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O que segue, ento, a tentativa de apresentar o
surgimento do Ministrio Pblico inicialmente exercendo uma
funo processual em geral na defesa de um interesse do
poder executivo - at sua gradual institucionalizao dentro
dos sistemas jurdicos nacionais bem como no mbito do Direito
Internacional Penal.
indicativo dessa institucionalizao o cotejamento entre
a situao do Attorney General estadunidense criado em 1789,
cuja funo era acompanhar os processos de interesse do Estado
na Suprema Corte, sem estrutura, sem funcionrios e sem
maiores prerrogativas, com sua condio atual, em que o
Attorney General chefe do Departamento de Justia, empregando
aproximadamente cento e vinte mil pessoas em trinta e nove
diferentes organizaes. Entre elas, incluem-se o Federal
Bureau of Investigation (FBI), o Drug Enforcement
Administration (DEA), o Bureau of Prisions, e o escritrio do
U. S. attorneys and U. S. marshals em toda a nao. 133
Comecemos por analisar, portanto, a caracterstica e
evoluo do rgo acusador no sistema do common Law norte-
americano, seguindo pelos modelos do direito continental para
finalmente identificar, na medida do possvel, a sntese
133 EMERT, P. R. Attorneys General: enforcing the law. Minneapolis: The Oliver PressIncj., 2005, p. 7.
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dessas experincias que se concretizam, no que tange ao
Direito Internacional Penal, no Estatuto de Roma.
2.1 O Ministrio Pblico no Sistema Legal do CommonLaw. 134
A forma diversa de organizao do Ministrio Pblico nos
Estados Unidos quando comparada com os demais pases
americanos pode ser explicada, em parte, pelo pragmatismo 135 do
Common law (...) voltado para conciliar as expectativas
populares da justia efetiva: primeiro, com a realidade
criminognica, segundo, com os recursos de toda a ordem postos
a servio da mquina judiciria 136 . Aqui reside provavelmente
a mais peculiar caracterstica do prosecutor estadunidense: a
disponibilidade da ao penal. Indicativo da pragmatismo do
sistema, o promotor no obrigado a oferecer a ao penal.
Pelo contrrio, vai utilizar os recursos oramentrios de que
dispe no combate a determinado tipo de criminalidade tendo em
vista as prioridades apresentadas no programa com o qual foi
134 O modelo a ser analisado no Common Law o dos Estados Unidos da Amrica. Valecitar o trecho de Ren David: Em Inglaterra no existe, junto aos Tribunais deJustia, nenhum Ministrio Pblico. A presena dum agent, representante do PoderExecutivo, parece aos ingleses inconcilivel com a autonomia e com a dignidade doPoder judicirio. DAVID, R. p. 395.135 Sobre o desenvolvimento do mtodo pragmtico como filosofia poltica dos EstadosUnidos vale conferir RAMOS, cit, p. 53 e ss.136 CARVALHO, P. P. Uma Incurso do Ministrio Pblico Luz do Direito Comparado:Frana, Itlia, Alemanha, Amrica do Norte e Unio Sovitica. In: MORAES, V. L.(org.) Ministrio Pblico e Sociedade. Porto Alegre: Srgio Fabris Editor, 1986, p.103.
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eleito. 137 Corolrio da disponibilidade da ao penal o
instituto do plea bargain: dispositivo pelo qual entre oitenta
e noventa e cinco por cento dos processos criminais so
resolvidos diretamente pelo promotor norte-americano. 138
Atravs do plea bargain o promotor assume a condio de juiz
porta do Tribunal negociando com a defesa questes de fato
e de direito: o acusado, ao invs de submeter-se a um
julgamento que poderia lev-lo a uma condenao mais grave,
aceita uma pena menor. Ao juiz cabe homologar a referida
negociao. Muitas crticas so apostas a essa possibilidade
de negociao:
Os crticos apontam insistentemente para a
desigualdade e a injustia que se reflete na plea negotiation e que esta, por sua vez,potencia e amplia. Como negociao de factos (edo direito) feita nos gabinetes do MP ou noscorredores do tribunal, subtrada sindicnciada publicidade, os seus resultados concretosdependem directamente do poder das partes emconfronto, da respectiva competncia deaco. 139
Com efeito, o plea bargain ameaa seriamente consagrados
princpios materiais e processuais penais, como a presuno de
inocncia, a verdade real e o contraditrio, colocando em
dvida as vises idealizadas a respeito do modelo adversarial
137 SIMON, J. A. Consideraes sobre o Ministrio Pblico Norte-Americano. In.Revista do Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul, n 23, 1990, p. 24138 DIAS, J. F; ANDRADE, M. C., cit., p. 484.139 Idem, p. 485.
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caracterstico do sistema estadunidense 140 . Os acusados com
menos condies de sustentar um processo caro, sujeitam-se a
penas menores, ainda que em um processo justo as possibilidade
de absolvio ou mesmo de inadmissibilidade da acusao fossem
provveis 141 . No entanto, os prprios magistrados reconhecem
que sem a utilizao desse dispositivo, o sistema judicial
estadunidense entraria em colapso. 142
Outra diferena relevante, agora a respeito das
caractersticas institucionais, que o ingresso no cargo de
promotor pblico no realizado mediante concurso e tambm
no se organiza em forma de carreira: h grande movimento de
promotores que entram e saem da instituio. 143 O ingresso se
d atravs de simples contratao procedida pelo Procurador-
Geral que pode inclusive indicar promotores ad hoc para atuar
em questes especficas. Boa parte dos que ingressam formada
de antigos estagirios, outros conseguem ingressar por terem
colado grau com distino nas faculdades, ou por prestarem
exemplar trabalho profissional. H os que ingressam tambm a
partir de influncias polticas. A organizao do cargo de
promotor em carreira diz respeito mais Instituio do que a
seus membros individualmente. Explica-se: atravs da
140 CARVALHO, P. P. cit., p. 105.141 RAMOS, cit., p. 146.142 GUIMARAES Jr., R. Magistratura e Ministrio Pblico nos Estados Unidos Segundoseus Lderes e um Olhar no Futuro . In: JUSTITIA. So Paulo: APMP, vol. 98, 3trimestre de 1977, p. 129.143 Idem, p. 128 e ss.
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organizao em carreira possvel identificar as garantias,
prerrogativas e, portanto, o nvel de independncia e
autonomia do rgo acusador. Mais ainda, com a permanncia dos
promotores na Instituio possvel vislumbrar uma
continuidade da poltica institucional. Da ser percuciente a
assertiva de Antonio Camargo Ferraz: (...) a circunstncia de
estar centrado na figura do Procurador-Geral talvez at retire
do Ministrio Pblico norte-americano o seu carter
institucional. 144 De fato, a cada eleio, as prioridades de
atuao se modificam segundo a orientao do novo Procurador
geral eleito que concentra todo o poder poltico da
Instituio. Ao revs, nos sistemas em que h uma carreira
organizada, a fora da instituio a se encontra. 145
No que tange sua organizao formal, as atividades
desenvolvem-se em trs nveis: o federal, o estadual e os
condados - subdiviso poltica dos Estados. No mbito dos
Estados, aparece como chefe do Ministrio Pblico o State
Attorney-General . A forma de sua assuno ao cargo de
Procurador-Geral varia de Estado para Estado. Pode se dar pela
forma de indicao do governador, escolhido pelo poder
legislativo, que em alguns Estados membros divide-se em cmara
e senado. Contudo, em sua maior parte so escolhidos
144 FERRAZ, A. A. M. C. Anotaes sobre o Ministrio Pblico Brasileiro e Americano.In.: Revista Justitia, vol. 144, 4 trimestre de 1988. Publicao eletrnica.145 No mesmo sentido, FERRAZ, A. A. M. C. cit.
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diretamente pelo povo atravs de eleies. H, ainda, como
referido, os condados, subdivises polticas dos Estados-
membros. Para cada Condado h tambm um procurador-geral.
Cada condado (county) elege seu prprio"District Attorney" (mais exato seria chamar-lhe "County Attorney", uma vez que escolhidopelo povo do "county'' e no do "district). O"District Attorney" pode ser descrito como orgo mais elevado do Ministrio Pblico, nos
limites do "county", ao qual esto subordinadosos demais promotores que o auxiliam na persecutio criminis 146 .
Nos trs nveis supramencionados de atuao esto
presentes as funes de assessoramento e aconselhamento
jurdico aos rgos oficiais do Estado, bem como a defesa em
juzo dos mesmos.
Ao nvel federal, como rgo mximo da instituio, surge
a figura do Attorney-General , nomeado pelo Presidente da
Repblica, mediante aprovao de seu nome pelo Senado, e que
ocupa as posies de Ministro da Justia e Procurador-Geral da
Justia.
O cargo de procurador-geral nome originrio da
Inglaterra foi criado nos Estados Unidos pelo Judiciary Act
of 1789, tendo como requisito para a indicao, a formao
jurdica e com as funes de promover e conduzir todos os
146 MELLO FILHO, J. C. O Ministrio Pblico Norte-American. In: Revista Justitia,Ano XXXI, vol. 65, 2 trimestre de 1969, p. 164.
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Salvo pequenas melhorias de salrio e infraestrutura, foi
somente com a criao do Departamento de Justia, em 1870, que
aumentou significativamente a importncia do cargo de
Procurador-Geral. Aumentaram tambm suas atribuies: alm da
fiscalizao e promoo dos processos judiciais de interesse
governamental, revisava as ordens e proclamaes do
presidente, aconselhava a respeito da concesso de perdo,
recebia consulta a respeito de leis e apresentao de
relatrios ao congresso.
Posio completamente dissociada dos dias atuais, tendo
crescido e se expandido assim como as demais estruturas
governamentais dos Estados Unidos da Amrica. Atualmente, o
procurador-geral o chief law enforcement officer do governo
central e o chefe do departamento de justia, uma grande e
complexa instituio. Caracterstica que perdura at hoje no
modelo americano a estreita aproximao entre o Presidente e
seu procurador-geral. 150
Neste ponto, importante vislumbrar a atuao como
procuradores-gerais estadunidenses, Robert H. Jackson (1940
1941) e Francis Biddle (1941 1945), tendo em vista que
foram, posteriormente, no Tribunal de Nuremberg,
respectivamente, acusador e juiz.
150 Ibdem.
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Robert Jackson foi nomeado procurador-geral pelo
presidente Franklin D. Roosevelt no ano de 1940, quando a
Europa estava em plena guerra e os Estados Unidos ainda na
condio, ao menos formalmente, de neutralidade. Uma das
principais, se no a maior, controvrsia em sua atuao disse
respeito negociao de cinquenta navios de guerra a serem
fornecidos pelos Estados Unidos Inglaterra em troca de bases
militares no territrio Britnico no Oceano Atlntico 151 .
Jackson emitiu um parecer no sentido de que a negociao
poderia ser feita diretamente pelo presidente Roosevelt sem a
necessidade de aprovao pelo Senado. Afora as consideraes
de ordem poltica, como a suposta violao da neutralidade,
alm da supresso de competncias do Poder Legislativo, o caso
suscitou o questionamento acerca do papel do procurador-geral:
sua funo era a de encontrar uma base legal para justificar a
atuao do presidente ou, do contrrio, devia interpretar a
lei e aconselhar o presidente sem consideraes polticas? Em
seguida, Jackson foi nomeado juiz da Suprema Corte, para
ocupar a vaga deixada por Oliver Holmes. Sua prodigalidade em
encontrar solues jurdicas inovadoras ficou patente, como
visto, quando da criao do Tribunal de Nuremberg.
Francis Biddle foi ento indicado por Roosevelt para
assumir o cargo de procurador-geral. Trs meses aps a sua
151 Idem, p. 66.
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posse, o Japo atacou Pearl Harbor e os Estados Unidos
declaram guerra ao Eixo. Suas atividades voltaram-se
inteiramente para o episdio da guerra: Biddle emitiu diversos
mandados de priso para estrangeiros japoneses, italianos e
alemes que estivessem em territrio estadunidense. 152 Houve
evacuao em massa dos japoneses que viviam na Califrnia,
mesmo os da segunda gerao de imigrantes, que haviam nascido
nos Estados Unidos. Havia um especial preconceito contra os
japoneses. Em fevereiro de 1942 um decreto do presidente
Roosevelt ( Executive Order 9066) autorizou o exrcito a
estabelecer reas militares, excluindo a presena de civis
naqueles locais. Uma dessas reas foi todo o Estado da
Califrnia. Cento e dez mil japoneses foram transportados para
centros permanentes de deteno, nos Estados de Utah, Arizona,
Colorado, Wyoming, Arkansas, a prpria Califrnia e Idaho. 153 A
maioria dos japoneses teve que vender seus bens e propriedades
a baixos preos para seus vizinhos, levando somente aquilo que
podiam carregar. As condies de vida nos campos eram duras:
alimentao escassa, pouca assistncia mdica e raras escolas.
Biddle teria se manifestado em carta ao presidente Rooseveld
contrariamente evacuao de japoneses que fossem cidados
americanos; a medida, segundo ele, somente seria vlida para o
caso de japoneses no-nascidos nos EUA. Por seu
152 Idem, p. 67.153 Idem, p. 71.
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posicionamento, foi duplamente criticado: poca, pela
imprensa, por sua posio contrria aos internamentos em
massa; posteriormente, por no ter se oposto de forma mais
incisiva na defesa dos direitos individuais. 154 Com efeito,
alguns casos de deteno de cidados estadunidenses de origem
nipnica chegaram Suprema Corte, que, no entanto, confirmou
a constitucionalidade do internamento nos campos. Em 1976, o
presidente Gerald Ford revogou o Decreto 9066 e reconheceu a
contribuio dos japoneses americanos ao pas. O eplogo deu-
se no ano de 1988 quando o presidente Ronald Reagan assinou um
pedido pblico de desculpas pelo internamento de japoneses
cidados estadunidenses durante a Guerra e autorizou o
pagamento de indenizao de vinte mil dlares a cada
remanescente. 155
Outro episdio relacionado atuao do procurador-geral
durante a Segunda Guerra foi a priso de sabotadores alemes,
encontrados tendo a posse de explosivos e grande quantidade de
dinheiro, plantas detalhadas sobre ferrovias, pontes, centrais
eltricas e indstrias estadunidenses. Aps a priso, Biddle
foi informado pelo presidente Roosevelt da inteno de lev-
los a julgamento por uma corte marcial e a aplicao da pena
de morte. Biddle tinha a noo de que, pela perspectiva do
civil law os alemes no haviam chegado a iniciar nenhum ato
154 Idem, p. 69.
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de sabotagem, ainda que a inteno fosse clara. Por outro
lado, a lei americana aplicvel ao caso era a federal law
covering conspiracies to commit crimes , cuja pena prevista
era de trs anos de priso. 156 Portanto, a pena de morte
somente poderia ser aplicada em uma corte marcial, o que
dependia, no entanto, de deciso da Suprema Corte. O
presidente Roosevelt baixou outro decreto instituindo uma
comisso militar para julgar os sabotadores nazistas, que por
dois teros dos membros julgaram os acusados culpados e os
sentenciaram morte. Biddle atuou como procurador do governo.
Houve recurso Suprema Corte que, no entanto, confirmou o
julgamento e a sentena.
Biddle manifestou-se a respeito da deciso que confirmou o
julgamento e a sentena:
(...) espies e combatentes inimigos semuniforme, ultrapassando secretamente os limitesdo campo de guerra para perpretar a destruioda vida e da propriedade, no so, pelosacordos reconhecidos universalmente,
intitulados como prisioneiros de Guerra, masso violadores das prprias leis de Guerra,sujeitos a serem julgados e punidos portribunais militares. 157
Os episdios elencados so, pensamos, bastante sugestivos
do pragmatismo do sistema do common law, capaz de encontrar
solues para as controvrsias jurdicas, claramente voltadas
155 Idem, p. 79.156 Idem, p. 74.
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para a resoluo de um caso concreto, sem estar preso a
rgidas frmulas processuais, muito especialmente em situaes
como a guerra. Em que pese invivel relacionar do ponto de
vista jurdico-dogmtico o common law com a teoria funcional
radical, impossvel no identificar no exemplo acima
mencionado caractersticas da referida teoria: possibilidade
de reduo de garantias materiais e processuais, um sistema
ligado noo de segurana e defensismo, com possibilidade de
antecipao da tutela penal e interpretao extensiva.
Verdadeira manifestao de Direito Penal do inimigo. Ressalte-
se mais uma vez, Robert H. Jackson foi o mentor do tribunal de
Nuremberg, criado como um tribunal militar para justificar a
punio dos nazistas, a base da acusao era o conspiracy.
Biddle, cuja formao foi influenciada por Oliver Holmes, foi
o juiz indicado pelo governo americano para compor o Tribunal
de Nurenberg para o julgamento dos grandes criminosos de
guerra.
Isso posto, podemos sintetizar as caractersticas do
Ministrio Pblico nos Estados Unidos como segue: vinculao
com o poder executivo (em especial no nvel federal),
prestao de assessoria jurdica ao governo e defesa de seus
interesses em juzo, possibilidade do exerccio de atividade
poltico-partidria, ingresso atravs de indicao poltica ou
157 Idem, p. 76. (livre traduo)
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de eleies. Desse ltimo aspecto resulta a transitoriedade
(inexistncia de carreira organizada). H, ainda, ausncia de
hierarquia, bem como ausncia do princpio da unidade; a ao
penal disponvel, existe discricionariedade na atuao e
independncia funcional - maior no mbito estadual do que em
nvel federal.
2.2 O Ministrio Pblico nos Pases do DireitoContinental
O Ministrio Pblico nos pases do chamado direito
continental (direito oriundo principalmente do parlamento), em
contraste com a maioria das instituies jurdicas e dos
institutos do direito, no tem as suas origens no direito
romano, mas na Baixa Idade Mdia francesa. Conforme Hugo Nigro
Mazzilli, dentre outros, a Ordenana de 25 de maro de 1302
(ou 1303) de Felipe IV, o Belo, Rei da Frana foi o primeiro
texto "(...)legislativo a tratar objetivamente dos
procuradores do Rei158
". Da o epteto de certido denascimento do Ministrio Pblico para a referida ordenana. O
surgimento dessa figura do Procurador do Rei, verdadeiro
advogado dos interesses da Coroa, s encontra sentido naquele
perodo histrico, no qual se separava "uma esfera pblica
autnoma diante do privado, ou seja, o surgimento do prprio
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Estado Nacional Moderno" 159 . Da ser possvel refutar a ideia
de que a origem do Ministrio Pblico tenha lugar na "vetusta
figura do magia, funcionrio do fara no Antigo Egito 160 ".
Tratava-se de uma outra forma de organizao social,
verdadeira teocracia, incompatvel com a natureza da
Instituio Ministerial. S possvel conceber as razes do
Ministrio Pblico na existncia de um poder concentrado na
esfera pblica ou poder absoluto. Ab + solutum : um poder
separado (da mistura que se encontrava com o corpo social no
feudalismo) 161 . Essa primeira etapa, a constituio de um poder
executivo original, em que o Monarca concentrava todas as
funes polticas, foi decisiva, mas ainda insuficiente, para
criar as condies do surgimento do Ministrio Pblico. A
etapa seguinte, a da especializao do poderes polticos do
Estado foi a conditio sine quoa non para o surgimento dos
Procuradores do Rei. H uma certa lgica nessa afirmao,
afinal, a necessidade de representao do monarca surge
somente quando ele no mais incorpora o prprio Estado. Da a
necessidade de separao mnima entre os poderes, inicialmente
subtraindo do rei a funo de legislar e depois a de julgar
para que se fizesse necessria a representao da Coroa.
158 MAZZILLI, H. N. Regime Jurdico do Ministrio Pblico . 4 ed. So Paulo: Saraiva,2000, p. 42.159 SOUZA JR. C. S. O Tribunal Constitucional como Poder: Uma Nova Teoria da Divisodos Poderes. So Paulo: Memria Jurdica Editora, 2002, p. 31.160 AXT, G. O Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul: Evoluo Histrica. PortoAlegre: Procuradoria-Geral de Justia, 2006, p. 23-4.161 SOUZA JR, cit. pp. 31-33.
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Decorrncia natural, portanto, o surgimento dos Procuradores
do Rei para represent-lo perante os parlamentos e os
tribunais que, crescentemente, iam adquirindo autonomia.
Inicialmente, os Procuradores do Rei no diferiam de outros
procuradores que oficiavam perante os parlamentos, em especial
os dos poderes eclesisticos, dos senhores territoriais e das
comunas. Todos defendiam os direitos ameaados de seus
patronos: direitos feudais, judiciais e patrimoniais. No caso
da gens du roi , suas funes relacionavam-se defesa dos seus
domnios, da sua jurisdio e, finalmente, do interesse
pblico, que, numa primeira acepo, era de natureza
judiciria. Assim, os procuradores do rei assumiram, a partir
do final do sculo XIII, o encargo de represso dos crimes
mais graves, justamente os que atingiam o interesse pblico. 162
Roger Perrot sintetiza:
Paralelamente sua funo inicial que eradefender os interesses do Rei, somou-se umasegunda, conexa precedente, que era a defesa
geral dos interesses da sociedade. Adissociao entre os interesses privados do Reie os interesses da sociedade dos quais o Reiera encarregado enquanto pessoa pblica (...)explica essa ambivalncia das funes 163.
162 CARBASSE, J. Histoire du Parquet . Paris: Presses Universitaires de France, 2000,p. 11.163 PERROT, Roger. Institutions Judiciaires . Paris: Montcherestien, 1986, p. 263.
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Assim, esses agentes foram se diferenciando dos demais
procuradores a ponto do monarca reservar para si seus
servios: por volta de 1330 eles j eram parte integrante das
jurisdies reais. "Aps algumas dcadas de gestao, nasceu o
ministrio pblico". 164
Em sntese: na Frana o Ministrio Pblico surge
inicialmente com a funo de defender os interesses da Coroa
junto s cortes; brevemente essa funo ampliada para os
interesses gerais da sociedade, em especial em matria
criminal, tambm junto s cortes. Novamente sua ideia inicial
est associada ao exerccio de uma funo. Nosso objetivo,
mais uma vez, analisar agora na perspectiva do civil law a
evoluo do Ministrio Pblico deixando de meramente exercer
uma funo processual, ainda que no interesse pblico, at
constituir-se em instituio permanente e essencial prpria
existncia do Estado. Outrossim, preciso ainda salientar no
se tratar de um processo linear e homogneo. Nos pases cujo
sistema o direito legislado, a instituio Ministrio
Pblico multifacetria no que diz respeito a seu perfil
constitucional: independncia em relao ao poder executivo,
separao em relao ao poder judicirio, organizao da
carreira, garantias e atribuies, dentre outros aspectos. A
164 CARBASSE, cit., p. 11.
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par disso, possvel analisar estruturas comuns a fins de
projet-las no mbito do Direito Internacional Penal.
A situao do Ministrio Pblico, paradoxalmente no pas
bero da Instituio, a Frana, parece ser a mais confusa,
tanto em relao seleo e ingresso, que pode ser feita ao
menos de trs formas diferentes. So nomeados pelo Presidente
e subordinados ao ministro da justia:
A lei francesa inclui os promotores e juzes nomesmo corpo judicial, aplica-lhes a mesma formade ingresso como magistrats, e a primeiranomeao na carreira judicial pode ser tantopara uma das funes como para a outra. Emqualquer momento, seus membros podem passar dosige ao parquet e ao inverso(...) 165
importante mencionar que os membros do Ministrio
Pblico francs seguem estrita hierarquia em relao ao
Ministro da Justia e no tm, entre suas garantias, a
inamovibilidade. Em caso de resistncia a uma ordem do
Ministro da Justia, o membro do parquet pode sofrer medidas
disciplinares que variam de remoo at a exonerao. Segundo
Cdric Trassard esse princpio da subordinao seria atenuado,
dentre outros motivos, pelo brocardo si la plume est serve, la
parole est libre: O magistrado do Ministrio Pblico, que
165 PAES, cit., p. 67.
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deve cumprir ordens quando est no seu gabinete, recupera a
sua liberdade de expresso na audincia.166
No parece ser possvel concordar com tal argumentao, j
que a mera possibilidade de o promotor francs expor
livremente suas ideias em audincia, mas tendo que se submeter
em suas "razes escritas" parece enfatizar mais a dependncia
e hierarquia do que liberdade e autonomia. Assim, concordamos
com as concluses de Paes:
O certo que no se pode admitir aindependncia do promotor francs,principalmente porque sua caracterstica adependncia hierrquica (...) de nenhumamaneira cabe admiti-la (a independncia) aoMinistrio Pblico como corpo. Isso porque
todos os membros do Ministrio Pblico dependemdo ministro da Justia, o Garde desSceaux(...) 167
de se destacar, contudo, a onipresena do Ministrio
Pblico no decurso do processo penal:
O Ministrio Pblico intervm do princpio aofim da cadeia penal, a comear pela recepodas queixas e das denncias, passando peloinqurito, pela escolha em funo daoportunidade e pela forma de acusar, pelaaudincia e, por fim, pela execuo daspenas. 168
166 TRASSARD, C. O Ministrio Pblico na Frana. In: AZEVEDO, R. G.; DIAS, J. P.(coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dos pases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 142.167 PAES, cit., p. 65.168 TRASSARD, cit., p. 147.
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O Procurador da Repblica, em algumas situaes, pode
determinar a priso provisria. No se pode arguir suspeio
ao magistrado do Ministrio Pblico. Ou seja, ele no precisa
ser isento. No existe inamovibilidade, dentre outras
situaes. Na Frana, at uma lei do ano de 2004, as queixas
policiais eram dirigidas ao Procurador da Repblica que
determinava investigao, arquivamento, etc. Posteriormente a
2004, essa situao foi alterada, havendo casos em que a
polcia investiga sem necessidade de participao do
Ministrio Pblico. 169 Outro princpio a reger o Ministrio
Pblico francs o da fungibilidade: semelhana do
Ministrio Pblico italiano, os membros do Ministrio Pblico
podem ser nomeados juzes ou vice-versa(...). 170
Em Portugal e Espanha, o atual formato do Ministrio
Pblico est relacionado com o fim dos regimes de Franco e
Salazar (Estado Novo portugus), consubstanciado nas
Constituies de 1976 e 1978. Ambas as Constituies no
delinearam claramente o papel institucional do Ministrio
Pblico. A constituio da Espanha inclusive remete ao
Estatuto Orgnico do Ministrio Pblico a definio de sua
natureza jurdica e, em Portugal fala-se em um "poliformismo":
De facto, uma das caractersticas essenciais doMinistrio Pblico em Portugal prende-se com o
169 TRASSARD, cit, p. 147 e ss.170 CARVALHO, cit. p. 83.
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seu poliformismo e o conjunto vasto,heterogneo e transversal de suas atribuies e
competncias. (...)As funes do MinistrioPblico poder-se-iam agrupar em quatro reas,representar o Estado, nomeadamente nostribunais, nas causas em que ele seja parte,funcionando como uma espcie de Advogado doEstado; exercer a ao penal, defender alegalidade democrtica, intervir no contenciosoadministrativo e fiscal e na fiscalizao deconstitucionalidade; defender o interesse dedeterminadas pessoas mais carenciadas deproteco(...) 171
Como foi possvel perceber da citao, o Ministrio
Pblico portugus defende o Estado em juzo, servindo como
verdadeiro advogado do Estado, exercendo, ainda, funes
relacionadas advocacia pblica para pessoas carentes e os
trabalhadores em geral. 172 Em relao sua natureza
institucional, somente, portanto, com a lei da Autonomia de
1992, se trouxe a "maturidade" ao Ministrio Pblico
portugus. Em Portugal, ainda, o Ministrio Pblico
legalmente autnomo em relao ao Executivo; no entanto, o
procurador geral escolhido livremente e no se submete ao
controle do Conselho Superior do Ministrio Pblico:
O mbito de actuao do Conselho Superior doMinistrio Pblico, perante esta estruturaorganizativa, est limitado, pelas prpriascompetncias do Procurador-Geral da Repblica,numa espcie de prolongamento ou delegao deatribuies. Destas atribuies, decorre que,ainda por razes que se prendem com a natureza
171 DIAS, J. P. et all . O Ministrio Pblico em Portugal. . In: AZEVEDO, R. G. de;DIAS, J. P. (coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dospases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 51.172 Idem, p. 27.
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do cargo, o Procurador-Geral da Repblica noest sujeito autoridade do Conselho (...) 173
Sntese desse poliformismo e de uma atuao to
heterognea encontrada no artigo 3 da Lei Orgnica do
Ministrio Pblico de Portugal (LO 60/98). Importante
mencionar a competncia do Ministrio Pblico de "participar
na execuo da poltica criminal definida pelos rgos de
soberania; dirigir a investigao criminal, inclusive quando
seja realizada por outras entidades; promover e coordenar
aes de preveno da criminalidade; fiscalizar a atividade
processual dos rgos da polcia criminal" 174 . Enfim, em que
pese o Ministrio Pblico de Portugal deter, formalmente,
autonomia, por outro lado impossvel negar a sua vinculao
e hierarquizao em relao ao governo, decorrentes da
Constituio e da legislao estatutria.
O Procurador-Geral da Espanha tambm out-sider em
relao aos magistrados de carreira, conforme o art. 124 da
Constituio Espanhola: O Procurador-Geral do Estado ser
nomeado pelo Rei, sob proposta do governo, ouvido o Conselho
Superior da Magistratura. No mais, em relao natureza
jurdica da Instituio, a constituio foi silente:
Neste sentido, convm assinalar que desde oprimeiro momento faltou AssembleiaConstituinte um posicionamento claro
173 Idem, p. 59. (grifos nossos)174 Art. 3 da Lei 60/98 Lei Orgnica do Ministrio Pblico de Portugal.
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relativamente natureza jurdico-poltica doMinistrio Pblico. (...) por um lado,
suprimiu-se qualquer meno explcita natureza jurdico-poltica do MinistrioPblico e, por outro, alterou-se o sistema denomeao do Procurador-Geral do Estado, que(...) passou a ser designado pelo PoderExecutivo. 175
Na Espanha a questo mais complexa, tendo em vista a
existncia de regies autnomas, onde o Ministrio Pblico
cumpre um papel de tambm representar o poder central nesses
locais. Assim, em conformidade com a Constituio espanhola de
1978 o Ministrio Pblico se configura como um rgo de Estado
com previso constitucional, cuja misso precpua o
exerccio da ao pblica em defesa da legalidade. 176
Importa mencionar que a defesa da legalidade considerada
uma responsabilidade do governo "enquanto director da poltica
interna", assim:
(...) o Ministrio Pblico uma dasarticulaes do sistema poltico, no estandointegrado hierarquicamente em nenhum dos trspoderes clssicos do Estado, embora a elesesteja ligado, especialmente ao Governo, com ofim de cumprir os objetivos propostos peladireo poltica da constituio. 177
Assim, um dos princpios institucionais do Ministrio
Pblico na Espanha o da dependncia hierrquica, que
175 PRADA, I. F. O Ministrio Pblico na Espanha. In: AZEVEDO, R. G.; DIAS, J. P.(coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dos pases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 77.176 Idem, p. 89.177 Idem, p. 89. (grifos nossos)
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objetiva garantir a organizao e funcionamento verticalizado
do rgo. Dessa forma, tanto o procurador-geral (indicado pelo
governo) como os procuradores-chefes de cada rgo podem
transmitir a seus subordinados ordens e instrues, gerais e
particulares, convenientes para o servio. 178 Ainda, em relao
ao princpio da dependncia acrescenta Prada:
O Procurador-Geral do Estado ou o Procurador-Chefe respectivo tambm podero chamar qualquermagistrado do Ministrio Pblico para lhe pedirinformaes sobre qualquer interveno em queparticipe, assim como designar qualquer membroda instituio para que intervenha num assuntoconcreto (art. 26). 179
Por fim, bastante clara a posio de Paes a esse respeito:
O Fiscal General del Estado, que vai dirigir oMinistrio Pblico, de livre indicao doGoverno, segundo as condies que aConstituio espanhola especifica, sem exigirque seja um membro da carreira. No se esperaque a eleio do Governo recaia sobre algumque no seja de sua confiana e, destituvel adnutum, todo seu cometido vai seguir uma linhacoerente com as propostas governamentais, ouseja, do partido que est no Poder. 180
Em consonncia com o que ocorre em Portugal, tambm na
Espanha a participao do Ministrio Pblico no inqurito e
investigao criminal efetiva, em alguns casos, dirigindo e
orientando a investigao. Segundo Prado, o Ministrio Pblico
espanhol est no meio termo de um rgo pblico com poderes de
178 Idem, p. 98.179 Idem, p. 98.180 PAES, op. cit., p. 113.
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investigao e um rgo de controle da fase de instruo
processual, inclusive nos processos mais modernos se
"potenciou a sua faceta investigadora autnoma, tendo-se-lhe
chegado a atribuir exclusividade a direco da fase de
investigao nos processos de responsabilidade criminal de
menores". 181
A seleo para ingresso e formao dos magistrados do
Ministrio Pblico e do Judicirio feita conjuntamente,
tanto na Frana, Portugal e Espanha.
Na Itlia, no foge regra ter o Ministrio Pblico seu
surgimento vinculado representao do poder executivo - do
governo mais especificamente - junto ao poder judicirio,sendo que desde 1890 tanto a carreira do juiz como a do
promotor eram organizadas conjuntamente. 182 Durante o perodo
do fascismo, a magistratura requirente era hierarquicamente
dependente do ministro da justia. 183 O ocaso do fascismo, o
final da Segunda Guerra e uma nova constituio em 1948
trouxeram grande repercusso ao sistema judicial italiano: a
maioria dos deputados constituintes votou no sentido de tornar
a magistratura requirente independente, tanto quanto
181 Idem, p. 102.182 FABRI, M.; CAVALLINI, D. O Ministrio Pblico em Itlia. In: AZEVEDO, R. G.;DIAS, J. P. (coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dospases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 170. 183 CARVALHO, P. P. cit. p. 91.
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possvel, do Poder Executivo. 184 No mesmo sentido manifestam
Fabri e Cavallini:
A Constituio republicana de 1948 sancionoudefinitivamente a incluso do MinistrioPblico na magistratura e alargou ao MinistrioPblico as garantias de autonomia de todos osoutros poderes. Este deixa de ter como missorepresentar o Governo atravs da sujeio aoMinistro da Justia, e passa a estar incumbidode promover a funo jurisdicional para
defender o interesse pblico na correctaaplicao da lei. 185
De fato, os artigos da Constituio italiana consagrados
magistratura referem-se tanto aos juzes como ao membro do
Ministrio Pblico. Reitere-se, na organizao judicial
italiana vige o princpio da fungibilidade: a passagem de uma
para outra funo sempre autorizada podendo ocorrer diversas
vezes durante a carreira. O artigo 107 da Constituio
reconhece, dentre outras garantias, a da inamovibilidade. 186 A
doutrina aponta ainda como uma das condies que garantem a
independncia do Ministrio Pblico a obrigatoriedade da ao
penal expressa no artigo 112 da Constituio da Itlia. Sendo
obrigado a agir, no teria como beneficiar ou favorecer quem
quer que fosse. No campo prtico, no entanto o princpio da
184 Idem, p. 90.185 FABRI, M.; CAVALLINI, D. O Ministrio Pblico em Itlia. In: AZEVEDO, R. G.;DIAS, J. P. (coordenadores) O Papel do Ministrio Pblico: Estudo Comparado dospases Latino-Americanos. Coimbra: Edies Almedina, 2008, p. 172.186 Idem, p. 177.
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obrigatoriedade esbarra na limitao de recursos, assim h
propostas de regulao do exerccio da ao penal.187
Em sntese, reconhece-se ao Ministrio Pblico italiano a
caracterstica de um magistrado independente de qualquer outro
poder do Estado (decorrncia da Constituio de 1948), cuja
funo a de defender o interesse geral pelo respeito lei.
No mbito civil, defendo o interesse pblico e os interesses
do Estado em juzo. Em relao a sua atuao na rea penal,
como j mencionado, vige o princpio da obrigatoriedade e o da
exclusividade da ao penal ao Ministrio Pblico. Realiza
funes de investigao, dirigindo a polcia judiciria. ,
portanto, o dominus do inqurito, 188 necessitando de
autorizao judiciria somente em relao s medidas que
restringem a liberdade. No mbito processual atua na funo de
acusao, participando do contraditrio com o defensor em um
sistema atualmente predominantemente acusatrio (tendo em
vista que a fase da investigao predominantemente
inquisitria).
importante trazer ainda algumas caractersticas do
Ministrio Pblico alemo, em especial porque no direito penal
desse pas vinculado ao princpio da legalidade. Seguindo o
187 Idem, pp. 180-1.188 Idem, p. 196.
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modelo francs, o Ministrio Pblico alemo baseado na
hierarquia relacionada ao poder executivo:
(...)exercendo o Ministro da Justia Federal ocontrole e superviso sobre o Procurador-Geralda Repblica e sobre os procuradores, enquantoos Ministros da justia dos Estados Federaisexercem o controle e superviso sobre osPromotores do Estado Federal. 189
Decorrncia do princpio da hierarquia a possibilidade
de o procurador-chefe substituir um dos membros do Ministrio
Pblico em determinado processo. Sendo que a quase totalidade
de suas atribuies ocorrem no mbito penal: a ao penal
pblica e o Ministrio Pblico detem o seu monoplio,
inclusive em relao deciso de arquivar ou no um
inqurito. Vige o princpio da legalidade, mas que pode deixar
de ser observado em algumas situaes, como a falta de
relevncia e de repercusso social da conduta. 190 Reconhece-se
na Alemanha o princpio da unidade do Ministrio Pblico,
ainda que no exista hierarquia entre o Ministrio Pblico que
atua no mbito federal e o que atua no mbito estadual. A lei
de organizao judicial alem trata o Ministrio Pblico como
um rgo independente cuja funo a de realizar a
perseguio penal estatal, devendo obedincia lei e
propugnando pela apurao da verdade. No entanto, no
reconhecido ao Ministrio Pblico as garantias de
189 SOUB, cit. p. 87.
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independncia reconhecidas ao juzes pelo mesmo diploma
legal.191
Dentre as caractersticas comuns que podemos elencar do
Ministrio Pblico nos pases da Europa Ocidental esto: o
princpio da hierarquia e da unidade do Ministrio Pblico,
ausncia de independncia funcional, exceto em relao
Itlia. Esto em regra vinculados poltica do poder
executivo e realizam a defesa do governo em juzo. Em que pese
o princpio da fungibilidade, so integrantes da burocracia
estatal e organizados em carreira, no havendo a
transitoriedade to caracterstica do common law . So
responsveis pela direo da polcia judiciria inclusive no
controle do inqurito policial. Vige o princpio da
obrigatoriedade da ao penal, com as limitaes j
apresentadas.
2.3 O Ministrio Pblico nos tribunais penais
internacionais
Apresentadas as caractersticas principais da instituio
Ministrio Pblico no modelo do common law, bem como do
direito continental, procederemos anlise do perfil do rgo
acusatrio nos tribunais internacionais tendo em conta, tanto
190 SZNICK, V. O Ministrio Pblico no Direito Germnico. In. Revista Justitia, SoPaulo, vol. 126 jul-set, 1984, p. 125.191 PAES, cit., p. 75.
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quanto possvel, a influncia de ambos os modelos.
Imprescindvel para esse desiderato a considerao dos
diplomas legais dos tribunais internacionais, bem como a
atuao em concreto do Ministrio Pblico nos julgamentos.
Quando se menciona a atuao em concreto necessrio trazer
lia inclusive com a perspectiva de super-la a discusso
a respeito do modelo processual adotado no mbito do Direito
Internacional Penal: acusatrio, inquisitrio ou misto?
Historicamente construiu-se uma clivagem entre modelo
acusatrio, de origem anglo-americana, e modelo inquisitrio,
de origem continental cuja diferena fundamental reside na
atuao mais ativa ou mais passiva do juiz ou do tribunal em
relao s partes. O modelo inquisitrio, de origem medieval,
teria a caracterstica de concentrao do ato de acusar e
julgar pelo mesmo rgo, em um processo escrito e sigiloso,
sendo a tortura um meio admissvel para obter a confisso. No
modelo adversarial, o juiz atua como um rbitro entre dois
adversrios, a velar pelas regras do jogo ( fair play ). Os
adversrios (as partes) apresentariam suas verses destinadas
a convencer um jri formado pelos cidados. Evidentemente, tal
dicotomia no mais se pode sustentar, subsistindo somente como
valor histrico. 192 Kai Ambos acrescenta ainda que o
significado original do sistema acusatrio (processus per
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acusationem) dizia respeito a processos iniciados pelos
cidados, o que caracterizaria a aproximao inicial do
processo civil anglo-saxnico com o procedimento penal, o que
no mais vlido. 193 Dessa forma, atualmente, como a fase pr-
processual, ou fase investigatria, em qualquer dos sistemas
realizada pelo Estado: seja atravs da polcia, do Ministrio
Pblico ou de um juiz de instruo (no caso da Europa
ocidental) ambos os modelos poderiam ser considerados
inquisitoriais nessa fase.
Outro aspecto comumente relacionado a um modelo
inquisitorial a no menos imprecisa e controversa busca da
verdade real: enquanto no sistema adversarial a busca da
verdade processual, ou seja, o centro do conflito est nas
mos das partes ( two cases aproach ), no modelo inquisitrio o
centro das discusses est na responsabilidade de o Estado,
atravs de seus rgos - seja a polcia ou o Ministrio
Pblico -, de provar as acusaes ( one case aproach ) bem como
a situao do juiz que atua em posio de hierarquia, ao passo
que no modelo acusatrio o juiz atua como rbitro entre dois
adversrios. 194
192 CALVO-GOLLER, K. N. The Trial Proceedings of the International Criminal Court. ICTY ans ICTR precedents. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2006, p. 142193 AMBOS, K. International Criminal Procedure : adversarial, inquisitorial ormixed. Netherlands: Kluer Law International, 2003, p. 3.194 Idem, p. 4.
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Desde j fica evidente que mesmo no mbito dos Estados
nacionais no parece ser possvel identificar um modelo puro,
seja inquisitorial ou acusatrio. Tal situao no mbito
internacional ainda mais complexa. Veja-se por exemplo que
uma das caractersticas fundamentais do sistema acusatrio do
common law o jri, algo impensvel no mbito dos tribunais
internacionais. Contudo, o sistema do cross examination tem
sido essencial nos tribunais internacionais: nenhuma
testemunha ou prova pode ser admitida sem que a defesa tenha
possibilidade de contest-la diretamente. 195
Assim, com algumas reservas, possvel identificar no
tribunal de Nuremberg uma maior preponderncia (mas no
exclusiva) de um modelo acusatrio e uma maior sntese entre
ambos os sistemas no tribunal da ex-Ioguslvia e no estatuto
de Roma. Nas palavras de Claude Jorda, presidente do Tribunal
Penal Internacional para a ex-Ioguslvia:
Progressivamente o regulamento de procedimento
e de prova, extremamente sucinto no incio,cresceu e se tornou uma espcie de regulamentocomposto sem precedentes, alguns dizem suigeneris diz-se que ele ficouinquisitorializado, sem saber se o termo pejorativo, emblemtico ou enftico -, querepresenta assim valores comuns a essas duasgrandes famlias jurdicas. 196
195 CALVO-GOLLER, K. N. The Trial Proceedings of the International Criminal Court.ICTY ans ICTR precedents . Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2006, p. 144.196 JORDA, C. O Ponto de Vista Jurdico. In. CASSESE A.(org), cit., p. 78-9.
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O fato de ser inegvel a crescente influncia do modelo do
direito continental, no afasta a preponderncia do common Law
no sistema processual dos tribunais internacionais, menos pelo
aspecto do modelo acusatrio e mais pelo seu pragmatismo em
encontrar solues para o caso concreto.
Como j mencionado, a pesquisa a respeito do Ministrio
Pblico estar cingida ao Tribunal de Nuremberg, ao Tribunal
para a ex-Ioguslvia e ao Tribunal Penal Internacional
permanente que pelas suas representatividades so bastantes
para os fins desse trabalho.
2.3.1 O Ministrio Pblico em Nuremberg.
A constituio, o funcionamento e as atribuies do rgo
encarregado de efetuar a acusao contra os lderes nazistas
estavam previstas na Carta do Tribunal Internacional Militar
de Nuremberg em seus artigos 14 e 15. Vejamos:
Artigo 14. Cada Pas signatrio nomear um
Procurador-chefe para investigar e acusar osmaiores criminosos de guerra. Os Procuradores-chefes formaram uma comisso com os seguintesobjetivos: (a) decidir sobre o plano detrabalho de cada um dos Procuradores e seusauxiliares; (b) identificar os grandescriminosos de guerra que sero submetidos ajulgamento; (c) aprovar o indiciamento e seusanexos; (d) submeter ao tribunal as acusaes edemais documentos; (e) redigir e recomendar aprovao do Tribunal propostas acerca dasnormas processuais. O tribunal ter competnciapara aceitar, com ou sem emendas, ou rejeitar,as normas propostas. A comisso dever
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pronunciar-se sobre todos os pontos acimaespecificados, por maioria de votos, e
designar um Presidente, em caso denecessidade, observado o princpio darotatividade; no caso de empate em relao aser levado ou no um acusado a julgamento,prevalecer a opinio do procurador queapresentou a acusao. 197
Como se percebe, coube a cada uma das naes vencedoras,
signatrias do acordo de Londres de 08 de agosto de 1945,
indicar um procurador-chefe para atuar como acusador no
Tribunal de Nuremberg. Cada um desses procuradores-chefes
poderia nomear sua equipe de trabalho, bem como as funes que
cada um nela desempenharia. No havia nenhuma restrio a que
o procurador-chefe ou seus assistentes fossem substitudos.
Mesmo os juzes poderiam ser afastados, no entanto, quando
houvessem iniciado o julgamento de algum caso deveriam
conclui-lo.
O j mencionado Robert H. Jackson, um dos mentores do
Tribunal de Nuremberg, foi indicado como o procurador-chefe da
delegao dos Estados Unidos. Representando a Gr-Bretanha e a
Irlanda do Norte o Attorney General Hartley Shamcross. Pela
Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, o General Roman
Andreyevich Rudenko. Finalmente, a Frana apresentou Frangois
de Menthon e Auguste Champetier de Kibes, como procuradores-
chefes.
197 I. M. T., vol I, p. 9. (livre traduo)
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Os procuradores-chefes podiam indicar um que representasse
todos, mas no havia nenhuma unidade ou hierarquia entre eles.
Na verdade, formava-se no um, mas quatro ministrios
pblicos, haja vista o elevado nvel de autonomia e
independncia de cada um deles. Representavam, antes de tudo,
o interesse de suas prprias naes. As peculiaridades dos
diversos sistemas jurdicos, bem como interesses polticos no
mais das vezes contraditrios levavam tambm a dificuldades de
harmonizao do desempenho da funo acusatria. 198 Contudo,
para alm das divergncias nacionais, foi a prpria situao
extraordinria originada pelos julgamentos de Nuremberg que
explicam a peculiar atuao do Ministrio Pblico no primeiro
processo realizado perante um tribunal penal internacional.
A primeira tarefa dos procuradores foi a de definir a
lista dos grandes criminosos de guerra que deveriam ser
levados a julgamento. O indiciamento, texto assinado
conjuntamente pelas quatro potncias vencedoras da Segunda
Guerra, foi lido na sesso de abertura, em 20 de novembro de
1945, por Sidney S. Alderman, integrante da delegao
estadunidense. Trazia a acusao contra 24 lderes nazistas,
que simbolicamente representavam o Terceiro Reich. Salta
evidncia o carter de discricionariedade do rgo acusatrio
na seleo de quem seria acusado: trata-se de apangio
198 DE VABRES, D. H. Le Prces de Nuremberg . In.: Revue de Science Criminele et de
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decorrente da impossibilidade de se levar a julgamento todos
os responsveis pelo cometimento desse tipo de criminalidade.
Essa caracterstica manteve-se nos tribunais ad hoc
posteriores a Nuremberg e mesmo no Tribunal Penal
Internacional de carter permanente. 199
O artigo 6 da carta do Tribunal previa o julgamento de
trs crimes: a) contra a paz; b)crimes de guerra e c)crimes
contra a humanidade. A acusao, por influncia do common law
anglo-americano apresentou tambm o crime de conspirao para
o cometimento daqueles crimes. Assim, a tarefa acusatria
ficou divida da seguinte forma: acusao 1, a cargo dos
Estados Unidos, previa o crime de conspirao para o
cometimento de crimes de guerra, contra a paz e contra a
humanidade; a Gr-Bretanha apresentaria a acusao 2, os
crimes contra a paz; a Frana e URSS apresentariam
conjuntamente a acusao 3 e 4 dos crimes de guerra e dos
crimes contra a humanidade.
Como exposto, o modelo processual adotado em Nuremberg era
predominantemente acusatrio: o Ministrio Pblico no era um
rgo integrante do Tribunal; estava, ao menos formalmente, em
igualdade de posio com a defesa. Conforme De Vabres:
Droit Pnal Compar. Paris: Recuil Sirey, n3, abr jun, 1947, p.175.199 DEL PONTE, C. Investigation and Prosecution of Large-scale Crimes at theInternational Level. The experience of the ICTY. Journal of International CriminalJustice. Oxford University Press, 2006, p. 539. Disponvel em:
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Quanto ao processo conhecido como de tipoacusatrio, afirmamos que ele se apresenta sob
o aspecto dominante de um duelo entre doisadversrios: O ministrio pblico, que em lugarde ser, como conhecemos, um elemento dotribunal, est no mesmo plano dos advogados dadefesa. O tribunal representa acima de tudo afigura de um rbitro, e os acusados soexpectadores... vivamente interessante. Oensaio desse sistema, especificamentebritnico, sobre um teatro internacional, umadas invenes mais sugestivas, a mais fecunda,talvez, do processo de Nuremberg. 200
De fato, a forma como a acusao foi apresentada com os
rus podendo declarar-se culpados ou inocentes, o exame das
testemunhas diretamente pelas partes e a apresentao de
proposies (moes ou protestos) de forma oral e imediata
denotam a preponderncia de um modelo acusatrio. No entanto,
alm das ressalvas j feitas, a questo da prova, que segundo
o modelo acusatrio deveria ser publicizada pela parte que a
apresenta foi tema de constante debate em Nuremberg e continua
a ser um ponto delicado nos tribunais internacionais. Tal
situao trouxe embaraos atuao dos defensores, na maioria
alemes, que no estavam familiarizados com esse sistema, como
se denota da passagem abaixo:
DR. DIX: Tenho um requerimento. Estamos aqui,como advogados alemes, em face de grandesdificuldades. Este procedimento est sendoconduzido de acordo com os costumes anglo-americanos. Estamos fazendo o melhor possvel
http://jicj.oxfordjournals.org/content/4/3/539.full.pdf+html?sid=175c5f04-1c3e-45d3-ba05-15e7f898eedd. Acesso em 06/09/2011.200 DE VABRES, D. H. Le Prces de Nuremberg . In.: Revue de Science Criminele et deDroit Pnal Compar. Paris: Recuil Sirey, n3, abr jun, 1947, pp. 176-7.
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para observar esses princpios e ficaramosmuito agradecidos se o presidente do tribunal
levasse em considerao essas dificuldades.Tenho ouvido mas no tenho certeza de queisso est correto que de acordo com osprincpios anglo-americanos, necessrioapresentar moes imediatamente. Caso hajaobjees ao contedo de um documento, se nofor apresentada imediatamente, no h maispossibilidade de faz-lo em outra ocasio. 201
Rudolf Dix era o defensor de Hjalmar Schacht, banqueiro e
ministro da economia na Alemanha, um dos rus absolvidos no
julgamento.
De outra parte, as disposies processuais na Carta do
Tribunal eram por demais abertas, dessa forma, a maioria das
questes sobre as regras do procedimento eram realizadas no
decorrer dos julgamentos, o que foi criando, assim, uma
jurisprudncia que influenciou os demais tribunais
internacionais. Conforme Canato:
Os instrumentos constitutivos tm lacunas, poisno conseguem prever os meios e poderesnecessrios para enfrentar e resolver todas aspossveis situaes nos procedimentos judiciaispara tornar efetiva a jurisdio. 202
Em que pese entendamos que tal caracterstica prpria do
modelo anglo-americando, modernamente busca-se justificar a
possibilidade que os tribunais internacionais tm de criar
suas regras de procedimento atravs da teoria dos poderes
201 I. M. T., Vol. II. p. 191.202 CANATO, cit, p. 195.
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implcitos ou inerentes tais como estabelecer a prpria
jurisdio ( comptence de la comptence), revisar as prprias
decises, etc. 203
Jimnez de Asa que j havia assestado suas crticas ao
Tribunal de Nuremberg tambm atacou a atuao do Ministrio
Pblico:
Reiteradas acusaes de promotores americanos,ingleses, russos e franceses descobrem fatos...que todo o mundo sabe: que os alemespreparavam a guerra desde 1935, que os nazistasinvadiram a ustria e Tchecoeslovquia, etc.,etc. Para escutar tudo isso, gastaram-se dias emais dias. 204
Robert H. Jackson foi uma das figuras mais criticadas no
s pela idealizao do Tribunal de Nuremberg, mas tambm pela
sua atuao como acusador, que o teria tornado to impopular
em seu pas, retirando-lhe a oportunidade de ser o presidente
da Suprema Corte Estadunidense em 1946. 205
Uma das crticas a Jackson foi a maneira como conduzia o
interrogatrio dos acusados, em especial seus debates com
Gring, carreando apoio da opinio pblica estadunidense ao
lder nazista. A esse respeito reproduzimos sintomtico debate
entre ambos em uma audincia em 19 de maro de 1945:
203 Idem, p. 195.204 JIMNES, cit. p. 1023.205 Idem, p. 1025.
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MR. JUSTICE JACKSON: Voc quer dizer que ospreparativos no eram preparativos militares?
GORING: Aqueles eram preparativos gerais demobilizao, como todos os pases fazem, e notinham o propsito de ocupao da Rennia.MR. JUSTICE JACKSON: Mas eram um tipo depreparativo que tinha de ser mantidointeiramente em segredo dos demais pases?GORING: No recordo de haver lido anteriormentea publicao sobre as aes de mobilizaopreparatria dos Estados Unidos.MR. JUSTICE JACKSON: Bem, quero respeitosamenterepresentar a este Tribunal que este depoimento
no est sendo til e que o interrogado... [Oacusa interpe algumas palavras que no foramgravadas.] intil gastar nosso tempo se noobtemos respostas s nossas perguntas.
Acerca disso comentou Jimnes de Asa (...) do enorme
perigo de se processar homens muito inteligentes por
magistrados que s tem o hbito de lidar com homens
vulgares. 206 Como consabido, Gring cometeu suicdio poucas
horas antes de sua execuo. Novamente o penalista criticou a
postura de Jackson que teria feito um infeliz comentrio:
O acusador dos Estados Unidos e juiz da SupremaCorte, Robert Jackson, disse que o suicdio deHermann Goering foi um desenlace burlesco
depois de uma abertura wagneriana e que haviaperdido o suicida a nica oportunidade que lherestava de converter-se em mrtir e herialemo. Com to insensatas palavras, Jacksonconfessa que os enforcados alemes haviamconvertido-se em heris e mrtires do povoalemo. 207
No se pode deixar, ainda, de referir que a atuao dos
procuradores no se limitava a provar a culpa de cada um dos
206 JIMNES, cit., p. 1041.
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acusados, mas de mostrar ao mundo a conta terrvel da ascenso
e queda do nazismo:
A histria e a necessidade da raa humanaexigiam um relatrio das mortes em massa e dastorturas, do assassinato de prisioneiros, doshediondos campos de concentrao,sistematicamente desenvolvidos e minuciosamenteprevistos. 208
Episdio dos mais marcantes pelo tipo de atrocidades
cometidas foi a atuao do Einsatzgruppen (grupos de
trabalho), j referido de passagem na primeira parte deste
trabalho. Como dito, uma das funes das equipes de acusao
era a de analisar as centenas de milhares de documentos
criados pela burocracia nazista. Dentre esses documentos foram
encontrados aqueles relacionados atuao do Einsatzgruppen
cuja funo era atuar junto a um grupo militar com a funo de
dar cabo da populao, particularmente russos e judeus, dos
territrios ocupados ao leste. O coronel John Harlan Amen,
integrante da equipe de acusao estadunidense interrogou,
( cross examination ) a testemunha Otto Ohlendorf integrante de
um dos Einsatzgruppen, em 03 de janeiro de 1946. 209 No seu
depoimento Ohlendorf reconheceu que no perodo de junho de
1941 a junho de 1942, quando estava a frente do Einsatzgruppen
207 Idem, p. 1024.208 BIDDLE, F. Le Proces de Nuremberg. In: Revue Internationale de Droit Penal.Paris: Recueil Sirey, n1, 1948, p. 3.209 A integra do depoimento encontra-se no volume IV dos Anais do Julgamento deNuremberg, pp. 311 355.
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D, ligado ao 11 regimento, atuando na regio ao sul da
Rssia, teria registrado a morte de 90 mil russos e judeus:
COL. AMEN: Quais eram suas instrues arespeito dos judeus e funcionrios comunistas?OHLENDORF: As instrues nas reas de operaopara o Einsatzgruppen , bem como para oscomissrios polticos soviticos, era de quefossem liquidados.COL. AMEN: E quando voc diz liquidado, vocquer dizer assassinado?
OHLENDORF: Sim, quero dizer assassinado.COL. AMEN: Voc sabe quantas pessoas foramliquidadas pelo Einsatzgruppen D sob a suadireo?OHLENDORF: Nos anos entre junho de 1941 e junhode 1942 o Einsatzkommandos relatou noventa milpessoas executadas.COL. AMEN: Isto inclua homens, mulheres ecrianas?OHLENDORF: Sim.COL. AMEN: Em que so baseados esses nmeros?
OHLENDORF: Nos relatrios enviados pelosEinsatzkommandos para o Einsatzgruppen. 210
Foi tambm atravs desse depoimento que os mtodos de
execuo do regime nazista tornaram-se pblicos: inicialmente
os prisioneiros eram executados com um tiro na nuca,
posteriormente para as mulheres e crianas foi introduzida a
execuo pelo gs em caminhes, quando era possvel ento a
eliminao de vinte a trinta indivduos de cada vez num
perodo de dez minutos. Os objetos de valor retirados das
vtimas eram destinados ao ministrio das finanas; as roupas
podiam ser usadas, eventualmente, pelos prprios militares.
210 I. M. T., vol. IV. pp. 316-18.
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A testemunha era inquirida inicialmente pela acusao,
sendo que os juzes podiam solicitar a qualquer momento
esclarecimentos a respeito das respostas. Em seguida os
advogados dos acusados tinham oportunidade de inquirir
diretamente a testemunha e, por fim, novamente os procuradores
podiam formular questes tendo em vista as respostas dadas.
Otto Ohlendorf no julgamento dos lderes nazistas atuava como
testemunha; no entanto, foi julgado posteriormente e condenado
morte. 211
Por outro lado, e a denotar a importncia da independncia
e iseno do integrante do rgo acusador, foi a grave
tentativa de o promotor sovitico Rudenko de usar documentos
falsos para culpar os nazistas pelo massacre de Katin, quando
milhares de oficiais poloneses foram executados pelos
comunistas soviticos. Conforme a denncia apresentada em 14
de fevereiro de 1946 pelo procurador russo coronel Pokrovsky:
Encontramos, no indiciamento, um dos maisimportantes atos criminosos, pelo qual soresponsveis os maiores criminosos de guerra: aexecuo em massa de poloneses prisioneiros deguerra, fuzilados na Floresta de Katyn, prximoa Smolensk pelos invasores nazistas. Submeto aeste tribunal, como prova deste crime,documentos oficiais da comisso para oestabelecimento e investigao dascircunstncias nas quais ocorreram asexecues. A comisso atuou em acordncia com
211 SIMONS, M.; STUART H.V. The Prosecutor and the Judge. Amsterd: PallasPublications, 2009, pp. 13-25.
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as diretivas da comisso extraordinria criadapela Unio Sovitica. Em adio aos membros da
comisso extraordinria atuaram integrantes dasAcademias Burdenko, Alexis Tolstoy, eMetropolitan Nicolas essa comisso foicomposta pelo Presidente do cmite pan-eslavo,oficial General Gundorov; o chefe executivo daunio da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho,Kolesnikov; o comissrio do povo para aeducao da URSS, o Supremo Chefe dodepartamento mdico do Exrcito Vermelho,General Smirnov; e o chefe do comit executivode Smolensk, Melnikov. A comisso inclui tambm
diversos dos melhores mdicos legistas.212
Dentre as provas obtidas pelas referidas comisses
encontravam-se a anlise dos cadveres exumados e o testemunho
de habitantes locais, o que teria permitido determinar de
forma exata o tempo e a circunstncia do massacre cometido
pelos invasores alemes. 213 Diversos advogados dos nazistas
questionaram as provas apresentadas, o que levou seguinte
manifestao do procurador-chefe da Unio Sovitica no sentido
de que as evidncias apresentadas no estavam sujeitas
contestao:
GENERAL R. A. RUDENKO (Procurador-Chefe daU.R.S.S.): Membros do Tribunal, a acusaosovitica diversas vezes expressou seu ponto devista a respeito das moes apresentadas peloconselho de defesa que chamou testemunhas arespeito do fuzilamento em massa dos oficiaispoloneses pelos nazistas na floresta de Katyn.Nossa posio esta: o episdio das atividadescriminosas por parte dos hitleristas foiestabelecido de forma completa pelas evidnciasapresentadas pela Comisso Extraordinria parainvestigao das circunstncias do fuzilamento
212 I. M. T., vol. VII, p. 425 e seguintes.213 Ibdem.
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em massa dos oficiais poloneses pelos nazistas. Estes documentos foram apresentados pelo
Procurador Sovitico sob o nmero USSR-54, em14 de Fevereiro de 1946, e foi admitido peloTribunal; e, como previsto no artigo 21 daCarta, no est sujeito contestao. 214
O massacre de Katin foi um dos episdios mais traumticos
da Segunda Guerra Mundial para a Polnia. Durante dcadas, foi
negada pela Unio Sovitica e pelo regime comunista que
dominava o pas dos oficiais executados a responsabilidade
pelas execues. Conforme expressou Hannah Arendt: (...) os
russos parecem ser tambm responsveis pelo assassinato de 15
mil oficiais poloneses cujos corpos foram encontrados na
floresta de Katyn 215 . Somente na dcada de noventa a URSS
assumiu a responsabilidade pelos acontecimentos. Por outro
lado, ficou patente a tentativa do estado sovitico de eximir-
se da responsabilidade do massacre de Katin, utilizando-se
para isso das prerrogativas que os procuradores dispunham no
Tribunal de Nuremberg.
O episdio relatado retrata que a indevida utilizao das
prerrogativas das funes do Ministrio Pblico podem
ocasionar graves injustias tanto para o acusado
individualmente bem como, e talvez de forma mais grave, para a
coletividade. Como j visto, num julgamento de um tribunal
penal internacional, e o caso do massacre de Katin
214 I. M. T., vol. XV, pp. 289-290.
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emblemtico, mais do que a condenao dos responsveis, muitas
vezes est em questo a histria e a memria coletiva das
vtimas e de seus familiares. Dessa forma, no chegamos
mesma concluso de Maria Anaides do Vale Siqueira Soub de que
a atuao dos Procuradores em Nuremberg possibilitou a busca
de verdade real:
Por esse resultado pode-se chegar conclusode que o Ministrio Pblico desempenhou bem seupapel de rgo acusador, tendo tido sucesso napersecuo criminal, demonstrando tal fato queos poderes que lhe foram conferidos peloEstatuto permitiram-lhe alcanar essedesiderato. 216
Por todos os aspectos apresentados e dado o carter de
ineditismo dos julgamentos tarefa difcil tecer crticas
acerca da legitimadade ou da eficcia das acusaes proferidas
em Nuremberg. No entanto, possvel elencar algumas
caractersticas acerca da primeira experincia de um
Ministrio Pblico em uma corte penal internacional:
No havia uma unidade no Ministrio Pblico nem hierarquia
entre seus membros, o que levou diversas vezes a
posicionamentos diferentes; nem todos os que atuaram em
Nuremberg tinham experincia na funo de acusao perante um
Tribunal - o que foi exigido nos tribunais posteriores, bem
215 ARENDT, H. Eichmann em Jerusalm. Um relato sobre a banalidade do mal.So Paulo:Companhia das Letras, 1999, p.278.216 SOUB, M. A. V. S. O Ministrio Pblico na Jurisdio Penal Internacional . Rio deJaneiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 117.
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como no Estatuto de Roma; No havia independncia e nenhuma
garantia de estabilidade queles que integravam os conselhos
de acusao (que nesse caso seria um fator importante tambm
para os acusados); os interesses polticos dos Estados estavam
acima das questes jurdicas; consoante disposies da Carta
de Nuremberg, nem os procuradores nem juzes poderiam ser
objeto de suspeio. Uma situao peculiar em Nuremberg era o
fato de que a maioria dos acusados estava disposio do
Tribunal, eis que haviam sido feito prisioneiros durante ou ao
fim da guerra. O fato de a Alemanha ter sido ocupada pelas
potncias vencedoras foi crucial, j que alm de possibilitar
a obteno das provas documentais, facilitava o interrogatrio
de acusados e o depoimento de testemunhas. Situao bastante
diferente dos tribunais ad hoc da Ex-Ioguslvia e do Tribunal
Penal Internacional Permanente.
Como mencionado, a atuao do Ministrio Pblico no
Tribunal de Nuremberg precisa ser entendida luz dos
acontecimentos ocorridos na Segunda Guerra Mundial, em um
mundo chocado com os horrores do nazismo. E dessa forma, assim
como os princpios de Nuremberg, formalmente reconhecidos
fonte do Direito Internacional Penal, tambm a constituio do
rgo acusatrio nesse tribunal influenciou o seu
desenvolvimento posterior.
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2.3.2 No tribunal para a ex-Ioguslvia.
Em maio de 1993 o Tribunal Penal Internacional para a Ex-
Ioguslvia foi criado pela ONU em resposta s atrocidades que
estavam sendo cometidas na Crocia e Bosnia-Herzegovina pelos
grupos de origem srvia, contando com o apoio da Repblica da
Srvia. Relatrios indicavam crimes graves, como execues em
massa, limpeza tnica, estupros coletivos, internao emcampos de concentrao, deportaes, causando grande
repercusso na comunidade internacional. O Tribunal Penal
Internacional para a ex-Ioguslvia, criado de acordo captulo
VII da carta das Naes Unidas foi a primeira corte
internacional criada desde o Tribunal de Nuremberg. Ainda
continua em atividade, com previso de funcionamento at pelo
menos o ano de 2014.
No primeiro relatrio apresentado s Naes Unidas,
Antonio Cassese, presidente do Tribunal Penal Internacional
para a ex-Ioguslvia, evidenciou a experincia histrico-
jurdica do Tribunal de Nuremberg, anotando, contudo, os
pontos em que o tema diferiu, em especial atravs da
incorporao de institutos de outros sistemas jurdicos. No
entanto, a influncia preponderante do direito anglo-americano
ainda prevalecia:
Na falta de disposio no estatuto ou deprecedentes jurisprudenciais que determinem, os
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juzes buscaro uma soluo apelando para odireito comparado (...) contudo, por fim, a
maioria da cmara terminou ficando com asconsideraes prticas fundadas em grandeparte no direito ingls e mais amplamente nossistemas de common law . 217
Canatto tambm sintetiza algumas diferenas entre os
tribunais:
Percebe-se uma evoluo institucional, cujascaractersticas principais so resumidas porBeigbeder. O ICTY diferiu, quanto sua origem,dos tribunais militares que o precederam,Nuremberg e Tquio: no um Tribunalestabelecido pelos Estados vitoriosos, masrgo subsidirio das Naes Unidas e, comotal, vincula todos os membros da ONU com maiorrepresentatividade na comunidade internacionale legitimidade que os anteriores. Quanto constituio, o novo Tribunal tem umacomposio internacional, em significanteprogresso em relao a Nuremberg, onde osJuzes so eleitos pela Assembleia Geralatravs de uma lista oferecida pelo conselho deSegurana. O presidente eleito pelos juzes.O promotor age independentemente, como um rgoseparado do Tribunal, no recebendo instruesde qualquer governo ou outras fontes. Opromotor indicado pelo Conselho de Seguranae nomeado pela Assembleia Geral. Ao contrriode Nuremberg, uma pessoa no poder serprocessada i n absentia. O Tribunal tem Cmarasde Julgamento e apelao. 218
O estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-
Ioguslvia traz a seguinte previso a respeito do Ministrio
Pblico.
217 MARTY-DELMAS, M. A influncia do Direito comparado sobre a atividade dosTribunais Penais Internacionais . In: CASSESE, A.; MARTY-DELMAS, M. CrimesInternacionais e Jurisdies Internacionais, p. 121.218 CANATTO, cit., p. 185-86.
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Artigo 16O Procurador
1. O Procurador responsvel pela investigaoe acusao de pessoas responsveis pelocometimento de srias violaes ao direitointernacional humanitrio cometidas noterritrio da antiga Ioguslvia, desde 1 dejaneiro de 1991.2. O Procurador deve atuar de formaindependente e como um rgo separado doTribunal Internacional. Ele no recebe ordensou instrues de nenhum governo e de nenhumaoutra fonte.
3. O gabinete ser composto por um Procurador epor auxiliares tcnicos como for requerido.4. O Procurador ser indicado pelo Conselho deSegurana e nomeado pelo Secretrio-Geral. OProcurador deve possuir elevado carter moral edeve possuir experincia e alto nvel decompetncia em conduo de investigao eacusao de processos criminais. O Procuradorpode servir durante um mandato de quarto anos eser reeleito. As condies de trabalho doProcurador devem ser equiparadas ao de um sub-
Secretrio-Geral das Naes Unidas.5. O pessoal do gabinete do Procurador seroindicados pelo Secretrio-Geral apsrecomendao do Procurador. 219
Os seguintes Procuradores atuaram no Tribunal para a ex-
Ioguslvia: O venezuelano Ramon Escovar Salom foi indicado
para atuar como primeiro procurador no Tribunal para a ex-
Ioguslvia em 1993, contudo renunciou antes de tomar posse.
Richard J. Goldstone, da frica do Sul, foi o primeiro
procurador a atuar de fato no Tribunal entre agosto de 1994 a
setembro de 1996. Louise Arbour, do Canad, foi procuradora
219 Disponvel em: http://www.icty. org/x/ file/ Legal%20 Libra- ry/Statute-/statute_sept09_en.pdf. acesso em janeiro de 2011.
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entre outubro de 1996 at setembro de 1999. Carla Del Ponte,
da Sua, foi procuradora entre 1999 e 2007.
Conforme atesta a procuradora no Tribunal para a ex-
Ioguslvia, o estatuto de tribunal silenciava em relao
forma pela qual as tarefas do rgo acusador seriam
desenvolvidas. Assim, o procedimento de investigao e os atos
processuais, como uma simples intimao, foram desenvolvidos e
testados caso a caso, utilizando-se de tcnicas tanto do
sistema do civil law como do common law . necessrio
acrescentar a esse contexto, diferente do que ocorreu em
Nuremberg, que o Tribunal no mais das vezes necessitava da
cooperao de Estados frequentemente hostis a seus mandatos. 220
O artigo 16 do Tribunal Penal Internacional para a ex-
Ioguslvia previa que os procuradores seriam indicados pelo
Conselho de Segurana da ONU e nomeados pelo secretrio-geral
da mesma instituio. Deviam ter experincia na rea de
investigao e acusao criminal. Mesmo o gabinete do
procurador fazendo parte da Estrutura do tribunal, tem
garantida a sua independncia, em relao ao tribunal bem como
a qualquer outro Estado ou rgo internacional.
Em que pesem as bvias diferenas entre o Ministrio
Pblico em Nuremberg e seu congnere no tribunal da ex-
220 DEL PONTE, cit, p. 540.
8/10/2019 o Ministrio Pblico No Direito Internacional Penal.unlocked
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Ioguslvia, tanto no que diz respeito aos aspectos temporais,
bem como pela influncia muito maior da comunidade
internacional representada pelas naes Unidas, o tipo de
criminalidade que denunciavam era substancialmente parecida.
No demais lembrar que o tipo de crime objeto do Direito
Internacional Penal so as atrocidades cometidas em grande
escala. Dessa forma, h caractersticas semelhantes entre as
funes dos procuradores qu