Upload
wilson-pereira-jr
View
47
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
O LUGAR DO SENTIMENTO NA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO: UMA
FORMA DE COMPREENSÃO
Sílvia Cristina Alves Andretta
Psicóloga Clínica
Analista do Comportamento
CRP 06/54539
INTRODUÇÃO
A proposta de realizar um estudo sobre o lugar dos sentimentos na
análise do comportamento surgiu da observação feita durante os atendimentos
realizados no aprimoramento em Psicologia Hospitalar do Hospital do Servidor
Público Estadual.
Durante as sessões foram feitas intervenções onde, a comunicação dos
sentimentos trouxe a tona contingências e histórias antecedentes ao fato que
estava sendo analisado.
Ainda não pode ser descartada outra questão bastante relevante na
clínica do comportamentalista: a idéia de que o sentimento não faz parte de
suas vidas, que não sentem, não analisam e não falam de sentimentos.
Essa idéia é bastante difundida, pois, em sua prática, procura dar ênfase
as questões mais objetivas, no entanto não deixa de lado o que chama de
comportamento encoberto1.
O que é o sentimento se não um comportamento que atua dentro do
organismo? Sim, essa é uma questão que só pode ser respondida baseada em
fatos colhidos da prática diária do terapeuta comportamentalista. Fatos esses
que só serão obtidos na medida em que o sujeito é capaz de verbalizar seu
encoberto, de lhe atribuir um significado, discriminá-lo e lhe dar um nome; o
que se chamaria sentimento.
O terapeuta comportamental não descarta a existência de sentimentos,
apenas não os vê como causa de comportamentos, e sim como função da
interação do organismo com o ambiente externo. Como descreve Tourinho (in
1 É o comportamento que ocorre dentro da pele e que só é conhecido quando verbalizado pelo sujeito
2
Banaco, 1997): “Os sentimentos também são interpretados, em algumas
circunstâncias, em termos de estímulos privados, porém Skinner adverte que
não se trata de estímulos determinantes do comportamento, mas sim
subprodutos das contingências de reforçamento”. (pág. 177)
Para que seja possível a compreensão dessa questão precisa-se
entender de que forma o sentimento está inserido dentro da teoria
comportamentalista.
EVENTO PRIVADO
Como já citado anteriormente, para o comportamentalista sentimento é
um comportamento encoberto, por tanto é um evento privado. Segundo Baum
(1999), eventos privados são aqueles que nunca podem ser relatados por mais
de uma pessoa, mesmo que outras estejam presentes.
Esse mesmo autor diz ainda que os eventos privados são eventos
naturais e por isso podem ser estudados pela análise do comportamento pois,
a ciência requer que os eventos sejam naturais.
A esse respeito, em seu livro “Questões Recentes na Análise
Comportamental” (1990), Skinner fala sobre a existência de um mundo interno
de sentimentos e estados da mente que estão fora do alcance de uma segunda
pessoa, mas, esse fato não impediria de se incluir dentro da ciência. “Como as
pessoas se sentem é freqüentemente tão importante quanto o que elas
fazem”. (pág.13)
No mesmo livro coloca que, sensorialmente sabemos o que estamos
sentindo, pois, existem contradições corporais ocorrendo. Sendo o sentimento
um estado corporal e um evento privado, Skinner diz que não se pode ensinar
uma criança a nomear um sentimento assim como se faz com um objeto;
dessa forma o que ocorre é uma inferência através de uma circunstância
concomitante pública.
3
Diante desses fatos coloca ainda que não há necessidade de se usar os
nomes dos sentimentos2, que eles podem ser expressos diretamente por
eventos públicos ou pela descrição de uma condição sentida.
Ainda no mesmo livro fala que uma pessoa sente através da empatia ou
da simpatia, colocando esse aprendizado como produto da imitação, mas que a
imitação por si só não explicaria o que a pessoa sente, pois, o sentimento está
inserido no contexto onde o comportamento ocorre.
Em Ciência e Comportamento Humano(1976), Skinner coloca que a
imitação é um resultado de reforços discriminativos que exibem a mesma
contingência tríplice3 e o comportamento que é imitado não é reforçado pelo
outro indivíduo que se comporta e sim pelo meio natural; sendo assim o
comportamento de sentir também ocorre da mesma forma, é reforçado a partir
do contexto onde ocorre. Além disso, a semelhança que existe entre o estímulo
e a sua resposta imitativa não significa que ambos tenham a mesma função
para os dois organismos, tomando assim significados específicos em diferentes
contextos.
Tourinho (in Banaco, 1997) descreve evento privado como um fenômeno
que só é acessível no interior do indivíduo que ele ocorre, portanto, eventos
privados são individuais e ocorrem de forma diferente em cada circunstância,
dependendo da contingência de reforçamento.
Como comportamento, os sentimentos estão sujeitos a
condicionamentos, classificados como condicionamento operante e
respondente.
PROCESSO DE APRENDIZAGEM DAS EMOÇÕES
Para falarmos sobre o processo de aprendizado das emoções é preciso
falar sobre os processos de condicionamento aos quais os sentimentos estão
submetidos. Também não deve ser esquecido que além de condicionados os
sentimentos são funcionais a cada circunstância dentro de uma determinada
2 Eventos privados 3 Sd-R-Sr – Estímulo discriminativo, resposta, estímulo reforçador
4
contingência; o que torna o sentimento diferente em cada situação para cada
pessoa.
Segundo Whaley e Malott (1980), condicionamento operante é “o
procedimento no qual um estímulo vem imediatamente após uma resposta,
sendo reforçador definido como um evento ou objeto que aumenta a
freqüência de uma resposta à qual se seguiu”.(pág. 34)
Já como respondente descrevem como o condicionamento que ocorre
quando na presença de um estímulo se elicia uma dada resposta.
Se observarmos a comunidade verbal, como já dito anteriormente,
veremos que os sentimentos são aprendidos através da inferência que se é
feita na presença de um estímulo em um determinado contexto. Se virmos
uma criança chorando quando a mãe a deixa na creche dizemos que ela está
triste por ter que ficar longe da mãe ou porque pensa que a mãe não voltará.
Muitas vezes é permitido que a criança fique mais tempo com a mãe antes
dessa ir embora. Essa resposta da comunidade verbal levará a criança a um
condicionamento operante, pois, aumentará a probabilidade de que o
comportamento ficar triste apareça novamente em circunstâncias semelhantes.
Dessa forma a criança aprende o que é tristeza. Outro exemplo é quando a
comunidade verbal pune, restringe o comportamento de um indivíduo gerando
raiva, frustração; ou quando ela reforça, sinaliza acerto, valoriza gerando um
sentimento de satisfação, alegria, auto-confiança.
Na ocorrência de um estímulo que sinalize a probabilidade de perda ou
de separação de um ente querido, ou até mesmo de situações, o sentimento
tristeza é automaticamente eliciado por condicionamento respondente. O que
ocorre é que diante do estímulo separação foi emparelhada a emoção tristeza,
assim o sujeito responde ao estímulo com choro.
O que se encontra nas obras de Skinner é que os sentimentos se
mostram através de um conjunto de ações de onde parte a nomeação por
parte da comunidade verbal. É esse conjunto de ações que está sobre o efeito
de condicionamento. Como descrito acima, o choro foi condicionado à tristeza.
Mas o choro e a tristeza que ocorrem em uma dada circunstância não são o
mesmo que ocorre mediante outras circunstâncias, mesmo que as situações
5
sejam semelhantes. Sendo assim, a tristeza é despertada por estímulos da
mesma categoria, mas, representa significados e funções diferentes de acordo
com o contexto onde corre4.
Para poder definir um comportamento encoberto, um sentimento, uma
emoção, Skinner coloca que a comunidade verbal recorre a acontecimentos
públicos, então se um indivíduo está agitado a comunidade diz que ele está
“inquieto”, se ele está agitado, batendo nas pessoas, quebrando objetos, diz-
se que ele está “com raiva”, “agressivo”; esses comportamentos públicos
tornam-se operantes discriminativos.
Se estamos falando de condicionamento não podemos descartar que sua
ocorrência pode se apresentar de quatro formas:
• Reforçamento Positivo
• Reforçamento Negativo
• Extinção
• Punição
Reforçamento positivo é aquele que apresentado mediante uma resposta
aumenta a freqüência de sua ocorrência. Reforçamento negativo é quando da
retirada de uma situação aversiva aumenta a freqüência de ocorrência de uma
resposta. Extinção é a supressão de reforço diminuindo a probabilidade de
ocorrência da resposta. Punição é aquela que mediante a sua apresentação
diminui a probabilidade de ocorrência da resposta5.
Existem também outras formas de condicionamento, mas para o assunto
em questão procurei me ater apenas a essas quatro.
Falando de aprendizagem de sentimentos, quando uma criança chora
por que tem algum desconforto recebe um reforçamento positivo ao chegar um
adulto e aconchegá-la, aumentando assim o comportamento de choro quando
aparece algum desconforto; se o desconforto for fome, ao ser alimentada o
estímulo aversivo foi retirado ocorrendo assim um reforço negativo.
4 Circunstâncias semelhantes eliciam o mesmo estímulo discriminativo gerando a mesma resposta (tristeza-choro). 5 Skinner (1976), Wolpe (1980)
6
Quando uma criança expõe seus sentimentos e não encontra
reforçadores na comunidade ocorre a extinção; quando uma criança, de
alguma forma é punida, diminui a apresentação da resposta.
Em Ciência e Comportamento Humano(1976) Skinner diz que: “Fortes
predisposições6 emocionais são também vividas pelos primeiros passos de um
comportamento severamente punido. São o principal ingrediente daquilo que
chamamos de culpa, vergonha, ou sentimento de pecado.”(pág. 111)
Apesar de ter uma representação grande no processo de aprendizagem
dos sentimentos, a punição não é o meio mais adequado, nem mais eficaz para
que isso aconteça.
No entanto, no decorrer de nossas vidas, passamos por situações que
são naturalmente punidas, ou sofremos extinção. Esse fato quer dizer que, se
o comportamento de expressar sentimentos perde seus reforçadores naturais,
tende a se extinguir. Quando, na apresentação desse comportamento, associa-
se a punição7, o que ocorre é uma diminuição na resposta expressar
sentimentos. Segundo Miranda e Miranda (1986), é na história de repressão8 e
punição que existe um julgamento dos sentimentos.
Esse fato não faz com que a emoção desapareça, mas leva a um
desconforto inexplicável. O sujeito pode muitas fezes ficar incomodado com o
meio exterior sem mesmo saber o porquê; outras vezes é através do corpo
que são mostrados alguns sinais, aparecendo dores e doenças inexplicáveis,
insônia, entre outras.
Na cultura encontramos frases como “homem não chora”, “homem não
sente dor”, “mulher agüenta tudo calada”, “macho que é macho não tem
sentimento”, “mulher sempre sofre”, essas e outras colocações da comunidade
verbal apresentam-se como condicionantes no aprendizado dos sentimentos,
muitas vezes tornam-se regras com funções definitivas para as escolhas que o
sujeito fará em sua vida, ele se comportará mediante um aprendizado que lhe
6 Itálico do original 7 Punição: quando se aplica um estímulo que seja aversivo para determinado sujeito em determinada situação. 8 Aqui se entende por extinção.
7
fornecerá um Sd9 que encadeará uma série de respostas já aprendidas
anteriormente.
Miranda e Miranda (1986) citam Ellis no que diz respeito à comunicação
de sentimentos. Colocam que o mesmo fato causa sentimentos diferentes em
pessoas diferentes, em circunstâncias de vida de cada uma, ou, o mesmo fato,
produzem, numa mesma pessoa, sentimentos diferentes em momentos
distintos em sua vida. Ainda falam sobre as interpretações racionais e
irracionais, que vão de encontro à formação de regras citadas anteriormente.
“As primeiras seriam interpretações lógicas a respeito dos eventos e poderiam
levar a sentimentos moderados de frustração, tristeza etc. As segundas seriam
interpretações irracionais a respeito dos eventos, levando a fortes
conseqüências emocionais, freqüentemente desagradáveis e desgastantes para
quem as experimenta” (Miranda e Miranda, 1986, págs. 106 e 107).
A forma com que o sujeito aprende a conhecer os sentimentos
influenciará diretamente em como ele os comunicará.
A COMINUCAÇÃO DOS SENTIMENTOS
Sendo um comportamento, o sentimento só é comunicado em sua
interação com o meio. Pensando nisso, o que ocorre para que uma pessoa
expresse seu sentimento naturalmente e outra como se fosse um problema? O
que ocorre para que uma mesma pessoa comunique suas emoções de forma
diferente em diversas situações?
Tourinho (in Kerbauy e Wielenska, 1999), coloca que “as emoções
enquanto problemas ‘psicológicos’ dizem respeito às relações sociais – relações
do organismo inteiro com o meio social”(pág.23).
Essa questão foi bastante discutida a cima quando se falava do processo
de aprendizagem dos sentimentos. Devido a esse fato é que a aprendizagem
também é feita na comunicação. Existem pessoas que possuem uma história
de reforçamento eficaz para que sejam assertivas quanto à comunicação de
seus sentimento, no entanto, existem outras que se comunicam através de
9 Estímulo discriminativo.
8
comportamentos diversos como birra, agressividade, doenças etc, tornando
necessário que se realize a intervenção de uma compreensão funcional dos
comportamentos públicos; o que faz com que os sentimentos sejam
indicadores de história de reforçamento e contingências que ajudarão na
construção da análise funcional.
Delitti e Meyer (in Rangé, 1995), apontam para o fato de que, “sentir e
descrever o que os sentimentos são certamente comportamentos universais,
ocorrendo em todas as culturas através dos tempos. Esta seria uma indicação
de que devem ter um valor de sobrevivência para a espécie e cultura
humanas”(pág.270).
Relatam também que o sentimento se torna uma pista para a realização
da análise funcional, indicando condições que o afetaram, comportamento
presente e às condições que o
afetarão no futuro.
A maior parte das pessoas se expressa de maneira indireta, através de
seus relatos verbais ou através de seu corpo. Skinner (1995), diz que “as
formas de comportamento mais freqüentemente associadas com sentimentos
não são fáceis de serem colocadas sob controle verbal”. Esse fato faz pensar
que se torna mais fácil comunicar os sentimentos através de atitudes ou
reflexos corporais10; fato esse que reflete uma história de condicionamento
sem assertividade.
Em busca de comunicar seus sentimentos, o sujeito necessita de um
repertório comportamental eficaz. Na falta desse, as emoções são comunicadas
através do comportamento público (agressões, mimos, desentendimentos nas
relações interpessoais, dificuldade de comunicação etc).
É nesse ponto que o papel da análise comportamental toma a sua
importância. O sentimento que é apresentado de forma não assertiva, dá
indícios de que existe algo a ser investigado naquela relação (organismo-
ambiente). Traz a tona a história de reforçamento e as contingências que
levam o terapeuta comportamental a estabelecer sua análise funcional.
10 Reflexos corporais são comportamentos de dor, doenças, enfim tudo o que se refere a estados de mudanças fisiológicas.
9
Estarei exemplificando melhor através dos exemplos a seguir.
APRESENTAÇÃO DE CASOS CLÍNICOS
Segundo Miranda e Miranda (1986), na área da saúde, os médicos
tendem a pesquisar e cuidar a parte física da pessoa, “o órgão doente”, a
atenção limita-se apenas ao sintoma físico. Não se leva em consideração que
por trás deste existe um aspecto emocional; “...ele se esquece de que, atrás
do sintoma, existe uma pessoa sentindo alguma coisa a nível emocional....Um
sintoma físico que não provoque preocupação, medo ou ansiedade não é o
suficiente para levar o paciente a pedir ajuda” (pág. 111). O sintoma desperta
sentimentos e é devido a eles que o paciente vai em busca do médico. Muitas
vezes os sintomas, na realidade, nem existem, servem apenas para pretexto.
“O paciente começa a se queixar desse sintoma, mas, se encontrar um
médico capaz de escutá-lo e de perceber seus sentimentos, vai passar
rapidamente ao problema que o preocupa e que é a verdadeira razão que o
levou a buscar ajuda. Caso contrário, vai embora insatisfeito, continuando a
procurar, de porta em porta, um profissional que, enfim, seja capaz de
compreendê-lo”(Miranda e Miranda, 1986, pág. 112).
Levando em consideração a prática clínica do terapeuta
comportamentalista, para que o fato acima ocorra, é preciso que o terapeuta
seja uma audiência não punitiva.
Skinner (1995) descreve que para que a análise funcione, tem que se
extinguir os efeitos da punição. Quando um paciente está sobre o controle de
audiências punitivas devido a comportamentos socialmente ou culturalmente
recriminados, o terapeuta emerge como uma audiência não punitiva. O
comportamento que até então era “reprimido” pelas punições começa a
aparecer.
10
Com relação a este fato lembro-me do paciente José11, que foi internado
na clínica da Cirurgia Geral com um quadro de neoplasia12 de reto. Teria que
ser submetido à cirurgia correndo o risco de realizar amputação de reto e usar
bolsa de colostomia13 definitiva. A equipe médica solicitou a interconsulta por
acreditar que o paciente estava deprimido e por correr o risco do uso definitivo
da bolsa.
Nos primeiros contatos José apresentava-se distante, restringiu-se a
relatar como foi a sua busca aos médicos e como descobriu seu diagnóstico.
Andava no corredor sem parar e não parava para conversar, queria continuar
andando e falando.
Estarei descrevendo parte do diálogo para melhor compreensão:
José: Eu sou diretor de uma escola em minha cidade, vim para uma
reunião que estava sendo feita aqui em São Paulo. Já havia algum
tempo que eu sentia um desconforto, mas não entendia de onde
vinha. Disse para minha esposa que ao sair da reunião passaria
aqui no hospital para fazer uma consulta. Foi assim, vim para a
consulta e já fiquei internado, agora não sei mais o que está
acontecendo.
Este foi um discurso onde ficou claro de que o incomodo não se
restringia apenas ao desconforto físico, que havia por trás um campo muito
maior a ser investigado. Diante disso foram realizadas intervenções no sentido
de levar o paciente a sentir na terapeuta uma audiência não punitiva e que
seus sentimentos pudessem ser eliciados. Assim segue-se14 :
Terapeuta: Sim José, o que ocorreu com você deixou-lhe bastante
confuso. Seu quadro clínico é muito complicado, mas estive
pensando, que teoria você faz sobre o que lhe ocorreu?
11 Nome fictício. 12 "Neoplasia é uma proliferação anormal do tecido, que foge parcial ou totalmente ao controle do organismo e tende à autonomia e à perpetuação, com efeitos agressivos sobre o hospedeiro" (Pérez-Tamayo, 1987; Robbins, 1984). Conhecida como “tumores”. 13 “É um procedimento cirugico onde se faz uma abertura do abdome (estoma) para a drenagem fecal (fezes) provenientes do intestino grosso (cólon). É feito geralmente após a ressecção intestinal e pode ser temporária ou permanente.” (descrito em http://adam.sertaoggi.com.br/encyclopedia/ency/article/002942.htm,) 14 Discurso ocorrido um dia antes da cirurgia
11
José: Não sei muito bem, penso em várias coisas...não sei direito...será
que é isso?...não sei, mas acho que é. (silêncio)
Terapeuta: O que está ocorrendo nesse momento com você?
José: Culpa. Me sinto culpado. O que está acontecendo comigo é porque
mereço. O que fiz não foi certo, não queria estar sentindo
isto agora.
Terapeuta: Você gostaria de estar falando sobre essa culpa, sobre o que
está sentindo?
José: Não só gostaria, mas preciso muito. Não sei como lhe dizer, é tão
vergonhoso que eu não sei nem como, me sinto muito mal
por isso.
Terapeuta: É parece estar difícil ainda falar sobre isso, me parece que é
algo não muito aceito pela sociedade, por outras pessoas.
José: É, é isso mesmo. Mas preciso lhe contar se não vou explodir, já
não agüento mais.
Terapeuta: Como lhe disse no começo, não estou aqui para julgar, achar
certo ou errado o que tenha lhe ocorrido, apenas vou ouvir e
lhe ajudar.
Nesse momento a terapeuta sinalizou a neutralidade, comportamento
que neste caso foi um Sd de uma audiência não punitiva, levando a extinção
do comportamento de não verbalizar o encoberto.
José: É, eu fiz, não, não cheguei a fazer nada, mas...eu me apaixonei
pela pessoa errada. Por quê...por que tinha que ser
justamente essa pessoa. Nunca me apaixonei por ninguém
dessa forma, nem pela minha esposa. O pior é que não
tenho como fugir, não tenho como deixar de vê-la. Poxa,
tanta menininha na escola e eu me apaixono justamente por
quem não deveria. Você acredita que eu me apaixonei pela
minha nora. Não é certo. Ela é esposa de meu filho, mãe de
meus netos...tanta menina na escola, por quê? É não
entendo.
12
Terapeuta: É José, que confusão que está ocorrendo com você, que
desconforto enorme que você se encontra.
José: Sim, estou bastante confuso. E o pior é que ela vai sempre em
casa. Meu filho não pode nem sonhar com isso, imagine só
como ele ficaria...não quero nem pensar.
Terapeuta: Como foi que você percebeu que estava apaixonado?
José: Sabe, eu sempre achei ela bonita, mas nunca me ocorreu nada.
Quando meu filho precisou reformar a casa dele, eles foram
morar lá em casa, aí começou minha desgraça; ela andava
pra baixo e pra cima com shorts super curto, toda hora
passava na minha frente daquele jeito, eu fui ficando louco.
Cheguei até sonhar diversas vezes com ela. Quando estava
com minha esposa pensava nela, não é justo, não é possível.
Terapeuta: E o que você fez com todos esses sentimentos?
José: Eu já não agüentava mais; daí um dia eu contei para ela. Contei
tudo o que estava ocorrendo, como contei aqui para você.
Ela se propôs a me ajudar, disse que não andaria mais de
shorts em casa e que iria procurar ficar mais distante. Além
disso, logo a casa do meu filho ficou pronta e agora ela só
vai em casa aos domingos para almoçar. Meu filho foi
transferido de local no serviço e agora eles terão que mudar,
vai ser melhor ainda, vão para outra cidade.
Terapeuta: Bem José, me parece que o que ouve foi bastante sério e
que mudou sua vida...
José: E como, até deixei de me relacionar com os meus amigos, só
queria resolver esse problema, mas não sabia como.
Terapeuta: Realmente, é complicado, ainda mais que se trata da esposa
de seu filho; como você disse, se fosse outra menina da
escola não seria tão difícil assim. Mas a questão é que não foi
e você está repleto de sentimentos que não consegue
compreender nem resolver, o que será que aconteceu?
13
José: É...virou doença. Acho que não tinha para onde sair e criou esse
tumor. Eu não podia falar para ninguém, ninguém iria me
entender. Não havia como, eu tinha que engolir e sofrer
sozinho, não podia falar. Agora olha só, tudo isso se
transformou em um tumor.
Terapeuta: É, esta é a sua teoria. O que você pretende fazer agora?
José: Não quero mais me sentir assim, foi bom poder contar para você e
não guardar tudo isso para mim, eu estava sufocado, você
tirou um peso muito grande de minhas costas.
Terapeuta: Que peso?
José: A culpa. Você me compreendeu. Tinha medo de falar e ser
recriminado, mas você me compreendeu, me ouviu. Acho
que não agüentaria segurar mais, iria explodir, ainda bem
que você apareceu. Agora quero fazer a cirurgia e levar
minha vida para frente.
Terapeuta: Sentimentos são sentimentos e só quem sente é que é capaz
de saber como conhecê-los, e conhecendo-os existe como
mudar. Acho que é isso que você quer me dizer, que você
não quer mais guardar, porque sentir não dá para não
acontecer.
José: É, é isso mesmo.
A terapeuta se despede desejando boa sorte na cirurgia e diz que irá até
a UTI para vê-lo após a cirurgia.
O que ocorreu nesse caso é que o paciente estava sobre um controle
aversivo de que se contasse um fato que socialmente e culturalmente é
recriminado seria punido. Houve ai uma aprendizagem por regra do
comportamento de sentir-se atraído pela nora, no entanto, na presença de um
estímulo não punitivo pode haver a verbalização do sentimento culpa que
permeava o desconforto do paciente. Sendo verbalizado trouxe consigo
antecedentes de sua história de reforçamento, contingências as quais
ocorreram o comportamento e previsões para comportamentos futuros.
14
No seguimento, fui visitá-lo na UTI. Ele estava com receio de dormir e
não acordar. A terapeuta disse: José, não fique preocupado, ocorreu tudo bem
em sua cirurgia, você venceu! Não fique com medo de fechar os olhos, faz
parte de sua recuperação, você está tomando medicamentos que o fazem
dormir, logo você acordará e verá que está bem. Pode fechar os olhos e
dormir. Veremos-nos na segunda feira.
Na segunda feira ele já se encontrava no quarto. Nesse dia relatou a
terapeuta que sua visita à UTI foi muito importante, pois, ele estava com
muito medo. Relata também que estava feliz porque os médicos falaram que
ele teria que ficar 3 dias na UTI e ele havia ficado apenas 1 dia; disseram
ainda que não foi preciso colocar a bolsa e que a recuperação dele estava
ótima e que teria alta provavelmente na terça feira, sendo que o tempo
previsto era de aproximadamente duas semanas após a cirurgia. Coloca que a
situação dele poderia ter sido diferente se não tivesse “desabafado”(sic)
comigo. O paciente saiu de alta hospitalar no dia previsto e se propôs a
continuar atendimento psicoterápico na cidade onde mora.
Outro exemplo é de uma senhora, também internada na cirurgia geral,
para realizar uma cirurgia de retirada de cisto no pâncreas. Vou chamá-la de
Dirce. É uma paciente obesa, casada. Apresenta discurso infantilizado. Sua
forma de comunicar os sentimentos é através da atuação. Não apresenta
assertividade.
Nesse caso o que ocorria era um grande desconforto com relação a
indefinição de seu quadro clínico e a dificuldade em realizar a cirurgia devido a
seu peso elevado.
Dirce se comunicava através da agressividade, xingava os médicos;
depreciava o trabalho da enfermagem; se recusava a conversar com a
terapeuta (quando não estava com vontade), mas logo depois pedia desculpas
por ter sido agressiva, sempre tentava justificar seu comportamento.
Esse caso me leva a pensar que em sua história de reforçamento a
paciente aprendeu que para conseguir aquilo que deseja necessita ser
agressiva.
15
Além desse fato, a sua ansiedade, seu medo em relação à cirurgia eram
verbalizados com o comportamento público agressividade, gerando um grande
desconforto à ela, pois ninguém a entendia; e a equipe, que fugia das suas
súplicas realizando o que ela queria para que ficasse quieta.
Acredito que esses dois casos explicam bem de que forma o sentimento
tem importância dentro da análise funcional e da terapia comportamental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração o que foi exposto acima, penso que o
lugar do sentimento na análise do comportamento é de extrema importância.
Atrás de um comportamento público está o encoberto, está a emoção. É a sua
percepção que leva o sujeito ao autoconhecimento. Conhecendo meus
sentimentos eu posso mudá-los. Como o sujeito se sente interfere
consideravelmente em como ele se comporta, afetando assim seu repertório
comportamental.
Sentir não é agir, a ação é resultado de uma escolha. Sentir é a
interação do organismo – sujeito com o ambiente. Para que se compreenda
essa interação existe uma palavra chave: a comunicação.
O sentimento só se torna passível de análise funcional se ele é, de
alguma forma, comunicado, caso contrário não há como acessá-lo.
Segundo Tourinho (1999), colocar o sentimento como elemento
importante na ciência do comportamento não significa que o
comportamentalista adote o mentalismo, nem tão pouco reduz fenômenos
comportamentais a fenômenos fisiológicos. A análise continua sendo feita
através da relação do organismo com as variáveis externas.
Acredito que ainda existe muito a ser pesquisado nessa área e
que o meu pensar abriu caminho a novos questionamentos e possibilidades de
entendimentos futuros.
Gostaria de encerrar essas considerações com uma citação de
John Powell descrita em Miranda e Miranda(1986, pág. 120):
16
“Meus sentimentos são como minha impressão digital, como a cor
dos meus olhos e o tom de minha voz: únicos e irrepetíveis. Para
você me conhecer, é preciso que conheça meus sentimentos.
Minhas emoções são a chave para a minha pessoa. Quando lhe dou
essa chave, você pode entrar e compartilhar comigo o que tenho
de mais precioso para lhe oferecer: eu mesmo”.
17
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Skinner, B.F. (1976). Ciência e Comportamento Humano. 3ª ed.. Edart. São
Paulo.
Whaley, D.L. e Malott, R.W. (1980). Princípios Elementares do
Comportamento. 3ª ed. v. 1. EPU. São Paulo.
Wolpe, J. (1980). Prática da Terapia Comportamental. 3ª ed. Editora
Brasiliense. São Paulo.
Miranda, C.F. e Miranda, M.L. (1986). Construindo a Relação de Ajuda. 2ª ed.
Crescer. Belo Horizonte.
Delitti, M. e Meyer, S.B. (1997). O uso dos encobertos na prática da terapia
comportamental. In Rangé, B.(org.). Psicoterapia Comportamental e
Cognitiva – de transtornos psiquiátricos. Editorial Psy II. São Paulo.
Skinner, B.F.(1995). Questões Recentes na Análise Comportamental. 2ª ed.
Papirus. São Paulo.
Tourinho, E.Z. (1997). Eventos privados em uma ciência do comportamento.
In Banaco, R.A.(org.). Sobre o Comportamento e Cognição-Aspectos
teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e
terapia cognitivista. v. 1. Arbytes. São Paulo
Meyer, S.B. (1997). Sentimentos e emoções no processo clínico. In Delitti, M.
(org.). Sobre o Comportamento e Cognição – A prática da análise do
comportamento e da terapia cognitivo-comportamental. v. 2. Arbytes. São
Paulo.
Tourinho, E.Z. (1999). Eventos privados: o que, como e porque estudar. In
Kerbauy, R.R. e Wielenska, R.C. (org.). Sobre o Comportamento e
Cognição – Psicologia comportamental e cognitiva-da reflexão teórica à
diversidade na aplicação. v. 4. Arbytes. São Paulo.
Baum, W.M. (1999). Compreender o Behaviorismo – Ciência, comportamento
e cultura. Artmed. Porto Alegre.