TOPOI 3 - Hendrik Kraay - Definindo nação e Estado (rituais cívicos na Bahia pós-Independência 1823-1850)

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    Topoi , Rio de Janeiro, set. 2001, pp. 63-90.

    Definindo nao e Estado: rituaiscvicos na Bahia ps-Independncia

    (1823-1850)

    Hendrik Kraay 1

    A famlia Barata de Almeida sofreu uma tragdia na noite de 8 de no-vembro de 1835.2 Bernardo Jos, aparentemente enlouquecido, apu-

    nhalou e matou sua me, feriu seu pai e atacou os guardas que responde-ram aos gritos emanados da casa, localizada nos subrbios de Salvador,Bahia. Um dos guardas traspassou Bernardo Jos com uma baioneta e oarteso surdo com 29 anos expirou gritando: Viva a Bahia! Viva a liberda-de! Morram os tiranos! Segundo um outro relato, suas ltimas palavrasforam um pouco diferentes: Viva a Ptria e morram os tiranos! ODirio

    da Bahia lembrou que Bernardo Jos era sobrinho de Cipriano Jos Barata de Almeida, conhecido exaltado que, na poca, candidatava-se a uma vaga no Senado, e atribuiu a morte educao perversa (...) que nos consta receber de seus pais esse celerado, a quem se atribuem os mais detestveisvcios, e que os coroara com esse crime, que fez tremer a toda a Natureza.

    Alguns dias depois,O Defensor do Povopublicou uma longa defesa dofalecido Bernardo Jos. Reconhecendo que o jovem tinha um gnio som-brio, e cismtico, o jornal sustentou que ele todavia amava extremosa-mente a liberdade, e muito se entretinha com as coisas que entendia fazera bem da sua Ptria, pelas quais ele sofrera uma priso injusta durante doisanos (1831-1833). A verdadeira causa do assassinato, segundoO Defensor ,merece ser citada na ntegra:

    Foi porque dias antes do dia 8 do corrente os marotos e os amorotados ini-migos da glria dos Brasileiros, sabendo que os amigos da Ptria, reunidosno Campo de Piraj, pretendiam celebrar o aniversrio da glria deste DIA

    ganhada pelas armas Brasileiras no referido campo, propagaram boatos deuma nova rusga; outros aproveitaram-se da mesma ocasio, para fazeremcrer que os mulatos, e negros cabras e crioulos, deverio ser deportados para

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    uma Ilha do Brasil, a fim de no haver quem fizesse oposio introduode mais marotos no Brasil, a ttulos de colonos; [e] para que, acabando-secom a raa dos mulatos e negros, apurassem a dos brancos.

    Sabendo do trama:

    O infeliz Bernardo Jos Barata de Almeida (...) ficou em extremo pensativo,e comeou a cismar; tanto que no dia 7, a sua conversao s era dizer, queSer possvel, que os marotos, acobertados com o manto da tirania, nosqueiro lanar fora do nosso Pais, a fim de ficarem com a nossa terra!!

    No dia seguinte, estava ao todo doido; os pais o levaram para a casa,mas ele no os reconhecia. Acordou em alta noite e os atacou.Enquanto a sanidade do cismativo Bernardo Jos deixava algo a dese-

    jar, a anlise da tragdia feita porO Defensor traz indcios da complexa poltica popular em torno das festas cvicas no Brasil ps-Independncia. A data do caso, 8 de novembro de 1835, foi o dcimo terceiro aniversrioda grande vitria patriota sobre as foras portuguesas assediadas em Salva-dor, a Batalha do Piraj. O dia nunca chegou a ser feriado oficial, mas h alguns indcios de comemoraes realizadas no Piraj, atualmente um su-brbio pobre de Salvador. Dois anos mais tarde, o vice-cnsul britnicoinformou que o dia 8 deste ms um grande feriado poltico nos arredo-res desta cidade e antecipado com alguma ansiedade; de esperar quepasse tranqilamente.3 Em 1850, contudo, um jornal comentou que8 de novembro, uma das grandes pocas da independncia, passara des-percebido.4

    Os boatos que alegadamente fizeram enlouquecer o jovem Bernardo Jos destacam a lusofobia que caraterizava o patriotismo ps-Independn-cia e sublinham a importncia da raa na poltica desses anos. Muito dadoao patriotismo, ele aparentemente se identificava com os mulatos, negroscabras, e crioulos que seriam deportados do Brasil dos marotos brancos.No h indcio nenhum sobre o que fez Bernardo Jos crer no boato. possvel que as deportaes dos africanos suspeitos depois do levante dosMals (ocorido h menos de um ano) fizessem parte das preocupaes do jovem patriota, como sugere Marco Morel (2001, p. 306), mas elas eramrestritas a africanos, e Bernardo Jos s falou da deportao de brasileiros.

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    Deportaes faziam parte da experincia dos exaltados da poca. Morel noslembra que o pai de Bernardo, Raimundo Jos Barata de Almeida, fora deportado para uma ilha depois da Conspirao dos Alfaiates em 1798(2001, p. 307) e que seu tio, Cipriano, passara muitos anos em prises,inclusive no Forte do Mar, localizado numa pequena ilha no porto de Sal-vador. Em 1838, uns duzentos participantes da Sabinada seriam deporta-dos sumariamente para Fernando de Noronha (KRAAY, 1992, pp. 521-522). E, de fato, alguns estadistas brasileiros j criticavam o trfico de es-cravos e propunham a imigrao europia. H uns dez anos atrs, o Mar-

    qus de Barbacena analisou a questo em termos raciais quando urgia a contratao de mercenrios europeus para estimular o cruzamento dasraas: homens altos, e claros eram essenciais para que os naturais dopas no se reduzam a Anes cor de cobre.5 Ao identificar-se com mulatose negros, Bernardo Jos fez parte da ainda pouco conhecida tendncia dever a nao recm-independente como composta dos seus membros nobrancos, em vez de consistir somente da sua elite branca.6

    Alm de assumir uma identidade racial, Bernardo Jos declarou sua identidade poltica. Ao justapor os dois relatos das suas ltimas palavras, sepercebe que ele considerava a Bahia sua ptria, uma identificao com a antiga capitania colonial ou a nova provncia imperial comum entre brasi-leiros da poca (BARMAN, 1988, pp. 26-28; LYRA, 1998).O Defensor ,contudo, apresentou uma viso mais ampla da ptria, caraterizando 8 denovembro como o dia da glria brasileira e declarando que os amigos da Ptria comemoravam uma vitria brasileira, e no s uma baiana. Assim,

    o incidente destaca a tenso entre a lealdade ptria local (Bahia) e o esta-do-nao (Brasil, que ainda no era, para muitos, uma ptria), uma tensoque permeava o patriotismo baiano oitocentista (KRAAY, 1999, pp. 275-283).

    Os relatos sobre a morte de Bernardo Jos oferecem um vislumbreraro e passageiro dos significados que um indivduo ordinrio atribua comemorao de um aspecto da luta pela independncia na Bahia. A maio-ria das reportagens jornalsticas sobre tais festas raramente se encontramrelatos na documentao manuscrita oferece poucos indcios sobre osignificado das comemoraes para os homens e mulheres que a elas assis-

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    tiam ou delas participavam. fcil analisar tais relatos como parte de umprojeto que tentava inculcar lealdade ao estado e criar uma identidade bra-sileira, distinta da portuguesa de ambos os hemisfrios (o fracassado proje-to dos anos 1810 e incio dos anos 1820) e, mais importante, maior doque a lealdade s ptrias locais. Neste sentido, festas cvicas colocavam pro-blemas complexos de representao pblica e questes-chave sobre inclu-so e excluso da nao. Para abordar esses temas, este artigo analisa o pro- jeto de festas cvicas nas primeiras trs dcadas depois da independncia na Bahia, e principalmente na capital de Salvador, a segunda cidade do Brasil

    na poca, focalizando os trs principais feriados cvicos ento comemora-dos: 2 de julho, 7 de setembro, e 2 de dezembro. As duas sees seguintespassam para uma anlise da poltica da elite e da poltica popular nessasfestas cvicas. Elas refletiam claramente a poltica da poca, tanto na sua viso de uma sociedade hierrquica e ordeira quanto nas mudanas nas datascomemoradas. Como sugere o caso do infeliz Bernardo Jos, setores am-plos da sociedade baiana participavam nas comemoraes que s vezesapresentavam tambm uma viso popular do estado-nao. Participandodas festas, grupos populares tentavam demarcar seu lugar no espao pbli-co e cvico, questionando a verso oficial da histria da fundao da naoe do estado ou atribuindo-lhe novos sentidos.

    O projeto das festas cvicas

    Da poca colonial, o Brasil herdou uma viva tradio de comemorar

    os aniversrios, casamentos e Coroaes dos monarcas e dos outros mem-bros da famlia real com iluminaes,Te-duns , paradas militares, fogos deartifcio e salvas de artilharia em festejos que tm sido ultimamente muitoestudados (PRIORE, 1994; I. SOUZA, 1998, cap. 5; MALERBA, 2000,caps. 2-3; JANCS e KANTOR, 2001). A criao de um novo Estadoindependente um imprio, alis nos anos 1820 requeria novos fe-riados nacionais. Em 1826, na primeira sesso do parlamento brasileiro,foram designados cinco feriados, quatro dos quais eram ligados diretamenteao Dom Pedro I: 1 de janeiro (a sua deciso de ficar no Brasil em 1822); 25de maro (o aniversrio do juramento brasileiro de 1824 Constituiooutorgada pelo imperador que antes fechara a assemblia constituinte); 7

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    de setembro (a data do Grito do Ipiranga de Dom Pedro Independn-cia ou Morte em 1822, dia que aos poucos venceu as outras datas e vi-rou feriado nacional brasileiro); 12 de outubro (dia da aclamao de DomPedro em 1822 e seu aniversrio). O quinto feriado, 3 de maio (dia da abertura da primeira sesso do parlamento brasileiro em 1826), foi umaditamento de ltima hora pela cmara dos deputados aos quatro feriadosfrancamente monrquicos aprovados pelo senado. Os deputados achavamque seu papel numa monarquia constitucional merecia uma comemora-o.7 A abdicao do Dom Pedro em 1831 obrigou a regncia a revisar a

    lista dos feriados. Em outubro de 1831, um decreto eliminou o 12 de ou-tubro (a aclamao de Dom Pedro I), acrescendo 2 de dezembro (o aniver-srio do jovem Dom Pedro II) e 7 de abril (a abdicao de Dom Pedro I).Este foi delicadamente descrito como a comemorao da Devoluo da Coroa ao Sr. Dom Pedro. Afinal de contas, nenhuma monarquia nema regncia liberal podia publicamente celebrar a abdicao a qual foiobrigado o imperador. Um ms depois da aclamao da maioridade de DomPedro II no dia 23 de Julho de 1840, o governo acrescentou o dia aos ou-tros feriados cvicos. Enfim, em 1848, o nmero de feriados nacionais foireduzido a trs: 25 de maro, 7 de setembro e 2 de dezembro.8

    Na Bahia, os feriados adotados em 1826 no tinham o mesmo signi-ficado que tinham no Rio de Janeiro. Alm de 8 de novembro, mais trsdatas concorriam a feriados nacionais na provncia. Na Ilha de Itaparica (do outro lado da Bahia, frente a Salvador), patriotas comemoravam o dia 7 de janeiro em homenagem derrota de uma tentativa de desembarque

    portuguesa em 1823. Na segunda cidade da provncia, Cachoeira, palcodo governo patriota em 1822 e 1823, comemorava-se 25 de junho, o dia em que sua cmara municipal aclamou Pedro I como defensor perptuodo Brasil em 1822, um passo-chave que ligou a causa patriota baiana aoRio de Janeiro, onde o monarca estava em caminho ruptura final comLisboa. Finalmente, na cidade de Salvador, comemorava-se a evacuao dastropas portuguesas no dia 2 de julho de 1823, num festejo enorme queainda hoje o principal feriado cvico na Bahia. As quatro datas baianaspassaram por trajetrias bem distintas nos anos ps-independncia: 8 denovembro e 7 de janeiro no passaram de festas locais, sem sano oficial.

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    Em 1831, 2 de julho foi reconhecido pelo governo imperial como um fe-riado nacional a ser comemorado apenas na Bahia, o que na poca signifi-cava principalmente a cidade de Salvador. Seis anos mais tarde, a assem-blia provincial aprovou uma lei que designou 25 de junho feriado na Cachoeira.9 As duas medidas reconheceram oficialmente comemoraesque j eram bem estabelecidas nos seus respectivos municpios.10 O reco-nhecimento que Salvador e Cachoeira conseguiram para suas festas deve-se provavelmente importncia dessas duas cidades, cujas elites tinham oprestgio poltico necessrio para consegui-lo; o requerimento enorme (mais

    de mil assinaturas) enviado assemblia legislativa nacional para solicitar a designao do dia 2 de julho como feriado em todo o Brasil indica a im-portncia do apoio popular e da identificao com a localidade para o es-tabelecimento de feriados (KRAAY, 1999, pp. 276-277).

    Em Salvador, os feriados com sano oficial tiveram destinos bemdiferentes nos anos 1830 e 1840, quando as fontes jornalsticas se adensamde maneira que se possa julgar a importncia do feriado pelo volume decobertura na imprensa. Atravs dessa metodologia, constata-se que Doisde Julho era a primeira festa cvica da poca, seguido de longe por Dois deDezembro e Sete de Setembro. Nem 25 de maro nem 3 de maio rece-biam muita ateno, enquanto 7 de abril deve ter sido um feriado proble-mtico, dado a sua provvel associao aos protestos violentos que acom-panharam a abdicao, tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador.11 A comemorao da aclamao do Dom Pedro II (23 de julho) no chegou a ter a importncia do dia 2 de dezembro (seu aniversrio) nos anos 1840.

    Durante os anos 1830 e 1840, os trs principais festejos cvicos co-memorados em Salvador tinham programas semelhantes: um desfile mili-tar, incluindo a guarnio do Exrcito e a Guarda Nacional; umTe-dumno catedral; iluminao (decorao) de prdios oficiais (e tambm parti-culares); cortejo ao retrato do imperador por autoridades civis, militares eeclesisticas, e tambm por cidados; vivas coletivas ao dia, ao monarca es autoridades. noite, havia espetculo de gala no teatro, durante o qualcantores profissionais executavam o longo hino nacional e um poeta (ge-ralmente Francisco Moniz Barreto, o melhor da cidade) recitava versospatriticos. No teatro, o presidente da provncia costumava liderar a pla-

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    tia no cortejo ao retrato imperial e no estmulo por outra rodada de vivas,depois do qual se assistia a um drama ou pera europeus.

    A essas cerimnias oficiais, Dois de Julho, o mais popular dos feria-dos em Salvador, acrescentavam-se diversos elementos, inclusive uma ce-rimnia anunciadora da festa, o bando, alguns dias antes, no qual um pre-goeiro, acompanhado pelos membros da cmara municipal, uma banda de msica e folies fantasiados, lia a proclamao convidando os habitan-tes da cidade para participarem de atividades patrticas legtimas. Dois de

    Julho tinha seu smbolo particular, o caboclo, uma esttua de um ndio,

    esculpido em 1826, e freqentemente descrito nos anos seguintes como ognio do Brasil. Ele era levado Lapinha, nos subrbios da cidade para uma viglia durante a noite primeira de julho. Acompanhado por grandequantidade do povo, a quarnio militar e autoridades, o caboclo foi pu-xado at o centro do Salvador num desfile que lembrava a ocupao pac-fica da cidade em 1823. Iluminaes, galas no teatro, recitaes de poesia e vivas ao imperador continuavam durante diversas noites. Para os festejosdo Dois de Julho, os soteropolitanos levantavam arcos triunfais, e duranteos anos 1840, comearam a construir grandes palcos e alegorias ao dia (queeram notados com menos freqncia para Sete de Setembro e Dois deDezembro).

    Todos esses elementos das festas cvicas serviam a diversos fins. Junta-vam autoridades civis, militares e eclesisticas em ceremnias pblicas queafirmavam sua centralidade no aparato do estado, e associaram-nas mo-narquia e nao. O desfile militar, dominado numericamente pela Guar-

    da Nacional, arregimentava pblica e visivelmente os cidados de uma forma ordeira. Essa era uma obrigao a que os guardas nem a grandequantidade deles dispensados do servio ordinrio no podiam faltar eo comandante superior tomou medidas para assegurar que nenhum faltas-se ao desfile do dia 7 de setembro de 1841.12 A grande parada mobiliza-va efetivos significativos: mais de 1.600 homens no dia 2 de dezembro de1838 e 2.180 (inclusive 139 msicos) dez anos mais tarde. Em 1843, a Guarda estreou o novo uniforme no Dois de Dezembro e, mesmo no dia 7 de setembro de 1838, a recm-reorganizada Guarda conseguiu apresen-tar dois batalhes geralmente bem fardados e luzidos.13 A participao

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    na grande parada tinha tanta importncia que os comandantes disputavamarduamente a precedncia nela, e em meados dos anos 1830, a designaode um ou outro batalho da Guarda para o servio de guarnio provocava grandes clamores da parte dos que no desfiliariam (KRAAY, 1999, pp. 266-267).

    O Te-dum normalmente lotava a catedral, e os relatos do rito nota-vam cuidadosamente a presena de autoridades e representantes da cma-ra municipal, que normalmente o financiava. A falta de dinheiro obrigoua omisso doTe-dum das comemoraes do Dois de Dezembro no incio

    dos anos 1840, suscitando comentrio crtico de diversos jornais.14

    Os ser-mes que antecediam oTe-dum eram principalmente exortaes polti-cas; no dia 2 de dezembro de 1848, o vigrio da freguesia do Pilar pregouque sem unio () o Brasil, semelhante a uma nau no meio da tormenta,flutuar sem bssola, sem rumo merc das ondas revolucionrias at sub-mergir-se.15 Em 1839, Daniel Kidder no chegou a ouvir o sermo doDois de Dezembro, mas soube que foi proferido com grande entusiasmoe gesticulao e que o orador se referia a quase todas a naes estrangeiras,exceto hertica repblica dos Estados Unidos. Teve ainda tiradas lauda-trias ao presidente da provncia e ao arcebispo, que todavia caiu no sonodevido ao calor abafado no catedral (KIDDER, 1845, v. 2, p. 57).

    No cortejo, a elite baiana demonstrava sua lealdade ao imperador atra-vs do que o severo vice-cnsul britnico, James Wetherell, considerou ocostume brbaro de venerar seu retrato depois doTe-dum . Colocada numa sala do palcio, flanqueada pelo presidente, o arcebispo, e s vezesoutras autoridades, a Augusta Efgie de Sua Majestada representava sua pessoa. Centenares de cidados de todas as classes (1838) ou as maisdistintas pessoas da capital, alm dos que o dever chama a este respeitosoato (1843) inclinavam-se profundamente perante a imagem, e depoisperante as autoridades, enquanto uma banda tocava rias nacionais.16

    Sem a presena fsica do monarca, o cortejo ao seu retrato servia aos mes-mos fins que o beija-mo na corte (demonstrar fidelidade ao imperador)sem, contudo, significar a possibilidade de suplicar mercs pessoalmente

    (vide MALERBA, 2000, pp. 184-186).Os retratos dos imperadores, to largamente difundidos no Brasil,personalizavam o regime imperial e o faziam mais compreensvel para a

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    populao, alm de refletirem as grandes mudanas pelas quais passou a monarquia brasileira (SCHWARCZ, 1999). Quando o governo provin-cial descobriu que no tinha um retrato atualizado do Dom Pedro I em1824, um foi logo requisitado; no Rio de Janeiro, o pintor oficial recebeuordem de fazer sem perda de tempo um retrato grande do monarca, ves-tido do manto imperial, para a Bahia. Chegou em Salvador pouco antesda comemorao do seu aniversrio e da Coroao no dia 12 de outubro.Havia tanto interesse em ver a pintura que o presidente ordenou que fosseexibida durante uma semana, vigiada por uma guarda de honra de 20 ca-

    detes. SegundoO Grito da Razo , a exibio foi to concorrida que o p-blico no cabia no salo do palcio.17 O desejo de possuir imagens doimperador estendia-se s vilas do recncavo e do serto, cujas cmarasmunicipais as solicitavam e as exibiam com muita pompa.18

    Alm de serem objetos da venerao da elite no cortejo, retratos im-periais eram tambm exibidos publicamente, geralmente nos palcos oupalacetes construdos com freqncia no Dois de Julho, e mais raramentenos outros feriados. No incio de Julho de 1839, um riqussimo palan-que, onde se v a Efgie do Augusto Monarca Brasileiro foi iluminado portrs noites no Terreiro de Jesus. No suntuoso monumento erigido para oDois de Julho de 1847 destacou-se o retrato imperial no segundo andar,tendo na mo direita a Constituio. Pinturas alegricas mostravam osoficiais mortos em combate durante a guerra de 1822 e 1823 sendo leva-dos aos cus por um anjo e na inscrio se lia: Quem morre pela ptria,excelsa glria/adquire no templo da memria. Um jardim artificial com

    dois chafarizes cercava o monumento.19

    No aniversrio do imperador em1839, Daniel Kidder visitou o Passeio Pblico, onde viu:

    Um pavilho em estilo de templo grego. frente dessa armao, sustentadopelas colunas principais, colocaram um grande retrato de Sua Majestade quenaquele dia completava 14 anos. Nos sales desse palacete havia bandas demsica cercadas por nomerosas senhoras e pelos dignitrios da provncia.O retrato do imperador permaneceu coberto por uma cortina at o momentoem que o presidente, chegando, puxou o docel e ergueu repetidas vivas Sua Majestade, Famlia Imperial, nao brasileira e ao povo da Bahia,vivas essas que eram seguidas de ruidosas aclamaes do povo enquanto que

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    milhares de rojes riscavam o firmamento num ruidoso pipoquear(KIDDER, 1845, v. 2, p. 61).

    Tais espetculos custavam caro. Em 1848, o pavilho do Dois de Ju-lho custou 14:000$, e oCorreio Mercantil noticiou que a assemblia aca-ba de conceder loterias para saldar a dvida decorrente da efmera arqui-tetura patritica.20

    Como se depreende da descrio de Kidder, uma parte integral dasceremnias eram as vivas nas quais as autoridades lideravam o povo em gritosde lealdade. Jornalistas prestavam muita ateno a esse rito. A falta de aplau-sos ou saudaes entusiasmadas por parte do povo na praa (ou pela pla-tia no teatro) eram indicadores polticos importantes.21 Em 1843, O Commercio julgou a omisso do viva ao Dois de Julho uma censuravel faltaque demonstrava o desprezo do presidente para com a populao baiana.

    A tormenta de vivas ao presidente pelas 800 pessoas de todas as classesno teatro no dia 2 de julho de 1840 no foi, segundo oCorreio Mercantil ,baixa adulao, mas um verdadeiro indcio do apoio sua administra-

    o, que fora recentemente criticada no parlamento. Em 1850,O Sculonoticiou que cidados se negaram a responder ao viva do comandantedas armas Sua Majestade, o que o jornal considerou muito significati-vo, pois demonstrava que a administrao provincial, impopular, solapa-va o apoio monarquia.22

    A iluminao noturna de prdios pblicos e residncias particulareslembrava a todos que eram dias especiais, e faziam da rua um espao socialrespeitvel. Numa poca em que a iluminao pblica era muito precria,seno inexistente, tais iluminaes tinham mais impacto do que supora-mos hoje. As 1.900 velas no caro palacete do Dois de Julho de 1848 de-viam ter sido um grande espetculo (alm de um grande perigo de fogo).23

    A luz fez com que as ruas fossem mais seguras noite, e grandes multidesse aglomeravam depois do toque de recolher para apreciar os monumen-tos e, especialmente no Dois de Julho, assistir s recitaes de poesia pa-tritica e msica patritica. A multido inclua copiosos grupos de se-

    nhoras, e homens desfrutando o belo espetculo em 1840 e pessoas detodas as classes em 1849, muitos dos quais normalmente no saam da casa depois do anoitecer.24

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    Nos espetculos de gala no teatro, aos quais assistia a gente mais gra-de da provncia, a mais brilhante mocidade baiana (1849) ou um nume-roso e lusido ajuntamento (1841),25 havia mais uma rodada de vivas quan-do o retrato imperial era desvelado no incio do espetculo. Na documen-tao analisada, identifiquei apenas uma referncia exibio de uma pea diretamente relacionada data comemorada, um drama intitulado A guer-ra da Bahia, ou a seduo frustrada , representado no dia 2 de julho de 1824.26

    Normalmente, os espetculos eram estrias de obras ou dramas europeus.Em 1849, o crtico teatral doCorreio Mercantil observou diplomaticamente

    que Kean, de Alexandre Dumas, seria repetida no dia 4 de Julho, e esperouque ento seria melhor desempenhada, enquanto a produo de 1848no foi boa.27

    Tais comemoraes oficiais fazem parte do processo cultural da cons-truo do estado e da nao (vide CORRIGAN e SAYER, 1985). A or-dem do dia nessas festas cvicas era lealdade ao Brasil, ao imperador e sautoridades. Atravs desses espetculos e da sua repetio, o Estado pro-curava constituir os cidados brasileiros e inculcar a lealdade na popula-o. O Estado, claro, no era uma entidade uniforme ou homognea,ainda mais nas primeiras dcadas aps a independncia; ao contrrio, eleestava dividido em complexas faces polticas que podem ser vislumbra-das nas festas cvicas.

    A poltica da elite nas festas cvicas

    Enquanto as lies das festas cvicas parecem suficientemente claras unidade, ordem, lealdade ao Brasil e ao imperador a poltica inevi-tavelmente intrometia-se nas comemoraes, como j foi sugerido pelasreportagens sobre o grau de entusiasmo nos vivas. A nfase constante so-bre a necessidade de unidade no discurso oficial em torno das festas cvicasdestaca tanto o fato de que no havia consenso quanto ao significado des-tas festividades, quanto a falta de unidade brasileira ou baiana, duas iden-tidades que se relacionavam de forma ambgua. Disputas sobre a relao

    apropriada entre a Bahia e o governo imperial no Rio de Janeiro duranteos anos 1820 e 1830 afetavam as festas cvicas e, de fato, o estabelecimentodo Dois de Julho como um feriado nacional pode ser interpretado como

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    um esforo de igualar a luta pela independncia na Bahia ao processo doRio de Janeiro, simbolicamente garantindo a importncia da Bahia noimprio. A partir dos anos 1840, o conflito poltico-partidrio comeou a se fazer presente nas festas cvicas.

    As divises entre baianos nunca foram mais claras do que no dia 2 dedezembro de 1837. Pouco menos de um ms antes, eclodira a Sabinada em Salvador, uma das muitas revoltas regionais contra a regncia, e at marode 1838 a cidade estaria independente. Senhores de engenho do Recncavomobilizaram a Guarda Nacional e com a ajuda de foras militares do go-

    verno imperial assediavam a cidade. Todavia, tanto o regime da Sabinada quanto as foras legalistas comemoraram o natalcio do jovem imperador.Os rebeldes pediram desculpas pelo fato de que suas comemoraes noteriam toda a pompa costumeira, porque muitos dos seus soldados recm-recrutados ainda estavam sem uniformes, mas a reportagem doNovo Di-rio da Bahia sugere uma comemorao bastante respeitvel do gloriosoaniversrio do natalcio do Senhor Dom Pedro II, com salvas de artilha-ria, cortejo e grandes iluminaes, aos quais foi acrescentado o solemneenterro de um soldado morto em combate. As salvas dos navios da Mari-nha imperial que bloqueavam a cidade se mesclavam s dos rebeldes, dan-do um ar surreal a esse ritual, segundo Paulo Cesar Souza, mas tambmdemonstrando a durabilidade da monarquia. A Sabinada, que de fato va-cilava na sua orientao poltica entre repblica e monarquia, acabou pro-clamando apenas uma independncia provisria, a durar at a maioridadedo Dom Pedro II, ento prevista para 1843.28 Depois da derrota sangrenta

    da Sabinada, as festas cvicas ofereciam um palco para condenaes impl-citas e explcitas da rebelio e de todos os traficantes polticos que queremsubstituir a anarquia ordem e ao imprio da Lei.29 A aclamao da pre-matura maioridade de Pedro em 1840 e sua Coroao em 1841 receberamampla cobertura no Correio Mercantil , ento jornal oficial, enquanto nosferiados nacionais desses anos destacavam-se vigorosas afirmaes de leal-dade ao monarca.30

    No final da dcada de 1840, iniciou-se uma nova forma de politizaodas festas cvicas. A consolidao paulatina dos partidos conservador e li-beral e o acirramento da rivalidade entre os dois grupos transbordou para

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    as comemoraes. Dois de Dezembro de 1848 foi o primeiro feriado na-cional que seria presidido pelo recm-empossado presidente conservador,Francisco Gonalves Martins. Ultrapartidistas do presidente ameaarama Francisco Moniz Barreto, conhecido liberal, e seus amigos o dissuadiramde recitar seu canto ao Dom Pedro II no teatro.31 Aparentemente os corre-ligionrios do presidente temiam uma repetio do incidente de 2 de ju-lho de 1846, no qual houve violncia no teatro quando um funcionriopblico, demitido pelo ento presidente, leu um poema que aparentementeo insultava; em resposta, o filho do presidente (e seu ajudante) atacou o

    poeta com um chicote (vide KRAAY, 1999, 280-281). O poema de Barreto,uma fala ao imperador posteriormente publicada em jornais oposicionis-tas, de fato tinha seus trechos provocantes:

    S liberal, se queres ser Monarca Nas frgoas da poltica opressora Exalta-se o amor da Liberdade Quem te disser que a compresso o abateEngana-te, Senhor, mente e te perdeO povo comprimindo caudaloso rio represadoQue ou mais tarde, ou mais cedo rompe os diques,E com mr violncia tudo alaga.32

    Seus amigos provavelmente tinham razo em fazer Barreto desistir dedesafiar publicamente Francisco Gonalves Martins. Alm de divulgar ocaso e de publicar o poema,O Sculo condenou as comemoraes desse

    ano e o presidente que, abusando do nome do Imperador, aterra, perse-gue, e ameaa ao povo, a quem ele quer impor uma poltica que ele tantodetesta. Para o povo, no havia jbilo no feriado, porque temiam o recru-tamento forado, enquanto o presidente, rodeado por seus ntimos, no sedignou de assistir s salvas e a Guarda Nacional, demoralizada, teve que serconduzida pela polcia durante a grande parada.33

    Antes do Dois de Julho seguinte, oCorreio Mercantil , fervoroso par-tidrio da administrao, apelou aos baianos para que ignorarassem os mal-intencionados que pretendiam fazer poltica no festejo. Sua reportagemsugere um festejo rotineiro, mas um outro jornal lamentou que, apesar do

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    Dois de Julho ter sido comemorado com a mesma pompa, faltava-lhe a influncia dos anos anteriores por causa dos esforos de politicizar o fes-tejo.34 Em 1850, O Sculo aproveitou-se dos principais feriados para con-tinuar seus ataques ao presidente e administrao saquarema (conserva-dora), tanto nos editoriais quanto nas reportagens sobre as comemoraes.No havia nada de moderado no tom desse jornal: o jbilo oficial no dia 2 de julho foi bem pungente; 7 de setembro foi o elogio fnebre de uma independncia, que, apesar de ter sido conquistada custa do sangue bra-sileiro, hoje uma mentira, um fantasma.35

    Enfim, at meados do sculo, a luta dentro da classe poltica para ocontrole do ritual cvico virou uma parte importante da poltica provin-cial. No era, na verdade, novidade, mas a proliferao de jornais dispon-veis nas dcadas de 1830 e 1840 possibilita uma anlise mais profunda dessesconflitos. Nas primeiras comemoraes cvicas baianas, o papel dos pode-rosos, principalmente senhores de engenho, foi fundamental, como fora importante o papel dos comerciantes fluminenses nas comemoraes da corte joanina (MALERBA, 2000, pp. 257-258). O primeiro aniversrioda Batalha de Piraj foi maculado por uma briga sobre precedncia entre ofuturo Visconde de Piraj e alguns outros oficiais do Exrcito. Piraj ten-tou impedir que eles nomeassem uma comisso para organizar a festa por-que ele no deixaria a outros o solemnisarem aes meritrias. Em 1825,Incio Acciavoli, poderoso senhor-de-engenho na Ilha de Itaparica, finan-ciou toda a comemorao do dia 7 de janeiro.36 Em 1830, Piraj declarouque tive o prazer de dicar [sic] ao melhor dos soberanos meo Augusto Amono sempre memoravel Dia Dois de Dezembro uma comemorao doquinto aniversrio do jovem herdeiro ao trono. A cerimnia, todavia, foiprejudicada por um sargento acusado de chicotear uma cigana por nomede Umbelina Maria Roza. Depois que ela reclamou em altas vozes, o Vis-conde mandou prender o soldado por ter faltado o decoro devido Efgiede Sua Majestade, ao pblico que assistia e a mim que festejava. O sar-gento justificou-se dizendo que apenas ameaara a mulher com o chicotequando ele a mandara voltar para casa, uma verso que ela posteriormente

    confirmou.37

    A violncia no devia ser usada perante o retrato imperial,mas Piraj certamente teria aprovado a expulso da cigana se fosse feita demaneira mais discreta.

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    A retrica estridente em torno das comemoraes cvicas de 1848 a 1850 e os esforos da Sabinada para se apropriar das comecoraes do Doisde Dezembro demonstram um aspecto importante nesses feriados: j eramto importantes para a classe poltica e a alta sociedade que no podiam serignorados nem deixados nas mos dos inimigos. Contudo, os festejosoficiais procuravam difundir uma mensagem homognea e clara popu-lao: lealdade ao imperador, submisso s autoridades, identificao como Brasil e com o regime imperial. Quando realizadas com xito, apresenta-ram a imagem de uma sociedade hierrquica e ordeira. Sua repetio visa-

    va criar uma populao de brasileiros, cidados do imprio. A presena explcita das divises polticas nas festas cvicas sugere que tiveram xitoem moldar a arena poltica e demarcar os limites do discurso poltico. Nessesentido, serviam para criar a nao brasileira, nao no sentido antigo decomunidade poltica, que todavia ainda exclua a muitos. Como claro nocaso de Umbelina, a populao inteira no integrava a nao nem gozava dos foros de cidado. Sua expulso, de fato, coloca a questo do significa-do dos ritos cvicos para os homens e mulheres que neles participavam ousimplesmente lhes assistiam.

    A poltica popular nos ritos cvicos

    Como observou E.J. Hobsbawm h mais de uma dcada, historiado-res sabem muito pouco sobre o que passava () na cabea dos homens emulheres, relativamente inarticulados, para falar com alguma segurana

    sobre seu pensamento para com as nacionalidades e os estados-naes quereclamavam sua lealdade. Raramente podemos saber, continua, o que essesconsumidores desejavam quando compravam a coleo de bens avulsasapresentadas pelos vendedores da poltica nacional (HOBSBAWM, 1990,pp. 78-79). A metfora demarketing empregada pelo historiador ingls muito prpria para o caso brasileiro, porque os baianos podiam literalmentecomprar a parafernlia do patriotismo. Em 1830, a Tipographia Viuva Serva & Filhos anunciou a venda de dois retratos de Sua Majestade Imperial,

    que chegaram ultimamente de Paris, e so estampadas com a maior perfei-o. O segundo representava Dom Pedro I em busto, segurando a espada em sinal de firmeza, e unindo ao peito a constituio, em significao de

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    ter dado espontaneamente e voluntariamente a seus Povos um Novo PactoSocial.38 Para os que no podiam pagar o preo, razoavelmente alto, de2$550, a Gazeta da Bahia prometeu reproduzir o busto em seu nmeroespecial no dia 2 de julho. Em 1839, a Aurora da Bahia anunciou que da-ria a todos os seus compatriotas, sem distino de pessoa, ou classe, umfolheto com o pomposo ttulo de O 2 de Dezembro de 1839. O panfle-to incluiria o retrato fiel do Nosso Adorado Jovem Monarca o Sr. D.Pedro 2.39

    Como foi consumida ou usada tal iconografia monrquica difcil

    de saber, mas os principais feriados em Salvador eram populares, pelo menosno sentido de atrarem um grande pblico. Relatos jornalsticos do Doisde Julho e Dois de Dezembro nunca deixavam de comentar que quantida-des impressionantes de pessoas se aglomeravam na cidade para assistir aosritos. Os milhares que se aglomeravam no Passeio Pblico em 1839, se-gundo Kidder, incluam o guerreiro e o civil, o comendador, o milionrioe o escravo, todos unidos pelo mesmo regozijo (KIDDER, 1845, v.2, p.59).

    As multides no se reuniam indiscriminadamente. Os destinos diferen-tes dos feriados nacionais em Salvador (a importncia do Dois de Julho,seguido por Dois de Dezembro e Sete de Setembro) sugerem que os baianoseram consumidores exigentes das festas cvicas. Um contemporneo, An-tnio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, explicou isso da seguintemaneira: No h patriotismo sem provincialismo; no concebo que haja amor para um objeto abstrato; concebo bem que haja bairrismo e provin-cialismo, e que daqui se chegue ao patriotismo.40 O Dois de Julho devia

    sua popularidade sua associao localidade (Salvador e o Recncavo); a guerra foi uma experincia compartilhada pelos baianos (ou seus pais). Sua compreenso do Brasil foi profundamente afetada pela luta e pela mobilizao popular requerida por ela. Dos outros dois principais feriadosnacionais, o Dois de Dezembro foi mais fcil de compreender, pois a co-memorao dos aniversrios reais era uma tradio colonial, tanto quantouma identidade como sujeitos do monarca. O Grito do Ipiranga, seja qualfor sua importncia posterior, era abstrato e remoto demais para que o Setede Setembro concorresse com xito com o Dois de Julho e o Dois de De-zembro. De fato, o tom dominante nas reportagens do Sete de Setembro

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    um de desempenho rotineiro de uma obrigao, com a exceo importan-te do ano de 1841, quando o dia 7 de setembro iniciou uma semana defestejos para comemorar a Coroao do Dom Pedro II, realizada no dia 18de julho.41

    O que Dois de Julho e Dois de Dezembro significavam para o povobaiano dificil de elucidar atravs dos relatos jornalsticos que raramentese dignam de mencionar a populao. Analisando o aniversrio do monar-ca em 1843, oCorreio Mercantil sustentou que, para a multido, panem et circenses foi sempre a sua divisa, talvez pensando no dia 7 de setembro desse

    ano, quando o Circo Americano estreou um novo e variado espetculoadequado a esse to Grande Dia.42 Dois de Julho, claro, era o mais po-pular dos feriados nacionais, eO Commerciocondenou, nesse mesmo ano,aos que ciumem de ver o povo, a canalha, como eles o chamo, se divertirfolgar e correr as ruas coroado de palmas e flores.43 Tanto o desprezo doCorreio Mercantil para com o povo quanto a defesa dele porO Commerciodestacam que a participao popular em festas cvicas era significativa e quenem sempre se enquadrava no programa oficial.

    Comemoraes oficiais, cuidadosamente programadas, no preocu-pavam as autoridades e no h indcios que elas temiam a desordem noSete de Setembro e no Dois de Dezembro, apesar da aglomerao de gran-des multides no centro da cidade. Dois de Julho era diferente, j quedurante esses dias havia muitos festejos no-oficiais. A viglia noturna na Lapinha (que, segundo um jornal, atraiu 6.000 pessoas em 1848) era preo-cupante, bem como a proliferao de mscaras e outras fantasias que dis-

    faravam a identidade dos folies.44

    Ademais, medida que o Dois de Ju-lho comemorava a expulso dos portugueses, ele podia provocar a violn-cia contra os lusos, estimulada pela retrica antiportuguesa da imprensa oposicionista.45 Depois da Sabinada, o Visconde de Piraj intentava redu-zir o Dois de Julho a seus elementos oficiais em 1838, pois nas festas doano anterior, patriotas atacaram a um portugus e o obrigaram a libertarum escravo; ademais, nesse ano, houve scenas de negros matando bran-cos.46 Em 1831, o cnsul britnico relatou (mas com ceticismo) que seesperava um levante de negros no dia 2 de julho, mas os festejos passa-ram pacificamente nesse ano turbulento.47

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    Em jogo estava, claro, o controle sobre os smbolos do estado e da nao. Eram importantes demais para serem deixados nas mos de popu-lares, como demonstram as preocupaes do juiz de paz de Brotas, uma freguesia suburbana de Salvador. Ao relatar uma batida num candomblem 1829, ele comentou que tais reunies podiam causar alguma catstro-fe como a que no stio do Engenho Velho, fora do meu Distrito, ia suce-dendo: porque houveram bandeirolas, partidos, e vozes de viva o SenhorDom Joo, e o Senhor Dom Pedro, que a muito custo se acomodou, e foitanto o povo que num s dia matou-se um Boi, comeu-se, alm do mais,

    e teve gente de vrias cores.48 As preocupaes do juiz so, de certa forma,curiosas: ele no indica quais desastres resultariam do churrasco festivo emultirracial. Saudar o imperador, tal qual faziam autoridades e povo du-rante as festas cvicas, estava longe de ser uma catstrofe, a no ser que o

    juiz se preocupasse em prevenir tais apropriaes do ritual cvico pelo povomestio.49 No Dois de Julho, contudo, foi exatamente isso que aconteceu.

    Dois de Julho era a festa cvica baiana mais popular (tanto na poca como hoje), e nela houve um processo de apropriao do ritual cvico porparte dos populares. Isso j comeara com a valorizao da participaopopular na luta da independncia. Para o patriotismo Dois de Julhista, a independncia foi uma conquista popular. Todavia, havia ainda a exclusode muitos, como demonstra o caboclo. Smbolo principal da festa, ele uma figura indgena pisando a serpente da tirania (associada aos portugue-ses) e matando-os com uma lana. O smbolo de um indgena idealizadomas indubitavelmente americano apresentava uma imagem clara do que

    no eram os brasileiros e os baianos: nem portugueses, nem africanos. Osesforos malogrados do presidente Francisco Jos de Souza Soares de An-dria (natural de Portugal) que tentou eliminar o caboclo dos festejos emmeados da dcada de 1840 revela o grau de lealdade a esse smbolo (sobreesse episdio, vide KRAAY, 1999, pp. 265-268). Ademais, a comemora-o de uma mobilizao popular no Dois de Julho e sua popularidade quaseinstantnea nos anos 1820 sugerem que a identidade cvica veio, pelo menosem parte, de baixo. Essa identidade era estreitamente ligada poltica exal-tada da poca. Versculos e cantos, com freqncia com conotaes radi-cais, proliferavam no Dois de Julho. Em 1833, um viajante francs ouviu

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    um negro atltico que cantava dos seus amores e do seu patriotismo, in-clusive o refro do hino ao Dois de Julho Nunca mais! Nunca mais/Odepotismos reger, reger nossas aes texto com claro significado po-ltico dado o sentido amplo de despotismo, qualquer ato arbitrrio dasautoridades (DUGRIVEL, 1843, p. 384).

    Uma indicao do significado popular do Dois de Julho se encontra num artigo satrico do jornal, A Marmota . Em 1849, ele sugeriu que osbaianos convidassem os seus vizinhos portugueses para participarem dosfestejos, propondo que patriotas designassem um deles para participar de

    uma alegoria cultural na primeira noite de julho. Sentado num barril, en-feitado de folhas de pitanga, esse Fragoso seria levado Lapinha, ondeseria recebido por uma commisso de crioulas e o povo, que cantariamum novo hino patritico unidade. Seu refro destacava os elementos fes-tivos do Dois de Julho:

    Ferva a patusca Haja funo,

    O dia grandeViva a Unio.

    Alguns dos seus versculos se referiam s mudanas culturais pelos quaisos imigrantes portugueses viravam brasileiros:

    J no h mais Portugueses tudo uma gente sEles j comem bananas

    J se crio com bob(...)Eles aqui vo casandoVo comendo o carurComem molho de pimenta Do seu risco no lund(...)Ter lund na Lapinha Dance todo Povo em massa O dia prprio, gozemosQa vida curta 50

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    No se sabe se algum imigrante portugus se sujeitou a esse espetcu-lo,51 mas o hino indica um nacionalismo cultural popular, derivado da cozinha e da dana afro-brasileiras, aqui apropriadas como os smbolos deuma identidade brasileira que exclua aos africanos (Fragoso seria recebi-da por crioulos, no por africanos). O lundu ritmo precursor da samba que, segundo John Charles Chasteen, florescia em situaes de mesti-agem, era ainda consideradorisqu pela elite brasileira (1996, pp. 35-36).

    A nica, mas muito significativa, grande reclamao sobre a partici-

    pao popular registrada durante outras festas cvicas veio no final da co-bertura ampla que oCorreio Mercantil deu aos festejos da Coroao em1841, na qual critica a participao africana neles. Segundo o jornal, as belasfestas foram maculadas pelos tumultuosos e numerosos batuques de afri-canos () de dia, e s vezes at alta noite. Tantos batuques foram realiza-dos que pareciam ser parte integrante do programa das festas e umvistitante estrangeiro podia enganar-se que Salvador fosse uma povoaoafricana. No foram poucos os que reclamaram disso ao redator, princi-palmente no dia 10 de setembro quando o fogo de artifcio no CampoGrande teve que enfrentar a concorrncia de um batuque, com nada me-nos de 500 pessoas, na praa de Piedade.52 Qual ligao tinham os batu-ques com os festejos da Coroao difcil de estabelecer; eram comuns nosdomingos e nos outros feriados, e possvel que os africanos simplesmen-te aproveitassem do feriado em honra do imperador para manter sua au-tonomia cultural. Por outro lado, o tamanho do batuque e sua coincidn-

    cia com a comemorao do imprio podem indicar uma compreenso afri-cana da monarquia brasileira que oCorreio Mercantil certamente no acei-tava e talvez nem tinha condies de entender. Diversos estudiosos tmapontado a viva tradio monrquica de liderana africana que se manifes-tava em candombls, congadas, quilombos e reinados negros no Brasil.53 luz disso, o imprio brasileiro e suas comemoraes no eram estranhasaos africanos que, no caso do batuque da Praa da Piedade, talvez estives-sem tambm comemorando a Coroao do monarca brasileiro. O que claro, todavia, que oCorreio Mercantil no admitia lugar nenhum para a cultura africana nos festejos cvicos brasileiros.

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    Concluso

    No fcil perceber exatamente o que se celebrava nas festas cvicasda poca remota do incio do sculo XIX. claro que o estado imperialtinha grande interesse em difundir uma imagem conveniente do monarca e do estado; havia um projeto de festas cvicas que visava representar a so-ciedade brasileira como algo ordeira, ordenada hierarquicamente em tor-no dos smbolos monrquicos. Os esforos dos membros da elite baiana para se associarem aos smbolos do imprio demonstram a importncia

    deles. O Visconde de Piraj festejou o aniversrio do Dom Pedro II antesmesmo que fosse proclamado feriado nacional e Francisco Moniz Barretointentou desafiar ao Presidente Francisco Gonalves Martins no Dois deDezembro, enquanto o presidente e seus partidirios planejavam uma co-memorao ordeira. O projeto monrquico-imperial era facilitado pela longa tradio colonial de comemorar a famlia real.

    Na Bahia (e em outras provncias) esse projeto chocava-se com a bem-estabelecida identidade local; para muitos baianos, a Bahia era a sua ptriae o Brasil era algo distante ou remoto. Dois de Julho, a maior festa cvica baiana, reforava a lealdade ptria (Bahia) mas medida que apresentavauma interpretao popular da independncia brasileira, tambm negocia-va simbolicamente a integrao da Bahia comunidade imaginada maiordo Brasil (ANDERSON, 1991). Essa ambigidade do Dois de Julho uma festa local que aspirava tornar nacional sua interpretao popular da independncia essencial para compreender o festejo. Dois de Julho e

    o aniversrio da Batalha de Piraj se prestavam facilmente a uma interpre-tao popular da fundao do Brasil, por serem comemoraes de epis-dios que marcaram as vidas dos muitos que participaram da luta pela inde-pendncia na Bahia. Para eles, a independncia fora conquistada por elesmesmos; a nao, fosse qual fosse a compreenso que tinham dela, foi suaprpria vitria. Da a importncia do Dois de Julho: ele sustentava que a independncia foi uma conquista popular e no uma ddiva do Dom Pedro Inas margens do Ipiranga.

    Todavia, no se deve justapor de forma ingnua interpretaes popu-lares e elitistas da independncia ou impor-lhes uma unidade que inexistia.

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    impossivel saber, por exemplo, se Jos Barata de Almeida teria apreciadoos batuques de setembro de 1841 ou a cultura popular afro-brasileira saudada por A Marmota , mas ele compartilhava com esse jornal satricouma viso da nao na qual esta era composta das classes populares no-brancas. Dessa forma, ele implicitamente criticava a elite que se esforava para manter o controle sobre as festas cvicas e que tentava definir a naode uma forma estreita. Contudo, essa viso popular da fundao da naobrasileira exclua muitos de seus integrantes. Nem portugueses, nem afri-canos integravam a comunidade poltica, mas aos poucos a cultura afro-

    brasileira virou parte de uma identidade brasileira, como sugere o poema sobre os portugueses que viravam brasileiros. Por outro lado, havia quemnegasse a prpria existncia do patriotismo popular, ou pelo menos se preo-cupava com a proliferao de comemoraes no-oficiais. Podia-se negarseu significado poltico, como tentou oCorreio Mercantil quando comen-tou que po e circo eram a divisa do povo; podiam reprimir as comemora-es de cunho cvico-popular, como tentou o juiz de paz de Brotas, oumesmo expulsar elementos indesejados do espao festivo, como fez o sar-gento que maltratou a Umbelina. Todavia, essas negaes podem ser lidascomo evidncia de um patriotismo popular cuja existncia incomodava osseus crticos. Dessa forma, uma anlise de festas cvicas demonstra a com-plexidade e a variedade das possveis interpretaes da independncia e da comunidade poltica, interpretaes instveis e sempre em jogo.

    Notas

    1 A pesquisa foi financiada pela Universidade de Calgary e pelo Social Sciences andHumanities Research Council do Canad; agradeo a assistncia na pesquisa de Sonya Marie Scott e a reviso do texto em portugus de Jacqueline Hermann. Todos os jornaiscitados foram publicados em Salvador. Verses preliminares do artigo foram apresentadasno V Congresso Internacional, BRASA, Recife, 20 jun. 2000, e no Departamento de His-tria, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 24 nov. 2000. Agradeo os comentriosdos participantes dessas conferncias.2 A discusso que segue baseada em duas fontes: a correspondncia de O Consterna-do,Dirio da Bahia , 14 nov. 1835, pp. 3-4; eO Defensor do Povo, 18 nov. 1835, pp.159-162. O caso tambm analisado por MOREL (2001, pp. 300-316).3 Vice-Cnsul ao Ministro Plenipotencirio, Salvador, 6 nov. 1837, Gr Bretanha, PublicRecord Office, Foreign Office 13, v. 139, fol. 115r-v. O dia, de fato, no passou tranqi-

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    lamente em 1837, porque a Sabinada eclodiu em Salvador no dia 7 de novembro, e noh notcias de qualquer festa patritica no dia seguinte.4 Dia 8 de Novembro,O Sculo, 9 nov. 1850, p. 2.5 Felisberto Caldeira Brant Pontes a Luiz Jos Carvalho e Mello, Londres, 1 out. 1824,em BRASIL, MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES (1922-1925, v. 2, p. 128).Vide tambm COSTA (2000, pp. 94-96).6 Vide SCHWARTZ (1987); KRAAY (1998); E. SILVA (1993); MOREL (2001).7 Lei, 9 set. 1826,Coleo das Leis do Brasil . Sobre o aditamento de 3 de Maio, vide ocurto debate nos Anais da Cmara dos Deputados (1826), v. 2, p. 36; v. 3, pp. 262-265; a tramitao do projeto no senado pode ser seguida nos Anais do Senado(1826), v. 1, p. 85;v. 2, pp. 100-102; v. 3, pp. 14-16, 122-129. Vide tambm LYRA (1995).8 Decreto, 25 out. 1831; Decreto 146, 26 ago. 1840; Decreto 501, 19 ago. 1848,Coleodas Leis do Brasil .9 Resoluo, 12 ago. 1831,Coleo das Leis do Brasil ; Lei 43, 13 mar. 1837,Coleo das leis e Resolues da Bahia .10 Sobre as primeiras comemoraes do 2 de Julho, vide KRAAY (1999, pp. 260-261) eMARTINEZ (2000, pp. 69-78). As primeiras referncias s comemoraes do 25 de Ju-nho se encontram em Presidente a Cmara de Cachoeira, Salvador, 18 mai. 1830,Gazeta da Bahia , 19 jun. 1830; eNova Sentinella da Liberdade , 24 jul. 1831, pp. 143-146, quetraz uma descrio da festa.11Todavia, em 1839, 7 de abril foi solenisado (...) com todas as demonstraes do pbli-co regosijo,Correio Mercantil , 9 abr. 1839, p. 1.12 Comandante Superior Interino ao Presidente, Salvador, 29 jul. 1841, Arquivo Pblicodo Estado da Bahia, SACP, m. 3545.13 Correio Mercantil , 4 dez. 1838, p. 1; Mappa da Fora em Grande Parada, 2 dez. 1848, Arquivo Nacional, SPE, IG1, m. 119, fol. 376;Correio Mercantil , 5 dez. 1843, p. 1; 10set. 1838, p. 1.14 Correio Mercantil , 4 dez. 1838, p. 1; 4 dez. 1841, p. 1;O Mercantil , 4 dez. 1845, p. 1.15

    O Noticiador Catholico, 9 dez. 1848, p. 227.16 Correio Mercantil , 4 dez. 1838, p. 1; 5 dez. 1843, p. 1; WETHERELL (1860, pp. 58-59).17 Governo Provisrio ao Ministro do Imprio, Salvador, 24 jan. 1824,in BRASIL, AR-QUIVO NACIONAL (1973, p. 81);O Grito da Razo, 14 out. 1824, p. 1.18 Cmara ao Imperador, Vila da Barra, 13 mar. 1826, Arquivo Nacional, IJJ9, m. 605;Silva (1825).19 Correio Mercantil , 4 jul. 1839, p. 4; 5 jul. 1847, p. 1.20 Correio Mercantil , 7 jul. 1848, p. 2.21

    A amplitude desse espao poltico das festas cvicas ainda merece ser estudada. A historiografia reconhece a importncia do teatro na poltica da corte (MALERBA, 2000, pp.96-100; MAMMI, 2001, pp. 48-49) mas na Bahia o espao festivo-poltico estendia-seat as praas da cidade, com a presena de autoridades. Vide tambm I. SOUZA (1998).

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    22 O Commercio, 5 jul. 1843, p. 2; Correio Mercantil , 6 jul. 1840, p. 1; O Sculo, 10 set.1850, p. 1.23 Correio Mercantil , 7 jul. 1848, p. 2.24 Correio Mercantil , 6 jul. 1840, p. 1; A Marmota , 4 jul. 1849, p. 2. Vide tambm KIDDER (1845, v. 2, pp. 59-60).25 A Marmota , 4 jul. 1849, p. 2; Correio Mercantil , 4 dez. 1841, p. 1.26 Grito da Razo, 6 jul. 1824, p. 1.27 A. Ronzi, Chronica Theatral,Correio Mercantil , 7 jul. 1849, p. 1; Correio Mercantil ,7 jul. 1848, p. 2.28 Novo Diario da Bahia , 6 dez. 1837, p. 1; P. SOUZA (1987, p. 72). Sobre a Sabinada,

    vide tambm Kraay (1992).29 Correio Mercantil , 4 dez. 1838, p. 2; vide tambm o nmero de 7 set. 1838, p. 1.30 Correio Mercantil , 3 jul. 1840, p. 1; 7 set. 1840, p. 1; Manoel Antonio da Silva Serva,O Dia Sete de Setembro,Correio Mercantil , 7 set. 1840, pp. 1-2.31 Correspondncia ao redator de Francisco Moniz Barreto,O Fiscal , 11 dez. 1848, p. 1.32 O Sculo, 7 dez. 1848, pp. 3-4; O Fiscal , 11 dez. 1848, p. 2.33 Como se festejou o dia 2 de Dezembro,O Sculo, 5 dez. 1848, p. 1.34 Correio Mercantil , 18 jun. 1849, p. 2; 4 jul. 1849, p. 2; Carta do D. Manoel Jarreta

    (...), A Marmota , 14 jul. 1849, p. 1.35 O Dous de Julho como passou,O Sculo, 9 jul. 1850, p. 1; O Dia Sete de Setembrode 1850 na Bahia,O Sculo, 10 set. 1850, p. 1.36 I. SILVA (1919-1940, v. 4, p. 100); O Grito da Razo, 15 jan. 1825, pp. 3-4; Antniode Sousa Lima ao Presidente, Itaparica, 1 jan. 1825, Biblioteca Nacional, SM, II-33, 31, 19.37 Visconde de Piraj ao Presidente, Salvador, 4 dez. 1830; Tenente-Coronel Comandan-te, Polcia, ao Presidente, 4 dez. 1830, Biblioteca Nacional, SM, I-31, 15, 25, docs. 36-37.38 Avisos,Gazeta da Bahia , 19 jun. 1830, p. 4. Para um outro exemplo, vide Vendas,Gazeta Commercial da Bahia , 21 out. 1836, p. 4.39 Ao respeitavel pblico,Correio Mercantil , 29 nov. 1839, p. 3.40 Fala de 6 jul., Anais da Cmara dos Deputados (1839), v. 2, p. 104.41 Vide, por exemplo,Correio Mercantil , 10 set. 1838, p. 1; 9 set. 1847, p. 2; O Sculo, 10set. 1850, pp. 1-2. Para 1841, vide o Correio Mercantil de 16, 17 e 20 set., eCommunicado, Correio Mercantil , 25 set. 1841, pp. 1-3.42 O Dia 2 de Dezembro,Correio Mercantil , 5 dez. 1843, p. 1; Circo Americano,Correio

    Mercantil , 5 set. 1843, p. 3.43 O Commercio, 10 jul. 1843, p. 1.

    44 Vide, por exemplo, a proibio de mscaras,Correio Mercantil , 26 jun. 1841, p. 3; euma reportagem aliviada que a noite primeira de julho passara tranqilamente em 1849,

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    Correio Mercantil , 5 jul. 1849, p. 1. A estimativa de 6.000 pessoas se encontra em Dousde Julho de 1848, Correio Mercantil , 5 jul. 1848, p. 1.45 Para comentrios sobre essa retrica e exemplos dela, videGrito da Razo, 6 jul. 1824,pp. 1-2; 6 jul. 1825, p. 2; Nova Sentinella da Liberdade , 2 jul. 1831, pp. 88-89; O De-mocrata , 30 abr. 1836, p. 319; O Guaycur, 28 jun. 1845, p. 406; O Sculo, 7 set. 1850, p. 146 Visconde de Piraj ao Regent, 28 jun. 1838 (BAHIA, ARCHIVO DO ESTADO, 1937-1948, v. 4, p. 372).47 John Parkinson a John Bidwell, Salvador, 26 jun. 1831 (particular), Gr Bretanha, PublicRecord Office, Foreign Office 13, v. 88, fol. 119v;Nova Sentinella da Liberdade , 3 jul.1831, p. 91.48

    Juiz de Paz ao Presidente, Freguesia de Brotas, 28 ago. 1829,in REIS e SILVA (1989, p.129).49 No seu anlise do documento, Joo Jos Reis comenta o perigo dos festejos fora docontrole da polcia e margem das regras e rituais da cultura nacional brasileira, semcontudo notar os aspectos cvicos do festejo (REIS e SILVA, 1989, pp. 40, 44).50 A Marmota , 30 jun. 1849, pp. 1-2.51 Nem A Marmota nem o Correio Mercantil o mencionaram nas suas descries dos fes-tejos do Dois de Julho (nmeros de 4 jul. 1849).52 Correio Mercantil , 30 set. 1841, p. 1. Essa descrio foi analisada por Joclio Teles dosSantos, que confunde os festejos da Coroao com a comemorao do dia de um santo, oque o leva a uma anlise da influncia africana na igreja baiana (SANTOS, 1998, pp. 29-30). Foi tambm analisada por Joo Jos Reis, que a coloca no contexto da campanha contra manifestaes da cultura africana empreendida peloCorreio Mercantil (REIS, 2001,pp. 349-351).53 Essa interpretao dos festejos monrquicos sugerida por Schwarcz (1999, pp. 248,257) e I. Souza (1998, pp. 230-232). Vide tambm REIS (1995-1996, pp. 32-33) e

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    Resumo

    Atravs de uma anlise dos ritos cvicos na Bahia aps a Independncia, este artigoexamina a maneira pela qual o Estado e a nao foram representados e pensados tanto pela elite quanto pelo povo no espao festivo que reunia todas as classes sociais. Destamaneira, aborda as grandes questes sociais e polticas numa poca em que uma socie-dade recm-sada do regime colonial tentava se representar: raa, cidadania, perten-cimento nao e lealdades locais versuslealdade nacional. O artigo sustenta que havia uma viso popular do Estado que no se enquadrava nas festas oficiais e que perpetuava uma leitura alternativa do significado da Independncia. Todavia, aos poucos, as festas cvicas contriburam para o fortalecimento de identidades brasileiras e baianas.

    Abstract

    Through an analysis of civic rituals in post-independence Bahia, this article exami-

    nes the ways in which the state and the nation were represented and understood bothby the elite and by the people in a festive space that brought together all social classes.In this way, the article addresses the larger social and political questions that a recently-independent society faced as it sought to represent itself publicly: race, citizenship,membership in the nation, and regional versus local loyalties. It argues that there was a popular vision of the state that escaped the script of official civic rituals and that presented an alternative reading of independences meaning. Nevertheless, civic rituals contributed to the strengthening of both Brazilian and Bahian identities.