o Ministério Público No Direito Internacional Penal.unlocked

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    O que segue, ento, a tentativa de apresentar o

    surgimento do Ministrio Pblico inicialmente exercendo uma

    funo processual em geral na defesa de um interesse do

    poder executivo - at sua gradual institucionalizao dentro

    dos sistemas jurdicos nacionais bem como no mbito do Direito

    Internacional Penal.

    indicativo dessa institucionalizao o cotejamento entre

    a situao do Attorney General estadunidense criado em 1789,

    cuja funo era acompanhar os processos de interesse do Estado

    na Suprema Corte, sem estrutura, sem funcionrios e sem

    maiores prerrogativas, com sua condio atual, em que o

    Attorney General chefe do Departamento de Justia, empregando

    aproximadamente cento e vinte mil pessoas em trinta e nove

    diferentes organizaes. Entre elas, incluem-se o Federal

    Bureau of Investigation (FBI), o Drug Enforcement

    Administration (DEA), o Bureau of Prisions, e o escritrio do

    U. S. attorneys and U. S. marshals em toda a nao. 133

    Comecemos por analisar, portanto, a caracterstica e

    evoluo do rgo acusador no sistema do common Law norte-

    americano, seguindo pelos modelos do direito continental para

    finalmente identificar, na medida do possvel, a sntese

    133 EMERT, P. R. Attorneys General: enforcing the law. Minneapolis: The Oliver PressIncj., 2005, p. 7.

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    dessas experincias que se concretizam, no que tange ao

    Direito Internacional Penal, no Estatuto de Roma.

    2.1 O Ministrio Pblico no Sistema Legal do CommonLaw. 134

    A forma diversa de organizao do Ministrio Pblico nos

    Estados Unidos quando comparada com os demais pases

    americanos pode ser explicada, em parte, pelo pragmatismo 135 do

    Common law (...) voltado para conciliar as expectativas

    populares da justia efetiva: primeiro, com a realidade

    criminognica, segundo, com os recursos de toda a ordem postos

    a servio da mquina judiciria 136 . Aqui reside provavelmente

    a mais peculiar caracterstica do prosecutor estadunidense: a

    disponibilidade da ao penal. Indicativo da pragmatismo do

    sistema, o promotor no obrigado a oferecer a ao penal.

    Pelo contrrio, vai utilizar os recursos oramentrios de que

    dispe no combate a determinado tipo de criminalidade tendo em

    vista as prioridades apresentadas no programa com o qual foi

    134 O modelo a ser analisado no Common Law o dos Estados Unidos da Amrica. Valecitar o trecho de Ren David: Em Inglaterra no existe, junto aos Tribunais deJustia, nenhum Ministrio Pblico. A presena dum agent, representante do PoderExecutivo, parece aos ingleses inconcilivel com a autonomia e com a dignidade doPoder judicirio. DAVID, R. p. 395.135 Sobre o desenvolvimento do mtodo pragmtico como filosofia poltica dos EstadosUnidos vale conferir RAMOS, cit, p. 53 e ss.136 CARVALHO, P. P. Uma Incurso do Ministrio Pblico Luz do Direito Comparado:Frana, Itlia, Alemanha, Amrica do Norte e Unio Sovitica. In: MORAES, V. L.(org.) Ministrio Pblico e Sociedade. Porto Alegre: Srgio Fabris Editor, 1986, p.103.

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    eleito. 137 Corolrio da disponibilidade da ao penal o

    instituto do plea bargain: dispositivo pelo qual entre oitenta

    e noventa e cinco por cento dos processos criminais so

    resolvidos diretamente pelo promotor norte-americano. 138

    Atravs do plea bargain o promotor assume a condio de juiz

    porta do Tribunal negociando com a defesa questes de fato

    e de direito: o acusado, ao invs de submeter-se a um

    julgamento que poderia lev-lo a uma condenao mais grave,

    aceita uma pena menor. Ao juiz cabe homologar a referida

    negociao. Muitas crticas so apostas a essa possibilidade

    de negociao:

    Os crticos apontam insistentemente para a

    desigualdade e a injustia que se reflete na plea negotiation e que esta, por sua vez,potencia e amplia. Como negociao de factos (edo direito) feita nos gabinetes do MP ou noscorredores do tribunal, subtrada sindicnciada publicidade, os seus resultados concretosdependem directamente do poder das partes emconfronto, da respectiva competncia deaco. 139

    Com efeito, o plea bargain ameaa seriamente consagrados

    princpios materiais e processuais penais, como a presuno de

    inocncia, a verdade real e o contraditrio, colocando em

    dvida as vises idealizadas a respeito do modelo adversarial

    137 SIMON, J. A. Consideraes sobre o Ministrio Pblico Norte-Americano. In.Revista do Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul, n 23, 1990, p. 24138 DIAS, J. F; ANDRADE, M. C., cit., p. 484.139 Idem, p. 485.

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    caracterstico do sistema estadunidense 140 . Os acusados com

    menos condies de sustentar um processo caro, sujeitam-se a

    penas menores, ainda que em um processo justo as possibilidade

    de absolvio ou mesmo de inadmissibilidade da acusao fossem

    provveis 141 . No entanto, os prprios magistrados reconhecem

    que sem a utilizao desse dispositivo, o sistema judicial

    estadunidense entraria em colapso. 142

    Outra diferena relevante, agora a respeito das

    caractersticas institucionais, que o ingresso no cargo de

    promotor pblico no realizado mediante concurso e tambm

    no se organiza em forma de carreira: h grande movimento de

    promotores que entram e saem da instituio. 143 O ingresso se

    d atravs de simples contratao procedida pelo Procurador-

    Geral que pode inclusive indicar promotores ad hoc para atuar

    em questes especficas. Boa parte dos que ingressam formada

    de antigos estagirios, outros conseguem ingressar por terem

    colado grau com distino nas faculdades, ou por prestarem

    exemplar trabalho profissional. H os que ingressam tambm a

    partir de influncias polticas. A organizao do cargo de

    promotor em carreira diz respeito mais Instituio do que a

    seus membros individualmente. Explica-se: atravs da

    140 CARVALHO, P. P. cit., p. 105.141 RAMOS, cit., p. 146.142 GUIMARAES Jr., R. Magistratura e Ministrio Pblico nos Estados Unidos Segundoseus Lderes e um Olhar no Futuro . In: JUSTITIA. So Paulo: APMP, vol. 98, 3trimestre de 1977, p. 129.143 Idem, p. 128 e ss.

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    organizao em carreira possvel identificar as garantias,

    prerrogativas e, portanto, o nvel de independncia e

    autonomia do rgo acusador. Mais ainda, com a permanncia dos

    promotores na Instituio possvel vislumbrar uma

    continuidade da poltica institucional. Da ser percuciente a

    assertiva de Antonio Camargo Ferraz: (...) a circunstncia de

    estar centrado na figura do Procurador-Geral talvez at retire

    do Ministrio Pblico norte-americano o seu carter

    institucional. 144 De fato, a cada eleio, as prioridades de

    atuao se modificam segundo a orientao do novo Procurador

    geral eleito que concentra todo o poder poltico da

    Instituio. Ao revs, nos sistemas em que h uma carreira

    organizada, a fora da instituio a se encontra. 145

    No que tange sua organizao formal, as atividades

    desenvolvem-se em trs nveis: o federal, o estadual e os

    condados - subdiviso poltica dos Estados. No mbito dos

    Estados, aparece como chefe do Ministrio Pblico o State

    Attorney-General . A forma de sua assuno ao cargo de

    Procurador-Geral varia de Estado para Estado. Pode se dar pela

    forma de indicao do governador, escolhido pelo poder

    legislativo, que em alguns Estados membros divide-se em cmara

    e senado. Contudo, em sua maior parte so escolhidos

    144 FERRAZ, A. A. M. C. Anotaes sobre o Ministrio Pblico Brasileiro e Americano.In.: Revista Justitia, vol. 144, 4 trimestre de 1988. Publicao eletrnica.145 No mesmo sentido, FERRAZ, A. A. M. C. cit.

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    diretamente pelo povo atravs de eleies. H, ainda, como

    referido, os condados, subdivises polticas dos Estados-

    membros. Para cada Condado h tambm um procurador-geral.

    Cada condado (county) elege seu prprio"District Attorney" (mais exato seria chamar-lhe "County Attorney", uma vez que escolhidopelo povo do "county'' e no do "district). O"District Attorney" pode ser descrito como orgo mais elevado do Ministrio Pblico, nos

    limites do "county", ao qual esto subordinadosos demais promotores que o auxiliam na persecutio criminis 146 .

    Nos trs nveis supramencionados de atuao esto

    presentes as funes de assessoramento e aconselhamento

    jurdico aos rgos oficiais do Estado, bem como a defesa em

    juzo dos mesmos.

    Ao nvel federal, como rgo mximo da instituio, surge

    a figura do Attorney-General , nomeado pelo Presidente da

    Repblica, mediante aprovao de seu nome pelo Senado, e que

    ocupa as posies de Ministro da Justia e Procurador-Geral da

    Justia.

    O cargo de procurador-geral nome originrio da

    Inglaterra foi criado nos Estados Unidos pelo Judiciary Act

    of 1789, tendo como requisito para a indicao, a formao

    jurdica e com as funes de promover e conduzir todos os

    146 MELLO FILHO, J. C. O Ministrio Pblico Norte-American. In: Revista Justitia,Ano XXXI, vol. 65, 2 trimestre de 1969, p. 164.

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    Salvo pequenas melhorias de salrio e infraestrutura, foi

    somente com a criao do Departamento de Justia, em 1870, que

    aumentou significativamente a importncia do cargo de

    Procurador-Geral. Aumentaram tambm suas atribuies: alm da

    fiscalizao e promoo dos processos judiciais de interesse

    governamental, revisava as ordens e proclamaes do

    presidente, aconselhava a respeito da concesso de perdo,

    recebia consulta a respeito de leis e apresentao de

    relatrios ao congresso.

    Posio completamente dissociada dos dias atuais, tendo

    crescido e se expandido assim como as demais estruturas

    governamentais dos Estados Unidos da Amrica. Atualmente, o

    procurador-geral o chief law enforcement officer do governo

    central e o chefe do departamento de justia, uma grande e

    complexa instituio. Caracterstica que perdura at hoje no

    modelo americano a estreita aproximao entre o Presidente e

    seu procurador-geral. 150

    Neste ponto, importante vislumbrar a atuao como

    procuradores-gerais estadunidenses, Robert H. Jackson (1940

    1941) e Francis Biddle (1941 1945), tendo em vista que

    foram, posteriormente, no Tribunal de Nuremberg,

    respectivamente, acusador e juiz.

    150 Ibdem.

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    Robert Jackson foi nomeado procurador-geral pelo

    presidente Franklin D. Roosevelt no ano de 1940, quando a

    Europa estava em plena guerra e os Estados Unidos ainda na

    condio, ao menos formalmente, de neutralidade. Uma das

    principais, se no a maior, controvrsia em sua atuao disse

    respeito negociao de cinquenta navios de guerra a serem

    fornecidos pelos Estados Unidos Inglaterra em troca de bases

    militares no territrio Britnico no Oceano Atlntico 151 .

    Jackson emitiu um parecer no sentido de que a negociao

    poderia ser feita diretamente pelo presidente Roosevelt sem a

    necessidade de aprovao pelo Senado. Afora as consideraes

    de ordem poltica, como a suposta violao da neutralidade,

    alm da supresso de competncias do Poder Legislativo, o caso

    suscitou o questionamento acerca do papel do procurador-geral:

    sua funo era a de encontrar uma base legal para justificar a

    atuao do presidente ou, do contrrio, devia interpretar a

    lei e aconselhar o presidente sem consideraes polticas? Em

    seguida, Jackson foi nomeado juiz da Suprema Corte, para

    ocupar a vaga deixada por Oliver Holmes. Sua prodigalidade em

    encontrar solues jurdicas inovadoras ficou patente, como

    visto, quando da criao do Tribunal de Nuremberg.

    Francis Biddle foi ento indicado por Roosevelt para

    assumir o cargo de procurador-geral. Trs meses aps a sua

    151 Idem, p. 66.

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    posse, o Japo atacou Pearl Harbor e os Estados Unidos

    declaram guerra ao Eixo. Suas atividades voltaram-se

    inteiramente para o episdio da guerra: Biddle emitiu diversos

    mandados de priso para estrangeiros japoneses, italianos e

    alemes que estivessem em territrio estadunidense. 152 Houve

    evacuao em massa dos japoneses que viviam na Califrnia,

    mesmo os da segunda gerao de imigrantes, que haviam nascido

    nos Estados Unidos. Havia um especial preconceito contra os

    japoneses. Em fevereiro de 1942 um decreto do presidente

    Roosevelt ( Executive Order 9066) autorizou o exrcito a

    estabelecer reas militares, excluindo a presena de civis

    naqueles locais. Uma dessas reas foi todo o Estado da

    Califrnia. Cento e dez mil japoneses foram transportados para

    centros permanentes de deteno, nos Estados de Utah, Arizona,

    Colorado, Wyoming, Arkansas, a prpria Califrnia e Idaho. 153 A

    maioria dos japoneses teve que vender seus bens e propriedades

    a baixos preos para seus vizinhos, levando somente aquilo que

    podiam carregar. As condies de vida nos campos eram duras:

    alimentao escassa, pouca assistncia mdica e raras escolas.

    Biddle teria se manifestado em carta ao presidente Rooseveld

    contrariamente evacuao de japoneses que fossem cidados

    americanos; a medida, segundo ele, somente seria vlida para o

    caso de japoneses no-nascidos nos EUA. Por seu

    152 Idem, p. 67.153 Idem, p. 71.

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    posicionamento, foi duplamente criticado: poca, pela

    imprensa, por sua posio contrria aos internamentos em

    massa; posteriormente, por no ter se oposto de forma mais

    incisiva na defesa dos direitos individuais. 154 Com efeito,

    alguns casos de deteno de cidados estadunidenses de origem

    nipnica chegaram Suprema Corte, que, no entanto, confirmou

    a constitucionalidade do internamento nos campos. Em 1976, o

    presidente Gerald Ford revogou o Decreto 9066 e reconheceu a

    contribuio dos japoneses americanos ao pas. O eplogo deu-

    se no ano de 1988 quando o presidente Ronald Reagan assinou um

    pedido pblico de desculpas pelo internamento de japoneses

    cidados estadunidenses durante a Guerra e autorizou o

    pagamento de indenizao de vinte mil dlares a cada

    remanescente. 155

    Outro episdio relacionado atuao do procurador-geral

    durante a Segunda Guerra foi a priso de sabotadores alemes,

    encontrados tendo a posse de explosivos e grande quantidade de

    dinheiro, plantas detalhadas sobre ferrovias, pontes, centrais

    eltricas e indstrias estadunidenses. Aps a priso, Biddle

    foi informado pelo presidente Roosevelt da inteno de lev-

    los a julgamento por uma corte marcial e a aplicao da pena

    de morte. Biddle tinha a noo de que, pela perspectiva do

    civil law os alemes no haviam chegado a iniciar nenhum ato

    154 Idem, p. 69.

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    de sabotagem, ainda que a inteno fosse clara. Por outro

    lado, a lei americana aplicvel ao caso era a federal law

    covering conspiracies to commit crimes , cuja pena prevista

    era de trs anos de priso. 156 Portanto, a pena de morte

    somente poderia ser aplicada em uma corte marcial, o que

    dependia, no entanto, de deciso da Suprema Corte. O

    presidente Roosevelt baixou outro decreto instituindo uma

    comisso militar para julgar os sabotadores nazistas, que por

    dois teros dos membros julgaram os acusados culpados e os

    sentenciaram morte. Biddle atuou como procurador do governo.

    Houve recurso Suprema Corte que, no entanto, confirmou o

    julgamento e a sentena.

    Biddle manifestou-se a respeito da deciso que confirmou o

    julgamento e a sentena:

    (...) espies e combatentes inimigos semuniforme, ultrapassando secretamente os limitesdo campo de guerra para perpretar a destruioda vida e da propriedade, no so, pelosacordos reconhecidos universalmente,

    intitulados como prisioneiros de Guerra, masso violadores das prprias leis de Guerra,sujeitos a serem julgados e punidos portribunais militares. 157

    Os episdios elencados so, pensamos, bastante sugestivos

    do pragmatismo do sistema do common law, capaz de encontrar

    solues para as controvrsias jurdicas, claramente voltadas

    155 Idem, p. 79.156 Idem, p. 74.

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    para a resoluo de um caso concreto, sem estar preso a

    rgidas frmulas processuais, muito especialmente em situaes

    como a guerra. Em que pese invivel relacionar do ponto de

    vista jurdico-dogmtico o common law com a teoria funcional

    radical, impossvel no identificar no exemplo acima

    mencionado caractersticas da referida teoria: possibilidade

    de reduo de garantias materiais e processuais, um sistema

    ligado noo de segurana e defensismo, com possibilidade de

    antecipao da tutela penal e interpretao extensiva.

    Verdadeira manifestao de Direito Penal do inimigo. Ressalte-

    se mais uma vez, Robert H. Jackson foi o mentor do tribunal de

    Nuremberg, criado como um tribunal militar para justificar a

    punio dos nazistas, a base da acusao era o conspiracy.

    Biddle, cuja formao foi influenciada por Oliver Holmes, foi

    o juiz indicado pelo governo americano para compor o Tribunal

    de Nurenberg para o julgamento dos grandes criminosos de

    guerra.

    Isso posto, podemos sintetizar as caractersticas do

    Ministrio Pblico nos Estados Unidos como segue: vinculao

    com o poder executivo (em especial no nvel federal),

    prestao de assessoria jurdica ao governo e defesa de seus

    interesses em juzo, possibilidade do exerccio de atividade

    poltico-partidria, ingresso atravs de indicao poltica ou

    157 Idem, p. 76. (livre traduo)

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    de eleies. Desse ltimo aspecto resulta a transitoriedade

    (inexistncia de carreira organizada). H, ainda, ausncia de

    hierarquia, bem como ausncia do princpio da unidade; a ao

    penal disponvel, existe discricionariedade na atuao e

    independncia funcional - maior no mbito estadual do que em

    nvel federal.

    2.2 O Ministrio Pblico nos Pases do DireitoContinental

    O Ministrio Pblico nos pases do chamado direito

    continental (direito oriundo principalmente do parlamento), em

    contraste com a maioria das instituies jurdicas e dos

    institutos do direito, no tem as suas origens no direito

    romano, mas na Baixa Idade Mdia francesa. Conforme Hugo Nigro

    Mazzilli, dentre outros, a Ordenana de 25 de maro de 1302

    (ou 1303) de Felipe IV, o Belo, Rei da Frana foi o primeiro

    texto "(...)legislativo a tratar objetivamente dos

    procuradores do Rei158

    ". Da o epteto de certido denascimento do Ministrio Pblico para a referida ordenana. O

    surgimento dessa figura do Procurador do Rei, verdadeiro

    advogado dos interesses da Coroa, s encontra sentido naquele

    perodo histrico, no qual se separava "uma esfera pblica

    autnoma diante do privado, ou seja, o surgimento do prprio

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    Estado Nacional Moderno" 159 . Da ser possvel refutar a ideia

    de que a origem do Ministrio Pblico tenha lugar na "vetusta

    figura do magia, funcionrio do fara no Antigo Egito 160 ".

    Tratava-se de uma outra forma de organizao social,

    verdadeira teocracia, incompatvel com a natureza da

    Instituio Ministerial. S possvel conceber as razes do

    Ministrio Pblico na existncia de um poder concentrado na

    esfera pblica ou poder absoluto. Ab + solutum : um poder

    separado (da mistura que se encontrava com o corpo social no

    feudalismo) 161 . Essa primeira etapa, a constituio de um poder

    executivo original, em que o Monarca concentrava todas as

    funes polticas, foi decisiva, mas ainda insuficiente, para

    criar as condies do surgimento do Ministrio Pblico. A

    etapa seguinte, a da especializao do poderes polticos do

    Estado foi a conditio sine quoa non para o surgimento dos

    Procuradores do Rei. H uma certa lgica nessa afirmao,

    afinal, a necessidade de representao do monarca surge

    somente quando ele no mais incorpora o prprio Estado. Da a

    necessidade de separao mnima entre os poderes, inicialmente

    subtraindo do rei a funo de legislar e depois a de julgar

    para que se fizesse necessria a representao da Coroa.

    158 MAZZILLI, H. N. Regime Jurdico do Ministrio Pblico . 4 ed. So Paulo: Saraiva,2000, p. 42.159 SOUZA JR. C. S. O Tribunal Constitucional como Poder: Uma Nova Teoria da Divisodos Poderes. So Paulo: Memria Jurdica Editora, 2002, p. 31.160 AXT, G. O Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul: Evoluo Histrica. PortoAlegre: Procuradoria-Geral de Justia, 2006, p. 23-4.161 SOUZA JR, cit. pp. 31-33.

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    Decorrncia natural, portanto, o surgimento dos Procuradores

    do Rei para represent-lo perante os parlamentos e os

    tribunais que, crescentemente, iam adquirindo autonomia.

    Inicialmente, os Procuradores do Rei no diferiam de outros

    procuradores que oficiavam perante os parlamentos, em especial

    os dos poderes eclesisticos, dos senhores territoriais e das

    comunas. Todos defendiam os direitos ameaados de seus

    patronos: direitos feudais, judiciais e patrimoniais. No caso

    da gens du roi , suas funes relacionavam-se defesa dos seus

    domnios, da sua jurisdio e, finalmente, do interesse

    pblico, que, numa primeira acepo, era de natureza

    judiciria. Assim, os procuradores do rei assumiram, a partir

    do final do sculo XIII, o encargo de represso dos crimes

    mais graves, justamente os que atingiam o interesse pblico. 162

    Roger Perrot sintetiza:

    Paralelamente sua funo inicial que eradefender os interesses do Rei, somou-se umasegunda, conexa precedente, que era a defesa

    geral dos interesses da sociedade. Adissociao entre os interesses privados do Reie os interesses da sociedade dos quais o Reiera encarregado enquanto pessoa pblica (...)explica essa ambivalncia das funes 163.

    162 CARBASSE, J. Histoire du Parquet . Paris: Presses Universitaires de France, 2000,p. 11.163 PERROT, Roger. Institutions Judiciaires . Paris: Montcherestien, 1986, p. 263.

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    Assim, esses agentes foram se diferenciando dos demais

    procuradores a ponto do monarca reservar para si seus

    servios: por volta de 1330 eles j eram parte integrante das

    jurisdies reais. "Aps algumas dcadas de gestao, nasceu o

    ministrio pblico". 164

    Em sntese: na Frana o Ministrio Pblico surge

    inicialmente com a funo de defender os interesses da Coroa

    junto s cortes; brevemente essa funo ampliada para os

    interesses gerais da sociedade, em especial em matria

    criminal, tambm junto s cortes. Novamente sua ideia inicial

    est associada ao exerccio de uma funo. Nosso objetivo,

    mais uma vez, analisar agora na perspectiva do civil law a

    evoluo do Ministrio Pblico deixando de meramente exercer

    uma funo processual, ainda que no interesse pblico, at

    constituir-se em instituio permanente e essencial prpria

    existncia do Estado. Outrossim, preciso ainda salientar no

    se tratar de um processo linear e homogneo. Nos pases cujo

    sistema o direito legislado, a instituio Ministrio

    Pblico multifacetria no que diz respeito a seu perfil

    constitucional: independncia em relao ao poder executivo,

    separao em relao ao poder judicirio, organizao da

    carreira, garantias e atribuies, dentre outros aspectos. A

    164 CARBASSE, cit., p. 11.

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    par disso, possvel analisar estruturas comuns a fins de

    projet-las no mbito do Direito Internacional Penal.

    A situao do Ministrio Pblico, paradoxalmente no pas

    bero da Instituio, a Frana, parece ser a mais confusa,

    tanto em relao seleo e ingresso, que pode ser feita ao

    menos de trs formas diferentes. So nomeados pelo Presidente

    e subordinados ao ministro da justia:

    A lei francesa inclui os promotores e juzes nomesmo corpo judicial, aplica-lhes a mesma formade ingresso como magistrats, e a primeiranomeao na carreira judicial pode ser tantopara uma das funes como para a outra. Emqualquer momento, seus membros podem passar dosige ao parquet e ao inverso(...) 165

    importante mencionar que os membros do Ministrio

    Pblico francs seguem estrita hierarquia em relao ao

    Ministro da Justia e no tm, entre suas garantias, a

    inamovibilidade. Em caso de resistncia a uma ordem do

    Ministro da Justia, o membro do parquet pode sofrer medidas

    disciplinares que variam de remoo at a exonerao. Segundo

    Cdric Trassard esse princpio da subordinao seria atenuado,

    dentre outros motivos, pelo brocardo si la plume est serve, la

    parole est libre: O magistrado do Ministrio Pblico, que

    165 PAES, cit., p. 67.

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    deve cumprir ordens quando est no seu gabinete, recupera a

    sua liberdade de expresso na audincia.166

    No parece ser possvel concordar com tal argumentao, j

    que a mera possibilidade de o promotor francs expor

    livremente suas ideias em audincia, mas tendo que se submeter

    em suas "razes escritas" parece enfatizar mais a dependncia

    e hierarquia do que liberdade e autonomia. Assim, concordamos

    com as concluses de Paes:

    O certo que no se pode admitir aindependncia do promotor francs,principalmente porque sua caracterstica adependncia hierrquica (...) de nenhumamaneira cabe admiti-la (a independncia) aoMinistrio Pblico como corpo. Isso porque

    todos os membros do Ministrio Pblico dependemdo ministro da Justia, o Garde desSceaux(...) 167

    de se destacar, contudo, a onipresena do Ministrio

    Pblico no decurso do processo penal:

    O Ministrio Pblico intervm do princpio aofim da cadeia penal, a comear pela recepodas queixas e das denncias, passando peloinqurito, pela escolha em funo daoportunidade e pela forma de acusar, pelaaudincia e, por fim, pela execuo daspenas. 168

    166 TRASSARD, C. O Ministrio Pblico na Frana. In: AZEVEDO, R. G.; DIAS, J. P.(coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dos pases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 142.167 PAES, cit., p. 65.168 TRASSARD, cit., p. 147.

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    O Procurador da Repblica, em algumas situaes, pode

    determinar a priso provisria. No se pode arguir suspeio

    ao magistrado do Ministrio Pblico. Ou seja, ele no precisa

    ser isento. No existe inamovibilidade, dentre outras

    situaes. Na Frana, at uma lei do ano de 2004, as queixas

    policiais eram dirigidas ao Procurador da Repblica que

    determinava investigao, arquivamento, etc. Posteriormente a

    2004, essa situao foi alterada, havendo casos em que a

    polcia investiga sem necessidade de participao do

    Ministrio Pblico. 169 Outro princpio a reger o Ministrio

    Pblico francs o da fungibilidade: semelhana do

    Ministrio Pblico italiano, os membros do Ministrio Pblico

    podem ser nomeados juzes ou vice-versa(...). 170

    Em Portugal e Espanha, o atual formato do Ministrio

    Pblico est relacionado com o fim dos regimes de Franco e

    Salazar (Estado Novo portugus), consubstanciado nas

    Constituies de 1976 e 1978. Ambas as Constituies no

    delinearam claramente o papel institucional do Ministrio

    Pblico. A constituio da Espanha inclusive remete ao

    Estatuto Orgnico do Ministrio Pblico a definio de sua

    natureza jurdica e, em Portugal fala-se em um "poliformismo":

    De facto, uma das caractersticas essenciais doMinistrio Pblico em Portugal prende-se com o

    169 TRASSARD, cit, p. 147 e ss.170 CARVALHO, cit. p. 83.

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    seu poliformismo e o conjunto vasto,heterogneo e transversal de suas atribuies e

    competncias. (...)As funes do MinistrioPblico poder-se-iam agrupar em quatro reas,representar o Estado, nomeadamente nostribunais, nas causas em que ele seja parte,funcionando como uma espcie de Advogado doEstado; exercer a ao penal, defender alegalidade democrtica, intervir no contenciosoadministrativo e fiscal e na fiscalizao deconstitucionalidade; defender o interesse dedeterminadas pessoas mais carenciadas deproteco(...) 171

    Como foi possvel perceber da citao, o Ministrio

    Pblico portugus defende o Estado em juzo, servindo como

    verdadeiro advogado do Estado, exercendo, ainda, funes

    relacionadas advocacia pblica para pessoas carentes e os

    trabalhadores em geral. 172 Em relao sua natureza

    institucional, somente, portanto, com a lei da Autonomia de

    1992, se trouxe a "maturidade" ao Ministrio Pblico

    portugus. Em Portugal, ainda, o Ministrio Pblico

    legalmente autnomo em relao ao Executivo; no entanto, o

    procurador geral escolhido livremente e no se submete ao

    controle do Conselho Superior do Ministrio Pblico:

    O mbito de actuao do Conselho Superior doMinistrio Pblico, perante esta estruturaorganizativa, est limitado, pelas prpriascompetncias do Procurador-Geral da Repblica,numa espcie de prolongamento ou delegao deatribuies. Destas atribuies, decorre que,ainda por razes que se prendem com a natureza

    171 DIAS, J. P. et all . O Ministrio Pblico em Portugal. . In: AZEVEDO, R. G. de;DIAS, J. P. (coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dospases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 51.172 Idem, p. 27.

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    do cargo, o Procurador-Geral da Repblica noest sujeito autoridade do Conselho (...) 173

    Sntese desse poliformismo e de uma atuao to

    heterognea encontrada no artigo 3 da Lei Orgnica do

    Ministrio Pblico de Portugal (LO 60/98). Importante

    mencionar a competncia do Ministrio Pblico de "participar

    na execuo da poltica criminal definida pelos rgos de

    soberania; dirigir a investigao criminal, inclusive quando

    seja realizada por outras entidades; promover e coordenar

    aes de preveno da criminalidade; fiscalizar a atividade

    processual dos rgos da polcia criminal" 174 . Enfim, em que

    pese o Ministrio Pblico de Portugal deter, formalmente,

    autonomia, por outro lado impossvel negar a sua vinculao

    e hierarquizao em relao ao governo, decorrentes da

    Constituio e da legislao estatutria.

    O Procurador-Geral da Espanha tambm out-sider em

    relao aos magistrados de carreira, conforme o art. 124 da

    Constituio Espanhola: O Procurador-Geral do Estado ser

    nomeado pelo Rei, sob proposta do governo, ouvido o Conselho

    Superior da Magistratura. No mais, em relao natureza

    jurdica da Instituio, a constituio foi silente:

    Neste sentido, convm assinalar que desde oprimeiro momento faltou AssembleiaConstituinte um posicionamento claro

    173 Idem, p. 59. (grifos nossos)174 Art. 3 da Lei 60/98 Lei Orgnica do Ministrio Pblico de Portugal.

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    relativamente natureza jurdico-poltica doMinistrio Pblico. (...) por um lado,

    suprimiu-se qualquer meno explcita natureza jurdico-poltica do MinistrioPblico e, por outro, alterou-se o sistema denomeao do Procurador-Geral do Estado, que(...) passou a ser designado pelo PoderExecutivo. 175

    Na Espanha a questo mais complexa, tendo em vista a

    existncia de regies autnomas, onde o Ministrio Pblico

    cumpre um papel de tambm representar o poder central nesses

    locais. Assim, em conformidade com a Constituio espanhola de

    1978 o Ministrio Pblico se configura como um rgo de Estado

    com previso constitucional, cuja misso precpua o

    exerccio da ao pblica em defesa da legalidade. 176

    Importa mencionar que a defesa da legalidade considerada

    uma responsabilidade do governo "enquanto director da poltica

    interna", assim:

    (...) o Ministrio Pblico uma dasarticulaes do sistema poltico, no estandointegrado hierarquicamente em nenhum dos trspoderes clssicos do Estado, embora a elesesteja ligado, especialmente ao Governo, com ofim de cumprir os objetivos propostos peladireo poltica da constituio. 177

    Assim, um dos princpios institucionais do Ministrio

    Pblico na Espanha o da dependncia hierrquica, que

    175 PRADA, I. F. O Ministrio Pblico na Espanha. In: AZEVEDO, R. G.; DIAS, J. P.(coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dos pases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 77.176 Idem, p. 89.177 Idem, p. 89. (grifos nossos)

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    objetiva garantir a organizao e funcionamento verticalizado

    do rgo. Dessa forma, tanto o procurador-geral (indicado pelo

    governo) como os procuradores-chefes de cada rgo podem

    transmitir a seus subordinados ordens e instrues, gerais e

    particulares, convenientes para o servio. 178 Ainda, em relao

    ao princpio da dependncia acrescenta Prada:

    O Procurador-Geral do Estado ou o Procurador-Chefe respectivo tambm podero chamar qualquermagistrado do Ministrio Pblico para lhe pedirinformaes sobre qualquer interveno em queparticipe, assim como designar qualquer membroda instituio para que intervenha num assuntoconcreto (art. 26). 179

    Por fim, bastante clara a posio de Paes a esse respeito:

    O Fiscal General del Estado, que vai dirigir oMinistrio Pblico, de livre indicao doGoverno, segundo as condies que aConstituio espanhola especifica, sem exigirque seja um membro da carreira. No se esperaque a eleio do Governo recaia sobre algumque no seja de sua confiana e, destituvel adnutum, todo seu cometido vai seguir uma linhacoerente com as propostas governamentais, ouseja, do partido que est no Poder. 180

    Em consonncia com o que ocorre em Portugal, tambm na

    Espanha a participao do Ministrio Pblico no inqurito e

    investigao criminal efetiva, em alguns casos, dirigindo e

    orientando a investigao. Segundo Prado, o Ministrio Pblico

    espanhol est no meio termo de um rgo pblico com poderes de

    178 Idem, p. 98.179 Idem, p. 98.180 PAES, op. cit., p. 113.

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    investigao e um rgo de controle da fase de instruo

    processual, inclusive nos processos mais modernos se

    "potenciou a sua faceta investigadora autnoma, tendo-se-lhe

    chegado a atribuir exclusividade a direco da fase de

    investigao nos processos de responsabilidade criminal de

    menores". 181

    A seleo para ingresso e formao dos magistrados do

    Ministrio Pblico e do Judicirio feita conjuntamente,

    tanto na Frana, Portugal e Espanha.

    Na Itlia, no foge regra ter o Ministrio Pblico seu

    surgimento vinculado representao do poder executivo - do

    governo mais especificamente - junto ao poder judicirio,sendo que desde 1890 tanto a carreira do juiz como a do

    promotor eram organizadas conjuntamente. 182 Durante o perodo

    do fascismo, a magistratura requirente era hierarquicamente

    dependente do ministro da justia. 183 O ocaso do fascismo, o

    final da Segunda Guerra e uma nova constituio em 1948

    trouxeram grande repercusso ao sistema judicial italiano: a

    maioria dos deputados constituintes votou no sentido de tornar

    a magistratura requirente independente, tanto quanto

    181 Idem, p. 102.182 FABRI, M.; CAVALLINI, D. O Ministrio Pblico em Itlia. In: AZEVEDO, R. G.;DIAS, J. P. (coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dospases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 170. 183 CARVALHO, P. P. cit. p. 91.

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    possvel, do Poder Executivo. 184 No mesmo sentido manifestam

    Fabri e Cavallini:

    A Constituio republicana de 1948 sancionoudefinitivamente a incluso do MinistrioPblico na magistratura e alargou ao MinistrioPblico as garantias de autonomia de todos osoutros poderes. Este deixa de ter como missorepresentar o Governo atravs da sujeio aoMinistro da Justia, e passa a estar incumbidode promover a funo jurisdicional para

    defender o interesse pblico na correctaaplicao da lei. 185

    De fato, os artigos da Constituio italiana consagrados

    magistratura referem-se tanto aos juzes como ao membro do

    Ministrio Pblico. Reitere-se, na organizao judicial

    italiana vige o princpio da fungibilidade: a passagem de uma

    para outra funo sempre autorizada podendo ocorrer diversas

    vezes durante a carreira. O artigo 107 da Constituio

    reconhece, dentre outras garantias, a da inamovibilidade. 186 A

    doutrina aponta ainda como uma das condies que garantem a

    independncia do Ministrio Pblico a obrigatoriedade da ao

    penal expressa no artigo 112 da Constituio da Itlia. Sendo

    obrigado a agir, no teria como beneficiar ou favorecer quem

    quer que fosse. No campo prtico, no entanto o princpio da

    184 Idem, p. 90.185 FABRI, M.; CAVALLINI, D. O Ministrio Pblico em Itlia. In: AZEVEDO, R. G.;DIAS, J. P. (coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dospases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 172.186 Idem, p. 177.

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    obrigatoriedade esbarra na limitao de recursos, assim h

    propostas de regulao do exerccio da ao penal.187

    Em sntese, reconhece-se ao Ministrio Pblico italiano a

    caracterstica de um magistrado independente de qualquer outro

    poder do Estado (decorrncia da Constituio de 1948), cuja

    funo a de defender o interesse geral pelo respeito lei.

    No mbito civil, defendo o interesse pblico e os interesses

    do Estado em juzo. Em relao a sua atuao na rea penal,

    como j mencionado, vige o princpio da obrigatoriedade e o da

    exclusividade da ao penal ao Ministrio Pblico. Realiza

    funes de investigao, dirigindo a polcia judiciria. ,

    portanto, o dominus do inqurito, 188 necessitando de

    autorizao judiciria somente em relao s medidas que

    restringem a liberdade. No mbito processual atua na funo de

    acusao, participando do contraditrio com o defensor em um

    sistema atualmente predominantemente acusatrio (tendo em

    vista que a fase da investigao predominantemente

    inquisitria).

    importante trazer ainda algumas caractersticas do

    Ministrio Pblico alemo, em especial porque no direito penal

    desse pas vinculado ao princpio da legalidade. Seguindo o

    187 Idem, pp. 180-1.188 Idem, p. 196.

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    modelo francs, o Ministrio Pblico alemo baseado na

    hierarquia relacionada ao poder executivo:

    (...)exercendo o Ministro da Justia Federal ocontrole e superviso sobre o Procurador-Geralda Repblica e sobre os procuradores, enquantoos Ministros da justia dos Estados Federaisexercem o controle e superviso sobre osPromotores do Estado Federal. 189

    Decorrncia do princpio da hierarquia a possibilidade

    de o procurador-chefe substituir um dos membros do Ministrio

    Pblico em determinado processo. Sendo que a quase totalidade

    de suas atribuies ocorrem no mbito penal: a ao penal

    pblica e o Ministrio Pblico detem o seu monoplio,

    inclusive em relao deciso de arquivar ou no um

    inqurito. Vige o princpio da legalidade, mas que pode deixar

    de ser observado em algumas situaes, como a falta de

    relevncia e de repercusso social da conduta. 190 Reconhece-se

    na Alemanha o princpio da unidade do Ministrio Pblico,

    ainda que no exista hierarquia entre o Ministrio Pblico que

    atua no mbito federal e o que atua no mbito estadual. A lei

    de organizao judicial alem trata o Ministrio Pblico como

    um rgo independente cuja funo a de realizar a

    perseguio penal estatal, devendo obedincia lei e

    propugnando pela apurao da verdade. No entanto, no

    reconhecido ao Ministrio Pblico as garantias de

    189 SOUB, cit. p. 87.

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    independncia reconhecidas ao juzes pelo mesmo diploma

    legal.191

    Dentre as caractersticas comuns que podemos elencar do

    Ministrio Pblico nos pases da Europa Ocidental esto: o

    princpio da hierarquia e da unidade do Ministrio Pblico,

    ausncia de independncia funcional, exceto em relao

    Itlia. Esto em regra vinculados poltica do poder

    executivo e realizam a defesa do governo em juzo. Em que pese

    o princpio da fungibilidade, so integrantes da burocracia

    estatal e organizados em carreira, no havendo a

    transitoriedade to caracterstica do common law . So

    responsveis pela direo da polcia judiciria inclusive no

    controle do inqurito policial. Vige o princpio da

    obrigatoriedade da ao penal, com as limitaes j

    apresentadas.

    2.3 O Ministrio Pblico nos tribunais penais

    internacionais

    Apresentadas as caractersticas principais da instituio

    Ministrio Pblico no modelo do common law, bem como do

    direito continental, procederemos anlise do perfil do rgo

    acusatrio nos tribunais internacionais tendo em conta, tanto

    190 SZNICK, V. O Ministrio Pblico no Direito Germnico. In. Revista Justitia, SoPaulo, vol. 126 jul-set, 1984, p. 125.191 PAES, cit., p. 75.

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    quanto possvel, a influncia de ambos os modelos.

    Imprescindvel para esse desiderato a considerao dos

    diplomas legais dos tribunais internacionais, bem como a

    atuao em concreto do Ministrio Pblico nos julgamentos.

    Quando se menciona a atuao em concreto necessrio trazer

    lia inclusive com a perspectiva de super-la a discusso

    a respeito do modelo processual adotado no mbito do Direito

    Internacional Penal: acusatrio, inquisitrio ou misto?

    Historicamente construiu-se uma clivagem entre modelo

    acusatrio, de origem anglo-americana, e modelo inquisitrio,

    de origem continental cuja diferena fundamental reside na

    atuao mais ativa ou mais passiva do juiz ou do tribunal em

    relao s partes. O modelo inquisitrio, de origem medieval,

    teria a caracterstica de concentrao do ato de acusar e

    julgar pelo mesmo rgo, em um processo escrito e sigiloso,

    sendo a tortura um meio admissvel para obter a confisso. No

    modelo adversarial, o juiz atua como um rbitro entre dois

    adversrios, a velar pelas regras do jogo ( fair play ). Os

    adversrios (as partes) apresentariam suas verses destinadas

    a convencer um jri formado pelos cidados. Evidentemente, tal

    dicotomia no mais se pode sustentar, subsistindo somente como

    valor histrico. 192 Kai Ambos acrescenta ainda que o

    significado original do sistema acusatrio (processus per

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    acusationem) dizia respeito a processos iniciados pelos

    cidados, o que caracterizaria a aproximao inicial do

    processo civil anglo-saxnico com o procedimento penal, o que

    no mais vlido. 193 Dessa forma, atualmente, como a fase pr-

    processual, ou fase investigatria, em qualquer dos sistemas

    realizada pelo Estado: seja atravs da polcia, do Ministrio

    Pblico ou de um juiz de instruo (no caso da Europa

    ocidental) ambos os modelos poderiam ser considerados

    inquisitoriais nessa fase.

    Outro aspecto comumente relacionado a um modelo

    inquisitorial a no menos imprecisa e controversa busca da

    verdade real: enquanto no sistema adversarial a busca da

    verdade processual, ou seja, o centro do conflito est nas

    mos das partes ( two cases aproach ), no modelo inquisitrio o

    centro das discusses est na responsabilidade de o Estado,

    atravs de seus rgos - seja a polcia ou o Ministrio

    Pblico -, de provar as acusaes ( one case aproach ) bem como

    a situao do juiz que atua em posio de hierarquia, ao passo

    que no modelo acusatrio o juiz atua como rbitro entre dois

    adversrios. 194

    192 CALVO-GOLLER, K. N. The Trial Proceedings of the International Criminal Court. ICTY ans ICTR precedents. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2006, p. 142193 AMBOS, K. International Criminal Procedure : adversarial, inquisitorial ormixed. Netherlands: Kluer Law International, 2003, p. 3.194 Idem, p. 4.

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    Desde j fica evidente que mesmo no mbito dos Estados

    nacionais no parece ser possvel identificar um modelo puro,

    seja inquisitorial ou acusatrio. Tal situao no mbito

    internacional ainda mais complexa. Veja-se por exemplo que

    uma das caractersticas fundamentais do sistema acusatrio do

    common law o jri, algo impensvel no mbito dos tribunais

    internacionais. Contudo, o sistema do cross examination tem

    sido essencial nos tribunais internacionais: nenhuma

    testemunha ou prova pode ser admitida sem que a defesa tenha

    possibilidade de contest-la diretamente. 195

    Assim, com algumas reservas, possvel identificar no

    tribunal de Nuremberg uma maior preponderncia (mas no

    exclusiva) de um modelo acusatrio e uma maior sntese entre

    ambos os sistemas no tribunal da ex-Ioguslvia e no estatuto

    de Roma. Nas palavras de Claude Jorda, presidente do Tribunal

    Penal Internacional para a ex-Ioguslvia:

    Progressivamente o regulamento de procedimento

    e de prova, extremamente sucinto no incio,cresceu e se tornou uma espcie de regulamentocomposto sem precedentes, alguns dizem suigeneris diz-se que ele ficouinquisitorializado, sem saber se o termo pejorativo, emblemtico ou enftico -, querepresenta assim valores comuns a essas duasgrandes famlias jurdicas. 196

    195 CALVO-GOLLER, K. N. The Trial Proceedings of the International Criminal Court.ICTY ans ICTR precedents . Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2006, p. 144.196 JORDA, C. O Ponto de Vista Jurdico. In. CASSESE A.(org), cit., p. 78-9.

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    O fato de ser inegvel a crescente influncia do modelo do

    direito continental, no afasta a preponderncia do common Law

    no sistema processual dos tribunais internacionais, menos pelo

    aspecto do modelo acusatrio e mais pelo seu pragmatismo em

    encontrar solues para o caso concreto.

    Como j mencionado, a pesquisa a respeito do Ministrio

    Pblico estar cingida ao Tribunal de Nuremberg, ao Tribunal

    para a ex-Ioguslvia e ao Tribunal Penal Internacional

    permanente que pelas suas representatividades so bastantes

    para os fins desse trabalho.

    2.3.1 O Ministrio Pblico em Nuremberg.

    A constituio, o funcionamento e as atribuies do rgo

    encarregado de efetuar a acusao contra os lderes nazistas

    estavam previstas na Carta do Tribunal Internacional Militar

    de Nuremberg em seus artigos 14 e 15. Vejamos:

    Artigo 14. Cada Pas signatrio nomear um

    Procurador-chefe para investigar e acusar osmaiores criminosos de guerra. Os Procuradores-chefes formaram uma comisso com os seguintesobjetivos: (a) decidir sobre o plano detrabalho de cada um dos Procuradores e seusauxiliares; (b) identificar os grandescriminosos de guerra que sero submetidos ajulgamento; (c) aprovar o indiciamento e seusanexos; (d) submeter ao tribunal as acusaes edemais documentos; (e) redigir e recomendar aprovao do Tribunal propostas acerca dasnormas processuais. O tribunal ter competnciapara aceitar, com ou sem emendas, ou rejeitar,as normas propostas. A comisso dever

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    pronunciar-se sobre todos os pontos acimaespecificados, por maioria de votos, e

    designar um Presidente, em caso denecessidade, observado o princpio darotatividade; no caso de empate em relao aser levado ou no um acusado a julgamento,prevalecer a opinio do procurador queapresentou a acusao. 197

    Como se percebe, coube a cada uma das naes vencedoras,

    signatrias do acordo de Londres de 08 de agosto de 1945,

    indicar um procurador-chefe para atuar como acusador no

    Tribunal de Nuremberg. Cada um desses procuradores-chefes

    poderia nomear sua equipe de trabalho, bem como as funes que

    cada um nela desempenharia. No havia nenhuma restrio a que

    o procurador-chefe ou seus assistentes fossem substitudos.

    Mesmo os juzes poderiam ser afastados, no entanto, quando

    houvessem iniciado o julgamento de algum caso deveriam

    conclui-lo.

    O j mencionado Robert H. Jackson, um dos mentores do

    Tribunal de Nuremberg, foi indicado como o procurador-chefe da

    delegao dos Estados Unidos. Representando a Gr-Bretanha e a

    Irlanda do Norte o Attorney General Hartley Shamcross. Pela

    Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, o General Roman

    Andreyevich Rudenko. Finalmente, a Frana apresentou Frangois

    de Menthon e Auguste Champetier de Kibes, como procuradores-

    chefes.

    197 I. M. T., vol I, p. 9. (livre traduo)

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    Os procuradores-chefes podiam indicar um que representasse

    todos, mas no havia nenhuma unidade ou hierarquia entre eles.

    Na verdade, formava-se no um, mas quatro ministrios

    pblicos, haja vista o elevado nvel de autonomia e

    independncia de cada um deles. Representavam, antes de tudo,

    o interesse de suas prprias naes. As peculiaridades dos

    diversos sistemas jurdicos, bem como interesses polticos no

    mais das vezes contraditrios levavam tambm a dificuldades de

    harmonizao do desempenho da funo acusatria. 198 Contudo,

    para alm das divergncias nacionais, foi a prpria situao

    extraordinria originada pelos julgamentos de Nuremberg que

    explicam a peculiar atuao do Ministrio Pblico no primeiro

    processo realizado perante um tribunal penal internacional.

    A primeira tarefa dos procuradores foi a de definir a

    lista dos grandes criminosos de guerra que deveriam ser

    levados a julgamento. O indiciamento, texto assinado

    conjuntamente pelas quatro potncias vencedoras da Segunda

    Guerra, foi lido na sesso de abertura, em 20 de novembro de

    1945, por Sidney S. Alderman, integrante da delegao

    estadunidense. Trazia a acusao contra 24 lderes nazistas,

    que simbolicamente representavam o Terceiro Reich. Salta

    evidncia o carter de discricionariedade do rgo acusatrio

    na seleo de quem seria acusado: trata-se de apangio

    198 DE VABRES, D. H. Le Prces de Nuremberg . In.: Revue de Science Criminele et de

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    decorrente da impossibilidade de se levar a julgamento todos

    os responsveis pelo cometimento desse tipo de criminalidade.

    Essa caracterstica manteve-se nos tribunais ad hoc

    posteriores a Nuremberg e mesmo no Tribunal Penal

    Internacional de carter permanente. 199

    O artigo 6 da carta do Tribunal previa o julgamento de

    trs crimes: a) contra a paz; b)crimes de guerra e c)crimes

    contra a humanidade. A acusao, por influncia do common law

    anglo-americano apresentou tambm o crime de conspirao para

    o cometimento daqueles crimes. Assim, a tarefa acusatria

    ficou divida da seguinte forma: acusao 1, a cargo dos

    Estados Unidos, previa o crime de conspirao para o

    cometimento de crimes de guerra, contra a paz e contra a

    humanidade; a Gr-Bretanha apresentaria a acusao 2, os

    crimes contra a paz; a Frana e URSS apresentariam

    conjuntamente a acusao 3 e 4 dos crimes de guerra e dos

    crimes contra a humanidade.

    Como exposto, o modelo processual adotado em Nuremberg era

    predominantemente acusatrio: o Ministrio Pblico no era um

    rgo integrante do Tribunal; estava, ao menos formalmente, em

    igualdade de posio com a defesa. Conforme De Vabres:

    Droit Pnal Compar. Paris: Recuil Sirey, n3, abr jun, 1947, p.175.199 DEL PONTE, C. Investigation and Prosecution of Large-scale Crimes at theInternational Level. The experience of the ICTY. Journal of International CriminalJustice. Oxford University Press, 2006, p. 539. Disponvel em:

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    Quanto ao processo conhecido como de tipoacusatrio, afirmamos que ele se apresenta sob

    o aspecto dominante de um duelo entre doisadversrios: O ministrio pblico, que em lugarde ser, como conhecemos, um elemento dotribunal, est no mesmo plano dos advogados dadefesa. O tribunal representa acima de tudo afigura de um rbitro, e os acusados soexpectadores... vivamente interessante. Oensaio desse sistema, especificamentebritnico, sobre um teatro internacional, umadas invenes mais sugestivas, a mais fecunda,talvez, do processo de Nuremberg. 200

    De fato, a forma como a acusao foi apresentada com os

    rus podendo declarar-se culpados ou inocentes, o exame das

    testemunhas diretamente pelas partes e a apresentao de

    proposies (moes ou protestos) de forma oral e imediata

    denotam a preponderncia de um modelo acusatrio. No entanto,

    alm das ressalvas j feitas, a questo da prova, que segundo

    o modelo acusatrio deveria ser publicizada pela parte que a

    apresenta foi tema de constante debate em Nuremberg e continua

    a ser um ponto delicado nos tribunais internacionais. Tal

    situao trouxe embaraos atuao dos defensores, na maioria

    alemes, que no estavam familiarizados com esse sistema, como

    se denota da passagem abaixo:

    DR. DIX: Tenho um requerimento. Estamos aqui,como advogados alemes, em face de grandesdificuldades. Este procedimento est sendoconduzido de acordo com os costumes anglo-americanos. Estamos fazendo o melhor possvel

    http://jicj.oxfordjournals.org/content/4/3/539.full.pdf+html?sid=175c5f04-1c3e-45d3-ba05-15e7f898eedd. Acesso em 06/09/2011.200 DE VABRES, D. H. Le Prces de Nuremberg . In.: Revue de Science Criminele et deDroit Pnal Compar. Paris: Recuil Sirey, n3, abr jun, 1947, pp. 176-7.

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    para observar esses princpios e ficaramosmuito agradecidos se o presidente do tribunal

    levasse em considerao essas dificuldades.Tenho ouvido mas no tenho certeza de queisso est correto que de acordo com osprincpios anglo-americanos, necessrioapresentar moes imediatamente. Caso hajaobjees ao contedo de um documento, se nofor apresentada imediatamente, no h maispossibilidade de faz-lo em outra ocasio. 201

    Rudolf Dix era o defensor de Hjalmar Schacht, banqueiro e

    ministro da economia na Alemanha, um dos rus absolvidos no

    julgamento.

    De outra parte, as disposies processuais na Carta do

    Tribunal eram por demais abertas, dessa forma, a maioria das

    questes sobre as regras do procedimento eram realizadas no

    decorrer dos julgamentos, o que foi criando, assim, uma

    jurisprudncia que influenciou os demais tribunais

    internacionais. Conforme Canato:

    Os instrumentos constitutivos tm lacunas, poisno conseguem prever os meios e poderesnecessrios para enfrentar e resolver todas aspossveis situaes nos procedimentos judiciaispara tornar efetiva a jurisdio. 202

    Em que pese entendamos que tal caracterstica prpria do

    modelo anglo-americando, modernamente busca-se justificar a

    possibilidade que os tribunais internacionais tm de criar

    suas regras de procedimento atravs da teoria dos poderes

    201 I. M. T., Vol. II. p. 191.202 CANATO, cit, p. 195.

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    implcitos ou inerentes tais como estabelecer a prpria

    jurisdio ( comptence de la comptence), revisar as prprias

    decises, etc. 203

    Jimnez de Asa que j havia assestado suas crticas ao

    Tribunal de Nuremberg tambm atacou a atuao do Ministrio

    Pblico:

    Reiteradas acusaes de promotores americanos,ingleses, russos e franceses descobrem fatos...que todo o mundo sabe: que os alemespreparavam a guerra desde 1935, que os nazistasinvadiram a ustria e Tchecoeslovquia, etc.,etc. Para escutar tudo isso, gastaram-se dias emais dias. 204

    Robert H. Jackson foi uma das figuras mais criticadas no

    s pela idealizao do Tribunal de Nuremberg, mas tambm pela

    sua atuao como acusador, que o teria tornado to impopular

    em seu pas, retirando-lhe a oportunidade de ser o presidente

    da Suprema Corte Estadunidense em 1946. 205

    Uma das crticas a Jackson foi a maneira como conduzia o

    interrogatrio dos acusados, em especial seus debates com

    Gring, carreando apoio da opinio pblica estadunidense ao

    lder nazista. A esse respeito reproduzimos sintomtico debate

    entre ambos em uma audincia em 19 de maro de 1945:

    203 Idem, p. 195.204 JIMNES, cit. p. 1023.205 Idem, p. 1025.

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    MR. JUSTICE JACKSON: Voc quer dizer que ospreparativos no eram preparativos militares?

    GORING: Aqueles eram preparativos gerais demobilizao, como todos os pases fazem, e notinham o propsito de ocupao da Rennia.MR. JUSTICE JACKSON: Mas eram um tipo depreparativo que tinha de ser mantidointeiramente em segredo dos demais pases?GORING: No recordo de haver lido anteriormentea publicao sobre as aes de mobilizaopreparatria dos Estados Unidos.MR. JUSTICE JACKSON: Bem, quero respeitosamenterepresentar a este Tribunal que este depoimento

    no est sendo til e que o interrogado... [Oacusa interpe algumas palavras que no foramgravadas.] intil gastar nosso tempo se noobtemos respostas s nossas perguntas.

    Acerca disso comentou Jimnes de Asa (...) do enorme

    perigo de se processar homens muito inteligentes por

    magistrados que s tem o hbito de lidar com homens

    vulgares. 206 Como consabido, Gring cometeu suicdio poucas

    horas antes de sua execuo. Novamente o penalista criticou a

    postura de Jackson que teria feito um infeliz comentrio:

    O acusador dos Estados Unidos e juiz da SupremaCorte, Robert Jackson, disse que o suicdio deHermann Goering foi um desenlace burlesco

    depois de uma abertura wagneriana e que haviaperdido o suicida a nica oportunidade que lherestava de converter-se em mrtir e herialemo. Com to insensatas palavras, Jacksonconfessa que os enforcados alemes haviamconvertido-se em heris e mrtires do povoalemo. 207

    No se pode deixar, ainda, de referir que a atuao dos

    procuradores no se limitava a provar a culpa de cada um dos

    206 JIMNES, cit., p. 1041.

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    acusados, mas de mostrar ao mundo a conta terrvel da ascenso

    e queda do nazismo:

    A histria e a necessidade da raa humanaexigiam um relatrio das mortes em massa e dastorturas, do assassinato de prisioneiros, doshediondos campos de concentrao,sistematicamente desenvolvidos e minuciosamenteprevistos. 208

    Episdio dos mais marcantes pelo tipo de atrocidades

    cometidas foi a atuao do Einsatzgruppen (grupos de

    trabalho), j referido de passagem na primeira parte deste

    trabalho. Como dito, uma das funes das equipes de acusao

    era a de analisar as centenas de milhares de documentos

    criados pela burocracia nazista. Dentre esses documentos foram

    encontrados aqueles relacionados atuao do Einsatzgruppen

    cuja funo era atuar junto a um grupo militar com a funo de

    dar cabo da populao, particularmente russos e judeus, dos

    territrios ocupados ao leste. O coronel John Harlan Amen,

    integrante da equipe de acusao estadunidense interrogou,

    ( cross examination ) a testemunha Otto Ohlendorf integrante de

    um dos Einsatzgruppen, em 03 de janeiro de 1946. 209 No seu

    depoimento Ohlendorf reconheceu que no perodo de junho de

    1941 a junho de 1942, quando estava a frente do Einsatzgruppen

    207 Idem, p. 1024.208 BIDDLE, F. Le Proces de Nuremberg. In: Revue Internationale de Droit Penal.Paris: Recueil Sirey, n1, 1948, p. 3.209 A integra do depoimento encontra-se no volume IV dos Anais do Julgamento deNuremberg, pp. 311 355.

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    D, ligado ao 11 regimento, atuando na regio ao sul da

    Rssia, teria registrado a morte de 90 mil russos e judeus:

    COL. AMEN: Quais eram suas instrues arespeito dos judeus e funcionrios comunistas?OHLENDORF: As instrues nas reas de operaopara o Einsatzgruppen , bem como para oscomissrios polticos soviticos, era de quefossem liquidados.COL. AMEN: E quando voc diz liquidado, vocquer dizer assassinado?

    OHLENDORF: Sim, quero dizer assassinado.COL. AMEN: Voc sabe quantas pessoas foramliquidadas pelo Einsatzgruppen D sob a suadireo?OHLENDORF: Nos anos entre junho de 1941 e junhode 1942 o Einsatzkommandos relatou noventa milpessoas executadas.COL. AMEN: Isto inclua homens, mulheres ecrianas?OHLENDORF: Sim.COL. AMEN: Em que so baseados esses nmeros?

    OHLENDORF: Nos relatrios enviados pelosEinsatzkommandos para o Einsatzgruppen. 210

    Foi tambm atravs desse depoimento que os mtodos de

    execuo do regime nazista tornaram-se pblicos: inicialmente

    os prisioneiros eram executados com um tiro na nuca,

    posteriormente para as mulheres e crianas foi introduzida a

    execuo pelo gs em caminhes, quando era possvel ento a

    eliminao de vinte a trinta indivduos de cada vez num

    perodo de dez minutos. Os objetos de valor retirados das

    vtimas eram destinados ao ministrio das finanas; as roupas

    podiam ser usadas, eventualmente, pelos prprios militares.

    210 I. M. T., vol. IV. pp. 316-18.

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    A testemunha era inquirida inicialmente pela acusao,

    sendo que os juzes podiam solicitar a qualquer momento

    esclarecimentos a respeito das respostas. Em seguida os

    advogados dos acusados tinham oportunidade de inquirir

    diretamente a testemunha e, por fim, novamente os procuradores

    podiam formular questes tendo em vista as respostas dadas.

    Otto Ohlendorf no julgamento dos lderes nazistas atuava como

    testemunha; no entanto, foi julgado posteriormente e condenado

    morte. 211

    Por outro lado, e a denotar a importncia da independncia

    e iseno do integrante do rgo acusador, foi a grave

    tentativa de o promotor sovitico Rudenko de usar documentos

    falsos para culpar os nazistas pelo massacre de Katin, quando

    milhares de oficiais poloneses foram executados pelos

    comunistas soviticos. Conforme a denncia apresentada em 14

    de fevereiro de 1946 pelo procurador russo coronel Pokrovsky:

    Encontramos, no indiciamento, um dos maisimportantes atos criminosos, pelo qual soresponsveis os maiores criminosos de guerra: aexecuo em massa de poloneses prisioneiros deguerra, fuzilados na Floresta de Katyn, prximoa Smolensk pelos invasores nazistas. Submeto aeste tribunal, como prova deste crime,documentos oficiais da comisso para oestabelecimento e investigao dascircunstncias nas quais ocorreram asexecues. A comisso atuou em acordncia com

    211 SIMONS, M.; STUART H.V. The Prosecutor and the Judge. Amsterd: PallasPublications, 2009, pp. 13-25.

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    as diretivas da comisso extraordinria criadapela Unio Sovitica. Em adio aos membros da

    comisso extraordinria atuaram integrantes dasAcademias Burdenko, Alexis Tolstoy, eMetropolitan Nicolas essa comisso foicomposta pelo Presidente do cmite pan-eslavo,oficial General Gundorov; o chefe executivo daunio da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho,Kolesnikov; o comissrio do povo para aeducao da URSS, o Supremo Chefe dodepartamento mdico do Exrcito Vermelho,General Smirnov; e o chefe do comit executivode Smolensk, Melnikov. A comisso inclui tambm

    diversos dos melhores mdicos legistas.212

    Dentre as provas obtidas pelas referidas comisses

    encontravam-se a anlise dos cadveres exumados e o testemunho

    de habitantes locais, o que teria permitido determinar de

    forma exata o tempo e a circunstncia do massacre cometido

    pelos invasores alemes. 213 Diversos advogados dos nazistas

    questionaram as provas apresentadas, o que levou seguinte

    manifestao do procurador-chefe da Unio Sovitica no sentido

    de que as evidncias apresentadas no estavam sujeitas

    contestao:

    GENERAL R. A. RUDENKO (Procurador-Chefe daU.R.S.S.): Membros do Tribunal, a acusaosovitica diversas vezes expressou seu ponto devista a respeito das moes apresentadas peloconselho de defesa que chamou testemunhas arespeito do fuzilamento em massa dos oficiaispoloneses pelos nazistas na floresta de Katyn.Nossa posio esta: o episdio das atividadescriminosas por parte dos hitleristas foiestabelecido de forma completa pelas evidnciasapresentadas pela Comisso Extraordinria parainvestigao das circunstncias do fuzilamento

    212 I. M. T., vol. VII, p. 425 e seguintes.213 Ibdem.

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    em massa dos oficiais poloneses pelos nazistas. Estes documentos foram apresentados pelo

    Procurador Sovitico sob o nmero USSR-54, em14 de Fevereiro de 1946, e foi admitido peloTribunal; e, como previsto no artigo 21 daCarta, no est sujeito contestao. 214

    O massacre de Katin foi um dos episdios mais traumticos

    da Segunda Guerra Mundial para a Polnia. Durante dcadas, foi

    negada pela Unio Sovitica e pelo regime comunista que

    dominava o pas dos oficiais executados a responsabilidade

    pelas execues. Conforme expressou Hannah Arendt: (...) os

    russos parecem ser tambm responsveis pelo assassinato de 15

    mil oficiais poloneses cujos corpos foram encontrados na

    floresta de Katyn 215 . Somente na dcada de noventa a URSS

    assumiu a responsabilidade pelos acontecimentos. Por outro

    lado, ficou patente a tentativa do estado sovitico de eximir-

    se da responsabilidade do massacre de Katin, utilizando-se

    para isso das prerrogativas que os procuradores dispunham no

    Tribunal de Nuremberg.

    O episdio relatado retrata que a indevida utilizao das

    prerrogativas das funes do Ministrio Pblico podem

    ocasionar graves injustias tanto para o acusado

    individualmente bem como, e talvez de forma mais grave, para a

    coletividade. Como j visto, num julgamento de um tribunal

    penal internacional, e o caso do massacre de Katin

    214 I. M. T., vol. XV, pp. 289-290.

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    emblemtico, mais do que a condenao dos responsveis, muitas

    vezes est em questo a histria e a memria coletiva das

    vtimas e de seus familiares. Dessa forma, no chegamos

    mesma concluso de Maria Anaides do Vale Siqueira Soub de que

    a atuao dos Procuradores em Nuremberg possibilitou a busca

    de verdade real:

    Por esse resultado pode-se chegar conclusode que o Ministrio Pblico desempenhou bem seupapel de rgo acusador, tendo tido sucesso napersecuo criminal, demonstrando tal fato queos poderes que lhe foram conferidos peloEstatuto permitiram-lhe alcanar essedesiderato. 216

    Por todos os aspectos apresentados e dado o carter de

    ineditismo dos julgamentos tarefa difcil tecer crticas

    acerca da legitimadade ou da eficcia das acusaes proferidas

    em Nuremberg. No entanto, possvel elencar algumas

    caractersticas acerca da primeira experincia de um

    Ministrio Pblico em uma corte penal internacional:

    No havia uma unidade no Ministrio Pblico nem hierarquia

    entre seus membros, o que levou diversas vezes a

    posicionamentos diferentes; nem todos os que atuaram em

    Nuremberg tinham experincia na funo de acusao perante um

    Tribunal - o que foi exigido nos tribunais posteriores, bem

    215 ARENDT, H. Eichmann em Jerusalm. Um relato sobre a banalidade do mal.So Paulo:Companhia das Letras, 1999, p.278.216 SOUB, M. A. V. S. O Ministrio Pblico na Jurisdio Penal Internacional . Rio deJaneiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 117.

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    como no Estatuto de Roma; No havia independncia e nenhuma

    garantia de estabilidade queles que integravam os conselhos

    de acusao (que nesse caso seria um fator importante tambm

    para os acusados); os interesses polticos dos Estados estavam

    acima das questes jurdicas; consoante disposies da Carta

    de Nuremberg, nem os procuradores nem juzes poderiam ser

    objeto de suspeio. Uma situao peculiar em Nuremberg era o

    fato de que a maioria dos acusados estava disposio do

    Tribunal, eis que haviam sido feito prisioneiros durante ou ao

    fim da guerra. O fato de a Alemanha ter sido ocupada pelas

    potncias vencedoras foi crucial, j que alm de possibilitar

    a obteno das provas documentais, facilitava o interrogatrio

    de acusados e o depoimento de testemunhas. Situao bastante

    diferente dos tribunais ad hoc da Ex-Ioguslvia e do Tribunal

    Penal Internacional Permanente.

    Como mencionado, a atuao do Ministrio Pblico no

    Tribunal de Nuremberg precisa ser entendida luz dos

    acontecimentos ocorridos na Segunda Guerra Mundial, em um

    mundo chocado com os horrores do nazismo. E dessa forma, assim

    como os princpios de Nuremberg, formalmente reconhecidos

    fonte do Direito Internacional Penal, tambm a constituio do

    rgo acusatrio nesse tribunal influenciou o seu

    desenvolvimento posterior.

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    2.3.2 No tribunal para a ex-Ioguslvia.

    Em maio de 1993 o Tribunal Penal Internacional para a Ex-

    Ioguslvia foi criado pela ONU em resposta s atrocidades que

    estavam sendo cometidas na Crocia e Bosnia-Herzegovina pelos

    grupos de origem srvia, contando com o apoio da Repblica da

    Srvia. Relatrios indicavam crimes graves, como execues em

    massa, limpeza tnica, estupros coletivos, internao emcampos de concentrao, deportaes, causando grande

    repercusso na comunidade internacional. O Tribunal Penal

    Internacional para a ex-Ioguslvia, criado de acordo captulo

    VII da carta das Naes Unidas foi a primeira corte

    internacional criada desde o Tribunal de Nuremberg. Ainda

    continua em atividade, com previso de funcionamento at pelo

    menos o ano de 2014.

    No primeiro relatrio apresentado s Naes Unidas,

    Antonio Cassese, presidente do Tribunal Penal Internacional

    para a ex-Ioguslvia, evidenciou a experincia histrico-

    jurdica do Tribunal de Nuremberg, anotando, contudo, os

    pontos em que o tema diferiu, em especial atravs da

    incorporao de institutos de outros sistemas jurdicos. No

    entanto, a influncia preponderante do direito anglo-americano

    ainda prevalecia:

    Na falta de disposio no estatuto ou deprecedentes jurisprudenciais que determinem, os

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    juzes buscaro uma soluo apelando para odireito comparado (...) contudo, por fim, a

    maioria da cmara terminou ficando com asconsideraes prticas fundadas em grandeparte no direito ingls e mais amplamente nossistemas de common law . 217

    Canatto tambm sintetiza algumas diferenas entre os

    tribunais:

    Percebe-se uma evoluo institucional, cujascaractersticas principais so resumidas porBeigbeder. O ICTY diferiu, quanto sua origem,dos tribunais militares que o precederam,Nuremberg e Tquio: no um Tribunalestabelecido pelos Estados vitoriosos, masrgo subsidirio das Naes Unidas e, comotal, vincula todos os membros da ONU com maiorrepresentatividade na comunidade internacionale legitimidade que os anteriores. Quanto constituio, o novo Tribunal tem umacomposio internacional, em significanteprogresso em relao a Nuremberg, onde osJuzes so eleitos pela Assembleia Geralatravs de uma lista oferecida pelo conselho deSegurana. O presidente eleito pelos juzes.O promotor age independentemente, como um rgoseparado do Tribunal, no recebendo instruesde qualquer governo ou outras fontes. Opromotor indicado pelo Conselho de Seguranae nomeado pela Assembleia Geral. Ao contrriode Nuremberg, uma pessoa no poder serprocessada i n absentia. O Tribunal tem Cmarasde Julgamento e apelao. 218

    O estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-

    Ioguslvia traz a seguinte previso a respeito do Ministrio

    Pblico.

    217 MARTY-DELMAS, M. A influncia do Direito comparado sobre a atividade dosTribunais Penais Internacionais . In: CASSESE, A.; MARTY-DELMAS, M. CrimesInternacionais e Jurisdies Internacionais, p. 121.218 CANATTO, cit., p. 185-86.

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    Artigo 16O Procurador

    1. O Procurador responsvel pela investigaoe acusao de pessoas responsveis pelocometimento de srias violaes ao direitointernacional humanitrio cometidas noterritrio da antiga Ioguslvia, desde 1 dejaneiro de 1991.2. O Procurador deve atuar de formaindependente e como um rgo separado doTribunal Internacional. Ele no recebe ordensou instrues de nenhum governo e de nenhumaoutra fonte.

    3. O gabinete ser composto por um Procurador epor auxiliares tcnicos como for requerido.4. O Procurador ser indicado pelo Conselho deSegurana e nomeado pelo Secretrio-Geral. OProcurador deve possuir elevado carter moral edeve possuir experincia e alto nvel decompetncia em conduo de investigao eacusao de processos criminais. O Procuradorpode servir durante um mandato de quarto anos eser reeleito. As condies de trabalho doProcurador devem ser equiparadas ao de um sub-

    Secretrio-Geral das Naes Unidas.5. O pessoal do gabinete do Procurador seroindicados pelo Secretrio-Geral apsrecomendao do Procurador. 219

    Os seguintes Procuradores atuaram no Tribunal para a ex-

    Ioguslvia: O venezuelano Ramon Escovar Salom foi indicado

    para atuar como primeiro procurador no Tribunal para a ex-

    Ioguslvia em 1993, contudo renunciou antes de tomar posse.

    Richard J. Goldstone, da frica do Sul, foi o primeiro

    procurador a atuar de fato no Tribunal entre agosto de 1994 a

    setembro de 1996. Louise Arbour, do Canad, foi procuradora

    219 Disponvel em: http://www.icty. org/x/ file/ Legal%20 Libra- ry/Statute-/statute_sept09_en.pdf. acesso em janeiro de 2011.

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    entre outubro de 1996 at setembro de 1999. Carla Del Ponte,

    da Sua, foi procuradora entre 1999 e 2007.

    Conforme atesta a procuradora no Tribunal para a ex-

    Ioguslvia, o estatuto de tribunal silenciava em relao

    forma pela qual as tarefas do rgo acusador seriam

    desenvolvidas. Assim, o procedimento de investigao e os atos

    processuais, como uma simples intimao, foram desenvolvidos e

    testados caso a caso, utilizando-se de tcnicas tanto do

    sistema do civil law como do common law . necessrio

    acrescentar a esse contexto, diferente do que ocorreu em

    Nuremberg, que o Tribunal no mais das vezes necessitava da

    cooperao de Estados frequentemente hostis a seus mandatos. 220

    O artigo 16 do Tribunal Penal Internacional para a ex-

    Ioguslvia previa que os procuradores seriam indicados pelo

    Conselho de Segurana da ONU e nomeados pelo secretrio-geral

    da mesma instituio. Deviam ter experincia na rea de

    investigao e acusao criminal. Mesmo o gabinete do

    procurador fazendo parte da Estrutura do tribunal, tem

    garantida a sua independncia, em relao ao tribunal bem como

    a qualquer outro Estado ou rgo internacional.

    Em que pesem as bvias diferenas entre o Ministrio

    Pblico em Nuremberg e seu congnere no tribunal da ex-

    220 DEL PONTE, cit, p. 540.

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    Ioguslvia, tanto no que diz respeito aos aspectos temporais,

    bem como pela influncia muito maior da comunidade

    internacional representada pelas naes Unidas, o tipo de

    criminalidade que denunciavam era substancialmente parecida.

    No demais lembrar que o tipo de crime objeto do Direito

    Internacional Penal so as atrocidades cometidas em grande

    escala. Dessa forma, h caractersticas semelhantes entre as

    funes dos procuradores qu