russiana de 1870. 234

Tal como em França, onde, em 1903, o monólogo contava co m 55 ed ições

impressas , o seu sucesso em Portugal antecedeu a presença de qualquer dos

Coquelin , em Lisboa (1887, 1888, 1903). A imi tação de Fernando Caldei ra t eve

cinco edições impressas, ent re 1881 e 1883, e uma sexta, e m 1912, em conjunto com

o monólogo original A congressi sta . Augusto Garraio t ambém fez u ma t radução do

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Correia , que traduziu Les lunettes de ma grand -mère (Os óculos da

minha avó), de Hippolyte Matabon235

, e Eça Leal236

Le naufragé (O

náufrago), de Françoi s Coppée, o poeta popular e sentimental de Pari s,

dos quadros íntimos do univer so dos humildes237

.

Com alguma timidez inicial, as nova s modalidades teatrais foram

integrando as coleções da Livraria Económica, e amplamente editada s

pela Livraria Bordalo238

, cujo proprietário, coligiu a sua obra em dois

monólogo de Émi le Guiard , La mouche (1898), que, em Portugal , foi reci t ado por

Eduardo Brazão. 235

Te ve edição impressa, na colectânea Après la journée (Marseil l e: Camo in, 1874).

O impressor marselhês Matabon , t eve sonetos publicados na Gazette d u midi (1856,

1858, 1859) e na Revue d e Marseil l e (1858, 1859) (Veyrières , 1869:166). No

Rapport sur l es concours d e l ’année 1875 , de Henri Patin , secretário da Acad émie

Française, são apreciados os seus versos : “applaudis dans des réunions populai res

i l s l e furent bientôt dans l es cercles l ett rés de l a poétique Marsei ll e; deux pièces

[…] d’él it e, expression agréable et touchante d’affect ions , de souveni rs

domest iques , l e vieux fauteil , l es lunettes d e ma grand -mère, s ’aventurent au dehors

[…]” (www.acade mie-françai se. fr) . Em Portugal , surge edi tado no Almanach d os

palcos e das salas para 1890 (Lisboa: Arnaldo Bordalo) , e, em folheto, em 1902, no

mes mo edi tor . Es te monólogo para senhora foi recit ado em França, na Coméd ie

Française, pela at r i z Suzanne Reichenberg e, em Portugal , por Lucinda do Carmo no

Teat ro da Trindade , e nos principai s t eat ros . Deste autor, Coquelin reci tou Une

sour i s. 236

Como dra maturgo, escre veu bas tantes originai s e t raduções , em colaboração co m

Ger vás io Lobato, seu cunhado, Eduardo Schwal lbach , Al fredo de Ataíde , ou António

Batalha Reis , ent re out ros , e princip iou a escre ver a co média O vul to que rouba as

dálias, em colaboração com o seu primo Eça de Quei rós . Este monólogo dramát ico

fo i recit ado por Eduardo Brazão, e editado por F ranci sco F ranco , na Colecção de

peças t eat rai s para salas e t eat ros parti culares, nº 554. 237

Le naufragé foi igualmente t raduzido por Luís Fi lipe Leite (1897). A obra de

Coppée teve d i ferentes t raduções : Acácio Antunes , Zanet to, D. João da Câmara , Dor

bend ita, Coelho de Carvalho , O violeiro d e Cremona (1895), Joaquim Pedro Alves

Crespo , O sonho (1905), Augus to de Lacerda , A greve d os f erreirros (poema-

monólogo), Margarida Sequei ra , O Pater , Jaime Victor/ Macedo Papança , Conde de

Monsaraz, Severo Torel li (1885). 238

Es ta livraria fo i fundada em 1835, na rua Augus ta, em Lisboa, por Joaquim José

Bordalo , fi lho de um professor primário elvense, José Joaquim Bordalo , e i rmão dos

escri tores F ranci sco Maria e Luís Maria Bordalo. Todos eles escreve ra m para o

t eat ro . Joaquim José escreveu algu mas peças e m verso e prosa, ent re quais a t ragédia

Jesualdo , que recebeu o louvor da Acade mia das C iências , em 1798. F rancisco

Maria, ent re obras incompletas ou que se perderam, viu subi r à cena o dra ma Rei ou impos tor , no Teat ro de D. Maria II , e m 1847, que susci tou vi va po lémica ent re o

autor e a Inspeção dos Teat ros , e t eve edição impressa no mesmo ano, que inclui os

principais artigos jornalí s ti cos publicados . Luís Maria escreveu o drama O Jud eu,

representado pel a primei ra vez no Teat ro do Sali t re . Teve grande p opularidade,

sendo, por i sso , in tegrado no repertório das sociedades dramát icas da época,

passando a ser conhecido por O Jud eu Jónatas , e t rês edições impressas . Deixou

inédi tos quat ro dramas . Em 1894, Arnaldo Bordalo assumiu a exploração da l ivraria

de seu pai , t ransferida para um pri mei ro andar da rua da Vi tória, passando a edi tar

mui tas das primei ras obras dos nóvei s escritores dramát icos . Escreveu várias peças ,

monólogos e cançonetas para o t eat ro de amadores dramát icos , alguma s das quai s

chegara m aos t eat ros públ icos , como a opereta D’Artagnan , escri t a em colaboração

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volumes, intitu lados Monólogos e cançonetas (1895) sob pseudónimo A.

Armando. Outros autores foram editados de forma avulsa . Também a

Livraria Popular de Francisco Franco integrou os monólogos e

cançonetas no repositório híbrido “Collecção de peças thea traes para

salas e theatros particulares” . Apenas no início de Novecentos, a Livraria

do Povo, de Si lva & Carneiro , editou uma “Colecção de monólogos e

cançonetas”. Entre o ú ltimo quartel de Oitocentos e meados da centúria

seguinte, esta li teratura espetacular breve galvaniz ou profi ssionai s e

diletantes, sobretudo estes, e o desejo de ascender socialmente pelo

intelecto. Da vasta produção impressa239

, mais de três centenas de nome s

se inscrevem na lis ta de autores t eatrais, “ folhetinista s” de u m teatro de

quotidiano burguês. Se alguns u ltrapassaram a barreira do tempo, a

maioria recebeu apenas os louros do momento, sem jamais ascender ao

cânone lit erário.

Estas obras breves viera m destronar a cena -cómica, com pesar dos

saudosi sta s do repertório de António Pedro , Silva Pereira , Leoni, ou

Vale, dos sucessos de Solo de flauta , imitação do Solo de flu te , de

Bilhaud, por Gervá sio Lobato, Um alho ou Aldighieri júnior , ambos de

Eduardo Garrido, a té que Júlio de Meneses correspondeu aos anseios dos

tradicionali stas, escrevendo a cena -cómica original, Uma conferência ,

representada pelo ator -imitador Varga s, no Teatro do Ginásio, em 1909.

Na Lisboa finissecular abalada pelos efeitos do Ultimatum , e onde

o ativismo republicano ganha voz em O Mundo, de França Borges ,

Franci sco Franco fundou na travessa de S. Domingos, nº 60, a Livraria

Popular, que converteu na primeira casa do país no género teatral,

fornecedora das principais livr arias (na especialidade) e das principais

sociedades e grupos dramáticos de Portugal, África e Brasil240

. Ao

com Artur da S i lva , co m música de P lácido St ichini , est reada no Teat ro da Trindade ,

com Ana Perei ra , como protagonis ta. 239

Cf. Apêndice – 14 . Tabela de autores de monólogos dramát icos e cançonetas . 240

Em 1903, o catálogo tem por t ítulo Catálogo de romances, obras scient if i cas e

l it t erarias, manuaes utei s d e d iversas Artes e Ind us tr ias e Almanachs . A part i r de

1905, com a mudança de ins talações , passa a exi s ti r um catálogo de t eat ro

especí f i co: Catálogo geral d e peças d e t eatro d a L ivraria Popular de Franci sco

Franco. Publ ici t ava edições t eat rai s próprias , assinaladas com arteri sco (*) , e de

out ras proveniências não mencionadas, vendidas ao mesmo preço. A l ivraria

continuava a negociar livros de es tudo, manuais t écnicos, «útei s e indispensávei s a

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assumir a “especialidade em peça s theatraes, próprias para salas e

theatros particulares, taes como: drama s, comedias, scena s comica s e

dramaticas, monologos e poesia s comica s e dra maticas, t anto para

homem como para senhoras”, o editor -livreiro publicitou as edições no

espaço livre dos folhetos – Colecção de peças theatraes pa ra salas e

theatros particulares, Biblioteca Dramática Popular e Colecção de copla s

de diver sas óperas -cómicas – , e cri ou um “Catálogo geral de peça s de

teatro”, enviado gratuitamente aos curiosos dr amáticos. As obras surgem

por ordem numérica sequencial dentro da coleção, maioritariamente sem

designação autoral, indicando apenas o títu lo, o género, o número de

executantes necessários à cena, e o preço241

. Em 17 de janeiro de 1905, a

Livraria Popular inaugurou as suas nova s e ampla s instalações.

Transfer iu-se para os números 30 a 34 da mesma rua , e editou um novo

Catálogo Geral, uma brochura de 64 páginas, i lustrada, de aspeto

cuidado, que passou a incluir o hi storia l da empresa, r edigido por L. C.,

e uma resenha de artigos elogiosos saídos na imprensa li sbonense.

Franci sco Franco, oriundo de uma família de fracos recursos,

estudara para ser condutor de obras pública s, ao mesmo tempo que

exercia o ofício de dourador. O teatro ocupava -lhe as horas de ócio,

primeiro como espectador, e depois como amador nas sociedades

dramáticas, onde chegou a ensaiador, dir etor e gerente do Teatro

particular Garrett , aos Anjos, sendo “a alma d’aquelle modesto templo da

arte” (Franco 1907: 3). Se muitos dos seus companheiros da arte

dramática seguiram a via profissional, Franci sco Franco preferiu a de

livreiro, trabalhando para Domingos Fernandes, que lhe chegou a propor

o posto de gerente da sua Livraria Económica :

diversas artes e indúst r i as», almanaques , álbuns de bordados e cos tura para uso

domést ico , e material de papelaria, anunciado em catálogo di st in to. 241

A formatação não se apresenta constante. Fora as colecções propriame nte di t as ,

tudo indicia que, a parti r do mo mento em que a produção editorial se ampl iou

quanti t at iva mente, as obras foram publ ici t adas segundo géneros t eat rai s oi tocent is tas

– drama, co média, ent reactos , opereta , etc – , subdivididos de acordo com o número

de actos , e nunca descurando o número de part i cipantes masculinos e femininos. Para

as modal idades t eat rais – cenas cómicas , monólogos, poes ias , e cançonetas –,

especi f i ca-se uma divi são de género , consoante o i ntérprete (para home m, para

senhora) .

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Descobrindo nos al farrábios peças ant igas, adqui rindo as modernas que

sucessivamente se iam publ icando, colecionando, lendo, e estudando em

todas el las, adqui riu assim o fino tacto de lhes conhecer o valor e exito.

[…] Animado por esse condão […] escolheu a sua profissão, e conforme

poude estabeleceu uma agencia teat ral em sociedade com dois a migos, a

primeira talvez, ainda que modesta, mas a melhor di rigida e que melhor

sa t i sfazia as exigências do seu tempo ( Franco 1907: 3 -4).

Aproveitou as economias acumuladas e a a juda de amigos, e de seu

irmão Emílio Franco, para criar a sua própria livraria , a 2 de agosto de

1890, um pequeno espa ço onde se manteve durante quinze anos. A

prosperidade comercial trouxe a necessidade de a mpliação das

instalações. A r elação de amizade que mantinha com “os melhores

auctores dramáticos” tornou-o em “editor preferido”. A nova loja tornou-

se num espaço de cultura , “decorado com dois grandes panneaux a óleo

[do cenógrafo Luís Salvador ], representando em diver sas apotheoses a

l i teratura dramática” ( id . , ib id . : 4 ). A imprensa reconheceu unanime a

modernidade do estabelecimento, i luminado a luz elétrica , fru to da

diligência de “um homem de acção, na scido da bohemi a e quasi do nada”

(A Epocha , 18/01/1905) ( id ., ib id . : 6):

Apertado na vést ia d’uma educação deprimente e fatali sta , o nosso meio

já não está para as antigas energias, para as grandes iniciativas que, em

todos os ramos da actividade, foram a maior caracterí stica do povo

português. // Uma ideia, uma obra , uma tentativa de valor, que, de quando

em quando, por ahi aparecem, t razem sempre a chancela dúm

est rangei ro. // Por seu motu-proprio, a imaginação e o capital indígena,

raro se abalançam a um empreendimento incerto. Tolham -n’os a

cobardia , o receio mutuo, de que todos nos de ixamos annul lar. Nã o

pomos fé uns nos out ros, nem confiança em nós mesmo. D’ahi uma

fa lência geral e individual , que leva á quebra de todas as fi rmas e de

todos os homens. // Um portuguez corajoso, tentando um negocio,

lançando-se resolutamente á execução do plano mais simples, assume,

pois, no momento ac tual , as proporções de um gigantezinho. Elevam-n’o

e impõem-n’o a excepção e o exemplo (Franco 1907: 6 ).

A nova livraria “a valer” ampli ou as possibilidades de “laboratório

de actividade” ; era frequentada por escritores de renome, que aí

“passavam algumas hora s em agradávei s palestra s, concertando a s suas

edições” ( id ., ib id . : 8). O trabalho persi st ente de F ranci sco Franco, e a

sua capacidade administra tiva, dota ram a capita l de um estabelecimento

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comercial que emparceirava com os congéneres locai s, e com as editoras

musicai s estrangeiras – Choudens (1845), de Paris, e Casa Ricordi

(1840), de Milão – enquanto editor e “copistaria” de partituras.

Após a morte do fundador, a livraria continu ou pela mão de seu

filho Francisco, mantendo a especialidade teatral. O Catálogo Geral de

1939242

continuou a inventaria r as obras editadas, segundo o critério

formal de entreatos, comédia s, dramas – ordem crescente de número de

atos, subdividida segundo o núm ero de intérpretes ma sculinos e

femininos – , opereta s, duetos, t ercetos, quartetos, canções e cançonetas.

Os títu los ordenam-se al fabeti camente, sem indicação de autor, à

exceção dos consagrados pelo gosto popular243

: Eduardo Schwallbach

(13), D. João da Câmara (5), Marcelino Mesquita (4), Gervásio Lobato

(2), Ibsen (2), Gomes de Amorim (1) e o anti -iberi sta padre Soares

Franco júnior (1) , que colaborara na Illustração Luso -Brasile ira .

Organizadas grosso modo em três secções fundamentais – comédia,

drama, e teatro musicado – , em 1939, o Catálogo Geral regista um total

de 1465 títu los, l iderados pelo género musicado, nas suas múltiplas

vertentes, e sendo o drama o menos r epresentativo.

Tabela 1 - Géneros t eat rais publ icados

Entre a s modalidades t eatrais, o entr eato individualiza -se, sofre a

autonomia própria de uma peça que deriva da sua função dentro do

242

Com o falecimento do editor -l ivrei ro Arnaldo Bordalo, o espólio t eat ral da

Li vraria Bordalo t erá s ido comprado por F rancisco F ranco, passando a in tegrar o seu Catálogo Geral , após 1921. As coleções de t eat ro infant i l daquela l ivraria não es tão

inclu ídas na análi se que se faz à Livraria Popular , porque não correspondem ao

espí ri to in icial des te editor . 243

Ent re feverei ro de 1896 e julho de 1898, a revi s ta de t eat ro A Cena procedeu a um

inquéri to para apurar da populari dade de personal idades do meio t eat ral , ent re

autores, atores , mús icos , crí ti cos e empresários. O gos to dos l eitores elegeu D. João

da Câmara co mo o melhor autor dramát ico , seguido de Eduardo Schwal lbach,

Marcel ino Mesqui ta, Henrique Lopes Mendonça e Antón io Enes. Ent re os atores ,

sobressaiu Eduardo Brazão, sobre João e Augus to Rosa. Sousa Bas tos fo i elei to

como o melhor autor de t eat ro l igei ro, com o epíteto de “revi s tei ro”.

Comédias 371

Dramas 163

Teat ro musicado 619

Monólogos 312

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espetá culo. Seja de comédia ou dra mático, tra ta -se de uma composição

breve, destinada a entreter o público entr e actos, enquanto se proced ia à

mutação cenográfica da peça principal. O entracte francês acomodara -se

à cena portuguesa como “intervalo cómico”, por José de Abranches , para

caracter izar É forte b irra te imar (1865) , por Luís António de Araújo , em

Picadores de portas (1870), ou Luís Francisco Lopes , em A Grande-

duquesa de Gerolste in e o Sereníssimo Barba Azul no meio da rua

(1870). Na sua qualidade de dramatículo funcional do espectá culo, t inha

correspondência com o “ lever de rideau”, o antea to, ou l i teralmente “ao

levantar do pano”, cuja execução ocorria logo após a sinfonia de abertura

pela orquestra do teatro, com que tradicionalmente principiava a função

teatral . O anteato atrasava propositadamente a apresentaçã o da obra

principal, entret endo os espectadores presentes, que aguardavam os

retardatários.

O tempo encarregou-se de conferir a estas composições o estatu to

equivalente a peças em um ato, complementando os espetáculos da s

sociedades dramática s particulares. Todavi a , em 1939, o ca tálogo da

Livraria Popular apena s publicita entreatos para homens, com

prevalência para os de comédia. Entre os autores catalogados destacam -

se Franci sco Palha , Câmara Manuel , José Inácio de Araújo , Veloso da

Costa , Ferreira de Mesquita , Eduardo Garrido, T ito Martins, Diogo José

Seromenho, João de Sousa , Bapti sta Diniz e Dupont de Sousa .

Designação genérica Parti cipantes Obras

Ent reacto cómico 2 homens 13

Ent reacto dramát ico 2 homens 6

Total 19

Tabela 2 - Ent reactos

Indi scutivelmente, as comédia s corr espondem ao género fa vorito

dos espectáculos populares. Dominando Francisco Franco o meio dos

amadores dramáticos, é compreensível o seu cuidado em editar obras

adequadas às suas possibilidades interpretativas e ao melhor benefício

das récitas. Toda s as comédias em vários a tos apresenta m elencos

dramáticos mistos.

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Tabela 3 – Comédias I

Contudo, r egi sta -se um grande número de comédia s em 1 ato que

apresenta m a particularidade de individualizar um dos sexos,

veri ficando-se que as comédia s destinada s a homens superam, em larga

escala , as destinadas a senhoras, facilitando a composição de elencos nos

grupos dramáticos dos grémios e academias r ecreativas, conhecendo -se a

sua dificuldade em encontrar intérpretes femininos. O elevad o número de

comédias, que se oferecem ao escrutínio dos compradores, entre 1 e 3

a tos, espelha a tipologia das récitas, compostas por vários momentos de

representação, tocando uma escala variada de sentimentos, numa

combinação ecléti ca destinada a preenche r quatro a cinco horas de

convívio.

Tabela 4 - Comédias II

Do volume de obras, as comédias mistas apresentam a maioria dos

títu los, seguindo -se as masculinas (45) e as femininas (5). Os drama s

correspondem a menos de metade da oferta cómica, previligiando -se as

peças em 3 atos, seguidas das em 1 ato.

Comédias em 1 acto Ho mens , senhoras e mis tas 291

Comédias em 2 actos Mistas 27

Comédias em 3 actos Mistas 44

Comédias em 4 actos Mistas 4

Comédias em 5 actos Mistas 5

Total 371

Comédias em 1 acto

3 homens 14

45

4 homens 11

5 homens 6

6 homens 8

7 homens 6

2 senhoras 2

5

3 senhoras 2

4 senhoras 1

mis tas 241

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Tabela 5 - Dramas

O repertório cantado é outra grande aposta de Franci sco Franco,

denotando a grande popularidade da opereta de costumes populares, da

ópera cómica, dos quadros musicados – duetos, t ercetos e quartetos -,

bastas vezes provenientes da s revistas, e da s cançoneta s.

Tabela 6 - Teat ro musicado

Outro tanto se pode dizer das composições poéti cas monologadas,

destinada s a ambos os sexos, prevalecendo, como anteriormente, os

monólogos masculinos, com especial relevo para os cómicos.

Monólogos (homens) Cómicos 226

267 Dramát icos 41

Monologos (senhoras) 25

Cenas cómicas (homens) 20

Total 312

Tabela 7 - Monólogos e cenas cómicas

Dramas e m 1 acto Mistos 51

Dramas e m 2 actos Mistos 6

Dramas e m 3 actos Mistos 67

Dramas e m 4 actos Mistos 13

Dramas e m 5 actos Mistos 22

Dramas e m 6 actos Mistos 4

Total 163

Operetas em 1 acto 48

Operetas em 2 actos 4

Operetas em 3 actos 11

Operetas em 4 actos 2

Duetos 53

Tercetos 19

Quartetos 4

Canções 27

Cançonetas para homens 388

Cançonetas para senhoras 63

Total 619

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7.1 . As coleções da Livraria Popular de Francisco Franco

Trata-se da s ú ltima s grandes coleções oitocenti stas, que prolongam

o ideal liberal de ilu stração popular pela centúria seguinte, englobando

obras pertencentes à s correntes dramáticas populares dominantes, o

drama hi stórico e o de atualidade, dentro de uma estéti ca realista -

naturalista , e onde surge esporadicamente o drama simboli sta , numa

“introdução e potencia ção da modernidade” (Cruz 2001: 189), e na

defesa moderada de propaganda da “nova utopia e superior religião”

republicana (Albuquerque 1908: 253), co nducente à evolução social,

missão de “todos os intelectuais nos seus diferentes ramos sociai s”

(Gomes 2006: 45). Apesar de os livros e poema s poderem ser “armas de

combate mil vezes mais enérgicas que a dynamite e o punhal”

(Albuquerque 1908: 253), o esti lo de conversão r epublicana do “velho

desconfiado que se chama o povo português” (Quental 1989: 189) das

coleções da Livraria Popular traz à memória as palavras de Fabrício de

Matos, em O Marquez de Bacalhoa :

E queres tu pregar anarchismo, individual i smo, falar da internacional, do

amor l ivre, da supressão de família e da herança, a todas estas bestas!

Estás louco, meu pobre amigo. Trabalha por uma republicazinha

hed iondamente burguesa, t ransige com o capita l, com o logista, e o

financei ro, se queres viver, d’out ra forma és um homem perd ido

(Albuquerque 1908: 123).

Quer a “Collecção de peças theatraes para salas e theatros

particulares” , quer a “Bibliotheca Dramatica Popular” foram editadas em

simultâneo, a inda que aquela pareça ter tido a primazia editoria l244

,

divulgando comédias, dramas, e cenas cómica s com regularidade até ao

número 12, e esporadicamente dai em diante, da ndo preferência aos

géneros breves: monólogos, poesias, cançonetas e outras composições

“por música” ; será a clara separação entre géneros breves e longos que

indicia a origem da segunda cole ção. Em tempo de cri se de valores,

qualquer das coleções denota o intu ito de fazer pedagogia social, quer

pelo drama, cujos títu los seguem a dialética crítica da sociedade, quer 244

Na edição de Scenas d o Braz il , nº 4 desta colecção, publicit a -se o Novo Código

Commercial Portuguez , de Veiga Bei rão, em vigor desde 1888.

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pela comédia, levando ao absurdo o ridículo da mentalidade coeva,

sobretudo nas cançonetas e nas poesia s parodísti cas.

A amplitude da “Collecção de peça s theatraes”245

é vasta , u ltrapassa

o século de origem246

e integra títu los que constituem os repertórios da s

sociedades dramática s amadoras provinciais247

. Entre a inauguração da

Livraria Popular , em 1890, e a tr ansferência para a nova morada, em

1905, foram editados 443 títu los, a lguns dos quais contaram com

múltiplas edições248

; desde esta a ltura a té 1926, regista -se a edição das

restantes obras. Constitu iu abertura da coleção, a comédia -imitação de

Joaquim Augusto de Oliveira , Uma mulher no seguro, do repertório do

Teatro do Ginásio. Não sendo frequente surgirem prefácios, ou notas

expl icativas sobre a s obras publicada s por Franci sco Fra nco , nesta

coleção ganha particular inter esse a transcrição da carta -prefácio enviada

por Diogo José Seromenho, que testemunha as r elações ent re autor e

editor, e as motivações para a “acomodação libérrima à cena portuguesa”

do dra ma O escravo (nº 49):

Pedes-me que te faça uma imitação, accomodação, arreg lo , ou como lhe

quei ras chamar, do bonito drama em um acto O escravo , escripto ha

annos, não se i por quem, e impresso em Coimbra, i sto em face da peça

que me envias. […] Tinha […] fei to o protesto de não tornar a escrever

para o theat ro […] com a ultima peça que publiquei , no meu Theatro

Contemporaneo. Mas não te fazer este pequeno favor, seria most rar -me

ingrato, a quem tantas provas d’amizade me tem dado, sendo a ultima, o

fazeres reviver do esquecimento publico algumas peças minhas, que tem

245

Cf. Apêndice 17.1 . Collecção de peças theat raes para salas e theat ros part i culares . 246

Conhece-se a exi stência de um presumí vel derradei ro nº 679, a cançoneta A l ição

d e p iano, de Al fredo de Albu querque júnior . Na inventariação a que procedemos

sobre a “Collecção de peças theat raes” encont rámos lacunas ent re os núme ros 534 e

678, totali zando 90 tí tu los omissos. 247

A es te respeito , cf . VA Z, José Fernando Olivei ra (2011), Teatro em Avintes : O

Grupo Méri to Dramático Avintense e o Grupo Dramático d os Plebeus Avintenses

(1910 – 1974). Dissertação de Mest rado em His tória Contemporânea. Porto : Faculdade de Let ras/ Univers idade do Porto . Os quadro s s inópt icos do repertório

des tes agrupamentos dramát icos regi stam grande parte das obras edi tadas por

F rancisco F ranco. 248

Dado que as obras nunca ostentam a data de edição – t rata-se de edições com

in tu ito comercial e não li t erário –, serviu -nos de referência a morada impressa nas

capas e fo lhas de ros to, e pos teriores alt erações . In icialmente designada por

Tra vessa de São Domingos , es ta artéria tomou o nome de Rua Barros Quei rós , por

Edital camarário de 21 de junho de 1926, para homenagear To mé José de Ba rros

Quei roz, vereador da 1 ª Câmara Municipal Republ icana de Lisboa. Em 19 de maio de

1950, a Comissão Municipal de Toponímia alt erou a des ignação para Rua de Barros

Quei rós , que ainda hoje mantém.

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[sic ] as edições esgotadas. […] Sinto, visto a peça que me envias não o

dizer, não saber quem seja o auctor do drama, que acabo de imi tar,

acommodando a l ingoagem á actual idade, unico t rabalho que me

pertence, pois lhe desejava estampar aqui o nome como homenagem pelo

seu valioso t rabalho. Escrevi para Coimbra, […] vi sto o drama ser lá

impresso para fazerem as respectivas indagações, se o souber antes do

drama estar impresso, assim o decla rarei, passando para o dicto auctor as

honras da paternidade d’este t rabalho, que Monet oblectando . // Teu velho

amigo, // 8 de março de 1891. // Seromenho (itá licos originais).

Entre 110 escritores identi fi cados, a coleção mantém um equilíbrio

entre autores dramáticos (50), aqueles que se cir cunscrevem à área

musical, enquanto letri stas (35), e aqueles que fazem incursão em

qualquer dos ca mpos artísti cos (25). Além de Luís Ferreira de Ca stro

Seromenho, Diogo Seromenho , Joaquim Augusto de Oliveira , Henrique

Carlos Ferreira , J . A. de Oliveira Ma scarenhas , Henrique Peixoto ou

António Cândido de Oliveira , a lguns dos quais publicados em anteriores

coleções, que Franci sco Franco “faz reviver do esquecimento público”, a

prevalência dos re stantes autores indica a moda das sociedades

particu lares, sendo encabeçada pelo r ealce dado ao ator-cantor -

compositor Nicolau Tolentino Leroy (N. T . Leroy), quer a tuando em

palcos públicos, quer em récitas particulares com o seu Trio Paulus249

.

Deste músico, a coleção edita 1 64 títu los, entr e monólogos, cançonetas e

outras composições musicais , deixando para a “Bibliotheca dramática

popular” a edição das suas opereta s . A hibridez da coleção faz prevalecer

a vertente musical – cançonetas (316), duetos (22), tercetos (12) e

quartetos (4) – , imediatamente seguida pela literária – monólogos fim-

de-século (147) e poesias (9) – e pela dramática – drama s (8), comédia s

(31), farsas (4), cena s cómicas (18) e dramáticas (2)250

.

249

Grupo de operetas e cançonet i stas, único no seu género e m Portugal, ao qual

pertenceu, como dama honorária, e atuou a at ri z Jesuina Saraiva. As opereteas de N.

T. Leroy t i vera m grande sucesso nos palcos parti culares e públicos , t endo

posteriormente in tegrado os repertórios das companhias de província. Trata -se de

obras populares , originai s e imi tadas , em ato único , para elencos reduzidos . Foram

part i cularmente populares Os amores do Coronel , O Bibi , Boccacio na rua, Carvão e

bolas , e A viúva alegre em Cascais , edi tadas na coleção “Bibl io theca Dramát ica

Popular”, da Livraria Popular de F ranci sco F ranco . 250

Dos 110 autores identi f i cados, cit emos aqueles que maior número de obras se

edi ta: Nicolau Tolent ino Leroy (164), Al fredo Albuquerque júnior (42), Celest ino

Gaspar da S ilva (40), Augus to Garraio (35), Fe rnando Schwal lbach (20), Bessa

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A pluralidade de componentes – dramática, musical e li terá ria –

corresponde às necessidades das récitas populares, das sociedades

amadoras, promovendo o recreio e a convivialidade, e, a través do

entretenimento, “veicular ideai s e enformar consciências” (Ribeiro 2011:

224), em tempo de profusão de clubes e associa ções l igados ao

movimento republicano. As companhias de t eatro amadoras era m

convidada s, a par das profi ssionais, para as récitas nos teatros públicos,

com o object ivo de angariar fundos para os organi smos partidár ios.

Aspirando à materia lização da repúbli ca de Platão, defendia o

positivi smo teofilino, que a apresentação de “altos caracteres” a serem

imitados, fornecia a “ lição , objectiva ndo os grandes sucessos como uma

animada experiência sociológica” (Braga 1907: VII) . Nesta perspectiva a

coleção promove o drama militar inspirado na História Francesa, O filho

da República , de A. Cândido de Oliveira , o drama histórico Portugal

restaurado – 1640 , de Luís F. Castro Seromenho , e os dramas sociais

Scenas do Brazil ou os Escravos e Senhores , e O escravo , de Diogo José

Seromenho, Os ladrões da honra e Cenas do mundo , de Henrique

Peixoto, e Sombras e coloridos, de Joaquim Augu sto de Oliveira

Mascarenha s.

A programação variada dos saraus populares, intercalando o teor

ideológico dos dramas com a sátira social das comédias de costumes, dos

monólogos de sala e da s cançonetas, celebrava a exaltação emocional dos

valores da vida, e traçava o retrato da vida cívica segundo o modelo

demopédico ilumini sta e positivi sta defendido pela nova ordem pol ítica ,

que se vinha afirmando a partir da penúltima década o itocentista e

conduziria à implanta ção da República:

Dramas, comédias, operetas, cançonetas, monólogos, poesias, tudo i sso

pode ser escolhido ou proposi tadamente fe ito de forma a fornecer -nos

ideas ou emoções convincentes do ideal privat ivo de cada um de n ós – os

de esquerda – ou do ideal comum de que nos juntemos fra ternalmente

(Salgado 1904: 1 ).

Munné (16), Artur Arriegas (Rei Sagara) (13), J . Câmara Manuel (10), Gui lherme da

S ilva Lisboa (10), e Laurent ino M. Simões (10).

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No diário Vanguarda (18/12/1904: 1) , Heliodoro Salgado , em

“Recreio e propaganda”, contrariou “o excesso do rigorosi smo

revolucionário”, que condenava as “diversões a legres” capazes de

desanuviar o espírito do proletariado, para ressalvar o papel positivo do

“divertimento” nos saraus associativos, favorecendo a troca de “ideias e

impressões sugestivas”, que aperfeiçoam a “e ducação moral”: “a

diver são li t teraria , artística , musical ou dançante , é um correctivo

duplamente hygienico, para o espírito dolorido e para o corpo

alquebrado” ( ib id .: ib id .) . A nota social serviu de pano de fundo aos

dramas e comédias da segunda metade do século XIX, fru to das ideias

progressi stas da Geração de 70, e a escolha das obras dadas à estampa

nestas coleções vem refletir uma ideia estética , moral e pol ítica , e o

gosto de um público de índole tradicionalista apreciador do veri smo

cénico.

Se a “Collecção de peças theatraes” se r eveste de um a speto

funcional, como repertório de obras breves próprias para espectáculos de

salas e de t eatros particulares, a “Bibliotheca Dramática Popular”

assume, pela própria designação, um caracter de modelo di scipli nar do

gosto do público das sociedades de curiosos dramáticos, e dinamizador

das suas prática s teatrais, apresentando obras longas, que valorizam a s

vertentes hi stóricas, sociais e lír i cas. Das 383 obras que const ituem esta

coleção251

, as obra s jocosas – comédia s (230) e farsas (10) – suplantam

as obras séria s – tragédia (1), dramas (89) e comédia s -dramas (14) – ; o

quadro geral completa -se com entr eatos cómicos e dramát icos (23),

operetas (29) e apenas uma cançoneta . Entre 152 autores, editam -se

obras origina is (261), traduzidas (52) e imitadas, arregladas,

acomodadas, adaptadas ou verões livres (68), cujo conjunto esboça um

retrato de objetivos estéti cos e ideológicos do editor Franci sco Franco .

Em finais de Oitocentos, o reaparecimento do modelo do drama de

temática histórica sugere o “apelo artí stico -patrióti co” de Almeida

Garrett . Ele, que procurara “ressuscitar uma literatura popular, criar uma

251

Cf. Apêndice 17.2. Bibl io theca dramát ica Popular . Apenas se desconhece m dois

t ítu los , correspondentes aos números 349 e 350.

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consciência literária nacional, étnica, folclórica” (Saraiva 1996: I, 43), e

alinhara a produção dramática na s suas duas “nebulosas”, a do “velho

receituário histórico”, e a da “atualidade socioeconómica e política”

sobre os “princípios estéti cos e ideológicos do Romanti smo teatral”

(Cruz 2001: 161), assinava a coleção com os drama s Alfageme de

Santarém, Frei Luís de Sousa , e com as comédia s de amadores, Falar

verdade a mentir , Tio S implício , As profecias de Bandarra e o provérbio

Um noivado no Dafundo . No momento da tr íplice crise fini ssecular, a

exigir uma forte consciência nacional (Barata 2001: 72), as figuras de

Fernão Vaz e de Manuel de Sousa Coutinho permanecia m pol iticamente

rebeldes, no seu interesse pela res publica .

A elas, se juntou, no panteão dramático de Franci sco Franco, o

espírito evocativo dos dramas hi stóricos Duque de Vizeu , Miguel de

Vasconcelos , e da tragédia Viriato 252, do prolí fico Joaquim Au gusto de

Oliveira Ma scarenhas, ou a Leonor Teles, de Marcelino Mesquita253

.

Ainda que Alexandre Herculano tivesse minimizado a relação entr e

lusitanos e portugueses, os efeitos do Ultimatum e da crise políti ca

interna, pondo em causa a independência nacional, despertaram o

sentimento patriótico, como “imperativo de cidadania” (Guerra/Fabião

1992: 17). A sombra de Viria to surgiu como um mito de r efundação

nacional anti -dinásti co , ao mesmo tempo símbolo e arquétipo nacional,

um herói “puro e justo” (Mattoso 2006) a lteado ao altar republicano do

culto dos grandes mortos do heroi smo popular, pela ousadia de recusa r

ser Príncipe da Lusitânia , defendendo uma terra sem rei s254

. Despertando

252

Antecedendo o drama, o autor reflete sobre o aspecto cenográfico ou “theat ro dos

atos”, cuja descrição pormenoriza em cada u m. De igual modo expl ica os “cos tumes

dos Lusi tanos” e os “cos tumes dos Romanos”, cujo ves tuário mascul ino e feminino

detalha. Em nota de rodapé, regi sta -se informação de u l t erior in teresse: “O auctor acaba d’ext rahi r d’esta t ragédia um drama symbol ico em t rez actos (escola

naturali st a) , a que deu o tí tu lo de Lusi tania . É um t rabalho completamente no vo.

Es ta t ragedia Vir iato foi ensaiada ha t empo, pela companhia do ext incto theat ro dos

Recreios Wythoine; mas não se chegou a representar por mot ivos de força maior”. 253

Representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II (empresa

Rosas & Brzão), a 3 de outubro de 1889. 254

A es te respei to cf . o art igo de P EREIRA , Maria da Conceição Mei reles (2011), “A

etno-epo-his tória e os mi tos fundacionais da Nação – ‘Vi riato’ de Teófi lo Braga”,

em Li vro de Atas da Conf erência In ternacional “Identidade Nacional : Ent re o

d i scurso e a prát i ca”. Porto : CEPESE/ F rontei ra do Caos , pp .141 -164.

[h t tp :/ /www.cepesepubl icacoes .pt ] (consul tado em 10/03/2016)

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a “evocação da Raça”, pretendia -se que o “ sentir da fibra nacional”

a tivasse os “germes e impulsos da missão hi stórica e da s criações

artísticas que [refl etissem] a consciência da col etividade” (Braga 2010 -

12: 6) e funda ssem uma alma nacional.

A História serviu como veículo de propaganda ideológica, como

exemplo moralizador e excitador da consciência social e política das

plateias. Mais do que hi stória que se lia , revivia -a o espectador na

história que se contava, fosse relato, fi cção ou mito (Gomes 2006: 5).

Para a lém da mera representação do r eal, o teatro agia como meio efi caz

de intervenção social. A publicação de Maria Antonieta (tradução de

Biester, do dra ma de Paul Giacommeti) , ou A morte de Marat, drama

original de Penha Coutinho, ambos convocando acontecimentos

emblemáticos da Revolução Francesa, sublinham o papel de mártires da

revolução, e evidencia m as divergências e os conflitos internos que

podem minar um processo revolucionário, ta l como o drama de

Henriquete Peixoto, A voz do povo, cuja ação se situa durante a revolta

da Maria da Fonte. Um século depois, as palavras do pintor Jacques -

Louis David , apresentando o Marat assassiné , à Convention Nationale ,

poderiam ainda fazer sentido na consciência revolucionária dos anti -

dinásti cos da políti ca portuguesa – “Posterité , tu le vengera s”:

Citoyens, […] Aujourd’hui les vertus, les effort s du Peuple ont dét rui t le

prest ige; la véri té se montre , devant el le la gloi re de l’ami des rois se

dissipe comme une ombre, que le vice , que l’imposture fuient du

Panthéon; le peuple y appel le celui qui ne le t rompa jamais (David 1793:

3 ).

Garrett comungara o mesmo conceito, que Rebelo da Si lva partilha

no prefácio de Ghigi, de Gomes de Amorim, e este, na “Introdução” a

Ódio de Raça , na defesa da unidade entre a ideia moral e a dramática,

para obtenção de efeito seguro e profundidade de pensamento:

Os nomes e as obras de hoje se brilham, podem apagar -se cedo. […]

Outros mais fe lizes ti raram d’el las a epopeia moderna, e as novas formas

da arte. […] As gerações futuras sorrindo do que nos admira , como nas

primeiras vaidades da nossa revolução incompleta nós zombamos dos

imitadores clássicos, vi rão julgar-nos pelos fructos e não pelas

promessas. […] Atemos a t radição out ra vez; cheguemo -nos ao povo e às

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origens nacionais, aonde el le refresca as suas memórias; e façamos por

ser nós (Silva 1852: XVI-XXIII).

A geração neogarrettiana de 1890, que fez surgir a corr ente lit erária

nacionalista expansionista , evocando a sociedade galante de antanho,

“em personagens e fa tos de opereta” (Saraiva 1996: 53), perdera a

“emoção humana diant e do espectáculo” ( id ., ib id . : 54), e iso lara -se da

vida coletiva nacional. Todavia , na escolha dramática de Franci sco

Franco para a “Bibliotheca Dramática”, obras como a ver são cénica da

obra de Júlio Diniz, Os Fidalgos da Casa Mourisca , por Carlos

Borges255

, ou a tradução de Joaquim José Anaia , da obra de Feuillet , A

vida de um rapaz pobre256, exprimem hábitos, tradições, in teresses

materia is e morai s, e formam a consciência de uma cla sse média baseada

no trabalho, “origem da riqueza e da feli cidade em geral” (Saraiva

1996c: 66)257

.

Concluído o t empo do António Maria (1898) e no advento de A

Paródia (1900), quando o fonti smo cedeu lugar à revoluçã o de João

Franco, e à noção do coletivo proveniente das transformações

económicas, da explosão demográ fica acelerada, e do aceleramento das

comunicações através de milhares de quilómetros de vias férreas e de

l inhas telegrá fica s, a “Bibliotheca Dramática Popular” parece querer

demonstrar uma via concertada de politi zação da vida portuguesa pelo

teatro, para que o drama, pa ssado do t eatro ao livro, continue a ser

filosofia viva (Amorim 1869: 12) de um dra ma humanitário e social que

faça apelo à carga emocional das p lateias:

[Os] d ramaturgos, recorrendo às largas audiências do teat ro e ao seu

poder de envolver as massas, cont ribuem para const rui r uma imagem da

nação portuguesa nos seus concidadãos, […] t ransportam para as suas

255

Representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II (empresa

B ies ter & Brazão), a 26 de junho de 1877. (Livros de Regis to de Espectaculos,

TNDMII). 256

Representado pela primei ra ve z e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 1 de abri l

de 1865. (Livros de Regis to de Espectaculos , TNDMII). 257

Em 1885, um deputado regenerador afi rma va, a propósi to da at ribuição de mercês

honorí f i cas a homens de l et ras , que a l ei tura de Cami lo Castelo Branco, apesar da

excelência est il ís ti ca, o deixava “desalentado”, ao passo que as obras de Júlio Diniz

dispunham “ melhor a alma do povo, dando - lhe impressões serenas e boas” ( apud

Ramos 2001: 70).

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criações uma imagem de ident idade que co rresponde à do seu espaço e do

seu tempo (Santos 2011: 14).

O espírito do darwini smo, pondo fim ao otimismo românt ico e

progressi sta (Ramos 2001: 272), tornou a representação do mundo

amoral, indi ferente, egoí sta , e a li t eratura naturalista tornou -se ilustração

desse espírito, expondo as patologias sociais da grande comédia

burguesa, reivindicando sobre tudo a necessidade de uma nova

moralidade. Se a imprensa explorava os “horrores da vida” ( id ., ib id . :

273), a ficção naturalista representava os “desgraçad os […] sempre

tr iturados pela s engrenagens complexas, pelas rodas dentadas da

máquina social”; assim definia Maria Amália Vaz de Carvalho a galeria

de figuras de Zola , em Cérebros e corações (apud Ramos 2001: 273). O

drama de atualidade assume o papel de documento de análise da evolução

políti ca , social e económica a partir da Regeneração, guardando, todavia ,

o mesmo tipo de conflitos, e psicologias romântica s entre o Bem e o Mal.

Mudam-se os t empos – a história passada torna -se hi stória presente – ,

muda-se a tipologia das personagens – a aristocracia cede lugar à

burguesia – , mas a fórmula moral permance inalterável. Princípio que se

pode aplica r à escolha das obras de César de Lacerda , a tor de nomeada

no seu tempo, possuidor da chamada “gramática de cena”, ou

“carpintaria teatral” (diálogo e efabulação bem urdidos), r epresentado na

coleção pelos dramas originai s – A probidade e Cinismo, ceptic ismo e

crença – e pela acomodação à cena portuguesa da comédia -drama Les

crochets du père Martin (Trabalho e honra ) , de Cormon e Grangé.

A problemática operária , a inda que reit ere modelos tradiciona listas

– Brazão do artis ta , de Luís Cordeiro Godinho, Nobreza de artis ta , de

Castro Seromenho, ou João, o operário , de Luís Pinto Martins – , regista

a necessidade de uma abordagem laboral di fer ente. Se, em 1865, Biester

rematara a sua peça Operários com um vibrante “viva a indústria

portuguesa”, louvando as classes laboriosas, em 1896, Henrique de

Macedo Júnior apresenta -se mais consentâneo com a evolução do espírito

industria l, quando procla ma, em O operariado, que Francisco Franco

edita : “viva o dia normal de 8 hora s”.

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Seguindo o espírito decadenti sta fin issecular, a “Bibliotheca

dramática popular” de Franci sco Franco fornece um conjunto de obra s

que abordam o mal de vivre, e que, a través do drama social ou da

comédia de costumes, di scorrem sobre si tuações exemplares, motivando

a ação humanitária , na per spetiva positivi sta comtiana, de que “ninguém

pode agir com dúvida s” (Ramos 2001: 282). A paráfrase da vida r eal

obervada em espetáculo sugeria a possibilidade de resolução dos

problemas, fru to da união entre o pensamento e a ação. Pressente -se o

espírito da Geração de 70, enquanto defesa do carácter moral izador das

obras escolhida s, ética e socialmente revolucionárias, abordando vícios

sociais – Cinismo e honra, de Marcos de Assunção, Cenas de miséria , de

Henrique de Macedo júnior , ou Artur, o jogador, de Luís Cordeiro

Godinho – , a corrupção de costu mes – O que a ambição faz praticar, de

Pereira Varela , O agiota , de Oliveira Mascarenha s, O avarento , de

Veloso da Costa – , a sedução amorosa – A Rosa do Adro, de Henrique de

Macedo júnior258

, – , destinadas a um público apreciador de emoções, de

expressões acessívei s, de imagens e símbolos que corporalizam o

pensamento popular.

Sendo Oitocentos o “século da criança”, t ida como o “progresso da

Nação”, tanto a esfera famil iar, como a estatal sofreram a crescente

conscienciali zação da importância de combater o a bandono infantil e o

infanti cíd io (Paulino 2014: 201), muitas vezes fru t o da prostitu ição.

Obras como A Rosa enjeitada, de D. João da Câmara , ou Paulo, o

enjeitado, de Quirino de Sou sa , aborda m a t emática do enjeit ado259

, qu e

258

Tanto es ta versão cénica do romance homónimo de Manuel Maria Rodrigues , como

a versão cénica da no vela ca mi l iana Amor d e perdição, foram sucessos de b i lhetei ra

dos t eat ros populares, pertencendo ao repertório dramát ica das companhias de

província em Portugal . O êxito destas obras mot ivou a sua adaptação no século XX,

por Romeu Correia. A Rosa do Adro fo i expressamente adaptada para a Companhia de Rafael de Ol ivei ra, Art i s t as Associados , que a est reou no Teat ro Desmontável , e m

Santarém, a 24 de j anei ro de 1971 (F il ipe 2008:60, nota 172). 259

O decreto de 21 de nove mbro de 1867 aboliu o abandono anónimo infant il e

ext inguiu as Casas da Roda, tornando -se obrigatória a identi f i cação parental , e

compet indo aos hospícios , mant idos pelas Câmaras Municipai s, a nova função de

acolhimento dos enjeit ados . O Código Civi l de 1867 defin iu o novo es tatu to jurídico

dos expostos , que mant inha de fora os f i lhos espúrios , de relações adúlteras ou

incestuosas , impedidos de serem perfi lhados . Veri fi cou -se, por i s so , um aumento de

infant icíd ios e o aparecimento de abortadei ras , que prat i cava m abortos clandest inos,

causa de mui ta mortal idade materna por fal t a de condições. A es te respeito cf.

P A ULIN O , Joana Catarina Viei ra (2014), “Os expos tos em números . Uma anál i se

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não sendo “legítimo, nem il egítimo, nem natural, nem adulterino”, era

um “ser sem vínculo”, um estado civil “negativo”, uma vida “gerada pelo

acaso”, sem filiação nem laços fa miliares (Inácio 2014: 358 -9)260

.

Os princípios ilumini stas, defendendo a di gnidade hu mana,

incutiram novos valores de organização social, de necessidade de

assi stência pública , de alteração do Direito de Família e inst itu ição do

direito ao divórcio, em suma, do dir eito a uma nova ordem social mais

igualitária . Nesta linha de pensa mento se inscrevem a edição da s

traduções livres do realismo ibseniano261

– Espectros (Gengangere ) , por

Augusto Joaquim Leone Soutello , e A casa da boneca (Et dukkehjem ) ,

pelo ponto, ensaiador e diretor de cena Nascimento Correia – , que põem

em causa o pilar social do casa mento, r edimindo a mulher, sem recurso à

morte patética , como em La dernière idole (O último ídolo ) , de Alphonse

Daudet, traduzido por Joaquim Augusto de Oliveira . Equivalentes

sentimentos de culpa, de expiação, de amor, e de tra ição, porém sob

“força s transcendentes à razão” (Rebello 2006: 59), habitam O pântano,

de D. João da Câmara , “símbolo de um lôbrego universo onde se agita

desorientada uma humanidade” que se afunda no abismo ( ib id .: ib id .)262.

Se Fialho de Almeida viu nele, primeiro, uma influência das “brumas do

quanti t at iva do abandono infant il na Santa Casa da Miserfciórdia de Lisboa (1850 –

1903), Atas d o IX Encontro Nacional d e Es tudantes d e Histór ia, Porto: Univers idade

do Porto, Faculdade de Let ras , Biblioteca d igi t al , 2014, pp. 185 -215, eBook ; IN Á C IO ,

Nuno Campos (2014), “Um cont ributo para a His tória do Di reito – Os Expos tos”,

Jur ismat , Port imão, nº 5 , pp. 345 -360. 260

Sobre a t emát ica de enjei t ado versa m ta mbé m as seguintes obras , es treadas no

Teat ro de D. Maria II: José, o enjei tado, comédia-drama e m 1 ato , de António

Manuel da Cunha Belém, es t reada a 18 de junho de 1864; A mãe d o enjeitado , drama

em 2 atos , do regenerador To más Ribei ro , a 28 de setembro de 1864; Os enjei tad os ,

drama e m 4 atos , de António Ennes , a 6 de março de 1879. 261

Ibsen fo i representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro do P ríncipe Real (Porto) , na tournée de Ermete No vel l i , que representa Os espect ros , e, depois, no

Teat ro de D. Amél ia , Nes te t eat ro Eleanora Duse represent a Hedda Gabler , em 1898.

Em 1899, Lucinda Simões es t reia A casa da boneca, em Coimbra, na t radução do

ator Cris ti ano de Sousa. Em 1900, Luís Galhardo t raduz O inimigo d o povo, e de

José de Sousa Montei ro O pato bravo, para a Sociedade Artí s ti ca do Teat ro de D.

Maria II. E m 1901, Ermete Zacconi l eva à c ena Os espect ros , susci tando grande

polémica na el i t e in telectual , ent re “escri tores , cr ít i cos e médicos ps iquiat ras”

(Coelho 2006: 143 -44). 262

Representou-se pela primei ra ve z, e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 10 de

nove mbro de 1894, e m réci t a de reabertura do t eat ro , após as obras que l e vara m à

p intura do t ecto da sala por Columbano.

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Norte”, posteriormente, r econheceu a antecipa ção de Maeterlinck (apud

Rebello 2006: 58)263

.

A “Bibliotheca dramática popular” partilha um espírito idêntico ao

do editor Rolland, compilando obras destinada s ao entr etenimento do

povo e à constitu ição de uma memória , favorecendo a compreensão de

conceitos e ideais, pelo teatro (drama e espectáculo), como o hamletiano

laço armado à consciência , ou como um “ sismógrafo”, que r egi sta “as

mais leves variações das estru turas sociais e económicas sobre as quais

assenta , sem que deixe simultaneamente, a inda que de forma enviesada,

de r eagir sobre ela s” (Rebello 2006: 12).

263

No mesmo ano em que D. João da Câmara encetou uma tentativa de t eat ro s imbol is ta, Eugénio de Cast ro sofreu uma coincidente influência de “sens ib il i zação

para a renovação da nossa es tét i ca e da nossa pragmát ica t eat ral” (Cr uz 2001: 190).

Toda via, a poét ica des te ú lt imo pouco interessaria aos editores “me ntores” das

sociedades part i culares . Os poetas anarquistas Nefel ibatas lusos, liderados por Raúl

Brandão (ali ás Luís de Borja , pseudónimo colect ivo com Júl io Brandão e Just ino de

Montalvão) (AAVV 1980: 40), fortemente influenciados pelo S imboli smo -

decandenti smo francês , ao proclamare m-se “ Ateus do P reconceito e da Opinião

Públ ica” ou “Anarquistas das Let ras , Pet ro lei ros do Ideal” (Borja 1981: 27),

au tomarginal izava m-se os tens iva mente da cultura popular , tornando -se alvo da

crí t i ca humorí s t i ca de José Inácio de Araújo , no monólogo Um poeta nefelibata

(Li sboa, 1895, B ibliotheca de Recreio Dramát ico , 6) .

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Parte II – A missão construtiva da Arte Dramática

A poesia é uma moral. E é por i sso que o

poeta é levado a buscar a justiça pela

própria natureza da sua poesia. E a busca

da justiça é desde sempre uma

coordenada fundamental de toda a obra

poética. […] Confunde -se com a nossa

confiança na evolução do homem,

confunde-se com a nossa fé no universo.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Arte

Poética III (1964)

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1. Entender e sentir… Fazer entender e fazer sentir….

Garrett foi incumbido de exercer “conscientemente uma missão

constructiva”, numa sociedade que lu tava pelo desenvolvimento de novas

institu ições sociais e de uma nova mentalidade. Na perspetiva políti ca de

Teófilo Braga , o sen t imento de “caracter nacional” que professou

correspondia à associação das “ tradições que lhe dera m a emoção

sympathica da Patria” com a “comprehensão da corr ente da civili zação

europêa depois da violenta cri se r evolucionária”. A sua obra patenteia

não só as “cri ses hi stóricas do seu meio social” , as “phases da

implantação do regimen constitucional parlamentar” , mas também a

expressão da s “aspirações”, da s “ tendências que se impunha m” (Braga

1904: 7-8), sendo, por isso, um “guia” que exerceu posteriormente uma

ação necessária .

Enquanto dramaturgo, a sua obra teatral traduz a “predileção

constante e fi el por tudo o que diz r espeito ao palco” (Crabée -Rocha

1954: 10). Para a autora de O Teatro de Garrett , são múltip los os a spetos

que constituem a sua “unidade d e plano”:

Garrett fez-se um grande dramaturgo, sabedor do seu ofício, dirigiu

segundo um critério preconcebido a sua obra escri ta, tornou-se homem de

acção para a defender, e deixou aos seus contemporâneos uma mensagem

clara sobre o destino do teatro em Portugal (Crabée-Rocha 1954: 10 ;

i tálicos originais).

Como Voltaire ou Goethe, Garrett foi a tor amador por voca ção, com

o objetivo de demonstrar “um curso novo na arte de r epresentar” ( id .,

ib id . : 14). Os defeitos que lhe apontaram – “pose e simulação […]

esmero demasiado, super fi cia lidade no comporta mento, fu tilidade e

presunção” – eram virtudes de comediante, que o tornavam um ser

completo ( id ., ib id . : 18). O “desejo de agradar” revela faceta s “de actor e

de actriz, de galã e de primadona”, quer como homem, quer como artista

( id . , ib id . : 19). Espírito adorado pelas mulheres, ta lento invejado pelos

homens, Garrett era “um fantasi sta , um quiromante, um predestinado

para a cena” ( id ., ib id . : 27). D. João de Azevedo retrata -o com a

“eloquência de Demosthenes, […] a arte cómica de Talma […] a sciencia

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de Salomão […] [e] a aparente serenidade de evangeli sta”264

(apud

Amorim 1881-84: III , 142). O pendor para o improviso fê-lo um

“fingidor, como todo o artista tem de ser, […] sempre apto a transfigurar

a realidade e a beleza” (Crabée -Rocha 1954: 28). O teatro, género

burguês acabado, serviu como “lite ra tura ao serviço do divert imento da

burguesia” ( id ., ib id . : 29), permitindo o seu sucesso social e l i terário.

Como ator de palco dominou o género dramático, como ator social , os

géneros políti cos, os di scursos e os artigos de combate , a tingindo o

grande público, seu maior destinatário. Vislumbr ou a sua imortalidade na

“advertência” às Folhas Caídas – “só morrerá d’ell e aquillo em que se

pareceu e se uniu comvosco” (Garrett 1904: I , 170) – , que se consolidou

pelos que di fundiram o seu espírito e encontraram a “ espuma da bebida

subtil” , mais do que o “saibro grosso” ( Crabée-Rocha 1954: 34).

Através da prefação, r eit erada pelos devedores dos princípios de

renovação da arte dramática e da críti ca teatral, um “desprezado ramo da

nossa lit t eratura” (Amorim 1881 -84: II , 680), Garrett , circunstanciou

fatores geradores da produção dramática, da realização plá stica e da

receção estética , es tabelecendo fontes primárias r elevantes para a

compreensão de uma preceptiva t eatral, fru to da entrega deliberada “à

tarefa de ligar o teatro que ( se) fazia a uma história dos modelos e das

ideias” (Brilhante 2000: passim ): “não basta entender e sentir; é preci so

fazer entender e fazer sentir” (Amorim 1881 -84: II , 680). Assimilando as

ideias de forma inteligente e viva (Crabée -Rocha 1954a: 221), originou

teoria portadora de controvér sia . Mesmo que advirta o leitor da

inutilidade dos prefácios, prólogos e outros comentários , fo i um

“explicador” que prefaciou quanto pode, “até a s peças póstumas” ( id .,

ib id . : 222). Nessa intert extualidade, procurou sintet izar uma ideologia ,

uma “poética de autor” , que demonstra a “fábrica” da obra que

introduzia .

O gosto pelo t eatro mani festou -se desde jovem, recria ndo a

realidade pela imaginação, “em representar na fantasia […] as

264

Cf . [Aze vedo, D. João de (1845)] , Um ere mi ta da Serra de Ar ga, “ Ret ratos e

b iographias parlamentares”, Quadro pol ít i co, hi stórico e biographico do Par lamento

d e 1842. Lisboa: Tip . Manuel José Coelho, pp .29 -111.

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‘situações’ do seu drama particular” (Monteiro 1971: I , 411). A sua

evolu ção, intimamente ligada às condiçõ es na cionais e políticas, às

modas e corr entes lit erárias do seu t empo, a “ todos os imponderáveis que

o levam à criação” (Crabée -Rocha 1954: 40), dependeu da apreciação dos

públicos. Sobre eles agiu , dirigi ndo-os e l evando-os para onde quis, com

subtileza , requintando a obra e adequando o di scurso à necessidade do

seu auditório. O seu “coração -consciência” exprimiu -se na

comunicabilidade da mensagem e seduziu expressivamente o público

pelo efeito de tonalidades emocionais, segundo o “equilíbrio próprio do

seu hedonismo estético”: a “grandiosidade comovente; a naturalidade

[…] sentimental e moralizadora; a graça rococó; o ri so brincalhão ou

desmisti fi cador e caricatural” (Monteiro 1971: I , 414). Na amplitude da

obra dramática identi fica m-se três campos de rea lização cénica – um

teatro para académicos, um teatro para amadores dramáticos e um teatro

para profissionais – , ao longo de três momentos que Teófilo Braga

identifi cou como um período arcádico (1818 – 1823), um românti co

(1839 – 1841) e um univer salista (1843 – 1854).

1.1 . Teatro para sociedades dramáticas académicas (1816 –

1820)

“Andadeiras clássicas e aristotélicas…”

A produção juvenil de Garrett mostra a sua apetência por uma

cosmovisão de cariz newtoniano “aberta ao entu siasmo cívico […] e à

compreensão dinâmica da realidade histórica” (Monteiro 1971: I , 404).

Em 1816, regressado do exílio açoriano, inscrito na Faculdade de Direito

de Coimbra265

, traz a bagagem lit erária , árcade e humanista , que

alicerçou os seus primeiros exercícios dramáticos, constru indo obras ao

gosto clássico, servido por modelos que lhe permitia m expor a

“mensagem política de um espírito clássico que inicia o seu percurso

para o movimento liberal/ romântico” (Rodrigues 2001: 385). Nesse ano,

265

Aluno número 165, do primei ro ano Juríd ico ( Relação e Índice Alphabet ico dos

Es tud antes matr iculad os na Universidad e d e Coimbra no anno lect i vo de 1816 para

1817; suas naturalid ades , fi liações , e morad as . Coimbra: Na Imprensa da

Uni vers idade, 1816, p.9) .

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principiou a escrita das tragédias Iphigenia em Tauride e Édipo em

Colona266, aquela de inspiração raciniana, esta volta iriana, que haveriam

de permanecer incompleta s, ta l como os dramas em ver so Átala (1817), a

partir da obra homónima de Chateaubriand , Affonso de Albuquerque

(1819), e a tragédia Sophonisba (1819), cujos fragmentos desa fiam a

recriação imaginativa do que poderiam ter sido.

Em Iphigenia em Tauride (Terceira , 1816), Garrett revela conhecer

a obra de Eurípides , “o maior trágico do mundo” (Garrett 1984a: 208),

porém, pela tradução livre do padre Pierre Brumoy, em Le Théâtre des

Grecs (1730)267

. Na impossibilidade de ler o original, a “erudita e

engenhosa obra” do padre jesuíta ( id ., ib id . : 7) permitiu -lhe “conhecer

sofrivelmente” o tragediógrafo grego e r eter princípios de tradução

enunciados em Discours sur le Théâtre des Grecs (1730):

Voici ma pensée sur la t raduct ion de ces Poëtes. Les défigurer ce n’est

pas les t radui re , il faut donc prendre un milieu ent re l’exactitude trop

scrupuleuse qui les déguise, & la licence qui les a ltére. J’appelle

déguiser un autheur, l’exposer dans une langue ét rangere avec une

fidélité, ou folle , ou maligne, ou supersti tieuse . Toute langue a ses

arrangements d’idées, ses tours, & ses mots, nobles ou bas, énergiques

ou foibles, vi fs ou languissans. […] Qui voudroit t radui re l es anciens

mot pour mot en François, & suivant le tour Grec, les t ravesti roit sans

doute, & les rendroit ridicules à peu de frais (Brumoy 1730: I, xvj -xvi j ).

Racine teria tido também o seu “quinhão, mal roubad o e pior

escondido”, presente na s “alterações da fábula antiga, exigidas pelo

decoro e pela verosimilhança neoclássica s”: o caracter milagroso do

salvamento de I figénia daria lugar a um prosaic o rapto por piratas

(Monteiro 1971: I , 99). Todavia , dado que Racine escreveu uma

266

Ti vera m edi ção impressa por S A UN A L, Damien (1952), “Textes inédi ts d’Almeida

Garret t . F ragments d’oeuvres dra mat iques: Iphignia em Tauride - Edipo em Colona”,

Bulletin d ’His toi re du Théâtre Por tugais III/1 . 267

A obra do padre Pierre Brumoy foi publicada em 1730, em 3 volumes , in -4º

(Paris : Rol lin / Coignard). Teve r eedição em 1747, em 6 volume s , in -8º, e

reimpressão com correções e acrescentos , por Guil l aume Dubois de Rochefort e

Gabriel de l a Porte du Theil , P ierre P révos t e André -Charles Brott i er, 1784 -1789, em

13 volumes , in -8º , e por Raoul Rochete, 1820 -1825, in -8º . A ele se deve t ambé m u m

Recuei l d e d iverses p ièces en prose et en vers ; Œuvres d iverses (Pari s , 1741, 4

volu mes , in -12º ) , em que se edi tam, ent re out ros t extos , t rês t ragédias e duas

comédias e m verso que se representa va m nos colégios . Escreveu obras originais , que

foram edi tadas : La boîte d e Pand ore, ou la Curios it é punie , comédia em 3 atos (La

Ha ye: J . Neaulme, 1743), Le Couronnement du jeune David , pas toral em 4 atos (La

Ha ye: J . Neaulme, 1743) e Isac, t ragédia em 5 atos (La Haye: J . Neaulme , 1743).

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Iphigénie en Aulide (1674) , cuja protagonista apenas partilha o nome da

heroína de Garrett e a continuidade histórica do enredo, estamos perante

uma reescrita do modelo francês do padre Brumoy268

, guardada também

ela como lembrança agradável de uma “infância trágica e poética”

(Garrett 1984a: 387). A figura de I figénia sedu -lo pelas caracterí stica s

humanitárias e de tolerância , sobre as quais constrói a “emotividade” da

intriga, que adensa “os ingredientes emocionai s” transmit idos pela

ver são francesa (Monteiro 1971: I , 101). Garrett demonstra o desejo de

“encontrar na literatura humanidade e emoção […] e mostrar quanto o

teatro podia servir o bem do Estado” ( id ., ib id . : 101-2).

Édipo em Colona , escrito nas vésperas do 24 de Agosto de 1820, é

outra acomodação escolar da tragédia grega, bebida em Brumoy269

. Nos

doi s a tos incompletos, Garrett segue o filão anterior de uma “história

bela dum a mor filia l desgraçado” (Crabée -Rocha 1949: 17). Ainda que a

tragédia sofocliana fosse dramaticamente inferior ao Édipo Rei, o seu

signi ficado apresentava -se mais inter essante para Garrett , na medida em

que justi fi cava “numa ordem transcendente os eventos a bsurdos e

horríveis” que se haviam abatido sofr e Édipo (Monteiro 1971: I , 435). O

estoici smo com que este sofrera as provações infligidas pelos deuses

tornava-o no herói r eabilitado e glorificado pelo martí rio. A moral é

tradicional e clara: os tiranos, cruéis e opressores, serão humilhados; o

homem justo e bom será exaltado; uma ordem superior reconhecedora do

mérito individual presidirá ao devir.

Nos t empos conturbados pré-revolucionários, poder-se-á ver nesta

procura uma expl icação para o conflito geracional que o jovem

académico estaria sentindo? O conflito entre a mentalidade

conservadora, que o formara, e a impossibilidade de expressar a inda o

novo pensamento de forma sustentada poderia explicar a profu são de

ensaios dra máticos inacabados . O confronto entr e as conceções políti co -

filosóficas, entr e os modelos gregos e os la tinos, e o entusiasmo pela

268

B RUMO Y , Pierre (1730), «Iphigenie en Tauride d’Eurip ide», Le Théâtre d es Grecs ,

tome II, pp .1 -70. 269

B RU MO Y , Pierre (1730), «Œdipe à Colonne», Le Théâtre d es Grecs , tome II,

pp .269-291.

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representação cénica da contemporaneidade aponta o modelo do processo

de amadurecimento na per sonalidade ga rrettiana270

.

“Lembrança de infância trágica e poética”

Escrita em 1817, Átala constitu i o primeiro projeto de “drama ”, em

ver são cénica de Atala , ou Les amours de deux sauvages dans le désert,

de Chateaubriand271

, l ido no primeiro ano de Coimbra, possivelmente

numa tentativa juveni l de fuga ao Parnaso272

e aos modelos c lássicos

greco-latinos273

. Garrett , que abdicara de uma carreira religiosa, sentiu -se

cativado pela obra, que “enterneceu”, “comoveu”, e “excitou” lágrimas,

no seu “coração novo, sensível, a inda pouco embotado pelo uso do

mundo” (Garrett 1984a: 386):

Les vraies larmes sont celles que fai t couler une belle poésie: il faut

qu’i l s’y mêle autant d’admiration que de douleur (Chateaubriand 1906:

xv).

O autor do Génie du Christianisme despertava nele “pontos de

controvérsia ligados à religião” (Crabée -Rocha 1954: 64):

Les fidèles se crurent sauvés par l’apparition d’un livre que répondoi t si

bien à leurs disposi t ions intérieurs: on avoi t alors un besoin de foi , une

270

Alé m do Éd ipo em Colona (ms . 26 do Espólio ) , regi stam-se alguns versos de

Octavia (ms . 35), que corresponde à t radução de um excerto da t ragédia homónima

de Al fieri . 271

Sobra a t radução do romance Atala de Chateaubriand cf . S A NT O S , Thierry P roença

dos (1999), Atala t raduzida – Es tud o das primeiras versões portuguesas . Tese de

mes t rado em Linguís t i ca, Univers idade de Lisboa. Refere -se a t radução de Fi lipe de

Araújo e Cas t ro (ANTT, ms .1809), com edição e m Lisboa: Imprensa Régia (1810),

reedi tada em 1820, no mes mo edi t or , e, em 1836, em Pari s : P il l et Ainé. Em 1819,

refere-se uma t radução anónima, editada na Baía: Tipografia de Si lva Serva. Na

segunda metade de Oitocentos, surgem t raduções de obras de Chateaubriand por A.

de M., em folhet im, por Teófi lo Braga (Lisboa, 18 67) e por Gui lherme Braga (Porto,

1872), reeditadas nas primei ras décadas de Novecentos . 272

LA MA RT IN E , Alphonse de (1849), Médi ta tions poét iques (Pari s: Fi rmin Didot ) ,

prefácio primei ro: «Je sui s l e premier qui ait fait descendre l a poésie du Parnasse, et

qui ai t donné à ce qu 'on nommai t l a Muse, au li eu d 'une lyre à sept cordes de convention , l es fibres mê mes du cœur de l 'homme , touchées et émues par l es

innombrables fr issons de l 'âme et de l a nature ». 273

Na “adve rtência” à obra, em 1885, Gomes de Amorim ad mi te a h ipótese que

Garret t t enha s ido influenciado pela l eitura de Os Martyres ou o Tr iumpho d a

Rel ig ião Cr is tã (Paris : Rey e Gra vier , 1816, 2 vol . ) , poema-t radução da obra de

Chateaubriand, por F ranci sco Manuel do Nascimento , o árcade F il in to Elí s io . Houve

out ras t raduções em português: F O N SEC A , Manuel Nunes da (Lisboa: Typ.

Rol landiana, 1813 -14, 3 vol . ) , com in t rodução, notas e fragmentos da Viagem à

Grécia e a Jerusalém; e C A MPO S , António Caetano de (Lisboa: Imp. J . B . Morando,

1816-17, 3 vol . ) , que t ambém t raduziu O Genio d o Chri st ianismo ou Bel lezas d a

Rel ig ião Chri stã (Lisboa: Imp. J . B . Morando, 3 vol . ) .

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avidité de consolations re ligieuses, que venoit de la privation même de

ces consolations depuis longues années (Chateaubriand 1866: 3 ).

Instava -se o restabelecimento do culto da tradição e dos valores

religiosos, que as Luzes haviam per seguido, sem que se perdesse o ideal

humanista . Na demanda de uma “complacente entrega ao sentimento e à

imaginação”, o Roma nti smo veio defender a natureza e a liberdade

criadora. Contagiado pela vivência do cristianismo como religião de

perdão e de amor, Garrett foi conduzido ao culto da tolerâ ncia e do

humanitarismo, segundo os ideais de Zeitgeist (Monteiro 1971: I , 2-4). O

nosso espírito romântico procur ou na geografia europeia os países que

“afoitamente instauraram a sensibilidade sobre a ditadura da razão e d a

disciplina” (Nemésio 2008: 24), e Chateaubriand surgia como o cultor do

“valor da recordação como fundo em que melhor ressoava a ‘harpa’ dos

grandes sentimentos” ( id ., ib id . : 56).

À comoção inicial de Garrett , sucedeu o “entusia smo”, de ta l modo

que a Nouvelle Heloïse¸ de Rousseau , lhe pareceu “muito inferior” .

Encantado pela “beleza do estilo”, pelo “bem desenhado dos caracteres,

o mavioso da acção”, o drama amoroso da jovem virgem cristã Átala pelo

índio selvagem Chatas sugeria -lhe a “forma dramática”, seu género de

eleição:

[Temos] os nossos preconceitos, as nossas manias, e em consequência ,

vemos todas as coisas por elas, e as olhamos, e estimamos, pelo lado que

as li sonjeiam mais. Tudo referimos a um ponto, tudo quiséramos que

viesse a ele, […] o foco, o cent ro da nossa paixão dominante . O meu foi

sempre o do teat ro (Garre tt 1984a: 386).

Atala excita quer o interesse por horizontes de exot ismo,

“evocações despertadas por cenários e por escombros de antigos

monumentos”, quer o espírito revolucionário cristão “virtuoso e puro”

(Moisés 2006: 120). Garrett comunga com Chateaubriand a religião “la

plus poétique, la plus humaine, la plus favorable à la liberté, aux arts et

aux lettres” (Chateaubriand 1858: 12):

A mesma Theologia , tam secca e enfadonha nas mãos de S. Thomaz, […]

muda de forma […] na milagrosa penna de Chateaubriand (Garrett 1904:

I, 34).

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E partilha igual antagonismo face à institu ição eclesiástica

despótica e intolerante. A comoção que sente em Átala advém da “índole

do conflito”, do “ardor passional” e da “comovente lição c ristã” que

defende um deus de clemência , de bondade e de perdão. O pa dre Aubry

garrettiano fala inicialmente “uma linguagem que representa o padrão

evangélico deformado pela Igreja que a Regeneração pretenderia

derrocar” (Monteiro 1971: I , 242). De igual modo manifestará pouco

interesse que Chátas seja gentio, porque, sendo todos irmãos em Cri sto, a

religião corresponde ao r econhecimento interior de Deu s, cuja “ciência”

reside na “teologia do sentimento , ra tifi cada pela apetência humana da

Beleza e do Bem” ( id ., ib id . : 249).

Para Garrett , o valor da religião residia na tolerância e na

igualdade, para que servi sse a humanidade, a felicidade e a paz. No ano

seguinte à prefação de Átala , redigiu O Anel de Família , conto deixa do

inédito, cuja conclusão r evela o espírito tolerante que professa :

Do Judeu, do Cristão, do Muçulmano,

Em poucos versos re latei a histó ria.

A mais subl ime das sociais vi rtudes,

A amiga tolerância , aprendam todos

Daqui a prat icar, e a ser mais homens

Do que Judeus, Cristãos ou Muçulmanos.

(apud Montei ro 1971: I, 244, nota 55)

Sem a visão de Rousseau (homem natural = homem selvagem), o

jovem Garrett acreditava no homem naturalmente bom. O homem natural

per filharia a filosofia da sensibilidade, a grande força geradora da moral .

Pelos sentidos e pela voz do coração, apel aria ao prazer e rejei ta ria a dor

(Monteiro 1971: I , 257). A virtude seria condição natural de uma

sociedade r egida por um pacto social ra tifi cado pelo Cristia nismo. As

leis morais harmonizariam a natureza humana, feita de instinto, razão e

sensibilidade; um si stema ético equilibrado, cujo sentido de humanidade

e harmonia r esidia no “prazer da plenitude atingida no dever

simultaneamente cumprido” ( id ., ib id . : I , 267).

A lit eratura dramática ganh ou uma função utili tária no

comprometimento políti co do jovem Alceu, ao colocar a musa ao serviço

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do Estado, e ao aliar o prazer solitário da composição poét ica ao

“intenso gozo” da militância partilhada com a “ilustre asse mbleia”. O

belo artísti co identi fi cava -se com o verosímil; a sua finalidade e índole

fundavam-se na razão e no pensa mento lógico. Eram fatores criadores,

que advinham d o sentimento artísti co de captação da matéria -prima da

Natureza ( id ., ib id . : I , 341). Não apreciando a s pai sagens sombrias e os

tema s gravemente melancólicos do agrado geral, a sua sensibilidade

preferia a “amável e ri sonha poesia” ( id ., ib id . : I , 335).

Garrett reconheceu que a “ tarefa” de Átala assentara em “conceito

errado”. Quando a obra ia a meio apercebeu -se que a “qualidade do

assunto” implicava a “di fi culdade do género” : “ sobeja fo i a minha tarefa

e imper feita ficou”. Conservá -la -ia como lembrança da “infância trágica

e poéti ca” (Garrett 1984a: 186-87), como tentativa de encaixe do

romântico rossio, no classici smo d e betesga. As razões apontadas

parecem induzir uma consci ência de que o romance dos dois selvagens

não cabia no espartilho métri co em que o moldara. A expressão do

sentimento do “ascéti co” Chateaubriand di fi cilmente caberia nos

decassílabos trágicos garrettianos, estragando a “poesia do Sul, com

sensaborias do Norte” (Garrett 1904: I , 45). Na redução estreme do

número de intervenientes, que explicam mais do que agem, a obra quase

se torna num drama estático. A explosão das verdadeira s pa ixões que

comoveriam as plateias carecia da liberdade da palavra em prosa e ,

sobretudo, da verdade de u ma interpretação sentida, jamais possível por

um travestido “José Maria Grande” académico.

Átala ficou “imper feita” , guardando todavia os germes temáticos da

“legitimidade do suicídio” (Crabée -Rocha 1954: 64), que Garrett

abordará posteriormente na figura exaltada de um Bernardim Ribeiro , ou

da morte por desonra, na figura patética de Maria de Noronha. Ao jo vem

académico não agradava o desregramento; era m “leis da natureza as lei s

divina s” (Garrett 1904: I , 6), como evocava o padre Aubry:

La religion n’exige point de sacri fice plus qu’humain. Ses sentiments

vrais ses vertus tempérées, sont bien au -dessus des sent iments exaltés et

des vertus forcées d’un prétendu héroïsme (Chateaubriand 1906: 140).

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Enquanto tragédia , como justi fi car racionalmente a irracionalidade

de um suicídio? Enquanto drama, como aceitar os sombrios contra stes

românticos emocionais da s figuras de Átala e Chatas, que o ot imismo de

Garrett não admitia a inda? A sua conceção cénica não passaria

certamente pelas versões de Sanson274

, de Pixérécourt275

, ou de Alexandre

Dumas276

. O drama ficou a meio do Ato II , no momento em que Átala

anuncia a morte próxima, e r evela o drama pessoal, “ todo o peso do

juramento” a que se obrigou junto à mãe moribunda. O leitor fica

suspenso na r evol ta de Chatas – “mal haja o tirano juramento,/ que me

rouba perver so a minha amante!/ Mal haja o Deus que ofende a

Natureza!” – , e na atitude conciliadora do padre Aubry – “Oh bem divina

a religião, meu filho,/ que nos fez da esperança uma virtude!” (Garrett

1984a: 408-9).

Gomes de Amorim considerou uma “verdadeira perda para a

l i teratura”, que esta “ imitação”, em “400 versos” ( id ., ib id . : 409) ficasse

inacabada . Se a concluísse, o Ato II terminaria por certo no momento

patético da revela ção de Átala , de modo contido, como ocorre em obra s

posteriores, conforme conjeturamos agora , seguindo o original francês:

Atala Tu ne sais pas tout ! C’ est hier… pendant l’orage… vous me

pressiez… c’est vot re faute… J’al lois violer mes vœux;…

274

A. J . Sanson fo i , durante alguns anos , proprietário da Librai ri e d’éducat ion

(Palai s Royal , Galerie de Bois, n º 250 ), em Pari s e Li vrei ro do Duque de

Montpens ier (QUEN A RD , Jean-Marie, La France li tt érai re ou Dicct ionnaire

bibl iographique des savants , 1828, vol . 8 , p .442). Foi autor de várias obras

educat ivas , de pendor moral i st a, ent re as quai s mui tas dest inadas à educ ação da

juventude. Compôs poemas que foram musicados e cantados por chansonniers

(Anon. , Biographie d es chansonniers et vaudevil li st es . Paris : Imp. De Cabuchet ,

1826, pp.176 -77). Em 1828, editou Atala , p ièce en t ro i s actes et en prose. T i rée du

poème d e M. l e Vicomte d e Chateaubr iand . Bruxelles: Bureau du réperto ire. A morte

t rágica de Átala é to talmente subvert ida, ao gos to melodra mát ico da p lateia, quando

o padre Aubry usa o antídoto salvador, a que se segue o conseque nte final fel i z. 275

Les Natchez ou La t r ibu du serpent , mélodrame en t ro i s actes , à grand spectacle, t i ré de l ’ouvrage de M. Chateaubriand. Musique de Henri Darondeau. Representado

pela primei ra vez, e m Pari s , no Théât re de l a Gaî té, em 21 de junho de 1827 (Paris :

Barba, 1827). A edição de Bruxelas, deste melodrama at r ibui -o a Antoine, ali ás

Antony Béraud, de quem falámos anteriormente, ci t ado no Grand dic tionnaire

universel du XIXe s iècle, de Pierre Larousse (1867: II, 566). 276

O drama l í r i co Atala , de Alexandre Dumas f ilho, com música de Varrey, t eve

première no Théât re His torique de Pari s , di rigido por A. Dumas pai , em 1848, como

comple mento do espetáculo de es t reia da comédia e m t rês atos , de Al fred de Musset ,

Le chand el ier . (La revue d e France, 1934, vol . 14 , p .247) Chateaubriand tinha

falecido no mês anterior . Es ta “cantata -oratória” t eve edição i mpressa em Théâtre

contemporain ilust ré, Pari s: Michel Levy, 1865.

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j’ allois plonger ma mère dans les flammes de l’abyme; … déjà

sa maléd ict ion étoi t sur moi; déjà je mentois au Dieu qui m’a

sauvé la vie… Quand tu baisois mes lèvres t remblantes, tu ne

savois pas! tu ne savois pas que tu n’embrassois que la mort !

Aubry O ciel ! Chère enfant, qu’avez vous fait?

Atala Un crime! mon père . Mais je ne perdois que moi , et je sauvois

ma mère .

Chactas Achève, donc; achève.

Atala Eh b ien! j ’avois prévu ma foiblesse; en quittant les cabanes,

j’ ai emporté avec moi…

Chactas Quoi?

Aubry Un poison?

Atala Il est dans mon sein!

Le flambeau échappe à la main du Soli tai re ; [Chactas] tombe mourant

près de la fille infortunée, le vie illard […] saisit l’un et l’ aut re dans ses

bras paternels, et tous t rois, dans l’ombre, […] [mêlent] un moment

[leurs] sanglots sur cet te couche funèbre (Chateaubriand 1906: 143-44).

O Ato III retomaria a ação no dia seguinte, como o faz

Chateaubriand; ouviríamos as palavras de moralizadora tolerância com

que Aubry consola Átala:

Aubry

Ma fille, tous vos malheurs viennent de vot re ignorance; c’est vot re

éducat ion sauvage et le manque d’inst ruction nécessai re qui vous ont

perdue; vous ne saviez pas qu’une chrétienne ne peut d isposer de sa vie.

Consolez-vous donc, ma chère brebis; Dieu vous pardonnera , à cause de

la simplicité de vot re cœur. Votre mère et l’imprudente missionnai re que

la d i rigoi t, ont é té plus coupables que vous; il s ont passé leurs pouvoi rs,

en vous arrachant un vœu indiscret; mais que la paix du Seigneur soi t

avec eux. Vous offrez tous t rois un terrible exemple des dangers de

l’ enthousiasme et du défaut des lumières, en matière de religion.

Rassurez-vous, mon enfant; celui qui sonde les reins et les cœ urs, vous

jugera sur vos intent ions, qui étoient pures, et non sur vot re action qui

est condamnable (Chateaubriand 1906 : 149-50).

Assi stir íamos à lenta progressão da agonia da jovem, à dor de

Chatas, à promessa de abraçar a religião cristã e à sua epi fania perante o

inevitável: “Il est temps d’appeler Dieu ici!” ( id ., ib id . : 166). Na cena

final solene, Aubry daria a extr ema -unção a Átala e a derradeira

comunhão:

Chactas Mon père! Ce remède rendra -t -i l l a vie à Atala!

Aubry Oui , mon fi l s, l a vie é ternelle!

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Atala venoit d’expi rer (Chateaubriand 1906: 168).

A orquestra tocaria um andante pungente, sublinhando a comoção do

auditório perante o tableau final, como o de Girodet277

, que, sem a graça

viril de David , possuía uma “doçura” (Garrett 1904: I , 35) capaz de

retratar de forma sublime:

O terno Girodet suave e brando,

Que, do Maschacebeu vingando as margens,

C’o vate insigne emparelhou nos voos,

E na pasmada Europa ergueu d’Americo

As pomposas florestas, e a nobreza,

Ornamento feroz d’um mundo vi rgem,

Que os encantos d’amor, e os seus furores,

O poder da vi rtude, e os seus esforços

Dignos d’elle exprimiu, e fez de novo

Olhos sensíveis afogar em pranto .

(Canto I I I ; Garrett 1904: I, 8 ) .

“Tempos saudosos… de inocência e de esperança”

Exercícios de escrita destinados a curiosos dramáticos a cadémicos e

a teatros particulares conimbricenses: foi assim que subiram à cena as

tragédias Xerxes (1818) e Lucrécia (1819), aquela representada no Teatro

da Rua dos Grilos e esta no dos Coutinhos, onde também foi declamado o

elogio dra mático O amor da Pátria (1819), para festejar o nascimento da

Princesa da Beira .

Nos t empos de academia, Garrett encontrou o manancial humano de

uma mocidade que se “movia tumultuosamente, e tinha fé na eloqu ência

e na r etórica” (Crabée -Rocha 1954: 41). Dela foi porta -voz no palco do

teatro, a través de peças por encomenda, sacri ficando a criaçã o artísti ca

ao arrebatamento do público. Em contrapartida, ao permitirem que os

dirigi sse, esses jovens curiosos dramáticos serviram -lhe como materia l

de formação de uma consciência teat ral, de reconhecimento e

aprendizado da s condições técnica s da cena na construção da obra

dramática.

277

Garr et t faz referência por duas vezes ao quadro de Gi rodet , Atala au tombeau,

pintado em 1808: em Retrato d e Vénus (1821) e em Ensaio sobre a História da

Pintura (1822)

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A tradição do t eatro amador em Coimbra era já longa e profic iente,

refere Teófilo Braga, na História da Universidade de Coimbra 278. Em

1813-14, antes da chegada de Garrett à Lusa Atenas, uma sociedade de

estudantes fundara um teatro nos “baixos” do Colégio da Artes , entr e

cujos membros estava João Alexandrino de Sousa Queiroga , t radutor do

drama Merinval, de Françoi s Arnaud, e Manuel Ferreira de Sea bra ,

tradutor da tragédia Zaïre, de Voltaire. Quando principiaram os ensaios

do Bruto , do mesmo autor, na tradução de Sousa Queiroga, o reitor da

Univer sidade, bispo -conde D. Francisco de Lemos, mandou que fossem

interrompidos, receando a s tendência s progressista s da obra. Porém, já

desde os ú ltimos anos do século XVIII que se registava a exi stência de

teatros privados e académicos, onde cir culavam traduções dramáticas do

francês, a par das paráfrases sofocliana s e euripidiana s do padre

Franci sco José Freir e, o árcade Cândido Lusitano (Ifigénia em Tauride ,

Medeia , Édipo Rei , etc.)279

, de Reis Quita e Pedegache ( Mégara) , ou de

Manuel Caetano Pimenta de Aguiar, que redigiu peças inspiradas no

modelo greco-latino, veiculando a análise política coeva: Virgínia

(1816), inspirada em Tito Lívio , e Os dois irmãos in imigos (1816),

inspirada em Racine (Rodrigues 2001: 392).

Em 1818, as récitas de curiosos sucediam -se amiudada mente

(Amorim 1881-84: I , 151), sendo Garrett , ao mesmo tempo, autor e a tor

de todos os géneros dramáticos, seus e a lheios, nem sempre do seu

agrado, ma s que lhe permiti a ir produzindo de forma experimental. No

teatro dos Coutinhos, propriedade de doi s sapateiros da rua das

Figueirinhas, ele foi “director espiritual” de um grupo de académicos

que “procedia da sociedade secreta Keporática , ou por ou tra , cujos

membros eram recrutados por rapazes que ali andava m” (Crabée -Rocha

1954: 44). Era tempo de proliferação de “sociedades clandestinas e de

grupos de t eatro que propagandeavam o liberalismo” (Monteiro 1971: I ,

278

Sobre o mes mo assunto faz referência e m Garret t e o Romanti smo. Porto:

Chardron, 1903, p .167. 279

Cândido Lusi tano t raduziu e i lus t rou a Epístola aos Pisões , de Horácio (Arte

Poét ica d e Q. Horacio Flaco , MD C C LV II I ) , obra que t erá pertencido à bib lioteca de

juventude de Almeida Garret t , segundo Gomes de Amori m (188 1-84: II ,581, nota) .

Ta mbé m Jerónimo Soares Barbosa t raduziu a Poética d e Horácio trad uz ida e

expl icada methodicamente para uso d os que aprend em (Coimbra, 1781), que Garret t

ci t a na His tor ia Philozophica do Theatro Portuguez (Montei ro 1971: I,374, nota 58).

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199

135)280

. Nessas sociedades de curiosos dramáticos, palcos de mi litância ,

“meio menos comprometido, mas não menos proveitoso, de propaganda”

( id . , ib id . : I , 138), encontramos, entre os seus membros, o círculo de

amizades eletiva s com quem Garrett virá a partilhar a construção de uma

políti ca cultural para o teatro: Passos Manuel e Joaquim Larcher , entr e

outros.

Xerxes corresponde à primeira obra levada à cena, fru to de

remodelação académica de uma primitiva versão ter ceir ense, de 1815,

inspirada na tradução de Os Persas de Ésquilo281

, por Brumoy, mas agora

redigida em versos “inchados” e “assoprados à bocageana” (Garrett

1904: I , 588). A obra surge r eferenciada no prefá cio de Mérope (1841),

como espetáculo de fim de ano letivo, cujo texto se perdeu “em uma da s

muitas mãos por onde andou a copiar” ( ib id .: ib id .) . Razão est ranha para

invocar o desaparecimento não só “do portento” original, como das

muitas cópias manuscritas da “obra -prima” que t erão cir culado, conforme

alude. Não obstante, importa realçar que esta estreia consu bstancia o

ideal jesuítico de uma “obra escolar, glosa ou tradução de um clá ssico ,

como se praticava nos colégios”, com o objetivo de r efl eti r “acções

memorávei s, fontes de ensinamento morais, onde quem se prezava bebia

uma conduta e u m ideal” (Crabée -Rocha 1954a: 51). O interesse de

Garrett pela obra de Ésquilo não estava obvia mente ligado à tragédia

original, mas à ênfase que o tradutor francês havia posto nos conceitos

nacionalistas e hu manitários subjacentes (Monteiro 1971: I , 97).

A autoridade inicial de Brumoy deu todavia lugar à influência de

obras mais modernas, de Lessing , Maffei , Alfieri , Volta ir e ou Addison ,

que permitira m que Garrett visse “num mesmo autor, e sem tr aumatismo

do seu orgulho de artista , o imitado e o criado” (Crabée -Rocha 1954a:

52):

280

Em 1817, Garret t fundou com Passos Manuel , ent re out ros es tudantes , uma lo ja

ma çónica que Gomes de Amori m não consegue nomear, e m casa de Jacques Orcel ,

l ivrei ro ao Arco do Almedina, que forneceria as obras r evolucionárias do agrado da

juventude académica. Out ras sociedades secretas houve nas imediações , sem sere m

ma çónicas ou carbonárias , como a Sociedade dos Jardinei ros ou Sociedade

Keropát ica , de natureza nacional is ta e antibri t ânica, conforme refere um ofício do

Barão de Rendufe, In tendente da Polícia, a 29 de março de 1824 (Montei ro 1971:

I,137-38). 281

B RUMO Y , P ierre (1730), «Les Perses», Le Théâtre d es Grecs , tome II, p .171 -184.

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Voltei -me ao teat ro das línguas modernas, que n ão só colheram o bei jo às

belezas e primores gregos, mas souberam criá -las novas (Garrett 1904: I,

527).

A aplica ção do conhecimento livresco da adolescência ao t eatro

evoluiu para a procura de temas exi stentes na realidade, para motivos

que se adequassem ao entendimento do público:

Com alguns anos de amadurecimento e de experiência , Garre tt chega à

conclusão luminosa e eterna de que um escritor não deve segui r ninguém:

deve preceder os outros, deve ser ele mesmo, ele, como o seu tempo o

fez. Deve falar à sua gente , e falar -lhe uma l inguagem que ela entende,

que é a da hora presente (Crabée-Rocha 1954: 39).

Lucrécia , segunda obra levada à cena, em 1819, no teatro dos

Grilos, recebeu um bom acolhimento do público estudantil . O entusiasmo

que reinou após a r epresentação fez subir o prestígio de Garrett e ganhar

o ápodo de “Crébillon tripeiro” (Monteiro 1971: I , 393). Foi tida por

a trevimento do autor, que expunha assunto “escabroso” e “ tabu ”, próprio

de artista s plá sticos r ena scenti stas, jamais de dramaturgos no início de

Oitocentos, su jeitos à interpretação ridícula dos papéis femininos por

jovens estudantes, como o colega José Mari a Grande, especialista em

damas:

O caso não deixava de ser excitante para rapazes de vinte anos, e Garrett

dava-lhe , apesar de todas as concessões à moralidade, um cunho

realí stico, singularmente prematuro e singularmente português. Mas

certamente não teria o mesmo êxito se fosse representada diante de uma

plate ia de honradas mães de famíl ia ( Crabée-Rocha 1954: 56-57).

Para Gomes de Amorim Lucrécia patenteia “rasgos de engenho” e a

“revelação de um talento”, embora falte a inda a “experiencia para saber

dramatisar as paixões em vez de as por a decla mar academicamente”

(Amorim 1881-84: I , 144), perante a ilustre assembleia de amigos:

Hoje, que a voz da cândida amizade

Aqui vos ajuntou, congresso ilust re ,

Hoje que o brado meu ténue, humildoso

Dirigi r-vos me é dado; oh! que mais pode,

Que out ros sons a formar se at reve o vate ,

Senão de eterna gratidão sincera?

(Garre tt 1984a: 309)

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A obra não podia deixar de ser acolhida com grande exaltação, por

quem queria ver “mais do que o próprio autor ju lgava ter metido nela”

(Crabée-Rocha 1954: 57):

Entre os actores, o auctor e a maioria do publico cruzavam -se olhares de

intell igencia . […] Ninguem duvidava de que o poeta se di rigia ao

coração dos pat riotas; e havia quem visse em Lucrecia o disfarce de

Lysia; em Tarquinio, o do domínio inglez; e em Bruto, o da idéa que se

agitava nas reuniões das sociedades maçónicas. P ressent ia -se que 1820

estava perto (Amorim 1881 -84: I, 145).

O derradeiro ver so da tragédia – “viva mos livres, ou morramos

homens” – tornar-se-ia no le itmotiv revolucionário, aproveita do na ode

Ao Corpo Académico , e no Catão . Era a voz de uma juventude que

exprimia o sentimento de r evol ta a través da metá fora teatral, de uma

peça que literariamente seguia o modelo clá ssico francês, entr e Racine e

Corneill e , mas que continha já a semente da obra fu tura , “pelo menos nos

seu s doi s grandes polos: Catão e Frei Luiz de Sousa , da qual é uma

espécie de prefiguração imper feit íssima, de borrão muito esquecido”

(Crabée-Rocha 1954 : 59).

O prólogo de Catão refundirá acrescentando o de Lucrécia , ambos

recitados pelo autor, invocando o sentimento comum do “congresso ou

assembleia ilu stre” – “vois soi s Lusos (Catão, v.43); “Portugueses sois

vós” (Lucrecia , v.18) – para glória da “pátria augusta”. Em Lucrécia , ta l

como na Mérope e em Catão , Garrett infringe o preceito neoclássico e

patenteia o espetáculo da morte em cena, criando, com isso, efeitos

patéticos. Retoma, a lém di sso, o tropo da morte por vergonha, que

abordara em Átala . Lucrécia suicida -se em público, conduzindo à mesma

ação Colatino, seu marido, com o mesmo punhal. Na Mérope , Egisto

mata Poli fonte. Em Catão , o herói morre na derradeira cena da tragédia .

Em Novembro de 1819, o estro de Garrett terá sido solicit ado a

escrever uma obra de cir cunstância , “um pastelão que confina com o

burlesco” (Crabée -Rocha 1954: 72), um elogio dra má tico publicado como

O Amor da Pátria , que revela uma sua “faceta r ecôndi ta” (Novaes 2006:

77) . Mesmo que tenha destru ído muitas obra s consideradas sem interesse,

como ele próprio afirma, parece curioso que o elogio tenha sobrevivido

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ao crivo severo do seu autor. Por que razão terá sido escrito? “Garrett

era o homem menos próprio deste mundo para dar vida a ta is maçadas”,

“advertiu” Gomes de Amorim (Garrett 1984a: 471). Qual a motivação

para escrever este elogio comemorativo do nascimento de D. Maria da

Glória , Princesa da Beira e do Grão Pará , “representado diante da

academia, com muitos aplausos de todos” (Amorim 1884: I , 152)? Quem

eram os “todos” referidos pelo biógrafo?

Os elogios dramáticos, composições em forma de monólogos282

ou

de “dramas alegóricos”, muito em voga na segunda metade do século

XVIII e primeiro quartel do XIX, destinavam -se a comemorar

acontecimentos de feição políti ca e patrióti ca , como os consórcios reai s,

o nascimento de seu s fi lhos ou os r espectivos aniversários natalícios283

.

Franci sco Joaquim Bingre , o Francélio Vouguense, da Nova Arcádia , foi

um dos mais fecundos cultores do género (Cunha 1916: 24), assim como

Bocage, que produziu dramas alegóricos para comemorações áulicas e

elogios dramáticos para a tores, gratos pelo bom a colhimento do público,

em seus espetá culos de benefício.

O Amor da Pátria coloca em cena a s costumadas figuras hi stóricas

lusas – D. Dinis, D. João II , Camões e Afonso de Albuquerque – , que se

autoelogiam sentenciosamente, sem desfecho cenica mente solúvel, senão

pelo recurso à invocação de Minerva ex machina para pôr termo à “rotina

velha e rançosa” da “presunção estúpida ” e do “orgulho ca tedrático”

(Garrett apud Crabée-Rocha 1954 : 71)284

:

Bri lhe no peito vosso o amor constante

Da lei , do rei , da Pát ria, e liberdade .

(Garre tt 1984a: 481)

A edição críti ca de I sabel Cadete Nova es, Os primeiros arroubos de

exaltação patrió tica e liberal do académico Garrett , defende a

282

Garret t escreveu diversos elogios que recit ava publ icamente como improviso – Ao

corpo acad émico , na sala dos Capelos, em 3 de feverei ro de 1821, é di sso exemplo – ,

mas que t a mbé m surgia m i mpressos em jornai s do t empo (Montei ro 1971: I, 292,

nota 216). 283

Ainda que de forma atenuada cont inuaram a ser l e vados à cena em mo mentos

especiais , ao longo de Oitocentos, e ainda mesmo no início de Novecentos . 284

C itação do d iscurso que Garret t proferiu na Sociedade Li terária Pat rió ti ca, de

Lisboa, em 19 de julho de 1822.

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exi stência de três fa ses “de execução do texto”285

. A ver são dita mais

antiga, que pertenceu a Gomes de Amorim, tornou -se na versão

publicada, em Obras póstumas (1914). Uma versão inédita , constante do

conjunto “Fragmentos de diver sas composições dramáticas”, apresenta

uma “expansão de textos” e introduz di ferenças estru turais e elementos

importantes para a história da obra (Novaes 2006: 84). Conclui a autora ,

por análise documental , que o texto inédito corr esponde a uma “versão

intermédia”, entre o publicado e uma possível cópia posterior. Parece -

nos, todavia , que o problema se apresenta mais complexo, por questões

de conteúdo, e que, na realidade, exi stem duas ver sões di stinta s da

mesma obra, fru to da necessidade decorrente de momentos específicos.

Embora qualquer dos autógrafos esteja identi ficado como “primeiro

borrão”, na ver são publicada, o títu lo Amor da Pátria sobrepõe-se a um

outro, O Templo da Virtude, designação mais conforme não só com o

gosto clá ssico, como com a indica ção cenográfica requerida para

representação de “Os Elí sios”: “ Vista de templo no fundo. Deleitoso

bosque que conduz a elle” (Gar rett 1984a: 475). Todavia , a nota aposta

no fronti spício da ver são inédita indica que o títu lo da obra “foi

arranjado por” alguém, tornado anónimo, pelo rasgo diagonal , que trunca

a página .

Tratar-se-ia de uma encomenda, para ser r epresentada intra muros da

Academia, de acordo com u m gosto insti tucional? Teria Frei Franci sco

de S. Luís, reitor da Univer sidade, opinado sobre o drama alegórico,

como fez com o manuscrito de O Retrato de Vénus? Teria o lente de

Teologia , fu turo membro da Junta Governativa, sugerido a a lteração do

títu lo? Na ausência de t estemunhos sobre a r écita , a modi ficação do

t í tu lo (ms. BN) e a indicação da sua representação “no teatro […] da

cid[ade]” (ms. UC) fazem supor quer uma mudança do local de

285

A autora coteja as versões autógrafas exi stentes: (1) a t ranscrit a e come ntada por

Go mes de Amori m, adqui rida em 1908, pela B iblioteca Nacional (COD 13942), e

publ icada em Obras posthumas XXIX , d i rigidas por Teófi lo Braga, em 1914; (2)

versão inédita, cópia parcial da primei ra versão, inventariada e organizada por

Henrique de Campos Ferrei ra Lima, conser vada na B iblio teca Geral da Univers idade

de Coimbra (Fól io 401). Exis te ainda out ra versão i mpressa, por Xa vier da Cunha,

em Os Elogios d ramát icos: fugi ti vas d ivagações em que se in tercala um inédito do

vi sconde d e Almeid a Garrett (1916), que segue a de 1914.

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representação, quer uma segunda redação, mais conforme ao idea l

políti co do jovem a cadémico. Tal explicaria a divergência de Gomes de

Amorim na “advertência” da versão publicada, quanto à probabilidade d e

o elogio dramático não ter sido t erminado e l evado a cena, e o realce que

coloca aos “aplausos de todos”, nas Memórias b iográficas .

A ver são inédita revela uma signi ficativa alteração de persona gens.

A clássica “Minerva” da ver são publicada dá lugar à necessária

“Liberdade”, ra surada e substitu ída pelo novel conceito de “O

Patriotismo”, cuja indumentária se encontra especifi cada em nota de

rodapé da folha de rosto, segundo a tipologia visual das a legorias: “O

Patriotismo deve ser vestido c[omo…] genio, azas XX – na esquerda

[deve] trazer embraçado um escudo, [em] q. se l eia – O Patriotismo”. A

tradicional r epresentação hieráti ca de Minerva é substitu ída pela de um

génio alado, um “Anjo da Paz”, símbolo do espírito revolucionário

emergente, descrito no Génio Constitucional286. As novas per sonagens

fazem subir à cena o estilo libertário vintista , i lustrando a ver são inédita

uma variante transformadora do pensa mento da ver são publicada.

A partir da cena 3ª, o diálogo acrescentado desvia -se do estilo

institucional que vinha seguindo. Introduz -se um conflito entr e a ênfase

de Afonso de Albuquerque - “nada a pátria nos deve, tudo a el la / deve o

bom cidadão” - e a revolta de Camões, cujas palavras exortam o espírito

revolucionário, lamentando “o oppresso e insultado Povo portu guez”287

, e

a memória da morte dos implicados na conspiração de Li sboa, em 1818,

que igualmente vitimou Gomes Freire de Andrade :

Camões [… ]

A patri a noss a já não vi ve , Affonso; [fl . ] 403 v.

Oppress a geme de ferre nho j ugo

A fl or, a august a das nações p rinceza

Mãos parri cidas de seus própri os fi lhos

Seu se io mate rnal di lacerando…

Oh cumulo de ho rror ! Oh cri me infando!

Oh Lysi a! Oh Lysia , quando nos teus muros

Vere i rai ar o s bonançosos di as,

Que o fado l is onje iro te p romete !

286

Cf. excerto infra. 287

“Santos mot ivos da Revolução de 24 de Agos to de 1820”, O Campeão Por tuguês

ou O amigo do Rei e do Povo, vol . III, n º XXVIII (Out . 1820), p .198.

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[…]

A vi rtude fugiu de nossos muros, [fl . ] 404

Foi com el la a vent ura, o es fo rço, a glo r[i a.]

[…]

Fol ga com nossos ais a t i r ani a,

Ri com nossos ge midos. Re ga o pranto

Do t riste povo as faces descoradas;

Lida, geme em si lencio ent re penúrias

Na des graça da pát ria, e de seu povo

Vil caterva de infames op ressores

Não consente ao bom re i q. fi te os ol hos.

Em seus prazeres se converte o s angue

Dos cidadãos mesquinhos. Po rtugueses,

Livres, honrados, valorosos sempre

Vis gr i lhões ar rastando es cravos mudos…

Affonso de Albuque rque

Escravos !. . . E um momento podem sê -lo

Netos de Gama, ne tos de Pache co?

Não: bem os viste , com q. ex fo rço, e glo ria

Cal cando a juba de Leões gri fanhos ,

Parando às Águias remontados vôos [288

]

O int ruso j ugo sacudirão fo rtes.

Ah quando mes mo Portugal inte iro

Fosse rebanho vi l de vis escravos

Se o Porto l he restar, se a vóz erguerem

I lustres vencedores do Vimeiro,

Então… [fl . ] 405

(Garre t t apud Novaes 2006: 96 -97)

Na versão publicada, o longo monólogo da deusa Minerva sublinha

o papel da razão, presente na linhagem intelectual dos herói s lusitanos,

as “venerandas sombras” de outros t empos. Garrett demonstra pela

evocação do pa ssado a responsabilidade das institu ições, das suas

empresas na ilustração pública . Graças ao poder político iluminado, não

só a pátria se expandira , “abarcando os hemisférios”, pela espada de

guerreiros ilustres e pela pena de “engenhos mil, e mil esclarecidos/ que

os fastos da sciencia ornarão honrão” como:

Minerva t riumphou, e a Luza Athenas [fl . ] 366

Com novo esmalte refulgiu comigo

Fiel sempre thequi aos meus preceitos […]

(Garre t t apud Novaes 2006: 99)

288

Referência à Guerra Peninsular .

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Todavia , a versão inédita redefine a intenção do di scurso, mesmo

que mantenha o providenciali smo e o t eor panegírico, para envolver o

monarca na aura de um novo tempo, colocando o teatro ao serviço do

poder. Com o Patrioti smo, ergue -se a voz do Vinti smo qu e invetiva à

reforma políti ca e cultural. A exaltação dos tradicionais herói s dá lugar à

invocação dos herói s do tempo do presente, esperança na construção do

futuro, numa apologia de que a Pátria se renova pelo esforço combativo

dos heróis que em cada tempo liberta m o povo do jugo de qualquer poder

que o oprima:

O Pat rioti smo

[…] [fl . ] 405

Com eles vive a Liberdade augusta

Do Douro os filhos, valorosos sempre

P rimeiros sempre no caminho à gloria

Com novo esmalte de coroa e terna

No alongado porvi r ganharão se’clos

Lyzia em fim conheceu seu férreo jugo

Recobrou seus di rei tos: nobres dext ros

O ousado ferro da justiça empunhão

A favor da querida Liberdade.

[…]

Albuquerque famoso, inda tens netos [fl . ] 405 v.

Que sabem, como tu, ser Portuguezes.

[…]

Ó Portuguezes celebrai -os, todos.

Quem primeiro ent re vós alçando a fronte

Tremendo ra ios t rovejou t roando?

Foi elle sim, o impávido Cabrei ra 289.

Foi Sepulveda [290], e Gil291, forão ousados

289

Sebast i ão Drago Valente de Bri to Cabrei ra , f idalgo da Casa Real , ali stou -se no

exérci to em 1777. Es tudou mate mát ica na Uni vers idade de Coimbra enquanto cadete

de art i lharia. Após a formatura fo i promo vido a t enente. Part i cipou nas guerras do

Ross ilhão e da Catalunha. Em 1808, part i cipou da revol ta cont ra os franceses , em

Faro , onde fo i nomeado me mbro da junta provisória que se formou no Algar ve. E m

1817, fo i promo vido a Coronel no Regimento de Art ilharia nº 4 , no Porto , onde se encont rava quando se deu a revol ta de 24 de Agos to de 1820. Fez a proclamação da

Revolução da varanda do Paço do Concelho, juntamente com o coronel Sepúlveda

(vd . nota infra ) . Foi nomeado vice-pres idente da Junta P rovisória do Governo

Supremo do Reino, t endo marchado para Lisboa com o exérci to , onde fo i escolhido

para presidente da Junta P reparatória das Cort es. Com a queda da Const itu ição, em

1824, fo i demi t ido do cargo e exi lou -se, apenas regressando a Portugal após o

juramento da Carta Const itucional . F rancisco António Si lva Oei rense (c.1797 –

1868) ret ratou -o na Collecção d os Ret ratos dos Varões Esclarecid os […] da

Regeneração Polí ti ca dos Por tugueses , o ferecida a D. João VI, c.1820-22. 290

Bernardo Correia de Cas t ro e Sepúlveda , Coronel do Regimento de Infantaria, n º

18 . Em sua casa se reuni ram os re volucionários na noite de 23 de agosto de 1820.

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207

Chefes, q. os seguem292, q. ent re a glória fulgem

Oh subl ime! Oh divina! Acção pasmosa!

Oh Si lvei ra!293 Oh Catão dos Lusi tanos [fl . ] 406

Oh Fabio tardador, Oh Quincio, Oh Curc[io]

Campea, oh Porto, nos annaes da fama

Primeiro sempre em l ibertar a Pat ria

Recebe os louros, com q. te orna a fronte .

(Garre t t apud Novaes 2006: 97 -98)

Cedendo a deusa romana lugar ao “númen” lusitano – “à voz do

Patriotismo é nada o Fado” (Garrett apud Novaes 2006: 99) – a aura das

glórias elísia s torna -se na aura da revolução que se cumpria . A menção

textual dos nomes de Cabreira , Sepúlveda e Gil r emete expl icitamente

para os “Restauradores da Pátria” do pronuncia m ento militar do Porto, a

24 de agosto de 1820, vistos publicamente como semideuses:

Bateo a hora de Portugal : a Cidade do Porto invocou o Genio

Consti tucional. Este baixou como Anjo da Paz, e de repente expandio

sobre todo o Reino suas fecundantes azas. Os bons Pat riot as, que se

anteciparaõ em adorallo, já voaõ, como El le, do Douro ao Tejo,

recordando por toda a parte os ant igos Semi -Deoses, que naõ sentiaõ Foi uma das vozes que proclamou o espí ri to revolucionário . Pertenceu ao Sinédrio

do Porto , d i r igido por Manuel Fernandes Tomás . E m 1823, fo i nomeado Comandante Mil it ar de Lisboa. Aderiu à Vilafrancada, aba ndonando o campo l iberal . Acabou por

ser preso às ordens de D. Miguel. Esteve encarcerado e m Peniche durante um ano,

após o que part iu para o exí lio em Paris , onde vi r i a a falecer . F rancisco António

S ilva Oei rense (c.1797 – 1868) ret ratou -o na Collecção dos Ret ratos dos Varões

Esclarecidos […] da Regeneração Polí ti ca dos Portugueses, oferecida a D. João VI,

c.1820-22. 291

Domingos António Gil de Figuei redo Sarmento , t enente-coronel do Regimento de

Infantaria, n º 6 . F ranci sco António S ilva Oei rense (c.1797 – 1868) ret ratou -o na

Col lecção d os Retratos dos Varões Esclarecid os […] da Regeneração Po l í ti ca dos

Por tugueses , oferecida a D. João VI, c.1820-22. 292

Membros da Junta P rovis ional do Go verno Supremo do Reino: vogai s , pelo clero ,

Luís Pedro de Andrade e Brederode, deão; pela nobreza, Pedro Leite Perei ra de

Mel lo ; F rancisco de Sousa Ci rne de Madu rei ra; pela Magis t ratura, desembar gador

Manuel Fernandes Tomás; pela Univers idade, Doutor F r. F ranci sco de S. Luiz; pelo

Minho, desembargador João da Cunha Sot tomayor, José Maria Xavier de Araújo;

pela Bei ra, José de Mello Cas t ro e Abreu, Roque Ribei ro de Abranches Castelo -

Branco; por Trás -os -Montes , José Joaquim de Moura, José Manuel de Sousa Ferrei ra

e Cas t ro; pelo Comércio , F ranci sco José de Barros Lima; secretários com voto , José Ferrei ra Borges , José da Si lva Carvalho, F ranci sco Gomes da S ilva. Todos e les

ass inaram o juramento redigido no Porto, Paço do Governo, a 24 de Agos to de 1820,

de obediência à Junta P rovis ional do Governo supremo do Reino. ( cf . Gazeta d e

L isboa, nº 231, 25 de setembro de 1820). 293

O Brigadei ro António da Si lvei ra P into da Fonseca d i st inguiu -se na Guerra

Peninsular . Foi o P res idente da Junta P rovis ional do Governo Supremo do Reino. ( cf .

Gazeta d e L isboa, nº 231, 25 de setembro de 1820). A sua adesão ao mo vi mento fo i

import ante, por se t ratar do i rmão do Conde de Amarante, Go vernador de Ar mas de

Trás -os-Montes, f i el ao governo de Lisboa. [c f . VA LA D A RES , António Cana varro de

(1981), “A Revolução de 1820 e o Brasi l ”, Bolet im d e t rabalhos h is tór icos , vol .

XXXIII, pp .71 – 102].

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208

paixoens, senaõ para fazer bem aos homens ( Génio Constitucional , nº 1,

02 /10 /1820: 1 ).

O excerto jornalísti co supra demonstra uma ênfa se muito próxima

da de Garrett . A eu foria vivida no Porto foi partilhada pelo jovem

estudante, em féria s académica s na cidade natal. As notícia s difundidas

pelo Diário Nacional (26/08 e 28/08) transcrevem-se em outros

periódicos294

. Na noite da revolta e na seguinte , “as representaçoens no

theatro foraõ brilhantíssimas, […] a ellas concorreo imenso povo, e

assi stiram os r estauradores da Liberdade”295

; Garrett declamou, no Teatro

de S . João, o Hymno patrió tico , sua primeira obra impressa, nesse ano:

Oh Lusos, á gloria!

Que audaz pat riot i smo

Do vil despoti smo

Só pode salvar.

Escravos os Lusos!

Os netos do Gama!

Tal nodoa na fama

Podeis suportar!

Oh Lusos á gloria! etc.

Garrett terá retomado a sua alegoria , em data posterior a 15 de

setembro de 1820, já que os versos a ludem à revolução em Lisboa:

“Lysia em fim […] recobrou seus direi tos”. Da sua passagem pela

capita l , quando a Junta do Porto fez a entrada triunfal, t emos r egi sto nas

Memórias (1861) do Marquês da Fronteira296

. Quem sabe se o Alceu da

Revolu ção de Vinte não terá sentido a t entação de l evar à cena o Templo

da Virtude como Amor da Pátria , num dos saraus poéti cos e musicais da

Academia, celebrando o reforço do poder da Junta Provisória , após o

golpe da Martinhada:

294

O Campeão Por tuguez ou O Amigo d o Rei e do Povo, nº XXVII (Set . 1820), pp .

169-184; O Padre Amaro ou Sovela Polí ti ca , h is tór ica e l it t eraria , vol . 2 (set .

1820), p . 171. 295

O Campeão Por tuguez ou O Amigo do Rei e do Povo, nº XXVII (Set . 1820), p .

181. 296

B A RRET O , D. José Trazimundo Mascarenhas (2003), Memórias do Marquês da

Fronteira e d’Alorna. Lisboa: INCM, pp.203 – 212.

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209

Viva El Rey! Viva o supremo governo! Vivaõ as Cortes! Viva a

Consti tuiçaõ. […] Vi va Cabrei ra! Viva Sepulveda! Viva o bravo Gi l !

Viva o heroe Silvei ra!297

Dúvidas houvesse quanto à a lteração do propósito a legórico,

compare-se o di scurso final de D. Diniz, na versão publicada e na

inédita , em que a imagem da vontade absoluta de origem divina se

transforma na vontade de um povo:

D. Diniz

Oh quanto, ó deusa, com teus ditos folgo,

Que suave prazer me embebem n’alma!

Outorgarem-me os Céus a glória, a dita

Desse alcáçar te erguer, onde ora fulges !

Oh que em júbilo o peito me t ransborda

De te ouvi r nomear suas virtudes.

(Garre tt 1984e: 480)

D. Diniz

Oh! Quanto, oh numen, com teus di tos folgo,

Que suave prazer me embebem n’alma!

Oh Lusos, Lusos meus! Oh pát ria amada

Oh que em júbilo o peito me t ransborda

De te ouvi r nomear suas virtudes .

(Garre tt apud Novaes 2008: 99; subl inhados nossos).

O quadro final apoteót ico mantém -se. Emudece a “voz da filha do

supremo Jove”; o clarim da revolta substitu i a canora tuba: “à voz do

Patriotismo é na da o Fado”. Como prémio “ao verdadeiro coração d’um

Luso”, após mutação cénica à vi sta , desvenda -se o santo dos santos –

“some -se a fachada do t emplo, apparece o retrato de S. M.” – , e o

Patriotismo, ta l como Minerva o fi zera , reproduz a mesma coda final,

exortando a assembleia a guardar respeito ao monarca, “pae, rei e

amparo”, e os Portugueses a desempenhar “o venerando nome”, por amor

da Pátria , em liberdade, num verdadeiro a ssomo patriótico galvanizador:

Versos meus há […] que nasceram do entusiasmo da l iberdade e

pat rioti smo, ou que, por estes nobres afe ctos inspi rados, procuraram

297

“Revolução do Porto de 24 de agos to”, O Campeão Por tuguez , ou O amigo do Rei

e d o Povo, nº XXVII (set . 1820), p .181.

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210

arreigar no ânimo dos que os ouvissem ta is sentimentos (Garret t apud

Montei ro 1971: I, 325)298.

O “amor da pátria” era uma paixão de alma, a virtude que cria va

fei tos heroicos, o le itmotiv de gente unida por uma vontade, que aspirava

à salvação de um paí s. O títu lo da alegoria garrettiana condensava o

“Manifesto da Junta Provisional do Governo supremo do Reino aos

portuguezes”:

O amor da Pát ria, sacri ficado ao egoísmo, naõ foi mais do que um nome

vaõ na boca desses homens ambi ciosos, que ocupavaõ os primeiros

lugares da Naçaõ, e que so tinhaõ por fito medrar nas honras e nas

riquezas em premio dos seus crimes, ou da fa lta de luzes e experiencia

com que d irigiaõ as cousas do Estado299.

O otimismo confiante do “ Alceu da Revolução de Vinte” e de seus

pares dava-lhes a convicção de u m idealismo utópico capaz de

“regenerar” os velhos modelos da natureza humana, e de transformar o

escravo em cidadão, a través do t eatro, ou não fosse a “ literatura

dramática, de toda s, a mais ciosa da ind ependência nacional” (Garrett

1904: I , 628).

“O cinzel do estatuário , as tintas do pintor, e a lira do poeta…”

Para a tragédia Affonso de Albuquerque , principiada no Port o, em

julho de 1819, e nunca acabada, apesar da intenção expressa na edição

londrina de Adozinda (1828) , escreveu Garrett um “prólogo”, que se

constitu i como um primeiro prefácio-programa sobre teoria dramática,

contendo a semente que desenvolverá posteriormente no prefácio de Um

Auto de Gil Vicente . Garrett enunciou então a necessidade de um teatro

nacional, enquanto escola de virtudes cívicas. O exemplo dos épicos

helénicos, “ mestres em tudo, mas principalmente nas boa s -artes” (Garrett

1984a: 416), servia para “afervorar o amor da glória e aprimorar o

esforço e valor nacional” ( ib id .: ib id .):

298

P refácio des tinado à edição de Poes ias , em 1821, que não chegou a editar , e que

se encont ra no Espól io da Univers idade de Coimbra. 299

“Revolução do Porto de 24 de agos to”, O Campeão Por tuguez , ou O amigo do Rei

e d o Povo, nº XXVII (set . 1820), p .177.

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211

Os teat ros, desde que, pela civi lização e bom gosto foram limpos das

fezes da barbaridade, começaram a ser, não só a escola da boa e líd ima

l inguagem, e da moral sã e pura; mas o incentivo da glória e gérmen das

vi rtudes sociais (Garre tt 1984a: 416 ).

Historicismo e nacionali smo congrega m -se na reformulação do

conceito de mimese. Recuperar o passado fornece o “exemplo”, cuja

refl exão críti ca clarifi ca que o “passado” pesa na interpretação do

“presente” (Barata 2001: 160). Não restam dúvida s quanto ao teatro ser

imitação da Natureza; todavia esta é variável. Cada epi stema cultural tem

a sua conceção de hi stória e escolh e a sua própria forma narrativa,

condicionando o género teatral (Santo s 2011: 26). A sua ideologia

vinti sta cr esce em nome da Natureza, distinguindo o homem natural do

homem primitivo, numa per spetiva fenomenista , e definindo o Homem

como “resultante moldada por um complexo jogo de cir cunstâncias”

(Monteiro 1971: I , 252). Voltaire, Montesquieu , Schlegel , Cha teaubriand

ou Madame de Staël demonstram-lhe a “ influência exercida sobre o

homem pela época e pelo espaço geográ fico em que vive” ( id . , ib id . : I ,

253) e contribuem para a sua tolerância ideológica e estética . As culturas

exót icas vêm provar que a consciência humana é variável. A literatura de

viagens contribui para essa perceção, ta l como o estudo do suíço Lavater ,

interligando o fí sico e o moral na fisi ognomonia. O Homem não exi ste ,

exi stem sim homens, nu ma pluralidade infin ita de indivíduos que

partilham o mesmo mundo, metáfora pragmática da bíbli ca Torre de

Babel.

Objetiva mente, o “Divino” abandona os modelos antigos e escolhe,

a exemplo de António Fer r eira , uma figura épica portuguesa, na defesa

de um teatro nacional300

. Em Historia Philosophica do Theatro

300

Crabée-Rocha cit a “Apontamentos para composições dramát icas”, (ms .42) do

Espól io de Garret t , para demonst rar a intenção do dramaturgo de u ti li zar f iguras da

h i stória nacional , algumas das quai s não passaram de suges tões ti tulares , como

Jus tiça d e Ped ro e D. Sebas tião . Out ros esboços most ram que Garret t de dicou algum

do seu t empo a debuxar mo mentos cénicos , ou apenas planos de obra, com figuras

h i stóricas do domínio públ ico - Inês de Cas t ro ( Inês d e Cast ro , ms.28), Brit es de

Al meida (A padeira de Al jubarrota , ms.36), Maria Teles (Maria Teles , ms.40) - ou

personagens populares caracterí st i cas, como Afonso Anes , Mateus João, Joaninha e

Gi l Eanes , em O Tanoeiro d e L isboa (ms .38), espécie de “ensaio geral” (Crabée -

Rocha 1949:31) do Al fageme de Santarém .

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Portuguez301, Garrett reverenci ou o aspeto modelar da tragédia

quinhenti sta . A sua análise, a partir da leitura do Cours analytique de

lit térature générale , de Lemercier, expressa um modelo que privilegia o

ent endimento da “ideia ou pensamento” da obra, a sua “locução ou

estilo” (Garrett apud Barata 1997: 120), e a coerência que deve exi stir

entre os diver sos elementos que constituem a obra. Como primeira

qualidade, encontra -se a “unidade dramática” ( id ., ib id . : 121) ou

capacidade de fixar “o espírito, e todos os sentidos do espectador num só

lugar, num só fa cto, num só t empo” ( ib id .: ib id .) . As pretensa s unidades

aristotéli cas, longe de constitu írem uma limitação, constitu iriam uma

forma de manter o interesse “na t extura da fábula”:

Fazendo nascer uns dos out ros, os factos, e encaminhando

subord inadamente todos para o principal e único; já contendo a marcha

t rágica nos limites do lugar, que ao princípio se assinou; já finalmente

não deixando exceder a razoável medida de tempo necessário ao

completamento da acção (apud Barata 1997: 122).

As mutações de cena não representam quebras de unidade de lugar,

desde que fosse mantida a lei da coerência . A unidade de t empo não

corresponde a uma regra externa, mas adequa o tempo dra mático ao

relato da ação. Tudo deveria estar conforme a harmonia da simplicidade ,

entre o tom geral da obra e a situação que se pretende exprimir :

Tal é a bela simpleza do sublime poeta: examinou a natureza, consul tou o

coração humano, e sem mais aparato, sem mais pompa, deu aos seus

espectadores todas as belezas, e louçania daquela, e todos os a fectos, e

puras sensações deste (apud Barata 1997 : 131).

Os diálogos deveriam coadunar-se com a natureza da situação, a

verosimilhança teatral e a diversidade de caracteres dramát icos , para

conduzir o espectador à comoção e “fazer entrar na alma uma lição

interessante e ú til” (Monteiro 1971: I , 377), a través de modulações de

linguagem modelarmente estabelecida s, que deveriam constitu ir o

sublime, ja mais empolado ou afetado, sem esgares nem convulsões.

301

Sobre a edição crí ti ca des ta obra cf . B A RA T A , José Ol ivei ra (1997), “His tória

Filosófica do Teat ro Português de Almeida Garret t ”, Revis ta Discursos: teat ralid ad e

e d i scurso dramático , nº 14, Li sboa: Univers idade Aberta, pp.107 -141.

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Afonso de Albuquerque é uma tragédia portuguesa: não só u tili za um

herói nacional, como responde “aos problemas, ao s inter esses e aos

sentimentos coevos do público” ( id ., ib id . : I , 381)302

. A figura titu lar

parece corresponder ao que se pretende de um herói modelar , como se

configura no monólogo inicial, próprio de um grande chefe militar.

Todavia , a perspetiva muda radi cal e tragica mente, na cena seguinte com

a descrição da carnifi cina perpetrada por soldados portu gueses. O

paradoxo evidencia a posição de Garrett , não só através da jovem Alaída,

a cativa que acu sa a desumanidade do conquistador ( Ato I , cenas IV-V) ,

mas também pela confissão de Albuquerque, que confirma o mal -estar

que lhe provocam as béli cas campanhas, apenas cumpridas por dever de

estado (ato II , cena I II) . Para agravar a situação, ta is como os

shakespearianos Marco António e Cleópatra , Albuquerque a paixona -se

por Alaída, num amor fatal, contra os deveres “da pátria , da glória , da

razão, da virtude” (Monteiro 1971: I , 407). Garrett cria doi s conflitos:

um dramático e outro pessoal. A razão propusera -lhe abordar o esforço

português na conquista do Oriente, mas a emoção fez despoletar a trama

amorosa de um conquistador apaixonado por uma cativa, sofrendo

problemas de consciência . O conflito d ramático demonstrou -se insolúvel

e colocou a solução na s mãos do autor, que abandonou o projeto.

Poderia ter seguido a influência de Voltaire , de Mahomet, mas,

inver samente, o drama heroico garrettiano parece ecoar a leitura de

Chateaubriand, no conflito religioso que opõe as invetivas da altiva

Alaída aos protestos apaixonados de Afonso de Albuquerque :

Alaída

Deus de just iça ,

Deus d’amor para vós, manda a seus filhos

Buscar est ranhos sossegados povos,

Para vós inculpados inocentes,

Por que em seu nome lhes pregueis co’a espada

Esse culto d’amor e de justiça.

(Ato II, cena III; Garrett 1984a: 445)

302

Tal como o Catão , com que in iciará a sua at ividade nas sociedades de curiosos

dramát icos , insi st indo na “adequação da obra de arte à Natureza signi f i cada e à

audiência a que se dest ina” (Montei ro 1991: I, 382).

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O conflito religioso funde -se com o amoroso, sem “honra, nem

pieda de, nem valor” (Crabée -Rocha 1954: 65) para os portu gueses. O

amor de u m Deu s “justo e compassivo” contrapõe -se a uma “lei

compassiva” que permite o roubo, não só de bens, mas da liberdade.

Garrett expõe, “à luz das ideias de Montesquieu , a ambição desmedida

dos portugueses” ( id ., ib id . : 70), segundo princípios idênticos aos qu e

Ésquilo u sou em Os Persas , mostrando a arrogância dos vencedores.

Esta mistura entr e “amor raciniano, valor la tino e galanteria

portuguesa” ( ib id .: ib id .) é própria do jovem revolucionário idealista ,

cujo “prólogo” expõe a ideia sobre o poeta dramático e sua função em

sociedade; o indivíduo politi camente comprometido, que contribui para o

desenvolvimento cultural pela proclamação do mérito individual:

O poeta é também cidadão; e os ta lentos, e ciências, i núte is, ou

porventura prejud iciais seriam ao bem do estado, se a seu melhoramento,

e cultura não cont ribuíssem. […] O primeiro dever do poeta cidadão é

celebrar as vi rtudes dos seus compatriotas, e fomentá -las por este meio

no coração deles (Garrett 1984a: 415-16).

Sobre todos os géneros, o teatro , a par de outros espaços de

sociabilidade, apresenta -se-lhe como um meio de divulgação do ideário

romântico, por ser “vivo, e proveitoso”, e a “ teatral i lusão [tornar] mais

profundas as sensações, e mais arreigad o o conselho” ( ib id .: ib id .) ,

claramente enunciado também no prefácio à Lírica de João Mínimo

(1825):

Além dos […] cafés e bi lhares, os outei ros de frei ras, e nas ocasiões

publ icas – com juramentos, perjuramentos, aclamações, desacclamações,

usurpações, etc ., etc . – os teat ros são os meios de publ icidade para os

verdadei ros e legítimos filhos do lusitano A pol lo que deprezam a ridícula

gloria de auctores impressos (Garrett 1904: I, 43; itálico original;

subl inhado nosso).

Na enunciação embrionária de um teatro de massas, sublinha -se o

valor pedagógico da função t eatral. A arte dramática “acrescenta” à

epopeia a “viveza, e naturalidade” da representação cénica, e torna -se

proveitosa “à totalidade da Nação, que ordinariamente não lê, nem sabe,

de poema s, que sobre longos, não entende” (Garrett 1984a: 415-16).

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215

Ainda que Garrett possa encarar a produção dos t empos académicos,

de “inocência e de esperança”, como obra de um “fedelho qu e calçou o

coturno sem mais cerimónia” ( id ., ib id . : 209), na realidade demonstra a

consciência de quem escreve pelo “desejo de enriquecer o teatro, a

l íngua nacional, e dar aos Portugueses novos incentivos de glória” ( id .,

ib id . : 415-16). Na realidade, as obras denunciam leituras da juventude,

mas, mais do que i sso, r efletem “aspirações a um outro modo de viver e

de falar” , pressentido, mas não especi ficado ainda ( id ., ib id . : 210), como

havia defendido a autoridade de Geoffroy , no seu Cours de lit térature

dramatique303:

[Nous] sommes toujours t rès sensibles au colori s des beaux vers: depuis

que nous avons vu la t ragédie populai re couri r les rues, nous voulons

qu’elle ne se montre sur la scène qu’ennobl ie e t parée de tous les

ornements de la poésie et de l’ éloquence; que le plan soi t moins régul ier

e t moins sage, nous n’y regardons pas si près; mais que le style frappe,

échauffe , ent raîne; qu’une brillante superfic ie couvre de son écla t les

vices du fond (Geoffroy 1825: II , 290-91).

Sofonisba304 é mais um ensaio dra mático inacabado de Garrett . O

assunto fora amplamente tra tado desde o Renascimento, e a ver são de

Voltaire chegou a ser representada no tea tro dos Coutinhos, em 1815.

Porém, desta imitação francesa, Garrett quase que abjura a paternidade

da sua ver são. Na “advertência”, diálogo, também ele inacabado, que

entabula com um amigo, assume -se de uma originalidade malgré lu i. Não

se tra ta de uma tra dução, porque lhe foram retiradas a s entr anhas, ou

303

Trata-se da compi lação dos folhet ins de t eat ro que Geoffroy publicara no Journal

d e l ’Empire (posterior Journal d es Débats ) e E. Gosse reuni ra com es te tí tulo (Paris :

B lanchard , 1819 – 1820, 6 volumes). A obra conheceu um sucesso relativo . Alguns

excertos deram aso ao Manuel dramat ique (Paris , 1822). Cf. VA PEREA U , G. (1876),

Dictionnaire universel des l it t ératures . Paris : Hachet te, pp .871 -72. 304

A primei ra t ragédia sobre este assunto deveu -se ao dramaturgo i t al i ano

Giangiogio Tri ss ino, em 1515. [cf. Di F ranco Pagl ierani (1884), La Sofonisba di Giangiogio Tr i ss ino con note d i Torq.to Tasso . Bologna: Gaetano Romagnoli ] . A sua

versão influenciou os autores franceses , que a t raduzi ram, co mo Mel in de Saint -

Gelai s , em 1556, e C laude Mermet , em 1584; Antoine de Montchrestien versou o

t ema e m La Cartaginoise ou La Liber té (1596) e Nicol as de Mont reux (1601). Em

1634, Jean Mai ret escreve a pri mei ra versão cláss ica de La Sophonisbe , que abre

ca minho à Sophonisbe de Corneil l e (1663), à de Lagr ange -Chancel (1716) e à de

Voltai re (1774). Em Portugal , o t ema fo i abordado na ópera, por António Leal

Morei ra, Sir face e Sofonisba (1783) e Marcos Portugal , Sofonisba (1803). Sobre o

t ema cf . AXE LRA D , A. José (1956), Le thème d e Sophonisbe d ans l es pr incipaux

t ragéd ies d e la li tt érature occid entale (F rance, Angleterre, Al lema gne). Li l l e:

B iblio thèque Univers i t ai re.

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216

seja , torna-se numa interpretação pessoal, a inda que subsidiária do texto

fonte. Um modo di scursivo que repetirá na defesa da originalidade de

Catão .

A posição de Garrett face ao ato de traduzir é mani festa em vários

escritos. No Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa , não

tolera a preferência dos poetas rena scenti stas por “quadros ita lianos”, em

detrimento de “assuntos portugueses” e “costumes nacionais” . Ter -se-ia

criado uma escola em vez de viver de traduções. Apena s António

Ferreira havia estudado profundamente os c lássicos, imitando -os com

propriedade (Garrett 1904: II , 305). O século XVII tampouco havia

regenerado a s l etras, por causa de “tarellos, francelhos, gallicipadas e

toda a caterva de gallo -manos” ( id ., ib id . : II , 353):

De t raducções estamos nós gafos: e com t raducções levou o ultimo golpe

a literatura portugueza; foi a estocada de morte que nos jogaram os

est rangei ros. Traduzir livros d’artes, de sciencias, é necessário, é

ind ispensável ; obras de gosto, de engenho, raras vezes convem, é quasi

impossível fazêl -o bem, é míngua e não riqueza para a l itera tura

nacional. Essa casta de obras estuda -se, imita -se , não se t raduz . Quem

assim faz acommoda -as ao caracter nacional, dá -lhes côr de próprias, e

não só veste um corpo est rangei ro de a l faias nacionais (como o

t raductor), mas esse corpo dá feições, gestos, modo, e índole nacional;

assim fizeram os Lat inos, que sempre imitara m os Gregos e nunca os

t raduzi ram (Garrett 1904: II, 359; subl inhado nosso).

Como já referimos, o padre Brumoy deixara bem claro que a

tradução literal de obras tendia a desfigurá -las, caso não se entendesse a

dialética existente entre a cultura de partida e a de chegada. Ao

“tradutor” seria necessário encontrar u m meio-termo, um ponto de

equilíbrio, entre uma atitude subserviente , “dema siado escrupu losa”, que

mascararia o autor, e uma “atitude abusiva” que o desvirtuaria :

Toute langue a ses arrangements d’idées, ses tours, & ses mots,

nobles ou bas, energiques ou foibles, vi fs ou languissans (Brumoy

1730: I , XVII) .

Traduzir implica reescrever e transferir uma obra literária para

outro si stema literário e cultural. O texto de partida é ma nipulado e

apropriado segundo o modelo ideológico e políti co do si stema literário e

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217

cultural de chegada (Santos 2012: 79)305

. A apropriação e transformaçã o

do modelo de partida configuram um modo de “acomodação”, ou seja de

adaptação ao entendimento de u m recetor. Na lit eratura dramática , o

processo torna -se mais complexo, na medida em que a peça de t eatro

corresponde à “ tradução” de uma realidade factual, expressa por um

si stema de r eferências conotativas, numa realidade fi ccional, que as

reproduz através de um si st ema cénico especí fico, que amplia essas

referência s a través de outras de carácter denotativo. O tradutor

dramático, mais do que verter na sua língua a obra alheia , torna-se em

intermediário artísti co de pontos de vi sta culturais. Ao adaptar as obras

ao gosto do público português, estabelece -se uma “apologia de nova s

estéti cas lit erárias e correntes dramatúrgicas em nome das quais se

pretende apresentar e consolidar u ma reforma do t eatro nacional” ( ib id .:

ib id .) .

Como defendeu Fel iciano de Ca stilho , o tradutor, “quando a sua

habilidade” o permita, deve “afeiçoar” a comédia aos “usos e costumes

da gente para onde a tr aslada, em cuja língua escreve, e com cujo pensar

e sentir deve procurar que ela se conforme o mais escrupulosamente que

ser possa, para que mais e melhor lhe creia m nela , e mais e melhor lhe

tomem e assimilem a doutrina” (Castilho 1870: X) . A sua argumentação

parte da premissa base que di stingue o autor dramático, que imagina a

fábula segundo a expressão do seu tempo e da sua cultura , do tradutor, a

quem cabe o papel de “nacionalizar” , para cabal entendimento da

essência da obra .

Mendes Leal usa argumentação sofi sti cada, para redefinir o conceito

de Castilho. Por um processo de fusão, t raduzir e imitar davam origem à

“transubstanciação” . A obra de origem renasceria pela arte do tradutor:

“transubstanciai esse original, e vê -lo-ei s r essurgir inteiro” (Mendes-

Leal 1870: 222). Na medida em que a obra dramática original

305

Cf. SA N TO S , Ana Clara (2003), “A t radução do teat ro em Portugal nos séculos

XVIII e XIX: o caso da dramaturgia francesa”, em MUÑ O Z MA RT ÍN , R icardo [ed . ], I

AIETI. Actas d el I Congreso In ternacional d e la Asociación Ibér ica d e Es tud ios d e

Trad ucción e In terpretación. Granada 12 -14 d e Febrero d e 2003. Granada: AIE TI,

Vol . n º 1 , pp. 495 -505; S A NT O S , Ana Clara (2012), “A colecção Arquivo Teatral ou a

importação do repertório t eat ral paris iense”, em C A RVA LHO , Manuela/ P A SQ UA LE ,

Daniela d i (org. ) , Depois do labi rin to: Teatro e tradução. Lisboa: Vega, pp .75 -98.

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consubstancia um pensamento autoral, a obra traduzida transformaria a

essência inicial em outra essência definitiva pelo ato de r eescrita na

representação cénica. Ao tradutor/imitador conferia -se, assim, o mesmo

papel que ao ator, enquanto (re) criadores dos autores dramáticos na cena,

e intermediários para com o espectador:

Trasladar com exactidão a let ra é já tarefa árdua. […] Verter porém o

espí rito, a feição, o genio, o intento, o pensamento, o sent imento, passar

tudo i sto, não só de uma para out ra língua descontando o que toca

necessariamente à índole especial de cada uma, não só de uns para out ros

costumes, não só de um para out ro século, mas em tudo de uma para

out ra nacionalidade de modo a que a obra fique ao mesmo passo l iterária

e popular, como é ind ispensável no teat ro – effectuar essa cabal

t ransfusão sem comprometer a ind ividualidade originaria , nem lhe al terar

o essencial da execução, nem corromper ou desnaturar o molde que a

recebe, é uma das mais del icadas e a t revidas operações que se podem

empreender, uma das mais t rabalhosas, arri scadas e meritó rias quando

bem real i sada (Mendes-Leal 1870: 214).

Sendo a criação artísti ca a expressão de um étimo espiritu al, a

originalidade mani festar -se-ia na maneira de conceber e de pensar, que

definem a reação poéti ca . O autor imprime à sua obra um máximo de

signi ficação e de poder sugestivo. Lendo “na realidade das coi sas”,

Garrett pratica “a transubstanciaçã o de u m cânone escrito” (Monteiro

1971: II , 156). A única forma de entender uma obra seria tomá -la como

“um mundo -em-si, intencionalmente organizado para dar expressão a

uma ideia”. A sua verdade resid e na capacidade de “sugerir , com a sua

forma, a intenção geratriz que lhe deu ser” ( id ., ib id . : 158). Na recusa de

uma forma mecânica em favor de u ma forma orgânica, cuja feição resulta

da evolução interior, Garrett define, para a obra dramática, como mais

tarde o fará para o modelo interpretativo dos atores, o princípio de

verosimilhança artísti ca , ou seja de construção hábil e intencional da

narrativa, de forma a conseguir o efeito que se pretende. Um assunto

exige a adequação da forma, conforme refere no prefácio de Catão

(1830) : “fu i a Roma […] e fiz -me Romano quanto pude […] voltei para

Portugal, e pensei de Português para Portugueses” (Gar rett 1904: I , 524).

A na cionalidade do drama não r eside na u tilização de personagens

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autóctones, mas no “rito com que [as] evoca, do jazigo para sobre o

teatro, o sacerdote que faz os esconjuros” ( ib id .: ib id .) .

“Os últimos tempos de Coimbra…”

A aparente inconsistência que a produção académica garrettiana

apresenta , segundo Crabée -Rocha – l inguagem excessiva com

deficiências linguísti cas, fa lta de sentido da escrita dra mática ( cenas sem

proporção harmoniosa e fa lhas de sentido dialógico, ou a distr ibuição de

per sonagens sumária , com reduzidas notações psicológicas) – , parece-

nos revelar a essência do fa zedor de t eatro, antes do crítico t eatral, que

se viria a tornar. Não lhe faltavam certamente, como esta autora refere, a

“convicção e boa fé com que vencia sem hesitar todos os obstáculos”

(Crabée-Rocha 1954: 74).

Ensaiava Garrett os seus “curiosos dramáticos” na Mérope , quando

estalou a revolução de 1820. Suspendeu -se a empresa artí stica , quando

“estavam ensaiados os primeiros três a tos” (Garrett 1904: I , 588), para

que os intervenientes, cuja “ impetuosidade repuxava o patriotismo do

imo peito” (Pimentel 1873: 26), pudessem ensaiar os primeiros passos na

políti ca: “Adiados. Viva a liberdade! ” (Amorim 1881 -84: I, 166). A

tragédia nunca chegou a subir à cena.

Mérope culmina uma série de heroína s garrettianas – Lucrécia ,

Sofonisba, Alaída – , mulheres fiéi s e mã es sacri fi cadas ao gosto do

público , mas forma terceto com Lucrécia e Catão , na denúncia da tirania .

Mérope é o “primeiro pensamento dra mático” (Garrett 1904: I, 589), em

que Garrett humaniza a protagonista , pela exibição do seu sofr imento, ao

mesmo tempo que a torna intemporal e apátrida, ta l como o fará com a

figura de Catão. Ao temperamento instintivo de Mérope, da mu lher capaz

de se sacri ficar pelo filho, contrapõe o temperamento racional de Catão,

do homem capaz de se sacri ficar pela Pátria . Entr e uma virtude visc eral e

outra constru ída e sublimada, assi stimos à criação de um modelo de casal

primordial, que será sublimado nas figuras de D. Madalena e Manuel de

Sousa Coutinho, entr e os laços de sangue e a hombridade polí tica , entre

o amor famil iar e o a mor da pátria .

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220

A Mérope de Garrett não procede to talmente das suas congéneres

europeia s306

. Não só não as l era , como aí não encontraria a sua “intençã o

verdadeira: dar um autêntico drama materno” ( Crabée-Rocha 1954 : 79).

Ainda que conserve a a ltivez de outras Méropes, a lusa figura apresenta -

se prudente e ponderada, fru to das “pessoais e moderadas concepções

políti cas” do seu autor: “mais forte do que uma alegoria políti ca , surge a

apologia di screta da religião” ( id ., ib id . : 80). O papel de confidente é

per sonifi cado pelo sacerdote, homem justo , que, na galeria das

per sonagens garrettianas se si tua entre o padre Aubry e o padre Froilão .

As fontes de Garrett são: Maffei , cuja Merope fora representada em

Modena, em 1713, mas cuja leitura o não satisfez (Crabée -Rocha 1954:

82 , nota); Voltaire, que colocara objeções à forma como aquele tra tara o

tema; e Al fi eri , cuja tragédia editada em Siena, em 1783, e,

posteriormente, em Paris (1787, 1789), se inspirava no dramaturgo

francês e fornecia a matéria que o jovem académico lusitano preferiu

seguir. Para a lém de um mero aspeto formal, em que tanto Al fieri, como

Garrett , dedicam a s obras às r espetivas mães, celebrando as suas

“virtudes ca seiras” ( id . , ib id . : 83), o conteúdo coincide na defesa da

razão de Estado como valor sublime das a titudes pública s – o casamento

de Mérope – , e na simpli ficação e concentração dos elementos

narrativos:

Os nomes, – que a própria t radição apresenta variados – foram em regra

os que Alfieri tinha escolhido. Até os recursos psicológicos, que podiam

dar mais re levo aos receios dessa mãe, foi busca -los aos dois

d ramaturgos mais próximos (Crabée-Rocha 1954: 85).

Por que razão preferia Garrett calar esta influência , ou , pelo menos,

por que a c itaria en passant, como u ma vaga leitura? Quando lhe escreve

306

Eurípides, Cresphonte ( recolhida por Nauck, em 1880); Pompónio Torel l i de

Parma, Mérope (1589); Gabriel Gi lbert (1620 -1680), Téléphonte (1642); Racine,

And romaque (1667); Jean de La Chapel le, Téléphonte (1683); F rançois Lagrange -

Chancel (1677 -1758), Amasis (1701); Scipione Maffei, Merope (1713); Voltai re,

Mérope (1743). (Crabée-Rocha 1954a:78). Algumas são ci t adas e comentadas por

Voltai re, no prefácio -carta a Scipione Maffei , na edição da sua Mérope . Sobre a

t ragédia de Gabriel Gi lbert, cf . C HUB U R U , Amaïa (2011), Téléphonte, tragi -coméd ie

d e Gabriel Gilber t (1642) . Édi tion présentée, établie et annotée par Ama ïa Chuburu.

Mémoi re de Master 1 , sous l a di rection de Monsieur l e P rofesseur Georges Fores ti er .

Uni vers i t é Pari s IV – Sorbonne. [ht tp :/ /www.bibl iothequedramat ique. fr/PDF/gilbert -

t elephonte.pdf] (consul tado 14/08/2014).

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o prefácio, em 1841, os tempos eram conturbados, pelo retrocesso

democrático cabralista que sentia na pele. Durante vinte anos guardara a

peça na gaveta; de lá saiu para acompanhar o Auto de Gil Vicente . Ambas

representam balizas do tra jeto criador, entre o promitente dra maturgo de

Coimbra e o concretizado de Li sboa. Demonstram a evolução do valor do

trabalho de escrita – na metáfora maçónica da passagem da “pedra bruta

a pedra polida, e a polida a facetada” ( id ., ib id . : 87) – , ta l como o

aplicou nas quatro edições de Catão , em que foi afinando o seu engenho,

insati sfeito na forma e no conteúdo:

No espi ritual, t ransita -se das paixões políticas às que tocam mais na ra iz

do homem; no formal , sa lta -se de uma notação primária a um

arredondamento muito mais elegante da expressão. Tenaz, como um

arbusto que crescia, o génio de Garret t ia rasgando o seu caminho. E

dava agora um salto de uma das suas principais medranças: passava de

uma Mérope ainda indecisa a um Catão já definido (Crabée-Rocha 1954:

87).

Garrett travou o ímpeto de queimar esse “ tão imper feito ensaio”,

preferindo dá -lo à esta mpa, “pela sincera vonta de de mostrar como

[começara] a engatinhar na carreira dramática com as andadeiras

clássica s e aristotélica s” (Garrett 1904: I , 588), e “não como obra

l i t teraria , senão como documento de hi st oria lit teraria” ( ib id .: ib id .) .

Obra de juventude, “nela se adivinham já as inovações que virão a ser

valorizadas pelo romanti smo, […] que faz da peça um mani festo”

(Rodrigues 2001: 407).

1.2 . Teatro para diletantes dramáticos (1821 – 1823)

“Ciosos são nossos corações de liberdade…”

Quando terminou o quarto ano académico, Garrett fixou residência

em Lisboa, no final de Agosto de 1821, seguindo o apelo do “seu ardente

amor da liberdade” (Amorim 1881 -84: I , 220), para cumprir os desígnios

que expressara nos ú ltimos versos de Lucrécia : “vivamos livres, ou

morramos homens” (Garrett 1984a: 379)307

:

307

Corresponde també m ao últ imo verso da ode Ao corpo acad émico, edi tada na

Col lecção das Poesias reci tad as na Sala dos Atos grand es da Univers idad e d e

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Alguns dos seus mais íntimos amigos e antigos companhei ros de

Coimbra, que al i tinham representado com elle as suas primeiras

t ragedias, resid indo agora em Lisboa, desejavam renovar aqui o

passatempo que tanto os divertia durante a vida de estudantes. Para i sso

esperavam com impaciência o poeta: foram buscál -o a bordo, e logo lhe

ped i ram que escrevesse ou ind icasse peça para todos representarem

(Amorim 1881 -84: I, 222).

A sua adesão estética à causa liberal manifestou -se na escri ta de

Catão (1821) , tragédia ensaiada “em casa de Paulo Midosi , que servia de

ensaiador e ponto” ( ib id .: ib id .)308 e representada no Teatro do Bairro

Alto (São Roque), a 29 de setembro de 1821, por uma sociedade de

amadores dramáticos, em que Garrett subiu à cena para recitar o prólogo

e interpretar o papel de Bruto. A obra dra mática alargava a sua esfera de

receção. Ao público académico dos primeiros t empos , sucedia uma elite

intelectual, “um publico exclusivamente composto de quanto t inha então

de mais brilhante a sociedade e a côrte de Li sboa” ( id ., ib id . : I , 224):

A t ragedia , segundo affi rma o auctor, ía -se ensaiando ao passo que se

compunha, recebendo os curiosos amadores os seus papeis aos pedaços

(Amorim 1881 -84: I, 224 ).

Por esta a ltura , Garrett sofria , como toda a intelectualidade

portuguesa, da influência de uma Inglaterra liberal e libertária . Catão

seguia de perto a tragédia homónima de Addison , considerado um

“prodígio de cena, e porventura a primeira peça do theatro moderno”

(Garrett 1904: I , 531). Todavia , a ver são lusa foi pensada “de portuguez

para portuguezes” ( id . , ib id . : 524). Garrett defendeu-o na “carta a um

amigo”, na edição de 1822 ( id . , ib id . : 528-34), e especificou as

diferença s. Ao inserir excertos traduzidos da peça inglesa, concluía que a

imitação propositada de Addison, em alguns momentos, era fru to do

encontro “com suas ideias e expressões” ( id ., ib id . : 534). Tudo o mais

seria de sua lavra , em estilo português e , daí, a “ indulgência e boa

vontade” com que o público r ecebera a obra ( id ., ib id : 524):

Coimbra, nas noites dos d ias 21 e 22 de Novembro, em publ ica demons tração d e

regozi jo pelo f eli z resultado do dia 17 – 1820. Coimbra: Imprensa da Univers idade,

1821, pp .55 -59 (Garret t 1904: I, 74). 308

Cf . M ID O SI, Paulo (f ilho), “Os ensaios de Catão”, fo lhet im publicado no Diár io

d e Notícias , em 1878.

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Se Alfieri copiara Volta i re, que copiara Maffei , ou se Metastásio copiara

Addison, que copiara qualquer out ro, porque é que Garret t não os havia

de copiar a todos? (Crabée -Rocha 1954: 90)

O espírito revolucionário reclamava transformar a ilusão dramática:

o herói individualista da época clássica , convidando cada espectador a

seguir o seu exemplo moral, interpelava agora os sentimentos coletivos

do auditório – “exemplos singulares, [que] tinham o condão de animar

muitos, […] em massa” ( ib id .: ib id .) – ; Horácios e Curiácios

transformados em Brutos. O herói esplêndido personi fi ca a ideologia

políti ca progressi sta e o vilão, o tra idor, a perspetiva reacioná ria , ambos

prudentemente travestidos de gregos ou de romanos, conotações menos

evidentes ao olhar da Intendência de polícia , apesar da liberdade de

expressão. No intuito ideológico de servir a revolução com a sua arte,

Garrett empregou r eferentes tradicionai s, herói s -símbolo carregados de

sentido e literatura , capazes de mover a simpatia do público:

Tendo por alvo a ti rania mas condenando o ti ranicídio, Catão recria,

diante do espelho português – e face à desmesura europeia – , a

emergência do cesari smo e o revigoramento do despoti smo como

massacre da Liberdade. Mas não só . A universalidade do supremo valor

defendido – a libertação dos povos do jugo despótico – , não só

t ranspunha frontei ras nacionais […], como unia, sob o mesmo canto de

guerra, quer revolucionários como conservadores. Será, pois, a poética

do pat rioti smo […] a expressão uníssona dos ideais respubl icanos,

evidência da lição do ant igo nas acesas lutas do moderno (Bernardes

2012: 123; itálico origi nal ).

A imaginação do espectador divi sava o seu tempo, mesmo

mascarado de “pastiche clássico, pseudo -romano”, sentia as insinuações

e reagia , de forma ingénua, a essa “amálgama de ilusões radicais” e de

“paixões decla matórias” , por “Brutos de papel e Catões pintados”

parlamentares (Martins 1887: 255). Ainda não chegara o tempo, de

colocar em cena a imagem do cidadão comum e dos seus problemas

quotidianos. Catão identi fi ca -se com o pensamento regenerador, exorta o

amor à liberdade, num espírito de moder ação e respeito pela lei. A sua

hombridade antagoniza com a imprudência de Bruto, e a in tolerância

políti ca deste com o espírito conciliador de Mânlio. Para Garrett , se a

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lu ta pela libertação da Pátria é o dever do cidadão honrado, a simples

morte do tirano não ba sta para que se di ssolva a tirania .

A tragédia garrettiana respeita a regularidade das tradicionais três

unidades; o drama da vida de um grande homem desenrola -se entre a

“aurora” de um dia e o “ incerto crepú sculo” do seguinte, na cidade de

Útica. As mutações cénica s são desnecessárias. Todavia , Garrett introduz

algumas peripécia s, que ornamentam a lentidão dos debates, e uma

novidade formal: a inexi stência de personagens femininas na ação, ao

contrário do Cato, de Addison309

. Crabée-Rocha atribui o facto, por u m

lado, à ausência de conflito amoroso na ação, e, por outro, à fa lta de

elementos femininos no grupo de amadores que representaram a tragédia .

Poderia Garrett ter recorrido ao tradicional travesti smo teat ral? Seria

uma solução inadequada e contraditória em relação ao objetivo a que se

havia proposto. O a mbiente não é o académico, a inda qu e a empresa

prolongue o seu espírito. As sociedades de curiosos dramáticos da s

primeiras década s de Oitocentos não contavam com a pa rticipação

feminina em palco. A mentalidade conservadora da burguesia n ão

aceitava nas suas r écita s públicas a prática privada do t eatro de sala . Tal

como referimos a propósito de Átala , a verda de da representação trágica

exigia uma verosimilhança r ealista , a que não ba stava um mero faz -de-

conta de emoções. Os protagonistas de Catão são todos homens, porque a

revolução fora obra pública de homens:

As personagens são a representação viva em t rês gerações sucessivas de

t rês modalidades pol íticas possíveis […] a impetuosidade i rreflect ida e

perigosa de Bruto, a prudente expectat iva de Mânl io, passando pelo

equilíbrio de Catão, o polít ico frio e comedido, que nem tem as ilusões

da mocidade, nem as da velhice (Crabée -Rocha 1854: 103).

O problema da diferença de cultura de raças, que Garrett debatera

em Afonso de Albuquerque , ressurge na figura de Juba, o jovem de sejoso

de vingar a morte do pai, ma s que se debate com a sua condiçã o de

Númida, que todos desprezam. Lutando contra o preconceito, numa

tentativa de provar que o valor não r eside na aparência , na cor da pele,

309

Sobre esta t ragédia inglesa, cf . AD D ISO N , Joseph (2007), Catão: Uma Tragédia ,

In t rodução, t radução e notas de Adelaide Mei ra Serras . Li sboa: Cent ro de Estudos

Angl í s t i cos da Univers idade de Lisboa. Chimera Textos .

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225

mas na essência , nos sentimentos de alma, pint a-se um retrato

psicológico interessante. Também Catão, in teligente e frio, possuidor de

grande autodomínio, sangue frio e presença de espírito, se r evela num

caracter teatral, que provoca as a titudes e comportamentos de outros

per sonagens. Semprónio , que poderia ser o vilão caracterí sti co, dúplice e

manipulador, é caracteri zado como u m ser inteligente, de carne e osso,

mesmo que guarde os a tributos típicos da sua condição teatral. Ao longo

da tragédia , enunciam-se postulados de natureza políti ca para a

reconstrução da Pátria , no momento em que se comemora o primeiro

aniver sário da revolução regeneradora. A “nova peça afastava -se do

género piegas das tragedia s semsabores”, possuía a qualidade de um

enredo simples, refl etindo u ma ideia heroica, que falava “se m affecta ção

ao patrioti smo moderno”, saciando a “sede de liberdade” que se sentia

(Amorim 1881-84: I , 224-25).

Na comemoração do primeiro aniver sário do pronuncia mento

portuense de 24 de agosto, e da sua edição li sboeta de 15 de setembro,

surgiram diver sa s composições poét icas de espírito infl amado. O

Patrio ta (nº 206, 21/08/1821: 4) tanto anunciava a edição impressa de

Astrea, elogio dramático de João José de Mello Perei ra Vidal ,

representado em Tavira , pelo aniver sário de D. João VI310

, como

publicava o artigo “Patria! Oh! Patria minha”, do seu editor J . P. N. F.

(nº 281, 15/09/1821: 1-2), ou uma Ode do mesmo teor, por Teotónio

Canuto de Forjó. As cerimónias oficia is continuavam a ser a

demonstração pública do mi litarismo institucional e de uma reverente

sociedade burguesa.

310

A deusa grega Ast rea representa a inocência e a pureza, e encont ra -se sempre

associada à deusa Dike, ou jus ti ça. Segundo Ovídio , a deusa, que vi vera ent re os

humanos no período Aureo, t er i a d eixado a t erra durante a Idade do Ferro desgos tosa

com a maldade humana. Segundo o mi to , As t rea vol taria para ins taurar a nova Aura

Mediocri tas . Nes te aspeto , a sua ima ge m encont ra -se associada desde o

Renascimento com o espí ri to de renovação, personalizad a em figuras reinantes como

El izabeth I, de Inglaterra, ou Catarina, a Grande, da Rússia. John Dryden celebrou a

Restauração de Carlos II co m o poema Astrea Redux. A alegoria lus it ana celebra o

mes mo princípio . Em 1855, José Romano escreveu també m u m elogi o dramát ico com

igual t ítulo , para fes tejar a aclamação de D. Pedro V (Lisboa: Tipografia Uni versal

de Thomaz Quint ino Antunes, 1855).

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226

O dia 24 de agosto começou com parada militar no Rossio , salvas de

ordenança e a presença de D. João VI na varanda dos Paços que haviam

sido da Inquisição. Os deputados e demais representantes da elegante

sociedade dividiram-se em jantares de caridade, como o da Sala do

Risco, e mais de tr inta particulares. À noite, a cidade carregou -se numa

féerie de luminárias para povo ver, enquanto as a ltas instâncias

festejavam em S. Carlos. Representou -se a ópera cómica de Carlo

Coccia , A festa da rosa311, o “baile novo” Telemaco na Corte

d’Idomeneo , e ouviu-se, pela primeira vez, o “novo Hymno

Constitucional” , ou da Carta , da autoria de D. Pedro de Bragança,

Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (Diário do

Governo , nº 201, 25/08/1821: 285-86). Dissonante, a pena do redator do

Portuguez Constitucional Regenerado descrevia o espírito

comemorativo, como “eterna execração a todos os servis , gloria a todos

os l iberais” (nº 21, 25/08/1821: 94; itá licos originai s) .

O dia 15 de setembro não diferiu no estilo da encenação pol ítica:

idênticas paradas milita res com a régia presença, para colocação da

primeira pedra do Obeli sco “Monumento Constitucional” no Rossio;

idênticos jantares de exaltação patrióti ca institucional, na Casa do Risco

(“400 ta lheres”), presidido por Manuel Fernandes Tomás, e em outros

ágapes. No do Regimento de Infantaria nº 16, D. Gastão da Câmara

recitou uma ode de sua autoria , de que o Diário de Governo (nº 226,

24/09/1821) transcreveu um excerto:

Não nos doe morrer; a vida he nada,

Salvando a Pat ria, (aos Despotas rendida; )

Se com a morte se compra o bem da Pat ria

Na honrosa t radição a morte he vida.

À noite o mesmo deslumbre de luminárias e a novidade da abertura

ininterrupta do Pa sseio Público da cidade, onde r einou “o socego, e o 311

Natural de Nápoles , fo i aluno de Fenarol i e Pais iel lo, que o apresentou ao rei

Joseph Bonaparte, de quem se tornou músi co privat ivo . Escre veu a primei ra ópera

em 1807, I l matrimonio per l ett era d i cambio , que não obteve sucesso. Mudou -se

para Veneza, onde se dedicou à opera cómica. Acusado de imi tador, acabou por se

ver preterido pela fama do jove m Rossini em ascensão. Via jou para Lisboa, onde se

mante ve ent re 1820 e 1823, acabando por se f ixar em Londres no ano seguinte, onde,

em 1827, compôs Maria S tuard a. De regresso a It ál i a, dedicou -se à ópera séria,

compet indo com Donizett i e Bel lini .

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227

prazer por toda a parte, em todos os corações” ( Patrio ta, nº 282,

17/09/1821: 1). Mesmo ao lado, no Teatro da R ua dos Condes, a real

família e demais convidados assistira m à representação do dra ma

alegórico Elysa e Luso ou o Templo de Vénus312

, de José Maria da Costa

e Silva , deslustrado, segundo o redator do Portuguez Constitucional

Regenerado (nº 39, 17/09/1821: 172) , por “ torpes li sonjarias com que se

corrompe o coraçaõ [sic ] dos Principes e com que se usava o Servili smo

ensurdecellos ao clamor dos Povos”. Findo o drama soltaram -se pombos

no teatro e esvoaçaram ver sos e flores: “ flores de Outono e os ver sos

muito peores que a s flores”. Estaria entr e eles o soneto “Hoje da negra

furna tenebrosa”, que o ator Fernando José Queiroz mandara imprimir

para “ser distribuído” neste “fausti ssimo dia”? O espetáculo cont inuou

com uma “comédia velha, jocosa, impropria de tão grande Dia” ( ib id .:

ib id .) e terminou com a audição do Hino Constitucional. De tudo i sto se

infere qu e a representação da obra de Garrett , a 29 de setembro, no

Teatro do Bairro Alto , constitu ía um acontecimento bem diver so, no

ambiente seleto de uma plateia de constitucionais.

Tal como fizera em Lucrécia , o prólogo recitado pelo autor, “poeta -

cidadão”, dupla mente integrante da função t eatral, transformou, por

breves instantes, o palco em tribuna de orador, que dirig iu o bom

entendimento do ouvinte, nu m aparente estilo de improviso . O paralelo

entre as per sonagens da peça e os espectadores ganhou sentidos outros de

prefação cénica da tragédia , como regi sta Gomes de Amorim :

Levantou-se o panno. Garrett começou a reci tar o prologo da t ragedia,

que o publ ico escutava palpitando de enthusiasmo. Quando chegou aos

penúltimos versos, cravou os olhos no camarote da famí lia Midosi , e

declamou com exaltação apaixonada:

“E tu, sexo gentil , delicias, mimo.

Afago da existência e encanto d’ella,

Oh, perdoa se a pát ria te não deixa

O primeiro logar em nossas scenas.

Não esqueceste, não; porém ciosos

São nossos corações de liberdade:

Onde impera a beleza, amor só reina;

312

Impresso e m Lisboa: na Tipogra fia de Bulhões , em 1821. Garret t referi r -se-á

elogiosamente a es te autor no Bosquejo d a His tória d a Poes ia e d a L íngua

portugueza (1904: II,362) , a propós ito do seu poema descri tivo O Passeio (1816).

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228

Foge onde reina amor, a liberdade .

(Amorim 1881-84: I, 227)

Garrett personalizou na “ très genée” ( ib id . : ib id ., nota 3) Luísa

Cândida a condição feminina, ao mesmo tempo que expunha o coup de

foudre – “onde impera a beleza, amor só r eina” - por aquela que viria a

desposar um ano depois. A ficção fundi u -se por momentos com a

realidade. O público entendeu -o, e partilhou da espontânea fel icidade

com aplausos fr enéticos. A família Midosi representava o esprit de

finesse, a convivência diletante e folgosa, das boas família s burguesas

l isboeta s, que, “ ta lvez no desejo moderno de seguir a pauta ideológica e

social de Paris” (Monteiro 1971: I , 215), institu íra um novo estilo de

vida social, espirituoso, livre , c om franqueza e graça lusitanas. Os serões

em sua casa era m verdadeiras assembleia s culturais, em que, a seguir ao

jantar, se animava a conversa, se fazia música, e se dançava, numa

atmosfera “mista de liberdade e de conservanti smo, de légèreté e de

ênfase sentimental” ( id . , ib id . : 217).

Sucesso de Garrett e da récita : o poeta “de imagina ção viva e

ardente […] fascinado e a ttrahido” pela beleza de “regularidade

irreprehensivel” de Luiza Midosi (Amorim 188 1-84: I , 226); o público

“em delírio” invadia a cena, os homens abraçavam -no, as senhora s

lançavam-lhe ramalhetes de flores, na demonstração de que “1821

conservava la tente o fogo de 1820” ( id . , ib id .: I , 228). Garrett tampouco

era propriamente um desconhecido daquele cír culo ilustre. A publicação

de O dia 24 de Agosto aumentara o seu prestígio ; r efere-o o Marquês da

Fronteira , a propósito do primeiro momento em que o conheceu, numa

das “noites de grande entu siasmo” no Teatro de S. Carlos, em 1820,

quando os “cantores não cessava m de cantar os di fer entes hymnos, e os

poeta s, nos longos intervalos, cantava m em ver so o heroico movimento”:

[…] estando na pla teia geral, vi por -se de pé sobre um dos bancos um

jovem, e legante pelas suas manei ras, d’uma physionomia sympha t ica e

to ilet te apurada, um pouco calvo, apesar da pouca edade, o qual, pedindo

si lencio aos que o rodeavam, disse: à Liberdade. E recitou uma bella ode

que foi estrepitosamente aplaudida, perguntando -se com curiosidade,

tanto nos camarotes, como na platei a , quem era o jovem poeta: foi elle

próprio quem sati sfez a curiosidade, dizendo chamar -se Garrett . Foi a

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229

primeira vez que os habitantes da capi tal ouviram a voz sonora do grande

poeta […]. Garrett teve nessa noi te uma bem merecida e espontânea

ovação, sendo levado, em braços, de roda do sa lão, por varias vezes

(Barreto 2003: 212) .

Catão foi composto e ensaiado em simultâneo, uma espécie de work

in progress, processo de trabalho que Garret t u tilizara em Coimbra e

voltará a fazê -lo para os a lunos do Conservatório Dramático, com D.

Filipa de Vilhena . Apesar de editado no ano seguinte, com prefá cio

elucidativo, Catão continuou no pensamento do seu autor, que

constantemente aper feiçoou “impropriedades na fábula ou enredo do

drama”, corrigiu e clarifi cou “inexacções de caracteres” (Garrett 1904: I ,

525) de forma metódica e pensada. Entr e a 1 ª (Lisboa, 1822) e 2 ª ed ição

(Londres, 1830) regista -se a maior variação textual, que se reduz a um

grau menor nas duas seguintes (3 ª ed., Lisboa, 1839; 4 ª ed., Lisboa,

1845). Não se tra ta apena s de variações estilí stica s, porque o grande

dilema que se coloca a Garrett reside na problemática da apologia do

suicídio de Catão como desfecho trágico à luz da moral v igente. A

situação temática vinha de trás e continu ou em obras fu turas, como já

referimos, acompanhando a evolução dos t empos.

O espectador não podia encarar o suicídio de Catão como u m ato

imoral, à luz do r epressor pensamento canónico católico, cujas lei s os

filósofos ilumini stas, à exceção de Rousseau313

, consideravam injustas. O

desfecho que Garrett propõe é de natureza metafí si ca , consequência

lógica do seu tempera mento e da sua existência . Todavia , para o público,

o a to carecia de explica ção. Talvez por isso, a cena III d o ato V tenha

tido quatro variações, tantas quantas as edições. O suicídio de Catão,

como em Addison, surge l egitimado pela lei tura do Fédon, que contém

três argumentos sobre a imortalidade da alma, “para se confortar com a

doutrina consoladora do philosopho pagão que mais se aproximou do

Christiani smo” (ato V , cena II; Garrett 1904: I , 579, nota A).

A comparação dos di ferentes prefácios é elucidativa. Em 1822,

Catão era modelo para revolucionários. Em 1830, com alguma desilusão

313

No Contrato Social , Rousseau considera o suicíd io um crime, porque ningué m te m

di reito de di spor da sua própria vida.

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políti ca , no exílio londrino, tornou -se modelo da “excelência da

liberdade constitucional ou monárquica” (Garrett 1904: I , 526). Em

1839, sente a obra produzida como “regeneração”, “como litteratura

nova”, que “transfunde” para a “verdade dramática, a verd ade e exacção

historica de que aquell’outra vive, isto é, de costumes e caracteres” ( id .,

ib id . : 524). Em 1845, Catão é “tam perfeito quanto a huma obra humana

é dado sêl -o”; “ lançou os fu ndamentos do theatro contemporâneo”, e

prova qu e as “ monstruosidades da chama da escola moderna não fazem

esquecer a arte verdadeira” ( id ., ib id . : 523). O tradiciona l exagero

garrettiano, como realça Crabée -Rocha, fazia com que “passa sse de

última peça jacobina a primeira peça nacional” (1954: 115).

Garrett via o mundo como um cavaleiro andante . Na sua “singela

juventude, sem conhecer os homens, [era] sincero”, l evado por “ardente

coração, paixões fogosa s, [e] a lma franca” (Garrett 1904: I , 42),

partilhando a solidariedade e as afinidades eletivas dos seus a migos de

Coimbra: Joaquim Larcher314

, Carlos Morato Roma315

, Neto, Matias

Carneiro Leão, José Frederico Pereira Marecos316

, José Maria Grande317

,

314

Es tudou Di rei to na Univers idade de Coimbra. Part ilhou com Garret t os ideai s

l iberai s , e t ambé m o exí lio a que foram obrigados . Em 1834, no âmbi to da Reforma

Geral dos Es tudos , Larcher e Garret t idealizam o Conservatório Ge ral da Arte

Dramát ica. À morte do ami go, Larcher f i cou como tu tor de sua f ilha Maria Adelaide,

então menor. 315

Foi um reputado economis ta, t endo pertencido à eli t e capitali st a de Lisboa. Em

1822, pertenceu à Sociedade P romotora da Indus t r i a Nacional ( Annaes da Sociedad e

Promotora d a Indust ria Nacional. Lisboa: Imprensa Nacional, p. II I) . Em 1833-36,

fo i di retor -geral da Contadoria do Tesouro Públ ico . Cf . P IN T O , Agos t inho Albano da

S ilvei ra (1841), A Crize Financeira d e 1841. A Commissão creada por decreto d e 22

d e Março do mesmo anno: Memor ias do sr. Deputado Roma. Foi deputado e um dos

fundadores do Gré mio Li terário , em 1846. Em 1855, mandou cons t ru i r a Vi ll a Roma,

em S int ra, localizada junto à Quinta da Regalei ra, e à Quinta da Cabeça ( cf . M A IA ,

Carlos Machado (1940), Memórias da Vi lla Roma, Lisboa). Sobre o seu cont r ibuto

para a exi stência de uma moeda única europeia, em 1861, cf . C A RD O SO , José Luís

(2004), “A P roposal for a ‘European Currency’ in 1861: The forgot ten cont ribut ion

of Carlos Morato Roma”, History o f Poli ti cal Economy, vol . 36 , nº 2 , Summer 2004, pp .273-293. 316

Natural de Santarém, cursou Di reito na Univers idade de Coimbra, a parti r de

1819. Foi professor de Retórica e Poét ica no Real Colégio Mi li t ar e Oficial da

Secretaria de Es tado dos Negócios do Reino. Foi administ rador da Impre nsa nacional

ent re 1838 e 1844, em subs ti tuição de José Liberato F rei re de Car valho. Foi

deputado às Cortes em 1842. Escreveu poes ia, que edi tou em Coimbra, em 1823, com

o t itu lo Poes ias d iversas . Prat icou jornali smo polí ti co , in iciando -se na Gazeta d e

L isboa, em 1827, e que retomou em 1834 . Colaborou també m no periódico Tempo

(1835) e na Gazeta oficial do governo (1834/ 1842). Em 1831 foi preso por

conspi ração cont ra o go verno de Do m Miguel . Sobre a vida des ta f igura ent re 1828 e

1834, cf . GO N Ç A LVE S , Andréa Lis ly (2013), “A luta de bras il ei ros cont ra o

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231

António Aloí sio Jervis de Atouguia318

e Luís Franci sco Midosi . Serão

eles os intérpretes das suas per sonagens de estreia em Lisboa, no círculo

ilustrado de curiosos dramáticos.

Ainda que a opinião de Gomes de Amorim não coincida com a

referência de Paulo Midosi júnior , no folhetim do Diário de Notícias,

não sentimos a d iscrepância apontada pelo biógrafo de Garrett . Catão

teve a seguinte distribuição: Almeida Garrett , Prólogo e Bruto; Joaquim

Larcher , Catão; Morato Roma , Mânlio; Neto, Pórcio; Carneiro Leão ,

Semprónio, e Pereira Marecos , Décio. Os restantes companheiros

poderão ter integrado o elenco da farsa que complementou a récita de

Catão , com Garrett no papel de Augusto, quedando sa ber se a

proficiência de José Maria Grande em papéis femininos lhe terá

destinado a jovem Carlota ou a caricata Carangueja …

mi guel i smo em Portugal (1828 – 1834): o caso do homem preto Luciano Augus to”,

Revis ta Bras il eira d e His tória , vol . 33 , nº 65, São Paulo

[h t tp :/ /dx .doi.org/10.1590/S0102 -018820130001000090] (consultado em

15/09/2014). 317

Es tudou Medicina na Univers idade de Coimbra, recebendo o grau de bacharel , em

1823. Foi aluno brilhante, sendo premiado em todos os anos. Em 1824, fo i nomeado médico do hospital mi l it ar de infantaria nº 8 , e vi s i t ador dos hospi tai s do Alent ejo ,

funções que cumpriu até 1828, quando se viu obrigado a emigrar para E spanha, por

mot i vos polí ti cos. Regressou a Portugal quando foi retomado o cons ti tucionali smo.

Em 1836, após a revolução de Setembro, vol tou a emigrar; vi s i tou a Inglaterra,

F rança e Bélgica, onde tomou o grau de Doutor na Univers idade de Lovaina. Foi

deputado por Portalegre, sua t erra natal, em várias l egi s laturas . Foi d i retor do

Jardim Botânico da Ajuda. Dedicou -se à organização do ensino agrícola, sendo

nomeado di retor do Ins t ituto Agrícola, em 1852. Em 1857, a Revista Contemporânea

publ icou a sua biografia. Da sua extensa b ibl iografia, conta -se a escrit a de poemas

reci t ados na mesma sessão em que Garret t part i cipou enquanto estudantes de

Coimbra, publ icadas na Collecção d e Poes ias r eci tadas na sala dos a tos da

Univers idad e, nas noites d e 21 e 22 d e novembro, em publica d emons tração d e

regozi jo pelo f el iz resultado do d ia 17. (Portugal – Dicionár io Histórico ,

Corográfico , Heráldico , Biográf ico, Bibliográf ico, Numismát ico e Ar tí st ico , vol . i i i,

pp .832-833). Foi um dos fundadores do Gré mio Li terário. Sobre a sua b iografia cf.

Conde, José Martins dos Santos (1998), José Maria Grand e: Figura nacional d o

L iberal ismo. Lisboa: Col ibri . Coleção: Es tudos de His tória Regional . 318

Natural do Funch al , descendente de importantes famí l ias madei renses . Após es tudos primários , foi estudar para Londres , no colégio de Old Hal l Green.

Bacharelou -se em Matemát ica na Univers idade de Coimbra, em 1822; te ve carrei ra

como engenhei ro mi l it ar , sendo professor da Academia Real de Marinha e da

Acade mia Mi l it ar . Partidário do liberali smo, seguiu Garret t no exíl io em In glaterra,

nas forças mi l i t ares nos Açores e no desembarque no Mindelo. Foi Gove rnador C ivi l

do Porto , em 1836. Em 1833, nos Açores , foi in iciado maçon, numa lo ja dominada

por part idários de Saldanha. Foi , por i s so , nomeado Minist ro da Marinha e Ul t ra mar,

em 1835, no go verno des te. Manteve at i vidade polí ti ca e docente. Foi ele vado a Par

do Reino e, em 1853, recebeu o tí tulo de vi sconde de Atouguia. P inhei ro Chagas

escre veu sobre ele na História d e Portugal , Popular e I lus trada, 10º vol . , Li sboa:

Empreza da His tória de Portugal , 1895.

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232

A segunda parte do espetáculo foi preenchida com a farsa polít ica O

Corcunda por Amor , escrita em colaboração com Paulo Midosi . Era

comum fazer suceder uma comédia a uma tragédia . Gomes de Amorim

questiona o grau de participação de Garrett , quer pela única menção feita

no primeiro prefácio à edição impressa (posteriormente omit ida), quer

pela qualidade de escrita , sem o “finí ssimo sal a teniense” de outras obras

(Amorim 1881-84: I , 229). A farsa foi, todavia , muito aplaudida. O

público t inha ainda a “ isca dos entremezes”, como diria Manuel de

Figueiredo, e encontrou graça nos “ditos mais desenxabidos e applaudiu

com grandes gargalhadas as situações que nada tinham de comicas, e a té

os equivocos de mau gosto” ( id , ib id . .: 230), a fazer l embrar o teatro de

Ricardo José Fortuna ou o de Manuel Rodrigues Maia (Braga 1903: 286).

Mas se Amorim não esteve presente , quem lhe poderá ter ditado a

apreciação, senão o próprio Garrett , num tempo em que o seu sentido

crítico estaria muito mais sofrido. Atribui -se à presença de “espectadores

constitucionaes” o sucesso da chalaça, que “zurzia sem piedade os

corcundas”: “não é necessário grande esforço para nos fazer rir

d’aquelles de quem não gostamos” (Amorim 1881 -84: I , 230). Amorim

entra em contradição quanto à competência crítica do ilustr e público:

louvado na receção à tragédia , apoucado face à comédia. Soa a

preconceito serôdio , para quem afirmara a “maleabilidade do t a lento” de

Garrett , participando “em quantos entr emezes ridículos lhe ofereciam

partes cómicas, do mesmo modo que aceitava os grandes papei s trágicos”

( id . , ib id . : I , 151). Na realidade, a récita no seu todo apresenta uma

unidade de espetáculo interessante: uma análise da natureza humana,

sublimada no grande ideal trágico, e no pequeno ideal grotesco; u ma

harmónica antinomia entr e tragédia e comédia. Não seria essa a rebeldia

de Ari stófanes, ao expor a caricatura dos seus concidadãos? Não será

esse o princípio do ridendo castigat mores?

O Corcunda por Amor representa uma espécie de comic relie f do

espetá culo, que oferecera o “clima temático -estilí sti co da acçã o trá gica”,

e agora criava o “reverso dessa atmosfera” (Monteiro 1971: I , 499),

a través de per sonagens r epresentantes do universo políti co coevo,

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expressando-se em linguagem coloquial, ao longo de tr ês cena s di stintas

– Rua, Escritório de Lapafúncio e Hospedari a Lacombe – , tr ês espaços

sociais – público, privado e semiprivado – que apelam ao burlesco de

atualidade:

Em est ilo de revista , num calão impossível , most rava a que se reduziam

as lutas pol íticas: umas rivalidades de partidos, onde cada qual t inha a

sua alcunha, e onde a consciência cívica se limitava a ostentar emblemas

(Crabée-Rocha 1954a: 184).

Um ca sal de “corcundas”319

, o Dr. Lapafúncio e D. Carangueja são

logrados por doi s jovens liberais r ecém-saídos da Universidade, numa

clownerie , em que os esperto s tiram partido da estupidez alheia , nu m

regi sto deliberadamente bufo, que põe a nu “o desajuste entre as

sublimes palavras dos regeneradores e a mesquinha trivialida de que, no

plano r eal, as acompanharia por vezes” (Monteiro 1971: I, 499). O

bacharel Eleu tério , pa ssando por corcunda, pretende estar junto da amada

Carlota , sem que o pai dela , e seu patrão, se aperceba; o amigo e

condiscípulo Augusto será o pretenso criado. Quando Lapafúncio decide

casar a filha com o Dr. Pancrácio, a liberal Carlota admite ser raptada

pelos académicos, para coagir os pais a aceitar em o seu casamento.

Lapafúncio é um paladino da ortodoxia religiosa e política , que a

regeneração pretendia mudar. Demonstra revolta por possíveis

entendimentos amigávei s com liberais. Para evitar a contaminação do

ambiente familiar por novidades do exterior, proíbe a entrada de jornai s.

Em conver sa com Eleutério (cena X) , defende que a liberdade só trará

anarquia e, menos mal, que a Gazeta Universal da Europa veiculava

notícias de uma contrarrevolução ao movimento r egenerador, que o

procurador Barrigudo (cena X I) confirma, ampliando o seu teor

rocambolesco. Para sobreviver, Eleutério não pode deixar de aquiescer

com os desvairos dos letrados.

D. Carangueja ret ra ta a burlesca matrona burguesa, ignorante e

beata , cujo analfabeti smo deturpa a linguagem popular que fala . Suspira

por um confessor que lhe dirija a consciência e lhe dite a ação. Os

319

Ápodo dos absolut is t as . Os liberai s eram apel idados de “malhados”.

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trocadilhos que surgem da má interpretação , por desconhecimento ou por

engano, provocam hilariedade; Carlota é apanhada lendo um periódico de

cena, o Lastro da Lusitana , e uma “ódia” ao 24 de Agosto, pu blicada em

outro adereço cénico, o Português Refregerado (Garrett 1904: I , 618)320

.

Como resguardo, a jovem lerá apenas o que constar da muito expurgada

biblioteca da casa: Gazeta , Navalha de Fígaro, Atalaia contra Pedreiros

Livres, Segredo Revelado, Sebastianistas e as obra s de Melgaço ; a lusão

direta à Gazeta Universal e a José Agostinho de Macedo321

, parodiando

os títu los.

Lapafúncio e Carangueja não retratam um himeneu modelo;

discordam em quase tudo, exceto no enla ce de Carlota com Pancrácio,

num ajuste contra os princípios vinti stas, poi s o candidato odeia a

“jacobinice” e a “pedreirada”. A “liberalíssima” Carlota , que é “bela ,

esbelta e galante”, segundo Eleutério, “quente”, segundo sua mãe, e

travessa, viva e coquete, segundo a própria (Monteiro 1971: I , 504),

mostra-se mais inter essada pelo “novo amante”, “coi sa de Coimbra” ,

estudante a trevido de quem “todas gostam” ( cena VI; Garrett 1904: I ,

619).

Eleutério e Augusto não são enamorados romanescos, de sentimento

e suspiro, ma s a caricatura do académico coimbrão chegado à capita l,

deslumbrado com “moça s, touros, teatros, Marr are, súcia e mais súcia”

(cena V ; id ., ib id . : 618). Garrett retra ta a boémia “cínica” dos ca fés e

bilhares do Chiado lisboeta , e do Quebracosta s conimbricense, “onde,

com o charuto na bocca e o ponche ou a philippina na mão, se discute de

sonetos, decima s, ode pindáricas e dithyra mbos, […] únicos géneros hoje

admitidos pela legitima, pura e orthodoxa poesia lusitana, fu lminando

terrivel anathema contra toda e qualquer herét ica nequícia di screpante”

(Garrett 1904: I , 43).

320

Os periódicos referidos são o Astro d a Lusi tania e o Portuguez Const itucional

Regenerado . A Ode ao 24 de Agos to sugere i rónica autorreferência garrett i ana. 321

E m 1810, publ icou Sebas t iani stas , at acando os liberai s , pela “Setembrizada”, e,

em 1816, inves t iu cont ra a maçonaria, e m Refutação dos princípios metaf í si cos, e

moraes dos ped rei ros l i vres iluminad os (Montei ro 1971: I,504,nota 225).

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O que Eleutério sente por Carlota não difere muito de um Almaviva

de Beaumarchais . A galante menina, o “peixarrão”, “há -de ser o qu e der

o jogo” (cena v; id ., ib id . : I , 618), não pe la “honra e casamento”, que

“embirra”, mas porque morre de amores pela pequena ( id . , ib id . : I , 619).

Augusto serve o namoro de Eleutério, como Fígaro serviu o conde,

“alcovitantibus nobis”. Não lhe agrada, todavia , que Ca rlota seja

“ liberalíssima”; o bom s enso dita melhor fu turo na fortuna que na

crença: “mulher liberal faz o marido corcunda” ( ib id . : ib id .) . Eis a

imagem do oportunismo de jovens liberais, aproveitadores das liberdades

oferecida s, mais do que cultivadores do ideal professo de altru ísmo

socia l. A farsa não consente Eleutério e Augusto como figuras

donjuanescas, condena -os ao univer so t iterit eiro de ca sanova s de

pacotilha, mobili zados pela leviandade sensual e pela cupidez. Num

irónico diálogo contrapontí sti co ( cena VII) , Garrett põe a nu o seu móbil

sentimental:

Eleutério (ajoelhando ) – Bela Carlota , as tuas graças…

Augusto (à parte arremedando ) – O teu dinhei ro…

Eleutério – A tua divina beleza…

Augusto – A tua celest ial riqueza…

Eleutério – Just i ficam…

Augusto – Espani ficam…

Eleutério – O meu at revimento…

Augusto – O meu descaramento…

Eleutério – E a avidez…

Augusto – O desejo…322

Eleutério – De gozar dos teus encantos…

Augusto – De sangrar a burrinha do senhor seu pai .

(Garre tt 1904: I, 620)

Espécie de arroseur arrosé, o desfecho da comédia tr ará a a lmejada

fel icidade burguesa: contrate -se, que o amor virá depois. O clima de

suspeição, fru to da tramoia organizada, nã o augura um futuro promissor

ao casal Eleutério e Carlota . Por mais protestos de amor e boa s

intenções, o amor foi conquistado por artimanha, como cavalo de Troia .

322

Es tas duas répl icas parecem cont radizer a lógica de Garret t na ut il i zação adequada

da l inguagem ao contexto . A Eleutério e suas boas falas parece não caber o uso do

voc ábulo “avidez”, mais consonante com a lógica d i scursiva de Augus to, em

contínuo desmascare mento do parcei ro . Todavia, parece que a graç a res ide no

des li ze do amante, que se entusiasma com o seu próprio di scurso , sendo corrigido

por Augus to.

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Se um liberal pode tornar -se corcunda por a mor , também um “ corcunda”

como Lapafúncio pode converter -se à causa constitucional, por

conveniência . A moral que se e xtrai é de um cinismo cáustico. Os Catões

idealizados, figura s da grande “ópera” revolucionária , não cor respondem

aos Eleutérios de far sa; o a ltru ísmo daqueles t em o seu reverso no

oportuni smo destes. Uma moral polí tica que funciona como os quadros

solventes, esse divertimento de feira tão apreciado pelo pú blico, qu e

dependem do ponto de vi sta do observador323

.

A noite de 29 de setembro de 1821 foi a Walpurgisnacht de Garrett ;

demonstrou a possibilida de de conciliar dialeticamente, “o legado

clássico, filológico e escolásti co”, com o espírito romântico, e a

descoberta das “contradições que vi sam inteligir o instável , o

sentimental e o paradoxal” (Marinho 1998: 535). Durante este mês

iniciou a escrita do dra ma Os Árabes ou O crime virtuoso , a 8 de

setembro, segundo regi sta o argumento autógrafo das duas únicas cena s

composta s do primeiro ato (ms.27). Pretenderia Garrett abordar uma

intriga pa ssional, possivelmente patéti ca , com lances de grande

emotividade, de caracter exótico, ao gosto melodramático de então, sem

qualquer conexão com uma temática de atualidade? (Monteiro 1971: I ,

460) Sabendo como é rápido na escrita dra má tica, porque a associa à

função t eatral, a quem se destinaria este exercício de escrita? Ter -se-ia

Josino Duriense sentido desa fiado a tra tar uma temática oriental ista , de

forma popular, escapando à influência do Mahomet, de Voltaire?324

Na

realidade, Catão marca o fim do ciclo académico e o princípio da uma

produção para as sociedades de a madores dramáticos; ta l como O

Corcunda por Amor , que sinaliza a exposição de uma faceta cómica de

Garrett , confinada à esfera semiprivada de um teatro público , para um

auditório restrito. Teremos de esperar pelo seu regresso do último exílio

para que volte à escrita dramática, tanto para os palcos pa rticula res,

323

Rafael Bordalo P inhei ro servi r -se-á do mes mo efei to parodíst i co dos quadros

solventes , na caricatura pol ít i ca da segunda metade de Oitocentos . 324

Sobre a t radução desta obra em finai s de Setecentos cf . C A MÕ ES , José; P IN T O ,

Isabel (2012), “As t raduções de Le Fanati sme ou Mah omet l e Prophète na cena e na

página: um caso de vol tai romania nas ú l timas décadas do século XVIII”,

eHumanista , Jornal of Iber ian Studies , vol .22 , pp .211 -236.

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como para os públicos, no intu ito de criar um teatro nacional. De uns e

outros fa laremos a seu tempo.

Todavia , já anteriormente Garrett havia experimentado a escrita

dramática para a esfera privada do teatro de sala . Da sua produção

juvenil, em tom de comédia, sobreviveu La lezione agli amanti , uma

pretensa “ópera bu fa da representarsi nel R. Theatro di.. .” , cujo títu lo

parece parodiar o estilo dos fo lhetos impressos, qual “drama giocoso da

rappresentarsi nel Regio Teatro de S. Carlo”, de Marcos Portugal . Gomes

de Amorim sugere que este “puro gracejo” (Amorim 1881 -84: I , 152),

teria sido composto em finais de 1819 ou no início do ano seguinte,

embora o autógrafo garrettiano (ms.39) aponte a data de 3 de agosto de

1820. Para Garrett tra tava-se de uma “brincadeira , parto da ociosidade e

do bom hu mor”, feita a pedido de um amigo, “para os anos da sua

amada” (Lima 1948: 10), possivelmente o próprio protagonista do

enredo, o Manuel enamorado da Maria Joana.

Este divertimento ornado de árias indic ia a exi stência , no Porto, de

atividade dramática em teatros particu lares, que Garrett frequentaria , e

do seu modo de funcionamento325

. Ainda que a indicação cenográfica da

primeira cena seja deixada ao critério de exi stência de u ma “vista”

adequada – “a scena é onde for possível” – , na mutação para a segunda

cena exige-se que a ação se desenrole em “sala régia em ca sa de Maria

Joana”, revelando um empola mento parodí stico da u tilização tipificada

de cenografia326

.

Indi scutível é também a autorreferência de Garrett , no papel de

“este vosso servidor”, do “eu” especialista em lances amorosos, capaz de

dar uma aula ao domicí lio. Era tempo “de amante” que via “de mil bellas

adornar-se o mundo”, e, sobre todas, uma Annalia , um d esvairo sofr edor,

325

Sobre t eat ros parti culares cf. o art igo “Casas part i culares do século XIX

convert idas em teat ros”, Jornal d e Not ícias, 22.08.2004.

[h t tp :/ /www.jn .p t /paginainicial /interior.aspx?content_id=456689&page=10]

(consul tado em 31/08/2014). 326

Sousa Bastos , na Carteira do Ar ti sta e no Dicionário do Teatro Português , no

catálogo dos t eat ros exis tentes em Portugal , faz referência às d i ferentes vi s tas que

os t eat ros possuíam, cons ti tu indo uma mais -val ia, t anto para as réci t as dos amadores

locais , como das companhias i tinerantes de menores recursos. Os t elões

cenográficos , como os adereços , cons ti tuíam pat r imónio do teat ro , cuja cedência se

encont rava inscrit a no preço do aluguer.

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onde viu “enca ntos de amor e os philtros d’elle” , revelados na s

Consolações a hum namorado (Garrett 1904: I , 77)327

. La lezione tem,

por i sso, a graça “brejeira e verbosa de um moço cheio da seiva dos

verdes anos, à mistura com árias de ópera e amostra s poliglotas (Crabée -

Rocha 1954: 72) e a citação da mesma Annalia .

A epígra fe de Nicolau Tolentino de Almeida introduz o t ema da

anedota que se pretende contar. Tendo sido pedido a Garrett uma Ode, ta l

como a Nicolau se pedira uma Glosa, este respondera por carta , e aquele

de viva voz, ambos em ver so. Transforma -se entã o a “burleta”

garrettiana em glosa do mote tolentiniano, r ecriando o esti lo satír ico do

árcade:

Menino, dizer finezas,

Só o próprio P retendente;

Amor não pode pintar -se

Só pinta quem o sente;

Se adora alguma Nerina ,

Se é para ela a tal Glosa,

Que vão fazer os meus Versos

Onde está sua prosa?

(Almeida 1801: II, 107; subl inhado nosso)328.

Por muito que Manuel t ente, não lhe assi st e o ta lento, e, para

desespero do poeta Garrett , a enamorada Maria Joana, que irrompe

arremedando uma cantata alla Dido, não consegue deixar de sofrer o

tédio da declamação do desajeita do namorado. Conclui este, que as “suas

prosas” suprirão a tradicional ver salhada amorosa, porque o verdadeiro

amor é aquele que se expressa em palavras ditada s pelo coraçã o:

Amor não falla

Senão em prosa;

Nada de glosa ,

Sr. Manoel.

E vós, rapases,

Que namoraes,

327

São várias as referências de Garret t àquela dama que inocentemente o t erá fei to

cai r do ca valo (Amori m 1881 -84: I, 247): em Retrato d e Vénus , canto IV ( Garret t

1904: I, 13); Lyr ica de João Mínimo, Lv. I, X II I “ A Annal ia” ( id . , ibid .: I, 64);

Lyrica , Lv. II, IX “Consolações a um Na morado” ( id . , ibid .: I, 77); Lyrica , Soneto

V II I ( id . , ibid . : I, 123). 328

Correspondente à epígrafe de Garret t .

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D’asnei ras taes

Ti rae lição:

Co’as vossas bellas

Sempre falar

O que dictar

O coração.

(Garre tt 1984a: 495)

“Mais coração do que cabeça…”

Terminados os estudos universitários em Coimbra, dedicou-se à

diplomacia por não ter idade legal para exercer a magistra tura . No início

de 1821, o prelo conimbricense de Jacques Orcel edi tou O Retrato de

Vénus, “um arrebato de enthusiasmo pela grandiosa arte da pintura”

(Garrett apud Amorim 1881-84: I , 234), que Garrett compu sera no ano

anterior , no Porto. Segundo a cronologia de Amor im, a escri ta da obra

situar-se-ia entr e La lezione agli amanti e Mérope. Apoiado pelos seus

pares académicos, censurado pelo espírito conservador de José

Agostinho de Ma cedo, o assunto fez corr er tinta na Gazeta Universal e

chegou à barra dos tr ibunais, colocando em c ausa, acima de tudo, o

direito à liberdade de expressão. A r e sposta às críti cas surgiu no

Portuguez Constitucional Regenerado (nº35, suplemento, 13/02/1822),

dirigido por Pato Moniz, em artigo intitu l ado “Declaração que faz J . B.

da Silva Leitão de Almeida Garrett sobre a sua obra – O Retrato de

Vénus – e censuras a ella feitas” . A conclusão foi arrebatada, como o seu

temperamento, com “mais coração do que cabeça”:

Não respondo às tuas invectivas, com que pretendes ridicularizar -me, não

tenho presunção de literato. […] Chama -me mação: chama -me o que

quiseres; abaixa -te a jogar chalaça da mais vil tarimba de soldado, ou

cozinha de f rade ; eu t’o perdoo. […] No que é calumnioso cont ra a minha

moral , no que argue os meus deveres de homem e de cidadão portuguez,

n’isso, e só n’i sso, versará por ora a minha resposta e just i ficação

(Garre tt apud Amorim 1884: I, 242).

Por esta mesma altura , Garrett e Luís Midosi iniciavam a publicação

de O Toucador, periódico sem política , dedicado às senhoras

portuguezas , versando assuntos do interesse geral: “moda s, namoro,

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bailes, teatro, jogo, pa sseios e variedades”329

. Dava início à sua faceta de

periodi sta e de pedagogo do belo sexo, inspirado pela sua Delia , o u

Júlia , que “parecendo duas pessoa s di stinctas, não eram mais do que uma

só Luísa verdadeira” (Amorim 1881 -84: I , 248):

me iuvet in gremio doctae legisse puellae ,

auribus et puris scripta probasse mea.

[apraz-me que no colo de uma douta jovem a quem pudesse ler meus

escritos o seu gosto puro me acei tasse]

(P ropert ius, Elegia, II, apud Garret t 1904: I, 23, nota ; t radução nossa)

A empresa do Toucador , à míngua de assinantes e sem grande

venda avulsa , termina ao cabo de dois meses e sete nú meros; os

redatores “venderam o fundo da empresa, e foram ga star o dinheiro

para Sintra”, denuncia Amorim (188 1-84: I , 251). Apesar da

inexperiência periodística , a obra constitu i -se como um “caderno de

apontamentos para escritos posteriores” (Fialho 1999: 109), deliciando

com a subtil ironia caracterí stica de Garrett , ao mesmo tempo que, a

par de outras colaborações jornalísti cas, se r evela como u m “ primeiro

estádio de escrita mais apurada em livro” (Rodrigues 1999: 96). Na

secção de teatro, em jeito de folhetim, ilustra o l eitor sobre a história

do teatro univer sal, ta l como demon stra já o apreço pelo teatro

vicentino e a grande devoção que sempre t erá pela arte de

Melpómene330

.

A estada primaveril em Sintra , entre passeios e a tividades ao ar

livre, inspira o Impromptu de S intra331, uma pequena comédia em

ver so, para “curiosos de theatro”, representada a 8 de abril (Amorim

1881-84: I , 252). Outra obra de circunstância , que apresenta

característi cas dramáticas inter essantes: primeiro, o r evelador aspeto

site specific , e, segundo, o de improviso metateatral, cujo todo compõe

329

Cf . F IA LHO , Irene (1999), “O Toucador de Garret t ”, Camões . Revi sta de Let ras e

Cul turas Lusófonas , n º 4 (Janei ro -Março 1999), pp .107 -109. 330

O folhetim “ Theat ro” f i cará incompleto devido ao f im do Toucad or . Regis tam-se

todavia: Nº I (fe verei ro , 1822), pp .8 -9; nº III ( id . ) , pp .11-13; nº V (março, 1822),

pp .10-13; nº VI ( id . ) , pp .11-13; nº VII ( id . ) , pp.6 -8. 331

Te ve publ icação em: 1898, Li sboa: Guimarães , Libânio , coleção Cul to Garreteano

1 , pp. 5 -13; 1899, Jornal Saloio , nº 59 (04.02.1899); 1899, Flores Garret tianas :

Ho menage m da Ave Azul ao primei ro Centenário do Nascimento do Visconde de

Al meida Garret t ; 1904, Li sboa: Empresa da His tória de Portugal , Theatro, vol . 2º

(10º Obras Completas ) (Garret t 1904: I, LV II- LV II I ) .

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a unidade de sentido do espetáculo – uma noite de teatro de sala , por

um grupo de curiosos dramáticos332

.

Formalmente, Garrett cria uma situação de mise-en-abyme

narrativa, em que o Impromptu serve como “indução” do Corcunda por

amor . Não se tra tando de uma novidade de escrita em si mesma – Gil

Vicente u tilizara o processo no Auto da Lusitânia e Shakespeare e m

The Taming of the Shrew – , este quadro di letante contém em si a

singularidade de referenciar o local , os participantes e as suas

motivações, à maneira do molieresco Impromptu de Versailles , de

onde poderá ter surgido uma ideia titu lar.

A quinta da Cabeça333

, “ longe do fasto e do tumulto/ no regaço da

simples natureza” (Garrett 1984a: 229), propicia o breve monólogo

byroniano sobre as beleza s naturais, com que o próprio Garrett

preambula o diálogo . Na “ditosa habitação”, a “mais fagueira

sociedade amena” proporciona o “prazer na Terra” ( ib id .: ib id .) ,

sobretudo, quando é “por fim chegada a noit e, únicas horas qu e

aborrece em Sintra” ( id . , ib id . : 230), sem a boémia urbana para ocupar

o tempo, como contestará o amigo Silva: “agora ficaremos todos/

muito frescos a olhar uns para os outros” ( ib id .: ib id .) .

O diálogo flu i coloquial, irónico, íntimo, conivente,

autorreferenciando a própria paixão r ecente de Garrett por Luísa

Cândida:

Silva Tu com essa cabeça de novela.

Sent imental , romântico, pateta,

E… olha que digo o mais… Queres?

Garre tt Pois diz .

Silva Enamorado.

Garre tt Essa é boa! Eu enamorado!

Silva Sim, senhor, enamorado: pois que cuidas?

332

Teófi lo Braga (1903: 279) sugere t ratar -se de um “picnic mons t ro”, organizado

por Luísa Cândida Midos i, “à manei ra da Função de burrinhos do Tolent ino”, em que

seu primo Luís F rancisco e seu pai José Midos i t eri am part i cipado como atores ,

fazendo de ingénua e de gracioso, respetiva mente. Desconhece -se a fonte onde terá

colhido a informação, porém não terá sido da l ei tura da obra, que não apresenta

qualquer das personagens mencionadas . 333

Es ta quinta fi cava cont ígua à de Monserrate. Em 1870, quando D. Luís elevou

F rancis Cook a Visconde de Monserrate, este ampl iou o seu domínio, comprando as

quintas em redor, ent re elas a d a Cabeça.

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242

Esses teus sonhos em que andas sempre,

O tom sentimental dos teus d iscursos,

E o mais que eu calo agora .

(Cena I I ; Garrett 1984a: 230-31)

A entrada dos r estantes a migos anima a cavaqueira , sugere -se a

representação de uma farsa , inevitavelmente O Corcunda por a mor (é

para isso que ali estão!) , conhecido por todos . Apesar das r eticências

teatrais do “actante” Garrett , as “partes” distribuem -se, não sem algum

conflito, e os a tores seguem para o ensaio. O derradeiro monólogo de

Garrett emoldura o improviso teatral. Se inicialmente fa lara do aspeto

solar que fazia irradiar da Natureza “o ri sonho espectáculo dos campos”,

fecha agora o ciclo diurno “que o véu da noite esca ssa envolve em treva”

com a declaração da amizade que une o grupo no jogo t eatral :

[…] Com franqueza, segurança e gosto,

Eu pelos sócios meus, por mim, por todos,

Em nome da suavíssima amizade,

Da amizade aos prazeres convido.

Ela só , nada mais, preside, e enfeita

Nossos brincos singelos. Só com ela,

Sem talentos, sem arte, sem prestígios,

À mal composta cena hoje subimos.

(Cena I I I ; Garrett 1984a: 237)

O Impromptu é obra de um momento de inspiração de quem

aprendeu a “gramática de palco” e sabe aproveitar o ta lento de cada

“sócio” para constru ir a unidade de interesse na cena. Garrett captou a

fugacidade de um ensejo de sociabilidade, e criou o retrato a rtístico do

efêmero. Nem a transição do intr ói to para a obra escapou à sagacidade de

diretor de cena, na criação de um entr eato musi cal como lazzo cénico;

enquanto se prepara a representação, aproveita -se o a migo Schiopetta ,

para “com as suas modinhas engraçadas/ de fino gosto e doce melodia/

[…] ir entretendo a companhia” (C ena I II; Garrett 1984a: 238).

Dos elementos que constituem esta sociedade de curiosos

dramáticos e da sua distribuição na far sa identi fi ca -se, como Doutor

Lapafúncio, o próprio Garrett; D. Carangueja , Madeira: Carlota , Sá

Viana; Eleutério, Folque; Augusto, Silva; e Barrigudo, Virgolino . O

autor, que no ano anterior interpretara Augusto, cede o papel com “todo

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243

o gosto” ao seu “superior” Silva ( Garrett 1984a : 234). Este pequeno

apontamento, que passaria desapercebido por desconhecimento da

identidade do interlocutor, merece que se proceda ao rol das

per sonalidades intervenientes que nos elucidem sobre a tertú lia de

Garrett , para a lém dos Midosi : José da Silva334

, Carlos Sá Viana335

,

António Peregrino Madeira336

, Carlos Pereira de Melo Virgolino337

, Diogo

de Sousa Folque338

e Domingos Schiopetta (a liás Eschiopetta ,

334

Poderá t ratar -se do juri sta José Si lva Car valho (1782 – 1856), um dos obrei ros da Revolução de 1820, eleito membro de Junta P rovis ional preparatória das Cortes e

que fez parte da Regência do Reino até à chegada de D. João VI, e m Julho de 1821,

t endo passado a geri r a pasta dos Negócios Eclesiás ti cos e da Just i ça. Nesse ano, fo i

Venerá vel da lo ja maçónica 15 de Outubro , chegando a Grão -Mest re do Grande

Oriente Lusi tano, no ano seguinte (Ventura 2013: 125). Em Junho desse ano, S ilva

Carvalho mandou Garret t aos Açores numa missão de d ip lomacia const itucional, para

t entar fazer aderi r os açorianos à nova ideologia, provocando o decl ínio do

go vernador Garção S tockler (Rait t 1983: 6) . Em 1822, Garret t chegou a secretário

part i cular do mini st ro Si lva C ar valho. Sendo ambos maçónicos , presume -se a

existência de uma expressão de l ealdade ao “seu superior” na cedência do papel

( i ronia privada ent re maçons?). 335

Trata-se pro va vel mente de Carlos Russell de Sá Viana, f ilho do negociante Bento

Romão Rodrigues de Sá Viana, que cont ribuiu para o donat ivo des tinado ao exérci to

português durante a invasão francesa do general Massena ( Gazeta d e Li sboa, nº204,

25/08/1810: [4]) . 336

António Peregrino Madei ra foi so ldado do Regimento de Infantaria, dos

Voluntários Reais do Comércio , sendo promovido a Al feres da 6 ª companhia do Batalhão de Caçadores de Lisboa Ocidental , por Portaria de 16 de Abri l de 1821

(Diário d o Governo, nº121, 23/05/1821, p .3). Em a gos to de 1822, foi d i spensado

para ser empregado no Banco de Lisboa. Em 7 de julho de 1827, casou -se com

Emí l ia de Sousa Folque, meia -i rmã de Diogo Sousa Folque e F il ipe Sousa Folque.

Com o re gresso da regeneração, al i s tou -se no 2º Batalhão Móvel , cujo comandante

propôs a sua promoção a Tenente. Viu -se envolvido e m quezí l i a mi l i t ar , que

t erminou a seu favor por ordem real (PT/AHM/DIV/3/Cxs .30; 1734). 337

Carlos Lei te Perei ra de Melo Vi rgolino descendia, por via paterna, de f idalgos da

Casa Real , que exerceram funções de Escrivães da Corte e de Guarda -Joias , desde D.

João V a D. M aria I. Natural de Ta vi ra, frequentou como pens ioni sta o Colégio

Mil it ar , ent re 1812 e 1817, ano em que, como Al feres , ingressou na repart i ção de

topografia do Quartel Mes t re General de Lisboa, onde se mante ve até 1 820, quando

fo i t ransferido para o Batalh ão de Caçadores , nº5 . Em outubro desse ano, pediu

l i cença para frequentar Estudos na Academia da Marinha. Em deze mbro de 1822, fo i

promo vido a Tenente, do Regimento de Caçadores nº4 , para cumpri r comissão de

serviço junto do Coronel Governador de Cabo Verd e. Em 1831, fo i cons iderado

desertor, t endo emigrado para o Maranhão, em oposição aos absolut is t as . Em 1839,

fo i - lhe passado atestado de boa conduta mi l it ar e públ ica pelo ju iz de Cabo Verde. Te ve ainda carrei ra mi li t ar nos Açores e em Moçambique. Faleceu a bordo do brigue

Escuna Bri lhante, em 1840, a caminho da Índia (PT/AHM/DIV/3/Cx.1310). 338

Diogo Sousa Folque era fi lho de Pedro Folque, e i rmão de Fi lipe Folque (1799 –

1856). Natural de Lisboa, frequentou o Colégio de Educação (futuro Colégio

Mil it ar) , ent re 1808 e 1816, t endo ingressado no Exército , no ano seguinte, como

al feres . Foi um dos líderes maçónicos do Grande Oriente Lus itano, na Re volução do

Porto . Em 1821, foi promo vido a Tenente, sendo empregado na 3ª Repart i ção da 1ª

Di reção do Ministério da Guerra, ao mesmo te mpo que cont inuava às ordens do

Brigadei ro Comandante da Força Armada de Lisboa, Setúbal e Cascai s, Bernardo de

Cast ro e Sepúlveda, um dos herói s da Revol ta do Porto , no ano anterior . Em 1828,

suspendeu os serviços na Secretaria de Es tad o dos Negócios da Guerra, para

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244

Esquioppeta)339

. O grupo de amigos é constitu ído por elementos

militares, maçónicos, amadores de teatro e de música, que part ilham com

Garrett os ideais vinti stas. Silva Carvalho e Diogo Folque tinham estado

diretamente implicados na revolta do Porto e o próprio Domingos

Schiopetta , arquiteto efemerista , pin tor, l i tógrafo, maquinista de teatro e

músico amador, estivera ligado ao movimen to revolucionário na

construção de arquitetura efêmera, celebrando quer a vitória sobre os

franceses, em 1808, constru indo tramoias no Castelo de S . Jorge, quer a

entrada da Junta Provisória em Lisboa, a 15 de setembro de 1820,

constru indo Arcos Triunfais. Schiopetta partilharia nos anos seguintes

uma amizade com Joaquim Pedro Quintela , fu turo Conde de Farrobo,

para quem trabalharia na produção cenográfica do T eatro das

Laranjeiras, nele participando inclusive na qualidade de músico cantor

(Araújo 2006: passim) . O Impromptu de S intra ganha, por isso,

contornos de um esquisso de costu mes românticos, representando um

retrato pitoresco r ealista , espécie de gravura literária hogarthia na sobre a

natureza social.

Sintra era o Éden natural, procurado por viajantes estrangei ros e

nacionais, que despertava a imaginação artística dos amadores do belo

frequentar o 2º ano da Academia de Forti f i cação. Colocado no Regi mento de

Cavalaria de Lisboa, em 1829, chegou a Capi tão, em 1832, e confi rmado por D.

Miguel , no ano seguinte. O tempo em que ser viu o exérci to da Usurpação fo i -lhe

descontado, como aos out ros mi l it ares , quando regressou o cons ti tucionali smo.

Colocado no Algar ve, e m 1838, esteve l igado à pri são do chefe guerri lhei ro

Remexido. Foi por duas vezes Go vernador mi l i t ar de Tavi ra. Foi condecorado com o

Hábi to da Ordem d e Cri s to, com o grau de Ca valei ro da Ordem de Torre e Espada

(1838) e de Comendador da Ordem de S . Bento de Avis (1852), enquanto Tenente -

Coronel j á reformado (PT/AHM/DIV/3/Cx.745). 339

Sobre o arqui teto , p intor, li tógrafo e maquinis ta de t eat ro Domingos Ant ónio

Schiopet ta, cf . ARA Ú J O , Agostinho Reis Marques de (2002), “Artes várias , duros

t empos . Notas para o es tudo de uma fa mí l ia í t alo -portuguesa (ca.1788 -1838), Revis ta

da Faculdad e d e Let ras – C iências e Técnicas d o Património, I série, vol . 1 , Porto: FLUP , pp.153-169; id . (2007), “Algumas ideias de arte do p in tor Domingos

Schiopet ta”, Art is tas e art íf i ces : e a sua mobil idad e no mundo de expressão

portuguesa. Porto: Univers idade do Porto . Faculdade de Let ras . Departamento de

C iências e Técnicas do Pat r imónio , pp .21-29; M AC HA D O , Cyril lo Volkma r (1922),

Col lecção d e Memórias, relat i vas ás vid as dos Pintores , e Escultores , Archi tectos, e

Gravadores Por tuguezes , E dos Est rangeiros , que es ti veram em Por tugal ,

recolhidas , e ord enadas por (…), Pintor ao Serviço d e S. Mages tad e o Senhor D.

João VI. Coimbra: Imprensa da Univers idade, 2 ª edição, p .182 [1 ª ed . 1823]; sobre a

sua faceta musical , cf . M O RA IS , Manuel (2000), Modinhas , lunduns e cançonetas.

Com acompanhamento d e Viola e Gui tarra Inglesa (Séculos XVIII e XIX) . Prefácio

de Rui Viei ra Nery. Li sboa: IN -CM, pp.151 -177.

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natural, e motiv ou o ambiente de escrita de Os namorados extravagantes ,

representado pelos mesmos a madores (Amorim 1881: I , 252), a 22 de

maio desse ano, em outra das r euniões elegantes a que se entregou o

grupo de Garrett . O drama em dois a tos, que se desenrola num “antigo

castelo nos desertos da Boémia e seus arredores” (Garrett 1984d: 271),

constitu i uma paródia aos dramas românticos que começavam a divulgar -

se em Portugal, e “ao desengano romântico” inacei tável por “ tão

exuberantes cultores da camaradagem galhofeira” (Monteiro 1971: I ,

214).

Garrett , que acredita na mimese e na conceção orgânica de unidade,

e cuja ideologia sociopolíti ca , desde a ética à estéti ca , salienta o culto da

natureza, condena “na caricatura de Júlio” o “desregramento passional,

da volúpia do sofrimento e da fuga à sociabilidade” ( id . , ib id . : I , 267), e

recusa que “a fantasia se sobreponha à imitação verosímil da natureza, a

afectação ou o paroxi smo ao decoroso equil íbrio, e a desconexão

aparente à interdependência de todos os elementos signi fi cativos” ( id .,

ib id . : I , 389).

No primeiro ato, o diálogo entre Júlio e Wenceslau expõe os

antecedentes que deci fram a situação em que se encontram:

Wenceslau

O senhor tem lá umas avenças de namoro com uma exquisití ssima ( sic)

[340] menina; e sem mais forma de processo, vende quanto tinha, reduz

tudo a boa moeda corrente, eclipsa -se da capital , e a mim, que nunca tive

out ro defeito, senão ser amigo demais deste senhor, arrasta -me a segui -

lo, caio na argola , e pespegamo-nos aqui assim num castelo velho destes

desertos da Boémia. Arranja mais sócios para a maldita patuscada, e toca

a gi rar pelos bosques noute , e dia, e agarrar quanto pobre d iabo passa por

esses caminhos, e a metê -lo de gonilha nas torres do caste lo, ou a obriga -

lo a professar na cavaleria ( sic ) andante de que o senhor é inst ituidor

para maior honra e glória da tal menina dos olhos belos.

(Ato I, cena I; Garret t 1984: 274)

Júlio, génio sombrio e extravagante, perdera -se de amores pela

jovem e bela Lucinda, filha de um simples comerciante. Ju lgando -se

tra ído por ela e pelos amigos, passa a odiar a espécie humana, sobretudo

as mulheres . Decide autoexilar -se do convívio social e refugia -se 340

Leia-se requintada. Do francês exquis ; inglês , exquis it ; espanhol , esquisito .

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naquele castelo, acompan hado de alguns fi éi s seguidores apenas, e de

Wenceslau . Esta misantropia leva -o por isso a formar uma estranha

agremiação, para a “execração de todos os homens”, que captura quem se

aventure pelos bosques, su jeitando -o às normas do grupo. Wenceslau , em

idêntica situação de aziagos amores com a imaculada Matilde, colabora

na “maldita patuscada” ( ib id .: ib id .) , apenas por piedade para com Júlio.

O enredo complica -se com a chegada de dois capturados: o

comerciante Wandel e o l ente univer sitário Gudol fo. Aqu ele expressa

profundo desgosto por ter sido abandonado pela sua única filha, amparo

na viuvez. Júlio aflige -se, recorda numa explosão de melancolia a tra ição

de Lucinda. Wenceslau reconhece , no pedante professor de Lei s Gudolfo,

o pai de Matilde, um feroz opositor à união dos jovens, capaz de encerrar

a filha num convento. Ao negativi smo de Júlio, Garrett contrapõe o

otimismo de Wenceslau , feliz por saber que a jovem está perto,

abandonada na floresta , impedida pela sua condição de entrar no castelo:

“Oh lei t irana! Oh sucesso improvisto ( sic ) . Vamos, vamos: um momento

de demora pode perder -me para toda a vida” (Ato I, cena V ; Garrett

1984: 283).

No segundo ato, a intriga atinge o clímax e precipita -se para o

desfecho. Inicialmente, a ação decorre no bosque (cena s I – V) . Lucinda,

em trajes masculinos, desaba fa o intenso amor que a fizera abandonar a

casa paterna, e lamenta a dor causada ao pai, que deduzimos ser Wandel.

Eis que descobre o corpo de Matilde. O diálogo sintét ico expressa a

confu são do seu despertar do desmaio, e conduz ao reconhecimento da s

duas jovens, que revela m as suas histórias. “Oh providência , oh destino!

Como vos aprouve juntar -nos a ssim?” ( Ato II , cena I; Garrett 1 984: 285).

Lucinda cla ma o seu amor por Júlio e a infundada su speita de tra ição,

que dera azo ao ciúme e misantropia de Júlio.

Os ena morados chegam entr etanto ( Ato II , cena I I) . Wenceslau e

Matilde abraçam-se; Gudol fo rende -se à força da s cir cunstâncias. O final

fel iz do par poderá não corresponder ao de Júlio e Lucinda , fru to do

temperamento dele, onde combatem insanamente o amor e o ódio. Na

cena III , a sós com a travestida Lucinda, Júlio não a reconhece. Este

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247

engano proporciona u ma situação paradoxal de comunicação entr e

géneros. Jú lio desabafa o desespero que sente, confessa seus males de

amor, porque vê no interlocutor um confidente, um compa nheiro de

desdita , qual fora Wenceslau . No paroxismo emocional, abraça Lucinda,

sentindo-se confuso com i sso: “Este abraço foi abraço de morte…

causou-me um aperto de coração” ( Ato II , cena II I; Garrett 1 984: 292).

Lucinda desvenda a verdadeira identidade e Júlio desmaia, qual prima-

donna . Todos partem para o castelo. Wandel rejubila com o regresso da

filha perdida. Homem bom, e pai estremoso, abençoa a união dos jovens.

Todavia , a louca misantropia de Júlio é irr emediável ; nada demove nele a

crença de ter sido zombado, e parte , rejeitando a fe licidade que se lhe

oferece , para lamento de todos, pela voz de Wandel: “Oh paixões… Oh

funestas paixões” (Ato II , cena x; Garrett 1984: 300).

Através de Júlio, Garrett questiona a moda dos herói s “ ideal istas,

desenganados e rebeldes” (Monteiro 1971: I , 511), recusados ainda como

modelos de “espiritualidade superior” ( ib id . : ib id .) , como Karl Moor, de

Schill er , ou René, de Chateaubriand . A “extravagante” intriga explora ,

ao limite da plausibilidade, um teatro de absurdo, numa linguagem cheia

de lugares comuns do protagonista , sobre a condiçã o humana . Natureza e

Providência , “potências inimigas”, conduzem o coração, ao mesmo

tempo “tormento” e “verdugo”, à desgraça. A alma exaltada e a

sensibilidade geram “ódio violento” contra os “perjuros e miserávei s” .

Tudo faz nascer o desejo de cevar na humanidade a revolta e o

desengano, para “emendar a inju stiça do fado”, de vingar a infel icidade

individual (Ato I , cena I; Garrett 1984: 275). A influência de uma

l i teratura “negra” de terror (Monteiro 1971: I , 513), e de Die Räuber, de

Schill er341

evocam a mesma cenogra fia (castelo e floresta adjacente) ,

341

Garret t refere es te autor , em 1822, no prefácio de Catão. A obra t eve t radução

portuguesa: C UN HA , Vicente Pedro Nolasco da, Os bandid os , drama d e Schil l er

ver t ido d o alemão ( inédi to que se perdeu); AZEV ED O , António Xavier Ferrei ra de,

Rober to , chefe d e ladrões , d rama em 5 atos , imitado do alemão e t raduzido ao gosto

do Theatro Nacional (Rebel lo 1980:2 8); D IA S , F rancisco F rutuoso, Aparência d e

Virtud e e Vir tud e no Caracter d o Cr ime, versão e m 5 atos (1835) ( inédito);

MA C HA D O , João Carlos de Sousa, Os Sal teadores , versão de um drama d e Schil l er

(1843).

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criando u ma similitude t emperamental entre Júlio e Karl Moor, jovens

torturados e vingadores, que se transforma m em chefes de criminosos.

A “cavalaria andante” de Júlio estabelece um contraponto

parodí stico com a obra de Schiller e com a postura apaixonada de

Garrett , vivendo o doce idílio com Luísa Cândida . E, duas décadas mais

tarde, no desalento da sua vida matrimonial, e na prostração que a

políti ca cabralis ta lhe provocou, terá Garrett sentido um apreço idêntico

sobre a condição humana?

Se sou homem! Eu aborreço essa espécie preversa [sic ], e t ra idora . Eu

não sou homem, que a inda tenho alma, que prezo a honra , e abomino a

t raição e a menti ra . Os homens são o refugo do universo, são a vergonha

da natureza . Homem eu!

(Ato I, cena III; Garrett 1984: 277).

No remanso de Sintra , o protagonista Júlio sinteti za uma alegoria do

absurdo (Monteiro 1971: I , 514), em contra ste com o sensato e a legre

Wenceslau , deuteragonista daquele pessimismo extravagante . A cena

inicial expõe a oposição estilíst ica garrettiana, delineando o linguajar de

cada personagem segundo a sua linha de pensamento individual, criando

per sonalidades, e r etirando o carácter de tít eres de farsa . O

sentimentalismo de Júlio contrasta com o humori smo de Wenceslau . A

intranquilidade daquele, fru to do seu mal de coeur, contende com a

tranquilidade do sono sans souci do amigo. O amor patológico de Júlio

por Lucinda opõe -se ao amor prazeroso de Wenceslau por Matilde , quais

espelhos solventes.

Ao longo da peça, o carácter doentio de Júlio acentua -se na s

expressões violentas contra a humanidade, nas a titudes comportamentai s

insana s, num crescendo angu stiante a té ao desfecho do enredo, que

demonstra “cabalmente a a lienação de Júlio, perdido num mundo de

quimeras” ( id ., ib id . : I , 516). Perante a possibilidade de um feliz enlace

com a mulher amada, Garrett cria um desfecho patético, a nticlímax,

inspirado, mais u ma vez, pela obra de Schiller :

Júlio

Meus amigos, não me e nterneceis mais. Tende piedade de mim; oh! não,

não re talheis mais o meu coração. Deixai -me, deixai -me por compaixão…

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(silêncio ) Eu parto, e parto só. Ninguém me siga , que o fará debalde.

Wenceslau, tu sabes se eu desisto dos meus projectos, e se recuo do

passo, que uma vez comecei a dar. – Adeus, meu amigo. – Wandel, os

céus vos abençoem. – Matilde, sede fel iz , e fazei venturoso o meu amigo.

A vós o deixo, e vos encarrego a sua fel icidade. – Lucinda… Lucinda…

para nunca mais. Se alguma vez te lembrares de Júlio… Não, não te

lembres nunca. – Pela últ ima vez… adeus, adeus!

(Ato II, cena x; Garrett 1984: 300)

Cheio de “ expressivos contrastes”, o drama traduz a vi são otimista

do jovem Garrett , para quem “a angústia larvar, o sentimento de falência ,

o desa fio r ebelde, a ânsia de absoluto , a míti ca amorosa da literatura

romântica” não passavam de loucuras (Monteiro 1971: I , 517). O

reencontro de Wenceslau e Matilde na floresta expõe a dialética do

momento, no confronto de per spetivas:

Matilde No meio das mais sérias cousas, hás-de sempre misturar as

est ravagâncias [sic ] do teu génio?

Wenceslau No meio das mais a legres cousas hás-de sempre misturar as

melancolias do teu génio?

Matilde Depois de tantas desgraças tens ânimo para te ri r?

Wenceslau Então que queres? Que me ponha a chorar? Agora é que é

ri r, estás nos meus braços, nenhum poder humano nos pode

separar: que mais queres tu, que mais posso eu desejar?

Acabaram as minhas desventuras, foi -se a minha desgraça…

(Ato II, cena III; Garrett 1984: 288)

O humor garrettiano vai para a lém do protagonista . Na apologia da

revolução burguesa, exalta -se o comerciante Wandel, “membro

trabalhador da sociedade” (Monteiro 1971: I , 518) e ridiculariza -se

Gudolfo, “caricatu ra burlesca dos l entes de Direito” de Coimbra ( id .,

ib id : I , 519). O diálogo entr e este e Wenceslau patenteia um “burlesco”

hilariante:

Gudolfo Eu que nunca passei de lente de lei s.. .

Wenceslau Que é o mesmo que coisa nenhuma.

Gudolfo Que nunca me entendi, senão com livros…

Wenceslau Mas sem nunca os entender a eles.

Gudolfo Que tenho sessenta e quat ro anos…

Wenceslau Gastos em tolices e friolei ras.

Gudolfo Que professei sempre as let ras…

Wenceslau Para vergonha e at rasamento delas.

[…]

Gudolfo Que tenho a vista cansada…

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Wenceslau De ler asnei ras e pedant ices.

(Ato I, cena v; Garrett 1984: 280).

Segundo a autora de A Formação de Garrett , a obra modula

expressivamente o desenho dos caracteres e o matiz passional. O carácter

parodí stico revela um sentido críti co face aos “desnívei s estilís ticos” dos

autores românticos, provavelmente após a leitura do Cours de Littérature

Dramatique, de Schlegel , citado na Carta a um amigo que antecede

Catão (Garrett 1904: I , 531) . Garrett estranhava ainda a “fusão

inextricável de contrários: espiritualidade e sensualidade, apetência de

vida e Sehnsucht , gravidade e grotesco” (Monteiro 1971: I , 521). Alguns

anos passarão até que a perspetiva se entranhe no seu modo crítico, a té

que escreva o prefácio programático de Um Auto de Gil Vicente:

À data de Os Namorados Extravagantes , o nosso “ Alceu” defendia

basi larmente de facto a coerência clássica, embora perspectivando -a […]

segundo uma concepção orgânica da unidade artí stica, que ult rapassava

já em muito a mesquinha intolerância das regras (Montei ro 1971: I, 522;

i tálicos originais).

Mais uma vez, o ambiente que vive propicia a imaginação artística ,

quer na recriação de florestas boémias, quer na criação de histórias

apropriadas às condições de trabalho dos seus grupos de amadores

dramáticos, para quem voltará a escrever comédi as, somente vinte anos

depois, para serem representa das em teatros de sala ou em teatros

particulares. São comédias breves, com reduzidas persona gens, que

entretêm as horas de ócio urbano e os tempos de veraneio.

O ano de 1822 foi ocupado com outros afazer es mais prementes para

Garrett , que se transferiu para o palco da política , da admini stração

pública e da vida doméstica . Frequentando o convívio dos notávei s do

partido constitucional, Garrett , “cioso dos seus foros de cida dão de um

paiz livre” (Amorim 1881 -84: I , 256), afirmava a sua vasta cultura nos

debates da recém-fundada Sociedade Literária Patriótica , defendia a

instrução pública como fator de liberdade, dando mostras do “ futuro

parlamentar independente” ( ib id .: ib id .) . Em Agosto desse ano, chegou

por fim a entrada no Mini stério do Reino, que lhe permitiu o desa fogo

pecuniário para poder ca sar com Luísa Cândida , a 11 de novembro. A

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251

fel icidade que vivia não fazia adivinhar os t empos que se avizinhavam

rapidamente. A fama de Garrett conseguira novo impulso ganha ndo o

processo judicial sobre o Retrato de Vénus . O reconhecimento dos seu s

dotes de orador, demonstrados também na sua defesa em tribunal, ditou a

sua escolha pela Sociedade Li terária Patriótica para recitar o elogio

fúnebre de Manuel Fernandes Tomá s , que o “immenso e escolhido

auditório aplaudiu com lágrima s” ( id . , ib id . : I , 275). A 27 de nov embro,

pranteava-se “a dor e or fandade dos portugueses” ( ib id .: ib id .) , sem

haver a inda a exata noção do desenrolar dos a contecimentos do ano

seguinte. Caía um pilar da revolução de vinte e t erminava o breve

período de liberdade, como o reconheceria na Memória Histórica de J .

Xavier Mouzinho da Silveira (1849). O calor da r evolu ção evaporava -se

e a contra -r evolução levantava “audazmente a cabeça por toda a parte”

(Garrett 1904: II , 434). No círculo de amizades de Garrett , percebeu-se

que o r etrocesso políti co traria as inevitávei s perseguições; a causa do

povo fora tra ída e apenas restava a sobrevivência do exílio , procurando

em “países estrangeiros a liberdade para suas opiniões, que em Portugal

fora banida” ( id ., ib id . : I , XLI) .

“O que deixou amigos… para fugir ao açoite da injustiça”

Catão continuou a ser r epresentado por curiosos dramáticos , com

autorização do seu autor : em 1822, em Leiria , fru to da impressão da

obra, também em 1826, num teatro público de Santarém, até qu e o ín dice

expurgatório de 1828 o baniu . No Outono deste ano, em Plymouth, a

tragédia colheu consagração literária , ao mesmo tempo que se configurou

como uma manobra política e diplomática das elites liberais portuguesas

no exílio. Foi representada em duas série s de espetáculos: a pr imeira , no

Depósito Geral, entre 1 e 14 de outubro, em duas récitas sucessivas,

“graças ao empenho e boa vontade dos emigrados da 6 ª classe, […] os

mais desfavorecidos”, ma s proibida por Cândido José Xavier , na terceira

(Sousa 2001: 30); a segunda série ocorreu no Theatr e Royal desta cidade,

a 24 de Outubro, 1 e 23 de Dezembro, juntamente com um elogio

dramático alegórico à a liança entr e Portugal, Inglaterra e Brasil , de João

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252

Eduardo. Esta séri e de espetáculos apresentou um maior cuidado de

representação, com mais meios financei ros, indo além da ma nifestação

popular da primeira série, com o objetivo de seduzir a opinião pública

britânica para a causa liberal portuguesa e para a da princesa da Beira ,

também ela proscrita , que chegara a Inglaterra , em Setembro desse ano

( id . , ib id . : 31)342

.

Entre 1824 e 1836, Garrett viveu três períodos de exílio, entre

França, Inglaterra e Bruxelas. Não sendo a s cir cunstâncias propícias , a

escrita para teatro não estar ia entre a s suas prioridades. Até este

momento, apenas escrevera para grupos restritos de atores amadores, em

situações específicas de sociabilidade dramática, em que as mencionadas

representações britânicas se enquadram. Com que intu ito t eria então

principiado a escrever, em 1825, In fante Santo , outra tragédia de assunto

nacional, concluída doi s anos depois, mas perdida em naufrágio, ao largo

do Porto , em 1832? Tratar -se-ia de um exercício dramático, em que a

tragédia histórica refl etir ia o drama autobiográfico da sua condiçã o de

desterrado?

No exílio gaulês, entre Le Havre e Paris , entr e Jacques Lafitt e343

e

Jean-Pierre Aillaud344

, “o livreiro parisiense que mais investiu na área

lusófona” (Cooper -Richet 2009: passim) , Garrett viveu entr e a France

bancaire e a France lit téraire . Esta ter -lhe-á permitido o contacto com a

nova lit eratura e com alguns “ passeurs da cultura lusófona” ( ib id . :

342

Sobre esta representação, cf . “Uma réci t a em P lymouth”, Almanaque Insulano

[apud NEMÉS IO , Vi torino (2003), A mocidad e de Herculano, II, p .87]. 343

Sobre a at ividade des te banquei ro francês , cf. B O N IN , Hubert (2007), Jacques

Laf it t e banquier d ’affa ires sans créer d e mod èle de banque d ’af fa ires (d es années

1810 aux années 1840). Cahiers du GREThA, nº 22. Bordeaux: Gretha UMR CNRS 5113 Univers i t é Montesquieu Bordeaux IV. [h t tp: // cahiersdugretha.u -

bordeaux4. fr/2007/2007 -22.pdf] (consultado em 01/09/2014). 344

Ent re 1797 e 1850, este editor -l ivrei ro publicou mais de 50 l ivros em português.

Sobre o seu papel na divulgação de catálogos de obras portuguesas cf . C O O PER-

R IC HET , Diana (2005), “Paris , capitale des polyglotes? Edit ion et commercial isation

des imprimés en l angues ét rangères sous l a Res tauration”, M O LLIE R , Jean-Yves ,

R EID , Mart ine et YO N , Jean-Claude (ed . ), Repenser la Res tauration. Pari s : Nouveau

Monde, pp .197 -209; t rad. Port . (2009), “Paris , capital edi torial do mund o lusófono

na primei ra metade do século XIX?”, Varia His tór ia , vol . 25 , nº 42, Belo Horizonte

(July/ Dec. 2009), pp .539 -555. [ht tp :/ /www.scielo .br/ scielo .php?pid=S0104 -

87752009000200009&script=sci_artt ext ] (consultado em 01/09/2014).

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253

passim ): Francisco Solano Constâncio, Franci sco Ladislau Álvares de

Andrada345

ou Silvestr e Pinheiro Ferreira , também ele exilado em 1824.

Na realidade, a outros géneros dedicou a sua inspiração nesse t empo

estrangeiro, que funcionou como “uma espécie de bolsa de estudos”

(Picchio 1969: 225), e teve o condão de renacionalizar Garrett . Se em

Portugal se ocupara com tema s universai s incarnados em personagens

clássica s, o estrangeiri smo estru turou -lhe uma perspetiva da história , da

legenda e do folclore nacional. A influência da nova escola inspirou -lhe

os primeiros poema s românt icos, motivou a escrita novelísti ca , a

compilação de obra s populares, os tra tados e os ensaios pol íticos. No

exílio britânico, dedicou -se a a tividade políti ca , sem descurar a produção

literária nas mesma s áreas.

A representação de Catão deu ensejo à revisão da obra, em segunda

edição, amadureceu o pensamento dramático , de retorno ao

empolgamento vintis ta . Empenhado na lu ta liberal, tornou -se voluntário,

com Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar , no corpo dos

Voluntários Académicos, que desembarcou no Mindelo e par ticipou na

defesa do cerco do Porto. Os anos de 1832 -33 foram de labor políti co -

militar, em permanente deambular pelas cortes de Londres, Paris e

Madrid, na missão diplomática do Duque de Palmela e de Mouzinho da

Silveira . No final desse ano, t erminada a missão, Garrett foi nomeado

secretário da Comissão de Reforma Geral dos Estudos.

Os prefácios dramáticos de Victor Hugo terão sido inspiradores da

fu tura formulação do modelo garrettiano para a arte dra mática: não só o

345

Autodenomina-se, no fronti spício das suas obras , como Bacharel em Belas Let ras

e Fi losofia pela Univers idade de Pari s , Sócio da Academia de Ciências , Belas Let ras

e Artes de Orleãs , me mbro da Sociedade dos Antiquários de F rança, da Sociedade Geográfica de Pari s e da de Estatí s ti ca Universal . Foi casado com Catherine Douthat ,

grande impuls ionadora do periódico L’Abei ll e. Autor de Histór ia d e José d e Faro, ou

o Mercador ambulante; seus conselhos e experiência oferecidos aos seus

compatr io tas (Londres : Bingham, 1832). Fez t raduçã o de t eat ro , de ensaio pol ít i co e

de romance: desde a comédia de Bayard , Uma leitora ou huma l oucura d e rapaz

(Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1838) ao “romance moral”, de Harriet

Beecher Stowe, A Cabana do Pai Thomaz ou a Vid a dos pretos na A merica (Paris :

Rey e Belhat te, 1853). Sobre o periódico L’Abei ll e l eia-se EST EVES , Rosa (1986),

“Imprensa periódica para mulheres na primei ra metade do século XIX. Catarina de

Andrada e o jornal L’Abei ll e (1836 e 1840 -53), Análi se Social, vol . XXII (92.93) ,

1986-3 .º -4 .º , pp.527 -545.

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de Cromwell (1827), expondo a t eoria do drama romântico, como o de

Hernâni (1830) , defendendo a revolução artística como continuação da

políti ca , e os da dupla mente censurada Marion de Lorme (1831),

a legando a revolução social e a liberdade da arte346

; do moralmente

banido Le Roi s’amuse (1832), definindo o teatro como u m espaço de

edição da obra dramática347

; de Lucrèce Borgia (1833), e o aspeto

tr ibunício do teatro348

, de Marie Tudor (1833) e o efeito do dra ma sobre

o público349

, ou de Angelo (1835) e a pintura da sociedade entre os seu s

doi s grandes elementos: o aristocrático e o popular350

. Na confrontação

entre clássicos e românticos, entre tradição e modernidade, entre os

camarotes e a gera l no t eatro, a li teratura aristocrática deu lugar a uma

literatura popular, l ibertária , capaz de atingir o coração ávido de

emoções artísti cas das massas que frequentava m os t eatros públ icos.

O lugar de encarregado de negócios em Bruxelas (1834 – 1836)

permitiu -lhe o contacto com as obras de Herder , Schiller e Goethe, “a

encyclopedia moderna do nosso século” (Garrett apud Amorim 1852:

XVIII) . Estru turaram a consciência do ideário de fundação do teatro

346

“[La] censure t enai t l ’ar t en échec devant l e théât re. […] Il fall ait donc que l a

ré volut ion sociale se complétât pour que l a révolut ion de l ’art pût s ’ache ver. Un

jour, jui ll et 1830 ne sera pas moins une date li tt érai re qu’une date poli tique.

Maintenant , l ’ar t es t libre: c’es t a lu i de rester digne” (Hugo 1832: VII- V II I) . 347

“[Le] théât re n’es t qu’un moyen de publication comme la presse, comme la

gra vure, co mme la l i tographie. La l iberté du théât re es t donc impl icit ement écri t e

dans l a Charte, avec toutes l es aut res libertés de l a pensée” (Hugo 1832a: I I) . 348

“Le théât re […] tend à s ’accroît re sans cesse avec l a civi l i sation mê me. Le théât re

es t une t r ibune. Le théât re es t une chai re. Le théât re parle fort et parle haut . […] Le

drame, sans sorti r des limi tes impart i ales de l ’art , a une miss ion nationale, une

miss ion sociale, une mission humaine” (Hugo 1833: VII I) . 349

“Il y a deux manières de passionner l a foule au théât re : par l e grand et par l e

vraie. Le grand prend les masses , l e vraie sai si t l ’individu. [… ] Il [ l e poète] t i endra

son espri t , son œuvre et sa pensée éloignés de toute coterie; car il connaî t quelque chose de plus grand que l es coteries, ce sont l es parti s; quelque chose de p lus grand

que les part is , c’est l e peuple; quelque chose de plus grande que le peuple, c’es t

l ’humani té” (Hugo 1833a: V ; X) . 350

“[Fai re un drame ; pas tout à fait royal […] pas tout à fait bourgeois […]; mais

princier et domest ique; princier , parce qu’ il faut que l e drame soit grand ;

domest ique, parce qu’il faut que l e drame soi t vrai . Mêler dans cett e œuvre, pour

sat is fai re de besoin de l ’esprit qui veut toujours sent i r l e passé dans l e présent et l e

présent dans l e passé, à l ’élément éternel l ’élément humain , à l ’élémen t social , un

élément h i s torique. […] Au s iècle ou nous vi vons , l ’horizon de l ’art es t b ien élargi .

Aut refoi s l e poète di sai t: l e publ ic; aujourd’hui l e poète di t: l e peuple” (Hugo 1835:

2).

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255

português dos grandes dramas românticos351

. Em 1836, no regresso a

Portugal, Garrett era um homem sofrido pelos desaires da vida pública e

privada. Manuel José de Araújo Porto -Alegre, que com ele privara em

Paris, identi ficou “nos seus traços fi sionómicos um Platão e um

Anacreonte”. Aquele homem de “ aparência grave e de uma fi sionomia

expressiva” era simultaneamente “sublime” e “humanamente sensual”

(Porto -Alegre 1855: 523). Sofrido, mas não desenganado , porque a

“energia que tinha dentro de si […] não lhe permitia [ . . .] a prostração do

desânimo” (Monteiro 1971: II , 83): “ [o] homem tem direito a ser livre,

porque tem dir eito a ser fe liz” (Garrett 1904: II , 716-17). Evoluíra do

“lisonjeiro engano” para a “experiência fa ta l” e concluía que o Homem

idealizado pelo juvenil vinti smo, o cidadão “equilibrado e justo porque

livre, virtuoso porque feliz e feli z porque virtuoso”, se tornara num ser

“paradoxal, mau e bom, perverso e sublime” (Monteiro 1971 : II , 90) à

maneira de Schlegel , Schill er ou Benjamin Constant . Os anos de exílio

foram momentos da sua crise de maturação , de reconhecimento da

imper feição do mundo. A contemplação de um paraíso perdido permitiu -

lhe o vi slumbre de um paraíso reconquistado, de um cidadão social com

desejo de absoluto, como o Catão , de 1830:

Consolaste -me, Sócrates; não morre

Com este corpo e espí ri to que o anima.

[…] Este viver continuo

D’esp’ ranças, este anceiar pelo futuro,

Este horror da aniqui lação, e o vago

Desejo da out ra vida mais di tosa,

O que são? – Ind istinctas, mas segura

Reminiscências da perdida pát ria.

E saudades de voltar a el la .

(Ato V , cena I I; Garrett 1904: I, 562-63)

A natureza exterior da juventude transfigura -se na natureza in terior

do estado adulto, pela contemplação íntima. Byron , Scott e Hugo são

351

Corresponde a este mo mento a ideia dramát ica de A Pad eira d e Al jubarrota , que

uma nota manuscri t a de Garret t af i rma t ratar -se de uma imi tação do “enredo da Mais .

du Remp.” (Crabée-Rocha 1949: 28), ou seja da “comédie h is torique en 3 act s mélée

de chant”, La Maison du Rempart ou une Journée d e la Frond e, de Mélesvi l l e

(Bruxel les : Dupon, 1828), com música de Michel Carafa, representada em Pari s , em

1833, como “opéra -comique”. O argu mento de Garret t colheria inspi ração num

modelo t eat ral, como acontece u em relação a Frei Luís d e Sousa, segundo refere na

Memória ao Conser vatór io Real d e Li sboa (1843).

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256

modelos que inspiram o seu âmago , “nu m recriador a to de quem se

projecta”, quando “seleciona, interpreta , integra num contexto seu

processos , temas, perfi s, a que fora sensível no contexto de outro”

(Monteiro 1971: II , 134). Garrett demonstra interesse pela tendência

realista , pelo colorido do ser humano em sociedade, marca ndo o

romântico que ocupa o lugar do Alceu vinti sta , que descobre uma

mundividência humana fatalmente trágica, fru to dos daimon que

empurram para o abismo, mas que, ao mesmo tempo, acredita ser

possível u ma redenção final: “ Ist gerichtet! […] Ist gerette t!” (Goethe,

Faust , Ato V, cena 25)

1.3 . Teatro de grande público (1839 – 1854)

“Mister criar um mercado factíc io…”

Quase duas década s mediaram até que Garrett mani festasse novo

interesse pelo teatro de grande envergadura. A Revolução de Setembro

produziu a acalmia necessária , após vários anos de guerra e guerrilha,

militar e políti ca , e com ela trouxe as condições necessárias à elaboração

de “um progra ma comple to de modernização do teatro que se fazia em

Portugal” (Brilhante 2000: passim ) . O ambiente de animação vivi do em

Lisboa conta giou o resto do paí s, que, à exceção do Porto, apena s

possuía teatros particulares, onde, a lém das sociedades de curiosos

dramáticos locais, as companhias itinerantes desfilava m um repertório de

dramas de gosto muito popular, entre autos religiosos sentimentais e

comédias de riso fácil , contaminando o país com uma “febre teatral”

(Picchio 1969: 228). Convidado por Pa ssos Manuel , companheiro de

Academia e de lides maçónica s, Garrett elabora o seu ambicioso projeto

cultural ; torna completo o desejo dos Árcades de criação de um teatro

nacional, adaptado aos tempos modernos, ao mesmo tempo que

nacionaliza a teoria romântica – “le drame est la poésie complete” (Hugo

1897: 217) – prenunciada por Diderot e popularizada por Hugo. Retoma

a sua crença nos princípios didáticos sobre a missão do poeta , do

l i terato, e da arte dra mática, como “instrução intelectual e moral que,

sem o aparato do sermão ou preleção, surpreenda os ânimos e os

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257

corações da multidão no meio dos seus próprios passatempos” ( Garrett

1904: I , 773):

O teat ro é um grande meio de c ivilização, mas não prospera onde a não

há . Não têm procura os seus produtos emquanto o gosto não forma os

hábitos e com eles a necessidade. Para principiar, pois, é mister criar um

mercado fact ício. […] Depois de creado o gosto publico, o gosto publ ico

sustenta o teat ro […] (Garret t 1904 : I, 627).

Em 1841, quando publicou Um Auto de Gil Vicente , Garrett fora

demitido das funções de Inspetor -geral dos Espetáculos, pelo novo

governo de Costa Cabral , em retrocesso político: “os semsaborões […]

os poetas do outeiro perpetuo, que nunca fizeram, nem podem, nem

sabem, nem hão de fazer nada, – ma s não querem que ninguém o faça”

( id . , ib id . : I , 629). O prefá cio à obra ganha um sentido mais la to;

assume-se como um prefácio -programa dramático e como um ajuste de

conta s ideológico, a firmando publicamente os princípios que haviam

norteado o governo “extra -l egal” saído da Revoluçã o de Setembro:

[Sei ] onde vivo e com quem. […] É preciso ter animo para afrontar até

com o ridículo: é o peor inimigo que há, mas é necessário encarar com

elle de olhos di re itos, e não lhe ter medo, quem quer fazer qualquer coisa

út il e boa, em terras pequenas sobretudo, e onde há tanta gente p equena.

É o que eu fiz com o Conserva torio e o Theatro . Fui por deante , não fiz

caso dos semsaborões, e levava -os de vencida. Mas tem maos fígados a

tal gent inha. Quebrou-lhes a arma do ridículo, tomaram sem escrúpulo a

da calumnia (Garrett 1904: I, 269 ; itálicos originais).

E, se no ano seguinte, quando O Alfageme de Santarém subiu à cena

sem referência propositada ao nome do autor, se sentiram alusões

políti cas no texto, l evando à intervenção da polícia , na realidade esse

mesmo ideário, expresso no prefácio à obra , já se encontrava presente na

peça inaugural do teatro romântico em Portugal:

O pintor i solou-se de todo o sent imento e simpatia – paixões polí ticas

não as tem – para ver e representar, como eles foram, são e hão -de

sempre ser, os dois grandes elementos sociais, o popular e o ari stocrático

(Garre tt 1904: I, 673).

Ciente da inexistência de um “teatro materia l” , de uma dramaturgia

e de atores cultos, como acontecia em Inglaterra ou França, cuja

realidade conhecera, Garrett propõe-se “ajudar” a criar um repertório

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258

para o teatro português, abrir “uma nova vereda, porventura mais larga e

tr iumphal, a uma legião de mancebos que acha m na scena o campo

fecundo da s suas estrêas dramática s” (Ferreira 1871 -72: II, 46).

Um Auto de Gil Vicente expõe o amor funesto de Bernardim Ribeiro

pela infanta Beatriz, “entr elaça o nascimento da comédia nacional com o

alvorecer da poesia lyrica” ( ib id .: ib id .) . Garrett inventa o mito do

“manuelino” como bandeira ideológica, como “saída airosa do impasse”

entre o neocla ssici smo da sua formação e “uma espécie de gótico

aproximado du ma história exemplar” (França 1980: 17). Roupagens

nacionais desenvolvem o tropo dos amores impossíveis. E, t a l como a

história de Inês de Castro, também aqui se apresentam as razões de

Estado como fundamentos impedidor es de matrimónios por amor. A

intriga desenrola -se na corte de D. Manuel (primeiro subtítu lo da obra ),

recriando, com um aparente hi storicismo, uma realidade fi ccional, em

que a figura de Gil Vicente r essurge, como opção emblemática de um dos

mitos do romanti smo português (Camões, Vasco da Gama e Santo

António virão depois, e por motivos outros):

É uma lição e um incent ivo; e é principalmente o drama que se fil ia na

eschola que i lumina a historia com a vehemencia e rasgos ideaes da

paixão moderna. O nosso t eat ro moderno começa n’este exemplo

(Ferre i ra 1871 -72: I I , 46).

A escrita do drama é rápida: um mês (11 de junho - 10 de Julho). Os

ensaios decorrem a um ritmo acelerado, sob a d ireção de Ga rrett , para

estr ear a 15 de agosto, no Teatro Nacional da Rua dos Condes, em “dia

de grande Gala , por ser o do Nome de S.M.F., a Senhora D. Maria

Segunda”, conforme publicitou a Atalaia Nacional dos Theatros

(12/08/1838: 53-54). Apesar da inexi stente preparação técnica dos

atores, Garrett consegue que o desempenho seja aceitável, granjeando

assim o aplauso do público, que “entrou no espírito da obra” e na “ideia

nacional do autor” (Garrett 1904: I , 631).

Todavia , a rapidez de escrita é apenas aparente; ela é fru to do

hábito de anotar as ideia s que vai maturando, que lhe servem no

bosquejo de entrechos dramáticos, como o dos “altos amores do paço”

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259

entre Bernardim e D. Beatri z, referidos no seu Camões ( id ., ib id . : II ,

259, nota E). A partir da lenda dos a mores frustrados constrói uma

intriga, que funde o facto hi stórico do ca samento da Infanta com o duque

de Saboia e a r écita das Cortes de Júpiter , no sarau de despedida da dita

senhora. Eis as fontes de onde retirou a “verdade dramática”, entre o

“princier” e o “domestique”, tão mais importante, para o espectador, do

que a histórica ou a cronológica ( id . , ib id : I , 630). Até ao século XVIII,

ficção e história ca minharam a par, sem delinear fronteiras, par tilhando a

técnica de exposição, argumentação e persuasão retórica . Todavia , o

Iluminismo reivindicou o estatu to cientí fi co para a Históri a , que o século

seguinte concluiu , criando a conceção romântica do génio (âmbito

poét ico, a legórico -imaginativo) e fundando a investigação nas fontes

docu mentais (Santos 2011: 28). Ao fazer sobrepor a intriga romanesca e

o facto histórico da representação vicentina, reit era a sua teoria

dramática de que “o teatro deve metade à inspiração do dramaturgo e

metade às condições práticas de r ealização dos seus propósitos e obras”

(Crabée-Rocha 1954: 119).

Um Auto de Gil Vicente corresponde a uma dupla estre ia : a de um

projeto de dramaturgia nacional e a de um autor de dotes reconhecidos,

agora diretor do Conservatório de Arte Dramática. Uma espécie de prova

pública do impulsiona dor de uma “reflexão aprofundada sobre o teatro

português” (Barata 1991: 274):

O Auto de Gi l Vicen te, que ainda o out ro d ia fez correr toda Lisboa à

Rua-dos-Condes, veio most rar que nem o orador e pat riota eloquente

t inha quebrado nos debates da t ribuna o seu grande engenho poét ico, nem

o d iplomatico, o homem d’Estado prezava mais as honrarias das côrtes e

as distinções dos palacios, do que a sua coroa de poeta, o seu t itulo

querido d’homem de let ras (Anon. 1839: 3; itá licos originais).

Quando Garrett rompe com as unidades clássicas, substitu i -a s, ta l

como ocorre no t eatro de Gil Vicente, pela unidade de interesse, qu e

apenas supõe “o dever da criação de uma contextura solidamente

entretecida no fito de todos os elementos colaborarem, a traindo -se

mutuamente, para a expressão da ideia do poeta” (Monteiro 1971: II ,

161); como havia expressado Vítor Hugo:

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260

Martelemos as teorias, as poéticas e os si stemas. Derrubemos este velho

gesso que mascara a fachada da arte! Não há regras nem modelos; ou

antes, não há out ras regras senã o as lei s gerais da natureza que pai ram

sobre toda a arte, e as lei s especiais que, para cada composição, seguem

as condições próprias para cada assunto (Hugo 1897: 252-53; t rad.

nossa).

Entre Catão e o Auto, entre a tragédia e o drama hi stórico , abre -se

um abismo de estilo. Os moldes clá ssicos são destru ídos, redu zem-se os

cinco atos a três. Substitu i -se o ver so empolado pela coloquialidade da

prosa, que apenas exige do espectador a compreensão do enredo. No

Auto, tudo é natural e simples; a s personagens são verdadeiramente

humanas, os diálogos são verosímeis, a problemática do enredo toca o

coração do momento, mesmo que proponha um recuo t emporal de

trezentos anos. A toga romana do Alceu vinti sta é substitu ída pela

indumentária nacional, que vinha defendendo desde os seus tempos

académicos, e com i sso lançava a primeira pedra no novo edifí cio da

história da arte dramática . Isso mesmo lhe reconhecia a imprensa,

louvando a “coragem” dos “homens de letras que querem desterrar do

teatro essa funesta inundação de dra mas estrangeiros, fantásticos,

monstruosos, e inteiramente imorais”:

Ò vós que haveis dado principio a esse novo monumento, e que desejais a

sua perfeição, renuncia i a tudo o que é moda, manei ra, rutina, e amor

próprio! […] P orque é um facto incontestável que a Litteratura dramática

tem influencia d i recta sobre os costumes, e civil ização das nações

(Revista Theatral 03/02/1839: 1 ).

A “primeira peça viva do processo lit erário de Garrett” (Crabée -

Rocha 1954: 133) abre caminho ao modelo pretendido, que t eve fru tos

dramáticos, desde logo em Os dois renegados, de Mendes Leal , premiado

no concurso do Conservatório . Defende-se agora a multipli cidade da

localização espacial e do alongamento do tempo, para que a ação tenha

maior amplitude de exposição . Recorre-se ao característ ico, ao sabor

local, tanto na per spetiva histórica como na psicológica, u tilizando

efeitos dicotómicos, entre o grotesco e o sublime. A inter secçã o do plano

ficcional com o da realidade quotidiana cria uma linha expositiva de

tipos humanos, que podem representar formas patológicas e vulgares.

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261

Estamos temporalmente na fase inicial de um processo evolutivo

conducente ao drama de atualidade, em meados da centúria , e ao

aparecimento do conceito de “comédia -drama” , em que os valores da

modernidade revelam novos contornos culturais do Homem, que associa ,

no quadro Histórico, Razão, Natureza e Liberdade.

A obra garrettiana comporta agora a experiência do exílio , que

amadureceu as perspetivas anteriores sobre nacionalização da arte e do

estudo da s tradições populares, enquanto sustentáculo da literatura de um

país. Do ilumini smo setecenti sta , que anunciou a arte natural e

verdadeira , guarda os ditames que definem que o fenómeno estéti co da

criação se interpreta de forma subjetiva, m isturando a visão histórica

com outras forma s de arte, num refinamento cultural que sublinha

valores populares e tradicionais, formando “uma consciência clara da

individualidade na cional” (Crabée-Rocha 1954: 126). Não exi ste

pretensão em fazer teatro hi stó rico; os factos são para -hi stóricos, e t êm

um intuito pedagógico. Não se propõe uma reconstitu ição, mas um

veri smo proporcionado por um espírito de arqueologia , para entender a

ideia primordial que origina o a contecimento352

.

Não se propõe um tratado de eru dição, mas uma invenção natural de

poeta , a través de u m número de personagens r eduzido ao essencial. O

almejado portuguesi smo não se confina a fa ctos concretos e verificávei s,

mas à essência da alma nacional, de um saudosi smo amoroso, que se

pretende retra tar. O amor da pátria e da família , de Catão ou de Mérope ,

dá lugar à paixão das l etras e da arte, e ao eroti smo romanesco. O trágico

e o grotesco proposto por Victor Hugo atenuam-se num “cómico gracioso

e leve”, num “desespero suave e saudoso” (Crabée-Rocha 1954 : 131),

numa melancolia muito t ernurenta .

352

Mendes -Leal , em 1865, na “Int rodução” à sua comédia Os primeiros amores d e

Bocage reproduz o mes mo princípio para const rui r uma biografia f i ccionada da

“aurora” do poeta, de quem “co mpulsou com tanta meudeza” (Mendes -Leal 1865: I I I)

a obra poética, e os es tudos de Cas ti lho , Rebel lo da Si lva e Inocêncio da S ilva: “e m

torno dele [Bocage], concorrendo a uma acção fundada nos costumes do paiz e da

época, grupam-se os typos que mais vi s ivel mente representam os sent imentos e

t endências coevas” ( id ., ibid . : VII) .

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262

Na esteira de Diderot , Garrett confirma o prima do do sentir sobre o

refl etir , valorizando os impulsos afetivos, que definirão o conceito de

“génio” do criador acima da normatividade da s p recetivas. Natureza e

liberdade criadora funda mentam u ma compreensão subjetiva e hi stórica ,

em que a liberdade da arte se opõe à liberdade na arte. A poesia exprime

sentimentos e paixões da alma qu e escapa m ao controlo da razão (há

razões que a razão desconhece!). O artista não será ju lgado por regras e

géneros externos à natureza e à arte, porque ele será fiel aos princípios

imutávei s de uma arte, segundo lei s que emana m de u ma organização

pessoal, expressão genuína do “eu”, do impulso, capa z de acei tar o belo

e o horrível (Barata 1991: 260).

Na esteira de Hugo, Garrett ambiciona dar uma arte nova a um novo

povo, conforme testemunham os dois mani festos dramático -teatrais que

escreve: a Introdução à edição impressa de Um Auto de Gil Vicente

(1841), e a Memória ao Conservatório Real de Lisboa (1843). Como nos

doi s prefácios -mani festos huguianos – Cromwell e Hernani – , também a s

declarações de princípio garrettiana s explanam a busca da identidade

nacional, a tributo do poeta cidadão, já invocada em tempos de estudante.

Um Auto de Gil Vicente não apresenta a inda a maturidade política

das produções posteriores, como O Alfageme de Santarém (1842), ou o

Frei Luís de Sousa (1843), fru to de múltipla s l eituras, que se a fasta já do

drama romântico – ausência de cenas cómica s e de tipos grotescos – ,

para regressar à tragédia intemporal do t eatro clássico. Também não é

histórico; o positivi smo não se a firmara ainda, e a noção de hi stória

encontra -se mais próxima da do colorido das narrativas folclóricas, que

despertavam o assombro dos ouvintes, pela u tilização de elementos

fantásti cos, em ambientes brumosos, e em que a s figuras se deslocava m

com subtil eza por espaços -pintura , fru to da imaginação de seus

criadores, pouco dados ainda ao reali smo quotidiano.

Não obstante, Garrett introduz alguns indícios de procura de

veri smo hi stórico, conforme regista a imprensa coeva sobre o espetáculo:

Cenas novas do sr. Pallucci , pintor do Real Theat ro de S. Carlos, que se

deslocou a Sint ra para copiar do vivo , o pátio interior do Paço com vista

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da Sala dos Cisnes, e montes frontei ros, etc. A câmara do Galeão Santa

Catarina, composta pelo mesmo arti sta, é literalmente executada,

segundo descrição minuciosa que dele nos deixou Garcia de Resende na

obra Ida da Infanta D. Beatriz . A própria cor das tapeçarias, os ornatos,

tudo se seguiu à ri sca . Vê -se no 3º acto, de bordo do galeão, o Tejo com

efeitos de luar. Os t rajos foram objeto de longas e t rabalhosas

di ligências, ti rados de antigos re t ra tos, painéis, e estátuas. A própria

aparência das fe ições e a figura foi imitada a té de medalhas ant igas, onde

fa ltou out ra noção. A Academia de Belas Artes de Lisboa prestou seu

i lustrado auxílio à empresa para consegui r toda a possível exação, e

verdade dos costumes. Ne ste d rama, e na sua representação, tudo quanto

não é rigorosamente histó rico, é da t radição recebida e provável (Atalaia

Nacional dos Theatros, 12/08/1838: 53 -54).

Ganha particular inter esse, que o cenógrafo se proponha “copiar do

vivo”, i .e . observar e reproduzir a paisagem natural. O veri smo pictórico

começava a dar os seus primeiros passos, contrariando o padrão de

qualidade e de bom gosto, que defendera a pintura idealizada de carácter

a legórico ou míti co . Esta renovação do olhar, seguindo a esteira d e

pintores ingleses, como John Constable e Joseph Turner , ou dos

franceses Théodore Rou sseau e Jean-Bapti ste Corot, implica um novo

paradigma: uma per spetiva sobre a Natureza e o Homem, que fixe na tela

uma imagem do real . Este ponto de vista refle tir -se-á a nível da

literatura , na pesquisa aprofundada da s fontes fidedigna s, sobre as quais

se constru irá a narrativa, como primeiro momento do processo que

culminará no naturalismo psicológico e no reali smo social, da segunda

metade do século XIX. Daí que Garrett vá além da vertente hi stórica ,

quando faz corresponder a escolha da s personagens -chave, Gil Vicente e

Bernardim Ribeiro, a modelos arreigados no imaginário popular, em cuja

“contraposição reside a originalidade e, ao mesmo tempo, a justifi cação

do dra ma” (Picchio 1969: 230):

Não foi somente o teat ro, a poesia portuguesa nasceu toda naquele

tempo; criaram-na Gil Vicente e Bernardim Ribei ro, engenhos de

natureza tão parecida , mas que tão diversamente se moldaram. […] Tais

são os dois caracteres que eu quis pôr defronte um do out ro. Desta

comparação fiz nascer todo o interesse do meu drama (Garret t 1904: I,

630).

A imagem de Gil Vicente , “homem do povo, cobiçoso de fama e de

glória , todo na sua arte, querendo tudo por ela e persuadido que ela

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merecia tudo, [que] viveu independente no meio da dependência , l ivre na

escravidão da corte” , contrasta com a de Bernardim Ribeiro, “nobre e

cavalheiro, [que] cultivava a s l etras por passatempo, e a corte por

ofício”, “poeta não só quando escrevia” ( ib id .: ib id .) . Garrett partilha da

per spetiva dramática de Hugo , propondo que qualquer figura seja

“reduzida ao seu traço mais saliente, mais individual, mais preciso”, para

que nada seja deixado ao comu m, à banalidade, “defeito dos poetas de

curta visão e de curto folego” (Hugo 1897: 266; trad. nossa).

Entre a memória das Cortes de Júpiter e da Menina e Moça

constrói-se um enredo trivial, cuja finura de estilo decorre da contenção

com que o autor delineia a psicologia das per sonagens, as faz

movimentar em cena, e, sobretudo, na forma comedida co mo usa a

linguagem falada para expressar o estritamente indispensável à ação.

Deixando espaço ao sil êncio , como defendera Diderot353

, o t exto não

preci sa explicar a cena, porque esta o l egi tima: uma evolução no modo

de sentir o trágico e de o expressar de forma teatral, para a lém do

dramático. O facto de se pretender criar um espetáculo para o grande

público aca ba por fragilizar o conflito amoroso, já que o drama não

apresenta grande movimento, e a própria peça -dentro-da -peça serve

apenas como efeito dra mático de reconhecimento em final de ato. Não

deixa , porém, de apresentar a precetiva romântica – cor hi stórica ,

entremeando o riso e as lágrimas de forma comedida – , como no

contra ste criado entr e as figuras de Pero Sá fio e Bernardim Ribeiro,

entre o grotesco e o sublime. Apesar das fragilidades lit erárias, próprias

de quem inicia um percurso novo, o dra ma cumpre a função demopédica

de divulgação da ideologia liberal, subentendendo -se a crít ica social

coeva:

Bernardim

Um mundo de vaidades e fingimentos, um mundo árido e falso, em que a

fortuna cega, os sórdidos interesses, as imaginárias d ist inções

corrompem, quebram o coração; – cujas le i s iníquas fazem violência à

l iberdade natural das almas; – em que a amizade é um t ráf ico – e o

próprio amor, o mais nobre, o mais subl ime afeto humano, é mercadoria

353

Entreti ens sur l e Fi l s Naturel (1757) e De la Poés ie dramat ique (1758) .

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que se vende e t roca pelas vis e mesquinhas conveniências da Terra…

(Ato I, cena I I I; Garrett 1904: I, 638).

e a ironia política à instabilidade parlamentar:

Bernardim

[Juntam-se] as cortes; fa lam mui to, não fazem nada. Esse é o costume,

sabemos

(Ato I, cena I I I; Garret t 1904: I, 639).

Do conjunto de personagens do drama, P êro Sá fio surge como um

modelo contemporâneo do “gracioso” setecenti sta , que tanto faz

apreciações críti cas da cena, em apartes diretos ao público, como produz

solilóquios intelectualmente inter essantes, em linguagem quotidiana, sem

adornos carregados de retórica clássica . A ele é incumbida a abertura do

drama, numa cena de exposição, em que se define o tema da própria

peça: a representação do auto. Pêro ensaia o seu papel, com i sso

desenhando um retrato comportamental, enquanto ator, ao mesmo tempo

que introduz o primeiro conflito interno da personagem, quando expressa

a eterna conflitualidade entre a importância do ator versus a do autor no

êxito do espetáculo.

Para o romance de amor, Garrett desenha u m esquema de pares

desencontrados, muito corrente na comédia de intriga: P êro Sáfio ama

Paula Vicente, que ama Bernardim Ribeiro, que ama D. Beatri z, a quem,

por sua vez, está vedado amar Bernardim, que não ama Paula , que não

ama Pêro . A possível per spetiva de comicidade fi ca contrariada, já que

todos estão condenados a não poder viver o seu verdad eiro amor: o

objeto a mado encontra -se na esfera superior à do amador. O dramatismo

acentua-se quando Paula Vicente e Pêro Sáfio se tornam confidentes dos

amantes, sofrendo tanto as suas dores como as a lheias, e a ssistindo ao

seu declínio, que, no fundo, é também o do confidente. E provavelmente

o espelho do próprio autor.

“Pintar a face da sociedade…”

Com O Alfageme de Santarém, começado em 1839, escrito em 1841,

e estreado em março de 1842, Garrett retoma o drama de temática

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histórica , com o desejo de “pintar” um quadro que represente “a face da

sociedade em um dos grandes cataclysmos por que ella tem passado em

Portugal” ; uma atitude que acabou por criar obstáculos à evolução

dramática da própria obra. A peça é tão políti ca quanto Catão ; demonstra

inter esse pela res publica , atendendo até ao clima incómodo que a

políti ca antagónica cartista criara na vida do poeta . Todavia , em Catão , o

herói r epresentava um símbolo, uma abstração ideológica, na lu ta por um

ideal, ao passo que no Alfageme o autor nacionalizou e a tualizou o

enredo em torno do que “foram, são, e hão de sempre ser, os doi s

grandes elementos sociais, o popular e o aristocrático” (Garrett 1904: I ,

673)354

.

A ação retrata a crise política que sucede u à morte de D. Fernando.

As fações política s digladiam -se pelo poder, patrocinando os tr ês

candidatos ao trono: o a l fageme Fernão Vaz apoia o infante D. João, o

condestável D. Nuno apoia o Mestr e de Avis, e Mendo Pai s apoia D.

João de Castela . Na eterna defesa da cida dania , Garrett , na s entrelinhas,

condena as lu tas partidárias, visando sobretudo a polémica entr e

Setembrista s e Carti stas:

[Nós], que ainda hontem eramos vassalos, e ainda não aprendemos a ser

cidadãos, nós, educados no dogma do principio divino, […] nós que

pretendemos ser, e vi rtualmente somos, representantes de um povo que

a inda não conhece nem os limites da obediencia quando vê a força, nem

os termos da resistência quando a não vê, nós temos dobrada obrigação

de ser graves, e escrupulosos no exame d’este grande processo, severos

até à dureza no pronunciar da sentença (Garret t apud Amorim 1881-84:

III, 11).

Como sempre sustentará , Garrett não pretende o seu nome associado

ao “estygma de bárbaro, de fomentador e mantenedor de ódios e

inimisades civi s” ( id ., ib id . : III , 34); pelo contrário, el e a lmeja a

conciliação das duas fações, expondo na peça algumas ideias gerais

sobre o a ssunto. Fernão Vaz r epresenta o “político a mador e bem -

intencionado, […] homem simples e honesto, dota do de bom senso, […]

354

Cerca de 1838-39, é escrito O Tanoeiro d e Li sboa , esboço paralel í st i co do

Al fageme, não só no t ítulo , como na época t ratada, no confl ito social e na

caracterização ps icológica d as personagens que cons ti tuem o t r i ângulo Mateus João,

Joaninha e Gi l Eanes .

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[que] se ju lga representante da vontade popular tra ída pelos políticos

profissionais” (Crabée -Rocha 1954: 136-37). Passados meses, o tr ibuno

do povo toma consciência da ingratidão da queles, por cujos princípios

pretendera zelar. O alfageme transforma -se num homem desiludido,

magoado pela a titude dos seus pares , não longe de um autorretrato de

Garrett :

Ignoramos se havia inimigos, ou sequer d issidentes, ent re os

expectadores. […] Posto não haja em todos os cinco atos uma única

sá t ira poli tica, os fanáticos das di ferentes parcialidades poderião, por

suggestões de sua consciência , sonhar ofensas, não em palavras do

auctor, mas em alguns corolários de ci rcumstancias ind ispensáveis no

andamento do drama, e não esquecermos quanto é mais fácil escandeli sar

as mul t idões sem quere r, do que l i songeal’as ainda com a maior vontade

(RUL, 10/03/1842: 110)355.

Se a crítica da Revista Universal Lisbonense (RUL) a lcançou

per feita mente a lógica do di scurso dra mático, a inda melhor este a tingiu a

classe políti ca , mesmo que o autor negasse a s intenções de que o

acusavam – “paixões políti cas não t em” (Garrett 1904: I, 673) – ,

a tendendo às datas de escrita anteriores aos factos de 2 de fevereiro de

1842. A peça fora anunciada a 11 de novembro do ano a nterior, e

ensaiada durante longo tempo, pelo que não havia qualquer h ipótese de

representar “uma sátira aos ú ltimos acontecimentos” ( RUL, 2 4/02/1842:

art.º97 , p.83). Apesar do reconhecimento da inocência de Garrett , a

verdade é que os anticabrali stas se serviram da peça ao sabor da sua

vontade, como regi sta Gomes de Amorim (1881-84: III , 98; 127), a

propósito da r eceção aos emigrados, em 1844.

A unidade de lugar mantem-se, a inda que se faça dila tar o tempo da

ação por vários meses na transição de um ano para o seguinte.

Novamente se exigiu ao cenógrafo um “scenario de esmero, digno de

hospedar a mui senhoril musa de tão grande author”, tendo para isso

envia do os p intores, “para trasladar a lgumas vista s” ( RUL, 11/11/1841,

355

Anon. , “Á Ul tima Hora: A Espada do Cond estável ” , RUL , vol . I, 2 ª série, nº 9 ,

10/03/1842, p .110. O discurso l embra o co mentário de Victor Hugo, no prefácio de

Le Roi s ’amuse, sobre a faci lidade com que o públ ico se sente ofendido na sua

segurança burguesa.

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art.º153, p.81), do “subúrbio de Santarém, ditto A Ribeira” (Garrett

1904: I , 674):

Á esquerda uma casa antiga, apalaçada, com vestigios de grandeza

senhorial, mas mui to arruinada, com escada exter ior de pedra , descoberta

e praticável, e colocada de modo que os actores, quando descem, ficam

com a face para o espectador. No al to da escada, patim com parapei to, e

coberto com uma parrei ra. – Á di rei ta uma casa abarracada mas vasta e

bem reparada, em que estão os armazéns e serralharias do Alfageme,

cujas forjas accesas e t rabalhando são visíveis para o espectador; a parte

mais posterior da casa é mais ant iga e acanhada, com só duas janel inhas

agudas e porta no meio. No fundo Marvilla ou parte a lta de Sa ntarém. –

Em baixo corre o Tejo. – Da esquerda vem a est rada de Lisboa, pela

di reita sobe para Santarém. – No meio da scena, ent re as duas casas

a lguma arvore (Garre tt 1904: I, 674) .

Em comparação com o Auto de Gil Vicente , Garrett opta aqui por

simpli ficar a descrição cenográfica , ao longo de todos os a tos, para

poder tornar complexa a ação, “enxertada de tantos problemas

heterogéneos […] que se torna pesada e di fí cil de seguir” (Crabée-Rocha

1954: 139). Neste drama, ela desenrola -se em espaço público, deixa ndo à

imaginação do espectador os espaços adjacentes, que se tornam presentes

pela animação escutada através de sons e cantigas dos trabalhadores. A

esse espa ço memória da “lenda do nosso al fageme com as su as espadas

bem corregidas” (Garrett 1904: II , 244), regressará Garrett em Viagens

na minha terra , sem conseguir descobrir a “gothi ca morada do celebre

cuteleiro propheta que a hi storia herdou das chronica s romanesca s” ( id .,

ib id . : II , 247).

O sentimento religioso, que por aqui perpassa, segue a influência de

Chateaubriand, defendendo a necessidade de vigários perfeitos e

devotados ao serviço da religião. O padre Froilão tem a serenidade de um

santo homem e a jovialidade de um catraio inocente, a que não falta o

seu toqu e alcoviteiro, capaz de afastar o pecado e fazer fel izes os

paroquianos. Tal como em Um Auto de Gil Vicente , Garrett , para quem o

amor sublima tudo, questiona mais uma vez o casa mento por

conveniência em detrimento de uma união por amor. Nuno Álvares e D.

Beatriz t êm o poder de a frontar desafios, mas não conseguem desafiar as

convenções, e, no seu psicologi smo cénico, sofrem tormentos insolúvei s.

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A trama amorosa torna -se tão complexa como no drama anterior,

desenvolvendo uma rede de amores impossívei s: Guiomar ama Fernão

Vaz, que a ma Alda, que ama Nuno Álvares, “o nosso Cid” (Ferreira

1871-72: II, 103), comprometido com uma nobre dama. Se fosse um

sonho de uma noite de verão, tudo se resolveria com um fi ltro mágico.

Mas aqui terá de ser o r econhecimento do poder do amor, essa “essencial

parte da vida” e do drama, que é “parte da vida”. Entre o amor puro de

Alda e o vulgar de Guiomar, a mores “ criminosos ou vir tuosos na

estupida e fa lsa linguagem do mundo convencional” , eis a face da

sociedade que se preten de retratar, e as considerações sobre a vaidade,

base de composição dos a mores vulgares que “ segundo o t emperamento

ou o acaso deixam preponderar mais ou menos o instincto sensual”

(Garrett 1904: I , 673).

Mais uma vez, Garrett aproveita o seu gosto pela poesia popular ,

para introduzir elementos cénicos que agradam ao grande público. Em

Um Auto de Gil Vicente introduz romances, no Alfageme são grupos

corais, que torna m o género híbrido, ao sabor do vaudeville . O seu

objetivo será sempre o mesmo: para quem conhece o seu século, há -de

“falar-lhe língua que ell e entenda” (Garrett apud Amorim 1881-84: II ,

283). Não falta todavia o hábil jogo dramático ao criar uma discussão

acerca das l etras da xá cara da Bela Infanta , nas ver sões popular e

erudita . Desta matriz popular constrói uma forma de teatro histórico , em

que aproveita as peripécias de situação e a memória da lenda hist órica ,

para fazer fa lar as personagens de acordo com a lógica di scur siva do seu

tempo, para bom entendimento do público presente:

Esta famil iaridade impressionou curiosamente o público de então,

habituado a personagens hi rtas, solenes e enregeladas. […] Garrett

ul t rapassou os l imi tes aconselhados no Prefácio de Cromwel l. Fez,

provavelmente sem querer, o galã grotesco por momentos, e i sto, em

teat ro, não se perdoa (Crabée -Rocha 1954: 144-45).

Inicialmente in titu lada A Espada do Condestável, a obra ganhou

outra amplitude com o novo títu lo, não perdendo a base da hi storieta e da

profecia , recolhidas na Crónica do Condestabre, de Fernão Lopes: “a

criação de um Portugal presente com projecção de fu turo que se

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constitua a partir da sua história e da sua legitimação cidadã , bases da

comunidade na cional” . A espada introduz o sinal maravilhoso do o bjeto

mágico, que transmite o t estemunho de nobreza de carácter e de desígnio

patriótico: “ferramenta corrigida e meio de correcção” (Ogando 2007:

153).

Na sequência do gosto popular melodramático , não podia fa l tar o

papel de tra idor. Mendo Pais é o nobre degenerado, que se vende ao

inimigo, acabando por ser castigado. É um tipo de figuras que propicia

um desenvolvimento psicológico controver so na expressão de

sentimentos, e constitu iem fatores de sucesso garantido do espetáculo. O

público aplaudiu a estreia do Alfageme e o seu autor, mesmo que Garrett

não tenha inscrito o seu nome no manuscrito que entr egou ao conde de

Farrobo para os ensaios (Garrett 1871: XIV ) . A estranheza desta a titude

deu azo à interrogação do croni sta da Revista Universal Lisbonense :

O publico pagou pois ao poeta a sua obra na única moeda digna d’elle;

mas pagou o Poeta ao Publico o amor que lhe el le testemunhava? ( RUL,

10/03/1842: 110)

Quando postula conciliar “a verdadeira e bela natureza com a

verdadeira e boa arte” (Garrett 1904: I , 525), Garrett formula

implicitamen t e uma “teoria simbólica da arte” (Monteiro 1971: II , 154),

sublinhando o papel do poeta na criação artísti ca : acima da subjetividade

do ponto de vi sta , dev e colocar -se o grau de verosimi lhança, i .e . a

fidelidade com que se translitera a realidade factual em realidade

artística . O poeta , r efletindo a natureza, cria um carácter ideal à arte,

uma quintessência do r eal, a través da seleção exata de aspetos

definidores, estru turando harmonicamente um mundo coeso, lógico e

pleno de tonalidades estilí sti cas ( id ., ib id .: II , 153); uma noção de

verdade poéti ca , partilhada com Walter Scott , no Essay on the Drama

(1819):

There i s a conventional t reaty between the author and the audience, that,

upon certain supposi t ions being granted by the latter, his powers of

imagination shall be exerted for the amusement of the spectators (Scott

1834: 309).

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271

Em 1843, quando escreve a Autobiographia , Garrett reconhece que

o gosto pela lit eratura a lemã conferira maior profundidade ao seu modo

de escrita . O Alfageme de Santarém apresenta um quadro histórico , que

funde o caso individual do alfageme com o problema coletivo do povo . O

herói partilha um per fil idêntico ao de Wilhelm Tell, de Schil ler, ou Götz

von Berli chigen, de Goethe. O dra ma de Fernão Vaz projeta na cena a

ideologia do próprio autor, correspondendo aos planos de atuação que

traçou e pôs em prática ao longo da sua vida, fazendo eco da precetiva

hugoliana, sobre a missão na cional, social e humana do dra ma, dentro

dos limites imparciais da arte (Hugo 1833: VIII) . Garrett constrói um

espetá culo como obra de arte total, harmonizando os diferentes

elementos t eatrais: palavra, música e encenação. O costume de principiar

a função t eatral pela intervenção da orquestra serve a Garrett para

prolongar o efeito no início do Ato I e II; as próprias canções populares

que o vaudeville u tilizava lhe servem para constru ir momentos de

entretenimento teatral, mantendo o objetivo dramático do enredo356

. A

crítica à estr eia da Espada do Condestável não deixa margem a dúvidas

quanto ao sucesso da obra em cena : o público saiu do t eatro, levando

“quelque moralité austère et profonde”, conforme advertira Hugo ( ib id . :

xi):

Os aplausos que recebeu pelo decurso da representação, não foram de

palmas e bravos; […] foram d’aquel les sussurros que espontaneamente se

levantão, e nos quaes o louvor se está sentindo sem o ouvi r; foram

d’aquelles est remeções geraes que elect ricamente se apossão de uma

assemblea inte i ra; foram de lagrimas destiladas no meio do mais

profundo silencio, e que ninguém se lembrava de esconder, nem d isfarçar

(RUL, 10/03/1842: 110).

“No templo singelo da memória…”

Frei Luís de Sousa conclui um ciclo refl exivo sobre a condição do

homem político, numa trilogia iniciada com Um Auto de Gil Vicente .

Parece corresponder a uma metáfora autorreferencial de Garrett e da sua

ideologia após o regresso do último exíl io. Recorrendo à temática

histórica , contorna o obstáculo da censura política . Os problema s e 356

Cf . X [C A ST ILHO , António Fel iciano de] (1842), “Al fage me de Santaré m ou a

Espada do Condestável”, RUL, nº 10, 17 .03.1842, pp .118 -132.

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272

questões coevos são di stanciados para o passado, trazendo à superfí cie a

representação de forças que subjugam o ser humano. Indi scutível obra de

maturidade, este drama trágico apresenta -se sem a ganga de efei tos que

satisfaziam o público amante do “destempero original de um drama

plusquam romântico” (Garrett 1904: II , 247). O próprio autor deixa claro

não ter a inda encontrado o destinatário para a obra, quando o apresenta à

ilustre a ssembleia , a tenta à l eitura da Memória ao Conservatório . Tem

total consciência das exigívei s necessidades artíst ica s e das

cont ingências que obstam a uma digna representação em pal co público;

ta l como enuncia ra no prefácio do Auto de Gil Vicente , continuava sem

exi stir sala , a tores e espectadores suficientemente preparados para a

exposição da simples verdade artísti ca de “uma fabula trágica antiga”

(Garrett 1904: I , 770). A premência do projeto para a restauração de um

teatro nacional era de difí cil harmonizaçã o com o tempo de

amadurecimento dos di ferentes elementos que o constitu íam. Nem a

escola de arte dramática, nem o concurso de originais do Conservatório

haviam produzid o os fru tos necessários à formação do gosto, a té do

próprio público. O desalento de Garrett t inha sobejas razões para ter

despedido o entusiasmo vintista .

O drama de Manuel de Sousa Coutinho integra tam bém outra

tr ilogia sobre o nacionali smo português – Alfageme de Santarém e D.

Filipa de Vilhena – , glosando momentos de cri se de identidade

individual e coletiva . Neste ca so, r essalta o t ema das aspirações

sebásti cas, e do próprio D. Sebastião, como figura românt ica ; Silva

Abranches tomara -o para herói em O Cativo de Fez (1841)357

. Vária s

fontes serviram de inspiração a Garrett na elaboração da per sonagem de

Manuel de Sousa Coutinho, enquanto arquétipo da nação portuguesa.

Segundo Crabée -Rocha, a postura de Gar rett face a o Frei Luís de Sousa é

357

E m França, o t e ma fora t ratado por P aul Foucher, que es t reou a t ragédia Don

Sébas t ien d e Por tugal , no Théât re de l a Porte de Saint -Mart in , a 9 de nove mb ro de

1838. Sobre es ta obra se baseou Eugène Scribe, para escre ver o l ibreto da ópera Don

Sébas t ien , Roi d e Por tugal , com música de Gaetano Donizett i : Don Sébas t ien d e

Por tugal (1843), que est reou na Salle Le Peleti er , da Opéra de Paris , a 13 de

nove mbro de 1843. Cf . R EBE LLO , Luiz F rancisco (2007), Teatro Romântico

Por tuguês . Lisboa: IN-CM; B O TT O N , Fernanda Verdasca/ BO TT O N , Flávio Fel ício

(2012), “A Arqui tetura melodra mát ica e m O Cat ivo d e Fez ”, revi s ta Todas as Musas,

ano 4 , nº 01 , Ju l – Dez. 2012, pp.154 -166.

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idêntica à de Goethe face ao Faust, em que ambos citam referência s de

espetá culos populares – cómicos espanhóis na Póvoa de Varzim358

,

aquele, a Puppenspielfabel, este – , como legitima ção de um percurso de

erudição. O próprio Garrett r econhece, na Autobiografia , a influência

tu telar deste dramaturgo, “a par de Herder e de Schiller” :

[Nas] suas opiniões l iterárias, no seu estylo, em tudo o que se pode

chamar – o género e modo de escrever de um auctor – que as suas

composições posteriores têm todas um cunho di ferente, um carácter de

maior t ranscendência e profundidade, pensamento mais v igoroso, est ilo

mais próprio, mais feito, mais verdadei ramente original (Garrett 1904: I,

XLV).

Garrett socorreu -se de fontes primárias – Memória histórica e

crítica acerca de Luiz de Camões (1820), de D. Franci sco Alexandre

Lobo, Bispo de Viseu, e da História de S . Domingos – , bem como

ficcionais – o romance Luiz de Sousa (1835) , de Ferdinand Denis, e o

drama O Captivo de Fez (1841) , de Silva Abranches – , citadas na

Memória . Acrescente -se a inda o romance histórico Frei Luiz de Sousa

(1840) , de Inácio de Morai s Sarmento , publicado na Revista Literária

(Porto, vol. V, pp.136 -146), e Manuel de Sousa Coutinho (1842), de P.

M. [Paulo Midosi] , romance publicado como folhetim, em O

Panorama359

. Na oitava rima de Morai s Sarmento, de “realização poéti ca

péssima”, encontr ou Garrett a “ ideia de aproveitar poeti camente” a

tragédia (Crabée -Rocha 1954: 159), e na prosa de Midosi , a “identidade

per feita do fundo” e “frases inteira s que tiveram o seu eco no drama”

( id . , ib id . : 160).

Ao contrário de D. Filipa de Vilhena ou de O Alfageme de

Santarém, o aspeto hi stórico não é r elevante em Frei Luís de Sousa . Ele

contém a “matéria prima […] do drama actual, rápido, inci sivo,

profundo, que electriza o espectador sem demorar a catástrofe à custa de

358

Na Memória ao Conservatório , Garret t refere a exis tência desse espetáculo , que o

entusiasmou, desconhecendo, porém, a autoria do drama representado. Todavia, nos

“Apontamentos autógrafos para a elaboração do drama”, l ê -se que a di t a comédia

fa mosa seria de Calderón de l a Barca . Segundo Campos Lima, t ratar -se-ia de A

secreto agravio secreta venganza (1635), que re vela , de facto , analogias com o

drama garret t i ano (Lima 1948: 4, nota 1) . 359

O Panorama, vol . VI, n º30, 23/07/1842, pp .237 e ss ; nº31, 30/07/1842, pp .243 e

ss .; nº32, 06/08/1842, pp .251 e ss .

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epi sódios subsidiários” (Pimentel 1902: 4). O drama desenrola -se entre

paredes, nas casa s de Manuel de Sou sa Coutinho e de D . João de

Portugal, em Almada, concentrando a fábula numa alargada unida de de

espaço, e criando uma tragédia íntima, no seio de uma família , longe de

olhares exteriores, à exceção dos estritamente indispensáveis ao seu

relato para memória fu tura . O conflito doméstico não pertence à

burguesia; o drama reveste -se da roupagem trá gica própria da esfera

social aristocrática e r eligiosa, tornando a desgraça “ mais pungente, e

mais catastrófica e digna de compaixão” (Crabée -Rocha 1954: 168). A

liberdade hi stórica não cria inverosimilhança; pelo contrário, sublinha a

verdade dra mática e aumenta o interesse pela narrativa, “casta e severa

como a s de Eschylo, apaixonada como as de Euripides, energica e natural

como a s de Sophocles” (Garrett 1904: I , 770).

No desfecho do Ato I , quando Manuel de Sousa Coutinho ateia fogo

ao seu palácio, Garrett in troduz u m motivo cego, que satisfaz o gosto

apoteótico da plateia , mas, acima de tudo, caracteriza a per sonalidade

moral do protagonista , a inda que abdique da sua motivação pol ítica . Não

havendo necessidade aparente de destru ir o palácio, a ação torna

consequente a transferência lógica para o novo espaço, dando

cont inuidade ao conflito em torno da figura do desaparecido D. João de

Portugal e aos presságios que se lhe r elacionam. Garrett t em consciência

da força da encenação; os comportamentos da s per sonagens sã o fru to de

uma ideia amadurecida. As situações que vivem estão carregadas de

signi ficado humano, não só pelo que dizem, mas ta mbém pela forma

como actuam.

Seguindo a mesma coerência , o desenla ce do Ato II , na sua

deliberada contenção de linguagem e exposição melódica da frase, cria

outro efeito de apoteose cénica, e de catarse emocional, para

per sonagens e para espectadores. O ato poderia concluir na ação de D.

Madalena, fugindo “espavorida”, a pós o reconhecimento do Romeiro

(cena XIV ) . Todavia , Garrett cria uma derradeira sequência , qu e sublinha

sintetica mente o gesto anterior, pela sua deliberada repet ição,

transformada agora na eterna condenação do vingador D. João, e

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estabelece contrastes harmónicos, que definem a tonalidade trágica da

partitura dramática. Como se compusesse uma partitura musical, Garrett

propõe a u tilização do tom agudo de um “grito espantoso” – “minha

filha, minha filha, minha filha” – , para imediatamente fazer descer ao

“tom cavo e profundo” – “estou…estás… perdidas, desonrada s” – , numa

modulação entre tónicas e dominantes, que se prolonga m na derradeira

cena do ato, mantendo suspensa a a tenção. O tempo de execução é

“largo”: lento na forma como o pano que descerá no fim do ato,

ritualizado no modo como o Romeiro aponta com o bordão para o seu

próprio retra to, enunciando o célebre “Ninguém”, tão fu lminantemente

conclusivo que “Frei Jorge cae prostrado no chão” (Garrett 1904: I , 788).

O desenvolvimento do uso da linguagem, consoant e as

circunstância s do ato elocutório, apura -se em Frei Luís de Sousa . Garrett

explora nívei s de linguagem que levam o espectador a sentir os estados

de alma que os actores -personagens estão vivendo. Recorrendo a figuras

estilí sti cas, como a elipse ou o anacoluto, conferem -se níveis de

coloquialidade à expressão do pensamento, que, segundo a tragédia

regular, se mani festaria de forma mais expositiva e racional. O ritmo da

frase cria impressões estética s que se adequam à expressão exata do

momento vivido, tornando -se efeitos especiai s de subjetividade. A

aparente perda do raciocínio no emaranhado de frases enoveladas – de

subordinações, aposições e parênteses – , que, por fim, encontra a

conclusão lógica, presente desde início no espírito do locutor, é o

artifício linguí stico que Garrett usa na boca de Telmo, quando comenta

as ações de Manuel de Sousa Coutinho no incêndio do pal ácio:

Telmo

Vosso pae, Dona Maria, é um portuguez às di re itas. Eu sempre o tive em

boa conta; mas agora, depois que lhe vi fazer aquella acção , – que o vi

com aquella alma de portuguez velho, deitar as mãos, às tochas, e lançar

elle mesmo o fogo à sua propria casa; queimar e dest rui r n’uma hora

tanto do seu haver, tanta coisa do seu gosto, para dar um exemplo de

l iberdade, uma lição t remenda a este s nossos tyrannos… Oh minha

querida filha , aquillo é um homem! ( Ato II, cena I ; Garre tt 1904: I, 781)

Se a exaltação de Telmo Pais, pedida na didascália , comove Maria

de Noronha, o mesmo expediente, em maior dimensão, se aplica no

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desfecho deste mesmo ato , pela boca de D. Madalena, cujas frases

sincopadas transportam o sentido emocional na obtenção de um clímax

patético na exclamação final, que a didascália pontua, como notação de

partitura:

Magdalena (com um grito espantoso) - Minha filha , minha fi lha, mi nha

filha!… (em tom cavo e profundo) Estou… estás… perdidas,

deshonradas… infames! (com out ro gri to do coração) Oh minha filha,

minha filha!

(Ato II, cena XIV ; Garrett 1904: I, 788)

Compreendem-se as reti cência s que Garrett coloca à interpretação

por profi ssionai s. O estilo de escrita implica uma r epresentação sóbria ,

que sempre defendeu desde os t empos académicos ; um est ilo veri sta em

cena, a que a s plateias dos t eatros públicos não estavam habituad as, nem,

por ventura , o seu temperamento se coadunava ainda:

Pois o teat ro… […] É o destempero original de um drama plusquam

romântico, laureado das immarcessiveis palmas do Conservatorio para

eterno abrimento das nossas boccas! […] em que a dama, soltos o s

cabelos e em penteador branco, endoudece de rigor, - o galan, passando a

mão pela testa , t i ra do profundo thorax os t rês ahs! de estylo, e promete

matar seu próprio pae que lhe apareça – e cent ro perde o centro de

gravidade, o barbas arrepela as barbas… e maldição mald ição, inferno!. . .

“Ah mulher ind igna, tu não sabes que n’este peito há um coração, que

d’este coração saem umas artérias, d’estas artérias umas veias – e que

n’estas veias corre sangue… sangue, sangue! Eu quero sangue, porque eu

tenho sede, e é de sangue… Ah! Pois tu cuidavas? Ajoelha, mulher, que

te quero matar… esquartejar, chacinar!” E a mulher ajoelha, e não há

remedio senão aplaudi r… (Garrett 1904: II, 247; itálico original ).

Como explicar ao espectador do Teatro da Rua dos Condes que a

catástrofe dramática , “um duplo e tremendo suicídio”, sem punhal e sem

veneno, se consumava apenas em duas mortalhas? Que a “resignação de

Prometeu”, “os r emorsos de Édipo”, ou “os terrores de Joca sta” não eram

comparativamente mais sublimes do que “a dor, a vergonha, os su stos”

que atormentava m D. Madalena de Vilhena? (Garrett 1904: I , 770) Como

fazer entender a sublimidade do a ssomo de arrependimento de D. João,

pedindo a Telmo que salve aquela família? Que Maria de Noronha se

resigna na sua morte de vergonha? Que Manuel de Sou sa Coutinho e D.

Madalena se despedem do mundo, aceitando que “Deus afl ige n’e ste

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mundo aquelles que ama” e que a “coroa de glória não se dá senão no

ceo”? (Garrett 1904: I , 793-4).

O mesmo rigor se apli ca à execução cenográfica , à pintura dos

ambientes, de espaços que são, eles próprios, criações narrativas cénicas .

A sala de “janelas ra sgadas […] d’onde se vê toda Lisboa” ( id., ib id . : I ,

775), do Ato I , por onde se espera a chegada da per sonagem ti tu lar, com

notícias do presente, dá lugar à interioridade de um salão antigo “de

gosto melancólico” ( id ., ib id . : I , 781), do Ato II , em que a s próprias

portas se cobrem de reposteiros, prenúncio da reclusão futura . Lógica

idêntica orienta a u tilização de adereços cenográ ficos: o retra to de

Manuel de Sousa, “em corpo inteiro”, que D. Madalena se obstina em

salvar do incêndio, estabelece u ma conexão com o t empo de outrora , com

imagens de antanho na sala dos r etratos do ato seguinte. O despojamento

estéti co da antecâ mara (ato III) , ocupada por “alfaias e guizamentos de

igreja”, em que se distinguem símbolos processionais da Sema na Santa e

um hábito de relig ioso dominicano, sublinha o ambiente de “completa

prostração” em que se encontra o protagonista ( id ., ib id . : I , 789). Se,

entre os doi s primeiros a tos, Garrett l iga o passado ao presente – a

aparição da figura vingadora de D. João produz um efeito tão deva stador

quanto o convidado de pedra, em Don Giovanni – , no terceiro ato a ação

integra doi s momentos para a redenção final: a descida à vasta câmara

sem qualquer ornato , que prenuncia o início de uma viagem iniciática ,

semelhante ao rito maçónico que Garrett conhecia , e o desvendamento da

nave da igreja de São Paulo (cena x), numa mutação de cena à vi sta , que

conclui o percurso, sendo os neófitos acolhidos no seio da ordem

dominicana pelo som do órgão, enquanto o coro entoa o De profundis

(salmo 130): “si iniquiia tes observaveri s, Domine; Domine, quis

sustinebi t?” ( id ., ib id . : I , 793). Torna-se evidente que Garrett a tingiu a

mestria da gramática de palco , com a qual constrói a sua poét ica de cena.

Na sociedade em evolução, o drama pretend e ser a “expressão

lit teraria mais verdadeira do estado da sociedade”, o “verbo ainda

balbuciante de uma sociedade indefinida”, que “reflecte a modi ficar os

pensamentos que a produzira m” ( id ., ib id : I , 771). Neste ensa io sobre a

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teoria de arte, forçoso se torna “pintar do vivo, desenhar do nu, e a não

buscar poesia nenhuma nem de invenção nem de estylo fóra da verdade e

do natural” ( id ., ib id . : I , 772). E Frei Luís de Sousa conclui o ciclo de

refl exão política de Garrett , “chegado ao último grau de pessimismo”,

quanto às “soluções pragmática s dadas ao problema da humanidade, e de

sacri fício do ideali smo”. O benefício do perdão políti co de Manuel de

Sousa Coutinho de nada vale ; a desgraça familiar abateu -se

inexoravelmente, despojando -o lit eralmente. Maria , a filha amada, a

inocente vít ima do destino, a idealista “revolucionária sentimental”

(Crabée-Rocha 1954: 169), tampouco pode sobreviver na agonia da

vergonha. Garrett ganha ra a lucidez de que a res publica , não sendo

compatível com escrúpulos e moralidade, condenava o prota gonista ao

sacri fício absoluto, ta l como concluíra em Catão.

A obra começou a t er sucesso antes de ser r epresentada. A Revista

Universal Lisbonense (nº33, 04/05/1843: 413) elogiou -a como um “novo

laurel” da literatura portuguesa. A representação no t eatro particular da

Quinta do Pinheiro teve foros de grande noite li t erária . Herculano

assi stiu ao espetáculo e congratulou -se com o autor, num cont ido abraço

silencioso (O Conimbricense, 01/09/1903, nº5819). O Panorama

anunciou a edição da o bra , gozando de “creditos collossaes” (Leal 1843:

407). Todavia , os anos passaram sem que a obra subi sse à cena de um

teatro público. Após a edição impressa, doi s t eatros no Rio de Janeiro

“rivalisavam” na sua representação, “com mais esplendor”, enquanto a

imprensa periódica criava uma “interessante polémica lit teraria” ,

granjeando popularidade além Atlânti co. O drama teve eco no

estrangeiro, foi avaliado lit erariamente em França, Inglaterra e

Alemanha (RUL 02/10/1845: 176). Em Portugal, apenas u ma “pobre

companhia de actores ambulantes [divag ou] pelas provincias do norte do

reino, representando o Fr. Luiz de Sousa no meio do enthusiasmo

geral”360

. Apesar das defic iências de representação, a obra valia por si,

360

Tratar-se-á de u m agrupa mento que da va pelo nome de Companhia Nacional

Dramát ica, cujo programa se encont ra no espólio da bibl ioteca do Teat ro Nacional D.

Maria II (PRG771, cx .48). Refere a úl tima de t rês réci t as (1/ 3/1845), começan do

pelas 19:45 horas , e t erminando o “divert imento” com “uma das melhores farças”. A

dist r ibuição t inha como protagonis tas os atores Reis (Manuel de Sousa), Maria do

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tornando “inexplicável este phenomeno” para o articuli sta da Revista

Universal Lisbonense ( ib id . : ib id .)361.

Em 1847, no Teatro de D. Maria II , Frei Luís de Sousa esbarrou no

“rigor extravagante” do secretário da Inspeção -Geral dos T eatros,

Cipriano Lopes de Andrade, que viu no desfecho do Ato I um atentado

diplomático aos súbditos espanhóis residentes em Portugal, e na

exposição da imagem da Virgem Maria , no Ato III , um atentado à

religião (Sequeira 1955: I , 142). Ter-se-ia estreado no Teatro do Ginásio,

a 1 de agosto desse ano, com cenários de António José da Rocha , pintor

do Teatro das Laranjeiras (Sequeira 1939 -41: III, 310-11), se Emílio

Doux, que entrara como empresário, não tivesse r ecuado na intenção .

Apena s em 1850 , chegou ao palco do Normal, no momento em que se

inaugurou a iluminação a gás. Latino Coelho e Franci sco Palha

ironizaram sobre o estilo de declamação com que foi representado, na

revi sta do ano Lisboa em 1850362.

Enquanto os contemporâneos de Garrett , cultores de um modelo de

teatro histórico, aproveitavam as facil idades da hi stória , o autor de Frei

Luís de Sousa parecia afastar -se do fa cto, em busca do “drama íntimo”

Carmo (Madalena de Vi lhena), Ana Fontainhas (Maria de Noronha), Leonardo (F rei

Jorge), Tomás de Al meida e S ilva (Romei ro), Gi l (Telmo Pai s ), Carval ho (P rior de

Benfica) , Rodrigo ( i rmão con verso), Assunção (Miranda) e Maria Carol ina

(Doroteia) . O Arcebispo de Lisboa era desempenhado por um figurante (N.N.) . 361

F ialho de Almeida refere u ma representação da obra no Teat ro do Sal i t re , na

década de 1840, protagonizada pelo ator Gi l (pai ) , como Manuel de Sousa Cout inho,

e a at r i z Maria José dos Santos , como D. Madalena de Vilhena, ent re out ros.

Menciona ainda uma poss ível representação, ent re 1844 e 1846, no Teat ro da

F lores ta Egípcia , às Amorei ras , na qual Joaquim José Annaya teria in terpretado o

papel t itular , sendo António Mendes Leal , Telmo Pais . As informações que possuía

não augurava m, poré m, grande qual idade (Almeida 1993: 186, nota1). 362

O diálogo ent re o Te mplo de Salomão e o Teat ro do Ross io parodia duplamente

Garret t e Mendes Leal júnior, ent re o sucesso do drama sacro des te e as at r ibulações

do drama românt ico daquele:

Te mplo / [ imi tando] a Magdalena do F r. Luiz de Souza/ - Mas sem os me us camel los não? Tu não sabes a vio lência – t error com que eu penso em ter de ent rar em tua casa

– e não encont rar al li os meus col laços! Parece que ve m sobre mi m todas as pateadas

do mundo!. . . Se fossemos para out ra parte. . . para a Rua dos Condes , para o Sal i t re,

para Santo Amaro, mas para al l i não. .. oh! não!

Theat ro do Rocio / imi tando o Manoel de Souza Cout inho / - Em verdade nunca t e vi

ass im! – Ass im, Te mplo de Salomão! – Res ta-nos ainda a escada para o Céo; - res ta-

vos aquel le anjo mexeriquei ro que met te o nariz em toda a parte – cantando quadras

para [adormecer creanças , ou deitando lóas para] d ivert i r o povo – e sobre tudo / com

enthus iasmo/ Uma mãe que não mata um fi lho – mas morre por el l e! [ subl inhados

originais ] (Palha/ Coelho 1851, ato I, cena 5) .

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das figuras (Crabée -Rocha 1954: 171). O aparecimento de D. João de

Portugal, qual deus ex machina, tem o condão de destru ir a situação

penosa da família de Manuel de Sousa Coutinho, em vez de a salvar

como ocorreria no modelo tradicional, repondo a ordem. Tal como Alda,

em O Alfageme de Santarém , D. Madalena está div idida ent re o amor

sensual pelo atual marido e a estima afetuosa que nutre pelo anterior.

Comparando com Lucrécia , D. Madalena representa a maturidade do

próprio escritor na abordagem dos sentimentos fa ce aos problemas que se

colocam no quotidiano das per sonagens. Sobre esta pesa a sombra de um

adultério, o pecado capita l romântico, abordado de forma humana, como

“expressão maravilhosa do eroti smo português” (Crabée -Rocha 1954:

172). Segundo Crabée -Rocha, a genialidade de Garrett mani festa -se na

forma como conduz o desfecho da obra . Na aceitação da morte ao mundo,

na resignação ao castigo “justo e certo”, o drama transfigura -se numa

“espécie de mistério dos tempos modernos” ( id ., ib id . : 173).

A morte de Maria , de vergonha, apela ao lir ismo sentimental do

espectador, solidário com a vítima sem culpa de um crime. Mas também

a do Romeiro que se “suicida” no momento em que enuncia ser

“ninguém”; e a inda Telmo, condenado à solidão de quem perde toda a

família . Sobre os palácios, outrora chei os, abate -se o silêncio nos três

a tos: ru ínas de pedra, o primeiro; ru í nas espectrais de uma galeria de

retratos, o segundo; arrecadaçã o de alfaias religiosas, ru ínas humanas em

vida, o ter ceiro. O r evolucionário Manuel de Sou sa Coutinho dá lugar ao

resignado Frei Luís de Sousa, retra tos de Garrett , do homem político que

se desiludiu , e que se retira para a contemplação do amor tr ágico pela

Pátria .

“Da nobreza para a exposição popular…”

Em 1841, o a taque que Garrett lançou à política conservadora do

governo de Joaquim António de Aguiar conduziu à sua inevitável

demissão de todos os cargos públicos e à passagem para a oposição.

Continuou a a tividade políti ca como tribuno, sem contudo assumir

qualquer nomea ção para as comissões parlamentares, vindo a ser um

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acérrimo contestatário da r estauração da Carta , proclamada no Porto em

1842, por Costa Cabral , anteriormente um fervoroso apoiante da

Revolu ção de Setembro. A veemência com que combateu a vontade

governamental de di ssolver o Conservatório, no célebre discurso

parlamentar do Porto Pir eu , numa “oração tremenda”, motivou o

comentário de Herculano : “Se lhe dão tempo de pensar, esmaga -os”

(apud Amorim 1881-84: II , 641). Datam daquele momento as ações

per secutórias r eferidas na prefação de O Alfageme de Santarém ,

progressivament e agudizadas, obrigando-o à condição de foragido

durante as r evolu ções da Maria da Fonte e da Patuleia . Garrett não

resi stiu ao “absolutismo a la moda” , ao “despoti smo petit-maître ,

parvenu, de vilão ruim, […] o mais insuportável de todos” ( apud

Amorim 1881-84: III , 24; itá lico original ) . A vitória cartista e o regresso

do cabralismo, em 1849, afastaram-no definitiva mente da vida política ,

a té à instauração da Regeneração, em 1851, que o consagrou em

absoluto.

Apesar de demitido dos cargos de vice-presidente do Conservatório

Real de Li sboa , de Inspetor -geral dos teatros e do de Conservador das

Escolas de Decla mação, em 1841 , Garrett continu ou a exercer o seu

espírito norteador a través de associações de joven s estudiosos,

inter essados em discutir os “progre ssos moraes da nação”. Entre elas

destacava-se o labor da “Sociedade Escholasti co -Philomatica ” , fundada

em 1838, e que, no ano seguinte, passou a ter Garrett como presidente

honorário (Amorim 1881 -84: II , 706). Inicialmente a lojada no “primeiro

andar de um prédio de acanhada e singela frontaria” da rua da Atalaia

(Ferreira 1872: I, 43), acolhia a mocidade literária , cujas “vozes

acaloradas, como de homens que apostrofavam, ou que ensaiassem a s

diver sas entoações decla matórias de um empolado sermão” ( ibid .: ib id .) ,

discutiam a influ ência da civilização na história , “dissertações e

controvérsia s” , que exerci tavam o poder da palavra que se “ tornaria o

ornamento e esplendor da tr ibuna parlamentar” ou de “cadeiras

cientí ficas” ( id ., ib id . : I, 44). Os frequentadores da s funções públicas da

sociedade – Andrade Corvo ou Luís August o Rebelo da Silva , então com

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17 anos, entre outros –, lotavam a “pequena sala disposta à maneira do

parlamento”:

A presidência occupava o topo da casa: renques de bancos, colocados

como na platêa de um teat rinho particular, enchiam o resto da sa la,

deixando apenas uma est reití ssima nesga de espaço para a galeria

públ ica (nem isso fa ltava!) que eram duas filei ras de assentos de pinho,

que ficavam logo à ent rada da porta principal, para maio r comodidade do

visi tante est ranho que concorresse a presenciar estas polemicas oraes em

miniatura, comparadas com o que já sucedia então as nossas assemblêas

pol iticas (Ferrei ra 1872: I, 44; itálicos originais)

Passada “esta época de fogo para os espíritos da juventude” ( id .,

ib id . : 45), a sociedade entrou num período de decadência , para ressurgir ,

na rua de Santa Marta , nº 23, revelando vultos marcantes da década

seguinte. A 18 de fevereiro de 1842, o primeiro secretário Latino Coelho

endereçou a Garrett um convite para participar na sessão literá ria sobre a

influência da política filipina na decadência do “commercio, artes e

sciencias”, em Portugal (Amorim 1881-84: II , 707). A figura de patrono

de Garrett fi ca patente nas contínuas cartas que lhe são dirigidas, dando -

lhe ânimo para continuar a sua “cruzada”, “mirando sempre à

regeneração ou […] creação do nosso teatro” ( id ., ib id . : II , 708):

Em meados de setembro d’este anno de 1842, recrutando entr e os

membros da sociedade do Timbre , os do conservatório e os da sociedade

escholastico-philomat ica , quantos lhe eram affe içoados, e às suas idéas,

creou out ra associação, que o elegeu presidente, e se denominou dos

“amadores da scena portugueza” . Tinha esta por fim “á própria custa , e

pelas pessoas de seus membros, representar algumas peças no teatro do

Sal it re . […] Cada socio cont ribuía com 4$800 ré is, por mez, e recebia

quat ro bilhetes de platéa e um camarote , ti rado á sorte ( Amorim 1881-84:

II, 708 ).

Amorim coteja a informação a partir de um artigo a ssinado por

Feli ciano Castilho, na Revista Universal Lisbonense (22/09/1842: 10) ,

elogiando o papel que a sociedade desempenhava – “planta fructi fera” – ,

na defesa, como Garrett , do direito à propriedade lit erária . A sua

atividade foi todavia efêmera, porque a políti ca exigiu o cont ributo d os

sócios mais influentes no palco tribunício:

A imprensa e a eloquência combinavam-se: a palavra falada e a palavra

escrita pareciam-se muito e os homens eram, no fim de contas os

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mesmos. Com frequência, o jornali smo, espécie de t rampolim de grande

espect ro mundano, li terário e político, abria as portas duma carrei ra que

levava ao Parlamento e mesmo à bancada do governo (França 1999: 170).

Aproveitou Garrett este momento para regressar à escrita dra mática

para teatro de sala e para as dinâmicas sociedades dramáticas

lisbonenses, quando o associativi smo começava também a dar os

primeiros passos. Trata -se de comédia s para serem representadas em casa

de a migos ou em palcos particulares, como entr etenimento das horas de

ócio , em festividades carnavalescas ou em tempos de veraneio. Desta

fase, o Espólio guarda fragmentos de composições dramáticas – drama,

comédia, far sa e opereta – destina das a teatros parti culares: Entremês

dos velhos namorados Que ficaram logrados, bem logrados ; Serapião, o

Monstro , ambos destinados a um teatro particular da Rua Formosa363

, ao

Bairro Alto, localização próxima da residência de Garrett após a sua

separação de Luísa Cândida364

; e a inda O Auto da Rainha Penélope e O

Cifrão , possivelmente para o mesmo tipo de destinatário, a tendendo às

característi cas das obras. Sou sa Bastos (1947a: 71) refere a exi stência de

sociedades de curiosos dramáticos que representavam “os mais difí cei s e

afamados dramalhões”, entr e os quais o drama de Mallefil l e, Os sete

in fantes de Lara365

, o drama sacro, A degolação dos inocentes366

, de

363

Exis te referência a um teat ro parti cular local izado nesta rua, na segunda metade

de Oitocentos. Da sua sociedade dramát ica saí ram atores para os palcos públicos ,

conforme ates ta Sousa Bas tos . Não é de todo evidente que se t rate do me smo local a

que Garret t des tinaria estes projetos . Como em mui tos out ros casos , os t eat ros

part i culares eram conhecidos pelo nome da rua onde se local izava m. In icialmente o

arruamento fo i des ignado por rua do Longo, devido a u m mo rado r de nome Longuo

que aí viveu na segunda metade do século XVII. A toponímia de rua Formosa, onde

se encont rava o palácio dos Carvalhos , fo i l egal izada pelo edi tal do Governo Civi l

de 1 de setembro de 1859. A vere ação ca marária republ icana, em 1910, al t erou para

o nome que atualmente os tenta – Rua do Século – , em ho menage m a o periódico

fundado em 1880, por Sebas ti ão Magalhães Lima, no rescaldo das come morações do

t r i centenário de Camões . 364

Segundo Gomes de Amori m, Garret t t inha o “gos to das mudanças” (1881 -84: II,

662), não parando na mes ma casa durante mui to t empo. Em 1841, res id ia na Rua do

Alecrim, onde se mante ve durante bas tante t empo ( id .: ibid ) . 365

Em 1861, No Teat ro da rua dos Condes , es te drama foi representado pela

Sociedade Regozijo Thal iense , da qual faziam parte, co mo a madores os atores Valle

e Sérgio de Almeida (Bas tos 1898: 344). 366

Em O Sangue, Cami lo Cas telo Branco descreve-o co mo u m dra ma que, após

sucessivas representações, continuava a desent ranhar “novidades , peripécias e frases

que arrancava m no vas l ágri mas e no vos reptos de admiração” (2000: 112).

Correspondia igualmente ao modelo da cul tura dramát ica de senhora vi r tuosa, como

D. To másia, em A morgad a d e Romariz , que, para além des te, conhecia o Santo

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Maillan e Fontan, ou ainda o drama hi stórico de Alexandre Du mas pai, A

torre de Nesle , todos editados na coleção “Archivo Theatral” .

Da farsa guinholesca Entremês dos velhos namorados (ms.29),

guardam-se apena s as duas primeiras cena s. A senhora Bicuda e o senhor

Pancrácio pretendem casar, por inter esse, ju lgando cada um qu e o outro é

rico. Fandango, criado de Bicuda, e Ladina, criada de Pancrácio,

completam o rol das figuras. Qualquer dos patrões sofr e de ciúmes dos

criados, que lhes pregam partidas continuamente: “ tirar a cadei ra quando

se vão sentar, erguê -los pela ponta da orelha, apertar -lhes o guardanapo

até os engasgar, beber -lhes o vinho enquanto falam, e dar -lhes filhós de

estopa, em vez das autênti cas” (Crabée -Rocha 1949: 35). Tratar -se-ia de

um enredo para espetá culo de Entrudo, conforme sugere a autora do

Teatro de Garrett , a lembrar as farsas populares de Ricardo José

Fortuna? Ou seria uma inspiração colhida em algum teatro de boni frates?

Serapião, o Monstro (ms.30), de que apenas exi ste o primeiro

quadro, corresponderia , segundo nota de Garrett , a um projeto de drama

romântico “em quadros e sem atos, accommodado a gosto moderno ma is

per feito e apurado” (Lima 1948: 9). Do teor díspar destes projetos para

teatro particular, depreende -se a exi stência de um apetite ecléti co do

público , que, apesar das t entativa s garrettianas de formação do gosto,

cont inuava a preferir as velha s tropeli as de teatros de fei ra , ou os

excessos excêntricos das t entativa s dramáticas dos tempos de S intra .

O Auto da Rainha Penélope (ms.31) denuncia um lado irreverente

do seu autor, arquitetando um projeto de comédia musicada, em dois

a tos, sobre a história grega de Ul isses no regresso a Ítaca. À maneira do

que Offenba ch faria em Orphée aux enfers (1854)367

, encontra mos os sete

António , de Braz Mart ins ; por um lado, a perpetuação de uma cul tura popular dos

Presépios setecenti stas , do Auto sacramental da morte dos innocentes (1747), por

out ro, um reconhecimento público fomentado pela ci rculação das obras em folheto ,

como refere Júl io César Machado , em Apontamentos d e um folhetini sta (1878: 198) ,

a propós ito dos Sete in fantes d e Lara . 367

O sucesso de Offenbach chegará a Lisboa na segunda metade de 1860, com a

es t reia de A Grã-Duquesa d e Gerolstein , no Teat ro do P ríncipe Real (29/02/1868),

em t radução de Eduardo Garrido , que t ambé m ass inou a de As Georgianas (Teat ro do

Ginás io , 28/11/1868). F ranci sco Palha t raduziu o Barba-Azul (Teat ro da Trindade,

13/06/1868) e Mendes Leal fez a t radução livre de A Bela Helena, de Meilhac e

Halé vy (Te at ro da Trindade, 04/03/1869) .

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pretendentes da rainha – um poeta , um leão, um médico, um guerreiro,

um filósofo, um políti co e um agiota – , logo na cena primeira , que

decorre no palácio de Penélope, cuja cenografia se descreve no

“rascunho das primeira s cena s do 1º a to” ( ib id .: ib id .): “um tear com a

teia posta e no fim; um grande instrumento vulgarmente di to piano, e que

tinha outro nome mais sonoro na língua helena; um cavalete e mais

instrumentos de pintar; uma mesa com todos os nik -naks de livros,

porcelanas, á lbuns, tapeçarias, et c., que a moda actual tem restaurado

das antigas elegância s gregas” (apud Crabée -Rocha 1949:36). Um coro

de abertura e uma polca, dançada por Uli sses e Circe, como se impunha

na ópera -cómica, t eriam feito sem dúvida as delícia s da platei a e

provocado a indignação de qualquer Jules Janin português, que aos

epítetos “per fide Meilhac, tra ître Halévy, misérable Offenbach” teria

acrescentado um cesário tu quoque Garrett:

Si vous aviez lu para hasard ces belles pages d’ Isocrate célébrant , au

mi lieu des guerres civiles, cette Hélène, orgueil de L’Asie , amour de

l’Europe, armant la terre e t le cie l en bonheur de sa beauté ! N’avez-vous

donc jamais entendu parler de ce poète aveugle pour avoi r insul té la

belle Hélène, et chantant la Palinodie, ó fa iseurs de parodies que fa ites

chaque soi r une charpie de la ceinture de Vénus! (Jules Janin, “La

semaine dramat ique”, feuilleton, Journal des Débats, 09/01/1865 : 1-2)

Por fim, O Cifrão (ms.32) , comédia em 2 atos, em que Garrett

abordaria as preocupações da sociedade li sboeta (a ação pa ssa -se em

Benfica, em 184…), tra tando um assunto sobre a realidade financeira

coetânea, com saques, bancos, florins e rublos. O esboço dramático

limita-se à primeira cena, em que a per sonagem principal José Libório,

por a lcunha o “ci frão”, guarda -livros duma firma importante, convencido

de que vai casar com Mimi, a filha do patrão, reage contra a sua alcunha

e anuncia aos primos que o pai da jovem tencion a retirar-se dos

negócios. Ao confli to da trama subjaz o facto de Libório conhecer um

segredo comercial complicado, que deveria guardar para si, sendo -lhe

por isso permitido casar -se com a filha do patrão (Crabée -Rocha 1949:

34).

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Este argumento parece indicar, que Garrett sentir -se-ia tentado pela

escrita de um género, cuja projeção ocorreria na década seguinte : a

comédia social, teatro de atualidade ou comédia -drama, que deveria

procurar “esboçar na vida coetânea um quadro em que vivesse a paixão”,

como defendeu Mendes Leal, no prefácio de Pedro (1857: [1])368

. Uma

ideia que parece estar também presente num argumento, contido em

“Apontamentos para composições dramáticas” ( Espólio , 42; Lima 1948:

10), versando os efeitos sociais da guerra civil , que tra taria a história

coetânea como fonte e assunto para um “sainete”, com algumas lágrima s

à mistura:

Simão Luís, prior velho, é padrinho de Maria , fi lha dum migueli sta

famoso que emigrou para Espanha. Vivem numa pobre casi ta e cult ivam

uma horta. O pai de Maria foi despojado dos seus bens por André Bayão,

antigo guerrei ro consti tucional, que se indemnizou por suas mãos. Este

tem um filho que deseja reparar a injustiça do pai . André quer forçar a

rapariga a casar com ele , mas as autoridades da vila , que convocou para

esse efeito, negam-se a obedecer-lhe . Até que chega o rapaz que ela ama,

casam e “acaba el sainete” (apud Crabée-Rocha 1949: 34).

Garrett , que frequ enta os círculos sociai s, que o acarinham pela sua

graça, tem, como nos t empos da academia e dos seus primórdios

lisboeta s, uma sociedade burguesa que lhe estimula o estro e fornece os

seu s atores. A sua produção é soit d isant de encomenda, num género em

que não se sente à -vontade, onde cai com fr equência no mau gosto, ou se

sujeita ao gosto da moda, na opinião de Crabée -Rocha (1949: 36).

Parece-nos, contudo, que terá sido esse o modo que lhe perpetu ou o

gosto pela arte dramática, na impossibil idade de prosseguir a composição

de drama s de grande envergadura, em tempos conturbados de vida

políti ca e privada: são comédias de r epresentação fáci l que, de alguma

forma, a testam o espírito de sociabilidade da burguesia liberal em

ascensão, sem os r ecursos económicos de um Farrobo . Garrett circulava

entre Li sboa, Oeiras e Cruz Quebrada, e partilhava o seu tempo com as

família s dos seus eternos amigos:

368

Ainda que publicado em 1857, o drama e m 5 atos , de José da Si lva Mendes Leal

júnior fora escrito o ito anos antes .

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Enriquecia o espi ri to dos que sabiam ouvi l -o; lia , nas casas das pessoas

mais intimas, coisas suas ou a lheias; dava conselhos l iterários, lições de

gosto, […] accentuava, enfim, por todos os meios e modos, a sua

influencia, sem sombra de intenção de o fazer, como quem não dava por

i sso (Amorim 1881 -84: I I I, 236).

Das comédias de teatro de sala , guarda -se r egi sto de três, l eva das à

cena em casa da família Palha, ao Dafundo, o “palacete dentro da quinta ,

sobre o mar e n’um ponto magni fico” (Pato 1894 -1907: III, 3 57)369

. Em

1841, representou -se a comédia Os ilustres v ia jantes (ms.33) –

participando Garrett no papel de Arlequim –, um “divertimento

doméstico, com intenções dirigidas ao grupo íntimo de ouvintes que

participava dos defeitos verberados ou da s aventuras contadas”, sendo,

por isso, naturais as a lusões ao local e aos costumes de “tomar quantas

águas e quantos banhos há por esse mundo de Deus” (Crabée -Rocha

1949: 36).

Em ca sa do desembargador José Pereira Palha de Faria Guião ,

fidalgo da casa real, as produções dramática s garrettianas fariam por

certo a delí cia do seu filho mais novo, o jovem Franci sco Palha de

Lacerda , prestes a entrar no curso de Direito na Univer sidade de

Coimbra370

. Terão estas comédias servido de motivo inspirador pa ra a sua

fu tura produção parodística de Fábia , Catimbáo ou O andador das

a lmas? Provável. I ndi scutivelmente, o espírito garrettiano encontrou em

Franci sco Palha um continuador do plano de formação de um “mercado

factí cio”, a partir de 1859, enquanto funcionário da Direção -Geral de

Instrução Pública do Mini stério do Reino, departamento que substitu iu a

anterior Inspeção-Geral dos Teatros na superintendência dos espetáculos.

Segundo Amorim (1881 -84: III , 532), na sua casa do Dafundo se

representou a comédia As profecias de Bandarra (1845) , a 25 de abril de

1846 (Crabée-Rocha 1954: 187, nota 1), e publicada postu mamente. Obra

369

Atualmente encont ra -se instalado o Colégio Espanhol . 370

F ranci sco Palha [F ranci sco Palha de Faria Guião] surge inscrito no primei ro ano

do curso de Di rei to, no ano let ivo de 1842 -43, ao passo que seu i rmão José Augus to

j á se encont rava no segundo ano ( Relação e Índice Al fabetico d os Es tudantes

matriculados na Univers idad e d e Co imbra no anno lect i vo de 1842 para 1843, suas

natural idad es , f il iações e moradas . Coimbra: Na imprensa da Univers idade, 1842,

p .8) .

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de “doi s dia s, prazo fatal e improrrogável, para se representar em casa de

uma família amiga” ( id ., ib id , : 187), esta comédia ornada de música

surge como uma espécie de vaudeville para amadores, com coros de

“praticantes de botica” e trovas de Bandarra , na boca do sapateiro Tomé

Crispim, cujo nome evoca o santo protetor d os sapateiros371

. Sousa

Bastos (1947a: 88) afiança que a inspiração fora colhida na s histórias

que o ator Sargedas contava a respeito de seu pai, Manuel António

Sargeda s, negociante de cabedais e mestre sapateiro.

Alguns anos mais tarde, Garrett di spôs -se a “refundir” a comédia,

elaborando melhor os “caracteres apontados”, tornando o enredo “mais

embrulhado”, e dando ao diálogo “maior viveza de colorido”, para que se

tornasse aceitável o produto de um momento de ócio, aproveit ando

melhor as profecia s de Bandarra , esse filão de crenças e su per stições

antigas, que se apresentava como um “tesouro de poesia nacional” , que

ninguém exa minara ainda com a devida atenção (Amorim 1881 -84: III ,

533). A doença não lhe permitiu o ensejo de o fa zer. Em 1859, subiu ,

todavia , à cena do Teatro de Dona Maria II , contrariando a vontade do

seu autor, entr etanto falecido. O público aplaudiu os d iálogos e

principalmente as a lusões aos costumes polí ticos. Segundo Amorim, os

aplausos nasciam “dos sentimentos de veneração” pela memória de

Garrett ( id ., ib id . : III , 534). Apesar de pertencer ao género antigo,

quando a comédia saiu do cír culo privado do teatro de sala , para a esfera

pública das grandes salas, o papel do protagonista tornou -se numa coroa

de glória para a tores como Teodorico .

O mesmo tipo de divertimento doméstico se encontra na comédia de

costumes populares, O noivado no Dafundo, ou Cada terra com seu uso,

cada roca com seu fuso , escrita no outono de 1847, estando Garrett a

banhos (Amorim 1881 -84: III , 239). São apenas algumas cena s,

esboçadas em poucas horas, para serem “representadas n’uma sala , e em

família” , que l embram o Noivado em Frielas , de Paulo Midosi,

representado cinco anos antes, pela “socieda de dos amadores da cena

371

O maes t ro Joaquim Cas imi ro compôs música para a representação da comédia, no

Teat ro de D. Maria II (Gonçal ves 2012: 152).

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portuguesa”372

/373

. Ainda que o poeta não desse importância lit erária a

estes entretenimentos privados, “cenas, esboçadas em três ou quatro

horas para serem ensaiadas e representadas nu ma sala” (Garrett 1904: I ,

740), a obra, segundo Palha – o “tu que as praias do Dafundo habitas/ e

abertos olhos da ventura fitas” – , valia pela “graça e elegância” e como

“monumento de saudade” a “um tempo alegre” de uma “memór ia viva da

amizade” ( id ., ib id . : I , 741).

Garrett já havia reconhecido a potencialidade que estas obras

demonstrava m enquanto “reportório do nosso t eatro nacional” , desde que

fosse melhorado o estilo. Na breve advertência ao Tio Simplício ,

constatou ser oportuno que estas composições dramáticas descessem “dos

círculos exclu sivos da nobreza para a exposição popular” . Escrita

propositada mente para ser estreada no “elegante Theatro de Thalia” , no

palácio dos Condes de Resende (11/04/1844), o Tio Simplício teve como

“actores e espectadores as primeiras pessoa s e principaes famílias do

reino”. Era também uma forma de “brindar com uma composição nova” a

sociedade part icular de amadores dramáticos, “denominada de Thalia” ,

de que Garrett era vice-presidente. Foi representada com “naturalidade e

primor”, com tanto agrado, que a peça subiu à cena “repetidas vezes”

(Garrett 1904 : I , 709)374

.

A ação desenrola -se em casa do rico sexagenário Manuel Simplício,

brasileiro de torna -viagem, ca sado com Dona Lúcia . Sofrendo de tédio,

de nervos, de “vapores”, a jovem senhora fora a banhos t erma is para as 372

Cf. A Fama, nº 3 , 21 .01.1842. A not ícia publicit a o espetáculo da sociedade, que

apresentará t ambé m o Pajem d e Al jubarrota, de Mendes Leal . 373

A obra de Garret t fo i parodiada por António Fel iciano de Cas ti lho no drama l í r i co

Noivad o em Paquetá (Lima 1930: 8). 374

O teat ro t erá s ido const ru ído em 1840 (Câncio 1962:258), neste palácio , em

Lisboa, à semelhança de out ros t eat ros part i culares de ari stocratas. Após um período

de decadência, s urge a notícia do seu ressurgimento , em 1872, com a Sociedade Dramát ica Thal iense, mot ivada pelo vereador Joaquim José Al ves . A 26 de Feverei ro

des te ano, vol taram a ser representadas comédias populares . A 22 de Junho, o t eat ro

sofreu obras de remodelação , para dar lugar ao Teat ro de Al fama, sendo empresários

Campeão & Cª, e encarregado da obra o ant igo maquini sta do Teat ro Variedades , o

Assunção. Além da sala de espetáculos , o t eat ro passaria a t er salão de baile e

botequim. A 18 de Julho, o novo teat ro de Al fa ma es ta va pronto , sob a d i reção

técnica de F rancisco da Costa Braga. A es t reia previ s ta para 14 de setembro, com o

drama Um homem do povo, de Eduardo Martins , e a comédia O ves t ido rasgado, de

Costa Braga, fo i contudo suspensa. Ao f im de t rês meses de ensaio a e mpresa

exonerou os art is t as das suas escrituras e suspendeu em defin it ivo a es t reia do

t eat ro , a 10 de outubro (Matos -Cruz 2010: passim ) .

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Caldas, a conselho do Dr. Simões. Aí se encontra com Luís de Mello,

que lhe faz esquecer a melancolia , sem saber que a jovem Lúcia é esposa

de seu tio Simplício. A r evelação da sua paixão, tomando Lúcia por filha

de Simplício , provoca ciúmes a o marido, que se ju lga tra ído, e

estupefação ao amante, que não entende o que se está a passar. O

imbróglio r esolve -se t eatralmente , com o rapaz esposando uma rapariga

de quem não gosta .

Nesta comédia de costumes burgueses, r etoma-se a consciência do

valor da obra imitada, enquanto interpretação pessoal subsidiária do

texto fonte, conforme a teoria garrettiana . Tio Simplício apresentaria ,

segundo o seu autor, uma feição portuguesa “no estylo, no s caracteres,

nos costumes”, porque esta acomodação de um enredo “do teat ro francez

moderno” ( ib id . : ib id .) privilegiava a identi fica ção dos caracteres com a

cultura do recetor, universalizando a urdidura inicial. Admi tindo que

uma ação dramática semelhant e possa ocorrer em momentos e locais

diver sos, será a personalidade social dos intervenientes que constitu irá o

elemento definidor da s caracterí stica s regionais e temporais que

identifi cam a cultura de chegada. Partindo de uma ação geral e provável,

a través da individualização sociológica da s personagens, ela torna -se

particular e possível.

Garrett aplicou a mesma lógica à comédia Falar verdade a mentir ,

cujo ato único imitava a comédia -vaudeville Le menteur vérid ique, de

Scribe. Foi r epresentada pela mesma sociedade amadora de Thalia ,

acomodando-se a “galante e engenhosa ideia”, de “bom, franco e jovial

carácter antigo” “aos costumes actuaes”, tornando -se pelo “estylo, os

modos, a phrase, o tom do diálogo, a verdade dos costumes” nu m

“verdadeiro e portuguezissimo quadro de género, […] em que não há

caricatura , mas tam naturaes similhanças que ninguém dei xa de conhecer

os originaes e de rir com eles”. Tal é confirmado na apreciação da “linda

representação da Thalia” , em A Illustração (1845: 11) , quando sublinha a

interpretação cómica de inglês, do criad o interesseiro e catavento:

Representava -se o FALAR VER DADE A MENTIR , e ria toda a gente

d’aquella caricatura de Inglez que tam bem feita foi. Ora porque será i sto

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– di sse eu comigo – d’onde vem que nos teat ros do cont inente o Inglez é

hoje um character ta m eminentemente comico, tam popular, tam seguro

de fazer ri r, desde a pla tea ás torrinhas, todas as classes da sociedade

sem excepção? (A.G. 1845: 11)

A tarefa autoral estaria facilitada, na medida em que as per sonagens

originai s não apresentavam característi cas individualizadas, sendo, por

isso, apenas “ feições de uma parte da sociedade, ma s não as de nenhuma

pessoa d’ella” (Garrett 1904: I , 720). A arte dramática tornava de ta l

forma clara a referenciação cultural entr e trama e r ealidade, que a

ninguém passava desapercebido a crítica social, as a lusões satír icas à

Espanha, o engenho imaginativo tão caracterí stico do “desenrascanço”

português, e a té a troça ao teatro. O enredo é constru ído como se fora

uma comédia de improviso; cada série de situações que o mentiroso

compulsivo Duarte Guedes vai inventando transforma-se em realidade

teatral, graças ao desempenho do criado José Félix, que se transmuta nas

per sonagens inventadas, criando um jogo interpretativo de v irtuosismo

cénico. A sociedade dramát ica de Thalia teria seguramente intérpretes à

a ltura do desa fio, para que Garrett t ivesse empreendido esta imitação.

“Esta lucta contínua em que anda a humanidade…”

Cinco anos após enunciar na Memória ao Conservatório , uma quase

despedida da “amena literatura” dramática, que fora “folguedo” de

infância , “suave enleio” de juventude, e “passatempo agradável e

refrigerante dos primeiros e mais agitados anos” da sua “hombrida de”

(Garrett 1904: I , 77), Garrett regressa ao t eatro público com duas

comédias, a mbas estr eadas no Teatro de D. Maria II . Dois quadros de

costumes burgueses – A sobrinha do Marquês (1848), retra tando o final

de Setecentos, e o Conde de Novion (1854), apontando para o início da

centúria seguinte – , retomam a ideia de um teatro fundado em situações e

per sonagens da hi stória , que funcionam como metáfora política dos

tempos coetâneos, aquela mais do que esta , sem a assunção formal de

aspetos políti cos, ma s tão-somente pela vontade de denuncia r o

“ridículo” da “lucta continua em que anda a humanidade”, variando de

“objecto e de contendores segundo as epochas”. Ambas visa m uma classe

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média acomodada em seu s privilégios, em luta com os “novos

contendores que lhe surgiram, e com que não contava em sua orgulhosa

cegueira de parvenu” ( id ., ib id .: I , 805).

A escrita inicial de A sobrinha do Marquês acontece na mesma

altura de Um Auto de Gil Vicente , mas é apenas concluída após a

revolução de 1846 -47. Nela se r evi sita a memória do marquês de Pombal,

figura controver sa na produção lit erária da primeira metade de

Oitocentos. Garrett poderia ter desenvolvido então um dra ma histórico

de per sonagem, como O Marquês de Pombal ou Vinte e um anos de

administração (1840), de César Perini de Lucca375

. Não o terá fei to nessa

altura , em prol da escrita do Alfageme, enquanto retrato da sociedade, da

qual colheu a má vontade da emergente fa ção cabrali sta . Retornou ao

entrecho inacabado e t erminou -o, quando se prenunciava o ret rocesso ao

cartismo conservador. A sua atitude não parece nem inocente, nem

inócua. E aquilo que, segundo a escola antiga, poderia ter sido um

simples entremez, surge agora como um “bello estudo crítico” de

“verdade” e de “fidelidade hi stórica”, como uma “comedia de costumes

[…] do verdadeiro drama philosophico” (Silva 1848a: 27). Deveria soar

como uma oração popular na tr ibuna teatral, advertindo para os perigos

de destru ição, de desunião, que havia m antecedido a revolta do Minho, e

contra os quais Garrett zurzira no parlamento, em 1846:

Esta pobre terra já não é senão um pedaço de terra como qual quer out ra,

uma provincia para um reino – re ino, nação, paiz , não torna a ser ( apud

Amorim 1881 -4: III, 165).

Se em 1821, o espírito setembrista lhe ditara O corcunda por amor ,

a sua visão atual inspira-lhe uma comédia histórica sobre o

comportamento dos grandes elementos sociai s, o popular e o

aristocrático, num momento histórico charneira , em que Pomba l perde as

ilusões e reconhece a verdade da perda do poder absoluto e assi ste “de pé

ás exéquias do seu império” (Silva 1848a: 28). A eterna vertente

pedagógica de Garrett indica -lhe que o castigat mores do “modo de ser

social” coetâneo deveria evidenciar “as paixões, os inter esses, as acções

375

Cf . VA SC O N C ELO S , Ana Isabel (2004), “A recriação da f igura do Marquês de

Pombal num drama hi s tórico o itoc ent is ta”.

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e reacções todas de uma época tam memorável” (Garrett 1904: I , 806).

Por essa razão, a ação desta comédia, que daria um “novo Bourgeois -

gentilhomme”, ocorre nas “derradeiras horas” do r einado de D. José,

quando os “antigos dominadores proscritos” começava m a levantar a

cabeça “com a primeira agonia” do Rei, e a classe média se mostrava

incapaz de reconhecer as vantagens que lhe adviera da governação de

Pombal ( id . , ib id . : I , 805):

Quando o poder muda, seja para quem for, [o povo] applaude, porque o

inst incto lhe diz que n’essas mudanças descansará el le (Garrett 1904: I,

806).

Aparte a figura do Marquês, que, como Gil Vicente , Bernardim

Ribeiro ou Nuno Álvares, corresponde a um modelo do imaginário

popular, as r estantes per sonagens, a inda que cri smada s, apresentam -se

como um tipo, “uma classe de que é representa nte” ( ib id . : ib id.) . A ação

desenrola -se em ca sa de Manuel Simões, uma r espeitá vel loja de

comércio na Rua Augusta e venerável cobertura para tramas e

associações polít icas, em que os compadrios determinam destinos

individuais e sociai s. Se a estéti ca é românt ica, o conteúdo é político:

O formidável diálogo com o Padre Inácio, jesuíta clandestino; o

equilíbrio entre a velha e a nova nobreza, a autocrít ica e autojust i ficação

do Marquês de Pombal ent re a dureza do seu governo e a po l ítica da

modernização; sobretudo o sentido iguali tário da sociedade que valoriza

a burguesia como classe e como mentalidade à custa da antiga

ari stocracia , mais respeitada por Garre tt do que pelo Marquês (Cruz

2003: 102).

A obra foi pateada na primeira representação, a 4 de a bril de 1848,

enquanto os apoiantes cabralista s glori fi cavam “com estrondo e

delirantes aplausos” A afilhada do Barão, de Mendes Leal, que, na

comédia concorrente, di stinguia uma “galeria de retratos surprehendidos

nas suas naturaes a titudes, copiados com u ma fidel idade de

daguerreotipo” (Sequeira 1955: I , 145)376

. A descrição do fidalgo D.

Luiz, “de fresca data”, parecia a ludir à pessoa de Costa Cabral , “feito

conde pelos seus serviços ao egoísmo dyna stico” (Braga 1904: xxxiv). A

376

Mendes Leal era “a migo do Conde de Tomar e f i l i ado desde mui to no seu part ido”

(Amori m 1881-84: III, 352).

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comédia apresentava uma verdade crítica , um gosto e u ma “plena

intu ição dos costumes, das ideas, e das classes que animaram aquelle

século” (Silva 1848a: 28), sublinhando o ridículo de si tuação , e

desanimando a fação vi sada. Como “fazer qualquer coisa ú til e boa, em

terras […] onde há tanta gente pequena”? (Garrett 1904: I , 629)

Tanto a vida políti ca , como a pessoal, desalentaram moralmente

Garrett , como se nota no tom com que prefacia A sobrinha do Marquês ,

mesmo que pretenda desmentir a semelha nça com a realidade:

Se alguém queria ver out ra coisa numa comédia do tempo do Marquês de

Pombal, esse alguém, perdoe -me a sua ausência, é tolo (Garrett 1904: I,

806).

A recensão de Rebelo da Silva à edição da obra , em A Época ,

reconhece a exposição inimitável e o estilo da graça natural do seu autor,

embora encontre defeitos no enredo, “no travado dos lances e situações;

nas colocações de logar e de acção”, fru to da “rapidez, qu e exigia a

brevidade imposta pelo poeta ao seu quadro” (Silva 1848a: 28). A

modelar exposição do primeiro ato , em que as per sonagens, “desenhadas

com o maior vigor” , fa lam com naturalidade, se explicam mutuamente e

narram as circunstância s em que se encontram, dava lugar a doi s a tos

inferiores, devido à imposição autoral de “encerrar em tão cu rto espaço

typos e acontecimentos”, sendo apenas uma “cabeça grande e bela

demais para aquele corpo”, cujo mérito r esidia na “plena intu ição dos

costumes, das ideia s e das classes” ( ib id .: ib id .):

À necessidade do enredo é sacri ficada mais de uma vez a verosimilhança

phisica […]; esmorece o calor da acção, e vae esfriando gradualmente

para o fim. O assumpto sobeja para o desenho, que aparece. Se as

proporções fossem menos acanhadas, e o quadro tivesse toda a largura ,

que pedia, (a nosso ver) o enredo, a acção, e os episódios, ligar -se-hião

melhor, e o poeta achar -se-hia com uma corôa egual á que ganhou em

“Fr. Luiz de Sousa” (Silva 1848a: 28 ).

Não obstante, o mérito de Garrett r esidia no patente conhecimento

psicossocial de pessoas e costumes, e no retrato irónico de uma

deslumbrada sociedade burguesa, que desconhecia tanto o “Portugal em

que [vivia], como aquelle em que [vivera] seu pae e seu avô” (Garrett

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1904: I , 806). O próprio Rebelo da Silva identi ficou singularmente a

matriz cria tiva garrettiana nos artigos que escre veu sobre a sua

importância , em “ A Eschola Moderna Litt eraria” (1848) :

E todas as creações do Sr. Garre tt vivem; todas e llas reproduzem o

homem fie lmente . A individualidade de cada um dos seus personagens

separa-o no meio de todos os out ros, como na vida commum qualquer de

nós se di fferença pelas fe ições e pelo caracter. Saber dar o toque do

subl ime e da poesia á verdade; possui r a arte de ele var o natural sem

violencia até ao ideal; e ahi descubrir a Lei da harmonia , que faz um ente

imaginario possível e real , sem o fazer vulgar, é o segredo de poucos

escriptores, e a gloria dos grandes ta lentos. É nisto principalmente que

consiste a beleza e a excel lencia da poesia moderna (Silva 1848g: 251;

subl inhado nosso).

A derradeira obra dramática, O Conde de Novion (1854)377

,

assemelha -se ao estilo das comédias dos palcos particulares, pela

simplicidade de enredo e reduzido número de persona gens que

apresenta m o argumento. Amorim colheu a informação dessa

possibilidade através de um ator do Teatro do Ginásio, que recordava ter

sido a imitação representada nesse t eatro ou em algum palco particular.

Segundo aquele, Garrett imitara a comédia Le chevalier du guet, de

Lockroy e Rosier , r epresenta da no Théâtre des Variétés , de Paris, a 9 de

setembro de 1840378

. A sua representação no Teatro Normal , em conjunto

com o Ódio de raça, de Amorim, não colheu o êxito que se esperaria . A

imitação apresentou -se “muito extensa, esfriando por vezes o interesse” ,

na opinião de Amorim (1881-84: III , 576). A doença do autor não

permitiu que a obra saísse tão escorreita quanto desejaria , pecando por

“excesso de malícia” e “por ser um poucochinho livre”, a preci sar da

“derradeira lima” do apuro ( ib id .: ib id .) . Incapaz de a concluir , foi

Gomes de Amorim incumbido de terminar e fazer a s emendas

necessárias. O autor terá tido consciência da fragilidade da obra, 377

A respei to do Conde de Novion cf. ALC O C H ET E , Nuno Dupias (1975), Le comte de

Novion, commandant général d e la Gard e Royale d e la Pol ice d e L i sbonne. Braga:

Tip . Barbosa e Xavier . AN D RA D E , Joaquim Miguel (org. ) (1824), Memorial d e of i cia l

da Guarda Real de Polícia d e L isboa. Lisboa: Tip . António Rodrigues Galhardo. 378

A co média francesa fo i editada no ano de est reia, na coleção “Réperto i re

dramat ique des auteurs contemporains”, nº 129, Théât re des Variétés , Pari s : Henriot

et Cie. Amorim baseia -se no tipo de papel u ti li zado por Garret t para defin i r a data

do manuscri to da i mi tação, embora afi rme ta mbé m que ele não se encont ra va ent re as

obras do autor na fase f inal da sua vida, quando faleceu no bai rro de Campo de

Ourique.

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determinando que ela subi sse à cena, tão anónima quanto o Alfageme o

havia sido , por razões bem diver sas. Após a segunda representação, a

direçã o do t eatro retirou definitiva mente o Conde de Novion , para

salvaguardar o bom nome do seu autor . O gosto público modifi cara -se,

exigindo forma s mais consentâneas de representar a evidência

quotidiana. Os dramas, fa lando “do que foi” , para corrigir “o que é” e

apontar “o que pode ser” , já não colhiam o consenso da geral no teatro.

Face à debilidade fí si ca de Garrett e ao t emor das “prega ções” dos

jornais, Amorim preferiu guardar a comédia, “em memoria da amizade e

confiança” que lhe devotava ( ib id .: ib id .) .

2 . A ilustração geral e proveitosa das grandes massas

2.1 . Uma época que irradiou da scena

“Não era mingua de ta lento, e ra o mau methodo, o principio errado

com que trabalhavam” afirmou Garrett (1904: I , 524) em relação ao

exercício da escrita , podendo o mesmo ser aplicado aos atores. Segundo

Crabbé Rocha, o programa a que ele se propusera foi cumprido com

“preci são matemática”. Todavia , em vez de émulos, deixou apenas um

“rastro de entusiasmo pelo teatro” (Crabée-Rocha 1954: 231) em autores

que copiaram a “predilecção para o sensacional e o emocional” ( id .,

ib id .: 232). Seguido mais como escola , e menos como doutrina , o

figurino produziu de forma “ fecunda” (Ferreira 1871 -72: II ,161) êxitos

de bilheteira , que a crítica elogiou em função de element os “estranhos à

arte e à li teratura” (Crabée -Rocha 1954: 234):

Todos nós, que escrevemos ou lemos, nos recordamos a inda de certo

enthusiasmo com que as primeiras representações d’este d rama [ Um Auto

de Gi l Vicente ] foram escutadas e aplaudidas. Não foi só uma produção

dramát ica que surgiu no palco, foi uma época li tteraria que i rradiou da

scena, e i rrad iou para mui tos e brilhantes engenhos que depois segui ram

os passos, e a lguns bem de perto, do auctor de D. Branca (Ferre i ra 1871 -

72: II, 161 ).

A influência da criação do Conservatório fez com que não houvesse

“quasi pessoa nenhuma que soubesse escrever a quem elle não obriga sse

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a compor uma peça” (Amorim 1881 -84: III , 496). Era indiscutível o seu

apreço em apoiar jovens ta lentos, e Gomes Amorim não nega o seu

quinhão, mesmo quando ironicamente a crítica detet ou a mão do mestr e

na escrita de O Cedro Vermelho (1856), quando, afinal, ele já havia

fa lecido ( id ., ib id . : III , 445, nota 1).

A moderna escola literária , sobre a qual Rebello da Silva di ssertou,

em A Época , veio revolucionar o Parnaso, proclamando a liberdade do

espírito, da imaginação e do gosto, em detrimento do cânone antigo, que

reduzia a criação a um trabalho mecânico, vergado “à autoridade do

preceito em nome do exemplo absoluto”. A imita ção poéti ca to rnara-se

um “ecco, e não uma voz”, uma “copia descorada, como a mascara de

cera moldada sobre o rosto do cadáver” (Silva 1848b: 106). A escola

clássica representava o “estudo microscópico da forma”; a escola

moderna, “a liberdade de escolha dos assuntos”; a escola romântica, a

“verdade dos sentimentos e dos affetos” ( ib id . : 107). Garrett fundara em

Portugal a escola “que entendeu a bell eza ingenua da poezia popular, e a

requestou com a mais casta devoção”: “O Sr. Garrett não é só um poeta ,

é uma literatura inteira” ( ib id . : ib id .) .

Garrett fez a sua revolução lit erária como reflexo da revolução

social que viveu. A reforma do teatro foi expressão da su a ideia de

revolução cultural, uma “indissoluvel a lliança de toda a polít ica com a

l i t teratura e com as artes, porque sem isso a civi lização é impossível , o

progresso falso e frustrados os fins da sociedade hu mana” (Amorim,

1881-84: III , 66). O palco permitiu trazer para a esfera pública a tertú lia

privada dos árcades. A tragédia de modelo clá ssic o deu lugar ao drama,

porque a revolução partia do povo, e esta forma, “filha do novo estado

social” , exigia o estudo da vida no mundo (Silva 1848c: 121).

A individualidade d o poeta pluralizou -se nos vários géneros. Para a

restauração do teatro ideali zou a criação de um modelo harmónico: “uma

nação sem teatro era um paiz órfão de artes e vazio de cultura” (Silva

1848f: 234). Produção dramática, reali zação plástica e r eceçã o estética

materia lizam os três momentos cruciai s do fenómeno teatral . A sua

experiência pessoal, inter seccionando a s belas l etras e as belas artes,

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clarifi cou a sua estratégia global: a criação de uma literatura dramática e

a formação de atores, vi sando a educação do espectador.

A nova escola exigia que o dramaturgo senti sse em primeiro lugar a

expressão da verdade que queria a tingir . Sempre que, ao escrever para

teatro, o dramaturgo se “comovesse” e se “arrepiasse” com qualquer

lance, estaria no “bom caminho” (Amorim 1881 -84: III , 428). A essência

do “fa cto poético” deveria revestir -se das “gallas do dra ma” (Silva

1848f: 235) para a lcançar a a lma do espectador . Melhor seria “preparar

efeitos para a platéa geral, […] sincera nos seus signai s de aprovação, do

que a superior, gafa e saciada, que em vez de sensibilidade lhe dará

palavras, quando não calumnias (Garrett apud Amorim 1881-84: III , 428-

29).

Garrett demonstrou a possibilidade que o “gracioso desatavio” e a

“attractiva lhaneza” possuíam, para tornar “ tão naturais e tão acessívei s

os sent imentos e as paixões”. Mostrou “a arte de levantar as mais tr ivi ai s

plebeidades a galas senhori s e de nobilitar as frases mais chãs e comuns”

(Mendes-Leal 1856: 7). Eram as qualidades de dramaturgo, reconhecidas

por Mendes Leal , e que Garrett já havia apontado em O Emparedado

(1839), de Sousa Lobo:

Quem é capaz de ter d’essas idéas, tem o Drama na cabeça , tem a poesia

da scena no engenho. E i sto é o que se não dá nem aprende: as formas

sim, […] que só o uso do teat ro, e também o u so do mundo, o estudo do

homem e da sociedade as póde aperfeiçoar. Vive o teat ro a maior parte

da sua vida d’ellas; mas pouco aproveitam a quem não tem aquell’out ro

cabedal. […] Trabalhe, ande; que deve, porque póde. Eu tenho fé no

teat ro – no teatro verdadei ramente nacional , para a civilização d’esta

nossa terra . […] Para ilust rar [este nosso re ininho] hão de fazer também

mais os d ramas nacionais, que lhe falem do que foi – que o corrijam do

que é – que lhe apontem o que póde ser, de que as pregações dos n ossos

jornaes – ou os nossos pal ra tórios, e legislatorios de S. Bento (Garrett

1841: 66-67; itálicos originais, subl inhado nosso) 379

Testemunhou a geração romântica , que o dra ma era a vida revelada

pela arte: seus limites, o próprio mundo, cujo espetáculo descrevia .

379

A carta a António Maria de Sousa Lobo, de 12 de nove mbro de 1841, fo i

publ icada na Revis ta L itt erar ia, do Porto , vol . V II, p .182; e na edição impressa do

drama (Porto : Tip . Faria Guimarães , pp .66 -67), nesse mesmo ano.

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299

Sendo uma forma essencialmente popular, f ez do homem o seu tipo

electivo. Inspirando-se na verdade e na natureza, o drama abord ou o

infinito moral das paixões, enquanto o teatro de um poeta representava o

seu modo de observar e entender a vida. O mesmo princípio se aplic ou ao

ator, enquanto veículo do poeta , ao mesmo tempo que ele próprio se

transfigurava em poeta da cena , que habitava, um conceito há muito

exposto em artigo “Sobre a r epresentação t eatral” (1789)380:

O poeta , como a personagem dramática , por uma bem deduzida

consequência, estender -se-á também ao imitador ou representante no

teat ro. Não poderá o poeta formar uma personagem aflita ou i rada se ,

antecipadamente, não tiver formado em si , co m o seu ta lento, a mesma

personagem, dando-lhe o correspondente afecto de que se acha agitado e

as mesmas expressões, ou palavras que excitem aquela ideia; do mesmo

modo esta personagem, assim condecorada no teat ro, mais expressará a

força do poeta , carácter e afectos com que o revestiu se o representante

se não t ransformar naquela ocasião em poeta e personagem. Deve logo o

poeta, quando compõe, t ransformar -se em personagem e cómico; e o

cómico, quando representar, em poeta e personagem (Artº 4, 1789)381.

Todavia “a sorte do poeta e a do actor nunca foram egu aes”.

Naquele estima-se o ta lento inspirado, e neste, de “ sensibilidade

estr emecida e caprichosa”, estima -se o ta lento que “só amadurece ao sol

do triumpho, no meio do aplauso e da esperança” (Silva 184 8f: 235):

A arte scenica , que é toda imitação, que adivinha o que não sente por

comparações reflectidas, que deve expressar os sentimentos e as paixões

segundo as idades, a natureza, e a época, expel ida d’ent re os homens,

apupada na pessoa do que a exerce , sequest rada do mundo dos fe lizes e

dos poderosos, onde i rá estudar os typos, as manei ras, e os costumes das

c lasses que é chamada a representar? ( Si lva 1848f: 235)

Garrett percebeu a necessidade e a di ficuldade da formação de um

ator , e, por i sso, lu tou contra as “chronicas velha s”, e o “Elucidário de

380

Art igo para o Jornal Enciclpéd ico d edicado à Rainha Nossa Senhora, e d es tinado

para inst rucção geral com as not icias dos novos d escobrime ntos em tod as as

sciencias e ar tes , que di st ingue a t écnica de representação do actor trágico e do

actor cómico. AN TT, Real Mesa Censória, cx .460. Cent ro de Es tudos de Teat ro ,

HTPonline: documentos para a His tória do Teat ro em Portugal . 381

A es te respei to cf . R EIS , Fernando José Egídio (2005), “Comunicando as Ciências

ao Público . As ciências nos periódicos portugueses de f inais do séc. XVIII e

princíp ios do séc. XIX”, em F ID A LG O , António/ S ERRA , Paulo (org. ) , Ciências d a

Comunicação em Congresso na Covilhã. Actas do III Sopcom, VI Lusocom e II

Ibér ico . Covi lhã: Univers idade da Bei ra In terior . Vol . III, Visões d iscip linares, Cap.

III, “His tória da comunicação”, pp .305 -315.

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300

Viterbo”, na produção dramática, contra a “sem -cerimonia” criadora de

“arqueologia fantásti ca”, na representa ção plásti ca da cena, e contra as

“estatuas gothica s, tosca s como a rusticidade da esculptura do t empo que

symboli savam”, na r ealização estéti ca interpretativa (Ferr eira 1871 -72:

II, 162).

2.2 . Propagação de ideias fecundas de utilidade

A educação popular correspondeu ao desejo libertário de formar o

cidadão livre e a opinião pública consciente ; institu ir uma sociedade,

“valorizada pelo trabalho”, segundo os padrões da Revolução Francesa e

da Revolu ção Industria l inglesa (Carvalho 1986: 571). A liberdade

conquistada em 1820 comprometeu -se com a regeneração cultural, numa

missão civilizadora pelo combate ao a nalfabetismo e pela “vulgarização

cultural” que i lustrasse o cidadão. A imprensa e o tea tro foram

instrumentos capita i s para o ideal de progresso, de feli cidade e de

“civilização” (Ribeiro 1999: 191). A partir de 1836, Passos Manuel382

enuncia a estru tura da nova ordem social, no preâmbulo do Decreto de

criação dos Liceus Nacionais (17/11/1836):

Não pode haver ilust ração geral e proveitosa sem que as grandes massas

de cidadãos […] possuam os e lementos c ientí ficos e técnicos

ind ispensáveis aos usos da vida do estado atual das sociedades.

O novo si st ema, fru to das “concepções burguesas e ‘populares’ do

ensino” (Torgal 1998: 515), retomou o espírito da reforma pombalina, e

preencheu o vazio deixado pela extinção das ordens religiosas, em 1834.

Se, no primeiro liberalismo, Luís Mouzinho de Albuquerque empreendera

um ambicioso projeto (1823), Almeida Garrett , após a vitór ia liberal,

empenhou-se com a mesma energia (1834), assim como Rodrigo da

Fonseca Magalhães, propondo medidas legisla tivas que implicavam

práticas inovadoras (1835), e Passos Manuel , com reformas gerais

382

Sobre a b iografia de Passos Manuel , cf . Nóvoa, António (d i r. ) (2003), Dicionário

d e Educad ores Portugueses . Porto: Asa, pp .1055 -56. Sobre o ens ino art í st i co , cf .

Pamplona, Fernando de (1980), Da Academia d e Belas -Artes d e D. Maria II e Passos

Manuel (1836) à Academia Real d e Belas -Artes (1862) e à Acad emia Nacional d e

Belas -Artes (1932) . Li sboa: Revis ta e Boletim da Acade mia Nacional de Belas -Artes,

3 ª série, n º 2 , pp .45 -51.

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301

(1836). Influenciado pela r evolu ção francesa de 1848, a voz r epublicana

de Henriques Nogueira383

apelou à “sensibi lida de das a lma s generosa s”, à

“rectidão das inteligências e levadas”, ao “bom senso das classes

laboriosas” (1851: I , XVI) , na defesa da educação popular, única forma

de melhorar as condições de vida da população:

Propagae idéas: e se el las forem fecundas, se levarem o cunho do genio –

a facil idade de serem por todos compreendidas, executadas e convertidas

em própria ut ilidade, estae certos, que mais tarde ou mais cedo colhereis

fructo da vossa sementei ra (Noguei ra 1851: II, 183).

Em 1870, quando se const itu iu o Ministério de Instrução Pública , D.

António da Costa , na sua brevíssima passagem como mini stro desta

pasta , defendeu que a instrução popular criava o “grande capita l

financeiro no desenvolvimento dos espíritos”, e o aperfeiçoamento dos

conhecimentos das classes laboriosas seria o motor de maior perfeiçã o e

rendimento do si stema produtivo. O “salário dos operários, o lucro dos

capita listas e a prosperidade do país” cresceria m de forma diretamente

proporcional ao aumento da “cultura das inteligências” e da “melhoria do

trabalho individual” , em resumo, “universalizar a instrução [seria]

multiplicar a riqueza nacional” ( apud Torgal 1998: 515).

No século da instrução pública , o documento decisivo para a

exi stência de uma futura indústria teatral surge quando Pa ssos Manuel

soli citou, em nome de D. Maria II , que Almeida Garrett elaborasse um

plano de desenvolvimento da arte dramática. As doutrinas iluminista s ,

inspirando a inova ção tecnológica, os saberes cientí fi cos e a promoção

do espírito cria tivo motivaram, por um lado, a institu ição de um

Conservatório de Artes e Ofícios – em Lisboa (1836) e no Porto (1837) –

, inspirado no Conservatoire National des Arts e t Métiers de Paris, e, por

outro, a criação do Conservatório Geral de Arte Dramática , inspirado no

383

Henriques Noguei ra fo i percursor de republ icani smo e do sociali smo. Foi adepto

do associacionismo e do cooperat ivi smo. Defendeu o municipal ismo como for ma de

descent ral i zação adminis t rat iva.

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Conservatoire National d’Art Dramatique 384. Os Estatutos aprovados em

1841 objetivaram o ideal português:

[Restaurar], conservar, e aperfeiçoar a li tera tura dramát ica e a língua

portuguesa, a música , a declamação e as artes mímicas. E out rossim o

estudo da arqueologia, da histó ria e de todos os ramos de ciência, de

l itera tura e de arte que podem auxil iar a d ramática ( Estatutos do

Conserva tório Real , Art. 1º ).

Os fundamentos para o bom funcionamento de uma industria l t eatral

foram abalados por quezílias partidárias, em 1841, e culminaram na

exoneração do próprio Garrett e na tentativa governamental de extinção

do Conservatório Real, considerado dema siado oneroso para o Erário

Público. A Regeneração veio desenvolver posteriormente o espírito

inicial, promovendo o ensino técnico e profissional, e procede ndo à

estru turação legal da atividade teatral no t erritório nacional. Ainda que

fosse “uma ação moral” , declarava o r edator do jornal crítico-lit erário

Galeria Theatral (21/10/1849: 1), o teatro era também um “agente

comercial” , que sustentava “muita indústria e a limentava milhares de

indivíduos”. O público não queria que se lhe falasse apena s ao espírito,

mas também aos olhos, “e por isso o t eatro [tinha] necessidade de

alimentar muitas mais artes, do que d’antes” ( ib id . : ib id .) .

A partir de 1859, quando a Direção-Geral de Instrução Pública se

substitu iu à Inspeção -geral dos Teatros, na superintendência das casa s de

espetá culo, o novo organi smo contou com a chefia de Franci sco Palha e

D. António da Costa385

, que estru turaram a regeneração admini str a tiva do

384

A ins ti tu ição francesa t eve orige m na École royale de chant et d e d éclamat ion ,

fundada em 1784, que, em 1795, passou a integra r a declamação como parte da

formação musical . Apenas pelo decreto de 3 de março de 1806 se veri f i cou o

desenvol vimento , ainda que incip iente, da arte dramát ica. 385

Cursou Di reito na Univers idade de Coimbra, na mes ma al tura que F rancisco

Palha. Em 1851, fo i nomeado secretário -geral do d i st r ito de Lei r i a, onde fundou o Cent ro P romotor de Ins t rução Popular , e o periódico O Leir iense (1854). Com a

criação da d i reção -geral de Ins t rução Pública, candidatou -se a primei ro -oficial , cujo

cargo preencheu por decreto de 12 de Janei ro de 1860. Em Agos to des te ano, fo i

nomeado comissário régio junto do teat ro de D. Maria II, onde se manteve até Junho

de 1861. Nove anos depois , tomou parte no governo pres idido pelo Duque de

Saldanha, gerindo a pas ta da marinha, mas , por decreto de 22 de Junho, com a

criação do Minis tério da Ins t rução Pública, passou a ti tu lar desta pas ta , t endo

promo vido profundas reformas na inst rução pública - l iberdade do ensino superior,

reforma da ins t rução primária, das b ibl io tecas populares, das escolas normais e

reorganização do teat ro nacional – no curto espaço que durou o chamado “minis tério

dos cem dias”.

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dito “mercado factí cio” . Nesse sentido, foram nomeados delegados

provinciai s e procedeu -se a um censo t eatral, em 1862, que cadastrou os

teatros públicos e particulares do paí s ; elaboraram-se estatísticas e

mapas de peça s, de artistas , de exploração teatral e de r ecei ta386

. Esta

organiza ção admini stra tiva materia lizou um surto l egi sla tivo destinado a

qualificar uma indústria teatral, sendo publ i cados o “Regulamento e mais

legi slação sobre a admini stração dos Theatros ” (4 /10/1860) – que

reformulou as disposições do Decreto de 22 de setembro de 1853 – , e o

“Mappa dos T heatros do Reino considerados públicos” (Diário de

Lisboa, 07/07/1866: 2130), primeiro documento oficia l que inventaria a

exi stência de uma rede de teatros a nível nacional, cobrando entradas e

devendo, por i sso, pagar impostos. Nos 21 di stritos estabelecidos pela

legi slação de Mouzinho da Silveira387

, o Mapa regista sessenta e sete

teatros públicos, divulgando a sua lota ção e tipologia dos lugares.

Franci sco Palha colabora ainda com o espírito da Regeneração no

desenvolvimento da indú stria teatral, quer enquanto empresário do

Teatro de D. Maria II , quer como idea dor do novo teatro em Lisboa,

segundo o modelo francês, o Teatro da Trindade388

.

2.3 . A necessidade de uma escola de teatro

Todos os povos modernos foram […] adiantando -se na carre ira

d ramát ica , nós vol támos para t rás, e perdemos o t ino da est rada, que

nunca mais acertámos com ela. […] Nem temos um teat ro materia l, nem

um drama, nem um actor. […] Em Portugal há talentos para tudo; há mais

talento e menos cul tivação que em país nenhum da Europa! (Garrett

1984b: 310-12)

386

A 29 de j anei ro de 1862 foi emi t ida uma ci rcular a todos os Delagados da

Inspeção dos Teat ros, para que preenchessem os mapas que se remet iam, sobre a

capacidade e rendimento dos t eat ros . Nos Dist r itos onde não houvesse delegados , as

ci rculares foram endereçadas aos Governadores Civi s (ANTT, MR/DGIP , Registo de

correspondência recebida (SR), Lº21, nº98). 387

Ao tempo, o atual d is t ri to de Setúbal encont rava -se englobado no de Lisboa. 388

A ele se deve a in t rodução do género da revi s ta do ano em Portugal , em

colaboração de escrit a com Lat ino Coelho , l evando à cena Lisboa em 1850 , no teat ro

do Ginásio Dramát ico , pouco tempo antes da queda do cabral ismo.

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Falecido Garrett , a reforma de ensino no Conservatório Real de

Lisboa , na direção do conde de Farrobo389

, não podia deixar de

prosseguir o desenvolvimento da missão constru tiva da arte dramática do

seu institu idor. A evolução da escrita dramática exigia uma abordagem

cada vez mais elaborada do modo de representar. O estilo romântico,

segundo os preceitos de Aristippe 390 – Théorie de l’art du comédien ou

Manuel Théâtral (1826) – , que servira de manual a João Anastácio Rosa,

não se coadunava com as necessidades interpretativa s do teatro de

atualidade, segundo a t eoria mais consentânea de Joseph Samson – L’Art

Théâtral (1863-65). Não sendo o ta lento um dom inteiramente natural à

arte do ator, aceitava -se a intu ição como base de trabalho sustentado ,

porém, pelo estudo. Expô-la E. J . Failly à cantora lír ica Euphrasie

Poinsot:

Il y a deux moyens pour exercer, pour cult iver l’art du comédien;

l’ insp ira tion et le t ravai l. […] Les comédiens inspi rés ne s’écoutent pas

parler; i l s obéissent à leur génie . Ident i fiés avec leur rô le , leurs

auditeurs y sont ident i fiés eux-mêmes, tant les grands moments de l’ âme

sont contagieux! (Failly 1852: 11; itá licos originais)391

O número de cadeiras da Escola de Arte Dramática foi aumentado,

tendo as tradicionais “aulas” garrettianas (1838 – 1841) – “Recta

Pronúncia e Linguagem” (1ª) , “Rudimentos Históricos” (2 ª) e

“Declamação” (3 ª) – , dado lugar a um novo plano pedagógico, mais

pormenorizado: “Gramática – Noções de Geogra fia e História (1), Língua

Francesa (2), Língua Ita liana (3), Pronúncia (4 ), Declamação (5) e Arte

de Representar (6). Todas a s línguas estrangeiras seria m mini st radas pelo

389

Foram di retores do Conservatório Real de Lisboa, durante o século XIX: Almeida

Garret t (1836 – 1841) , Joaquim Larcher (1841 – 1842), António Perei ra dos Reis e

D. José Tras imundo de Mascarenhas (1842 – 1848) , Joaquim Pedro Quintel a (1848 –

1869), Duarte de Sá (1870 – 1878) , Luís Augus to Palmei rim (1878 – 1898) , Eduardo Schwal lbach Lucci (1898 – 1917) . 390

Forma francesa do nome u m fi lósofo hedonista grego que serviu de pseudónimo ao

ator Félix Bernier de Maligny, para a edição das duas obras sobre t eoria t eat ral,

L’Art du comédien, pr íncipes génére aux recuei ll is et mis en ordre (1819) e Théor ie

d e l ’Art du Comédien ou Manuel Théâtral (1826) , cuja segunda edição, em 1854, j á

associa o seu nome de bat i smo ao pseudónimo l i t erário . Fél ix Bernier , t al como

F rançois R iccoboni , em L’Art du Théâtre, regi stam para me mória fu tura as suas

t écnicas e es t ratégias de t rabalho de ator , subl inhando a cons tante necess idade de

autocont rolo da representação. 391

Es te assunto será abordado a seu t empo, em Parte II I – Quat ro t eorizadores da

prát i ca t eat ral: 1 .2 .3 . P receito para uma Arte de Representar .

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mesmo professor, fi cando a cadeira de Arte de Representar a cargo de

Duarte de Sá , que assumiu, a partir de 1869, a de Declamação,

substitu indo Al fr edo Carvalho e Melo , e fi cando João Nepomuceno de

Seixa s com a r egência da s aulas de Gramática/ Pronúncia e Rudimentos

de História (Vasques 2012: 153)392

. Duarte de Sá conseguiu “sujeitar a

regras e a preceitos constitu tivos de uma teoria” , “os deli cadíssimos

segredos” da arte dramática (Ortigão 1871: 14). Os seu s Apontamentos

sobre declamação , eventualmente perdido s, continuaram, por isso , a

integrar bibliografias de obra s de divulgação teatral , no início do século

XX.

Conforme refere a autora da Escola de Teatro do Conservatório ,

entre a fundação garrettiana (1839) e a refundação por Duarte de Sá

(1861), o Conservatório Geral de Arte Dramática (1836) – Conservatório

Real de Li sboa (1840) – , viveu um período de vida académica instável. O

conceito de arte dra mática, funcionando inicialmente como plataforma

integradora de três artes de palco – Teatro (Arte Dramática ou

Declamação), Música e Dança (Arte Mímica, e também as áreas da

cenogra fia ou decorações e da pintura especial) – , especializou -se, a

partir da reforma de 1861, acompanhando o espírito francês, expresso em

obras como a Biblio thèque dramatique de Monsieur de Soleinne (1843),

do bibliófilo P. L. Jacob, ou o anónimo Essai d’une bibliographie

générale du théâtre , ou , Catalogue raisonné de la Biblothèque d’un

amateur (1861), a partir do catálogo da biblioteca de J . de F ilippi, em

1859, que pretendia completar o catálogo Soleinne.

Declamação e Representação figuravam, inicialmente , conceitos

afins, sinteti zados como Arte Dramática. O texto dramático equivalia a

uma partitura fa lada, cuja elocução exigia di sciplina idêntica à do

cantor. O estudo da voz, da qualidade tímbrica do execut ante, associava -

se ao da elocução, da expressividade textual, a través do conhecimento

dos princípios gerais de retórica , de poéti ca e de oratória , a declama ção

propriamente dita . Todavia , na medida em que a função teatral

392

Carta de P rofessor da Cadei ra de rudimentos Históricos do Conservatório Real de

Lisboa. Regis to Geral de Mercês , D. Maria II, l i v. 13 , f l . 201v. Torre do To mbo.

(PT/TT/RGM/H/207192)

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inter secciona as Belas Letras do d rama com as Belas Artes da cena, na

transposição para palco, a postura corporal, o movimento de cena e o

gesto assumiram-se como linguagens próprias, que manifestavam o lado

descritivo da obra dramática, exigi ndo do ator um conhecimento

abrangente, enquanto Arte de Representar.

No século XVIII, a escola teatral inglesa, primeir o, e a francesa, em

seguida, promov eram o desenvolvimento de uma técnica de realismo

interpretativo, apurada por artistas como Michel Baron , Adrienne

Lecouvreur , David Garrick , Henri Lekain, Edmund Kean ou François

Talma, entre outros. Além de intérpretes, l egaram impressa a sua análise

testemunhal sobre a a tividade t eatral e apuramento de uma prática mais

antiga . Demonstra ram que fora a necessidade do ofício que levou o ator a

desenvolver recur sos na representação, e que fosse identi fi cada uma ars

theatrica e uma te jné 393:

Este uso exige la aplicación de un esfuerzo o técnica para llevar a cabo

la acción de una manera real o, y de ahí el sentido más recto de la te jné ,

de una manera simulada, es deci r, concertando las estrategia de la

representación mediante signos. La preparación y organización de sus

recursos y de los materia les por e llos generados revelan a un suje to – el

actor – considerado como artesano o como abn egado profesional, solo

desde la crí tica moderna (Cuadros 1998: 125).

2.4 . Arte de declamação ou arte cénica: ensinar a representar

com naturalidade

Ao contrário da cultura francesa, inglesa ou germânica, que foram

produzindo lit eratura técnico -artísti ca sobre teoria dramática, em

Portugal esca sseava esse tipo de obras394

, como motejara José Agostinho

de Macedo, nas Pateadas :

393

Cf . C UA D RO S , Evan gel ina Rodríguez (1998), “La necesidad del oficio : Arte y

Tejné del actor . Hacia una nueva cons ideración del documento t eat ral”, La técnica

d el actor español en el Barroco. Hipótesi s y documentos . Madrid: Cas tal ia. 394

Em 1800, o pastor sueco Carl Is rael Ruders , res idindo em Lisboa, recenseia de

forma pouco abonatória uma Disser tação his tór ica e crí ti ca sobre as representações

t eatrai s (1799), de F rancisco Lourenço Roussado (F .L.R .) , que cons idera, na

general idade, sem mereci mento e de um pretens iosi smo faccioso. Todavi a, as breves

t ranscrições que faz pa rece m colocá- lo em s in tonia com o autor sobre a “necess idade

e u t il idade das representações t eat rais”, como cont ributo para a alegria do povo,

t anto f ís i ca como moral , ocupando - lhe o ócio de forma út i l, e dando “brilho ao

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A grande Republica das le t ras, com especialidade nesta Colonia, que se

chama Lusitania , está falta, ou balda de l ivros elementares sobre c ertas

artes, e Sciencias, e parece , que tanto mais importantes são estas

Sciencias, tanto mais sensível he a falta dos Livros elementares. Eu julgo

que não he menos importante a Sciencia de abreviar os dias da vida , que

a Sciencia das Pateadas de Theat ro (Macedo 1812: 11).

Sobre a u tilização de manuais didáticos destinados ao ensino da

Escola de Arte Dramática surgem referência s memorialistas e

bibliográficas avulsas. O facto de não ter em sido ainda encontrados

indicia a possibilidade de circulação em ver sões manuscritas, não

impressas (Va sques 2012: 153). Dessa primeira fase, referenciam -se os

compêndios de Decla mação ( c.1842)395

, de César Perin i de Lu cca , seu

primeiro professor na Escola de Teatro396

, de Rudimentos Históricos, de

João Nepomuceno de Seixas, e os Apontamentos sobre declamação , de

Duarte de Sá397

, citados nos Rudimentos da Arte Dramática (1890), de

Luís da Costa Pereira .

A formação profissional dos atores , na primeira metade do século

XIX, apresenta -se deficiente em termos teóricos, sustentada sobretudo

pela transmissão de t estemunho geracional a través da prática de palco,

sob a dir eção de ensaiadores de qualidade variável . O s ensaiadores dos

teatros do Salitre, da Rua dos Condes, e do Giná sio, foram inspiradores

das prática s da s sociedades de curiosos-dramáticos li sbonenses, nos

teatros particulares ou nos de sala , de que falamos anteriormente. A

progressão do paradigma de r epresenta ção acompanhou inevitavelmente

o da escrita dramática, no aburguesa mento das t emáticas de interesse

quotidiano, que conduziu ao aparecimento de uma nova tipologia de

per sonagens, de novos arquétipos sociais a necessi tar de outras

abordagens metodológicas, a través da observação do real, do seu estudo

e da capacidade de sinteti zação cénica dos novos referentes na tura listas-

Estado, t anto na paz como na guerr a”, co mo for ma morigeradora da vi r tude social .

(Ruders 2002: I,98 -100) 395

Referenciado por MO N IZ, José António/ C O ELHO , José S imões (1909), Arte d e

Representar – Caracteres , Li sboa: Guimarães , pp.31 -32. 396

ANTT. 26/01/1841. Carta. P rofessor vi t al í cio da Cade i ra de Declama ção do

Conservatório Real de Lisboa. Regis to Geral das Mercês, D. Maria II, l i v. 14 , f l . 87 -

87v. (PT/TT/RGM/H/204141) 397

Referenciado igualmente por M AC HA D O , A. Victor (19 --), Guia Prático d o Actor ,

Lisboa: Ferrei ra & F ranco, p . [95], “Bibliogr afia”.

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308

realistas. Para João Ana stácio Rosa, de nada serviria a vocação “sem

uma grande soma de conhecimentos” :

É preciso estudar, estudar muito, estudar sempre e quanto mais estudares

mais te convencerás de que a inda tens de estudar mui to mais. A arte não

estaciona, avança sempre, e quanto mais caminha, mais espaço tem

diante de si para percorrer. […] A arte nunca deve caminhar só ; ao lado

dela deve i r sempre a verdade, devem ser inseparáveis, viverem uma par a

a out ra. Se a Verdade se separar da Arte, claro está que fica sendo

sempre a Verdade; mas a Verdade no teat ro sem a Arte é uma coisa seca,

árida, sem encanto, sem perfume, uma coisa que não prende, não delicia,

não enternece, não tem beleza (Rosa 1915: 23-24).

Através da s memórias de Augusto Rosa , identi ficamos obras de

referência sobre a arte de representar, que seriam lida s e estudades, em

Portugal, na segunda metade de Oitocentos: uma trilogia composta pelo

Paradoxe sur le comédien (1773) , de Diderot , por L’Art Théâtral (1863–

65) , de Joseph-I sidore Samson398

, e pela romântica Théorie de l’art du

comédien ou Manuel théatral (1826) , de Ari stippe – l ido e estudado,

“com tanto afinco que o sabia de cor” – , na nova edição dos Manuais

Roret (1854). Apesar di sso, para o autor de Recordações da Cena (1915)

não ba stava assimilar “as pa ssagens mais importantes”, ou os “conselhos

ú teis” , sem que u ma corr eção prática si st ematizasse a informação teórica

(Rosa 1915: 39-40).

Se a memória dos artistas traz a revela ção de facetas pitorescas da

sua atividade, plena s de nota s e avaliações individuais, a r efl exão teórica

sobre a Arte Dramática perpassa por análises múltiplas, desde a

divulgação crítica da obra dramática e dos espetáculos na imprensa –

recensões críti cas, folhetim -teatro, ou a crítica t eatral – , a té ao espaço

referencial introdutório (prefácio, exórdio , proémio ou prolegómeno), ou

conclusivo (posfácio), das edições de obras dramática s impressas , em

que ganham especial relevo os importantes prefácios -programáticos de

tantos autores, legitimando a génese das obras, fa ce ao comentário

censório dos júris dramáticos.

398

Obras biográficas sobre es te ator: Eugène de Mirecourt (1854), Samson . Paris : J . -

P - Roret et Compagnie. Coleção Les Contemporains; Samson (1882), Mémoires d e

Samson d e la Comédie Française . Paris : Paul Ol lendorf; Veuve de Samson (1898),

Rachel et Samson. Souvenirs d e Théatre . P refácio de Jules C lareti e. Paris : Paul

Ol lendorf .

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309

Sobre a hi stória do teatro, convém salientar o curioso “estudo

histórico-l i terário”, de Licínio Fausto Cardoso de Carvalho399

, sobre a

“Origem da Arte Dramática”, que antecede a edição impressa do seu

drama O Rajah de Bounsoló (1854). Nele se refuta a tradição da origem

grega do teatro , considerada uma “enfadonha repeti ção” de t eorias, cujos

autores “uns aos outros se ha m reproduzido, seg uindo as ideas dos

primeiros” (Carvalho 1854: 4). Ao epigrafar a obra com citações de Les

leçons sur l’Histo ire de la Philosophie , de G. F . Hegel , e Sacrifices

humains chez les Hébreux, de Friedrich Wilhelm Ghillany , Lícinio de

Carvalho parece identi fi ca r-se com os princípios de Proudhon e com o

socialismo utópico da geração portuguesa de 1850. A Origem da Arte

Dramática pretende provar a teoria de que o teatro clássico grego seria

direta ou indir etamente devedor do indiano, da sua religião , códigos,

ciência s, l i t eratura , sustentada pela opinião de John Holwell400

. Este

estudo hi stórico -filosófico expõe uma abordagem monogenista da

história do t eatro europeu. Esta corr ente de pensamento, muito em voga

na primeira metade de Oitocentos, e especialmente em Paris no momento

em que Licínio de Carvalho r edige a prefação teórica , defendia uma

ascendência comum para toda s as raças, e a tribuía as diferença s

evolutiva s a um fator hi stórico r elacionado com a migração. A vi são

deste autor acomoda a teoria criacioni sta a uma vertente histórica

399

Natural de Ovar, for mou -se e m Engenharia, no Porto , onde vi veu a maior parte do

t empo e onde acabou por falecer aos 28 anos . Escreveu o drama hi s tórico Os dois

proscr itos ou o Jugo d e Castela, o drama indiano O Rajah d e Bounsoló (1853) , e o

drama de cos tumes varei ros , Os Hallas , cuja ação decorre na praia e cos ta do

Furadouro, junto a Ovar. Es te drama foi escri to em subs ti tuição do Rajah d e

Bounsoló , encomendado pela Sociedade Acadé mico -Dra mát ica para ser l evado à cena

no seu t eat ro part i cular no Porto. A representação do drama coloca va problemas

cénicos, e, no f inal dos ensaios , um desentendimento com u m dos elem entos da

Sociedade faz gorar o projeto , sendo subs ti tu ído por Os Hallas, escri to e m “u ma

semana, e a mor parte na presença d’alguns dos mesmos acadé micos que t inham mot i vado a sua concepçam” (Car valho 1854: x) . O jove m Joaquim Gui lher me Go mes

Coelho (Júlio Diniz) desempenhou o papel principal feminino nes te drama de

cos tumes . 400

O médico-ci rurgião inglês John Zephaniah Holwel l (1765 – 1771) foi o primei ro

europeu que se in teressou em aprofundar o estudo da cul tura Hindu, t endo publicado

In terest ing Historical Events , Relat ive to the Provinces o f Bengal , and the Empire o f

Ind ostan Wi th a seasonable h int and perswas ive to the honourable the co ur t of

d i rectors of the Eas t India Company. As a lso the mythology and cosmogony, f east s

and fest i val s of the Gentoo 's, fo llowers of the Shas tah. And a d issertat ion on the

metempsychosi s , commonly, though erroneous ly, called the Pythagorean d oct rine , 3

vol s . London: T. Becket and P . A. De Hondt

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cientí fica , legitimando a citação de Proudhon : “La vérité et l a vertu , la

loi et la justice sont historiques” (1999: 67). O estudo compa ratista que

enceta procura a demonstração pela evidência das semelhança s. T ivesse

partilhado a corr ente antagónica poligeni sta , Licínio de C arvalho teria

concluído da possibilidade de exi stência de estádios de evolução

diferentes, em simultaneidade espaciotemporal na globalida de social.

Torna-se, todavia , singular a sua apresentação paralelí stica quando

procla ma o poeta -dramaturgo Kalidâ sa como o “Shakespeare do Oriente”

(Carvalho 1854: 81), ou o teorizador Bharata como o “ Aristóteles da

Índia” ( id ., ib id . : 84).

Em rela ção à teoria teatral, regi stamos a exi stência do opú scu lo de

Rodrigo de Azevedo Sousa da Câmara , Reflexões sobre a Arte -Dramática

(1842), apenas referenciado nas Memórias do Conservatório Real de

Lisboa (p.278)401

, e no Breve Compêndio da Arte Scenica ou Arte de

Declamação (1856), de Francisco Ângelo da Silva Veloso. O

desaparecido folheto de Sousa Câmara, que se dividi a em duas partes,

tra tava da “composição do dra ma” e da “representação em scena”, e

procurava prestar um “serviço aos comediantes”, dando a conhecer

“algumas das r egras geraes a té então ignoradas” (Veloso 1856: 56).

Este Compêndio de Silva Veloso corresponde à primeira obra de

carácter técnico -artísti co redigida por um profi ssional de teatro,

“desejoso de auxiliar os principiantes na di fíci l arte de decla mação”

(Veloso 1856: 8). Através de um diminuto opúsculo de 85 páginas,

“oferecido aqueles que se dedicão a esta arte” ( id . , ib id . : 3), o seu autor ,

“criador e institu idor da associação teatral da rua dos Condes e

contrarregra do Teatro de D. Fernando” ( id . , ib id . : fronti spício), procede

à demonstração da necessidade de se “estabelecer um systema”, que

“aclare” o estudo da arte dramática ( id ., ib id . : 54-55), sobretudo quando,

segundo ele, o Conservatório Dramático n ão cumpria as suas funções. O

autor discorre sobre a organização das sociedades empresárias, segundo

401

Na “X LIV Conferência”, em 1 de Outubro de 1842, sob presidência de Joaquim

Larcher, vice-pres idente do Conservatório e Inspetor -Geral dos espetáculos , no

regi s to de correspondência e expediente, surge mencionada a r eceção de uma carta

de Sousa da Câmara oferecendo um exe mplar do seu opúsculo a es ta ins titu ição.

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um modelo claro que di stinguisse as funções admini stra tivas e artística s,

entre comediantes, ensaiadores e contrarregra s, ou dir etores de palco:

Ensaiador e comediante são duas cozas distinctas; o Ensaiador não está

obrigado a desempenhar cabalmente tudo quanto pode mandar

desempenhar; […] o Ensaiador hábil não vacila em ensaiar toda e

qualquer peça dramát ica , em quanto que o art i sta, o exímio comediante,

ordinariamente lhe falta aquel le dom perscrutador e vigilante , que o

Ensaiador deve ter; um comediante perito e mesmo insigne em comedia,

não o pode ser no drama, logo não pode ensinar n’este género ( Veloso

1856: 22-23).

A independência do ensaiador salvaguardá -lo-ia do monopólio

empresaria l sustentado pelos “ encómios” de “alguns folhetinist as” e pela

prática subserviente de autores dramáticos, a limentadores da “hidra”

financeira em detrimento da qualidade artí stica . Na de fesa da autonomia

deste cargo, Silva Veloso desenvolve uma teoria de incompatib ilidade de

funções, que impediria que a “cadeira do ensaiador” fosse ocupada por

um indivíduo pertencente à “classe dos comediantes”, c onsiderados os

“principa es chefes do monopólio”, porque “o Ensaiador comediante, ou

há de ensinar, ou emendar -se a si próprio , de defeitos que não pode

descortinar e que nenhum dos seu s inferiores, a inda que lh’os reconheça

ouzaram notar -lhe” ( id . , ib id . : 29-30):

Eu tenho observado que alguns comediantes, depois de haverem

t rabalhado com vantagem em um teat ro, cujo Ensaiador com alguma arte

os d i rigia , do que lhes provinha o seu desenvolvimento, iam para out ro

onda havia um Ensaiador de menos capacidade que lhes fazia perder

todas as vantagens adqui ridas com o precedente; lamento nimiamente o

haverem-se perd ido inte ligências, que bem di rigidas e auxil iadas não só

fariam um d ia a glória e engrandecimento do seu paiz . Eu quizera que

assim como se tem t rabalhad o no aperfeiçoamento de todas as artes, a

d ramát ica merecesse igual solic itude, não permi tindo os governos que

empresa alguma confiasse a d i recção do palco de qualquer teat ro, a

ind ivíduos que não tivessem as necessárias habilitações ( Veloso 1856:

53-54).

Idêntica lógica preside à defesa da atribuição do luga r de

contrarregra, ou diretor de palco , a um ensaiador, único elemento com

habilitações próprias para um lugar exigente de organização do

espetá culo. Contraria -se assim a prática vigente de contratar indivíduos

que nunca “haviam entrado n’uma caixa de t eatro”, na defesa da

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qualidade artística do mesmo ( id ., ib id , : 3). Silva Veloso sustenta a

escolha de autores para tradutores, como salvaguarda da qualidade da

obra dramática, contra a prática empresaria l vigente de contrata r

indivíduos sem qualifi cação, evitando o pagamento de direitos autorais.

O contrassenso da atitude empresaria l era visível na insati sfação que o

público demonstrava na receção das obras. Era forçoso fechar as portas

do teatro a tradutores “originalistas e imitadores” ( id ., ib id . : 36), para

favorecer o trabalho dos escritores, e permitir a afluência de público ao

teatro, por mérito dos autores dra máticos.

Silva Veloso segue o tradicional modelo didático “em forma de

diálogo, entr e o actor e o di scípulo” ( id . , ib id . : 58), numa espécie de

derradeiro exame oral a um aprendiz de “actrissi smo”402

:

Actor – Que entendeis vós que seja a arte de declamação, ou arte cénica?

Discipu lo – Entendo aquella que nos ensina a representar com

natural idade, qualquer papel de que formos encarregados ( Veloso 1856:

58).

A obra desenvolve uma teoria elementar sobre a representação

realista em cena: expressar adequadamente os sentimentos idealizados

pelo dramaturgo, pelo gesto – fis ionómico, entenda -se – , pela

gesticulação, transmitindo as “di ferentes paixões por que o homem é

dominado”, e pela indumentária , vestido e carac terizado

“apropriadamente e com a maior semelhança possível” ( id ., ib id . : 59). O

estudo assíduo do papel, pela leitura exaustiva até à memorização,

complementar -se-ia com a frequência dos ensaios e o estudo do meio ,

para atingir a “maior verosimilhança pos sível” ( id . , ib id . : 60). Não deixa

de ser interessante que Silva Veloso utilize, num curto espaço textual, os

conceitos de “semelhança” e “verosimilhança”. Muito apropr iadamente

faz-se a di stinção entr e a imagem exterior cr edível e o retra to

psicológico comportamental do papel, su stentado pela verdade de

atuação, que se fundamenta na investigação hi stórica (“história da nação

a que o per sonagem pertence”), sociológica (“discorrer pelos actos de

402

O vocábulo surge no “P rólogo” ao Compêndio , da autoria do ator Vale, como um

curioso neologismo para defini r o mundo diáfano da atuação.

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sua vida o caracter de que era revestido”) e patológica (“se fo r

defei tuosa na sua construção fí sica”):

O comediante não pode chegar ao grau de perfeição, em quanto não fôr

um fie l imitador, nem pode vi r a ser um verdadei ro arti sta , se fal tar a

qualquer ci rcumstancia , que deixe de iludi r o espectador, que espera

n’elle ver o personagem que muitas vezes conheceu, ou tem delle as mais

exactas informações (Veloso 1856 : 61).

Não obstante, a teoria de Silva Veloso continua escorada no poder

ilusório, conferido tanto pelo guarda -roupa, como pela caracteri zação,

que sustentariam, na ausência das características naturais do ator, o

efeito convincente do retrato. Seguindo as tradicionais teorias sobre a

expressão fi sionómica, de Lavater , dever -se-ia recorrer ao tra balho dos

retratistas, como Charles Le Brun , ou, pelo menos, a coleções de

“estampas apropriadas”, para estudo da obtenção de uma semelhança

romanticamente idealizada403

.

À medida que o Compêndio progride, o exa me do “di scípulo” torna -

se mais técnico, incidindo sobre a s característi cas da caixa do t eatro,

expl icação da estru tura físi ca da sala e perspectiva do espectador,

elucidação funcional dos espaços destinados aos atores, e da

nomenclatura das partes fundamentai s do ofício, a bem do seu

desenvolvimento artíst ico. Como corolário do reconhecimento dos

atributos necessários para “ser um bom comediante” ( id ., ib id . : 79),

Silva Veloso remata o seu manual de bol so com duas resposta s que

definem o seu ponto de vi sta . Enquanto pessoa, o comediante deveria

“saber l er, t er intelligencia mais do que medíocre”, não sofrer de doença

evidente, possuir boas característi cas vocais, ver satilidade histriónica, e

ser estud ioso. Socialmente deveria t er “bom comportamento moral e

civil” , ser humilde e t er “presença de espírito”. ( id . , ib id . : 80) Um

modelo de pessoa e de ator, porque na cena outros “quesitos” se lhe

403

S ilva Veloso l amenta que razões f inancei ras t enham coartado a edição da sua obra

O Ensaiador Mod erno, uma “col lecção de f igurinos antigos e modernos de d iversas

classes da sociedade, e d i fferentes povos , que deveria m ser vi r co mo guia aos

comediantes , assim co mo o desenho de at t itudes demonst rativas das paixões mais

fortes” (S ilva 1856: 10), que antecederia o estudo dos “deveres e at r ibuições , no

desempenho de t ão importantes logares” ( id . , ibid . : 11) de Ensaiador e de

Cont rarregra no teat ro de declamação.

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exigiam, entre os destina dos ao exercício da profi ssão e os r eferentes ao

seu estatu to social, para conseguir “a reputação na arte de declamar”

( id ., ib id . : 81):

[Compreender] o que lê para conhecer o sentido em que o poeta

d ramát ico escreveu, saber dar à sua voz as entoações conducentes, saber

empregar o gesto tão necessário, quando bem aplicado, devendo procurar

ter a lgumas noções de música, saber escutar -se para se corrigi r, […]

evitar o ser exaggerado na declamação e nos gestos, ter bom gosto na

escolha dos typos, esquivando-se a copiar aquelles que possam tomar a

imitação por ult raje à sua pessoa, fazer com que pela sua conducta e

reputação possa ser admitido na boa socieda de, onde melhor aprenderá a

cortesia e manei ras de sa la, indispensáveis na a lta comédia, e possa

conhecer do t ratamento usado ent re as altas personagens, const itui r -se

fiel observador em todas as c lasses da sociedade, a que deve procurar

chegar, para conhe cer os seus usos e costumes particulares, e

caracterí sticas, aprender alguma coisa dos idiomas, francês, inglez e

hespanhol, saber ao menos um pouco de música, dança e jogo de armas,

e tc. , etc . (Veloso 1856: 81).

A formação do ator sustenta a sua função s ocial, enquanto

representante de uma “arte nobre por natureza, poi s contribui para a

ilustração do povo” ( id . , ib id . : 82), fru to da “ilustração do século, que

faz reconhecer o teatro como um dos melhores passatempos de um povo

civili zado” ( id ., ib id . : 83).

3. Inteligência e sentimento: o culto da Verdade e a realização

do Bem-comum

A revolução de 1820 criou condições política s e sociais para o

aparecimento de sociedades patriótica s, civili zadora s e promotoras do

desenvolvimento materia l do paí s, as quais defenderam o incremento do

ensino e a propagação de conhecimentos cientí fi cos e técnicos. O

regresso dos liberais exilados concreti zou a formação de um epi stema

cultural propício ao surgimento dessas associações. A Sociedade

Promotora da Indústria Nacional foi concebida como um espaço, em que

poderiam “confundir -se a s luzes do sábio, a prática do artista , os

conhecimentos do agricultor, e do negociante, e em geral o concurso

unânime do todos os cidadãos zelo sos”, r egi stam os Annais rela tivos ao

primeiro ano [Maio, 1822: 11]. Defendia -se o conhecimento alargado,

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fru to da conjugação de ciência s provenientes de diver sas fontes e de

experiências individuais, interligando a academia e o empresário

industria l, pela criação de uma biblioteca e de laboratórios, e pela

publicação de um periódico e de manuais, entre outras a tividades. Em

1834, o aparecimento da Sociedade Industria l Portuguesa veio confirmar

a necessidade de divulgaçã o de conhecimentos cientí fi cos e t écnicos

ú teis ao desenvolvimento do paí s. Do mesmo modo, em 1837, a fundação

da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis , ao editar O

Panorama, compendiava informação destinada a um largo espectro da

sociedade:

[O] homem público, o arti sta , o agricultor, o comerciante , ligados a uma

vida necessariamente laboriosa, poucas horas têm de repouso para dar à

cultura do espí rito; e nenhum ânimo, por certo seria assaz curioso de

inst rução para gastar esses momentos em folhear centenares de volumes e

embrenhar-se em meditações profundas que só uma aplicação constante

pode tornar profícuas (Panorama, nº1 , 06 /05 /1837: 2 ).

A par de um si st ema de instrução pública institucionalizado, sujeito

a um programa de ensino, o processo demopédico liberal pretendeu

promover um si stema de educação pública consonante, a través da

imprensa periódica, num processo de generalização da leitura de obras de

divulgação especializada. Todavia , a elevada taxa de analfabetismo

tornava periclitante a exi stência de periódicos espec iali zados, sem um

número de a ssinantes que ju stifi casse a sua manutenção. Ampliou -se a

esfera de ação da sua leitura , pela introdução de outras secções de

carácter cultural. Quando, em 1848, Andrade Corvo e Rebelo da Silva

fundaram A Época - Jornal de Indústria , Ciência , Literatura e Belas-

Artes, são criadas duas secções: a cientí fica e industria l, e a li terária . Na

mesma época (1841 – 1851), a publicação de Almanaques Populares, por

Filipe Folque ou Fradesso da Silveira , procuram ser a li teratura

divulgadora de conhecimentos ú tei s r edigida em linguagem acessível. E,

a inda que a taxa de analfabeti smo não regi ste uma alteração expressiva,

na realidade, as condições económicas e culturais conduzi ram a um

aumento do consu mo de livros, revi stas e jornais, que, associado ao

desenvolvimento t ecnológico na produção de livros, permitiu reduzir o

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custo dos mesmos. Tal fa cto condu ziu à proli feração de obras

monográ fica s, a partir de 1840. Entre traduções e obras literárias,

veri ficou-se a publicação periódica de pequenos volumes temáticos,

divulgando conhecimento técnico e cientí fico, em áreas específicas. A

burguesia , legitimando a ascensão ao poder “pela aquisição de várias

formas de saber -fazer, de competência”, num “instável equi l íbrio entr e

democratização e eliti smo”, procurava valorizar -se “face à ant iga classe

dominante, ao mesmo tempo que se demarcava das cla sses populares”

(Santos 1983: 8).

Em 1870, o Decreto de 2 de Agosto estabeleceu a criação de

bibliotecas populares em cada capita l de concelho, como complemento

das escola s. O catálogo bibliográfico incluía obras divulgadoras de

conhecimentos gerai s e de conhecimentos profi ssionais, nas áreas

agrícola , industria l, comercial e artísti ca , referenciando inventos,

aplicações e modelos. Dava-se ao leitor a possibilidade de ler as obras,

quer na biblioteca, quer em casa, com o que se promovia o hábito de

leitura , potenciava -se a eventual compra das obras, e promovia -se a

constitu ição de biblioteca s domiciliárias :

O operário, o estudante, o chefe de famíl ia ou o professor, não hesi tarão

em formar a sua biblioteca económica com estes livrinhos que lhe

explicam tudo quanto poderiam aprender em out ros de preços

e levadíssimos re lat ivamente aos haveres da maior parte das pessoas (8 ª

série, 1883, apud Nascimento 2006: 2817 ).

Os manuais, tanto como as obra s dramáticas do repertório do drama

social, constitu íam um produto cultural demopédico, desempenhando um

papel moralizante “mais ou menos consciente” , e consagrando, “a nível

do imaginário” de u ma pequena e média burguesia em ascens ão, “doi s

discursos com uma função complementar para lá da sua especifi cidade”

(Santos 1983: 7):

Discurso do manual e discurso do drama socia l tendem a inculcar

comportamentos, hábi tos (um saber viver ) que não teriam sido

contemplados pela socia lização primária daqueles que const ituíam o seu

públ ico; ao mesmo tempo, criam-lhes expectativas novas, mais

ambiciosas (Santos 1983: 7 ).

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317

3.1 . Ciência ao alcance de todos: Biblioteca do Povo e das

Escolas

Terá sido esta a intenção que, em 1881, levou o editor David

Corazzi a designar Xavier da Cunha404

, como diretor li terário de uma

coleção bibliófila , “primeiro epi sódio de livro popular de ma ssa s”

(Domingos 1985: 76), cujos títu los visava m di ferentes áreas de saber,

tendo alguns sido “aprovados pelo Governo para uso da s escolas

primárias” e outros “adoptados nos Liceus e primeira s escolas do paí s” ,

conforme fri sado na contracapa dos opúsculos405

. De linguagem

acessível, para cativar o público l eitor e levá -lo a di sfru tar dos

conhecimentos necessários à sua atividade, a Biblioteca do Povo e das

Escolas seguia princípios idênticos aos que Andrade Corvo definira para

a Biblioteca de Agricultura e Ciência s – “a prática sem ciência mantém -

se perpetuamente na rotina: nem progride nem se aperfeiçoa” (Corvo

1880: 12):

Só a liberdade que vem da consciência do dever e do di reito – essa

l iberdade não só pol ítica, mas pol ít i ca e social – é que representa o

progresso na sua larga acepção: o progresso do povo (Corvo 1866: 4).

A coleção de Corazzi compreendeu 237 livros, publicados du rante

42 anos, entre 1881 e 1913, circulando em Portugal e no Brasi l , onde foi

aberta uma sucursal, no Rio de Janeiro (rua da Quitanda). Publicados

quinzenalmente, a 10 e 25 de cada mês, cada volume continha 64

páginas. A edição dos dois primeiros t eve tiragem de 6000 exemplares,

ascendendo para 12000, a partir do t erceiro volume, e para 15000, a

partir do décimo, indiciando a rápida aceitação popular da Biblioteca.

404

Xa vier da Cunha foi poeta, bibl iógrafo e escritor . Natural de Évora, er a f i lho do

jornal i st a Estêvão Xa vi er da Cunha. Formou -se em Medicina na Escola Médico -Ci rúrgica de Lisboa (1865), t endo pertencido ao corpo clín ico do Hospi tal da

Marinha. Ent re 1902 e a implantação da República, fo i di retor da B ibl io teca

Nacional . Para o t eat ro cot raduziu com Rodrigo de Sousa Montei ro , a comédia Pates

d e mouche, de Victorien Sardou, com o t í tu lo Por causa d e uma carta , representada

no Teat ro de D. Maria II, e m 8 de abri l de 1863 . 405

Sobre o papel da B iblioteca do Povo e das Escolas cf . NA BO , Olimpia de Jesus de

Bastos Mourato (2012), Ed ucação e d ifusão d a Ciência em Portugal : A “Bibl iotheca

do Povo e d as Escolas” no Contexto d as Edições Populares do Século XIX.

Dissertação de Mest rado em Formação de adul tos e Desenvolvi mento local .

Portalegre: Ins ti tuto Poli t écnico de Portalegre/ Escola Superior de Educação de

Portalegre.

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Cada série era constitu ída por sei s tí tu los (três mese s), que recebiam

uma capa dura como enca derna ção. O empreendimento cultural da

Biblioteca colheu louros logo desde o ano de lança mento, com a Medalha

de Ouro da Exposição do Rio de Janeiro. Em 1882, o reconhecimento

visou o próprio Corazzi , di stinguindo-o com o Diploma Honorífi co da

Propaganda de Ciência Popular, da Associação Napol itana de Propaganda

de Ciência Popular Luz e Verdade – Guerra aos Misti fi cadores do Povo,

e nomeando-o sócio protetor da institu ição, a que se seguiu , no ano

seguinte, o galardão idêntico da Sociedade Napolitana Giambattista

Vico406

. Todavia , o maior reconhecimento, o de u tilidade pública , ser -

lhe-ia conferido por Ramalho Ortigão , em 1888, em elogioso artigo da

Gazeta de Notícias , do Rio de Janeiro , por a ltura da Exposição

Industria l:

Estes pequenos e obscuros l ivros, tão pouco mimosos de elogios, tão

despercebidos da réclame, const ituem já uma das mais completas e das

mais perfe itas bibl iotecazinhas escolares que eu conheço ( apud

Nascimento 2006: 2018).

O sucesso empresaria l da casa -editora David Corazzi , intima mente

ligado ao da Biblioteca do Povo e da s Escolas , tornou -a num caso de

importância industria l, no último quartel de Oitocentos . Paredes meias

com os escritórios da empresa, fi cavam as oficinas de tipografia , que

compreendiam os setores de composição, impressão a vapor, ester eotipia ,

a lçado, brochuras, cartonagens e encaderna ção à máquina.

Existia uma clara intenção de combater os manuais escolares

“eivados de erros grosseiros e vendidos por preço absolutamente

incompatível com a exiguidade dos recursos das cla sses traba lhadoras e

pobres” (1883, 6 ª séri e, nº41), bem como pugnar pela propaganda

instru tiva que tornasse a cessível a todos a s artes, a s ciências e as letras.

Inicialmente concebida como uma coleção de oito séri es, abrangendo

406

F i lósofo napol it ano, Giambat t i s t a Vico, ou Giovan Bat t is t a Vico (1668 – 1744),

tornou-se uma influência para f ilósofos e cient is tas sociai s no século XIX. Em 1725,

publ icou Scienza Nuova, em que perspet ivou o estudo cientí f i co da História, cr i ando

o princíp io universal da h i s tória para todos os povos . A sua t eoria fo i referenciado

por Ju les Michelet e Karl Marx . Cf . MARAGON, Rosa Maria (2007), A evolução da

História do Homem segundo Giambatt is ta Vico . Univers idade Federal de Juiz de

Fora, Cent ro de pesquisas est ratégicas Paul ino Soares de Sousa.

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319

sete grandes áreas de conhecimento – Educação Corporal, Zoologia ,

Física , História , Literatura , Jurisprudência e Linguíst ica – , a Biblioteca

expandiu-se a vinte e nove séries, ao longo dos seus 42 anos. Apesar de

muitos títu los serem de autoria anónima, o r epositório abrangeu um total

de 91 autores, dos quais apena s não foi possível identi ficar a profi ssão

de catorze:

Dos 77 restantes, dois eram engenhei ros agrónomos, dois t ipógrafos,

c inco médicos, 22 oficiais mil itares do exérci to e da marinha , um

comerciante, t rês estudantes de d i reito, um farmacêutico, um estudante

de let ras, 18 professores, um telegrafi sta , um ator, quat ro funcionários

públ icos, t rês escritores, um naturali sta , um advogado, t rês estudantes de

artes indust riai s e comerciais, um poeta , um botânico, dois sacerdotes,

um cenógrafo, um estudante de agronomia, dois jornali stas e um

estudante de medicina (Nascimento 2000b: 7 ).

Além desta coleção enciclopédica, a editora publicou as coleções :

Dicionário do Povo (1881), Biblioteca Univer sal (coleção de obra s

primas da literatura), Biografias de Homens Célebres dos Tempos

Antigos e Modernos (1883) e As Grandes Viagens e os Grandes

Viajantes. Por questões de saúde David Corazzi vendeu a editora , em

1888 (Hallewell 2005: 289), dando lugar à Companhia Nacional Editora

de Li sboa, por fusão com a editora de Justino Guedes , que continuou a

publicar a Biblioteca do Povo e das Escola s a té 1902, sendo nessa altura

substitu ída pela empresa A Editora , que assegurou a sua continuidade até

1913.

3.2 . A divulgação teatral na Biblioteca do Povo e das Escolas

O objetivo da Biblioteca do Povo e das Escola s , a “propaganda de

instrução”, evidencia -se no frontispício da s obras, a través da

“vulgarização dos conhecimentos hu manos em todos os seus ramos

variadíssimos”, enunciado no prefácio de Xavier da Cunha , “Quatro

páginas de um prólogo” (1883, 6ª séri e, nº41 ) . Este empreendimento

“civilizador” supriria a fa lta de coleções no mercado português, à

semelhança das que cir culavam em Inglaterra , França, I tá lia e Estados

Unidos da América. A modernidade regeneradora chegava, assim, ao

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grande público, a través de monografia s equivalentes aos “Manuais Roret,

l idos e estudados em todo o mundo”, como proposto em “ Valha como

prefácio” (1884, 10ª série, nº 73). Corazzi seguia a inspiração da

Encyclopédie fundada por Nicola s Roret , em 1822, tra tando dos saberes

artesanais e t ecnológicos, que chegou até 1930, a través de outros

editores, e em cuja coleção se inseriu o Nouveau Manuel de Théâtre , de

Ari stippe, em 1854.

O modelo industria l equivalia a um modelo civ ilizacional. A

editora , equipada com máquinas a vapor, consubstanciava esse

paradigma de “brilhante predomínio da intelectualidade huma na sobre as

forças brutas da na tureza inconsciente” (1884, 10ª série, nº73). Embora a

escola fosse valorizada como agente cultivador de vir tudes, de

forta lecimento do espírito, de formação do novo homem vitruviano

oitocentista – consciente, escolarizado, civiliza do – , cujo apuramento da

espécie passava pela ilustração, a educa ção correspondia a um conceito

complementar do primeiro, que se a largava à experiência individual , da

qual fazia parte a leitura , a través de obras, em estilo ameno,

completando os inter esses das laboriosas classes populares: “a instrução

fecunda para um povo não é a que os governos lhe abona m, mas sim a

que ele de per si mesmo soli cita” , farpearia Ram alho Ortigão (2007:

1247).

Qualquer opúsculo da Biblioteca do Povo e das Escolas pretendia

ser “um tratado elementar completo, nalgu m ramo de ciência s, artes ou

indústrias, um florilégio lit erário, ou um agregado de conhecimentos

ú teis e indi spensáveis, expostos por forma sucinta e conci sa , mas clara ,

despretensiosa, popular, ao alcance de todas a s intel igências”,

intencionalidade esta que se repete destacada em cada capa da coleção.

Alguma s obras terão sido usadas no ensino escolar, mas a sua dimensão

pedagógica parece -nos ir a lém do didati smo, no intu ito de perspetivar a

formação do grande público, como no ca so concreto dos manuais

referentes ao univer so dramático -teatral.

As obra s de divulgação desempenham, de facto, um papel de r elevo:

hierarquizam, deci fram e vulgariza m o discurso propedêutico

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(Nascimento 2006b: 142). Entre 1884 e 1890, quatro títu los publicados

visaram direta mente a arte dramático-teatral – Arte no Teatro (1884),

Arte Dramática (1885), História do Teatro em Portugal (1885) e Manual

do Ensaiador Dramático (1890) – , enquanto um quinto, Leitura e

recitação (1885) , apresenta um campo de ação mais abrangente,

extensível a outros a tuantes.

Até 1885, verifi ca -se a edição anónima de grande número de obras

da coleção, como é o caso de A Arte no Teatro (10ª série, nº77) e de

Leitura e recitação (13ª série, nº98). A autoria daquela é, todavia ,

reconhecida, por interposta fonte407

, ao cenógrafo ilustrador Manuel de

Macedo, que a ssina o manual sobre Arte Dramática (15ª séri e, nº116),

entre outros, “vulgarizando a ssuntos ligados às Artes” (Bastos 1898:

758). O professor do Liceu de Setúbal João Salgado resumiu uma

História do Thea tro em Portugal (15ª série, nº120), seguindo o

positivi smo de Teófilo Braga , num tom seco de pendor anti cler icalista , e

Augusto de Mello certi fi cou a função do ensaiador, no seu Manual do

Ensaiador Dramático (24ª Série, nº187).

Qualquer das obras cumpre a pretensão de Corazzi – “um agregado

de conhecimentos ú tei s e indi spensáveis , […] ao alcance de todas as

inteligência s” – , mas serve também um ideal políti co, sucessor dos

melhoramentos materia is, que pugna pelo retorno aos melhoramentos

intelectuais, em revisita ção republicana da essência setembri sta :

Para cada povo a arte é a segurança da t radição, o refúgio das

consciências, o mais puro reflexo da imagem benigna da pát ria, a fo nte

mais caudal de todos os progressos, morais, económicos e a té polít icos,

para cada homem, na tortura de tantas incertezas morais, na mágoa e na

ruína de tantas crenças ext intas, de tantos ideais desfe itos no

melancólico decurso da nossa idade, a arte é ainda – como d iz

Schopenhauer – a única flor da v ida (Ortigão 2006: 108; itálico

original ).

407

A. Victor Machado explicit a a sua autoria na referência bibl iográfica e no

prefácio da edição de Guia prático de encenação , Li sboa: Ferrei ra & F ranco, [19 -] .

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4. Das palavras aos atos: a Arte Teatral afirma o naturalismo-

realismo na cena

Seriam preci sos tr inta anos para que se cumpri sse o desejo de Silva

Veloso. O espa ço vazio da refl exão técnico -artí stica sobre a arte de

representar acolheu, a partir de 1884, o aparecimento de publ icações de

literatura teatral, que visaram a formação de um gosto popular, entre

fazedores e fru idores, que estendia o espírito de Rangel de Lima para as

Belas Artes, ta l como o expressara na década anterior no programa da

revi sta Artes e Letras :

Difundi r no povo o gosto por esta subl ime manifestação das faculdades

humanas; encaminhar o melhor que possamos, os que […] por fal ta de

educação artí st ica não estão habi tuados para dist ingui r o bom do mau, o

belo do vulgar (AL, Janei ro 1872: 1 ).

A defesa da arte, essa condição “inerente à natureza humana,

progressiva e eterna”, capa z de a ssociar os homens “no destino e na

solidariedade da espécie” (Ortigão 2006: 107) assume-se com valor

identitário, como “trabalho coletivo da comunidade, na literatura , na

arquitetura , na música, na pintura , na indústria e no comércio” ( id .,

ib id .: 108), como crença no espírito d e per fectibilidade do homem e das

sociedades:

É pelo culto da arte, e pela educação artí stica que esse culto compreende,

que a produção indust ria l se especializa, se valoriza pela originalidade

caracterí stica do produto, e t ransforma pela prosperidade, unicamente

determinada pelo ensino, toda a economia de uma nação (Ortigão 2006:

107) .

A Arte no Teatro abre o conjunto de obras que constituem uma

espécie de “pentateuco” da arte dramático -teatral. Cinco obras de quatro

autores, que vulgariza m o fenómeno teatral, citando autoridades

estrangeiras, mais implícitas do que explícitas, c onsti tuem um

palimpsesto da cultura das artes de palco408

. Manuel de Ma cedo toma

para si objetivos especí fi cos, quando abre a obra, epigra fando um

excerto do prefácio -programático garrettiano em Um Auto de Gil Vicente .

408

Cf. Apêndice 18. Referências bibl iográficas de alguns autores . Procurámos

entender a base de es tudo que sus tenta a t eoria das obras portuguesas at ra vés da

b ibl iografia contida, nem sempre de forma expl íci t a.

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Quarenta anos depois, o Teatro continua a ser para ele o grande meio

civili zador, próspero , formador de gosto, de hábitos, u ma forma

essencial de comunicação e sociabil idade. Tornam-se evidentes as metas

e os destinatários que pretende atingir , quando propõe satisfazer “a

curiosidade l egítima” da “minoria inteligente que se inter essa pelas

mani festações das artes p lástica s no Teatro”, “ iniciando o público em

geral nos segredos da di fícil arte de combinar espectáculos” (Macedo

1884: 5), na esteira de Jean -Pierre Moynet , em L’envers du théâtre:

machines et décorations (1873):

Les spectateurs qui assistent à la représentation d’un opéra, par exemple,

ou d’une féerie, voient se succéder devant eux des changements à vue,

des t ransformations, des effets magiques qui les é tonnent ou les charment

sans que la plupart d’ent re eux se préoccupent beaucoup de ce qu’i l a

fa llu d’invention, d’art, de science, de t ravai l pour produi re sur eux

toutes ces il lusions (Moynet 1873: [i ]).

Ainda que a ver são iniciática lusa não apresente igual pitoresco

descritivo da francesa, cujo narrador, um porteiro da Ópera de Paris, nos

guia pelo interior do t eatro, o di scurso de Ma cedo nã o deixa de ser

imagético , procurando que o l eitor vi sualize o processo de construção do

espetá culo, a través do enunciado da s di fer entes fases e dos respetivos

setores t écnico -artísti cos, viajando por uma torre de babel de artífi ces

escondidos do olhar público, por um universo dinâmico subordinado a

uma mundividência ancestral: todo o mundo é u m teatro e todo o teatro é

um mundo. A defesa do reali smo em cena, a través do estudo laborioso da

observação da realidade, transmuta o concei to de cenogra fia , enquanto

modelo idealista , fa l si fica dor da natureza, em modelo naturalista ,

fundado na veri fi caçã o da natureza. A ilusão de ó tica criada pela antiga

forma de perspetivar o cenário ganha a tr idimensionalidade própria dos

dioramas daguerrianos, na caixa do palco.

No ano seguinte , Macedo r etoma a escrita sobre a a tividade t eatral,

em a Arte Dramática , um “pequeno resumo que vulgariza as ações e

princípios”, ou seja , um manual para o “cultivo da arte de representar”

(Macedo 1885: 7):

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A arte dramática ou arte de represen tar é a mais di fíci l de todas as

artes, porquanto o a tor, no exercício da sua profissão espinhosa, acha -se

privado quase em absoluto da cooperação dos vários processos materiais

e elementos auxi liares de que dispõem em tanta abundância os out ros

mesteres art í st icos, tendo a inda que abdicar constantemente da sua

personalidade para assumir de cont ínuo individualidades as mais variadas

e por vezes as mais opostas, ci rcunstância que coloca os cultores da arte

d ramát ica em condições especia is e lhes exige aptidões especiais também

(Macedo 1885: 3 ; i tálico original ).

Macedo sumariza o objeto e o destinatário do conteúdo dessa arte,

cuja popularidade advém do “dom de impression ar e comover o público”,

da capacidade de transmitir de forma “direta , viva e animada ”, ideias e

sentimentos a través da “representação materia l de factos de toda a

espécie”, entendíveis por “ toda s as inteligências” ( ib id .: ib id .) . Na

impossibilidade de escr ever uma hi stória sobre o “instinto dramático”,

pela inexi stência de “monumentos duradouros” do ta lento dos atores, de

cujos trabalhos transitórios “só fica a memória nos comentários e crítica s

dos escritores seus contemporâneos” ( id ., ib id . : 7), sobrevive o

argumento que o estudo da “arte dra mática e [da] declamação nas épocas

mais modernas” leva a compreender a “ transformação da arte de

representar conforme o sentido r estrito da palavra” ( id . , ib id . : 8). Na

divi são da obra em duas partes – “A Arte Dramática nos t empos

modernos”, que analisa sucinta mente o panorama artístico dos t eatros

europeu e norte -americano, e “A Arte de Representar” , que ensaia uma

sociologia do comediante – , Macedo enuncia “os preceitos mais gerais

em que se funda a arte de representar” ( id ., ib id . : 24), tendo como

mentor explícito Joseph Isidore Samson , a tor da Comédie Française ,

professor do Conservatório de Paris, entr e cujos di scípulos se encontrou

um dia a trágica Rachel , figura modelar para Sarah Bernhardt . Macedo

segue L’Art Théâ tra l (1863–65)409, precetiva em oito cantos, em ver so

alexandrino, em que Sa mson exalta de forma quase épica o papel do ator,

e das responsabilidades inerentes à sua profi ssão:

409

A obra t eve reedição pós tuma, por in iciativa da f i lha do ator . L’Art Théatral .

Nouvel le édit ion , accompagnée de huit por trai ts , précéd ée d ’une int rod uction d e

Si lvain, d e la Comédie Française . Paris : Dorbon-Aîné, [s .d. ] ; e uma 3ª edição,

i lus t rada por G. Jacquet , em 1882. Manuel de Ma cedo poderá t er t ido acesso a

qualquer uma delas .

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De cet art enchanteur, si longtemps out ragé,

Que la raison défend cont re le pré jugé,

Où doit briller du cœur une étude savante ,

Et par qui sous nos yeux la pensée est vivante,

Qui d’un mobile acteur fai t tant d’hommes divers.

J’essaierai de t racer les leçons dan s mes vers.

(Samson 1863: 1 )

A Arte no Teatro e a Arte Dramática compõem o dípti co macedeano

sobre a mimese teatral, pretende ndo fornecer e lementos decifradores da

arte, para dar a conhecer o signi ficado profundo do espetáculo,

expl icando o il egível dramático posto em cena, e sublinhando o papel do

espectador, enquanto “cidadão que não é letrado nem teórico, ma s

simplesmente um ser impressionável, um átomo do grande públ ico, que é

no fim de tudo qu em faz a arte” (Queirós 1981: 38). A obra Arte no

Teatro afirma o cenógrafo como produtor de sentidos vi suais, que

ampli fica m as ressonâncias textuais, e desvenda a ilusão r ealista , “um

dos filhos hi stóricos da produtividade da mimese” (Oliveira 1997: 18):

O palco mimético, em sent ido ari stotélico e , ainda mais, no sent ido da

sensual idade do reali smo burguês, procurou t ransforma r a cena num

verdadei ro theatrum mundi , mobilizando com o andar da História , o favor

das diversas artes que, no espectáculo teat ral , se vieram a juntar ao

fe itiço da palavra dramática ( Ol ivei ra 1997: 32-33).

Macedo, como veremos adiante, a inda que mantenha a obediência

do teatro à autoridade de uma textualidade precedente, introduz agora,

com maior conscienciali zação do que Silva Veloso, uma noção moderna

de autoria do espetáculo teatral, privil egiando a teatralizaçã o do materia l

escrito. Teatro é convenção, ou seja , um contrato de mediação entre o

espetá culo e o espectador, sustentado pela mimese e pela ilusão, quer

como jogo ( i l lusio ) , quer como engano ( i l ludere ) . Nesse sentido, à

sugestão mimética do drama, constru ída na per spetiva do público, como

“extensão pragmática da própria fabula”, associa -se “a sugestão

per suasiva do mundo”, que se torna patente pela arte de r epresentar ( id .,

ib id .: 33). A sua explicação almeja consciencializar o espectador para a

realidade complexa da ilusão teatral fru to da encena ção, que procura

representar o mundo social e geográfico previ sto na obra dramática. A

convivência com os acontecimentos da cena traduz -se num pacto lúdico

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de identi ficação com a fábula dramática e com a função teatr al, em que

todo o realismo artí stico não passa de uma imagem estili zada, de uma

i lusão do real, que depende das c ircunstância s, “qui la rendent plus ou

moins di ffici le à produire”, como “equacionou” o autor De la poésie

dramatique (Diderot 1771: II , 272):

L’ illusion est seule d’un côté. C’est une quantité constante qui est égale

à une somme de termes, les uns posi t i fs, les aut res négat i fs, dont le

nombre & la combinaison peuvent varier sans fin, mais dont la valeur

totale est toujours la même. Les termes posi ti fs représentent les

c i rconstances communes; & les négati fs, les ci rconstances

ext raordinai res. Il faut qu’elles se rachètent les unes par les aut res.

L’ illusion n’est pas volontai re , celui qui di roit, je veux me fa i re il lusion,

ressembleroi t à celui que di roit : j’a i une expérience des choses de la vie

à laquelle je ne fera i aucune at tent ion ( Diderot 1771 : II, 272).

A consciência do processo, que Macedo advoga, traduz um pacto de

fingimento entre a produção dramática, a r ealização plástica do

espetá culo e a receção estética do espectador, “uma dinâmica que

interliga a nossa percepção da realidade e a criação de um espaço mental,

entre um mundo r eal e um mundo referencial” (Oliveira 1991: 38). Do

ponto de vista da imagem vi sual, estamos perante a definição que Dürer

a tribuiu à perspectiva, uma Durchsehung, uma visão através de uma

imagem. A nova imagem materia lizada co rr esponde à idealização de uma

anterior, torna -se numa representação artísti ca , cujo espaço é

determinado pelo sujeito, cujas “forma s fazem parte do momento em que

o espaço, como imagem de uma visão do mundo, é sujeito à purificação

de misturas subjectivas, por acção da Filosofia (Descartes ) e da Teoria

da Per spectiva (Desargues)” (Panofsky 1999: 65):

Ao t ransformar a ousia (realidade) em phainomenon (aparência), a

perspectiva parece reduzi r o divino a simples tema da consciência

humana. E, exactamente por esse mot ivo, a perspect iva alarga a

consciência humana e fá -la receptáculo do divino. Não será , pois,

resul tado do acaso que esta visão perspectiva do espaço se tenha imposto

no decurso da História da Arte, em dois momentos. P rimeiro, assinalou

um fim, a queda da teocracia da Antiguidade. Mais tarde, marcou um

começo, o da “ant ropocracia” moderna (Panofsky 1999 : 67).

A ilusão no t eatro, que uma estéti ca não realista sustentara durante

séculos como verosimilhança, na presunção de que a palavra valia como

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expressão do pensamento objetivo num teatro de espetáculo,

“representação de todas as representações” (Derrida 1989: 264, apud

Oliveira 1991: 39), dá lugar a um teatro de ilu são, com o advento do

drama realista burguês. Mesmo que se mantenha o fenómeno de

encantamento do espectador a través da fábula , “estru turação causal dos

factos” (Oliveira 1991: 40), a imitação das aç ões hu manas dá lugar à

imitação da natureza, fonte de perfeição, já que o “teatro di stingue -se da

literatura pela iconiza ção dos seus emissores e pela reconstitu ição

(mesmo que seja necessariamente fal sa) da situação de enunciação”

(Pavis 2003, cit. Oliveira 1991: 43). Desta compreensão participa

Macedo na explica ção da Arte Dramática e da função do ator, enquanto

mediador entr e o autor e o público. Como Diderot , defende a sobriedade

da representa ção dentro do quadro instalado na cena, cuja moldura do

proscénio facilitaria a criação de um diorama da guerriano, espécie de

teatro anatómico do drama burguês, enquanto “máquina interpretativa,

onde as imagens e os actores sociais espelham no campo simbólico os

seu s mecanismos a fectivos ou políticos” (Oliveira 1991: 59):

O reali smo oi tocenti sta pretendeu co nfundi r-se com essa mesma

realidade, reti rar o teat ro do teat ro e , ao querer exibir -se como visão

imediata e neut ra do empírico, obrigou o espectador a assist i r

discretamente a um quadro da/e vida, em que a quarta parede simbol izou

o seu afastamento impote nte da acção do palco. A autoridade disfarçada

deste modelo comunicativo condicionou fortemente o sentido da

recepção. A ideia de partic ipação do espectador, proporcionada pelo re -

conhecimento progressivo do real, foi o cont ributo impressivo do teat ro

na great illusion of rea li sm. […] Neste palco, a personagem de ficção

serviu-se do corpo do actor para ascender à referencia lidade comum

(Olivei ra 1991: 63-64).

A Estética Naturalista (1884), de Júlio Lourenço Pinto , publ icada

no mesmo ano que a Arte no Teatro , contribui para esta nova situação da

retórica naturalista portuguesa, em que a “ imitação” da realidade

necessitar ia de uma “construção” da realidade, e, por isso, o

psicologi smo naturalista deveria ser su stentado pelo cienti smo reali sta .

Trata-se de criar uma “disciplina mental” suportada pela filosofia

positivi sta, “um seguro critério filosófico” que sugerisse “uma

concepção verdadeira de univer so”. Sem que a arte fosse “tributária da

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filosofia e da ciência”, era preci so “dirigi -la para o rumo das suas

genuína s fontes de inspiraçã o, identi fi cando -a com os métodos mais

exactos e adequados à investigação do verdadeiro” , da “análise para a

síntese”, “do objectivo para o subjectivo”, “da realidade para a

interpretação, da observação para a imaginação criadora” (Pinto 1996:

18). Não obstante esta premissa pedagógica, Lourenço Pinto considera

que a implantação do naturalismo no teatro é “mais di fícil do que no

romance ou na poesia”, porque a arte cénica “carece de uma certa

ilusão”, de “efeitos de óptica teatral” , arreigados no pú blico pela

tradição, reforçando as “ impressões que r emonta m aos órgãos superiores

da ideação”, reforçadas pela “representação exterior da real idade”. A

“nova fórmula” colidiria , então, com a espetacularidade cénica, que

“confina com a fanta smagoria e propende à exageração e ao fa lsea mento

da verdade” ( id . , ib id . : 145). Na defesa de sua dama, os t eór icos deste

pentateuco da arte dramática procurarão, à sua medida, obstar à

reticência sobre a “difi culdade em educar para o verdadeiro espectador

habituado a ver fa lso” ( ib id .: ib id .):

A acção dramática que vemos desdobrar-se no palco é mais comovente do

que aquela que só pela lei tura se representa no i solamento da nossa

íntima sensibil idade int rínseca. O teat ro é mais impressionador com a

representação material das imagens que evoca, do que o romance que só

pelo esforço da imaginação dá vida e relevo à realidade evocada ( Pinto

1996: 146).

As relações entr e arte e natureza, entr e arte e perceção, entre

realismo e ideali smo, entr e imitação e embeleza mento, são dicotómica s e

constituem um “patamar nessa ascensão para o absoluto” (Huisman 2000:

116):

Se a arte é real i sta no sent ido de afastar as convenções ut ilitárias, de

se interpor como uma cortina ent re os seres e nós, ela pode ser

ideal i sta na medida em que procura uma prospecção mais di recta e

mais profunda, efect uando correcções relativamente aos nossos hábitos

percept ivos, e é preciso ter em conta , ent re as duas dout rinas, todo o

leque das pesquisas do c lassicismo (que aponta para a essência), do

romantismo (que tem em mira a vida e a cor), do naturali smo (que

aponta para o facto), do impressionismo (que aponta para o di recto e

para a frescura), do simbol ismo (vi rado para o matiz e para a relação),

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do cubismo (que visa a est rutura e a geometria), do surreali smo (que

visa a t ranscendência), etc. (Huisman 2000: 115).

O movimento naturalista -realista , propondo-se renovar

“completa mente a educação intelectual” , procurou “educar o senso

artístico na contemplação da natureza através da ciência moderna” (Pinto

1996: 146). O drama de atualidade, substitu indo o drama romântico,

valorizou o quadro da história quotidiana , em detrimento d o quadro da

História univer sal . Consciente di sso , Augusto de Mello a firma o estatu to

artístico do ensaiador, sugerindo uma dimensã o próxima dos modernos

conceitos de encenador, entre cujos predicados deveria estar a “madura

experiência das coi sas da vida e o conhecimento íntimo de todas essa s

convenções” (Mello 1890: 5). A sua abordagem metodológica estr eita a

relação entr e a abordagem dramatúrgica e a montagem do espetáculo,

segundo critérios de observação e crítica da natureza e das paixões,

inferido do ensaio de Lourenço Pinto :

É na vida contemporânea, na real idade ambiente que actua sobre nós, que

põe em conflagração toda a nossa sensibilidade ext rínseca e int rínseca, é

nas sugestões dos modelos vivos, que se assimi lam e t ransubstanciam,

que se oferece um fundo inexaurível de vi talidade e renovação artíst ica.

[…] O drama e o romance vivem principalmente da v ida contemporânea,

e , sendo a sua melhor expressão, serve melhor a histó ria do que a

histó ria serve a arte (Pinto 1996: 149).

O ensaiador constitu i -se, portanto, como o elemento de

harmonização da obra cénica, entre o autor dramático , o cenógra fo, o

maquinista , e o a tor, cada qual interpretando um modelo em que se

inspira , imprimindo “à natureza assimilada pela observação o relevo da

própria originalidade inventiva” ( id ., ib id . : 152). A visualidade

espeta cular, equivalente ao elemento descritivo do romance , esclarece e

completa a situação dramática. De forma sin téti ca , observando as leis da

ótica , não pa ssa de uma ilusão de r ealidade. Quando Mello critica a

artificia lidade dos excessos naturalistas de que o t eatro se revestira para

agrado do público, exigin do mais e mais efeitos de reali smo espetacular,

reitera a crítica de Lourenço Pinto, na assunção de que um realismo

cénico jamais deveria transplantar “para o palco a natureza em toda a

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plenitude da realidade”, mas apenas “evocar a coisa representada como

ela realmente exi ste” ( ib id .: ib id .) .

Não obstante, a escola realista poderia ser limitativa da capacidade

interpretativa do comedia nte, tendo em conta que a palavra é “um ato de

matriz intelectual, que é posto em prática com o auxílio dos sentidos”

(Spengler 1993: 79). Num breve ensaio críti co, “Escola realist a – Escola

romântica”, um inominado articulista do periódico Os Theatros

(28/11/1895: 4) chegou a propor que a dicção, o “principal esteio” da

escola r ealista , se limita sse à comédia em exclusivo, quer pela ação, quer

pela linguagem “quasi familiar” de que se revestia . Shakespeare jamais

poderia ser r epresentado como um “ moderno urdidor da alta comédia”.

Simplifi car o estilo declamatório, “seria o aniquilamento de todo o

trabalho poéti co, seria mesmo um sacril égio”. Em suspenso , deixa va a

ideia de uma nova escola , que congloba sse “ o ideal com o r ealismo”:

O actor que reúna estas qual idades e saiba appl ical -as convenientemente,

será o que melhor tem servido a arte ( Os Theatros, 28/11/1895: 4 ).

Na gestão das sensibilidades artística s no teatro , Mello enfat iza a

complexidade da dir eção de cena, na extrema di ficuldade em disciplinar

o trabalho dos atores, para conseguir o objetivo primordial de ser um

afinador da corda sensível do intérprete na elaboração do estudo

orientado do carácter da per sonagem e na construção do pa pel. A su a

insi st ência constante na necessidade do “poder da sinceridade” consti tu i

a base da construção reali sta de interpretação, sujeita obviamente à

“relatividade indispensável da cena” (Mello 1890: 54), como afirmara

Lourenço Pinto:

Os sent imentos que o arti sta estudou podem destacar -se verdadeiros e

ní tidos, mas os personagens, deficientemente anali sados, nada têm de

vivo e humano; são figuras fact ícias que se movem como autómatos para

exibi rem num ró tulo esses sent i mentos gerais que o autor estudou. Se há

análi se no documento humano é só para insuflar vida a uma determinada

fibra do coração, ou a uma dada ci rcunvolução do cérebro, no resto o

ind ivíduo, inânime e inane, fica reduzido a uma mecânica, representa um

sent imento verdadei ro, mas não vive . É um símbolo e uma abst racção

ambulante (Pinto 1996: 153).

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Por seu lado, Luís da Costa Pereira procurou colmatar esta “análise

do documento hu mano”, nos Rudimentos da Arte Dramática , destinados

objetivamente a estabelecer bases t eóricas sobre instrumentos

fundamentais na interpretação reali sta das individualidades dramáticas,

segundo princípios cientí ficos de análise da expressão dos sentimentos,

bebidos em L’Expression des émotions chez l’homme et les animaux

(1890) , tradução francesa da obra de Charles Darwin .

As teorias evolucioni stas determinaram ajustamentos na doutrina

positivi sta . Jú lio de Matos, divulgador em Portugal da filosofia

biologi sta de Comte, considerava ser impossível “a um positivi sta deixar

de a ceitar o transformismo como hipótese l egítima” ( apud Santana 2007:

40)410

. Desde 1865 que a teoria darwinista vinha sendo difundida, tanto

nos meios académicos, como na imprensa . As suas pressuposições

filosófico-culturais implicava m a “substitu ição da perspectiva estáti ca da

ordem natural […] por uma perspectiva dinâmica e causal, […] uma

compreensão radicalmente nova da origem e evolução dos seres vivos”

(Santana 2007: 40). Sustentada pela antropologia e pela anatomia

comparada, a psicologia humana definia o Homem como um “produto

essencialmente orgânico”, reduzindo a “dimensão espiritual a mero

epi fenómeno decorrente da química cerebral e do sist ema nervoso” ( id .,

ib id . : 52) . A análise de Luís da Costa Pereira sustentá -lo-á na aplicação

teórico-prática ao trabalho do ator na construção do papel, a partir do

entendimento da s emoções, segundo uma per spetiva fi siologi sta .

A medicina substitu i -se à metafí si ca e à teologia na compreensão do

Homem, ao mesmo tempo “corpo e espírito”. Na medida em qu e a doença

deixa de ser considerada “meta fí sica do mal” ( id ., ib id . : 55), os

fenómenos patológicos que a obra dramática coloca em cena pa ssa m a ser

considerados como “perturbações ou desvios do equilíbrio natural” ( id .,

ib id . : 56). Para trás fi cam Les Passions de l’Ame (1649) , de Descartes, e

os Éléments de Physiologie (1774-80) , de Diderot, substi tu ídos pela nova

análise que explica “as rea cções psicológicas com base em sedes e

410

Carta a Teófilo Braga (06/11/1878) apud J. Seabra Dini s (1966), “O pos it ivi smo

na vida e na obra de Júlio de Matos”, Perspect iva Humana , I, Li sboa: Portugál ia, ci t.

por Santana 2007: 46 , nota 24.

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estímulos corporai s” ( ib id .: ib id .) , na ótica de um ator fi siologi sta ,

intérprete de padrões de comportamento e de éti ca , colhendo em

“flagrante a paixão, as expressões viva s em plena acção” (Queirós 1981:

30), retra tando os sujeitos “o mais r eal e mais humano […] como nu m

tratado de medicina” ( ib id .: ib id .) .

Costa Pereira pretende sustentar uma sociologia do comediante , uma

cultura de especialização profissional, uma nova pedagogia e d idática de

escola de arte dramática r ealista , em suma, uma “ciência” do ator

enquadrada nas ciência s sociai s e humanas. A sociologia redefine o

campo lit erário, const itu i -se como base de sustentação social, ocupando

o lugar da tradição hermenêutica na descrição da sociedade. Como o

romance, o teatro não podia escapar à pressão da ciência , cuja verdade

ficcional definia a co municação artísti ca , reforçava a interpretação da

realidade, que se pretendia como verdade fa ctual. Na mediação entre

autor e público, o comediante continuará a ser o porta -voz da quele, em

que o “bien dire a jouteroit l es applaudissements qu’il obti ent touj ors au

relief de ce qu’on peut nommer le bien écrir e” (Lemercier 1818: 23). A

mediação comunicativa entre autor, texto e l eitor a través de convenções

estéti cas e institucionais que definem o grau de fi ccionalidade da obra

literária , torna -se mais complexa na obra dramática, decorrente da sua

transfiguração em obra cénica – autor, texto, ensaiador, …, ator, público

– , cujo processo de mediação pa ssa por vários canais. A estéti ca realista

faz preceder o factor ideológico do prest ígio da ciência , e, nessa medi da,

o dramaturgo a firma -se enquanto projeto estéti co, na capa cidade de

veicular um conhecimento exterior à esfera literária .

Do mesmo modo, o a tor, enquanto mediador da representação entre

o autor e o público, constitu i -se como reintérprete do trabalho aut oral,

em sintonia com o seu tempo, integrando a dinâmica do progresso social,

como desenhista das individualidades sociais, modelizando o real, numa

forma mimética idealista à escala humana, enuncia do por Lemercier a

propósito do ator Talma :

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[O] comediante ao emprestar a sua voz aos nossos poetas era elle próprio

um poeta: pois, como eles, dava real idade às mais chimericas imagens

(apud Gomes 1906: 41).

O processo dedutivo -indutivo proposto por Costa Pereira aproxima -

se da metodologia experimental de Claude Bernard , “o verdadeiro autor

do naturalismo” (Queirós 1981: 38), segundo Chevreul :

Un phénomène frappe vos sens; vous l ’observez avec l’intention d’en

découvri r la cause, et pour cela, vous en supposez une dont vous

cherchez la véri fication en insti tuant une expérience. Le raisonnement

suggéré par l’observation des phénomènes insti tue donc des

expériences […] parce qu’en défini tive l’ expérience est le cont rô le, le

critérium de l’exact itude du raisonnement dans la recherche des causes

ou de la vérité (Chevreul 1856: 27-29).

Ao ator competia compreender as causas, dominar as condições de

exi stência dos fenómenos, e elaborar uma interpretação verdadeira em

cena, produzindo arte, enquanto “estudo dos fenómenos vivos e não a

idealização das imagina ções inatas” (Queirós 1981: 38). Através do

realismo interpretativo alcançar -se-ia uma função superior do verdadeiro

artista : sinteti zando uma experimentação no mundo moral, constitu ir -se-

ia como retrato v ivo do microcosmo das paixões humanas, veiculador de

uma ciência moral, l ibertadora e orientada para a felicidade humana: “ce

n’est pas un métier que vous faites, mais un art que vous exercez”

(Lemercier 1818: 24).

A adoção do método experimental sublinhava as capacidades de

observação e de experimentação, a través de um lato espectro de funções,

desde o sociólogo prático, ao hi storiador e ao investigador da s ciências

sociais e política s, como defendia Zola , no Roman Expérimental (1880) .

Esta per spetiva de “enquête sur la nature, les êtres et les choses” (Zola

1880: 423) sustentaria o constante trabalho de atualização do ator na

compreensão dos fenómenos hu manos e sociais. O estudo da “cause

prochaine ou determinante des phénomenes” ( id ., ib id . : 28) constitu ía a

função da escrita li terária do autor dramático e do romancista , enquanto

expressão da verdade social, e da qual partilhava m o ensaiador e o a tor,

na escrita de cena. O ator constitu ir -se-ia , assim, como um co-autor da

representação cénica, e la própria representação da representação. Os

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problemas de definição do seu papel “no fecundo e va sto ca mpo da Arte”

(Gomes 1906: 21) foram leva ntados por João Reis Gomes, em O teatro e

o actor: Esboço philosophico da Arte de Representar :

A literatura dramát ica na sua evolução constante, vae obrigando o arti sta

de palco a afastar -se, cada vez mais, da sua origem d’humildade e

ignorância, para fazel -o ascender aos mais elevados postos da le gião

sagrada, a ocupar lugar ent re os que combatem e ponti ficam no culto

glorioso da livre produção do Bel lo ( Gomes 1906: 21-22).

Interrogando-se sobre a inteligência e os dotes fí sicos do ator, o

autor equacionou a relação do ator com o teatro , como um “problema de

filosofia da arte” ( id . , ib id . : 22). O comediante seria um debi tador,

bastando-lhe o “ ta lento” e os dotes fí si cos para convencimento do

público , ou, pelo contrário, seria um criador, e “por consequência um

artista na accepção mais nobre e phil osophica da palavra” ( ib id .: ib id .)?

Se a transposição de um modelo cientí fi co para o campo da lit eratura não

se mostra pací fi ca e linear, muito menos o será para a representação

cénica, tão ou mais subjetiva, mesmo que Costa Pereira e Augusto

Garraio pretendam uma objetividade metodológica. Um intrínseco

paradoxo de comediante, qu e a invocada autoridade de Lekain411

, pela

leitura de Lemercier412

, parece querer resolver:

L’âme est la première part ie du comédien; l’intel ligence, la seconde; la

vérité e t la chaleur du débit la t roisième; la grâce et le dessin du corps la

quat rième. Bien savoi r les rôles, étudier la prosodie, ne perdre jamais de

vue la nature simple, noble et touchante; penser que l’intelligence ne

s’acquiert que par de mûres réflexions, et le talent par un travail

opiniât re; montrer toujours le personnage; employer le pittoresque avec

ménagement; êt re aussi vra i dans la dic tion du détai l que dans les grands

mouvements de la passion; voi r son art en grand; ne pas rendre ses

ré ticences t rop fréquentes; montrer toujours la noblesse , même au travers

de la légère té; évi ter de t rop saccader la d ict ion; ne pas pleurer ce qui

n’est que l’effe t d’un âme saisie e t concent rée par la douleur; porter une

411

O ator Henri Louis Lekain surge como referência permanente dos es tudiosos

portugueses da arte dramát ica, na qual idade de primei ro ator -ensaiador que imprimiu

d i scipl ina no Théâtre Français . A es te respei to , cf. a t ese de doutora mento de

Damien Chardonnet -Darmai l l acq (2012), Gouverner la scène: Le système panoptique

du comédien LeKain . Pari s: Univers i t é Pari s Oues t Nanterre l a Défense. 412

João Reis Go mes , e m O Theatro e o Actor: Esboço philosophico da ar te d e

representar (1905) , ci t a, ainda que sem menção di reta, a obra de Népomucène -Louis

Le mercier , Du second Théâtre Français , ou Inst ruct ion rela ti ve a la d éclamat ion

dramatique (1818) , de que t raduz excertos.

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attet ion continue à la scène, et s’identi fier avec son personnage

(Lemercier 1818: 5 -6).

O método experimental que Claude Bernard aplicou à medicina –

observação, hipótese, experiência , resultado, interpretação, conclu são –

pode servir nesta pretendida formação t eórico -prática da arte dramática,

associando-se à conceção proudhoniana da arte como pedagogia social, o

“produit de la nation” (Zola 1893: 30) e a reivindicação de Zola , o

“produit de l’ individu” ( ib id .: ib id .) . Se Bernard reivindica para a

medicina o estatu to de ciência , a té então entendida como arte, o

dramaturgo naturalista -realista institu i o processo espelhadamente

inver so. A originalidade cénica surge da observação dir eta da realidade,

como uma tela vigorosa, sem idealidade, como a representa ção que o

cliché fotográ fico regi sta da realidade present e . A per sonalidade do

artista ficaria sujeita ao controlo da verdade, à qual, segundo Costa

Pereira e Augusto Garraio , o intérprete subordinaria a ideia ou

sentimento pessoal, estabelecendo assim o ponto de partida da

elaboração de uma hipótese de papel cénico. O enfáti co estilo romântico

de representação daria lugar a uma forma mais realista de narração em

palco. Seria necessário criar uma nova escola , que se não apoiasse n a s

palavras, mas no método com que se constru ía o discur so, nu ma

similitude teórica à que Eça de Queiroz expressou, na Conferência do

Casino, A Literatura Nova: O Real como nova explicação da arte (1871):

O Reali smo não é um simples modo de expor minudente , trivial,

fotográfico. […] O Reali smo […] é a negação da arte pela arte; é a

proscrição do convencional , do enfático e do piegas. É a abol ição da

re tórica considerada como arte de promover a comoção usando da

inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos t ipos. É a

análi se com o fito na verdade absoluta (apud Mateus 2008: 68 -69).

Ainda que a temática da formação do ator seja comum aos

Rudimentos da Arte Dramática e ao Manual do Curioso -Dramático , os

destinatários são di stin tos, assim como a génese da s obras. Se aquela

corresponde ao desejo de Luís da Costa Pereira de compilar art igos seus,

publicados na imprensa periódica, aos quais deu continuidade com nova s

refl exões dest inadas a a tores profi ssionai s, o Manual surge do convite de

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Frederico Napoleão de Victoria , editor -livreiro e dramaturgo,

diretamente ligado ao pujante movimento de t eatro amador, o qual senti u

a necessidade de formação teórica adequada para amadores teatrais ,

suprindo a fa lta da escola prática do ensaiador . A exigência do público e

da críti ca periodí sti ca rec lamava cada vez mais qualidade na s produções

exibidas nos palcos parti culares da s sociedades rec reativas.

Augusto Garraio surge como autoridade de muita prática nos palcos

de Li sboa e Porto, enquanto ensaiador dramático, na linha expressada

por Augusto de Mello , cuja obra segue na medida das necessidades. O

Guia prático de formação de “curiosos -dramáticos” constitu i o primeiro

exemplar de uma li teratura teórica para amadores, que t erá continuidade

na sua reedição em 1911, assim como em obra s de outros autores: Arte

de d izer: Estudos de d icção reunidos e ordenados (1902; 1903) , de José

António Moniz413

; Arte de Representar: Caracteres (1909), do anterior

em parceria de escrita com José Simões Coelho , continuada por Arte de

Representar: sentimentos, expressões, identificação (1912); O livro do

ensaiador (1915; 1950) , de António Walgode; O livro do ensaiador

(1915), de Eusébio Queirós414

; Rapaziadas Teatrais: resumido tratado da

arte de representar (1930; 1937; 1954), de Zé Ninguém (pseud.) ;

Pequeno Tratado de Encenação (1962; 1976), de António Pedro; ou o

Manual de Teatro (1999; 2003), de Antonino Solmer .

Como seria de esperar, Augusto Garraio apoia-se na sua experiência

de dir etor de atores para sobre ela constru ir uma teoria , que mimetiza o

padrão profi ssional, institu ído assim como modelo para amadores. Se o

classici smo sei scentista desenvolvera uma perfeição plástic a , em que as

per sonagens cénica s se materia lizavam como imagens idealizadas,

sustentadas pela expressão vocal “ timbrada, cantante, embaladora”

(Gomes 1906: 76), o romanti smo veio dar -lhes corpo, em grandeza de

alma e dotes físi cos, em que “tanto o r ecorte da figura como a sua

413

Es tas obras inserem-se na coleção “Bibliot eca de vulgarização art í s t i ca”, in iciada

pela t radução e comentário de José António Moniz, do Paradoxo sobre o comed iante,

de Denis Diderot , em 1909. 414

Apesar de apresentarem o mes mo no me e versare m o mes mo tópico, as obras de

Walgode e Quei rós são di st intas, dadas à es tampa no mesmo ano, na mesma cidade e

pertencendo a coleções com o mes mo t í tulo: “Teat ro Infanti l ”.

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psicologia , eram valores de uma fórmula fatal, tendo por constantes os

factores de beleza, de amor, das desventuras e virtudes” ( id ., ib id . : 44).

Essas v isões poética s não se compraziam já com a estéti ca naturalista -

realista , a exigir uma vi são real na multipli cidade dos seus aspetos:

As figuras do nosso drama [reali sta] […] vivem sempre na atmosfera do

seu meio e da sua epocha, não são e statuas animadas, são seres

fi siológicos. D’ahi a necessidade de conhecer -se todas as modal idades

psychicas que resul tam do temperamento e dos factores externos que

sobre o individuo incidem, para a sua interpretação real sobre a scena. É

este o estudo do caracter , estudo bastante árduo e complexo por n’e lle

ent rar em jogo as mais varias noções das sc iencias, e artes plást icas,

como elementos necessários à compreensão e expressão final da figura

(Gomes 1906: 76-77; itá lico original ).

É opinião corrente que o ator estudasse a spetos complementares e

acessórios da arte de representar, e desenvolvesse aspetos externos do

ta lento: trabalhar o corpo, exercitar o jogo fisionómico, e edu car a voz.

Associada à compreensão do caracter interno da figura dramática, a

técnica ajudá-lo-ia a criar uma “forma viva e sugestiva, complexo d’arte

e natureza, que é o personagem do tablado, a obra por excellencia do

actor” ( id . , ib id . : 79-80). Entre Du vrai, du beau et du bien (1858) e a

Philosophie de l’art (1865 e 1882) , entre Victor Cou sin e Hippolyte

Taine – l idos, citados, transcritos – , os nossos t eóricos da arte dramática

levantam uma questão fundamental quanto à singularidade do papel do

ator .

Segundo Taine, a obra de arte parece provir de um ato acidental,

fru to do imprevi sto , do arbitrário, como se a criação do artista fosse

apenas uma fanta sia pessoal, su jeita à aprova ção de um gosto público

passageiro : “ inventions de l’arti ste et sympathies du public, tout cela est

spontané, libre et, en apparence, aussi capricieux que le vent qui souffl e”

(Taine 1895: II) . Tanto Manuel de Ma cedo, como Augusto de Mello

questionam a dicotomia do papel do ator: criador de obra original ou

apenas intérprete de obra alheia? Mello propusera uma divisão entr e

“individualidades” dramáticas e “ especialidades” cénica s, que o Manual

do Curioso -Dramático retoma e explica didatica mente. Fica patente que

as “ individualidades” dramáticas, ou “caracteres”, são figuras

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338

idealizada s pelo ta lento dos autores dramáticos, que as tomam do mundo

real e as caracteri zam através de ações da v ida quotidiana. Estes vultos

da fábula dramática, que a arte da escrita transform a intencionalmente,

são portadores de um cunho essencial mais vivo e penetrante do que o

modelo real que lhes deu origem:

A arte de representar apoiando-se nas creações l iterárias e servindo-se,

como auxiliares, das artes plásticas, reúne, n’um só todo, a expressão do

homem moral e do homem physico , alcançando, t riumphante, este

supremo esforço: a real ização artí st ica do homem vivo . E integra -se com

as artes scenicas acessórias para a manifestação da vida o object ivo do

teat ro (Gomes 1906: 90).

Eis o objetivo especí fi co do trabalho do ator, que se serve da

plástica corporal como escultor de figuras animadas, e cuja capacidade

vocal materia li za a ideia expressa pela p alavra. Segundo Taine, pela

maneira “de sentir , d’inventer et de produir” (Taine 1895: 44), os

artistas deveriam estar em sintonia com o caracter essencial da obra de

arte:

[L’art ] est un don qui leur est indispensabl e; aucune étude, aucune

patience ne supplée; s’il manque, il s ne sont plus que des copistes e t des

ouvriers. En présence des choses il faut qu’il s a ient une sensation

origina le; un caractère de l’obje t les a frappées, e t l’effe t de ce choc est

une impression forte e t propre (Taine 1895 : 44; itálico original ).

Defende-se que o ator desenvolva o ta lento, a faculdade que permite

penetrar “dans l’ intéri eur des objet s et semble plus perspicace que les

autres hommes” ( id ., ib id . : 45):

Involontai rement l’homme exprime sa sensat ion intérieure; son corps fa i t

un geste , son a tt itude devient mimique, il a besoin de figurer au dehors

l’objet tel qu’i l a conçu. La voix cherche des inflexions imitatives; la

parole rencont re des mots colorés, des tournoures imprévues, u n style

figuré, inventé , exagéré; i l est visible que, sous la puissante impulsion

primit ive, la cervelle agissante a repensé et t ransformé l’objet, t antôt

pour l’ illuminer et l’agrandi r, tantô t pour le tordre et le déjeter

grotesquement tout d’un cô té; dans l’ esquisse hasardeuse comme dans la

caricature violente , vous sa isi ssez sur le fai t, chez les tempéraments

poétiques, cet ascendent de l’impression involontai re (Taine 1895 : 45 ).

O temperamento individual do comediante determinaria igualmente

a perspet iva com que encararia a obra dramática, residindo a criação

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artística em “fenómenos psyco -mecânicos” (Gomes 1906: 92). Fosse qual

fosse a fonte de inspiração – Natureza ou obra autoral, escrita ou

interpretada por outro comediante –, seria o despertar da “ sensação

original” que daria origem ao caracter novo que surgia no cérebro como

uma ideia:

A creação […] existe na forma, di ferente para cada arte e dentro da

mesma para cada temperamento, porque o arti sta reveste a ideia que a

presença dos objectos conseguiu despertar -lhe (Gomes 1906: 92;

subl inhado nosso).

Sendo a lit eratura , a pintura ou a música consideradas como artes

representativa s, a obra do comediante , congregando todas através de

característi cas próprias , d istinta da obra do autor dramático , cria um

paradoxo sobre a sua natureza: criadora ou interpretativa. Não se

encontrando integralmente revelada a psicologia da personagem na obra

escrita , ao cingir-se exclusivamente a ela , o a tor torna-se em “escravo”

do escritor :

O t rabalho do comediante […] não é nem uma imi tação nem uma

reali sação passiva das ideias do dramaturgo, mas uma creação inteligente

do personagem anatomico-physiologico correspondente à a lma inventada

pelo auctor, completando-se assim e dand o a vida que fa ltava à obra

d’este (Gomes 1906: 95).

Torna-se clara a preocupação pedagógica de Garraio , quando divide

a explicação entr e “especialidades” e “ individualidades”, entr e as

característi cas próprias do co mediante, e os “caracteres” dramáticos

elaborados pelo dramaturgo. Se este fornece o caracter moral da

per sonagem, àquele compete conceber o “ser físi co”, fru to da análise

literária complementada com o estudo da “Natureza, anotando,

observando, escolhendo e afinando os objectos do mundo r eal” . Esta

ciência da arte de representar colocava “o comediante nas circumstancias

do dramaturgo” ( ib id .: ib id .) , na criação do “caracter essencial” , baseado

numa multipli cidade de fatores de psicologia comportamental,

transmutado em “per sonagem vivo”, “obra privativa [do comediante],

bem separada e dist incta da factura do per sonagem litt erario” ( id ., ib id . :

96).

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340

Na defesa do teatro naturalista -reali sta , Garraio procura identifi car

as velhas tipologias dos caracteres dramáticos e fazê -las corr esponder à

realidade social coeva, estabelecendo uma linha genealógica de

interpretação. O comediante comporta -se como um retratis ta social ;

inventa e compõe em detalhe o ca racter plásti co , a partir do carácter

psíquico criado pelo autor:

[Na] ligação do t rabalho do actor ao do dramaturgo, existe como que uma

fa ixa mais ou menos larga, conforme a índole e o talento dos dois, onde

vão fundi r e combinar -se as ideias d’ambos. El la resulta da

accommodação dos caracteres da figura ao physico e, mui to

principalmente , à natureza do temperamento do arti sta ( Gomes 1906:

101).

A leitura da obra dra mática fornece indicações de ordem matr icia l,

na mesma medida em que a partitura fornece ao músico o aspeto

melódico da composição, competindo ao comediante, como ao mú sico,

tornar vi sível a expressão da alma contida na obra. A definição que

Taine estabelece para di ferenciar o romanci sta do dramaturgo, entr e

Balzac e Shakespeare , “ les deux grands connai sseures de l’homme”

(Taine 1895: 339), sinteti za o problema:

Mais il [Balzac] est romancier et savant, au lieu d’êt re, comme

Shakespeare , d ramat iste e t poète; c’est pourquoi, au l ieu de cacher ses

dessous, i l les é tale (Taine 1895: 371).

Ao contrário da per sonagem romanesca, a dramática esconde as

a lusões, os dessous, que competem ser expressados pelo comediante no

papel em cena. A per sonagem escrita não passa de uma maquete, em que

as palavras determinam a s linhas dominantes do pensamento autoral,

carecendo de uma elaboração cénica, inspirada na realidade, fonte

univer sal de toda a arte. E, mesmo quando o ator não est eja em absoluta

sintonia com o autor dramáti co, produzindo uma conceção oposta à

sensação original, uma inver são do pensamento, ser á o comediante o

criador da nova per sonalidade físi ca e moral, cujo ponto de partida foram

as palavras da obra dramática . Esta situação demonstra inequivoca mente

que “não é nas palavras que se firma, por completo, o caracter exhibido

sobre o tablado, mas sim, muito principalmente na concepção que da

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per sonagem possa fazer o comediante” (Gomes 1906: 114). A unidade de

inter esse da per sonagem cénica resulta da “subordinação dos caracteres e

da convergência d’effeitos” ( id ., ib id . : 120), que revela m a “máxima

expressão da ideia essencial” , a través da “cópia inteligente e selecta dos

objectos r eaes” ( id ., ib id . : 118).

Augusto Garraio e os restantes autores estabelecem um corolário,

sobre a possibilidade de naturalismo-realismo em cena, enqu anto ponto

de inter seção da obra literária com a obra cénica, a través da plasticidade

da cena e do comediante, na “simplicidade nos processos scenico s”,

resultante da “observação profunda dos homens e das cousa s” (Gomes

1906: 27). Sobre todos, domina o superior objetivo garrettiano de

ilustração geral e proveitosa das grandes massas, que o Esboço

philosophico da Arte de Representar evoca:

O teat ro, pela sua maior influencia sobre o espí ri to e cent ros emot ivos,

deve, mais do que todas [as artes], visar ao aperfeiçoamento social,

convergindo os seus esforços para a educação dos costumes, orientando a

intell igência e o sentimento para o culto da Verdade e realização do Bem

commum (Gomes 1906 : 17).

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342

Índice remissivo

A

A. Arm and o (p s eud . ) ...... C on su lt e Bo rd a lo ,

Arn a ldo Armando (18?? – 1921, ed ito r -

li vre i ro ) Abo im , Jo ão Co rre ia Manu e l d e (1814 –

1861) À ta rd e , ent r e a mu rta (1858) ..................83

Abo ut , Edmo nd (1828 – 1885) ...................150 Histoi r e a n cien n e (1868) ..........................139

Ab ran ch es , An tón io Jo aq u im d a S ilva (1810 – 186 8) C at i vo de Fez (O) (1841) ................ 272, 273

Ab ran ch es , Ar is t id es (1832 – 1892) ...... 140, 148, 155 Alma na ch Ta bo rda (1866) ........................155 Alma na qu e bu ro crát i co (1875 – 1876)

..........................................................................154 Bib l io th eca Th ea t ra l (1874 – 1875,

co l. ) ................................................................139 Fed o ra (1883) ................................................145 Fi lh o s d e Adã o (Os ) (1883) ....................153 M ã e do s es cra vo s ou a Vid a do s

n eg r ei ro s da América (1864) .............114 M est r e Jer ónimo (1866) ..............................44 Pí lu la s d o dia bo (As ) .................................108 Ro uxin o l da s sa la s (O) (1871) ...............144

Ab ran ch es , J . É fo rt e bi rra t ei mar (1865) .....................170

Ab reu , C as im iro Jo sé Marqu es (1839 -

1860) C a mõ es e o Jao (O) (1856) ........................85

Acad em ia d e Santo Am aro (Lis bo a) ..........50 Acad em ia Fen ian s (Lisb o a) ............................45 Acad em ia Lis bo n ens e (Lis bo a) ..................146 Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,

1855) .....................................................................42 Ar go (O) . To sado r e fect i vo d as to li ces

d a Acad emia Recr eio Art íst i co

(p e r ió d ico ) ....................................................43 Pi pa rot e (O) (p e r iód ico ) .............................43 Recr eio (O) (pe r ió d ico , 1921) .................43

Ach ard , Am éd ée (1814 – 1875) .................128 Add is on , Jos eph (1672 – 1719) ..................199

C ato (1712) ............................................ 222, 224 Agên c ia Lit e rá r ia e Tea t ra l ................. 129, 150 Agu ia r , J o aqu im An tó n io d e (1792 –

1884) .......................................................... 253, 280 Agu ia r , Man ue l C ae tan o P im en ta d e (1765

– 1832) Dois i rmãos ini migo s (Os ) (1816) .......198 Vir gínia (1816) ..............................................198

Agu ia r , Teo tó n io Co rre ia d o Co ito e , fu r r ie l 4º b a t a lh ão Co rpo Vo lun tá r io s

R ea lis t as .............................................................36 Alagar im , J o aqu im J os é Garc ia (1830 –

1897) .......................................................... 125, 149 Alb uq u erqu e ( jún io r) , A lf red o d e

Li ção d e pia no (A) .......................................174 Alb uq u erqu e , An tón io d e (1866 – 1923)

M ar qu ez de Ba ca lho a (O) (1908) .........173

Alb uq u erqu e , Jos é Maria d a S ilva e (1829

– 1879) Op er ário e a As so cia ção (O) (1867) .... 87

Alb uq u erqu e , Lu í s Mou z inh o d e (1792 –

1846) .................................................................. 300 Alb uq u erqu e , Ped ro Med e iro s e ................ 102 Alf ie r i, N ico lo Vit to r io (1749 – 1803) .. 28,

199 M ero pe (1783) ............................................... 220

Alma na ch d e Gar ga lhad as (1861) ........... 155 Alma na ch Ta bo rda p ar a 187 1 ...................... 94 Alm eid a , C ar los ........................................ 125, 136 Alm eid a , Jo aq u im J os é d e ............................ 102 Alm eid a , Jo s é Va len t im F ia lh o d e (1857 –

1911) ............................................ 37, 154, 183, 279 Alm eid a , Nico lau To len t ino d e (1740 –

1811) .................................................................. 238 Alm eid a , Sérgio d e (1860 – 1896, a to r ) 283 Alm eid a . D . F ran c is co d e ............................... 45 Alm end ro , Jo s é Maria Ferre ira .................. 140 Alves , J o aqu im Jo s é ......................................... 44 Am ara l, Em í lia d e Sá do ............................... 133 Am eno , F ran c is co Lu ís (1713 – 1793) ..... 22 Amo rim , F ran c is co Gom es de (1827 –

1891) .................. 113, 158, 169, 191, 195, 200, 231 Ad ver t ên c ia a O Amor d a Pát ria (1885)

......................................................................... 202 Ale i jõ es s ociai s (1870) ............................. 103 C edro Ver melho (O) (1856) .................... 297 Fíg a dos d e Tig r e/ M elod ra ma d os

me lo dr a mas (1857) ................................ 113 Ga rr et t . M emó rias bio gra phi cas (1881-

84) .......................................................... 204, 227 Ódio d e ra ça (1854) ........................... 179, 295

An aia , Jo aqu im J os é (1826 – 1884) 133, 279 An dr é Géra rd (1865) ................................. 135 Art i sta (O) (1873) ....................................... 135 Bib l io th eca Lisb on en se (1865 – 1873)

......................................................................... 133 C riad o a mo (Um) (1866) .......................... 134 En sino Livr e (O) (p e r iód ico ) ................. 133 Fi da lg as d e Po nta lec (As ) (1870) ....... 135 Há -d e s er vi r -me d e li ção (1866) ......... 134 I deia i mp rud ent e (Uma ) (1871) ............ 135 In s t itu to Lit e rá r io ....................................... 133 Jo rg e , o ma rinh ei ro (1865) .................... 134 Li ção ao s ma ridos (Uma ) (1866) ......... 134 M ateus , o br a ço d e f er ro (1866) .......... 134 Mi stérios d e Pari s (Os ) (1867) ............ 135 N au fr ágio na s co stas d a Br etan ha (Um)

(1866) ........................................................... 134 Pa s tor a do s Alp es (A) (1869) ................ 135 Ra pha e l, o pinto r endia bra do (s .d . ) .. 108 Ro berto Ma cá rio (1868) ..................... 75, 135 Tri bu la ções d e u m herd ei r o (1866) .... 134 Vida de u m ra paz po br e (A) (1865) ... 134,

135, 180 And rada , F ran c is co Lad is lau Álvares de

(c .1800 – c .1870 ) ........................................ 253 C a ba na do Pai Th o maz (A) ou a Vi da

d os p r etos na Améri ca (1853) .......... 114 And rade , C ip r iano Lop es de ....................... 279

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343

And rade , Gom es F re ire d e (1757 – 1817)

...............................................................................204 An ice t -Bou rgeo is , Au gus t e (1806 – 1870)

.................................................................................65 M ari e -Ro s e (1853) .......................................139 Pi lu les du dia ble (Les ) (1839) ...............106

An im ató gra fo d a Arráb id a ..............................50 Anó n imo

Avi so na Ga z eta ( fa rs a ) ...............................36 C asta nh ei ra (A) (c .1843) ...........................94 Cinto engan oso (O) , ou a Exp eri ên cia

math emat i ca (1836) ..................................61 C on fi ss ão d e ma ru jo .....................................60 C on sequ ên cias d e u m d es afio (As )

(1836) ..............................................................61 Es sai d ’un e bi bliog rap hie g énéra le du

t h éât r e , ou C ata logu e rai so nn é d e la

Bi bli oth èqu e d ’un a mat eu r (1861) ..305 Henriq u e o Ju st i cei ro , ou o Senho r

d ’Alca la (1836) ..........................................61 Histó ria da I mp erat ri z Po r cina , mu lher

d o imp erad or Lod onio .............................60 Histó ria d e João d e Ca lai s ........................60 Histó ria verda d ei ra d a Prin ces a

M aga lo na , fi lh a d ’El -Re i d e N ápo les

............................................................................60 S a lt ead or es (Os ) o u a Flo r esta

medo nha (1836) ..........................................61 An t ie r , Ben jam in (p s eud . ) ............... C on su lt e

C h evr illo n , Ben jam in (1787 – 1870) An ton y Bérau d (1791 – 1860) .......................75

Edi th o u a viú va d e S outha mpto n/ Edi th

o u la Veu ve d e So utha mpton (1840) .73 An tun es , Acác io (1853 – 1927) ........ 155, 164

Bes our o (O) (1883) .....................................164 C a mar ões (Os ) (1888) ................................164 Est udant e Als acia no (O) (1894) ...........164 Po r cau sa d e uma carta (1885) .............144 Zan et to ...............................................................165

Aragão , An tó n io Perre ira Férrea (1801 –

1857) Do m Ped ro d uqu e d e Coimbra (1853) ..96

Araú jo ( jún io r) , Lu ís An tó n io d e (1833 –

1908) .............................................................99, 155 Alma na ch d e Luí s d e Araú jo (1871 –

1902) ................................................................99 Ba ron esa d os d ent es (A) (1872) ............113 I nt rigas no bai rr o (1864) .........................113 N o vas int rigas no bai rr o (1865) ...........113 N o vo a lmo cr eve d as p eta s (1871) ..........99 Pa i xão d e And r é Gon ça lves (A) (1860)

............................................................................47 Po r cau sa d e um a lgari smo (1854) ......101 Qu e ci r co ! Qu e amaz ona ! Qu e p a lha ço !

(1860) ............................................................126 Araú jo (s én io r) , Lu í s An tón io d e (1803 –

1873) .....................................................................99 Jui z e le i t o (O) (1854) ..................................99 M est r e I gr e ja mui to em ci ma (1860) ..101 Pi cado r es d e po rtas (1870) .....................170

Araú jo , Ca lis to Jo s é d e Agên c ia Tea t ra l .............................................152

Araú jo , F ran c is co Du ar t e d e Alm eid a e

(1816 – 187 7)

1 640 o u a Resta ura ção d e Po rtuga l

(1861) ........................................................... 129 Va s co d a Ga ma e a Des co berta d a Índia

(1872) ............................................................. 45 Araú jo , Jos é In ác io d e (1827 – 1907) ... 105,

128, 149, 155, 156, 170 Po eta n e f e li bata (Um) (1895) ............... 184 S oci ed ad e ao s s eu s con vid ado s (A)

(1870) ............................................................. 47 Th eat r o caz ei r o (1904, s on e to ) ............ 146

Araú jo , Lu í s An tón io d e (s éc . XVIII ) Histó ria cr ít i ca do Teat ro (1779) ......... 99

Araú jo , Man ue l J os é d e ................................. 125 N u vem negr a em céu azu l .......................... 35

Arcád ia Lus it an a ou Ul is s ip on en s e (1756)

...................................................................................4 Ar chivo Pi t t o res co (1857 – 1868,

p e r ió d ico ) .................................................... 29, 99 Arch ivo Th ea t ra l (1838 – 184 5, co l. ) 57, 63,

64 Ar chivo Universa l (p e r ió d ico ) ............. 99, 121 Aris t ip p e (Fé lix Bern ie r d e Malign y , 1800

– 1865) .............................................................. 304 L’a rt du co médi en , p rín cipes g én ér eau x

r ecuei lli s et mi s en or dr e (1819) .... 304 N ou veau Man u e l Th éât ra l (1854) ........ 320 Th éo ri e de l’a rt du co médi en ou Manu el

Th éât r a l (1826) ................................ 304, 308 Arn au d , F ranço is -Th om as -Marie d e

Bacu la rd d’ (1718 – 1805) M érin va l (1774) ........................................... 198

Ars e jas , Jo s é In ác io R u f ino ( livre i ro ) ..... 61 Ars e jas , Jo s é Jo aqu im (1771 – 1838,

ac to r) ................................................................... 61 Ars e jas , Jo s é Jo aqu im Nepom uceno (1800

– 1869, ed ito r ) J o rn a l d e C om éd ias e Var ied ad es (1835 -

36 – 1840-4 1, co l. ) ............................ 57, 59 Artaud , An to n in (1896 – 1948)

C enci (Les ) (1935) ...................................... 116 As s is , Jos é Ben to d e Araú jo (1841 –

1920) ............................................................ 45, 149 As so c iação Gil Vicen te ................................... 72 As sun ção , Marcos d e

Cini s mo e ho nra ........................................... 182 As sun ção , To m ás Lin o d e (1844 – 1902)

Bo ni fá cio , o so nâ mbu lo (1864) ............ 129 C riad o d e minha mu lh er (O) (1864) .. 129 Do rmi r a co rdad o (1866) .......................... 129 Gr amát i ca (A) (1870) .................................. 48 M a ldi ta ca mpainh a (1868) ...................... 129 M und o e o c lau st ro (O) (1870) ............... 48

Ata íd e , Alf red o d e (1834 – 1908) ..... 45, 129, 148, 165 Excent ri cidad e (Uma ) (1866) .................. 44 M es mo t io Tor quato (O) ............................. 44 Ro sá rio , bat ina e ch ambr e , a liás

S emp r e o Tio Torq uato ........................... 44 Ata laia Na ciona l d os Th eat r os (pe r ió d ico )

.............................................................................. 258 Atou gu ia , An tó n io Aloí s io J e rvis d e (1797

– 1861) .............................................................. 231 Au ger , Hypo llit e Nico las J u s t e ( 1810 –

1859) .................................................................... 69

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344

M ad emois e lle Ber n ard ou l’auto ri t é

p atern e lle (1838) .......................................70 M ad emois e lle Ber n ard , ou o pod er

p aterno (1839) ............................................69 Au gie r , Ém ile (18 20 – 1889) .......................142 Azevedo , An tó n io So ares d e (17. . – 1818)

.................................................................................63 Azevedo , An tó n io Xavie r Ferre ira d e

(1784 – 181 4) .............................................25, 60 C a mi lla n o su bt err ân eo ( t rad . )..........35, 63 Delin qu ent e s em cu lpa (O) ou o

Pa t riota Es co cês (1835) .........................60 Doido s (Os ) , ou o Doid o po r a mo r ........62 Fr en esi m da s s en hor as (O) (1840) ........61 M anu el M end es En xúdia ...........35, 43, 62, 94 M arid o mand rião (O) (1835, t rad . ) .......60 Mi nas da Po ló nia (As ) (1835, t rad . ) .....60 Pa lfo x em Bar ce lo na .....................................62 Pa r tei ra an ató mica (A) (1841) ................61 Pr e ta d e ta lento s (A) ....................................63 Ro berto , ch e f e d e lad rõ es (1836, t rad . )

................................................................35, 36, 60 S anto António li vr ando o pai d o

p at íbu lo (1835) ...........................................60 S en si bi li d ad e no crime ..........................35, 63 To mad a da i lha de Santa Lu zia (A)

(1836, t rad . ) .................................................60 Ver dad ei r o Auto d e S anto Antó nio

li v ran do o s eu pai do pat íbu lo (1896)

............................................................................62 Azevedo , D . Jo ão d e (1810 – 1854) .........186 Azevedo , Emí lia Kru s d e ..........................40, 43 Azevedo , Jo sé Jo aq u im d e ..............................40 Azevedo , Max im il ian o Eu gén io d e (1 850

– 1911) ............................................... 94, 153, 155 M ã e d e minha mu lh er (A) (1890) ..........145 Tos ca (1917) ...................................................145

B

Baia rd o , Lu ís Jos é (1775 – 18??) .........35, 63 Bai le Nac io n a l (ca fé con cer to ) ..................159 Balb i, Ad r ien (1782 – 18 48)

Es sai stast i t i que su r le ro ya ume du

Po r tuga l (1822) ..........................................28 Balzac , Ho no ré d e (1799 – 1850) .......38, 340 Ban vil le , Th éo do re d e (1823 – 1891) .....142

Grin goi r e (1866) ..........................................143 Pet i t t r ai t e d e la p o ési e f ran çai s e

(1870) ............................................................143 Bap t is t a , Ave lin o ................................................48 Barão d e Ro us s ado ....... C on su lt e Rou ss ad o ,

Manu e l (1833 - 190 9) Barb a (Par is )

Fr a n ce Dra mat ique au di x -n eu vi èm e

si èc le (La ) (co leção ) ................................67 Barb ie r , Pau l J u les (1825 – 1901)

C or a ou l 'e s c la va ge (1861) .....................114 Barca , Ped ro C a ld erón de la (1600 –

1681) A s ecr eto ag ra vio s ecr eta vengan za

(1635) ............................................................273 Baro n , Mich e l (1653 – 1729) ......................306

Barre to , D . Jo sé Tras im u ndo Mas caren h as

(1802 – 188 1) ................................................ 304 M emória s do Ma rqu ês da Fr ont ei ra e

d ’Alo rna .............................................. 208, 228 Barr ié re , Th éo do re (1821 – 1877)

Fi lles d e mar br e (Les ) (1853) ................. 86 Bas tos , An tó n io Gon ça lves P in to (1843 –

1???) .................................................................. 121 Bas tos , An tó n io Sou sa (1844 – 1911) ..... 84,

101, 125, 129, 151, 157, 283 Amo r cor cu nda (O) (1870) ...................... 151 Ao pú bli co (1864) ........................................ 130 Art e Dra mát i ca (A) (p e r iód ico ) ...... 46, 151 C art ei ra do Art i sta (1898) ...................... 237 Dicio nário do Teat ro Po rtu gu ês (1908)

......................................................................... 237 Ent re br oas e a s a mên doa s (1874,

revis t a ) ......................................................... 151 Fi gu ra s d e cera (As ) (1864) ... 130, 131, 132 Li ção à s mu lh er es ....................................... 131 Pa lco (O) (1863 , p e r ió d ico ) ................... 151 S en hor Ra ma lho em Li s bo a (O) (1871)

......................................................................... 127 Ta baco li vr e (1865) .................................... 130 Ta bord a no Po mba l (1870) ..................... 126 Ti m-t i m po r t im -t im (1889 – 1893,

p e r ió d ico ) ................................................... 151 Tra up man n e s eu s cú mp li ces ................. 132 Vo lta d o Sr . Ra ma lho (A) (cena -cóm ica)

......................................................................... 127 Bas tos , F ran c is co Le it e (1841 – 1886 ) . 129,

130, 149 Bay ard , C ar lo s An tón io (? – 1902) ......... 130 Bay ard , J ean -F ran ço is -Alf red (1796 –

1853) .................................................................... 65 Lect ri ce (La ) , ou Un e fo li e de j eu ne -

h omme (1834) ............................................. 43 Beau champs , Ch ar les -Lou is -P ie r re d e

(1641 – 170 5) .................................................. 21 Beau m arch a is , P ie r re C aron de (1732 –

1799) ...................................................... 60, 82, 235 Ba r bei ro d e S evi lh a (O) (1775) .............. 28 Deu x a mis (Les ) , ou le N ég ocia nt d e

Lyon (1770) / Do us a migo s (Os ) ou o

N ego ciant e d e Liã o (1788, t rad . ) ...... 54 Fo l le j o ur n ée (La ) ou le maria g e d e

Fi ga ro (1774/1784) ................................ 107 Tar ar e (1787) ................................................ 107

Beau vo ir , R o ger d e (1807 – 1866) C h eva li er d e Saint -Geo rg es (Le) (1840)

......................................................................... 113 Bei ja -Flo r (O) . S emaná rio d e inst ru ção

d edi ca do ao be lo s exo (1838-38, 1 842,

p e r ió d ico ) .......................................................... 68 Belém , An tó n io Manu e l d a C unh a (1834 –

1905) Jo s é , o en j ei tado (1864) .......................... 183

Bel lin i , V in cen zo (1801 – 1835) Pu r i tano s (Os ) ................................................ 46

Ben evid es , Inác io An tó n io d a Fon seca

(1788 – 185 7) .................................................. 92 Ben to , Jo aqu im (18?? – 1895, ac to r) ..... 127 Bern ard , C lau de (1813 – 1878) ......... 333, 335 Bern h ard t , Sa rah (Hen r ie t t e R os in e

Bern h ard t , 1844 – 1923) .................. 118, 324

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345

Berq uó , An tó n io Maria .....................................43 Berto n , P ie r re (1842 – 191 9)

Vertu e de ma f emme (La ) (1867) ..........135 Bet t en cou r t , An tó n io Jo aqu im d e Beça ,

m ilit a r ..................................................................35 Bib l io th eca d as Dam as (co leção ) ................93 Bib l io th eca d e a lgib e ira . Le itu ras s e lec t as

(1869) ...................................................................93 Bib l io th eca do s acto res (co leçã o ).............121 Bib l io th eca Econ óm ica (co leção ) ...............93 Bib l io th eca Lisb on en se (co leção ) ...............75 Bib l io th eca Lit t e rá r ia (co leção ) ..................93 Bib l io th eca po pu la r ou Ins t ru ção para

t od as as c las ses (1870, co leção ) .............93 Bib l io th eca Po r tu gu eza (co leção ) ...............93 Bib l io th eca P ro gresso Th ea t ra l. Th ea t ro

d e s a la (1883) .................................................152 Bies t e r , Ern es to (1829 – 1880) .43, 84, 88, 89,

141, 149 C or a ou a es cra vatura (1862) ................114 Fa mí li a Benoi ton (1866) ...........................144 Fer n an da (1871) ...........................................145 Fo r tuna e Tr a ba lh o (1863) ............87, 88, 90 M aria Antoni eta (1872) .............................179 M o cidad e d e D. Jo ão V (A) (1856) ........84 M u lh er qu e d ei ta carta s (A) (1861) ......83 Op er ário s (Os ) (1865) .................................87 S a bichõ es (Os ) (1872) ...............................141

Bi lh au d , Pau l (1854 – 19 33) Gens qui ri ent . C hos es à di r e (Les )

(1890) ............................................................164 Han n eton (Le ) (1890) .................................164 S o lo d e f lût e (1885) ....................................166

Bin gre , F ran c is co J o aqu im (1763 – 1856)

...............................................................................202 Bla ir , Hu gh (1718 – 1800)

Leçons d e rh éto riqu e et d es be lles -

le t t res (1845) ...............................................95 Blas co , Merced es (ps eud . ) (a liá s

C on ce ição Vitó r ia Marqu es , 1870 –

1961) ...................................................................155 Bo cage , Manu e l Mar ia Barb o s a du (1765

– 1805) ........................................................28, 202 Bo ileau , Nico las (1636 – 171 1)

L’Art p o ét ique (1674) .................................... 5 Bo ir ie , Eu gèn e C an t iran d e (1785 – 1857)

Sto r b et Vern er , ou Les sui t es d ’un d ue l

(1805) ..............................................................61 Bo le t im d o go verno d e Ma ca u e Ti mo r

(p e r ió d ico ) .........................................................99 Bo n el, P . -G . -A.

Sto r b et Vern er , ou Les sui t es d ’un d ue l

(1805) ..............................................................61 Bo rd a lo , Arn a ldo Armando (18?? – 1921,

ed ito r - livre i ro ) ..................................... 155, 165 Alma na ch do s pa lco s e sa la s pa ra 1 908

..........................................................................164 D’Árta gna n (1892) ......................................165 Livra r ia Bo rd a lo ...........................................157

Bo rd a lo , F ran c is co Maria (1821 – 1861 )

...............................................................................165 Rei ou i mpo stor ? (1847) ...........................165

Bo rd a lo , Jo aqu im Jos é (1815 – 1902) ......61, 165

Alma na ch do s Pa lcos e das Sa las

(1888) ........................................................... 156 Bo rd a lo , Jos é Jo aqu im (1773 – 1856) .... 165

Jes ua ldo (1798) ............................................ 165 Bo rd a lo , Lu í s Mar ia (1814 – 18 50) ......... 165

Jud eu (O) (1843) ......................................... 165 Jud eu Jónta s (O) (a liá s O Ju d eu ) ........ 165

Bo rges , Antón io Vito r in o F ran ça (1871 – 1915) M und o (O) (1890, p e r ió d ico ) ................. 166

Bo rges , C ar los (1849 – 1932) ............ 133, 134 Fi da lg os d a Ca sa Mou ri s ca (Os ) ......... 180

Bo rja , Lu ís d e (ps eu d . co lec t . ) ...... C on su lt e Bran d ão , Raú l (1867 - 19 30) , Bran d ão ,

J ú lio , Mon ta lvão , J us t ino d e Bo rra lh o , Jo ão Líc io , cap it ão d e n avio s . 33 Bo te lh o , Seb as t ião Xavie r ( 1768 – 18 40)

................................................................................ 25 Bo u ch ard y , J os eph (1810 – 1870) ...... 65, 129

Sin ei r o d e Sã o Pau lo (O) (1839) ........... 65 S onn eu r d e S aint Pa u l (Le) (1838) ....... 65

Bo u cicau lt , D ion (1820 – 1890) Jean la post e (1866) .................................. 121

Bo u ffé , Hu gu es (1800 – 1888) .................... 39 Bo u lo gne , Jo s eph d e (1745 – 1799) ,

C h eva lie r d e Sa in t -Geo rges .................... 114 Braga , F ran c is co d a C os t a (1831 – 1902)

................................................ 44, 125, 128, 129, 153 1 640 o u a Resta ura ção d e Po rtuga l

(1861) ........................................................... 129 Pa u lo e Ma ria ou a Es cra vatu ra bran ca

(1859) ........................................................... 103 Vest ido ra sga do (O) ..................................... 44

Braga , Teó f ilo (18 43 – 1924) ...... 27, 141, 142, 186, 188, 321 Histó ria da Uni ver sidad e d e Coi mbr a

(1892 – 190 2) ........................................... 198 Histó ria do Teat ro Po rtu gu ês (1870) 321 M od erna s ideia s d a li t eratu ra

p ortug uesa (As ) (1892) ........................ 141 Braga , Vis co nd e São Lu í s (1850 – 1918)

.............................................................................. 164 Braga , Vito r ian o (1851 – 1910)

C as acão d o Sou sa (O) ............................... 150 Bragan ça , D . Ped ro d e (1798 – 1834)

Hymno Con st i t uciona l o u da Ca rta

(1821) ........................................................... 226 Bran co , C am ilo C as t e lo (1825 – 1890) .. 46,

52, 127, 158 Ag ost inho d e C euta (1846) ................. 65, 66 C an cion ei r o Aleg r e (1879) ..................... 113 C enas contempor ân ea s (1855)

Pa to lo gia do ca sa mento ...................... 117 C ond en ado (O) (1871) .............................. 132 C r ês ou mo rr es (1849) .............................. 117 Fi lh a d o Ar cediag o (A) (1855)

N oivado (O) ............................................... 117 M ar qu ês de To rr es N ovas (O) (1849) .. 66 M or gada d e Ro ma ri z (A) [1876] .......... 283 N oi t es d e La mego (1863)

Dois mu rr os út ei s (1849) .................... 117 Ti o egr ess o e o s o brin ho ba char e l

(O) (1849) .............................................. 117 S angu e (O) [1868] ....................................... 283 Vint e ho ras d e li t ei ra (1864) ................. 122

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Bran d ão , F ran c is co Maria d e Sou s a (1818

– 1892) ................................................................42 Eco s do s Op er ário s (O) (1850) ...............88

Bran d ão , Jú lio (1869 – 1947) .....................184 Bran d ão , Raú l Germano (1867 – 1930) ..184 Brazão , Edu ard o Jo aqu im (1851 – 1925,

a to r , emp res á r io ) ......................... 164, 165, 166 Fed o ra (1883) ................................................145 Od et e (1882) ...................................................145

Bris eb arre , Éd ou ard (1818 – 1871) Pa u vr es d e Pari s (Les ) (1856) ...............124

Bro t , Alfo ns e (1807 – 1895) Edi th o u a viú va d e S outha mpto n/ Edi th

o u la Veu ve d e So utha mpton (1840) .73 Bru mo y , P ie r re (1686 – 174 2) ... 190, 199, 216

Dis cou rs d u r le Th éâ t re d es Grecs

(p re face) (1730) .......................................189 Th éât r e des Gr ecs (Le) (1730) ..............189

Bru s ch y , Manu e l Mar ia d a S ilva (1 813 – 1873) D. Joã o I (1841) .............................................72

Bu rn ay , Hen r iq u e d e , 1º cond e d e Bu rn ay

(1838 – 190 9) ...................................................33 By ron , Lo rd Geo rge Go rdon (1788 –

1824) ...................................................................255

C

C abedo , Jo rge d e .................................................45 C ab ra l, C ar los de Mou ra (1852 – 1922)

M ada me S ans -Gêne (1961) ......................145 C ab ra l, Leon e l Tavares (1790 – 185 3) .....92

Alma na k art i st i co pa ra 1 858 (1857,

p e r ió d ico ) ......................................................92 C ab ra l, Ped ro (1855 – 1927) .......................136 C ab re ira , Seb ast ião Drago Valen te d e

Br ito (1763 – 1833) ............................ 206, 207 C aign iez , Lo u is -C h ar les (1762 – 1842)

La be lle a u boi s do r mant (1799) ..........107 C ald e ira , Fe rn and o (1841 – 1894) ............164

C ong r es si sta (A) (1912) ............................164 M os ca (A) (1881) ..........................................164

C ald erón d e la Barca , Ped ro (1600 –

1681) ...............................................................18, 22 C ale ia , Alf red o ...................................................149

C or da e o en fo r cado (A) (1872) ............150 C âmara , D . Gast ão d a (1794 – 1866) ......226 C âmara , D . Jo ão da (1852 – 1908) .. 169, 184

Do r bendi ta (1898) ......................................165 Pâ nt ano (O) (1894) .....................................183 Ro sa en jei tada (A) (1901) ........................182 Zé Pa lo n ço (1891) .......................................161

C âmara , Pau lo Peres t re lo d a (1810 – 1854) Des cri çã o g er a l d e Li s boa em 1 839 o u

en saio hi stó ri co d e tud o qua nto esta

C api ta l contem de mai s notá ve l

(1839) ..............................................................29 C âmara , Rod r igo d e Azevedo So us a d a

(1804 – 185 6) ...................................................63 Ref lexõ es s o br e a Art e Dra mát i ca

(1842) ............................................................310 C ampo s , Antón io Cae tano d e

Genio d o Ch ri st i ani s mo (O) ou Be llez a s

d a r e li gião C hri stã .................................191

M art yr es (Os ) ou o Triumpho d a

r e ligião Ch ri stã (1816 – 1817) ........ 191 C and amo , F ran c is co Baces (1662 – 1702)

................................................................................ 18 C ând ido Lu s it ano ................. C on su lt e F re ire ,

F ran c is co Jos é (1719 – 1773) C armo , Lu c ind a do (1861 – 1922, a t r iz )

.............................................................................. 165 C armou ch e , P ie r re -F réd ér ick-Ado lph e

(1797 – 186 8) Le pu f f (1838)

Ru y-Bla g ...................................................... 112 M aria g e imp os si ble (Le) (1828) /

Desa fio s (Os ) (1838) ............................... 69 C arre ira , Dâm as o Gon ça lves Ch aves ,

a jud an te d e so lic it ad o r ............................... 30 C arva lh o , An tón io Jo aqu im d e (? – 1817)

................................................................................ 36 C o leçã o d e o bra s d ra mát i cas (1813) ... 36

Au la dos to ur ei r os t o lo s (A) ................ 36 Ga lego bruto e mo co ............................... 36 Ri bei ra do p ei xe (A) , o u a Pei xei r a

v i rtuo sa ..................................................... 36 Velh i ce na mo rada (A) ............................. 36

C arva lh o , Au gus to Jos é de (m aes t ro ) Hino d a So ci eda de Ta bor da (1870) ...... 47

C arva lh o , C oe lh o d e (1852 – 1934) Vio lei ro d e Cr emo na (O) (1895) .......... 165

C arva lh o , J o ão Manu e l .................................... 30 C arva lh o , J os é P into R eb e lo de (1792 –

1870) .................................................................. 113 C arva lh o , Leop o ldo d e (1844 – 1913) ... 130 C arva lh o , Lic ín io Fau s to C ardos o d e

(1827 – 185 4) ........................................ 309, 310 Dois pro s cri to s ou o Jugo d e Ca st e la

(Os ) (1850) ................................................ 309 Ha lla s (Os ) (1854) ...................................... 309 Orig em d a Art e Dra mát i ca (1854) ...... 309 Ra ja h d e Bou nso ló (O) (1853) .............. 309

C arva lh o , Mar ia Amália Vaz d e (1847 –

1921) C ér ebr os e co ra çõ es (1903) ................... 181

C as a R ico rd i (1840) ........................................ 169 C as ca is , J o aqu im d a Cos t a (1815 – 1898)

................................................................................ 94 Alca id e d e Fa ro (O) (1848) ...................... 95 C ar nide (O) ou u m ca ma rad a do

M ar qu ês de Po mba l ................................. 95 C ast e lo d e Fa ria (O) (1843) .................... 95 Gira ld o s em s a bo r , ou uma noi t e d e

S anto António na p ra ça da Figu ei r a

(1843) ............................................................. 94 Lei dos mo rg ado s (1869) ........................... 94 N em Césa r n em Joã o Fern and es ou o s

ext r emos to cam -s e (1861) ..................... 95 N em Ru s so n em Tur co ou o fa nat i s mo

p o lít i co (1854) ........................................... 95 N oi t e d e Santo Antó nio na Pr a ça da

Fi gu ei r a (Uma ) (1846) ........................... 94 C as ino Lis bon en s e (ca fé con cer to ) ......... 159 C as t ilh o , Ad r iano d e (Ad r ian o Ern es to d e

C as t ilh o Barre to , 1800 – 1857) .............. 63 C as t ilh o , Alex an d re d e .................................... 43 C as t ilh o , Alex an d re Magno d e (1834 –

1871) .................................................................. 113

Page 366: O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

347

C as t ilh o , Antón io Fe lic ian o d e (1800 –

1875) .......... 45, 46, 59, 93, 136, 141, 146, 148, 217 An jinh o na p e le d o Dia bo (Um) (1872)

..........................................................................150 As so c iação Gil Vicen te ...............................72 Es ca va çõ es po ét i ca s (1844)

Ep í sto la ao mo rga do d e Ass ent i z .......36 N oivado d e Pa qu etá ....................................289 Rev i sta Uni ver sa l Li s bon ens e ...... 267, 278,

279, 282 S a bichon as (As ) (1867/ 1872) ................141

C as t ilh o , Jú lio d e (1840 – 1919) .................59 C as t ro , Eu gén io d e (1869 – 1944) ............184 C as t ro , Lu c iano de (1873 – 19?? , a to r ) ...49 C eles t ino , Gu ilh e rm e (1833 – ???? ) ..........46

Doida d e Mo ntema yor (A) (1870) ........139 Th ea t ro co ntem po rân eo (1869 – 1873)

..........................................................................135 C h aby P inh e iro , An tó n io Au gu sto d e

(1873 – 193 3, a to r ) ......................................164 C h agas , Man u e l P inh e iro (1842 – 1895) 87,

88, 153 C a mpa ính as (As ) (1874) ...........................142 C as o d e con s ci ên cia (O) (1874) ...........143 C on spi ra çã o da a ldeia (Uma ) (1871) .144 Divor ci emo -no s (1881) ..............................145 Ed ucação popu la r (1870, co leção ) .........93 Gr avata bran ca (A) (1869) ......................139 Po ema da mo cidad e (1863) .....................143

C h apon n ie r , A lex an d re (1793 – 1852) ......75 L’Au berg e d es ad r et s (1823) ....................75

C h ard in , Jean -Bap t is t e -S iméon (1699 –

1779) ....................................................................... 6 C h arp en t ie r , Marc -Anto in e (1643 – 1704)

.................................................................................21 C h ateau b r iand , F ran ço is -R en é d e (1768 –

1848) .................................................. 211, 213, 247 Ata la o u Les a mou rs d e d eu x s au vag es

d ans le d és ert (1801) .................... 189, 191 Ata la o u Les a mou rs d e d eu x s au vag es

d ans le d és ert (1801) .............................192 Géni e du Chri st i ani s me (Le) (1805) ...191

C h au cer , Geo ff rey (1343 – 1400 Wi fe o f Bath (Th e) (s ec . XIV) ................107

C h aves , Hen r iq u e (1849 – ???? ) ..................48 C h aves , J . R . .......................................................136 C h aves , Ped ro C ar los d e Alcân ta ra (1828

– 1893) ............................................... 99, 125, 129 Aind a o Des ca s ca -mi lho ou la menta ções

d e u m pai d e fa mí lia (1867) ...............127 Art e n ão t em pa ís (A) (1861) ..................128 Ba pt i zado do fi lh o do Descas ca -mi lho

(O) (1864) ...................................................127 C as amento do d es cas ca -mi lho (O)

(1863) ............................................................127 Dai ao s po br es (1862) ...............................128 Des ca s ca -mi lho (O) (1862) .....................127 Lui zinh a , a lei t ei ra (1862) ......................127 M ano el d ’Aba lad a as si st i ndo à

r epr esenta ção d a Pr o bidad e (1868)

..........................................................................127 M eet ing pro movid o p e lo cidad ão Leão

Pa nt a leã o no Ci r co Pri ce (1867) ....128 M est r e Ga spa r C avei r a (1858) ..............127

M est r e Ga spa r C avei r a a ssi st i nd o ao s

f e st ejos r eai s (1858) ............................. 127 M est r e Ja quin , ou hi stória d e u m

funi lei ro co ntada p or e le mes mo

(1868) ........................................................... 128 M ort e d o Des cas ca -mi lh o (A) (1864) 127 N ão vo lto a Li s boa (1863) ...................... 126 Reli gião e Art e (1866) .............................. 128 S en hor João Fer nan d es à pr ocura d e

u ma posi çã o so cia l (O) (1868) ......... 128 C h erbu liez , Vic to r (1829 – 189 9) ............ 155 C h érub in i, Lu igi (1 760 – 184 2)

Alì -Ba bà (1833) ............................................ 107 C h evreu l, Mich e l (178 6 – 1889) ............... 333 C h evr illo n , Ben jam in (1787 – 1870) ........ 75

L’Au berg e d es ad r et s (1823) ................... 75 Ro bert M acai r e (1834) ....................... 75, 135

C ho le r , Ado lph e (1821 – 1889) Deu x n ez su r un e pi st e (1861) .............. 139

C ib b er , Co lley (1671 – 175 7) C ar e les s hu s ba nd (Th e) (1704) .............. 60

C in a t t i, G iu s epp e Lu igi (1808 – 18 79) .. 40, 114

C in t ra , Luí s Migu e l ........................................... 10 C lu b e d e Lisb oa (Lis bo a) ............................... 50 C lu b e R ecreat ivo d a Lap a (1894, Lis b o a)

................................................................................ 49 C ob ello s , Migu e l I . B. ................... 101, 102, 114

C onto s e lec t ri cos (1864) ......................... 102 Gr aças a Deus ! Est á a mes a po sta

(1860) ........................................................... 102 M orto nar ra ndo a sua hi stória (Um)

(1856) ........................................................... 102 Ro ma n ce d e u ma h ora (O) (1860) ....... 102 Th ea t ro d e s a la (1858 – 1861, co l. ) .... 98,

102 Th ea t ro Mo d erno (1857, co l. ) ......... 98, 101

C o cc ia , C ar lo (1782 – 1873) Fes ta da ros a (A) (ó pera ) ........................ 226

C od in a , J os é Maria Gervás io .................. 31, 32 C o elho , Ed uardo (1835 – 1889) .. 45, 129, 149 C o elho , F ran c is co Ad o lfo (1847 – 1919) 45 C o elho , J o aqu im Gu ilh e rm e Gom es (1839

– 1871) .............................................................. 309 C o elho , J os é Maria La t in o (1825 – 1891)

.............................................................................. 106 C atur ra s (Os ) (1864) ................................. 144 Li s bo a em 185 0 (1851) ....................... 88, 155 S o lt ei rõ es (Os ) (1867) .............................. 144

C o elho , J os é S imõ es (1880 – 1947) Art e d e Repr es entar . Car act eres (1909)

......................................................................... 336 Art e d e Repr es entar . S ent imentos ,

exp ress õ es , i d ent i fi ca çã o (1912) .... 336 C o elho , Lu ís Fu r t ad o (1831 – 1900)

Divor ci emo -no s (1883) ............................. 145 C o gn ard , Ch ar les Th éodo re (1806 – 1872)

Mi lles e t un e nui t s (1843) ....................... 107 Pi lu les du dia ble (Les ) (1843) .............. 108

C o gn ard , Hip po ly t e (1807 – 1882) Mi lles e t un e nui t s (1843) ....................... 107 Pi lu les du dia ble (Les ) (1843) .............. 108

C o imb ra , J os é An tó n io Pr i mo d e I mbó fia (O) (1847) ................... 43

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C o lecçã o d e N ovas Modin has pa ra

h on esto r ecr eio da s mad amas e a paixona das do ha r monio so ca nto

(1836, p e r ió d ico ) ............................................68 C o lm an , Geo rge (1732 – 1794) ..................117 C o médie Fr an çai s e .......................... 117, 162, 164 C omp an h ia das Lezí r ias ...................................45 C omp an h ia Lis bon ens e d e Est am p ar ia ......45 C om te , Au gu st e (1798 – 1857) ...................331 C ond e d e Farro bo ............ C on su lt e Qu in t e la ,

J o aqu im Ped ro 2º ba rão d e Qu in te la , 1º

con d e d e Farrobo (1801 – 1869) , C on su lt e Qu in t e la , Jo aq u im Ped ro 2º

b a rão d e Qu inte la , 1º cond e d e Farrobo

(1801 – 186 9) C ond e d e Lip p e , Gu ilh e rme d e

Sch aumb u rg-Lip pe (1724 – 1777) ............ 4 C on ferên c ias Demo crá t ic as d o C as in o

Lis b on en s e (1871) ........................................159 C on serva to ire Na t ion a l d’ Art Dram at iq ue

(Par is , 1795) ...................................................302 C on serva to ire Na t ion a l d es Arts e t

Mét ie rs (Par is , 1794) ..................................301 C on serva tó r io d e Artes e Of íc io s ..............301

Lis b o a (1836) .................................................301 Po rto (1837) ....................................................301

C on serva tó r io Gera l d e Art e Dr am át ica

(1836) ........................................................ 301, 305 C on serva tó r io R ea l d e Lisb o a .... 281, 304, 305 C on stab le , J ohn (1776 – 1837) ...................263 C on stân c io , F ran c is co So lan o (1777 –

1846) ...................................................................253 C on stan t , Benjam in (1767 – 1830) ...........255 C opp ée , F ran ço is Édou ard Jo ach im (1842

– 1908) ..................................................... 143, 165 N au fr ag é (Le) (1878) .................................165

C oqu e lin , Ben o it Con st ant (1841 – 1909)

...................................................................... 162, 163 L’Art d e di r e le mo no logu e (1884) .... 163,

164 Po èt e d e fo yer (Un ) . Eug èn e Man u e l

(1881) ............................................................163 Po èt e phi lo soph e (Un ) . Su lly

Pr o ud ho mme (1882) ...............................163 C oqu e lin , Ern est -Alex an d re -Hono ré (1848

– 1909) ..............................................................162 C o rado , F ran c is co d a S ilva ............................50 C o razz i, David (1845 – 18 96) .. 317, 318, 319,

320, 321 Bib l io t eca do Po vo e d as Es co las (1881

– 1913) ......................... 316, 317, 318, 319, 320 Bib l io t eca Un ivers a l ...................................319 Bio gra f ias d e Hom ens Cé leb res do s

Tem p os An t igo s e Mod ernos (1883)

..........................................................................319 Dic io n ár io do Po vo (1881) ......................319 Grand es viagen s e os grand es via j an t es

(As ) .................................................................319 C o rd e iro , An tó n io Xavie r R od r igu es

(1819 – 189 6) Tro vado r (O) (1844 – 1848) ...................106

C o rmo n , Eu gèn e (1811 – 1903) C ro ch et s du Pèr e Ma rt in (Les ) (1858)

..........................................................................181 C o rn e ille , P ie r re (160 6 – 1684) .................201

Cid (Le) (1637) / Ci d (O) (1787, t rad . ) 54 C o ro t , J ean -Bap t is t e (1796 – 1875) ........ 263 C o rre ia , Edu ard o Nas c imento (18?? –

1915) C as a da bon eca (A) .................................... 183

C o rre ia , Gervás io (18?? – 1907) ................ 48 C o rre ia , Mach ado

Ócu los da minha a vozin ha (Os ) (1889)

......................................................................... 165 C or r eio do s Doi s Mund os (p e r iód ico ) ... 153 C o rvo , Jo ão An d rad e (1824 – 1890) 281, 317

Ali cia dor (O) (1859) .................................. 121 Amo r co m a mo r s e p aga (1849) ............ 122 Ast ró log o (O) (1854) ................................. 121 Bib l io t eca d e Agr icu ltu ra e C iên c ias

(1880) ........................................................... 317 C onto a o s er ão (Um) (1852) .................. 122 Ép oca (A) . Jo rna l d e I ndú st ria ,

Ci ên cia , Li t eratu ra e Be las -Art es .. 315 Tea t ro d e Jo ão And rad e Co rvo

(co leção ) ..................................................... 122 C os sou l, Gu ilh e rm e An tón io (1828 –

1880) .................................................................... 42 C os ta C ab ra l, An tó n io Bern ardo d a (1803

– 1889) .............................................. 257, 281, 293 C os ta , D . An tón io d a (1824 – 1892) 301, 302 C os ta , J os é D an ie l R od r igu es d a (1757 –

1832) .................................................................... 99 C os ta , Ped ro Maria d a S ilva (? – 1868)

Dois i n s epa rá vei s (Os ) (1869) ................ 44 C os ta , Ve loso d a ............................................... 170

Ava r ento (O) .................................................. 182 C ou rt e lin e , Geo rges (1858 – 1929) ......... 139 C ou s in , Vic to r (1792 – 1867)

Du vrai , du beau et du bi en (1858) .... 337 C ou t inho , Dio go No ron h a , 5º m arqu ês d e

Maria lva (173 9 – 1803) .............................. 28 C ou t inho , Jo ão E. d a C ru z

Th ea t ro p opu la r (co leção ) ......................... 62 C ou t inho , Jo sé Maria Penh a (1864 –

1937) M ort e d e Ma rat (A) .................................... 179

C ou to , Jo aqu im Alves do ............................... 32 C rab ée -Ro ch a , An d rée (1917 – 2003)

Teat ro d e Gar r et t (1944) ......................... 284 C réb illo n p ère , P rosp er Jo ly ot de (1374 –

1762) Atr ée et Thyest e (1707) .............................. 54

C respo , Jo aq u im Ped ro Alves (1847 –

1907) S onho (O) (1905) ......................................... 165

C ró nica dos Th eat ro s (p e r iód ico ) .............. 45 C ros , Ch ar les (1842 – 1888) ............... 162, 163

Ha reng sau r (Le) (1870) .................. 162, 164 C ru z e S ilva , An tón io Din is d a (1731 –

1799) .......................................................................4 C ru z , An tón io Când ido da ............................. 47 C ru z , Du ar te Ivo (1941 – ) ............................. 27 C unh a , Am ad eu (1878 – 19??)

Pi sta (A) (1909) ........................................... 145 C unh a , Xavie r d a (1840 – 1920) ....... 317, 319

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349

D

D. F ran c is co d e Lem os d e Far ia Pere ira C ou t inho (1735 – 1822) , b is p o -co nd e d e

C o imb ra .............................................................198 D. Maria d a Gló r ia , P r in ces a d a Be ira e

d o Grão Pará C on su lt e D . Mar ia I I (1819

– 1853) D. Maria I I (18 19 – 1853) ................... 202, 301 Dan tas , Jú lio (1876 – 1962) ..........................49

S ever a (A) (1901) ...........................................49 Darto is , Arm an d (1788 – 1867)

M on sieur le piqu e -a ssi et t e (1824) .......125 Darwin , Ch ar les (1809 – 1882)

L’Expr essio n d es émot ion s ch ez

l’h o mme et le s ani mau x (1890) .........331 Daud e t , Alpho ns e (1840 – 1897) ...... 139, 143

Derni ère id o le (La ) (1862) ......................183 Daun , D . Jo ão Car lo s d e Sa ld anh a

Olive ira e (1 790 – 187 6) ..........................302 David , J acqu es -Lou is (1748 – 1825)

M ar at as sas sin é (1793) .............................179 Delaco u r , Alf red (1817 – 1883)

On d ema nd e un e lect ri ce (1861) ...........139 Delavign e , C as im ir (1793 – 1843) .............65 Den is , Fe rd in an d (1798 – 1890)

Lui z d e Sou sa (1835) ..................................273 Denn ery , Ado lph e Ph ilip p e (1811 – 1899)

Amou rs d e Pari s (Les ) (1866) ................139 Ber g ér e d es Alp es (La ) (1852) ..............135 C as e d e l’o n c le To m (La ) (1853) ..........114 C hat eau d e Po nta lec (Le) (1862) .........135 S ept ch atea u x du dia ble (Les ) (1844) 108 Tou r du mo nd e en 8 0 jour s (Le) (1874)

..........................................................................108 Vo ya g e à t ra vers l’ i mpo ssi ble (1882) 108

Des argu es , Gira rd (1591 – 1661) ..............326 Des car t es , R en é (1569 - 1650) ...................326

Les Pa ssio ns d e l’Ame (1649) ................331 Des fo rges , Ern es to Au gus to (1849 – 1912

...............................................................................130 Des ly s , Ch ar les (1821 - 18 85)

C as s eur d e Pi err es (Le) (1867) .............144 Desn oy er , Ch ar les (1806 - 1858)

Ber g èr e d es Alp es (La ) (1852) ..............135 Diário d e Not í cias (p e r ió d ico ) ...............45, 93 Diário do Go ver no (p e r iód ico ) ..................226 Dias , J o ão C o e lho

Ar enqu e s eco (O) (1885) ..........................164 Gaiato d as ca ute la s (O) ............................164 N ão é verd ad e , menina? ............................164 Ver dad es a ma rga s (1890) ........................153

Díaz , En r iqu e ......................................................131 Did ero t , Den is (1713 – 1784) .... 3, 6, 7, 9, 256,

262, 264, 327 De la Po ési e d ra mat iqu e (1758) ...........264 De la po ési e dra mat iqu e (1771) ...........326 Élément s d e Ph ysio logi e (1774-80) .....331 Ent ret i en s su r le Fi ls Natu r e l (1757) 264 Pa r ad o xe su r le comédi en (1773) ........308 Pèr e d e fa mi lle (Le) (1758) / Pa i de

fa mí lia (O) (1788, t rad . ) ........................54 Din is , J ú lio (p seud . ) (1839 – 1871) ...........52

Fi da lg os d a Ca sa Mou ri s ca (Os ) (1871)

......................................................................... 180 Din iz (a to r) ......................................................... 164 Din iz , Ed u ard o Bap t is t a (1855 – 1913) 170 Din iz , Ped ro ........................................................ 113 Direção -Gera l d e Ins t ru ção Púb lica (18 59)

.............................................................................. 302 Do len t , J ean (1835 – 1909) ......................... 155 Don ize t t i, Gae tano (1797 – 1848)

Don S éba st i en Roi de Po rtu ga l (1843)

......................................................................... 272 Dou x , Ém ile (179 8 – 1876) .. 39, 48, 67, 70, 98,

279 Du Barr i, C on d es sa (1743 – 1793)

M émoir es d e Ma da me la Co mt es s e Du

Ba rri ................................................................ 39 Du art e , Fe lip e (1855 – 192 8)

Lan ch a fa vori ta (A) (1896) ...................... 50 Du can ge , Vic to r (1783 – 1833) ............. 65, 77

Jés ui t e (Le) (1830) ....................................... 77 Dum an o ir , Ph ilip p e -F ran ço is -P in e l (1806

– 1865) C as e d e l’o n c le To m (La ) (1853) ......... 114

Dum as , Alex and re ( f ilh o ) (1824 – 1895)

...................................................................... 142, 195 Ata la (1848) ................................................... 195 Da me au x ca mélias (1848) ...................... 112

Dum as , Alex and re (p a i) (1802 – 187 0) .. 65, 78 Anto ny (1831) .................................................. 58 I nvrai s embla nce ou Hi stoi r e d ’un mo rt

r a cont ée pa r lui même (1844) .......... 102 Ri cha rd d ’Ar li ngton (1831) ...................... 58 Tou r d e N es le (La ) (1832) ................ 64, 284

Dun i, Egid io (170 8 – 1775) Fée Ur g è le (La ) (1765) ............................ 107

Dup aty , Lou is -Em anu e l (1775 – 1851) Fé li ci e ou la fi lle r o man esqu e (1815) 70

Dup et it -Méré , F réd ér ic (1787 – 182 7) .... 64 Pa o li o u les Co r ses et le s Génoi s

(1822) ............................................................. 65 Pa u lin o ou o s co rso s e o s g eno veses

(1845) ............................................................. 65 Va le d e To rr ent e (O) (1841) .................... 65 Va lée du To rr ent (La ) ou l’o rph e li n et

le meu rt ri er (1816) .................................. 65 Dup les sy (ps eu d ) , Virgin ie Du h am el

(1829 – 190 0) .................................................. 39 Dü rer , Alb rech t (1471 – 1528) .................. 326 Du se , Elean o ra (1858 – 1924) ................... 183

E

Eco d os Op erá rios (p e r ió d ico ) .................. 127 Éco le r oya le d e chant et d e d éc la mat ion

(1784) ................................................................ 302 Éd it io n s Ch oud en s (1845) ............................ 169 Em p res a R ey Co laço – Rob les Mon te iro

(1921 – 197 4) .......................................... 10, 116 En es , An tón io (1848 – 1901)

Dia (O) (p e r ió d ico ) ...................................... 48 En nes , An tón io (1848 – 1901)

En jei tado s (Os ) (1879) ............................. 183

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350

Ep ifân io (Ep ifân io An ice to Go n ça lves ,

1813 – 185 7, a to r ) .........................................39 Erckm ann -C h at r ian (ps eu d . ) ..........................48 Es co la de Art e Dram át ica .............................307 És qu ilo (c .525 a .C . – c .456 a .C . ) .............199

Per s a s (Os ) ............................................. 199, 214 Es teves Negrão , Man ue l Nico lau (? –

1824) ....................................................................... 4 Es toqu e te , J e ró n imo , ad vo gado ...................... 4 Eu ríp id es (480 a .C . – 406 a .C . ) .................189

F

Favar t , Ch ar les -S imo n (1710 – 1792) .....111 Fée Ur g è le (La ) (1765) .............................107

Favar t , Ju s t ine ......................................................39 Feijó , In ác io Maria (1794 – 185 7) .............84

C a mõ es do Ro cio (1856) .............................84 Fern and es , Dom in gos Man ue l ...............47, 158

Biog rap hia po li t i co - li t t e raria do Vi s co nd e d e Almei da Gar r et t (1880)

..........................................................................158 Livra r ia Eco nó m ica (1876) ............. 157, 167

Tea t ro cóm ico . Co lecção d e p eças

j o co s as (c .1876) ...................................158 Tea t ro do s cu r io so s . Co lecção d e

p eças p a ra s a las e t ea t ros

p a r t icu la res (c . 1876) ........................158 Po d ridõ es mod erna s (1873) ....................158

Fern and es , Olím p io Nico lau Ru i ...............102 Ferre ira , Alex and re Alcân ta ra (1842 –

1906) .....................................................................75 Ferre ira , An tó n io (1528 – 1569) .........24, 216 Ferre ira , Ed u ardo Nas c imento

Tos ca (1924) ...................................................145 Ferre ira , Hen r iq u e C ar lo s .............................175 Ferre ira , I s id o ro Sab in o (18 28 – 1876) .149

C art ei ra perdid a (A) .....................................44 Th ea t ro Eco nóm ico (1863, co l. ) ...........121

Ferre ira , J o ão Bap t is ta (1801 – 1877) .....63, 125 C o mpad rice (A) (1851) ..............................125 Fi lh o d e Cro mwell (O) o u u ma

Resta ura ção ( t rad . , 1843) ......................76 Pa p a janta r es (O) (1851) .........................125 Pr i mei ro s a mo r es (Os ) (1861) ...............125

Ferre ira , J o s é Maria d e An d rad e (1823 –

1875) .................................................. 109, 110, 296 Ga leria art í st i ca (1859) ...........................109 I llust ra ção Lu so -Brasi lei ra (A)

(p e r ió d ico ) ..................................................109 Li t t eratu ra , mu si ca e be lla s a rt es

(1871- 72) .....................................................109 M elh or amentos mat eriai s (Os ) . Revi sta

d e 1 859 (1860) ..........................................109 Pá t ria (A) (p e r iód ico ) ................................109 Rev i sta C ont empo rân ea Po rtug a l e

Br azi l (p e r iód ico ) ....................................109 Ferre ira , S ilves t re P in h e iro (1769 – 1846)

...............................................................................253 Ferr ie r , Pau l (1843 – 192 0)

M ou squ etai r es au co u vent (Les ) (1881)

..........................................................................113

Feu ille t , Oc tave (1821 – 189 0) 115, 118, 119, 120, 142, 180 C as de cons ci en ce (Le) (1867) ............. 143 Ju li e (1869) .................................................... 139 Ro ma n d ’u n j eun e ho mme pa u vr e (Le)

(1859) ........................................................... 135 S cèn es et co médi es (1854)

C h eveu blan c (Le) .................................. 119 Fée (La ) ....................................................... 115 Ur ne (L ’) ............................................. 115, 119

S cèn es et pro ver bes (1853) Po u r et le cont r e (Le) ........................... 119

Figu e ired o , Jos é An tó n io d e , m ercado r d e

li vro s ................................................................... 30 Figu e ired o , Man ue l d e (1725 – 1801) 4, 8, 9,

25 Dis cu rso d ’O Cid d e Co rn ei lle ............... 23 Dr amát i co afin ado (O) (1774) ................ 10 Dr amát i co afin ado (O) ou C rít i ca a os

Per ig os da Edu cação (1774) ............... 10 En saio có mi co (1774) .................................. 10 M u lh er qu e nã o pa r ece (A) [1774?] ........9 Per ig os da edu ca ção (1774) .................... 10 Per ig os de edu ca ção (1774) ..................... 10

Figu e ired o , Man ue l Lu í s d e (1861 – 1927) Jes ui tas (Os ) (1883) .................................. 153

Figu e ired o , Ped ro Jo s é (1762 – 1826) ..... 92 Fil in to Elí s io (ps eud . ) ....................... C on su lt e

Nas c im en to , F ran c is co Manu e l do (1734

– 1819) Fo lqu e , Dio go d e Sous a (1799 – 1856) . 243 Fo lqu e , F ilip e d e So us a (1800 – 1874) . 315 Fon s eca , Antón io d a S ilve ira P in to d a

(1770 – 185 0) ................................................ 207 Fon s eca , Manu e l Antón io d a , Mo nte

C r is to d e a lcunh a ........................................... 33 Fon s eca , Manu e l Nun es da

M art yr es (Os ) ou o Triumpho d a

r e ligião Ch ri stã (1813) ........................ 191 Fon tan , Lo u is -Marie (1801 – 1839)

M as sa cre d es i nn o cent s (Le) (1839) .. 284 Fo rjó , Jos é Teo tó n io C an uto d e (1762 –

1844) .................................................................. 225 Fo rtun a , R ica rdo J os é (1776 – 1860) .... 232,

284 Ast úcia s d e Zan gui za rr a (1819) ............. 35

Fou ch er , Pau l (1810 – 187 5) Don S éba st i en de Po rtug a l (1838) ...... 272

Fou qu iè res , Lo u is Becq de (1831 – 1887) L’Art d e la mi s e -en -s cèn e (1884) ........ 108

Fran cé lio Vou gu en s e ......... C on su lt e Bin gre , F ran c is co Jo aqu im (1763 – 1856)

Fran co Jún io r , Pad re F ran c is co So ares

(1829 – 186 7) ................................................ 169 Fran co , F ran c is co (1859 – 1926) ..... 167, 170,

174, 177, 181 Agên c ia Tea t ra l ............................................ 152 Livra r ia Po pu la r (1890 – 197 9) ... 157, 166,

167, 174, 175 Bib l io t eca d ram át ica p opu la r (c .1890)

....................................... 35, 167, 173, 180, 182 C o lecção de cop las d e d ivers as

ó peras cóm icas ..................................... 167

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351

C o lecção de p eças tea t ra is pa ra s a las

e t ea t ro s p a r t icu la res (c .1890) .... 164, 165, 166, 167, 173

Fre i F ran c is co d e S . Lu ís (1766 – 1845,

C ard ea l Sara iva ) ...........................................203 Fre ire , F ran c is co Jo s é (1719 – 1773) ......... 4

Édip o Rei ..........................................................198 I fi g énia em Taurid e .....................................198 M ed eia ...............................................................198

Fre it as , Bern ard in o Sena (1812 – 1876) Pá t ria (1872) ..................................................145

Fried b erg, Kar l Mü lle r vo n (1755 – 1839) Pr i s e d e Saint e Lu cie (La ) (1781) .........60

Fro es , C am ilo Marian o (1836 – ? )............155

G

Gab rie l, J u les -Jo s eph (Ju les -Jo seph

Gab r ie l d e Lu r ieu , 1792 - 1869 M on sieur le piqu e -a ssi et t e (1824) .......125

Galer ia Th ea t ra l (co leção ) ............................129 Ga leria Th eat ra l (p e r iód ico ) ......................302 Galh ardo , Luí s (1874 – 1929)

I nimigo do po vo (O) (1900) ....................183 Garção , Ped ro An tón io Co rre ia (1724 –

1772) .............................4, 10, 12, 14, 17, 22, 23, 24 Ao s fi da lgo s qu e p rot egia m o Teat r o do

Bai rro Alto (1766) ....................................14 As s emblei a ou Pa rt ida (1770) ......10, 11, 15 Dis serta ção pri mei ra so br e Trag édia

(1757) ..............................................................15 Régu lo ( t ragéd ia ) ............................................10 S ofoni s ba (t ragéd ia ) ......................................10 Teat ro No vo (1766) .................................10, 15

Garc ia , C lau d ino Au gus to C és ar ...............102 Garra io , Au gu s to (1845 – 1911) ...... 125, 334,

335, 336, 339, 340, 341 M anu a l do C urio so -Dr a mát i co (1892)

..........................................................................335 M os ca (A) (188-) ..........................................164

Garre t t , J . B. S . L . d e Alm eid a (1799 –

1854) 5, 8, 37, 39, 41, 52, 53, 59, 71, 72, 73, 78, 79, 94, 95, 96, 104, 105, 113, 115, 152, 160, 177, 179, 186, 187, 188, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 205, 208, 213, 214, 215, 218, 220, 221, 222, 223, 224, 227, 228, 229, 230, 232, 234, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 255, 256, 257, 258, 259, 262, 263, 264, 265, 266, 267, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 277, 279, 281, 289, 292, 296, 300, 301, 302, 304 Ad ozind a (1828) ............................................210 Af fon so d e Albu qu er qu e (1819) ... 189, 210,

213, 224 Alfa g eme d e Sa ntar ém (O) (1842) ...... 178,

257, 262, 265, 271, 272, 273, 280, 281, 296 Alfa g eme d e Sa ntar ém (O) (1842) ..........39 Amo r da Pát ria (O) (1819) .... 197, 201, 202,

203 An el d e fa mí lia (O) (1821) .....................193 Ao Co rpo Aca démi co (1819) ...................201 Ár a bes (Os ) o u o C rime vi rtu os o (1821)

..........................................................................236 Áta la (1817) ........... 189, 191, 193, 194, 201, 224

Auto da Rain ha Pen é lop e (O) (c .1841)

................................................................. 283, 284 Auto de Gi l Vicente (Um) (1838) 258, 259,

262, 268, 269, 271, 292 Auto de Gi l Vicente (Um) (1838) ........... 39 Auto de Gi l Vicente (Um) (1841) .. 72, 210,

221, 250, 257, 262, 322 Auto bi ogr aphia (1843) ............................. 271 Bo squ e jo da Hi stór ia da Po esia e

L íngu a Portu gu es a (1826) .......... 216, 227 C arta a u m a migo ........................................ 250 C atão (1821) . 201, 222, 224, 229, 231, 236, 260,

266 C atão (1822) .......................... 213, 216, 221, 251 C atão (1830) .......................................... 218, 255 C atão (1845) .................................................. 230 Ci fr ão (O) (1841) ................................ 283, 285 C ond e d e No vion (O) (1854) .. 291, 295, 296 C or cu nda por amor (O) (1821) ... 232, 236,

241, 242, 292 D. Fi li p a d e Vi lhena (1840) ... 229, 272, 273 D. S ebast ião ................................................... 211 Dia 24 d e Ago sto (O) (1820) ................. 228 Edip o em Co lon a (1816) .................. 189, 190 En saio so br e a Hi stória da Pintu ra

(1822) ........................................................... 197 Ent remês do s ve lh os na mor ado s Qu e

fi cara m bem lo gra dos , bem lo gra do s

(1841) ................................................... 283, 284 Fa la r verd ad e a ment i r (1845) 43, 95, 178,

290 Fo lh a s ca íd as (1853) ......................... 113, 187 Fr e i Lu ís d e Sou sa (1843) 79, 178, 262, 271,

272, 273, 275, 278 Fr e i Lu ís d e Sou sa (1843) ......................... 39 Histó ria Phi loso phi ca do Th eat ro

Po r tugu ez .................................................... 212 Hymno p at riót i co (1820) ......................... 208 I lu st r es via jant es (Os ) (1841) ............... 287 I mp ro mptu d e Sint ra (O) (1822) . 240, 242,

244 I nês d e C ast r o ............................................... 211 I nfa nte Santo (O) (1825-27) .................. 252 I phig enia em Taurid e (1816) ................. 189 Ju st i ça de Ped ro .......................................... 211 Lezion e ag li amant i (La ) (c .1819) ..... 237,

238, 239 Lí ri ca d e Joã o M íni mo (1825) .............. 214 Lu cr écia (1819) ............ 197, 200, 201, 221, 227 M aria Te les .................................................... 211 M emória a o Co ns ervatório Rea l d e

Li s bo a (1843) ............................ 262, 273, 291 M emória Hi stó ri ca d e J . Xa vier

M ou sinho da Si lvei r a (1849) ............. 251 M éro pe (1820) ....................... 201, 219, 220, 239 M éro pe (1841) ....................................... 189, 199 N a mor ado s ext ra vag ant es (Os ) (1822)

................................................................... 60, 245 N oivado n o Da fund o (O) , ou Cad a t err a

co m seu us o , cada ro ca com s eu fu so

(1847) ................................................... 178, 288 N oivado n o Da fund o (O) , ou Cad a t err a

co m seu us o , cada ro ca com s eu fu so

(1857, ed . ) .................................................. 105

Page 371: O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

352

Obr as póstu mas (1914) ..............................203 Pa d ei ra d e Alju ba rr ota (A) ............ 211, 255 Pr o fecia s d e Ba nda rra (As ) (1845) ... 178,

287 Ret rato d e Vénu s (O) (1818, m s . ) ........203 Ret rato d e Vénu s (O) (1821) . 197, 239, 251 S erapião , o mon st ro (c .1841) ........ 283, 284 S o brin ha do Ma rqu ês (A) (1848) 291, 292,

294 S opho ni s ba (1819) .............................. 189, 215 Tan oei ro d e Li s boa (O) .................... 211, 266 Ti o Si mp lí cio (1844) ...... 43, 95, 178, 289, 290 Ti o Si mp lí cio (O) (1844) ..........................289 Tou ca dor (O) (1822, p e r ió d ico ) ... 239, 240 Viag en s n a min ha t er ra (1846) ..............268 Xer xes (1818) ........................................ 197, 199

Garr ick, Dav id (1717 – 1779 ) .....................306 Garr id o , Edu ardo (1842 – 1912) ...... 125, 129,

155, 170 Ald ighi eri júnio r (1885) ...........................166 Alh o (Um) (1879) .........................................166 Dr agõ es d e El-Rei (Os ) (1881) ..............113 Vo lta a o mund o em 80 dia s (A) (1883)

..........................................................................108 Gasp ar Y R ib au , En r iq u e (1842 – 1902)

Niñ os gra nd es (Lo s ) (1871) ....................139 Gau la , F ranc is co d e Pau la C ardo so d o

Am ara l e Gau la , m o rgado d e Ass ent iz

(1769 – 184 7) ...................................................28 Gau t ie r , Th éoph ile (18 11 – 1872 ) ............115 Gaveta , Amaro Mend es (p seud . )

Fo lh a s ca hidas apan had as a d ente e

p es cada s no Po rto (As ) (1855) .........113 Fo lh a s ca hidas apan had as a d ente e

p u bli ca das em no me da mo ra li dad e

(As ) (1854) ..................................................113 Gay , John (1685 – 1732)

Begg ar ’s Op er a (1728) ..............................117 Po l ly (17 29) ....................................................117

Ga zeta d e Not í cias (R io d e Jan e iro ) .......318 Ga zeta Universa l (p e r ió d ico ) .....................239 Ga zeta Universa l d a Eu ropa (p e r iód ico )

...............................................................................233 Gazu l, F ranc is co d e F re it as (1842 – 1925)

.................................................................................45 Génio C on st i t uciona l (p e r ió d ico ) .............204 Geo ffroy , J u lien -Lou is (1743 – 1814)

C ou rs d e li t t ér atur e d ra mat iqu e (1825)

..........................................................................215 Gh illan y , F r ied r ich W ilh e lm (1807 –

1876) S acri fi ces hu main s ch es le s Hébr eu x .309

Gil d e F igu e ired o Sarm ento , Dom in gos

An tón io ..............................................................207 Giro d e t , Ann e -Lou is (1767 – 1824) .........197

Ata la a u tombeau (1808, p in tu ra ) ........197 God in ho , Lu í s Co rd e iro

Art ur , o jo gad or ............................................182 Br az ão do art i sta ..........................................181

Go eth e , J oh ann Wo lfgan g von (1749 –

1832) .......................................................... 186, 254 Fa u st (1808 .....................................................116

Go ld sm ith , Olive r ( 1728 - 177 4

En qui r y i nto t h e p r es ent e stat e o f pi lot e

lea r ning (An ) (1759) ............................. 116 Gom es d e C arva lh o , Teo tón io (1728 –

1800) .......................................................................4 Gom es , J oão do s R e is (1869 – 1950)

O Th eat ro e o Actor . Es bo ço

Ph i lo sophi co da Art e d e Rep r es enta r

(1905) ................................................... 334, 341 Gom es , Vito r in o ................................................. 49 Gon d in et , Edmon d (1828 – 1888) ............ 139

C o mte Ja cq u es (Le) (1868) ..................... 139 C ra vat e bla nch e (La ) (1867) ................. 139

Goo do lph im , Cos t a (1842 – 1912) ............. 42 Go zlan , Léon (1803 – 1866)

Dieu mer ci ! Le co u vert est mi s (1851)

......................................................................... 102 Grand e , Jo sé Maria (1799 – 185 7) .. 230, 231 Gran gé , Eu gèn e (1810 – 1887)

C ro ch et s du Pèr e Ma rt in (Les ) (1858)

......................................................................... 181 Grém io Dram át ico Bap t is t a Mach ado ....... 50 Gro ss i, C ar lo (1857 - 19 31) .......................... 33 Grup o d a R ib e ira d as Naus ...............................4 Grup o Dram át ico Alm eid a Garret t ............. 50 Grup o Dram át ico An tó n io Po rtu ga l .......... 50 Grup o Dram át ico e Mu s ica l Ap o lo

(Lis b o a) .............................................................. 50 Grup o Dram át ico Edu ardo Brazão ............. 50 Grup o Dram át ico Mocid ade .......................... 50 Grup o Dram át ico Ped ro d e Sous a ............... 50 Gu ed es , Jo s é Is id o ro ....................................... 113 Gu ed es , Ju s t ino ................................................. 319 Gu ião , Jos é Pere ira Pa lh a d e Far ia

(c .1785 – ? ) .................................................... 287 Gu iard , Ém ile (18 52 – 1889)

M ou ch e (La ) (1880) ............................ 164, 165 Gu sm ão , Alex and re d e (1695 – 1753)

O marid o con fun dido (1737, t rad . ) ..........5

H

Hab erm as , Jü rgen (1929 - ) ..............................2 Halévy , Léon (1802 – 1883) ......................... 65

C a bri to mo ntez (O) ou O r end ei r o

I ng lês (1838) ............................................... 65 C h evr eui l (Le) ou le Fer mier An g lai s

(1831) ............................................................. 65 Du elo n o t er cei ro an da r (Um) (1841) . 65 M on sieur Mou f let ou un Due l a u

t r oi si ème étag e (1833) ........................... 65 Halévy , Lud o vic (1834 – 1908)

S onn et t es (Les ) (1872) .............................. 142 Hapd é , J ean -Bap t is t e Au gus t in (1774 –

1839) .................................................................... 64 Des ertor h unga ro (O) (1839) .................. 64 Po nt du dia ble (Le) (1806) ....................... 64 Po nt e d o dia bo (A) (1840) ........................ 64 Têt e d e bro nz e (La ) ou le d és ert eu r

h ong roi s (1808) ......................................... 64 Hegel, Geo rg W . F r ied r ich (1770 – 1831)

.............................................................................. 142 Les leçon s su r l’Hi stoi r e d e la

Ph i lo sophi e ................................................ 309 Heid egger , Mar t in (1889 – 197 6) ............... xiv

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353

Hen riqu es No gu e ira , J os é Fé lix (1823 –

1858) ...................................................................301 Hercu lano , Alex and re (1810 – 1877) .52, 59,

158, 178, 253, 278, 281 Herd er , Joh an n Got t f r ied von (1744 –

1803) .......................................................... 142, 254 Ho ffmann , F ran ço is -Beno it (1760 – 1828)

Ro ma n d ’u n e h eur e (Le) (1803) ............102 Ho gan , Alf red o Pos so lo (1830 – 1865) ....84

M ás cara so cia l (A) (1861) .........................84 Vida em Li s boa (A) (1861) ........................98

Ho gar th , W ill iam (1697 – 1764 ) ................... 6 Ho lwell, J o hn Zep h an iah (1765 – 1771) 309 Ho rác io (Qu in tu s Ho ra t ius F laccu s , 65

a .C . – 8 a .C . ) Art e Po ét i ca / Ep ísto la aos Pi sõ es ........198

Ho wo rth , Jú lio (1852 – 190 5) ...... 47, 136, 155 Hu art , Lou is Ad r ien (1813 – 1865)

Le pu f f (1838) Ru y-Bla g ......................................................112

Hu go , Vic to r (1802 – 1885) . 78, 128, 255, 257, 259, 261, 262, 264 An ge lo (1835) .................................................254 C ro mwell (1 827) .................................. 254, 262 Hern ani (1830) ............................. 112, 254, 262 Lu cr ecia Bo rgia (1833) .......................64, 254 M ari e Tud or (1833) .....................................254 M ario n Delo r me (1831) .............................254 N otr e Da me d e Pa ri s (1840) ...................143 Roi s ’a mu se (Le) (1832) ...........................254

I

Ib s en , Hen r ik (1828 – 19 06) .......................169 Et du kkeh jem (1879) ...................................183 Gega ng er e (1881) .........................................183

I llust ra ção (A) . Jor na l Universa l

(p e r ió d ico ) .......................................................290 I llust ra ção Lu so -Brasi lei ra (A) (1856 –

1859, p e r ió d ico ) ................. 83, 85, 99, 100, 169 In sp eção -gera l d os Tea t ros (1836) ...........302

J

J acob , P . L . Bi bli oth èuq e d ra mat iqu e d e Mon si eur

d e S o lein ne (1843) ..................................305 J acob et ty , F ran c is co (1853 – 1889) .........136

Dr agõ es d e Ch a ves (Os ) (1885) ............113 J an in , Ju les (1804 – 1874)

Alm an ach d e la lit t é ra tu re , du th éâ t re e t

d es b eaux a r ts (1853 - 18 65) .............124 J a rd im Ch in ês (ca fé con cer to ) ....................159 J esu s , Jo s é Am aro d e (a lfa ia t e ) ...................31 J o rn a l d e com éd ias e d ram as (1853,

co leção ) ...............................................................97 J os in o Du r iens e (p s eud . ) C on su lt e Garre tt ,

J . B. S . L . d e Alm eid a (1799 – 1854)

K

Kan t , Imm an u e l (1724 – 1804) K ri t i k d er Urt ei lskra ft (1790) ................. xiv

Kean , Edm und (1787 – 1833) ......................306

Ko ck, Hen r i d e (1819 – 1892) Amou r bos su (L ’) (1863) .......................... 151

Ko tzebu e , Au gus t von (1761 – 1819) ....... 35 Kru s , Mar ia ........................................................... 39

L

L’ Is le -Adam , Au gu s te Vill ie rs (18 38 –

1889) .................................................................. 163 La Fo rê t , Léon ................................................... 110 Lab ich e , Eu gèn e (1815 – 1888) .......... 48, 139 Lab rous s e , Fab r ice (1806 – 1876) ............. 75

Fleu r et t e , ou le p r emi er a mou r d e

Henri I V (1835) ......................................... 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) (1842) ................ 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) / Nui t du meu rt r e

(La ) (1839) ................................................... 73 Pr e t ez -moi 5 f ra ncs (1834) ....................... 73

Lacerd a , Au gus to Cés ar d e (1829 – 1903)

...................................................... 104, 125, 149, 153 As sinatu ra d e El-Re i (A) (1853) .......... 105 Dois mu ndo s (1855) ................................... 105 M u lh er es d e már mor e (As ) (1854) ........ 86 Pa la vr a d e Rei (1857) ............................... 104 Pr o bida d e (1859) ......................................... 105

Lacerd a , Au gus to d e (1864 – 1926) Gr eve d os f er r ei ro s (A) ............................ 165

Lacerd a , C és ar d e (1829 – 1903) ............. 181 Cini s mo , cept i ci s mo e cr en ça ( (1855) 181 Pr o bida d e (A) (1856) ................................ 181 Tra ba lho e h on ra (1860) .......................... 181

Lacerd a , F ran c is co Pa lh a d e Far ia e (1827

– 1890) ..... 102, 105, 109, 113, 114, 121, 130, 155, 170, 287, 302, 303 An dado r d as a lma s (O) ............................. 287 An dado r d as a lma s (O) (1850) ..... 106, 112 C at imbáo .......................................................... 287 Dr agõ es d e El-Rei (Os ) (1881) ............. 113 Fa bi a ................................................................. 287 Fá bi a (1848) .................................. 105, 106, 112 Fa mí li a a meri can a (Uma ) (1877) ........ 145 Li s bo a em 185 0 (1851) ....... 88, 155, 279, 303 Lot eria d o dia bo (1858) ........................... 106 M ort e d e Cat imbao (A) (1850) ..... 105, 106,

111, 112 Pa r ódia s (Fá bi a , And ado r da s Almas ,

M ort e d e Cat imbao , 1859) .................. 106 Repú bli ca das Let ra s (1857) .................. 105 Th ea t ro Mo d erno (1857, co l. ) ......... 98, 101

Laco st e , J ean -Arm and (1797 – 1885) ....... 75 L’Au berg e d es ad r et s (1823) ................... 75 Ro bert M acai r e (1834) ....................... 75, 135

Lalo u e , Ferd in and , (1794 – 1850) Pi lu les du dia ble (Les ) (1839) .............. 106

Lalu y é , Leo po ld (1826 – 1899) ................. 150 Lam art e liè re , J ean -Hen r i-Ferd in and (1761

– 1830) Ro bert , ch ef d es briga nds (1793) .... 35, 60

Lamb er t -Th ib ou st (ps eu d . ) .............. C on su lt e

Th ib o us t , P ie r re -Anto in e -Au gu s te (1827 – 1867)

Lamb er t -Th ib ou st , P ie r re (1827 – 1867) Fi lles d e mar br e (Les ) (1853) ................. 86

Page 373: O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

354

Larch er , Jo aqu im (1797 – 1865) ...... 199, 230, 231, 304

Lat in o C o e lho , J os é Maria (1825 – 1891)

...............................................................................282 Li s bo a em 185 0 (1851) ..................... 279, 303

Lau ren t , C lém ent -Ph il ip p e (17… – 1872, a to r ) Pi lu les du dia ble (Les ) (1839) ...............107

Lau zann e , Au gu st e d e (1805 – 1877) Ha rna li ou la co nt raint e pa r C or (1830)

..........................................................................112 Lava te r , J oh ann Kasp ar (1741 – 1801) 211,

313 Laved an , Hen r i (1859 – 1940) ....................142 Le Bru n , Ch ar les (1619 – 1690) ................313 Lea l, J o ão F ran c is co Xavie r d e Eça (1848

– 1914) ..................................................... 149, 155 N áu fr ago (O) ..................................................165 Vu lto q ue ro u ba a s d á lia s (O) ...............165

Lea l, J o s é Au gu s to C o rre ia M or do mo d ’ Har vi lle (O) (1858) ..........102

Lea l, J o s é Maria da S ilva (18 12 – 1883 )

...............................................................................278 D. Joã o I (1841) .............................................72 Dram atu rgo Po rtu gu ez (O) o u co leção

d e d ram as o r igin a is p o r tu gu es es

(1841- 2) ..........................................................71 I nt rigant e d e Ven eza (O) (1842) .............72

Leão , Mat ias C arne iro ........................... 230, 231 Lecou vreu r , Ad r ienn e (1692 – 1730) ......306 Leit ão , Lu ís Jo aqu im .......................................102 Leit e , Lu í s F ilip e (1828 – 189 8) ...............149

N áu fr ago (O) (1897) ...................................165 S eraphin a (1870) ..........................................145

Lei tu ra e r eci ta ção (1885) ...........................321 Leka in , Hen r i Lo u is (Hen r i -Lou is C a ïn ,

1728 – 177 8) .......................................... 306, 334 Lem aît re , F réd ér ic (1800 – 187 6)

Ro bert M acai r e (1834) ........................75, 135 Lem e, Lu í s d a C âm ara (1819 – 1904) .....136 Lem erc ie r , Népomu cèn e -Lou is (1771 –

1840) .......................................................... 332, 334 C ou rs a na lyt iqu e de li t t é ratu re

g én éra le (1817) ........................................212 Du s econd Th éât re Fr a nçai s , o u

I nst ru ct ion r e lat i ve a la d éc la mat ion

d ra mat iqu e (1818) ...................................334 Lemo s , J o ão d e (1819 – 1890) ........... 105, 115

Lua de Lo ndr es ..............................................114 M aria Pai s Ri bei ra (1844) ......................115 S usto f e li z (Um) (1855) .............................115

Leon i, F ran c is co Maria C ardo so (1842 –

1893, a to r ) .......................................................166 Per i ch o le (A) (óp era -b u r les ca ) ................48

Lero y , Nico lau To len t ino ..............................175 Amo r es d o Co ron e l (Os ) ...........................175 Bi bi (O) .............................................................175 Bo cca cio na r ua ............................................175 C ar vã o e bo la s ...............................................175 Viú va a leg r e em Ca s cai s (A) ..................175

Les s in g, Go t tho ld Eph ra im (1729 – 1781)

...........................................................................6, 199 Let rou b lon , Em í lia (18 -- – 189 5, a t r iz ) .121 Lim a, F ran c is co Ran ge l (1839 – 1909)

M est r e Jer ónimo (1866) ............................. 44 Lim a, F ran c is co Ran ge l d e (1839 – 1909)

.............................................. 133, 146, 149, 155, 322 Art es e Let r as (1872 – 1874) ................. 322

Lim a , Iz id o ro Jo s é d a S ilva (cam arote iro )

................................................................................ 97 Lim a, J os é Gu ilh e rm e d os San tos (1828 –

1880) .................................................................. 149 Ro ch edo d e co nstân cia ............................. 102 Zi zania ent r e o t rig o .................................. 102

Livra r ia C h ard ron ............................................ 154 Livra r ia d a Viú va Marqu es & F ilh a ........ 101 Livra r ia d e C am po s jún io r ........................... 129 Livra r ia d o Po vo , d e S i lva & C arn e iro

(1905 – ? ) C o lecção de monó lo go s e can çon etas 166

Livra r ia Eco nó m ica d e Bas to s & irm ão 129, 151

Livra r ia Eco nó m ica d e Do m in go s

Fern and es Th ea t ro d os cu r io so s . C o lecção d e

p eças p a ra s a la e t ea t ro s p a r t icu la res

........................................................................... 44 Lo ba to , Gervás io (1850 – 1895) ...... 153, 155,

165, 169 S o lo d e f la uta (1893) ................................. 166 Zé Pa lo n ço (1891) ....................................... 161

Lo bo , An tón io Maria d e Sou s a (1806 –

1844) Empa r eda do (O) (1839) ............................ 298

Lo bo , D . F ran c is co Alex and re (1763 –

1844) M emória hi stóri ca e cr ít i ca a cer ca de

Lu ís d e Ca mõ es e da s su as o br as

(1820) ........................................................... 273 Lo bo , F ran c is co Vaz

Flo r d e ent r emez es , es co lhido s d os

ma yo r es en genho s d e Po rtuga l e

C ast e lla (1718) .......................................... 56 Lo ckroy , Jos eph -Ph ilip p e -S im on (1803 –

1891) C h eva li er du g u et (Le) (1840) .............. 295

Lo d i, Con s tan ça ................................................ 113 Lo pes , An tón io Jo s é Fernand es (ed ito r ) 83,

84 Lo pes , Fern ão

C ró nica do C ond esta br e .......................... 269 Lo pes , Lu í s F ranc is co

Gr ã -Duqu esa d e Ger o lst ein e o S er en ís simo Bar ba Az u l no meio da

r ua (1870) ................................................... 170 Lo rena , Antón io Maria d a Lu z d e

C arva lh o Daun e (1822 – 1905) ........... 115 Lo u re iro , An tón io Jos é Rod r igu es ........... 136 Lo us ad a , Mar ia Alex and re

Teat ro s pa rt i cu lar es em Li s boa no

in í cio d e Oi tocento s (2009) ................. 27 Lu cca , C és ar Per in i d e (1807 – 1848) ..... 59

As so c iação Gil Vicen te .............................. 72 Cig ano (O) (1842) ......................................... 72 C o mp êndio de Dec la ma çã o (c .1842) .. 307 M ar qu ês de Po mba l (O) o u Vint e e u m

a nos d e ad mini st r a ção (1840) .... 72, 292 Lu iz , Nico lau (1723 – 1787) ........................ 25 Lu lly , J ean -Bap t is t e (1632 – 1687) .......... 21

Page 374: O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

355

Lu so , Vir ia to Ser tó r io ....................................155 Lu zán , Ign ac io d e (1702 – 1754)

Po ét i ca o reg las de la po esia en

g en era l (1737) ............................................... 5

M

M. B. M. D. ............................................................61 Dever d e fi lho e a mant e o u os

C ap ri ch os d e No br ez a (1840) ..............61 S anto António (1840) ...................................61

MacBean , Fo rbes (1725 – 1800) .................... 4 Macedo ( jú n io r) , Hen r iqu e d e

C enas d e mi s éria ..........................................182 Op er aria do (O) ..............................................181 Ro sa d o ad ro (A) ..........................................182

Macedo , Jo sé Agos t inh o d e (1761 – 1831)

................................................................ 60, 234, 239 Pa t ead as do Th eat ro in vest igada s na

s ua o rig em e caus as (1812) ..................63 Macedo , Man u e l de (1839 – 1915) . 322, 323,

324, 325, 327, 337 Art e Dra mát i ca (1885) ..... 321, 323, 325, 327 Art e n o Teat ro (1884) 321, 322, 325, 326, 327

Mach ado , Antón io Ped ro Bapt is t a (1847 –

1901) .................................................... 45, 125, 149 Exp eri ên cia (Uma ) .........................................45

Mach ado , C ecí lia ................................................49 Mach ado , J e ró n im o Alves d e Ave la r (1832

– 1887) ........................................................84, 149 Ho men s do p o vo (1864) .............................149

Mach ado , Jú lio C és ar (1835 – 1890) ..84, 99, 120, 136, 149, 154, 155 Amigo s , a migo s (1863) ................................43 Ap ont a mentos d e u m fo lh et ini sta (1878)

..........................................................................284 Aq ue le t empo (1875) ...................................121 C arta a Fra n ci s co Pa lh a (1854) .............94 C lá udio (1852) ...............................................121 C onto s a vap or (1863) ...............................102 En quanto la dra o To bia s (1872) ...........150 Tr echo s d e fo lh et im (1870) .....................121 Vida em Li s boa (A) (1858, ro m an ce) ....98 Vida em Li s boa (A) (1861, co m éd ia ) ....98

Mad eira , An tón io Peregr ino (1792 – 1858)

...............................................................................243 Mad ières , Pau l

Po èt es par odi st es (Les ) (1912) .............111 Maete r lin ck, Mau r ice (1862 – 194 9) .......184 Maffe i, Sc ip io n e (1675 – 1755) .................199

M ero pe (1713) ...............................................220 Magalh ães , Jo sé Es t êvão d e (1809 – 1862)

.................................................................................45 Magalh ães , Rod r igo d a Fon s eca (1787 –

1858) ...................................................................300 Maia , Man u e l Ro d r igu es (17?? – 1804) .232 Mail lan , J u lien d e (1805 – 1851)

M as sa cre d es i nn o cent s (Le) (1839) ...284 Malh o a , Jos é (1855 - 193 3) ...........................33 Malla rm é , S t éph an e (1842 – 1898) . 143, 163 Malle f i lle , J e an -P ie r re Fé lic ien (1813 –

1868) S ept en fa nt s d e Lar a (Les ) (1836) .......283

Mall ian , J u lien d e (1805 – 1851) ................65

Man iqu e , Dio go In ác io P ina (1733 –

1805) .............................................................. 27, 31 Manu el, J os é C âm ara (1861 – 1945) ....... 170 Mapp a dos Th ea t ros d o R e ino

con s id erado s pú b lico s (1866) ................ 303 March an t (Par is )

M aga zin Th éât r a l (Le) . Choi x d e pi èces n ou ve lles jo u ées s ur t o us le s t h éât res

d e Pa ri s (co leção ) ...................... 67, 73, 120 Mard e l, C ar lo s (1696 – 1763) .........................4 Marecos , Jo s é F red er ico Pere ira (1802 –

1844) .......................................................... 230, 231 Marecos , Jo s é Pere ira (1802 – 184 4) ....... 93 Marivau x , P ie r re d e (1688 – 1763)

Ar leq uin po li pa r l’a mou r (1720) ....... 107 Marq uês d a F ron te ira C on su lt e Barre to , D .

J os é Tras im und o Mas carenh as Barre to

(1803 – 188 1) Marq uês d a F ron te ira (D . J os é

Traz im un do Mas caren has Barre to , 1802

– 1881) M emória s do Ma rqu ês da Fr ont ei ra e

d ’Alo rna .................................................. 12, 29 Marq uês d e Nis a ................................................. 38 Marq uês d e Sá d a Ban d e ira (Bern ard o d e

Sá No gu e ira , 1795 – 1876) ..................... 136 Marq ues , J esu ín a (1850 – ? ) ....................... 131 Marq ues , J o ão Sa lvad o r (1844 – 1907) .. 61,

149, 157 Mart in s , Edu ardo

Ho mem do po vo (Um) .................................. 44 Mart in s , Jo sé Maria Braz (182 3 – 1871)

...................................................................... 110, 114 Bo ns fr utos d e ruin s ár vor es (1858) .. 103 Ga brie l e Lu s be l ou o Ta umaturg o

S anto António (1854) ...................... 83, 284 Ho mem da s bota s (O) (1852) ................. 103 Peca d os d a mo cidad e (Os ) .................. 35, 44

Mart in s , Jo sé To m ás d e Sous a (1843 –

1897) .................................................................. 133 Mart in s , Luí s P into

Joã o , o o perá rio .......................................... 181 Mart in s , P . G . S . ................................................. 63 Mart in s , Tito (1868 – 194 6) ....................... 170 Marx , Kar l (1818 – 1883 ) ............................ 318 Mas caren h as , Jo aqu im Au gus to d e

Olive ira ( 1847 – 191 8) ............................. 175 Agiota (O) ....................................................... 182 Duq u e d e Vi s eu ............................................. 178 Mi gu e l d e Vas con ce los (1881) .............. 178 S ombra s e co lo ridos (1877) ................... 176 Viriato ............................................................... 178

Mas son , Mich e l (1800 – 188 3) M ari e -Ro s e (1853) ...................................... 139

Matabon , Hipp o lyt e (1823 – 1899) Ap r ès la jo urn ée (1874) ........................... 165 Lun et t es d e ma gra nd -mèr e (Les ) (1873)

......................................................................... 165 S ouri s (Un e) (1883) ................................... 165

Matos , F ran c is co Antón io d e (1845 –

1902) .................................................................. 156 Alma na ch do s Th eat ro s (1889) ............. 156

Matos , Jú lio Xavie r d e (1856 – 1922 ) ... 331 McGivern , C ec il (19 07 – 1963)

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356

C enci (Th e) , Newcas t le Peo p le 's

Th ea t re (1935) ...........................................116 Meilh ac , Hen r i (1831 – 18 97)

S onn et t es (Les ) (1872) ...............................142 Méles vi lle , An n e -Hono ré -Jo s eph

Du vey r ie r d it (1878 – 1865) .....................69 Adi eu x a u co mptoi r (Les ) (1824) ............70 Alì -Ba bà (1833) ............................................107 Bo bo do pr ín cip e (O)/ Bou f fon du

Pr i nce (Le) (1831) ....................................69 C â mar a ar d ente (A) / Cha mbr e a rd ent e

(La ) (1833) ....................................................69 C h eva li er d e Saint -Geo rg es (Le) (1840)

..........................................................................113 Desp edidas ao ba lcã o (As ) (1839) .........68 M aiso n d e Rempa rt (La ) ou u n e Jou rn ée

d e la fr ond e (1828) .................................255 M aria g e imp os si ble (Le) (1828) /

Desa fio s (Os ) (1838) ...............................69 Mi gu e l Pér rin / Mich e l Per rin (1834) ...69

Mello , Au gu s to d e (1853 – 1933) ... 321, 329, 336, 337 M anu a l do En saiad or Dra mát i co (1890)

..........................................................................321 Melo , Alf red o Carva lh o e .............................305 Melo , Alf red o d e (1842 – 1875) ................149 Melo , Au gus to Ernes to d e Cas t ilh o e

(1827 – 187 7) ........................................ 140, 142 Amo r es d e Pa ri s (Os ) (1871) ..................139 Bib l io th eca Th ea t ra l (1874 – 1875,

co l. ) ................................................................139 C ond e Ja cq u es (O) (1869) .......................139 Dois su rdo s (Os ) (1870) ...........................139 Histó ria ant iga (1873) ...............................139 Joã o , o bri tado r (1874) .............................144 Jú lia (1873) .....................................................139 M enino s gr and es (1873) ...........................139 Th ea t ro co ntem po ran eo (1869 – 1873)

..........................................................................135 Melo , Au gus to Xavie r d e (1853 – 1933,

a to r ) ........................................................... 161, 164 Melo , C arva lh o e .................................................63 Melo , Lavín ia d e C ast ilh o e

Dois p erdig uei ros nu m r asto (1869) ...139 Em ca sa da a vó (1873) ..............................139

Mend es Lea l Jún io r , Jo s é d a S ilva (1818 –

1886) .................... 63, 78, 79, 80, 84, 119, 122, 217 Afi lh ada do Ba rão (A) (1850) ................293 Dois r en ega dos (Os ) (1839) ...78, 79, 80, 81,

260 Epi tap hio e Epi tha la mio ...........................118 Hera n ça do Ch an c e ler (A) (1856) ..........83 Ho men s d e már mo r e (Os ) ...........................86 Ped r o (1857) ...................................................286 Po br ez a en verg onh ada (A) (1857) .......123 Qu em po r fia mata ca ça (1848) ................43 Recei ta par a cur ar sau dad es (1857) 115,

118 Temp lo d e Sa lo mão (O) (1849) ..............120 Ti o And r é qu e veio do Bra si l (O) (1857)

..........................................................................103 Mend es Lea l, An tó n io (1831 – 1871) .....279 Mend es , And ré Lud gero ...................................45 Mend es , J o ão .........................................................50

Mend on ça , An tón io Ped ro Lop es d e (1826

– 1865) .................................................. 41, 42, 120 Eco d os Op erá rios (O) (1850) ................ 88 Po r ta d eve esta r a berta ou f echad a

(Uma ) (1860) ............................................. 102 Mend on ça , Hen r iqu e Lo pes d e (1856 –

1931) Zé Pa lo n ço (1891) ....................................... 161

Mend on ça , Manu e l Mat ias Vie ira F ia lh o

d e (1779 – 1813) Atr eo e Thi est es (1803, t rad . ) ................. 54

Mend on ça . Hen r iqu e d e ................................... 45 Men eses , F ran c is co Xavie r d e (1673 –

1743) .......................................................................5 Men eses , J ú lio d e (1853 – 1921) .............. 156

C on fer ên cia (Uma ) (1909) ...................... 166 Men ezes , An tó n io d e , a liá s Argu s

(c ro n is ta ) ........................................................... 48 Merc ie r , Lo u is -Séb ast ien (1740 – 1814) 76 Mes qu it a , Au gus to C és ar Ferre ira d e

(1841 – 191 2) ........................................ 149, 170 Amo r es d e leoa (1872) .............................. 150 Lu ís XI e o po eta (1874) .......................... 143

Mes qu it a , Marce lin o An tón io d a S ilva

(1856 – 191 9) .......................................... 52, 169 Leono r Te les (1889) ................................... 178

Metas t as io , P ie t ro (1698 – 1782) ......... 20, 25 Mey erb eer , Giacomo (1791 – 1864)

Ro bert - le -dia ble (1831) ............................. 58 Mich e l, Marc -An to ine (1812 – 1868)

Deu x n ez su r un e pi st e (1861) .............. 139 Mich e le t , J u les (1798 – 1874) ........... 142, 318 Mid o s i j ún io r , Pau lo (1821 – 1888)

Ent re a bigo rna e o mart e lo (1857) ... 106 Mi sant ropo (O) (1853) ........................ 97, 103 S en hor Jos é d o Ca pot e as si st i ndo à

r epr esenta ção d o Tor rado r (1857) 106, 126

Mid o s i, Lu ís F ran c is co (1796 – 1877) .. 231, 239

Mid o s i, Lu is a C ând id a (1807 – ? ) .. 228, 248, 250, 283

Mid o s i, Pau lo (1790 – 1858) ...................... 222 As so c iação Gil Vicen te .............................. 72 C or cu nda por Amo r (O) (1821) ............ 232 Log ro s nu ma h os pedaria (Os ) (1842) . 72,

73 M anu el d e S ou sa C out inho (1842) ...... 273 N oivado em Fri e la s (Um) (1841) ... 72, 288

Mid o s i, Pau lo ( jún io r) (1821 – 1888) .... 231 Milto n , J ohn (1608 – 1674)

S amson ago ni st es (1671) ......................... 116 Miran d a , Alf redo (1860 - ? ) ....................... 164 Miran d a , F ran c is co Sá d e (1481 – 1558) 24 Mm e d e S taë l (An n e -Lou is e Germ ain e d e

S taë l-Ho ls t e in , 1766 – 1817) ................. 211 Mó , Alex and re ................................................... 131 Mo in eau x , Ju les (1815 – 1895)

Deu x s our ds (Les ) (1866) ........................ 139 Mo liè re (J ean -Bap t is te Po qu e lin )

I mp ro mptu d e Versai lle s (1663) ........... 241 Mo liè re (p s eud . ) . C on su lt e Poq ue lin , J ean -

Bap t is t e (Mo liè re ) (1622 – 167 3) Mo lin a , J u an d e ................................................. 121

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357

Mo n iz , Jo ão d e No ronh a C amõ es d e

Alb uq u erqu e Sou s a (1788 – 1827) .........29 Mo n iz , Jos é An tó n io (1849 – 1917)

Art e d e di z er . Estudo s d e di cção

r eunido s e or d enad os (1902, 190 3) 336 Art e d e Repr es entar . Car act eres (1909)

..........................................................................336 Art e d e Repr es entar . S ent imentos ,

exp ress õ es , i d ent i fi ca çã o (1912) .....336 Mo nta lvão , Ju st in o d e (1872 – 1949) .....184 Mo nte iro , An tó n io Maria do C ou to ´(1821

– 1896) C a bu lo gia (A) ou a M ora l em a cção

cá bu la -can çã o ...........................................113 Mo nte iro , Jo aq u im Jo s é Antun es d a S ilva

...............................................................................102 Mo nte iro , Jo sé d e Sous a

Pa to bra vo (O) (1900) ...............................183 Mo nte iro , Ofé lia Pa iva

Fo r ma ção d e Gar r et t (A) (1971) ..........250 Mo nte iro , Rod r igo

Li ção d e f e li cidad e (Uma ) (1862) ........144 Po r cau sa d e uma carta (1863) .............144

Mo ntép in , Xavie r (1823 – 19 02) ...............155 Mo ntesqu ieu (Ch ar les -Lo u is d e Second a t ,

1689 – 175 5) .......................................... 211, 214 Mo ra to , F ran c is co Manu e l Tr igo s o d e

Aragão (1777 – 1838) M emória so br e o th eat r o po rtugu ez

(1818) ..............................................................67 Mo re , Han nah (1745 – 1833) .......................116

S ea r ch a ft er Ha ppin es s (Th e) (1773) .116 Mo re to y C ab añ a , Agus t ín (1618 – 1669)

.................................................................................18 C o media fa mos a El va li ent e just i ci ero y

ri co ho mbre d e Alca la (1751) .............61 Mo yn et , J ean -P ie r re (1819 – 1876) ..........323

L’en ver s du th éât r e . Ma chines et

d éco rat ion s (1873) ..................................323 Mu ss e t , A lf red d e (1810 – 1857) ..............119

C ap rice (Un ) (1847) ...................................117 C ap rices d e M arian ne (Les ) (1833) ....117 C oup e et le s lèvr es (La ) (1833) ............117 I l faut qu 'un e p ort e soi t ou vert e ou

f er mée (1845) ............................................102 Le chan de li er (1848) ..................................195 Lor enza ccio (1834) ......................................117 N ui t véni t i enn e (La ) ou les No ces d e

Lau r et t e (1830) .........................................117 On n e badin e p as a vec l’a mo ur (1834)

..........................................................................117 Th éât r e dan s un faut eui ll (Un ) (1833)

..........................................................................118

N

N a ção (A) (p e r iód ico ) .....................................141 Nan jac , Ém ile d e (1828 – 1889)

Histoi r e a n cien n e (1868) ..........................139 Nara ld o (p s eud . ) ............... C on su lt e Bo rd a lo ,

Arn a ldo Armando (18?? – 1921, ed ito r -

li vre i ro ) Nas c im en to , F ran c is co Manu e l do (1734 –

1819) ....................................................................... 4

M art yr es (Os ) ou o Triumpho d a

r e ligião Ch ri stã (1816) ........................ 191 Nazaré , Jo s é d a S ilva ( im p ress o r) ................5 Nazare th , Jo s é Maria dos San to s .............. 155 Neto , R ica rdo Jo s é So us a (1822 – 1870) 99

À p orta d a r ua (1854) ................................. 97 Peq u enas mi s érias (As ) (1854) ............... 97

Neves , Emí lia d as (1820 – 1883) ............. 136 Nin gu ém , Zé (p s eu d . )

Ra pazia das Teat rai s . Res u mido t rata do

d a art e d e r epr es entar (1930) .......... 336 Nod ie r , C h ar les (1780 – 1844) .............. 58, 59 No rm and , J acq u es C la ry J ean 1848 –

1931) Écr evi s s es (Les ) (1879) ............................ 164

No ro nh a , Ed uardo (1859 – 1948) C ond e d e Fa r ro bo e a s ua épo ca (O)

(19-- ) ............................................................... 38 S oci ed ad e do Delí rio (A) (1921) ........... 38

No vaes , Is ab e l C ad ete Pr i mei ro s a rr ou bo s d e exa lta ção

p at riót i ca e li ber a l do a ca d émi co

Ga rr et t (Os ) (2006) ............................... 202 No velli, Erm ete (1851 – 1919) .................. 183 No verre , J ean -Geo rges (1727 – 1810) ..... 21

Let t r es s ur la dan se et sur le s ba lle t s

(1760) ............................................................. 21 Nun es , C láud io Jo s é ....................................... 149 Nu s , Eu gèn e (1816 – 1894)

Jean la post e (1866) .................................. 121 Pa u vr es d e Pari s (Les ) (1856) .............. 124

O

O Amad or Dr a mát i co (p e r iód ico ) .............. 50 O Lei ri ens e (p e r ió d ico ) ................................. 302 O Pa n or ama ..................... C on su lt e So c ied ad e

P rop agado ra d e Conh ec im en to s Úte is O’ Su llivan d , C ar lo s (1842 – ? , a to r ) ...... 121 Oeiren s e , F ran c is co An tó n io S ilva (c .1 797

– 1868) .............................................................. 207 Offenb ach , J acqu es (1819 – 1880) .......... 142

Orph ée au x en fe rs (1854) ........................ 284 Pér i ch o le (La ) (1868/1874) ...................... 48

Ohn et , Geo rges (1848 – 1918) ..................... 48 Olive ira j ú n io r , Hen r iqu e d e ...................... 134 Olive ira , An tó n io C ând id o d e .................... 175

Fi lh o d a Repú bli ca (O) ............................. 176 Olive ira , F ran c is co Xavie r d e (1702 –

1783) .......................................................................3 Amu s ement périodiqu e (1751) ....................3

Olive ira , J o aqu im Au gus to d e (1827 –

1901) .................................... 99, 110, 149, 155, 175 Alb um Th ea t ra l. C o llecção d e com ed ias

acom od ad as ao t ea t ro p o rtu gu ez

(1857, co l. ) .................................................. 98 Amo r es d o Dia bo (1865) .......................... 121 C or oa d e lou ro (A) (1858) ...................... 107 I zidor o o vaq u ei ro (1857) ......................... 98 Lot eria d o dia bo (1858) ........................... 106 M u lh er no s egur o (Uma ) .......................... 174 Rev i sta d e 1 858 (1858) ............................. 107 Últ i mo ído lo (O) .......................................... 183 Út i l e ag ra dá ve l (1857) .............................. 98

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358

On ib as (ps eud . ) Fi a sco (1908) .................................................164

Óp era d o Te jo (Lis bo a) ....................................27 Ort igão , J os é Du ar t e R am alho (1836 –

1915) .......................................... 137, 149, 318, 320 Os Th eat ros (p e r iód ico ) .................................330

P

Pail le ro n , Edou ard (1834 – 1899) .............155 Palh a , F ran c is co ............... C on su lt e Lacerd a ,

F ran c is co Pa lh a d e Far ia e (1827 - 1890)

Palh a , F ran c is co (1827 – 1890) .... C on su lt e

Lacerd a , F ran c is co Pa lh a d e Far ia e Palh a is , A . R eb e lo ................................... 135, 136 Pallu cc i, En r ico (cen ó gra fo ) .......................262 Palm eir im , Lu í s Au gu s to (1825 – 1893)

.............................................................. 149, 150, 304 Amigo s ínt imo s (Os ) (1863) ....................144 Ant es qu e ca ses .............................................149 S apat ei ro d e es cada (O) (1856) ..............83

Pa n or ama (O) (p e r iód ico ) ........................83, 99 Pap an ça , An tón io d e Maced o (1852 -

1913) S ever o Tor e lli (1887, d ram a) .................165

Pas sos Manu e lC on su lt e Pas sos , Manu e l d a

S ilva ( 1801 – 1862) Pas sos , Manu e l d a S ilva (1 801 – 186 2) 199,

256, 300, 301 Pat in , Hen r i (1793 – 18 76)

Ra ppo rt su r le s con co ur s d e l’an née

1 875 ................................................................165 Pato , R a imun do Bu lh ão (1829 – 1912) ...84,

133 Pa t riota (O) (p e r iód ico ) ................................225 Pau lin o , Higin o Au gus to d a Co st a ...........149 Pau ly an th e (p s eud . ) . C on su lt e Ch apo nn ie r ,

A lex and re (1793 – 1852) Ped egach e , Manu e l Tib ér io (1730? –

1794) M éga ra (1767) ...............................................198

Ped ro (de So us a) , An tó n io (1836 – 1889,

a to r ) ........................................................... 121, 166 Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,

1855) ................................................................42 Ped ro , An tó n io (1909 – 1966)

Peq u eno Trata do d e En cen a ção (1962)

..........................................................................336 Peix o to , Hen r iqu e (1858 – 1925) ..... 153, 175

C enas do mun do ............................................176 Lad rõ es d e Honr a (1883) .........................176 Ver dad es a ma rga s (1890) ........................153 Vo z do Po vo (A) ............................................179

Pere ira , An a Elis a (a t r iz , 184 5 – 1921) .166 Pere ira , An tó n io Maria (1824 – 1880,

li vre i ro -ed ito r ) ........................................98, 154 Th ea t ro p a ra r ir (1857 – 1867, co l. ) .....98

Pere ira , An tó n io Maria ( f ilh o ) (1856 –

1898, l ivre iro -ed ito r ) ...................................98 Pere ira , Araú jo (1872 – 1936) ......................49 Pere ira , F ran c is co Te ix e ira d a S ilva (183 9

– ? , a to r ) .................................................. 161, 166 Pere ira , Lu í s d a C os t a (1819 – 1893) ... 104,

331, 332, 333, 334, 335

Ru dimento s da Art e Dra mát i ca (1890)

......................................................... 307, 331, 335 Per i ch o le (A) (op ere t a ) ................................... 48 Perrau lt , Ch ar les (1628 – 1703)

La be lle a u boi s do r mant (1799) ......... 107 Pes so a , C ar lo s Au gu s to d a S ilva .............. 129

Lei lã o do dia bo (O) (1863) .................... 108 S et e cast e lo s do dia bo (Os ) .................... 108

Pezzan a , Giac in t a (1841 – 1919) .............. 121 Pim ente l, Em í lia Ad e la id e (1836 – 190 5)

.............................................................................. 137 Pim ente l, J os é F re ire d e Serp a (1814 –

1870) Rev i sta Aca démi ca ........................................ 67

Pin h e iro , An tón io Jo s é (1867 – 1943,

a to r )...................................................................... 10 Pin h e iro , Manu e l Gu stavo Bo rd a lo (1867

– 1920) ................................................................ 47 Pin h e iro , R afae l Bo rd a lo (1846 – 1905) 47,

126 Antó nio Ma ria (1879 – 1898) ................ 180 Pa r ódia (A) (1900 - 1 907) ...................... 180

Pin to , Dio go An tó n io Co rre ia d e Sequ in s ,

J u iz do C r im e .................................................. 34 Pin to , F ran c is co

Alma na ch do s Pa lcos e das Sa las

(1888) ........................................................... 156 Pin to , J ú lio Lou ren ço (1842 – 1907) ..... 328,

329, 330 A Est ét i ca N atura li sta (1884)

Natu ra lis mo n o Tea t ro .......................... 329 Est ét i ca Natu ra li sta (A) (1884) ........... 327

Pit a , J o aqu im Afo nso Ro d r igu es ................ 33 Pix érécou r t , R en é -Ch ar les Gu ilb e r t d e

(1773 – 184 4) ........................ 28, 35, 64, 76, 195 Derni ères r é f lexi ons de l’a uteur su r le

melo dr a me (1843) ..................................... 76 Jés ui t e (Le) (1830) ....................................... 77 Les Natch ez o u La t ri bu d u s erp ent

(1827) ........................................................... 195 Mi nes d e Po lo gn e (Les ) (1803) .............. 60 M ona st èr e a band onn é (Le) ou la

ma lédi ct ion pat er ne lle (18 15) ............ 64 M ost ei ro a ba ndon ado (O) ou a

ma ldi ção paterna (1844) ....................... 64 Pè ler in bla nc (Le) ou les en fant s du

h ameau (1801) ............................................ 64 Per eg rino bra n co (O) ou os menin os d a

a ld eia (1840) ............................................... 64 Th éât r e ch oi si (1841) .................................. 59

Plan qu e tt e , Rob er t (1848 – 1903) C lo ches d e Cor n evi lle (Les ) (1877) ..... 48

Pla t ão Féd o n ................................................................. 229

Poq ue lin , J ean -Bap t is t e (Mo liè re ) (16 22 –

1673) ............................................ 5, 12, 21, 25, 162 Ava r e (L ’) (1668) / Ava r ento (O) (1787,

t rad . ) ............................................................... 54 Bo urg eoi s g ent i lho mme (Le) (1670) ........5 Fâ ch eux (Les ) (1661) .................................. 21 Geor g e Dandin (1668) ............................ 5, 21 Le bou rg eoi s g ent i lh o mme (1670) ......... 21 M a lad e i maginai r e (Le) (1673) .............. 21

Po rto -Alegre , Manu e l J os é d e Araú jo

(1806 – 187 9) ........................................ 149, 255

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359

Po rtu ga l, Marco s Antón io d a Fon s eca

(1762 – 183 0) .................................................237 Po r tugu ez C onst i t u ciona l Reg en erado

(p e r ió d ico ) ...................................... 226, 227, 239 Pos s er , C ar lo s (1850 – 1949, a to r ) ............48 Préve l, J u les (1835 – 1889)

M ou squ etai r es au co u vent (Les ) (1881)

..........................................................................113 Prou dhon , P ie r re -J os ep h (1809 – 1865)309,

310 Py a t , Fé lix (1810 – 188 9) ...............................78

C hi f foni er d e Pa ri s (Le) (1847) /

Tra p ei ro d e Pa ri s (O)..............................78

Q

Qu ares m a, D . Jo s é Lob o d a S ilve ira

Qu ares m a, 4º m arqu ês d e Alvito (1823

– 1917) ................................................................44 Qu eiro ga , Jo ão Alex and r in o d e Sou s a

(1787 – 186 3) M erin va l ( t rad . ).............................................198

Qu eiró s , Eus éb io (1870 – 1943) Li vro d o ens aiado r (O) (1915) ..............336

Qu eiró s , Fe rnando Jo sé d e (17. . – 1826)63, 227

Qu eiró s , Jo s é Maria d e Eça d e (1845 –

1900) ........................................ 38, 45, 52, 113, 165 Li t er atur a No va (A) . O Rea l co mo no va

exp li cação d a art e (1871) ...................335 Qu in te la , Jo aq u im Ped ro 1º b a rão d e

Qu in te la (1748 – 1817) ...............................27 Qu in te la , Jo aq u im Ped ro 2º b a rão d e

Qu in te la , 1º co nd e d e Farrob o (1801 –

1869) . 7, 27, 28, 33, 43, 48, 63, 113, 244, 270, 286, 304

R

R ach e l (Él is ab e th R ach e l Fé lix , 1821 –

1858) ...................................................................324 R acin e , Jean Bap t is t e (1639 – 1699) 25, 189,

201 I phig énie en Au li d e (1674) ......................190

R ambo is , Ach il le (181 0 – 1882) ..........40, 114 R ameau , J ean -Ph ilip p e (1683 – 1764 )

Pr i ncess e d e Na va rr e (La ) (1745) .........21 R amos , An tó n io .................................................164 R ebe llo , Lu iz F ran c is co (1924 – 2011) ....60 R ebe lo d a S ilva , Lu í s Au gu sto (1822 –

1871) .......................................................... 295, 297 Ép oca (A) (1848)

A Es cho la Mod ern a Lit t e ra r ia . O S r .

Garre t t ......................................................295 R ecre io Tea t ra l (183 9, co l. ) ..........................68 R ecre io Th ea t ra l d ed icado ao be lo s exo

(1839, co l. ) ........................................................57 R egn ard , J ean -F ran ço is (1655 – 1709)

Jou eur (Le) (1696) / Jog ado r (O) (1787,

t rad . ) ................................................................54 R égn ie r .....................................................................39 R egu lam en to e m ais legis lação s ob re a

adm in is t ração dos Th ea t ros (1860) .....303 R eich en berg, Su zann e (1853 – 1924) ......165

R eis Qu it a , Dom in gos (1728 – 1770) ..........4 R eis Qu it a , Dom in gos (1728 – 1789)

M éga ra (1767) .............................................. 198 R eis , Antón io Ba ta lh a (1838 – 1917) ..... 165 R eis , Antón io Pere ira dos ............................ 304 R eis , J a im e Ba ta lh a (1847 – 1935) .......... 155 Rép ertoi r e du Th éât re f ran çai s à Ber lin

(co leção ) ............................................................ 67 Rep ertório Dr a mát i co Po rtu gu ez ............... 59 Rev i sta cont empo ran ea d e Po rtuga l e

Br azi l (1859 – 1865, p e r ió d ico ) ............. 84 Rev i sta Li t erária (p e r iód ico ) ..................... 273 Rev i sta Th eat r a l (p e r iód ico ) ...................... 260 Revu e d es Deux Mo nd es ........................ 117, 119 R ib e iro San ch es , An tón io Nu nes (1699 –

1783) .......................................................................3 R ib e iro , Bern ard im (c .1480 – c .1545)

M enina e Mo ça (S auda d e , 1554) .......... 264 R ib e iro , Jo s é S ilves t re

Pr i mei ro s t r aços d ’u ma r es enh a da

Li t t eratu ra Po rtug u eza (1853) ........... 67 R ib e iro , To m ás (1831 – 1901)

N o vas conqui stas (As ) (1864) ................. 91 R ib e iro , To m ás (To m ás Antón io R ib e iro

Ferre ira , 1831 – 1901) M ã e do en kei tad o (A) (1864) ................. 183

R icard o , Antón io Pa r ri c ídio fru st ra do (O) ............................ 30

R iccob on i, F ran ço is (1707 – 1772) L’Art d u Théât r e (1750) ........................... 304

R im b aud , J ean -Nich o las -Arthu r (1854 –

1891) .................................................................. 163 R ob er to .................................................................... 63 R o ch a , A . ............................................................. 149 R o ch a , An tón io Jos é (p into r cen ar is t a ) . 279 R o ch a , Eu gén io ................................................. 136 R o ch a , F ran c is co ................................................ 46 R o ch a , J ú lio (1855 – 1920) ........... 47, 136, 155 R ojas , Fern and o d e (1470 – 1541)

C o media d e C a li xto e M eli bea (1499)

......................................................................... 116 R o lão , J . A . Rod r igu es

Asi la do (O) ..................................................... 129 R o llan d , F ranc is co ....................................... 54, 92

Th eat r o est r ang ei ro (1787 – 1788, co l. )

........................................................................... 54 R om a, C ar lo s Mo ra to (1797 – 1862) ..... 230,

231 Ro ma n ci sta (O) . Jo rna l d e recr eio .

Dedi cado em esp ecia l ao be lo sexo

(1839, p e r ió d ico ) ........................................... 68 R om ano , Jo s é F ilip e Ovíd io (1825 – 1887)

.............................................................. 129, 136, 155 M ano el d ’Aba lad a (1855) ........................ 127 M árt i r es da Germânia (1859) ................. 83

R o ret , N ico las (1797 – 1860) En cyc lop édi e (1822) .................................. 320

R os a , Au gus to (1852 – 1918, a to r ) . 161, 308 Reco rda çõ es da cen a (1915) .................. 308 Reco rda çõ es d e s cen a e d e for a d e

s cena (1915) .............................................. 137 R os a , Jo ão An ast ác io (1812 – 1884, a to r )

.............................................................................. 308 R os a , Jo ão An ast ác io (p a i) (1812 – 18 84,

a to r ).................................................................... 136

Page 379: O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

360

R os ie r , J os ep h -Bern ard (1804 – 1880) C h eva li er du g u et (Le) (1840) ...............295

R os s i, Ern es to (1821 – 1896) ......................121 R os s in i, G io ach in o (1792 – 1869)

Gui lla u me Te ll (182 9) ..................................58 R ou ss ado , F ran c is co Lou renço (c .1770 –

182-) Dis serta ção hi stóri ca e crít i ca s o br e as

r epr esenta çõ es t eat r aes (1799) ........306 R ou ss ado , Manu e l (1833 – 1909) ..... 149, 155

Di toso fa do (O) (1872) ..................... 149, 150 Fo s si li s mo e p rog r es so (1865) ..............136

R ou ss eau , Jam es (1747 – 1849) Phy s io lo gie du Rob er t Maca ire (1842) 76

R ou ss eau , Jean -Bap t is t e (1671 – 1741) C eintu r e magiqu e (La ) (1701) .................61

R ou ss eau , Jean -J acq ues (1712 – 1778) .....3, 193, 229 Ju li e , ou la Nou ve lle He lo ï s e (1761) ..192

R ou ss eau , Th éodo re (1812 – 1867) ..........263 R u as , Lu í s (emp res á r io ) ..................................49 R ud ers , C ar l I s rae l (1761 – 183 7) ............306

Viag em em Po rtuga l (1 798 – 180 2 ).......34 R u iz , Pep a (1860 – 1923, a t r iz ) .................161

S

Sá , Du art e de (1823 – 1876) .... 39, 40, 43, 130, 135, 137, 149, 155, 304, 305 Ap onta mentos so br e d ec la ma ção

(c .1870) ............................................... 305, 307 Dua s li ções nu ma só (1872) ....................150 Tra ba lho s em vão (Os ) (1857) ...............106

Sá , Mar ia d a Con ce ição e ...............................40 Sain t -Am and (p s eud . ) ..... C on su lt e Laco st e ,

J ean -Arm and (1797 - 188 5) Salão d as Tr in as (1919 -1 940, L is b o a ........49 Salão d as Tr in as (1919 -1 940, L is b o a) ......49 Salazar y To rres , Agus t ín d e (1642 –

1675) .....................................................................18 Salgad o , He lio do ro (1861 - 19 06) ............177 Salgad o , Jo ão

Histó ria do Teat ro em Po rtug a l (1885)

..........................................................................321 Salgu e iro , J o rge .................................................136 Salie r i, An ton io (1750 – 1825) ..................107 Salvad o r , Lu í s (cenó gra fo ) ..........................168 Samp aio Bruno (ps eu d . ) , J os é Pere ira de

Samp aio (1857 – 1915) Gera ção no va (A) (1886) ..........................141

Sams on , J os ep h Is ido re (1793 – 1871) ...324 L’Art Th éât r a l (1863 – 1865) 304, 308, 324

Sans on , A . J . .......................................................195 Ata la (1828) ....................................................195

San tos & C ª (emp res a t ea t ra l) ....................141 San tos , An a C la ra ...............................................63 San tos , An tó n io Mart in s d os .........................49

C as a d e Ba be l (A) (1883 ) .........................153 San tos , C ar los (1872 – 1949, a to r ) ..........131 San tos , Du ar t e Jo aqu im

M os ca br an ca (A) .........................................144 San tos , Jo s é C ar los do s (1833 – 1886,

a to r , emp res á r io , au to r ) .... 99, 121, 130, 131, 136, 139

An jo da pa z (O) (1857) ............................. 105 Joa qui m, o Terr a No va (1864) ................ 44

San tos , Mar ia J os é d os (a t r iz ) ................... 279 Sardou , Vic to r ien (1831 – 1908) .............. 144

Belle ma ma n (1889) ................................... 145 Divor ço ns (1880) ......................................... 145 Fa mi lle Ben oi ton (La ) (1865) ............... 144 Féd o ra (1883) ............................................... 145 Fer n an de (1870) .......................................... 145 Gan a ch es (Les ) (1862) .............................. 144 M ada me S ans -Gêne (1893) ..................... 145 M ar ce lle (189 7) ............................................ 145 M on sieur Ga rat (1860) ............................. 144 N os bon s vi lla g eoi s (1866) ..................... 144 N os int i mes (1861) ...................................... 144 Od et t e (1881) ................................................ 145 On cle Sa m (L ’) (1873) .............................. 145 Pa pi llo n ne (La ) (1862) ............................. 144 Pa t ri e (1869) ................................................. 145 Pa t t es d e mo u ch e (Les ) (1860) ............. 144 Pi st e (La ) (1906) ......................................... 145 S éraphin e (1868) ......................................... 145 Tos ca (La ) (1887) ........................................ 145 Vi eu x ga r çon s (Les ) (1863) .................... 144

Sarged as , Manu e l Antón io ........................... 288 Sarm en to , Alf redo de ..................................... 136 Sarm en to , In ác io P iza rro d e Mo ra is (1807

– 1870) ................................................................ 63 Fr e i Lui z d e Sou sa (1840) ....................... 273

Sarm en to , Ra im undo d e Qu e irós (1832 –

19. . . ) .......................................................... 129, 130 C art ei ra perd id a (A) .................................... 44

Saun iè re , Pau l (1827 – 1894) ..................... 128 S cen a (A) (p e r iód ico ) ....................................... 50 Sch ille r , J o h ann F r ied r ich von (1759 –

1805) .......................................... 247, 248, 254, 255 Die Räu ber (1781) ........................ 60, 247, 248

Sch iop e tt a , Do m in go s An tón io (c .1788 –

1837?) ............................................................... 243 Sch lege l, Au gu st W ilh em von (1767 –

1845) .................................................. 142, 211, 255 C ou rs d e Li t t ér atur e Dr a mat iqu e ( t rad .

F r . 1814) ..................................................... 250 Sch wallb ach Lucc i, Ed u ardo (1860 –

1946) .................................................. 165, 169, 304 Sco tt , S ir W alt e r (1771 – 1832) .................. 66 Sco tt , W alt e r (1771 – 1832) ....................... 255

Es sa y on th e Dra ma (An ) (1819) ......... 270 Sco tt , W alt e r (1771 – 1832)

Es sa y on th e dr a ma (An ) (1819) ............ 66 Scr ib e , Eu gèn e (1791 – 1861) ........ 68, 69, 144

Adi eu x a u co mptoi r (Les ) (1824) ........... 70 Alì -Ba bà (1833) ............................................ 107 Ambi cios o (O)/ Ambi t i eu x (L ’) (1834) 69 Art i st e (L ’) (1821) ...................................... 135 Bert rand e Raton o u A art e d e

con spi r ar / Bert rand et Rato n , ou

l’Ar t d e co nspi r er (1833) ...................... 69 C a mar ad eri e (La ) o u la Co urt e éch e lle

(1834) ........................................................... 125 C ap rich o d e hu ma mu lh er (O) (1839) . 68 C opo de águ a (O) , ou Os e f ei t os e as

cau sa s/ Verr e d ’eau (Le) , ou les

Ef f et s et le s caus es (1840) ................... 69

Page 380: O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

361

Desp edidas ao ba lcã o (As ) (1839) .........68 Don S éba st i en Roi de Po rtu ga l (1843))

..........................................................................272 Er ro (Um ) / Fa ute (Un e) (1830) ...............69 Est e la / C heva l d e nr onz e (Le) (1835) ..69 Fi ls d e Cro mwell (Le) o u un e

Resta urat ion (1842) .................................76 Hain e d ’un e femme (La ) o u le j eu ne

h omme a mari er (1824) ...........................70 M enteur véridiq u e (Le) (1830) ..............290 Pr emi èr es a mou rs (Les ) ou les

s ou veni r s d ’en fa n ce (1825) ..........70, 125 Pr i mei ro s a mo r es ou Lembra nças da

mo cida de (1839) .........................................68 Ro bert - le -dia ble (1831) ..............................58 Ur so e o Pa chá (O)/ Our s et le Pa cha

(L ’) (1820) ....................................................69 Seab ra , Manu e l Ferre ira d e (1786 – 1872)

Zai ra (1815, t rad . ) .......................................198 Sed a in e , Mich e l-J ean (1719 – 1797) .........76 Seix as , J o ão Nepom u ceno d e (1806 –

1873) .......................................................... 305, 307 C o mp êndio de Rudi mentos Hi stó ri cos307

Séjou r , Vic to r (1817 – 1874) An dr é Géra rd (1857) ..................................135 Ti r eu se d e cart es (La ) (1860) ..................83

Sepú lved a , Bern ardo Co rre ia d e C as t ro e

(1791 – 183 3) ........................................ 206, 207 Sequ e ira , Gus t avo Mato s (1880 – 1962) .10 Sequ e ira , Margar id a

Pa t er (O) (d ram a) ........................................165 Serom en ho , Dio go Jo sé ......... 135, 136, 170, 175

C as ado e s o lt ei r o .........................................145 Doido s … po lí t i co s ........................................146 Es cra vo (O) (1891) ..................... 114, 174, 176 N oi t e d os n oivado s (A) ..............................145 O qu e fa z medo ..............................................145 Po r cau sa d e um r et rato ...........................145 S cen as d o Br azi l ou o s Es cra vo s e

s enho r es (1873) ............................... 114, 176 Serom en ho , Lu ís Ferre ira d e C as t ro ........175

N o breza d e art i sta .......................................181 Po r tuga l Rest aur ado . 1 640 ......................176

Serra , F ranc is co Ferre ira (1837 – 19 22)

...................................................................... 129, 149 Bo ceta d e Pa ndo ra (A) (1872) ...............150

Serra , Jo ão Du art e Lis bo a (1818 – 1855)

.................................................................................63 Ses t e lo , R ica rdo

Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,

1855) ................................................................42 Sh akes p eare , W ill iam (1564 – 161 6) .... 330,

340 Oth e lo (1604) ...................................................72 Ta ming o f t h e S hr ew (Th e) (1593) .......241

Sh e lley , Percy By ssh e (1792 – 1822) C enci (Th e) (1819) ......................................116

Silva , A lf red o .......................................................49 Silva , A lf red o Ferre ira d a (1859 – 1923,

a to r ) ....................................................................161 Silva , An tó n io J os é d a (Jud eu ) (1705 –

1739) .....................................................................25 En ca ntos de M ed eia (1735) .......................22

Gu er ra s d e Alecri m e Ma njeron a (1737)

........................................................................... 22 Pr ec ip í cio d e Fa eto nte (1738) ................ 22 Th eat r o Co mi co Po rtugu ez ou

C o llecçaõ das Opera s Po rtugu es as ,

q ue s e r epr es entara õ na Cas a do

Th eat r o pu bli co d o Bai r ro Alt o (1759

– 1765) ........................................................... 22 Silva , Ar tu r d a

D’Árta gna n (1892) ...................................... 166 Silva , Ar tu r Mar in h o d a

Lan ch a fa vori ta (A) 1896) ........................ 50 Silva , C e les t in o d a .......................................... 164 Silva , Do m in go s Parente d a (1836 – 1901)

................................................................................ 47 Silva , F ran c is co Au gu sto No gu e ira d a

(1830 - 1868 ) Alma na k art íst i co pa ra 1 858 (1857,

p e r ió d ico ) ..................................................... 92 Silva , F ran c is co Xavie r Pere ira d a .......... 125 Silva , In o cên c io F ran c is co d a (1810 –

1876) ........................................................ 54, 60, 98 Silva , J ac in to Antón io P into d a ................ 102 Silva , J o ão Au gus to Vie ira d a ..................... 47 Silva , J o ão Marqu es d a

Bib l io th eca th eat ra l. C o llecção d e p eças j o co s as rep res en tad as co m app laus o

n os th ea t ros pub lico s (1861 - 18 82)

......................................................................... 125 Silva , J o s é d a ..................................................... 243 Silva , J o s é Maria d a Co st a e (1788 –

1854) .................................................................... 63 Elys a e Lu so , o u o Temp lo d e Vénu s .

Elo gio dra mát i co repr es entado no

t eat ro da r ua d os Cond es pa ra

ce lebr a r o fau st í ssi mo dia 15 d e

s et embro d e 1 820 (1820) ..................... 227 Epi cédio I , à mort e do e lega nte Po eta

Dr amát i co António Xa vi er Fer r ei r a

d e Az evedo (1844) .................................... 62 Silva , J ú l io

Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,

1855) ............................................................... 42 Silva , Lu í s Au gus to Reb e lo d a (1822 –

1871) ................................ 83, 84, 86, 110, 281, 294 Ép oca (A) (1848)

A Sob r inh a do Marqu ez ( recen s ão

c r í t ica ) ..................................................... 294 Ép oca (A) . Jo rna l d e I ndú st ria ,

Ci ên cia , Li t eratu ra e Be las -Art es .. 315 Fa d a (A) (1857) ............................................ 115 M o cidad e d e D. Jo ão V (A) (1856) ....... 84 Oth e llo ou o Mou ro de Ven eza (1856) 84

Silva , M. F . C o rre ia d a Actor e a Ci vi li z a ção (O) (1865) ........... 52

Silva , Ped ro C ir í aco d a (1796 – 1856) .... 63 Silva , Xav ie r d a

Bib l io th eca P in to Bas to s (1 867, co l. ) 121 Silve ira , Gu i lh e rm e d a (? – 1900, a to r ) 164 Silve ira , J o aqu im Hen r iq ues F rad es so d a

(1825 – 187 5) ................................................ 315 Silve ira , J o s é Xavie r Mou z in ho d a (1780

– 1849) ...................................................... 253, 303 Sim õ es , Lu c ind a (1850 – 1928) ................ 183 Sirau d in , Pau l (1812 - 18 83)

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362

On d ema nd e un e lect ri ce (1861) ...........139 So ares , Ju st in o .....................................................45 So c ied ad e Académ ico -Dram át ica (Po r to )

...............................................................................309 So c ied ad e As semb le ia Fam ilia r ...................46 So c ied ad e C ésar Po lla ......................................47 So c ied ad e Cu r io s id ad e Dram át ica ............130 So c ied ad e do Delí r io .........................................38 So c ied ad e do Tim b re .......................................282 So c ied ad e do s Am ado res d a C ena

Po r tu gues a .......................................................282 So c ied ad e do s J a rd ine iro s (Co imb ra) .....199 So c ied ad e Dram át ica Po lla ...........................153 So c ied ad e Es co lás t ico -F ilo m át ica ............281 So c ied ad e Es t ab e lec id a p a ra a

Sub s is t ên c ia dos Tea t ro s Púb lico s d a

C o r te (1771) ......................................................27 So c ied ad e F ila rm ó n ica Aluno s d e

Harmo n ia (Lis bo a) .........................................50 So c ied ad e F ila rm ó n ica Esp eran ça e

Alegr ia (Lis b o a) ..............................................50 So c ied ad e Ind us t r ia l Po r tu gu es a ...............315 So c ied ad e Kerop á t ica (Co imb ra) ...............199 So c ied ad e Lit e rá r ia Pa t r ió t ica ........... 250, 251 So c ied ad e P romo to ra da Indú s t r ia

Nac io n a l ............................................................314 So c ied ad e P romo to ra de Edu cação Popu la r

.................................................................................50 So c ied ad e P rop agad o ra d e C onh ec im en tos

Úte is ...................................................................315 O Pa n or ama . Jo rn a l lit e rá r io e

in s t rut ivo .....................................................315 So c ied ad e R ecre io Dram át ico .....................145 So c ied ad e R ecre io Fam ilia r ...........................47 So c ied ad e R egoz ijo Th a lien s e ....................283 So c ied ad e Tabo rda .......................................47, 48 So c ied ad e t ea t ra l Am izad e (Lis bo a) ..........32 So c ied ad e t ea t ra l Co n co rd ia (Lis b o a) ......32 So c ied ad e t ea t ra l P razer e Alegr ia

(Lis b o a) ...............................................................32 So c ied ad e Tea t ra l P razer R egen erad o

(1823) ...................................................................32 So c ied ad e Un ião Dram át ica .........................146 So lm er , An ton in o (1950 - )

M anu a l d e Teat ro (1999) ..........................336 Som aize , Anto in e Baud eau d e (1630 –

c .1680) Gr and di ct ionn ai r e d es Pr éci eus es ou

la C le f d e la lan gu e d es ru e lles

(1660) ..............................................................12 Pr éc i eu s es ridi cu les (Les ) .........................12 Pr o cès d es p réci eu s es (Le) ........................12 Véri ta bles pr éci eus es (Les ) .......................12

Somb ra d e C íce ro (p s eud . ) Ver dad ei r a luz d err amada na qu estão

li t e rária e sup r emo r emat e a e la

(1866) ............................................................105 Sou s a , C r is t iano de

C as a da bon eca (A) (1899) ......................183 Sou s a , Hen r iqu e Gu ilh e rm e d e (1819 –

1839) Afon so I I I ou o Va lid o d e El -Rei (1840)

............................................................................43 Sou s a , Jo ão d e ....................................................170

Sou s a , Jo s é Maria Dup on t d e (1863 –

1914) .................................................................. 170 Sou s a , Manu e l d e (1737 - ? )

Peã o fi da lg o (O) (1769) ................................5 Tartu f fo , ou o Hypo cri ta (1768, t rad . ) 5,

61 Sou s a , Qu ir in o

Pa u lo , o en j ei tado ....................................... 182 Sou s a , Sab in o d e .............................................. 164 Sou te llo , Au gu sto J oaqu im Leon e

Es p ect ro s ......................................................... 183 Sou ves t re , Ém ile (1806 – 18 54) ................. 57 So zz i, Pao lo (1862 – 1937) ........................... 33 St ich in i, P lác id o (1860 – 1897) ................ 166 Sto we, Harr ie t Beech er (1811 – 1896) .. 114

C a ba na do Pai To más (A) (1853, t rad . )

......................................................................... 114 Su e , Eu gène (1804 – 1857) ........................... 78

M yst èr es d e Pari s (Les ) (1844) ............ 135

T

Tab o rd a , F ran c is co Alves d a S ilv a (18 24

– 1909, a to r ) .............................. 46, 48, 106, 126 Ta il lad e , Lau rent (1854 – 1919)

Qu elqu es fantô mes d e ja di s (1913) .... 162 Ta in e , Hip po ly t e (1828 – 1893) ................ 338

Ph i lo sophi e d e l’a rt (1881) .................... 337 Ta lm a (F ran ço is -Jo seph ) (1763 – 1826)

...................................................................... 306, 332 Tar d es d e Verão ou o Di vert imento das

Da ma s (1836, p e r ió d ico ) ........................... 68 Tea t ro Acad ém ico (C o imb ra) ..................... 106 Tea t ro C ap itó lio (Lis b o a) ............................ 116 Tea t ro C h a le t ( t ea t ro d e fe ira ) .................. 145 Tea t ro d a Aven id a (Lis bo a) .......... 49, 130, 131 Tea t ro d a ca lçada do s Barb ad in hos

(Lis b o a) .............................................................. 31 Tea t ro d a Co rnu cóp ia (Lis bo a) .................... 10 Tea t ro d a F lo res t a Egíp c ia (Lis b oa) 129, 279 Tea t ro d a Repúb lica (Lis b o a) ..................... 164 Tea t ro d a ru a d a Fáb r ica d as Sed as

(Lis b o a) .............................................................. 31 Tea t ro d a ru a d as Tr in as d e Mo camb o

(Lis b o a) ...................................................... 49, 145 Tea t ro d a ru a d ire it a do Co légio do s

Nob res (Lis bo a) .............................................. 33 Tea t ro d a ru a do Lo u re iro (Lisb oa) .... 31, 33 Tea t ro d a ru a dos Con d es (Lis bo a) . 227, 307 Tea t ro d a Ru a do s C ond es (Lis bo a) ... 11, 14,

26, 34, 35, 45, 46, 48, 70, 72, 76, 84, 85, 94, 98, 99, 127, 129, 130

Tea t ro d a Ru a do s C ou t inho s (Co im b ra)

.............................................................................. 197 Tea t ro d a Ru a do s Grilo s (Co imb ra) ...... 197 Tea t ro d a ru a Fo rmos a (Lis bo a) .................. 45 Tea t ro d a t raves s a do Desp acho (Lis bo a)

.......................................................................... 33, 34 Tea t ro d a Tr in d ad e (Lisbo a) ...... 108, 121, 130,

144, 149, 165, 166, 303 Tea t ro d as Laranje iras ........... 7, 27, 33, 113, 279 Tea t ro d as Tr in as (1894, Liab o a) ............... 49 Tea t ro d as Var ied ad es / Sa lit re (Lis b o a) 75,

99, 107, 121, 132

Page 382: O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral

363

Tea t ro d as Var ied ad es / .Sa lit re (Lis b o a) ..84 Tea t ro d e Alh and ra ...........................................129 Tea t ro d e D. Afon so ( t ea t ro d e fe ira ) .....145 Tea t ro d e D. Am élia (Lis b o a) .... 130, 164, 183 Tea t ro d e D. Au gus to ( t eat ro d e fe ira ) ...145 Tea t ro d e D. Fern and o (Lisb oa) .....42, 84, 85,

105 Tea t ro d e D. Maria I I (Lis b o a) .48, 78, 85, 86,

94, 114, 124, 130, 135, 139, 141, 153, 162, 165, 178, 180, 183, 279, 291, 295, 303

Tea t ro d e D.Maria I I (Lis b o a) ....................105 Tea t ro d e S . C ar lo s (Lisb o a) .........................27 Tea t ro d e São Lu ís (Lis bo a) ........................164 Tea t ro do Ba ir ro Alto (Lis b oa) ....................10 Tea t ro do Ba ir ro Alto ou d e S . Roqu e

(Lis b o a) .............................................................227 Tea t ro do Co légio d a Art es (Co imb ra) ...198 Tea t ro do Gin ás io (Lisb o a) .. 44, 47, 83, 84, 85,

88, 97, 98, 99, 103, 105, 106, 109, 114, 118, 126, 129, 130, 131, 153, 164, 166, 174, 279, 295, 303, 307

Tea t ro do Pá t io do Mald on ado (Co st a d o

C as te lo , Lis bo a) ..............................................46 Tea t ro do P r ín c ip e R ea l (Lis b o a) ...46, 47, 49,

114, 121, 129, 130, 153 Tea t ro do P r ín c ip e R ea l (Po r to ) ................183 Tea t ro do Quar t e l d e In fanta r ia 2 ...............45 Tea t ro do R a to (Lisb o a) ................................153 Tea t ro do Sa lit re (Lis b o a) .... 26, 48, 72, 94, 98,

127, 165, 279, 307 Tea t ro do s C ou t inho s (C o imb ra) ...............198 Tea t ro do s R ecre io s (Lisb oa) ..... 131, 145, 157 Tea t ro J aco b et ty (Lis bo a) ...............................48 Tea t ro Lis b on en s e (t ea t ro de fe ira ) .........145 Tea t ro Livre (1 902) ...........................................49 Tea t ro Lu ís d e C amõ es (Be lém ) ................153 Tea t ro Nac io n a l Alm eid a Garret t (Lis bo a)

.................................................................................10 Tea t ro Nac io n a l d e D . Mar ia I I (Lis b o a)

...............................................................................116 Tea t ro p a r t icu la r Alm eid a Garre tt

(Lis b o a) An im ató gra fo d a Arráb id a .........................50

Tea t ro p a r t icu la r d a ca lçad a d o C as cão

(Lis b o a) ...............................................................43 Tea t ro p a r t icu la r d a Graça (Lis bo a) ..........43 Tea t ro p a r t icu la r d a ru a d e Vicente Bo rga

(Lis b o a) .............................................................130 Tea t ro p a r t icu la r d e Jo ão P in to da Cun h a

(Vila R ea l) .........................................................66 Tea t ro p a r t icu la r do Cas t ilh o (Lisb oa) ...45,

50, 145 Tea t ro p a r t icu la r do Cond e da R ed inh a .115 Tea t ro p a r t icu la r do Cond e de B u rnay

(Lis b o a) ...............................................................33 Tea t ro p a r t icu la r do Marq uês d e Alvito ..44 Tea t ro p a r t icu la r do Tim b re ........................126 Tea t ro p a r t icu la r Garre t t (An jos , Lis bo a)

.......................................................... 46, 47, 145, 167 Tea t ro p a r t icu la r Th erp s ico re (S . Ben to ,

Lis b o a).........................................................46, 145 Tea t ro Popu la r d e Alfam a ...............................43 Tea t ro Popu la r , o u Tea t ro No vo Gin ás io

(Lis b o a) ...............................................................45

Tea t ro R ecrea t ivo d a Lap a (1890, Lis b o a)

................................................................................ 49 Tea t ro Tab o rd a (Co s t a do C as t e lo ,

Lis b o a) ................................................................ 47 Tea t ro Teo d o r ico (Lisb oa) ............................. 48 Tea t ro Th a l ia (C amp o d e Santa C la ra ,

Lis b o a) ................................................................ 43 So c ied ad e Th a lia , o u So c iedad e

Dram át ica Th a lien s e .......................... 43, 44 Tea t ro -C irco d e P r ice (Lis b o a) 121, 126, 129,

131, 132 Telema co na C ort e d ’I do men eo (b a ile ) . 226 Teo d o r ico (Teod o r ico Bap t is t a d a C ru z ,

1818 – 188 5, a to r ) ......................... 48, 120, 288 Teo d o r ico (ve lho ) (Teo do r ico Bap t ist a d a

C ru z , 17-- – 18-- , a to r ) .............................. 98 Th éâ t re d e l’ Amb igu -Com iq u e (Par is ) .... 73 Th éâ t re d e la Ga î t é (Par is ) ...................... 64, 73 Th éâ t re d e la Po rt e de Sa in t -Mart in

(Par is ) ............................................................... 272 Th éâ t re d e la Po rt e -Sa in t -Mart in (Par is ) 61,

64, 69, 83 Th éâ t re d es Fo lies -Dram at iqu es (Par is ) . 75 Th éâ t re d es Var ié t ées (Par is ) ....................... 64 Th éâ t re d es Var ié t és (Par is ) ....................... 295 Th éâ t re du Gy mn as e Dram at iqu e (Par is )64,

69 Th éâ t re du Pa la is -R oy a l (Par is ) ................ 139 Th éâ t re His to r iqu e (Par is ) ........................... 195 Th ea t re R oy a l (P lym ou th ) ............................ 251 Th ea t ro Es co lh ido (co leção ) ....................... 129 Th ea t ro p a ra to dos (1862 – 1868, co l. ) . 128 Th ib o us t , P ie r re -Anto in e -Au gu s te (1827 –

1867) Amou rs d e Pari s (Les ) (1866) ............... 139

Th ie rry , Au gu st e -F ran ço is (1811 – 1866) Fleu r et t e , ou le p r emi er a mou r d e

Henri I V (1835) ......................................... 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) (1842) ................ 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) / Nui t du meu rt r e

(La ) (1839) ................................................... 73 Pr e t ez -moi 5 f ra ncs (1834) ....................... 73

Tito Lívio ............................................................. 198 To len t in o , Nico lau (1740 – 1811)

C ha ves na mão , me lena d esg renha da .. 13 To m ás , Manu e l Fern and es (1771 – 1822)

...................................................................... 226, 251 To rres , J o ão R om ano (1855 – 1935) ....... 156 To rres , J os é d e (1827 – 1874) ..................... 99 To rres , Pa lm ira .................................................... 49 To rrezão , Gu iom ar De lf in a d e No ronh a

(1844 – 189 8) ................................................ 153 C ri sá lida (A) (1883) .................................. 153 M ar ce lla (1897) ........................................... 145 S écu lo XVI II e o s écu lo XI X (O) (1867)

........................................................................... 98 Tres s (Par is )

Fr a n ce Dra mat ique au di x -n eu vi ème

si èc le . Ch oix de pi èces mod er nes (La )

(co leção ) ....................................................... 67 Tr in d ade Co e lho , Jo s é F ran c is co (1861 –

1908) I n i llo t empor e , e studant es , lent es e

f ut ri ca s (1902) ......................................... 126 Tro u p e C ar lo s d e Alm eid a ............................. 47

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364

Tu l lio , An tón io d a S ilva (18 18 – 1884) 109, 129

Tu rgu en iev, Ivan (1818 – 1883) ................132 Tu rn er , J os eph (1775 – 1851) .....................263

V

Vald ez , F ran c is co T. ( red a to r) ...................153 Vale , J o s é Antón io do (1843 – 1917, a to r )

...................................................................... 164, 166 Valen ça , Rob er to (ps eu d . ) ............... C on su lt e

Fe rn and es , Dom in gos Man ue l Valle , J o s é An tó n io (1845 - 19??) ............283 Van -Deit e rs , Hen r iqu e Otto Pere ira (1839

– 1862) ................................................................84 Jud eu Er rant e , pa rap hr as e da len da

a lemã d e S chu ba rt (O) (1861) .............84 Vap ereau , Lo u is -Gu stave (1819 - 19 06)

L’an née li t t é rai r e et dr a mat iqu e ou

Revu e a nnu e lle d es p rin cipa les

p rod uct ion s d e la li t t ér atur e f r an çai s e et d es t radu ct ion s d es

œ u vr es le s p lus i mp ortant es d es

li t t ér atur es ét rang èr es , c la ss ées et

é tudi ées p ar g enr es (1859 – 1869) .124 Vare la , An tó n io Iz id ro Pere ira

O qu e a a mbi ção fa z pr at i ca r ................182 Vargas (a to r) .......................................................166 Varin , C har les Vic to r (1798 – 1869)

Le pu f f (1838) Ru y-Bla g ......................................................112

Varn ey , Lou is (1844 – 1908) M ou squ etai r es au co u vent (Les ) (1881)

..........................................................................113 Vas co nce lo s , An a Isab e l..................................63 Vas co nce lo s , An tón io Au gus to Te ix e ira

d e (1816 – 1878) ...........................................104 Dent e da Ba ro neza (O) (1870) ..............113 Livro s p a ra o po vo (1859, co leção ) ......93

Vas co nce lo s , Arm and o .....................................49 Vas co nce lo s , Au gus to Cés ar d e (1828 –

1870) .................................................. 135, 136, 145 Vas co nce lo s , Margar id a d e ......................44, 45 Vasq u es , Eu gén ia

Es co la d e Teat ro do C ons er vatório (A)

(2012) ............................................................305 Vega , Fé lix Lo p e d e (1562 – 1632)

El Rey Do n Ped ro en Mad rid y e l

I nfa nzó n d e I lle s cas (El) (162 6) ........61 Velh o , Jos é Lop es d e Olive ira ....................140 Velo so , E . .............................................................153 Velo so , F ran c is co Ân ge lo d a S ilva 310, 311,

312, 313 Br eve Co mp êndio da Art e S cenica ou

Art e d e Dec la ma ção (1856) ....... 310, 313 En saiad or Mod erno (O) ............................313

Ven ân c io , Ja im e (1844 – 19?) Pr o ces so do ra sga (1878) ..........................49

Verd i, Gu is ep pe (1813 – 1901) Rigo le t to .............................................................46

Verla in e , Pau l (1844 – 189 6) ............. 143, 163 Vern e , Ju les (1828 – 1905)

Tou r du mo nd e en 8 0 jour s (Le) (1874)

..........................................................................108

Vo lta a o mund o em oi t enta dia s (1883)

......................................................................... 108 Vo ya g e à t ra vers l’ i mpo ssi ble (1882) 108

Veu ve Dabo (Par is ) C h ef s -d 'oeu vr e d u r ép ertoi r e d es

mé lo dr a mes jou és à di ff é r ent s

t h éât r es (co leção ) ..................................... 67 Vian a , C ar lo s Sá ............................................... 243 Vian a , Jo ão Lu ís d a S ilva (? – 1882)

Decad ên cia d a a rt e d ra mát i ca em

Po r tuga l (1880) ....................................... 153 Vian a , Lud gero (1844 – 1934) ................... 153 Vian a , Mar ia C ând id a d e As s is

Amo r e p er f ídia (1866) ............................... 85 Vicen te , Gil (c .146 5 – c . 1537) .......... 24, 263

Auto da Lusi tânia (1532) ......................... 241 C ort es d e Júpi t er (1519) .................. 259, 264

Vic to r , J a im e S ever o Tor e lli (1887, d ram a) ................ 165

Vic to r ia , F red er ico Napo leão d a (1851 –

1907) .................................................... 47, 158, 336 Agên c ia Tea t ra l ............................................ 152 Livra r ia Eco nó m ica .................................... 157

C o llecção d e co p las d e d ivers as

ó peras cóm icas ..................................... 159 Th ea t ro esco lh ido , p róp r io p a ra

am ad o res e d e agrad o ce rto ........... 159 Mi la gr es d e Sa nto António (1883) ...... 153

Vid a l, Ed u ard o Au gu s to (1841 – 1907) 138, 149 Gu elfos e gi be lino s (1866) ..................... 136 O qu e fa z em as ro sas (1872) ................. 150

Vid a l, J o ão Jo s é d e Mello Pere ira Ast r ea (1821) ................................................. 225

Vid o e ira , Ped ro d e Alcânta ra (1834 –

1917) .................................................................. 155 Vie ira , Am él ia (185 0 – 1928) .................... 130 Virg in ia (Vir gin ia D ias d a S ilva (18 50 –

1922, a t r iz ) ..................................................... 161 Virgo l in o , C ar los Pere ira d e Melo (c .1800

– 1840) .............................................................. 243 Ví to r , De lf in a ....................................................... 49 Vive t iè res , Ben o î t -J os ep h Marso ll ie r d e

(1750 – 181 7) C a mi lle ou le So uterain (1791) .............. 35

Vo lt a ire (F ran ço is Mar ie Aro u et , 1694 –

1778) .................................... 3, 9, 72, 186, 199, 211 Alz i r e , ou les Améri cain s (1736) / Alz i r a

o u os Americano s (1788, t rad . ) .......... 54 Br utus (1730) ................................................ 198 C e qui p lai t au x da mes (1764) .............. 107 Fa n at i s me (Le) ou Maho met le Pr o ph ète

(1736) ................................................... 213, 236 M ero pe (1743) ............................................... 220 Pr i ncess e d e Na va rr e (La ) (1745) ........ 21 S opho ni s be (1774) ....................................... 215 Za ïr e (1732) ................................................... 198

W

W add in gton , Alf red o ...................................... 164 W algo d e , An tón io

Li vro d o ens aiado r (O) (1915) ............. 336 W h it toy n e (c lown ) ........................................... 131

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365

X

Xavie r , C ân d ido J os é (1769 – 1833) .......251

Z

Zacco n i, Erm ete 1857 – 1948) ....................183

Zo la , Ém i le (18 40 – 1902) ........................... 181 Ro ma n Exp éri menta l (1880) ................... 333

Zo rr i l la , F ran c is co R ojas (1607 – 1660) 22