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5910187 – Biofísica II – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 18 1 O Modelo de Hodgkin-Huxley Os mecanismos iônicos responsáveis pela geração de um potencial de ação foram elucidados pelos trabalhos de Hodgkin e Huxley com o axônio gigante de lula na primeira metade do Século XX. Capa do programa da cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1963.

O Modelo de Hodgkin-Huxley Os mecanismos iônicos responsáveis

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O Modelo de Hodgkin-Huxley

Os mecanismos iônicos responsáveis pela geração de um potencial de ação

foram elucidados pelos trabalhos de Hodgkin e Huxley com o axônio gigante

de lula na primeira metade do Século XX.

Capa do programa da cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Medicina e

Fisiologia de 1963.

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Um vídeo do YouTube mostrando como o experimento de HH foi feito está

disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k48jXzFGMc8

O axônio gigante da lula é uma fibra não-mielinizada com um diâmetro em

torno de meio milímetro e vários centímetros de comprimento. Ela é uma das

maiores células de animais conhecidas. Para comparação, as células dos

vertebrados possuem diâmetros de alguns poucos micrômetros.

Por causa disso, o axônio gigante da lula constitui um sistema ideal para a

realização de experimentos eletrofisiológicos.

Para a realização de seus experimentos, Hodgkin e Huxley utilizaram duas

técnicas experimentais, conhecidas como grampeamento espacial e

grampeamento de voltagem (veja a figura abaixo).

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Dois eletrodos finos e longos são inseridos ao longo do axônio e conectados

aos instrumentos mostrados. A resistência dos eletrodos é tão baixa que pode-

se considerar que todos os pontos ao longo do axônio têm o mesmo potencial

elétrico em cada instante de tempo. Portanto, o potencial passa a depender

apenas do tempo e não do espaço, como numa célula pontual (isopotencial).

Dizemos que a célula está sob um grampo espacial.

Um dos eletrodos está emparelhado com um eletrodo externo ao axônio, para

medir a diferença de voltagem V através da membrana. O outro eletrodo é

usado para injetar ou retirar corrente da célula, na quantidade justa para manter

a diferença de potencial através da membrana num valor constante qualquer. A

medida dessa corrente permite o cálculo da condutância (ou da resistência) da

membrana. Esta técnica é chamada de grampo de voltagem, ou fixação de

voltagem, e permite controlar o potencial de membrana, fazendo com que ele

tenha qualquer valor que se queira.

Quando o potencial de membrana é elevado abruptamente do seu valor de

repouso para outro valor, e mantido neste valor, a corrente de membrana Im(t)

apresenta um comportamento como o mostrado a seguir.

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A corrente de membrana Im(t) tem três componentes:

1. Um brevíssimo pulso de corrente (de alguns poucos micro-segundos) para

fora da célula. Esta corrente corresponde ao carregamento do capacitor que

constitui a membrana, pois o aumento da voltagem implica num aumento da

carga armazenada na superfície da membrana.

2. Um fluxo de corrente transiente para dentro da célula com duração de 1 a 2

ms. Vários experimentos, como, por exemplo, substituindo-se os íons de

sódio no meio extra-celular por outros íons monovalentes, mostraram que

esta corrente é devida à entrada de íons de sódio na célula.

3. Uma corrente para fora da célula que se manifesta aproximadamente 4 ms

após o início do grampo de voltagem e permanece estável pelo tempo que

durar esse grampo. Estudos com traçadores iônicos revelaram que esta

corrente é devida a íons de potássio. (Em uma escala de tempo de várias

dezenas de milisegundos, esta corrente de potássio também cai para zero

como a de sódio).

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Além dessas três componentes, há também uma pequena corrente constante

para fora (imperceptível na escala do desenho) que corresponde a íons de

cloreto e outros íons que passam pela membrana.

Com base nos seus estudos experimentais, Hodgkin e Huxley postularam o

seguinte modelo fenomenológico para explicar os eventos observados durante

a ocorrência de um potencial de ação no axônio gigante da lula:

1. A corrente de membrana é dada pela soma da corrente capacitiva e de uma

corrente iônica:

dttdVCtItI m

iônicam)()()( += . (1)

2. A corrente iônica é dada pela soma de correntes iônicas para íons

específicos. A corrente de um dado íon é independente das correntes iônicas

dos outros íons. Há três correntes iônicas responsáveis pela geração do

potencial de ação: de sódio, de potássio e de vazamento (ou fuga):

vazKNaiônica IIItI ++=)( (2)

A razão para esta última corrente é que, em seus experimentos, Hodgkin e

Huxley observaram uma corrente adicional além das de sódio e de potássio

cuja condutância não dependia da voltagem; eles atribuíram essa corrente a

um vazamento na membrana, possivelmente devido ao eletrodo.

3. Os canais iônicos de sódio e de potássio são modelados por condutâncias

ativas, que dependem da voltagem e do tempo, em série com baterias cujas

voltagens são dadas por seus respectivos potenciais de Nernst:

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( )( )íonmmíoníon EtVttVGtI −= )(),()( , (3)

onde íon = Na+ ou K+.

4. O canal iônico de vazamento é modelado por uma condutância passiva Gvaz

em série com uma bateria Evaz (veja a figura a seguir):

Os valores de Gvaz e Evaz são determinados empiricamente para que a

solução numérica do modelo se ajuste bem aos dados experimentais.

O circuito elétrico equivalente ao modelo de Hodgkin-Huxley para a

membrana do axônio gigante da lula é dado pela figura a seguir:

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Notem as posições das baterias: a posição de EK indica que o potencial de

Nernst do potássio é negativo (negativo no interior da célula em relação ao

exterior) e a posição de ENa indica que o potencial de Nernst do sódio é

positivo (positivo no interior da célula em relação ao exterior). A posição da

bateria da corrente de vazamento indica que o seu potencial de reversão é

positivo.

Em seus experimentos de grampeamento de voltagem, Hodgkin e Huxley

aumentavam a voltagem para um certo valor em relação ao repouso e

determinavam o comportamento temporal das correntes dos íons de sódio e

potássio enquanto a voltagem permanecesse constante no valor grampeado.

Para fazer isso, é fundamental conseguir isolar as contribuições de cada

corrente iônica particular para a corrente iônica total.

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Hodgkin e Huxley conseguiram isso colocando o axônio de lula em um banho

com concentração de sódio muito baixa (ou em que o sódio fosse substituído

por colina, que é um cátion ao qual a membrana é impermeável). Isso fazia

com que a corrente de sódio (INa) fosse praticamente zero, de maneira que toda

a corrente medida era a de potássio (IK). Posteriormente, colocava-se o axônio

em um banho com concentração normal de sódio e media-se a corrente iônica

normal (Iiônica). Subtraindo-se dessa corrente a corrente de potássio determinada

anteriormente podia-se determinar INa.

Isso está ilustrado na figura abaixo (retirada do capítulo IV do The Book of

GENESIS – ver referência no fim desta aula).

Esta figura mostra o comportamento da densidade de corrente (em mA/cm2)

contra o tempo (em ms) quando se mantém a voltagem grampeada no valor de

−9 mV (56 mV acima do valor de repouso). A corrente total medida está

indicada por IK + INa. A corrente total quando o axônio está imerso em um

banho com apenas 10% da concentração normal de sódio está indicada por IK;

e a corrente obtida pela diferença entre IK + INa e IK está indicada por INa.

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Outra maneira de repetir esse experimento é usando um bloqueador de canais

iônicos. Existem toxinas e agentes farmacológicos capazes de bloquear

seletivamente apenas alguns tipos de canais iônicos. Um exemplo é a

tetrodotoxina (TTX), capaz de bloquear apenas os canais de sódio.

Quando se faz um experimento como o descrito acima e se consegue isolar a

corrente devida apenas a um íon, a condutância do íon pode ser determinada da

seguinte maneira. Supondo que apenas um tipo de íon pode passar através da

membrana, a equação para o potencial de membrana torna-se:

),())(,()(injrev tIEVtVG

dttdVC m

m =−+

ou

),())(,()(injrev tIEVtVG

dttdVC m

mm +−−=

onde Iinj(t) é a corrente que tem que ser injetada pelo eletrodo dentro da célula

para manter o potencial constante no valor grampeado e Erev é o potencial de

reversão do único íon presente. Como a corrente injetada faz com que o

potencial de membrana permaneça constante, dVm/dt = 0 e o lado esquerdo da

equação anterior deve ser nulo. Pode-se então escrever:

).)(()( revinj EVtGtI m −= (4)

Esta equação indica que o comportamento temporal da corrente injetada é o

mesmo da condutância do íon que está fluindo através da membrana. Como os

valores de Vm e de Erev são conhecidos, ela permite que se determine G(t).

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Um comportamento típico das condutâncias específicas (ou condutâncias por

unidade de área) gK e de gNa para um aumento no potencial (no caso, de 26

mV), a T = 6oC, está mostrado na figura abaixo.

Exercício: tente explicar o comportamento temporal das condutâncias

específicas de sódio e de potássio acima em termos do que foi discutido na aula

16 sobre os mecanismos iônicos responsáveis pela geração de um potencial de

ação.

Esses experimentos de Hodgkin e Huxley mostraram claramente que o

responsável pelo potencial de ação é o fluxo de íons de sódio para dentro da

célula através da membrana.

Hodgkin e Huxley notaram que o mecanismo de aumento da permeabilidade da

membrana ao sódio é regenerativo: a entrada de íons de sódio (carga positiva)

no interior da célula faz crescer a despolarização da membrana e isso provoca

um aumento ainda maior na permeabilidade da membrana ao sódio. O

mecanismo, portanto, é de feedback positivo.

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Após a identificação experimental do papel das condutâncias de potássio e

sódio, Hodgkin e Huxley tiveram que encontrar equações capazes de fitar o

comportamento temporal dessas condutâncias para cada valor de grampo de

voltagem usado.

A figura abaixo (também retirada do The Book of GENESIS) mostra o resultado

de vários experimentos dando a variação temporal da condutância específica do

potássio para diferentes valores da voltagem grampeada. Os círculos abertos

indicam os dados experimentais e as linhas sólidas indicam as curvas obtidas

por Hodgkin e Huxley para fitar os dados.

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Observe que o valor final (chamado de valor estacionário) da condutância

específica aumenta com o valor da voltagem grampeada (os valores de

voltagem dados no gráfico são medidos em relação ao potencial de repouso da

célula). Observe também que a taxa de crescimento da condutância específica

em direção ao valor estacionário (a inclinação da curva) aumenta com a

voltagem grampeada.

Observando seus dados, Hodgkin e Huxley pensaram em fitar as curvas de

condutância específica por uma função envolvendo uma exponencial, tal como

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −=

−)(e1)(),( V

t

KK VgtVg τ,

com gK e τ dependentes do valor da voltagem. gK(V) daria o valor estacionário

para o qual a condutância específica tenderia a uma dada voltagem grampeada

e τ(V) determinaria quão rapidamente a condutância específica cresceria para

esse valor estacionário.

No entanto, uma exponencial simples como a da função acima não daria um

bom ajuste. A figura abaixo mostra por quê. Uma curva de condutância

específica tem inclinação (derivada) nula em t = 0, enquanto que uma

exponencial tem inclinação não nula.

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Existem muitas maneiras de se gerar uma função matemática que se pareça

melhor com a curva experimental de uma condutância específica. Uma delas é

usando o fato de que para x pequeno (1 – e-x) é aproximadamente igual a x

(mostre isso a partir da expansão da função exponencial em série de Taylor).

A função x elevada a uma potência se aproxima da origem com inclinação nula

(veja o gráfico esboçado a seguir). Por outro lado, para x → ∞, (1 – e-x) → 1

assim como (1 – e-x)α, onde α é um expoente qualquer.

Isto implica que uma função que envolva um termo do tipo (1 – e-t/τ)α pode ser

capaz de fitar a curva experimental da condutância específica: para t → 0 ela se

aproxima da origem com inclinação nula e para t → ∞ ela tende a 1.

Hodgkin e Huxley propuseram uma expressão do tipo a seguir para descrever o

comportamento da condutância específica do potássio para cada valor

grampeado de V: α

τ⎥⎦⎤

⎢⎣⎡ ⎟

⎠⎞⎜

⎝⎛ −=

t

KK eVngtVg 1)(),( .

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Nesta expressão, Kg é o maior valor possível que a condutância específica do

potássio pode atingir durante a aplicação do grampo de voltagem por um longo

tempo. Vamos chamar este valor de condutância específica máxima do

potássio.

Já o valor n∞α (V ) é um número entre 0 e 1 e determina a fração da condutância

específica máxima Kg que será atingida em t → ∞ para o valor de voltagem

grampeada V. Portanto, o valor estacionário da condutância específica para um

dado valor de voltagem grampeada V é dado por ).(VngKα∞

Após muitas tentativas, Hodgkin e Huxley obtiveram um bom ajuste para os

seus dados com um expoente α = 4 na expressão proposta (este valor foi o

menor expoente capaz de fornecer uma concordância aceitável da equação com

os dados experimentais).

Desta maneira, para cada valor de V, o comportamento experimental da

condutância específica do potássio pode ser bem descrito empiricamente pela

expressão:

gK (V, t) = gKn4 (V, t),

(5)

onde

n(V, t) = n∞(V ) 1− e−tτ n (V )#

$%

&'(.

(6)

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Note que a constante τ está agora indicada com um sub-índice n, τ = τn. Isto foi

feito para indicar que ela é relativa à variável n sendo usada para o potássio,

pois aparecerão outras variáveis do tipo de n e outras constantes de tempo

quando a condutância específica do sódio for modelada mais para a frente.

Note que, para um dado valor de V, a função n(V, t) em (6) é solução da

equação diferencial,

τ n (V )dndt= n∞(V )− n, (7)

para constantes τn(V) e n∞(V).

A variável n(V, t) é chamada de variável de ativação do potássio. A equação

diferencial acima descreve como a ativação do potássio aumenta até atingir o

valor estacionário para um dado valor de voltagem.

Para completar a modelagem fenomenológica da condutância específica do

potássio, Hodgkin e Huxley tiveram que determinar como os parâmetros τn(V)

e n∞(V) dependem de V. Isto foi feito a partir de fittings de dados experimentais

como os mostrados anteriormente. As equações obtidas por eles para τn(V) e

n∞(V) serão mostradas mais adiante.

A modelagem da variação temporal da condutância do sódio para cada valor de

grampo de voltagem foi feita de maneira similar por Hodgkin e Huxley. Porém,

olhando para as curvas experimentais a seguir, dando o comportamento de gNa

contra t, vemos que o comportamento de gNa é mais complicado que o de gK.

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A condutância específica do sódio inicialmente sobe em resposta ao aumento

do potencial, mas depois decai enquanto o potencial fica mantido num valor

alto.

O gráfico acima mostra as respostas da condutância específica do sódio, gNa, a

aumentos em V do tipo degrau de diferentes valores, obtidos pelo grampo de

voltagem e indicados pelos números à esquerda (em mV). As curvas suaves

são os ajustes fornecidos pelas equações do modelo de Hodgkin-Huxley. As

escalas verticais à direita estão em unidades de mS/cm2.

Para fitar o comportamento transiente de gNa observado na figura acima,

Hodgkin e Huxley propuseram que a condutância específica do sódio deve

obedecer a uma equação do tipo:

),,(),(),( 3 tVhtVmgtVg NaNa = (8)

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onde Nag é o máximo valor que a condutância específica do sódio pode atingir

e m e h são funções de V e t com valores entre 0 e 1, de maneira que o produto

m3h determina a fração da condutância específica máxima Nag que é atingida

em t → ∞ para um dado valor do grampo de voltagem V.

Observe que a maneira de modelar a condutância específica do sódio é análoga

à usada para modelar a condutância específica do potássio, só que agora são

usadas duas variáveis (m e h) para descrever o comportamento temporal de Nag

ao invés de apenas uma (n) como no caso de Kg .

A função m é chamada de variável de ativação do sódio e é uma função

exponencialmente crescente de V e t. A função h é chamada de variável de

inativação do sódio e é uma função exponencialmente decrescente de V e t.

As variáveis m e h obedecem equações diferenciais similares àquela para a

variável n do potássio:

mVmdtdmVm −= ∞ )()(τ e ,)()( hVh

dtdhVh −= ∞τ (9)

onde τm(V), m∞(V), τh(V) e h∞(V) têm a mesma interpretação que as variáveis

τn(V) e n∞(V) para o potássio.

Combinando tudo o que foi visto acima, o modelo de Hodgkin-Huxley é

caracterizado pela seguinte equação,

,)(

),(AtI

tVJdtdVC inj

mm

m +−= (10)

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onde Cm é a capacitância específica da membrana, Iinj(t) é a corrente injetada na

célula e A é a área da superfície da membrana da célula. A divisão por A foi

feita porque a equação acima está escrita em termos de grandezas específicas

(por unidade de área).

A densidade de corrente de membrana Jm é composta por três componentes

(corrente de sódio, de potássio e de vazamento):

( ) ( ) ( ) ( ).),(, 433

1VmVKmkNamNa

kkm EVgEVngEVhmgtVJtVJ −+−+−==∑

= (11)

As variáveis de ativação m e n e de inativação h, por sua vez, obedecem às

seguintes equações diferenciais:

τ n (V )dndt= n∞(V )− n, (12)

τm (V )dmdt

=m∞(V )−m, (13)

τ h (V )dhdt= h∞(V )− h, (14)

Por razões que serão vistas na próxima aula, é costume reescrever cada uma

destas três equações em termos de duas novas variáveis, αi e βi, onde i = n, m,

h.

Exercício: Mostre que as equações acima para n, m e h podem ser reescritas

como:

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( ) ,)(1)( nVnVdtdn

nn βα −−= (15)

dmdt

=αm (V ) 1−m( )−βm (V )m, (16)

( ) ,)(1)( hVhVdtdh

hh βα −−= (17)

com as variáveis αi e βi, i = n, m, h, definidas por

;)()(

)(VVnV

nn τ

α ∞= ;)()(

)(VVmV

mm τ

α ∞= ;)()(

)(VVhV

hh τ

α ∞= (18)

;)()(1

)(VVnV

nn τ

β ∞−= ;

)()(1

)(VVmV

mm τ

β ∞−= .

)()(1

)(VVhV

hh τ

β ∞−= (19)

As dependências das variáveis, αi e βi com o potencial de membrana V foram

determinadas empiricamente por Hodgkin e Huxley, resultando nas expressões:

11010exp

1001,0)(−⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛ −−

=VVVnα e ⎟

⎞⎜⎝

⎛ −=80

exp125,0)( VVnβ (potássio) (20)

11025exp

251,0)(−⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛ −−

=VVVmα e ⎟

⎞⎜⎝

⎛ −=18

exp4)( VVmβ (sódio) (21)

⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛ −=20

exp07,0)( VVhα e 1

1030exp

1)(+⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛ −=

VVhβ (sódio). (22)

A voltagem V que aparece nestas equações é o potencial de membrana medido

em relação ao potencial de repouso do axônio gigante da lula, em milivolts

(isto é, no repouso V = 0 nas equações acima).

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As condutâncias específicas máximas para cada um dos três canais e os

respectivos potenciais de reversão também foram determinados

experimentalmente por Hodgkin e Huxley e seus valores são:

120=Nag mS/cm2; 36=Kg mS/cm2; 3,0=Vg mS/cm2; (23)

ENa = 115 mV; EK = −12 mV; Ev = 10,163 mV; Cm = 1 µF/cm2. (24)

A solução numérica das equações do modelo de Hodgkin e Huxley mostra o

aparecimento de potenciais de ação para correntes acima de um valor limiar,

conforme observado experimentalmente.

O exemplo a seguir é de uma simulação das equações de Hodgkin e Huxley

com um potencial de repouso Vrep = −65mV e uma densidade de corrente

injetada Jinj = 10 µA/cm2 com duração de 1 ms aplicada em t = 0.

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Para entender o modelo de Hodgkin-Huxley, é conveniente fazer uma análise

dos comportamentos de n(t), m(t) e h(t) quando a voltagem é fixada em um

dado valor (simulando um experimento de grampeamento de voltagem). Esses

comportamentos são mostrados na figura a seguir:

Observe que:

- As variáveis de ativação do potássio (n, em azul) e do sódio (m, em preto)

são inicialmente pequenas e aumentam com o tempo de maneira

exponencial, porém a variável m aumenta muito mais rapidamente que a

variável n.

- Já a variável de inativação do sódio (h, em vermelho) tem um valor inicial

mais alto e depois decai para zero. Quando h = 0, a corrente de sódio está

completamente inativa.

O mecanismo de geração de um potencial de ação pode ser entendido a partir

de uma análise da figura acima.

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Inicialmente, existe um balanço entre a corrente de Na+ para dentro e a corrente

de K+ para fora. No repouso, m é pequena e h é grande, de maneira que o termo

m³h é pequeno, mas não nulo. A variável de ativação do K+, n, tem um valor

intermediário entre m e h, mas n4 é também pequeno.

Após o início do pulso de voltagem, a despolarização aumenta m rapidamente e

os canais de Na+ se abrem. Após alguns milissegundos, h vai a zero e a

condutância do Na+ se inativa. Enquanto isso, n aumenta e a condutância do K+

cresce, atingindo um valor estacionário alto. Após o fim do pulso, n, m e h

retornam aos seus valores de repouso.

A chave para se entender o comportamento do potencial de membrana gerado

pelas variáveis m, h e n está nas suas respectivas constantes de tempo, τm, τh e

τn.

Observando a figura acima, vemos que as variáveis de ativação do potássio (n)

e de inativação do sódio (h) levam muito mais tempo para atingir seus valores

estacionários (indicados pelo subíndice ∞) do que a variável de ativação do

sódio (m). Como o comportamento temporal das três variáveis é exponencial,

do tipo e−t/τ, as constantes de tempo associadas às variáveis n e h são maiores

do que a constante de tempo associada à variável m.

Isto pode ser mais bem entendido observando as figuras abaixo, que mostram

como as constantes de tempo e as variáveis de ativação e inativação dependem

da voltagem no modelo de Hodgkin-Huxley.

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Observe que a constante de tempo de ativação do sódio, τm, é

aproximadamente dez vezes menor que as constantes de tempo de ativação do

potássio, τn, e de inativação do sódio, τh. Isso significa que, quando ocorre uma

despolarização, m varia muito mais rapidamente que n e h em direção ao seu

valor estacionário. Portanto, há um breve período durante o qual m é grande e h

ainda não é tão pequeno, o que faz com que o termo m3h nas equações seja

suficientemente grande para implicar em uma condutância de sódio grande o

suficiente para gerar um potencial de ação.

Enquanto isso, como τn tem um valor relativamente grande a variável n levará

um tempo maior para atingir um valor tal que a condutância de potássio

correspondente seja grande o suficiente para produzir uma corrente de potássio,

de dentro para fora da célula, capaz de reduzir o potencial de membrana da

célula ao seu valor original.

Observe também os valores desses parâmetros numa situação de repouso, com

o potencial de membrana em torno de −70 mV (indicado por setas nas figuras).

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Note que o valor de h aumenta com a hiperpolarização de célula e que existe

uma faixa de valores de hiperpolarização tal que m se mantém diferente de

zero.

Isto implica que uma possível estratégia para se despolarizar a célula é,

primeiro, hiperpolarizá-la um pouco e depois despolarizá-la.

Quando a célula é hiperpolarizada, o valor da variável de inativação do sódio,

h, cresce – um processo chamado de desinativação. Posteriormente, quando

ocorre a despolarização, a variável de ativação do sódio, m, cresce rapidamente

e h se mantém em um valor relativamente alto por um certo tempo (por causa

da sua constante temporal grande). Isto implica que o produto m3h pode chegar

a atingir valores maiores neste caso do que quando ocorre apenas uma

despolarização a partir do repouso.

Referências:

- Bower, J.M. and Beeman, D. (1998) The book of GENESIS (2nd ed.),

Springer-Verlag, New York. Disponível gratuitamente na internet em:

http://genesis-sim.org/GENESIS/bog/bog.html.

- Hodgkin, A. L. and Huxley, A. F., A quantitative description of membrane

current and its application to conduction and excitation in nerve. Journal of

Physiology, London, 117: 500-544, 1952.

- Nicholls, J.G., Martin, A.R., Wallace, B.G. and Fuchs, P.A. (2001) From

Neuron to Brain (4th ed.), Sinauer, Sunderland, MA.