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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 O HOMEM, O RELEVO E A CULTURA: ETNOGEOMORFOLOGIA SERTANEJA NA REGIÃO SUL DO CEARÁ- BRASIL Vanessa Martins Lopes Licenciada em Geografia, Universidade Regional do Cariri (URCA) [email protected] Cássio Expedito Galdino Pereira Professor Substituto, Pesquisador do Lab. IMAGO (Pesquisa em Cultura Visual, Espaço Memória e Ensino) – Dep. Geociências/URCA [email protected] INTRODUÇÃO O relevo como um componente da paisagem, exerce enorme influência na dinâmica socioambiental, e o seu entendimento é essencial para estudos sobre meio ambiente e organização espacial. Ver as formas e processos geomorfológicos além do olhar científico, sob a ótica de comunidades tradicionais que mantém uma relação tão próxima com o meio natural, pode ser uma ferramenta eficaz na efetivação de ações mais sustentáveis que colaborem para a conservação ambiental e também cultural. Isso é essencial porque a relação homem/natureza, fortemente influenciada e dependente dos seus valores culturais, é decisivamente importante na construção socioespacial, dessa maneira a valorização da cultura das comunidades locais e da relação que elas mantêm com o ambiente ao seu entorno, é de suma importância para estabilizar essa relação sociedade/natureza. (LOPES et. al., 2013). A situação de instabilidade ambiental a qual vivenciamos nos últimos tempos, a posição marginal que ocupam as comunidades tradicionais no que se refere à valorização de seus conhecimentos, bem como as ações governamentais que nem sempre são 3164

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O HOMEM, O RELEVO E A CULTURA:ETNOGEOMORFOLOGIA SERTANEJANA REGIÃO SUL DO CEARÁ- BRASIL

Vanessa Martins Lopes

Licenciada em Geografia, Universidade Regional do Cariri (URCA)

[email protected]

Cássio Expedito Galdino Pereira

Professor Substituto, Pesquisador do Lab. IMAGO (Pesquisa em Cultura Visual, Espaço

Memória e Ensino) – Dep. Geociências/URCA

[email protected]

INTRODUÇÃO

O relevo como um componente da paisagem, exerce enorme influência na

dinâmica socioambiental, e o seu entendimento é essencial para estudos sobre meio

ambiente e organização espacial. Ver as formas e processos geomorfológicos além do olhar

científico, sob a ótica de comunidades tradicionais que mantém uma relação tão próxima

com o meio natural, pode ser uma ferramenta eficaz na efetivação de ações mais

sustentáveis que colaborem para a conservação ambiental e também cultural. Isso é

essencial porque a relação homem/natureza, fortemente influenciada e dependente dos

seus valores culturais, é decisivamente importante na construção socioespacial, dessa

maneira a valorização da cultura das comunidades locais e da relação que elas mantêm com

o ambiente ao seu entorno, é de suma importância para estabilizar essa relação

sociedade/natureza. (LOPES et. al., 2013).

A situação de instabilidade ambiental a qual vivenciamos nos últimos tempos, a

posição marginal que ocupam as comunidades tradicionais no que se refere à valorização

de seus conhecimentos, bem como as ações governamentais que nem sempre são

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condizentes com as diversas realidades espaciais, são questões que justificam o

desenvolvimento deste trabalho. Deste modo, esta pesquisa tem como objetivo identificar

como os produtores familiares sertanejos entendem e classificam o relevo e os processos

geomorfológicos locais, e como a partir desse conhecimento manejam o ambiente em que

vivem. O cenário foi um pequeno distrito denominado de Arajara, pertencente ao município

de Barbalha, porção sul do estado do Ceará, região nordeste do Brasil. Os resultados foram

muito positivos, confirmando o quão valiosos são os conhecimentos ambientais do homem

sertanejo nordestino.

METODOLOGIA

Inicialmente foi feito o levantamento e apreciação do material bibliográfico.

Dentre as principais obras que serviram de base para este trabalho podemos citar a tese de

doutorado de Ribeiro (2012) que foi peça-chave para o desenvolvimento dessa pesquisa já

que a mesma trabalhou com o tema etnogeomorfologia através de uma análise

comparativa do etnoconhecimento geomorfológico de produtores rurais da Sub-Bacia do

Rio Salgado, localizada na Região do Cariri Cearense. O trabalho de outros autores como

Diegues (1996; 2000a), Toledo e Barrera-Bassols (2009) e Toledo (2001), dentre outros

contribuíram muito para a construção da base teórica etnocientífica dessa pesquisa.

Na fase de produção cartográfica, foram produzidos mapas que possibilitassem

realizar a caracterização geoambiental da área de estudo. A carta base foi produzida com

Planos de Informação (PIs) digitais disponibilizados pela FUNCEME - Zoneamento

Geoambiental da Mesorregião Sul- Cearense (FUNCEME, 2006) e, a partir dela foram

confeccionados os mapas temáticos geológicos, geomorfológicos, pedológicos e de uso de

solo. Após a produção cartográfica, foi feita uma análise e observação dos mesmos,

produzindo um perfil geral sobre as características geoambientais da área de estudo. Ainda

em trabalho de gabinete, foi elaborado o roteiro de entrevistas de caráter qualitativo, com

questões que objetivavam descobrir a visão de mundo que os agricultores rurais sertanejos

possuem do ambiente que vivem, enfatizando o relevo e processos morfogenéticos

atuantes sobre ele.

A fase de campo foi constituída no reconhecimento da área de estudo, seguido

da aplicação de vinte e uma entrevistas no distrito de Arajara, onde as mesmas foram

transcritas para o papel e gravadas em áudio a fim de uma maior obtenção de dados, sendo

as famílias entrevistadas escolhidas aleatoriamente, tendo como pré-requisito somente a

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necessidade de serem produtores rurais familiares, ou seja, pessoas que praticam a

agricultura de subsistência. Por fim, a última etapa foi a análise dos dados coletados em

campo e a correlação do etnoconhecimento com os conhecimentos científicos, produzindo

assim o trabalho final.

HOMEM, RELEVO E CULTURA

O processo de intervenção humana sobre o meio natural tem sua origem desde

o inicio da história do próprio homem na Terra, sendo que este por sua vez, vem tornando

cada vez mais o meio natural uma natureza humanizada. (CAMARGO, 2008). Assim, o espaço

que antes era amplamente “natural” vem se tornando cada vez mais artificial, graças à ação

humana por meio da técnica que foi evoluindo juntamente com essa espécie. No entanto,

essa técnica não se fez igual em todas as partes do planeta, isso porque as relações do

homem com a natureza ocorreu distintamente em cada lugar do globo, justamente como

resultado da cultura de cada grupo. Toledo (2001) afirma que a diversidade humana cultural

está associada com as concentrações remanescentes de biodiversidade, assim, o Brasil está

dentre os países considerados mega-diversos no âmbito biológico e cultural.

A cultura é como o espaço geográfico, uma construção humana, e como os

homens não são iguais ela também não o é, no entanto, “a mente humana, apesar das

diferenças culturais entre as diversas fracções da Humanidade, é em toda a parte uma e a

mesma coisa, com as mesmas capacidades.” (LÉVI -STRAUSS, 1978, p. 30/31).

A cultura apesar de ser instrumento essencial na construção sócioespacial, não

age somente como um instrumento ativo, atuando também como um agente passivo, capaz

de ser influenciado pela realidade que o cerca. Deste modo, a cultura é modeladora e

modelada pelo meio social.

Diante do atual quadro vivenciado pela sociedade, a qual se destaca a situação

alarmante em que se encontra a natureza por causa da constante e acentuada intervenção

humana que quase sempre se dá de maneira predatória, faz-se necessário repensar a

questão ambiental, a partir de uma perspectiva cultural. Entender as diferentes formas

como o homem vê, entende e se relaciona com o meio, é crucial para essa análise sob uma

perspectiva humano-cultural, alicerçada no espaço vivido e na subjetividade como os grupos

humanos se organizam em cada lugar especifico. (CAMARGO, 2008).

“Hoje em dia estamos ameaçados pela perspectiva de sermos apenas

consumidores, indivíduos capazes de consumir seja o que for que venha de qualquer ponto

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do mundo e de qualquer cultura, mas desprovidos de qualquer grau de originalidade.”

(LÉVI-STRAUSS, 1978, p. 32). Isso ocorre porque em meio a um sistema que valoriza cada vez

mais os novos arquétipos de consumo, os modelos de vida dos povos tradicionais, que não

são totalmente dependentes da presença dos elementos da modernidade como a

tecnologia, por exemplo, se tornam cada vez mais ignorados. No entanto, esses povos e

comunidades que são vistos como pobres “detém a chave de uma conservação exitosa em

muitas das áreas biologicamente mais ricas do planeta”. (TOLEDO, 2001, p. 1).

Sob a perspectiva desse debate, parecemos estar fugindo do ponto central da

nossa discussão que é a questão ambiental, no entanto, ao discutirmos, sobre as

repercussões do sistema capitalista sobre a vida das pessoas, estamos nos referindo

também à invisibilidade dos modelos locais ou tradicionais, a qual tem na cultura a base de

sua essência, e estão simplesmente sendo esquecidas pela sociedade moderna ocidental

para qual “o meio natural nada mais é do que um objeto, uma mercadoria ou, melhor, uma

possibilidade de lucro e de desenvolvimento.” (CAMARGO, 2008, p. 215/216). Isso é

lamentável já que a cultura dessas comunidades exerce importante papel na conservação

ambiental local.

A dimensão de lugar também ganha destaque e é igualmente importante no

estudo das comunidades tradicionais, já que a relação de identidade com ele estabelece a

conservação ambiental local. Isso é importante porque com o processo de globalização atual

a noção de lugar se tornou marginalizada em meio à ênfase dada ao espaço. “O domínio do

espaço sobre o lugar tem operado como um dispositivo epistemológico profundo do

eurocentrismo na construção da teoria social”. (ESCOBAR, 2005).

“Quando se fala na importância das populações tradicionais na conservação da

natureza, está implícito o papel preponderante da cultura e das relações homem/natureza”.

(DIEGUES, 1996, p. 75). Os povos tradicionais exercem impacto reduzido sobre a biosfera e

vêem a terra e a natureza como entidades sagradas, diferentemente do pensamento

ocidental a qual a natureza não passa de uma mercadoria. Esses povos possuem um

repertório de conhecimentos ecológicos que geralmente é local, coletivo, diacrônico e

holístico. Os saberes ambientais é apenas uma fração da sabedoria local, que se

desenvolvem de acordo com o contexto natural e cultural onde se desdobram. A

transmissão de conhecimentos ocorre oralmente, por isso a memória é um recurso

essencial para essas comunidades. (TOLEDO, 2001; TOLEDO & BARRERA-BASSOLS, 2009).

São vários os tipos de comunidades tradicionais indígenas e não-indígenas,

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porém o foco dessa pesquisa são as comunidades sertanejas, isto é, de produtores rurais

familiares do sertão nordestino, as quais requerem meios intelectuais próprios para

manejar o ambiente ao seu entorno. O sertanejo possui um vinculo muito forte com a terra

e com suas tradições destacando-se a sua forte religiosidade, onde suas duas maiores

formas de expressão foram o cangaço e o fanatismo religioso. (TOLEDO &

BARRERA-BASSOLS, 2009; DIEGUES, 2000a).

ETNOGEOMORFOLOGIA

Sabemos que “em todo o universo não existe nada isolado, fragmentado”

(CAMARGO, 2008, p. 50), assim para compreender a dinâmica de uma paisagem é preciso

conhecer as partes e como elas se interrelacionam para formar o todo. Isso é essencial

porque a “geografia, ao pensar a totalidade como um simples somatório de partes, não

verifica sua essência, seus fluxos, suas possibilidades”. (CAMARGO, 2008, p. 216).

Portanto, a partir desse pressuposto, o estudo do relevo é essencial para a

análise integrada da paisagem já que a geomorfologia direciona a sua preocupação não

somente as feições geomorfológicas e processos que modelam a superfície terrestre, mas

também à maneira como o homem, principal agente construtor e transformador do espaço

geográfico, interfere sobre o relevo e consequentemente no seu estágio de equilíbrio

dinâmico. Esse equilíbrio será influenciado pelas características físicas e tendências

evolutivas do relevo e dos demais elementos da paisagem, dos processos exógenos

atuantes sobre essas formas e principalmente da forma de intervenção antrópica neste

lugar. (MARQUES, 1998).

A geomorfologia assume assim um papel essencial na gestão ambiental e no

planejamento do uso do solo rural e urbano, pois o relevo exerce influência direta e indireta

sobre a vida humana e suas formas de uso e ocupação da paisagem.

Partindo da compreensão da importância do relevo para os estudos da

paisagem e da cultura para os estudos sobre as relações sociais e ambientais, chegamos a

etnogeomorfologia que resumidamente resulta de uma análise baseada na cultura e no

relevo. A mesma analisa os conhecimentos que uma comunidade tem acerca do relevo e

dos processos geomorfológicos, considerando os saberes sobre a natureza advindo dos

valores da cultura e da tradição local. (RIBEIRO, 2012).

As taxonomias e classificações geomorfológicas locais para as formas e

processos geomórficos exógenos são produtos muito importantes para o estudo

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etnogeomorfológico:

“A literatura abunda em exemplos sobre os termos utilizados pelos

povos tradicionais para distinguir e nomear grandes estruturas

geomorfológicas. Praticamente toda cultura possui termos para

designar os principais acidentes de seu espaço terrestre (planícies,

vales, declives, montanhas, picos) ou aquáticos.” (DURVAL, 2008 apud

TOLEDO & BARRERA-BASSOLS, 2009).

Neste âmbito, a etnogeomorfologia tem fixado na etnoecologia os seus alicerces

já que, pode ser considerada, assim como a etnopedologia, como uma abordagem

etnoecológica, uma ciência híbrida estruturada a partir da combinação de ciências naturais e

sociais (TOLEDO, BARRERA-BASSOLS & ZINCK 2003, apud RIBEIRO, 2012). “A

Etnogeomorfologia adquire status de ciência co-irmã da Etnopedologia, ambas

intrinsecamente relacionadas à Etnoecologia”. (RIBEIRO, 2012, p.53).

A etnogeomorfologia pode ser usada para fornecer um quadro para o diálogo,

que pode situar diferentes saberes em efetivo, mas que nem sempre são consensuais. Além

disso, ela oferece uma visão justificativa para vias de comunicação que promovam e

reforçam sinergias entre a geografia humana e física, colaborando para reconhecer

paisagens como entidades simultaneamente geomorfológicas e culturais. (WILCOCK, 2013).

De tal modo, ela pode contribuir para a Geomorfologia acadêmica, sob a forma de novas

perspectivas de análise da paisagem pautada nas formas de interpretação das comunidades

tradicionais, aliando o conhecimento técnico-acadêmico a esses saberes produzidos

culturalmente.

ETNOGEOMORFOLOGIA SERTANEJA NO SUL CEARENSE

Localizado na sub-bacia do rio Salgado, porção sul do estado do Ceará, região

nordeste do Brasil, o distrito de Arajara (Figura 01) pertence ao município de Barbalha, a

qual possui, apesar de pertencer à Região Metropolitana do Cariri- RMC, expressiva

extensão rural. Esse distrito é totalmente influenciado pelas características geoambientais

da Bacia Sedimentar e Chapada do Araripe, que possibilitam que essa seja uma área com

características climáticas mais amenas do que o seu entorno, além de possuir várias

nascentes de água cristalina de caráter perene que alimentam os rios dessa região. Deste

modo, apesar de estar no meio do sertão nordestino, a área de estudo condicionada pelo

relevo local se constitui num enclave úmido no meio do semiárido, possibilitando o

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desenvolvimento de um clima mais ameno com maiores índices pluviométricos e uma

vegetação mais densa do que a caatinga.

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Figura 01 – Visão geral do distrito de Arajara, Barbalha, com sua sede em meio às áreas de produçãoagrícola (Foto: RIBEIRO, 2012)

Se tratando de conhecimento local, indo muito além da etnogeomorfologia,

vários tipos de conhecimentos etnocientíficos foram demonstrados na fala de cada

agricultor sertanejo entrevistado, demonstrando que as experiências repassadas através de

gerações assim como aquelas adquiridas pela vivencia com o lugar possuem enorme

expressividade na visão e relação com o mundo que essas comunidades exercem.

O conhecimento das populações tradicionais é holístico, porque resulta das

necessidades de uso e manejo dos recursos naturais, dessa forma elas detém um detalhado

catálogo de conhecimento acerca da estrutura, elementos, processos, dinâmicas e

potenciais da natureza. Assim os indivíduos reconhecem informações sobre espécies de

plantas, animais, fungos, e alguns microorganismos, além de diversos tipos de minerais,

solos, água, neve, vegetação e paisagens. (TOLEDO, 2001; TOLEDO & BARRERA-BASSOLS,

2009).

Assim, aspectos climáticos, biogeográficos, hidrológicos, pedológicos e edáficos

locais, e também regionais, foram relatados e justificados de uma maneira muito tradicional

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pautada comumente na religiosidade, que surge como uma das facetas da expressão

cultural capaz de exercer enorme influência sobre as concepções de mundo de um grupo.

Raick (2006, p. 41) faz uma discussão sobre esse assunto e afirma que “mesmo

reconhecendo as explicações dadas pela ciência a respeito dos fenômenos naturais, o

reconhecimento de que esses são movidos por uma ordem superior a eles satisfaz mais

como meio explicativo e orientador das ações futuras do que qualquer outro sistema”.

Classificação etnogeomorfológica local

Voltando-se para o foco central da pesquisa que é etnogeomorfologia, a

paisagem de Arajara é entendida pelos agricultores como um elemento não uniforme e

diferenciado, por algumas características como o solo, a forma e a altura do terreno. Desta

maneira, como é notável na Figura 02, foi possível identificar as seguintes unidades

etnogeomorfológicas:

Figura 02- Classificação etnogeomorfológica do Distrito de Arajara, Barbalha/CE. Fonte: Elaboradopor Lopes e Ribeiro (2013)

SERRA DO ARARIPE: compreende a Chapada do Araripe, um relevo

tabuleiforme com altitudes que podem ultrapassar os 900 m., no qual torna-se responsável

pelas características geoambientais diferenciadas dessa região.

TALHADO: se refere mais especificamente as escarpas abruptas da Chapada,

caracterizadas pela intensa declividade. Segundo Barros (1964, p. 67), o talhado, “é uma

escarpa arenítica, abrupta, de perfil acentuadamente vertical, verdadeira cornija” que é mais

visível nos municípios de Crato, Barbalha e Missão Velha.

• PÉ DE SERRA: é toda a área que se localiza no sopé da Chapada, logo abaixo do

talhado, e que segundo Barros (1964, p. 67) “apresenta uma superfície de

topografia irregular, com vertentes algumas vezes de declives íngremes,

entalhadas no arenito.”

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• TABULEIRO: é uma área de pedimento com colinas, ou seja, um relevo

suavemente ondulado.

• ALTOS E BAIXOS: diz respeito às diferenciações de altitudes topográficas

existentes da área de pedimento, através das colinas e alvéolos.

Como podemos observar os agricultores do Distrito de Arajara possuem uma

denominação particular no que se refere às unidades geomorfológicas do ambiente a qual

estão inseridos.

Observando a Figura 03, é possível perceber que a chapada ou cimeira estrutural

do Araripe é caracterizada por seu relevo plano e pouco dissecada, em razão dos arenitos

porosos da Formação Exú. A escarpa da Chapada, que é um relevo abrupto e acentuado

possui altimetria entre 600 e 850 m., com declividades médias a altas chegando a valores

próximos a 90%, dissecada em vales formando amplos hollows e noses. Já a encosta

constitui um compartimento de declividade mediana mais suave que a escarpa da chapada.

O pedimento se constitui na superfície de aplainamento com a presença de colinas (com

litologia mais resistente) e alvéolos, planícies estreitas desenvolvidas entre encostas.

(RIBEIRO, 2012).

Figura 03- Classificação geomorfológica científica/acadêmica do Distrito de Arajara, Barbalha/CE.Fonte: Elaborado por Lopes & Ribeiro (2013).

Processos Geomorfológicos Exógenos

A visão sobre os processos geomorfológicos a qual os agricultores de Arajara

detêm também é bastante ampla e integrada. Os produtores rurais classificam as cicatrizes

presente na paisagem, provocadas pelos processos erosivos da seguinte maneira:

Levada ou valeta: refere-se às ravinas e microrravinas, ou seja, aos canais de

menor amplitude formados em primeiro estágio pelo escoamento superficial.

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Riacho ou grota: esse tipo de cicatriz corresponde às voçorocas, o estágio

mais avançado das ravinas, e igualmente são formados, sobretudo pela ação pluvial intensa

nos períodos chuvosos o que, junto com a estrutura física dos solos e o tipo ou ausência de

cobertura vegetal, colaboram para o desenvolvimento e evolução dessas formas na

paisagem.

Não se restringindo a classificação das cicatrizes erosivas, e de maneira bem

peculiar, os fatores controladores dos processos erosivos são reconhecidos pelos

agricultores como podemos perceber nos depoimentos a seguir:

Erosividade da chuva: relacionam a questão da intensidade e duração das

chuvas com a capacidade de remoção do solo, “se a chuva for pesada (intensa), nas partes

baixas arrasta o legume e cobre de areia”.

Erodibilidade do solo: é a disposição do próprio solo a ser erodido em virtude

de sua estrutura física e propriedades como textura, densidade aparente e porosidade que

são as propriedades mais enfatizadas pelos agricultores. Reconhecem que os sedimentos

mais finos de textura argilosa são carreados pela ação pluvial: “a água puxa a goma que tem

na terra”, “a água carrega as folhas e a terra fina e leva para baixo”, além disso, também

sabem que os solos mais porosos são mais susceptíveis aos processos erosivos “quanto

mais a terra for frouxa, mas a água leva e vai fazendo sucavão (cicatrizes erosivas)”.

Características das encostas: distinguem que a forma topográfica também é

um fator decisivo na ocorrência ou não de processos erosivos, “a chuva arrasta mais a terra

dos lugares acidentados (de maior declive e por isso mais erodido) dos altos e baixos e

forma as grotas”, “na terra descabeceada (inclinada) a chuva escrava (erode) e a água vai

descendo e levando tudo que tem”, “nessas áreas o chão fica mais raso”.

Tipo de cobertura vegetal: reconhecem que a presença de uma cobertura

vegetal sobretudo, mais espessa colabora para a interceptação das gotas de chuva e

reposição da matéria orgânica no solo o que, consequentemente colabora para a sua maior

estabilidade. Além disso, o papel das raízes como agente que não permite que a terra seja

carreada também é reconhecido pelos agricultores: “as árvores é a sustentabilidade da

terra, se não tiver árvore não sustenta a terra”, até mesmo a ação antrópica é reconhecida:

“no alto a água sempre carrega um pouco de terra, principalmente depois que a gente limpa

a primeira vez porque a terra fixa frouxa”.

Assim, a ação antrópica no uso e manejo das terras também é vista por eles

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como um fator controlador da erosão quando afirmam “as valetas ocorrem mais no alto e

nas baixa ocorrem quando arada a terra porque a terra fica muito frouxa né!”.

Os agricultores entrevistados relatam implicitamente a erosão laminar quando

afirmam que a água carrega os sedimentos mais finos, e a erosão concentrada quando

relatam que a água desce para as partes mais baixas cavando buracos.

Apesar de não possuir um conhecimento cientifico sobre os elementos naturais

que compõem a paisagem local, os sertanejos são capazes de identificar até mesmo o

carreamento dos nutrientes do solo que é levado para as áreas mais baixas, tornando-as

consequentemente mais produtivas: “e a terra faz um plano, junta a goma e fica boa para

plantar... a árvore seca as folha e cai, quando o inverno vem ‘alimpa’ e a gente sente que fica

só o chão e as folha foi pras baixa, aí dá outra chuva grossa e leva, e sempre o rio é quem

fica com a terra mais forte.”

Para moderar ou retardar os processos erosivos, os agricultores possuem

técnicas específicas para esse fim. Os entrevistados afirmam que quando a água escava a

terra usam uns “paus” velhos para entupir e plantam as “carreiras de banda”, ou seja, em

curvas de nível abandonando o “plantio morro abaixo” porque se plantar na direção da

grota a água arranca o legume. Já outro agricultor ao falar sobre uma “ribanceira” perto do

rio (um buraco, segundo ele, com mais de quatro metros formado pela ação da erosão

fluvial) conta que planta árvores como sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia), macaubeira

(Acrocomia aculeata) e palmeira (Syagrus coronata) para sustentar a terra “porque a gente

não quer ver a terra da gente se acabando, mas a água leva”.

Sendo assim, por meio de todos os aspectos identificados nas entrevistas

pode-se verificar que os processos erosivos são entendidos por essas comunidades de

maneira integrada através dos fatores controladores da erosão, por exemplo; de maneira

evolutiva na paisagem quando afirmam que “se a levada aprofundar muito ela vira um

riacho” e também de maneira dinâmica quando afirmam que a água “cava buraco em um

canto e entope em outro”.

O distrito de Arajara se encontra localizado no sopé da escarpa da chapada do

Araripe e muito próximo à suas escarpas abruptas, por isso a maioria dos entrevistados

reconheceram que os movimentos de massa ocorrem no local na parte localmente

denominada de talhado. “Deslizamento de terra ocorre no talhado. Quando o inverno é

muito bom a terra vai esmorecendo e a terra alta vai escorregando”; “tem deslizamento no

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pé da serra do Araripe, e ocorre quando chove muito... chuva de oito a quinze dias, é

deslizamento de madeira, terra, pedra... fica aquele vermelhão, a terra fica mole, as raiz

desce e vem, inclusive a água desce até vermelha”, são alguns dos depoimentos dos

agricultores. Segundo eles, esses deslizamentos só ocorrem lá no talhado em anos de bom

inverno, os últimos maiores ocorreram em 2004, ano de altos índices pluviométricos na

região.

O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES LOCAIS

Arajara é uma comunidade que se dedica fortemente a atividade agropecuária,

no entanto sua especialidade não está só aí, e outros dons dessa comunidade sertaneja

estão sendo descobertos e revelados por meio das pequenas associações de produtores

rurais que estão se formando nos sítios desse distrito. Surgindo na verdade como uma

extensão das habilidades do produtor rural sertanejo, a Associação dos Pequenos

Agricultores do Sítio Coité (Figura 04) localizada no sítio Coité, já possui uma série de

equipamentos necessários para a fabricação de seus produtos, como o sequilho, um

biscoito feito à base da fécula de mandioca, polpa de frutas e artigos artesanais como bolsas

produzidas a partir da palha da bananeira (Figura 05).

Essa associação conta com a participação de alguns dos moradores do distrito

de Arajara que tem nessa atividade produtiva uma de suas fontes de renda. Acreditamos

que a formação de associações e cooperativas locais é uma forma de desenvolvimento local

capaz de gerar renda e ao mesmo tempo levar o trabalho e os conhecimentos da

comunidade para fora dela, expandindo assim os seus limites, a exemplo da participação

dos seus integrantes em exposições e feiras ecológicas da região como relatado pelo

presidente da associação.

Figura 04 - Associação dos Pequenos Agricultores do Sítio Coité

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Foto: LOPES, 2013

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Figura 05- Equipamentos da Associação dos Pequenos Agricultores do Sítio Coité. Na foto, em A,podemos ver um equipamento usado para a fabricação de polpa de fruta. Em B temos uma máquina

de costura específica para artesanato. Na parte C vemos a cozinha onde são produzidos os sequilhose por fim na parte D temos um dos produtos do artesanato da associação, uma bolsa feita de palha

de bananeira.

Foto: LOPES, 2013.

A partir da observação da Associação dos Pequenos Agricultores do Sítio Coité é

possível constatar que os conhecimentos e a capacidade que as comunidades locais

possuem devem ser considerados previamente antes de qualquer atuação do Estado nesses

locais. Os conhecimentos das comunidades tradicionais, ainda que produzidos localmente,

são objetos de discussão global, pois tal discussão também se refere ao seu próprio destino.

(DIEGUES, 2000b). Efetivada essa ação, é possível haver uma relação integrada entre Estado

e atores locais de modo que a partir da valorização dos últimos, e ainda com o sentimento

de poder transformador dessas comunidades, haverá um desenvolvimento local pautado no

respeito ao ser humano e ao meio ambiente. Consequentemente contruir-se-á um ambiente

natural, social, cultural e político mais estável e harmonioso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário estabelecer o desenvolvimento local pautado sobre a

geoconservação e o resgate sociocultural, utilizando como uma de suas estratégias

primordiais, a gestão participativa dos atores locais. É muito importante estabelecer

parcerias de manejo de recursos entre os povos locais, o Estado e instituições

não-governamentais em prol da conservação da biodiversidade, pois esse é um meio seguro

para garantir essa preservação a nível mundial, isso porque só é possível pensar o global a

partir de uma perspectiva local. (LOPES et. al., 2014; TOLEDO, 2001; ESCOBAR, 2005).

Defendemos assim que a etnogeomorfologia, a partir da valorização dos

conhecimentos locais sobre o relevo, pode ser uma das possibilidades para buscar a

conservação e a maior visibilidade ambiental e cultural e consequentemente melhorias no

uso e manejo do solo, amenizando os impactos da ação humana sobre o ambiente.

REFERÊNCIAS

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O HOMEM, O RELEVO E A CULTURA: ETNOGEOMORFOLOGIA SERTANEJA NA REGIÃO SUL DO CEARÁ- BRASILEIXO 5 – Meio ambiente, recursos e ordenamento territorial

RESUMOAo transformar o meio natural, o ser humano ao longo de sua história sempre se utilizou de uma

ferramenta fundamental para a sua atuação: a cultura. Esta se encontra diferenciada nosdiferentes lugares do globo por conter e estar contida em diferentes sociedades, no entanto, ao

mesmo tempo em que influencia a relação entre o homem e natureza, é ao mesmo tempoinfluenciada por esta relação. Dessa maneira, entender as diferentes formas como o ser humano

entende e maneja o ambiente que o rodeia é essencial para a compreensão das relaçõessocioambientais tão enfatizadas na atualidade. Dentre os componentes que compõem a

paisagem, o estudo do relevo é de suma importância, pois “constituem os pisos sobre os quais sefixam as populações humanas e são desenvolvidas suas atividades, derivando daí valores

econômicos e sociais que lhes são atribuídos.” (MARQUES, 1998, p.25). Conhecer as formas egênese geomorfológicas é indispensável para estabelecer melhores formas de uso e ocupação

do solo, pois o relevo pode interferir direta ou indiretamente sobre a estabilidade socioambiental.Assim, se tanto a cultura quanto o ambiente devem ser explorados para a efetiva compreensão

das relações socioambientais, então se ambos forem analisados simultaneamente o resultadopoderá ser muito mais positivo. Dentro dessa perspectiva, enfocando os aspectos

geomorfológicos sob uma ótica pautada sobre os aspectos culturais, este trabalho se debruçasobre a etnogeomorfologia sertaneja discutida por Ribeiro (2012) e definida pela mesma autora

como uma ciência que se dedica a compreensão do relevo e dos processos geomorfológicos soba visão de comunidades tradicionais, buscando entender como esses povos percebem e manejam

o ambiente em que vivem a partir da lógica cultural que detém. Igualmente neste trabalho,objetivamos descobrir como as comunidades tradicionais sertanejas entendem, manejam e

classificam o ambiente em que vivem a partir de uma percepção etnocientífica do relevo e dapaisagem, sendo estas repassadas através de gerações e construídas empiricamente. As

comunidades analisadas estão localizadas no Distrito de Arajara, município de Barbalha sendoeste localizado na porção sul do estado do Ceará, nordeste do Brasil. Para que pudesse ser

efetivado, este trabalho passou por várias etapas, sendo a primeira o levantamento bibliográfico,cujos trabalhos de Ribeiro (2012), Diegues (1996; 2000a), Toledo & Barrera-Bassols (2009), Toledo

(2001), dentre outros foram essenciais. As fases conseguintes foram a produção cartográfica, aelaboração e aplicação de entrevistas, a análise dos dados coletados em campo, e por fim a

correlação entre conhecimento tradicional e conhecimento técnico – científico. Ao concluir essapesquisa, pôde-se perceber a riqueza do etnoconhecimento que o agricultor sertanejo possui

revelados por meio das taxonomias e maneiras próprias de se expressar, sendo que não serestringiram somente aos aspectos etnogeomorfológicos, mas se mostraram muito mais amplos.

Acreditamos que a etnogeomorfologia pode atuar como uma ferramenta viável que podeestabelecer a compreensão do relevo e do ambiente sob uma perspectiva cultural indo muito

além de parâmetros científicos, possibilitando uma maior visibilidade de modelos culturais tãoimportantes que ainda são menosprezados.

Palavras-chave: Etnogeomorfologia, Comunidades Tradicionais, Brasil.

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