O MODELO DE PROCESSO PENAL ENTRE O INQUISITÓRIO E O

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O MODELO DE PROCESSO PENAL ENTRE O INQUISITRIO E O ACUSATRIO: REPENSAR A INTERVENO JUDICIAL NA COMPROVAO DA DECISO DE ARQUIVAMENTO DO INQURITO Colquio DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL Supremo Tribunal de Justia 3-06-2009

1. Introduo A questo do controlo judicial dos despachos de absteno de acusao do Ministrio Pblico, foi objecto de aceso debate, entre ns, no perodo que poder situar-se, grosso modo, entre 1976 e a entrada em vigor do Cdigo de Processo Penal de 1987. O estudo de Rodrigues Maximiano A Constituio e o Processo Penal Competncia e Estatuto do Ministrio Pblico, do Juiz de Instruo Criminal e do Juiz Julgador A Deciso sobre o Destino dos Autos e os Artigos 346 e 351 do Cdigo de Processo Penal [de 1929], contem uma excelente resenha dos mais significativos problemas que ento foram levantados, da anarquia que alguns dos diplomas originaram nos tribunais, tornando impraticvel a funo judicial1, bem como das sucessivas solues encontradas. Como a se demonstra, a afirmao de que se o exerccio da aco penal fiscalizado, nada justifica que o seu no exerccio o no seja traduz uma incorrecta perspectivao do problema e destituda de qualquer fundamento2. Com a entrada em vigor do C. P. Penal de 1987, dissiparam-se as dvidas que anteriormente haviam sido suscitadas, certo que entre as inovaes que imprimiram carcter a todo o diploma se situa a rigorosa delimitao de funes entre o

Cf. RMP, Ano 2, Vol. 5, p. 119-138, e vol. 6, p. 91-130, e, sobre o mesmo tema, a importantssima obra de Rui Pinheiro e Artur Maurcio, A Constituio e o Processo Penal, Difel, 1976, p. 73-79. 2 Cf. RMP, citada, vol. 6, p. 120 e ss.

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ministrio pblico, o juiz de instruo e o do julgamento no decurso de todo o processo penal3. Idntica evoluo houve a nvel Europeu, na senda inovadora do Cdigo de Processo Penal Portugus de 1987, tendo-se clarificado o autntico sentido da assero quem investiga no julga, que a de que o estatuto de imparcialidade do juiz obriga repartio de competncias entre o juiz e o ministrio pblico e no entre o juiz do julgamento e o juiz de instruo4 (Sublinhei). Neste contexto, a reposio do tema da interveno judicial na comprovao dos despachos de arquivamento do inqurito, se entendida no sentido do controlo judicial oficioso de tais arquivamentos, soa, numa primeira abordagem, como um regresso ao passado, ou seja, aos tempos em que, sombra da velha tradio inquisitria e autoritria, se defendia a figura do juiz paternalista que assim intervinha correctivamente5. Tal no significa, de modo algum, que se mostre descabido repensar esse tema, na medida em que repensar o passado sempre essencial para preparar o futuro, dando-se assim um contributo relevante para que possam ser introduzidos, se eventualmente for o caso, os ajustamentos que se mostrem necessrios, em face da ponderao dos concretos resultados alcanados. Para correcto enquadramento do tema, far-se-, antes de mais, uma breve abordagem do modelo do processo penal inquisitrio e acusatrio. 2. Processo penal: os modelos inquisitrio e acusatrio O modelo do processo inquisitrio, que vigorou na generalidade das legislaes europeias continentais dos sculos XVII e XVIII, tem subjacente o princpio de que a represso criminal era de indispensvel interesse pblico e competia em exclusivo ao Estado6.

Cf. Figueiredo Dias, O Novo Cdigo de Processo Penal, BMJ, 369 (1987), p. 14 Cf. Anabela Miranda Rodrigues, A Fase Preparatria do Processo Penal Tendncias na Europa. O Caso Portugus, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Rogrio Soares, Coimbra Editora, 943944 e as obras para que a mesma Autora a remete: Mireille Delmas-Marthy, A caminho de um modelo europeu de processo penal, RPCC, Ano 9, 1999, p. 231, e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1988-1989, p. 100-101 5 Cf. Rodrigues Maximiano, Acusao manifestamente infundada. Poderes do juiz de julgamento, RMP, Ano 13, Jul-Set.1992, n 51, p. 105 6 Cf. Castanheira Neves, Sumrios de Processo Criminal, Coimbra 1968, p. 23, e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1 Vol., Coimbra Editora, 1981, p. 61.4

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No processo inquisitrio, competia simultaneamente ao juiz inquirir, acusar e julgar, pertencendo-lhe o domnio discricionrio do processo, o que tinha como consequncia a perca de imparcialidade do juiz e, por outro lado, degradava o arguido a mera objecto de investigao, com a mais limitada possibilidade de defesa7. O modelo acusatrio caracteriza-se, por sua vez, pela separao entre a entidade que investiga e acusa e a entidade que julga. Quem investiga e acusa no julga. Quem julga no investiga, nem tem interveno na acusao. O processo acusatrio tinha, nas suas origens, uma estrutura prxima da do processo civil, no qual no havia necessidade de procedimento criminal pblico, valendo a os princpios do dispositivo, do juiz passivo, da verdade formal, da autoresponsabilidade probatria das partes e da presuno de inocncia. O modelo inquisitrio e acusatrio no vigoram actualmente, em estado puro, em nenhum dos pases da Europa Ocidental, sendo impossvel classificar um processo como totalmente acusatrio ou totalmente inquisitrio8. Significativo , a este propsito, a evoluo havida no Reino Unido, onde a polcia se substituiu acusao puramente privada, tendo essa evoluo culminado com a criao do Crown Prosecution Service, cujos funcionrios agem em nome da Coroa, constituindo, assim, uma espcie de Ministrio Pblico e aproximando o sistema da tradio inquisitria9. Como assinala Delmas-Marthy, a evoluo fez-se dos dois lados da Mancha, tendose o Continente aproximado da tradio acusatria, pelo abandono progressivo do juiz de instruo e pela independncia acrescida do Ministrio Pblico em relao ao executivo10.

Cf. Figueiredo Dias e Castanheira Neves, ob. citadas na nota anterior, pp. 62 e 24, respectivamente. Cf. Mireille Delmas-Marthy, Procdures Pnales dEurope, Paris, PUF, 1995, publicado em ingls, com o ttulo European Criminal Procedures, Cambridge University Press, 2002, disponvel (em sntese) na internet: http://catdir.loc.gov/catdir/samples/cam041/2002073784.pdf 9 Cf. Anabela Miranda Rodrigues, As relaes entre o Ministrio Pblico e o Juiz de Instruo Criminal, ou a matriz de um processo penal europeu, in Que futuro para o direito processual penal? Simpsio em homenagem a Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2009, p. 716; os dados sobre o Crown Prosecution Service, em: http://www.cps.gov.uk/about/history.html; e The inquisitorial system of criminal justice debate da proposta de introduo, em Inglaterra, do sistema inquisitorial: http://www.academon.com/lib/paper/8456.html 10 Cf. A caminho de um modelo europeu de processo penal, RPCC, ano 9, Abril-Junho 1999, p. 232.8

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Os prprios Estados Unidos da Amrica tambm no ficaram fora desse jogo de influncias mtuas dos dois modelos, podendo hoje afirmar-se que a clivagem entre processo acusatrio e acusatrio traduz uma velha querela11. Na esclarecedora e elegante sntese de Cunha Rodrigues: na Europa, invoca-se o processo americana para exorcizar os problemas que os sistemas criminais europeus enfrentam e, na Amrica, a fuga para o mito leva frequentemente exaltao do modelo inquisitrio da Europa para reequilbrio dos excessos produzidos pelo adversarial system12. Esse movimento verifica-se mesmo no mbito do processo civil, visando-se temperar, os adversarial excesses do mundo anglo-americano13. 3. A estrutura do processo penal portugus evoluo havida 3.1. C. P. Penal de 1929 O C. P. Penal de 1929, teve como um dos princpios orientadores o reforo do papel do juiz, ao qual competia no s julgar, mas tambm realizar a investigao que fundamentava a acusao, o que representava, como se refere no Relatrio do Dec-Lei n 35.007, de 13-10-1945, um regresso ao tipo de processo inquisitrio, pondo em causa a imparcialidade do julgador e reduzindo a actividade do Ministrio Pblico de um simples formalismo14. Esse abandono da estrutura acusatria do processo penal, em favor da estrutura inquisitria, foi historicamente movido pelo desejo de no entregar os arguidos nas mos de uma magistratura dependente como a do Ministrio Pblico15. Concluda a instruo (corpo de delito), competia ao Ministrio Pblico deduzir a acusao, mantendo-se, assim, formalmente, a concepo acusatria.

Cf. Anabela Rodrigues, trabalho citado na nota 9, p. 715. Cf. A Justia dos dois lados do Atlntico - II. O processo penal em Portugal e nos Estados Unidos. Dois sistemas jurdicos em busca da justia, Fundao Luso Americana, Outubro 1998, p. 16 13 Cf. Our inquisitorial tradition: equity procedure, du process, and the search of an alternative to adversarial, Amlia D. Klesser, Cornell Law Review, 2005, vol. 90:1161-1275:12

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http://www.lawschool.cornell.edu/research/cornell-law-review/upload/Kessler-Vol-90-5-1181.pdf

Cf. Processo Criminal, segundo as preleces de Eduardo Correia, Coimbra, 1956, p. 67-68. Cf. Figueiredo Dias, A Nova Constituio e O Processo Penal, Lisboa, 1976, p. 10 e s., e Anabela Miranda Rodrigues, O inqurito no novo Cdigo de Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, Almedina, 1991, p. 6715

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O Dec-Lei n 35.0007, de 13-10-1945, retirando as consequncias da experincia vivida, restaurou o princpio da acusao, levando em conta que se o juiz exercer plenamente a sua funo policial e de acusao pblica, no manter facilmente a serena imparcialidade do julgador. E, se, ao contrrio, desprezar as funes de investigao e acusao que forosamente lhe foram atribudas, para se ater exclusivamente s funes jurisdicionais, tornar-se- frgila garantia da ordem jurdica cf. o respectivo prembulo. De realar, por outro lado, as referncias feitas ao Ministrio Pblico, no prembulo acabado de citar, o qual, enquanto rgo adrede criado para subtrair a acusao pblica ao poder judicial, depois de lanadas as bases da sua autonomia, foi reduzido atravs de sucessivas limitaes da sua actuao, a pura expresso formal na orgnica dos tribunais. O caso de tal maneira que s compreensvel ou a supresso do Ministrio Pblico, j que na sua feio actual quase no tem atribuies de carcter substancial, ou a restaurao da plenitude das funes que determinaram a sua criao, optando-se por esta ltima alternativa, de acordo com os ensinamentos da doutrina e exemplo alheio. Como por demais conhecido, o problema srio que se levantava era a dependncia do Ministrio Pblico do executivo, o qual detinha, em ltima instncia, a faculdade de amnistiar certas infraces16. Confrontada com esses problemas, a nossa jurisprudncia consagrou um controlo indirecto do princpio da legalidade, admitindo a acusao dos assistentes em caso de absteno do Ministrio Pblico17. Mau grado a evoluo havida em 1972, com a criao dos juzes de instruo (Lei n 2/72, de 10-05 e Dec-Lei n. 343/72, de 30-08), em Lisboa, Porto e Coimbra, aos quais competiam o exerccio de funes jurisdicionais, durante a instruo preparatria e contraditria, continuou-se muito aqum do que seria exigido para que se pudesse falar duma estrutura verdadeiramente acusatria do processo18.

3.2. As profundas alteraes introduzidas aps o 25 de Abril de 1974. O Cdigo de Processo Penal de 1987Cf. Lus Osrio, citado por Figueiredo Dias, em Direito Processual Penal, 1 Vol., Coimbra Editora, 1981, p. 135 (45). 17 Cf. Figueiredo Dias, ob. citada na nota anterior, p. 135. 18 Cf. Anabela Miranda Rodrigues, O inqurito no novo Cdigo de Processo Penal, citado, p. 67-68.16

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3.2.1. Aps o 25 de Abril de 1974, foram profundas as transformaes ocorridas no mbito do processo penal, tendo em vista a dignificao do mesmo, em todas as suas fases cf., designadamente, a Lei Constitucional n 3/74, de 14-05, e o prembulo do Dec-Lei n 605/75, de 3-11, o qual criou o inqurito policial, com dispensa de instruo preparatria, nos crimes menos graves. A Constituio da Repblica Portugus de 1976 consagrou, no seu artigo 32 n 5, a estrutura acusatria do processo penal, cabendo o exerccio da aco penal ao Ministrio Pblico artigo 224- n 1, na redaco originria (actual artigo 219 n 1). A interpretao da norma do n 4 do artigo 32 da Constituio, que dispunha que toda a instruo ser da competncia de um juiz, gerou acesa controvrsia e criou srias dificuldades, tendo pecado por excesso ao cometer ao juiz de instruo todos os actos de execuo de instruo, concepo que dava o flanco critica velha (1937), mas verdadeira, de que a funo do juiz dar decises e de modo nenhum fazer o trabalho de polcia e dos rgos encarregados de investigao19. Aps a entrada em vigor da Constituio, foi publicada uma srie de diplomas legais visando adequar o direito ordinrio ao direito constitucional e ultrapassar as dificuldades surgidas. Para alm da proliferao legislativa, que se registou, h a assinalar a grande indefinio de tarefas que se viveu nesse perodo, com o juiz da comarca a funcionar como supervisor de uma instruo conduzida pelo Ministrio Pblico20. Entre esses diplomas citam-se o Dec-Lei n 321/76, de 4-05 (que atribui a direco da instruo preparatria aos juzes de instruo criminal), o Dec-Lei n 618/76, de 27-06 (atribui funes de juiz de instruo ao juiz da comarca limtrofe competente), e o Dec-Lei n 354/77, de 30-08 (que inverteu o sistema de interveno consagrado no Dec-Lei n 618/76). Sintomtico da confuso, que ento se viveu, o Despacho Ministerial de 14-101976, o qual previa a interveno dos substitutos do juiz da comarca (em regra, os Conservadores) como juzes de instruo.

Cf. Figueiredo Dias, A Nova Constituio e o Processo Penal, Ano 36, 1976, p. 11, e Anabela Miranda Rodrigues, ob. citada na nota 18, p. 68. 20 Cf. Borges de Pinho, citado por Rodrigues Maximiano, RMP, ano 2, vol. 6, p. 103.

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Como refere Cunha Rodrigues, os Juzes de Instruo Criminal nunca chegaram a funcionar regularmente. A pouca apetncia da magistratura por esses lugares, a insuficincia de quadros, a dificuldade de identificao dos magistrados judiciais com um cargo que correspondia a funes anteriormente desempenhada pelo Ministrio Pblico, e em relao s quais a natureza vestibular da magistratura do Ministrio Pblico criara determinadas conotaes, fizera com que o juiz de instruo criminal s excepcionalmente assumisse as funes de juiz investigador21. O bloqueamento do sistema de juzes de instruo, ento vigente, imputvel ao prprio sistema22, e a manta de retalhos em que o processo penal, no seu todo, entretanto se tornara, s acabaram por ser desbloqueados com a publicao do C. P. Penal de 1987, diploma exemplar e que uma referncia incontornvel, a nvel europeu e internacional. 3.2.2. O Cdigo de Processo Penal de 1987 Em conformidade com quanto havia sido determinado pela Lei n 43/86, de 26-09 (Autorizao legislativa), o Cdigo de Processo Penal de 1987 consagrou um processo de estrutura acusatria, integrada por um princpio de investigao. De entre as inovaes introduzidas, reala-se a rigorosa delimitao de funes entre o Ministrio Pblico, o Juiz de instruo e o Juiz do julgamento, no decurso de todo o processo. Em obedincia estrutura acusatria do processo penal, o C.P. Penal encontra para cada uma daquelas fases inqurito, instruo e julgamento um distinto e diverso rgo com competncia para lhe presidir. O inqurito, realizado sob a titularidade e a direco do Ministrio Pblico, passou a ser a fase geral e normal de preparar a deciso de acusao ou no acusao. A instruo, dirigida pelo JIC, apenas tem lugar quando requerida pelo arguido, que pretenda invalidar a deciso de acusao, ou pelo assistente, que pretenda contrariar a deciso de no acusao. E, a haver acusao ou pronncia, o julgamento presidido por um juiz

Cf. Direito Processual Penal Tendncias de Reforma na Europa Continental O Caso Portugus, in Lugares do Direito, Coimbra Editora, 1999, p. 441 22 Cf. Anabela Rodrigues, O Inqurito no novo Cdigo de Processo Penal, citado, p. 64

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Esse modelo no deriva de uma lgica de separao de poderes corporativos, mas da opo de, em conformidade com os parmetros constitucionais, se adoptar uma lgica de funes consonante com os valores em jogo, em que o papel central no pertence nem ao Ministrio Pblico nem aos rgo judiciais, mas apenas pode ser atribudo ao arguido23. Um dos princpios estruturantes da constituio penal o princpio acusatrio, nos termos do qual s se pode ser julgado por um crime precedendo acusao por parte de um rgo distinto do julgador, sendo essa acusao condio e limite do julgamento e garantia essencial de um julgamento independente e imparcial. Por sua vez, a densificao semntica da estrutura acusatria faz-se atravs da articulao entre uma dimenso material (fases do processo) com uma dimenso orgnico subjectiva (entidades competentes), o que significa a diferenciao entre juiz de instruo e juiz julgador e entre ambos e rgo acusador24. Como sublinha Faria Costa, citando Figueiredo Dias, a estrutura acusatria que a Constituio previu para o processo penal no se esgota na simples diferenciao material entre o rgo que instrui o processo e d a acusao. Vai mais alm e torna pertinente o reconhecimento da participao constitutiva dos sujeitos processuais na declarao do direito do caso25. O nosso Cdigo de Processo Penal constitui um dos paradigmas do denominado modelo continental europeu, o qual se caracteriza por uma estrutura basicamente acusatria integrada por um princpio subsidirio complementar (talvez melhor se possa dizer: supletivo) de investigao oficial; estrutura basicamente acusatria esta que muitos pretendem acentuar (na esteira do CPP de 1987) atravs de um englobante princpio da mxima acusatoriedade possvel26. A alterao da redaco do n 3 do artigo 311 do C. P. Penal, que veio precisar o contedo da expresso acusao manifestamente infundada e ps termo jurisprudncia fixada pelo Acrdo do STJ n 4/93, de 17-02, entretanto revogado pelo Acrdo do Tribunal Constitucional n 279/95 (cf. Ac. TC n 445/97), deixouCf. Paulo D Mesquita , Direco do Inqurito e Garantia Judiciria e Garantia Judiciria, Coimbra Editora, 2003, p. 52. 24 Cf. , Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, anotao ao artigo 32, p. 522. 25 Cf. Jos de Faria Costa, Um olhar cruzado entre a Constituio e o processo penal, in a Justia nos Dois Lados do Atlntico, FLAD, Novembro de 1997, p. 191 e Figueiredo Dias, A Nova Constituio da Repblica e o Processo Penal, ROA, 1976, p. 9. 26 Cf. Figueiredo Dias, Sobre a Reviso de 2007 do Cdigo de Processo Penal Portugus, RPCC, 18 (2008), p. 368.23

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claro, espero que definitivamente, como enfatiza Figueiredo Dias, que no processualmente admissvel uma rejeio da acusao por manifesta insuficincia de prova indiciria, em nome de uma estrutura processual acusatria, em que a partilha de funes de investigao, de acusao e de julgamento feita entre magistraturas distintas, em obedincia ao disposto na Constituio27. Abordando a questo dos poderes do Ministrio Pblico e do juiz, nos processos consensuais, Germano Marques da Silva igualmente muito claro ao referir que a estrutura acusatria exige a passividade do juiz e essa passividade (ne procedat iudex ex officio) tem subjacente a ideia de que no impende sobre o tribunal a directa responsabilidade de promover o melhoramento efectivo da situao de facto quanto ao respeito pelas leis e manuteno dos valores fundamentais da ordem jurdica. a acusao que fixa o objecto do processo processo e por essa definio se delimitam os poderes de cognio do tribunal28. 3.2.3. O Cdigo de Processo Penal de 1987, uma referncia a nvel europeu e internacional Como reala Faria Costa, o Cdigo de Processo Penal Portugus de 1987 veio, a justo ttulo, a ser considerado, logo aps a sua publicao, em diversos meios universitrios internacionais, como um Cdigo de referncia e exemplar29. Isto mesmo sublinhado, com a autoridade que lhe reconhecida, por Mireille Delmas-Marthy, segundo a qual o Cdigo de Processo Penal Portugus de 1987 prefigura, nas suas grandes linhas, o processo penal europeu do futuro, tendo sabido quebrar a oposio quase se poderia dizer, esta maldio para a Europa ao instaurar um sistema que afirma o princpio do acusatrio, mas que no puramente acusatrio e que tambm se distanciou da tradio inquisitria, tendo retido melhor de cada tradio: Inscreveram o princpio acusatrio na vossa Constituio, mas, ao mesmo tempo, guardaram o melhor da tradio continental, mantendo os procedimentos criminais pblicos, exercidos em nome do Estado pelo Ministrio Pblico, e regras claras e precisas que, contrariamente ao sistema ingls,Cf. Os princpios estruturantes do processo e a reviso de 1998 do Cdigo de Processo Penal, RPCC, 8(1998), p210-211. 28 Cf. Em busca de um espao de consenso em processo penal, in Estudos em Homenagem a Francisco Jos Veloso, Escola de Direito da Universidade do Minho, 2002, p. 700. 29 Cf. Os Cdigos e a mesmidade: o Cdigo de Processo Penal de 1987, in Que futuro para o direito processual penal? Simpsio em Homenagem a Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2009, p. 445.27

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se aplicam desde a fase preparatria e que permitem evitar que todos o inqurito seja refeito em audincia. E, como logo a seguir acrescenta: Por outras palavras, pela escolha que fizeram ao adoptar um cdigo completamente novo e muito inovador para a Europaa utopia de um processo penal comum para a Europa tornou-se realizvel30. Esse modelo de processo penal europeu dever acolher solues que, como tem sido defendido, passam por conceber o juiz como juiz das liberdades, e o Ministrio Pblico como rgo dotado de independncia em relao ao executivo. Nessa linha, o Corpus Iuris, que constitui um projecto de modelo de cdigo de processo penal para a Europa, teve como referncia o sistema do Cdigo de Processo Penal Portugus de 1987, como se pode ver das solues a consagradas31. Na sequncia do reconhecimento de que passou a gozar a nvel internacional, por saber conciliar, de modo exemplar, a descoberta da verdade e a realizao da justia, por um lado, e a proteco dos direitos individuais e o imprescindvel restabelecimento, to clere quanto possvel, da paz jurdica, por outro, o C. P. Penal de 1987 influenciou diversos diplomas, entre eles, e a ttulo de mero exemplo, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional32. Essa mesma importncia assinalada por Cunha Rodrigues e por Souto de Moura, referindo-se o primeiro ao Corpus Iuris como tributrio das solues estabelecidas pelo cdigo de processo penal portugus e o segundo aos aplausos que testemunhou ao sistema do nosso cdigo e ao facto de o mesmo ser visto como uma referncia incontornvel dos sistemas de investigao criminal33. 4. As competncias do Ministrio Pblico e do Juiz de Instruo Criminal, no mbito do C. P. Penal de 1987

Cf. A Caminho de um Modelo Europeu de Processo Penal, RPCC 9 (1999), p. 231-232. Cf. Anabela Miranda Rodrigues, As Relaes entre o Ministrio Pblico e o Juiz de Instruo Criminal ou a Matriz de um Processo Penal Europeu, in Que futuro para o direito processual penal?, Coimbra Editora, 2009, p. 722-723, encontrando-se o Corpus Iuris publicado na RMP 73(1998), p. 161184 e disponvel em http://www2.law.uu.nl/wiarda/corpus/art-frans.pdf 32 Cf. Joo Conde Correia, Inqurito: a manuteno do paradigma ou a reforma encoberta, RPCC, 18 (2008), p. 190(1) 33 Cf. Cunha Rodrigues, Que futuro para o processo penal na Europa?, in Que futuro para o direito processual penal? Simpsio em Homenagem a Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2009, p. 163, e Jos Adriano Souto de Moura, O Inqurito e as Relaes MP/PJ, Actas do 1 Congresso de Investigao Criminal, 16-17Mar2006, ASFIC, 2008, p. 14231

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4.1. O Ministrio Pblico e as suas competncias no inqurito O Ministrio Pblico um rgo autnomo de administrao da justia, dotado de estatuto prprio e de autonomia, ao qual est constitucionalmente cometida, entre outras, a competncia para o exerccio da aco penal cf. artigo 219 ns 1 e 2 da Constituio da Repblica. A autonomia do Ministrio Pblico caracteriza-se pela sua vinculao a critrios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeio dos magistrados do Ministrio Pblico s directivas, ordens e instrues previstas na lei artigo 2 n 2 do Estatuto do Ministrio Pblico (Lei 47/86, de 15-10, com a redaco da Lei n 60/98, de 27-08). A autonomia do Ministrio Pblico, constitucionalmente consagrada, reporta-se aos demais rgos do poder central, regional e local (artigo 2 n 1 do EMP), e implica: a no ingerncia do poder poltico, maxime do Ministro da Justia, no exerccio das suas atribuies, em especial no exerccio da aco penal; a sua concepo e estruturao como magistratura prpria, orientada por um princpio de paralelismo e estatuto idntico ao da magistratura judicial; a adopo de um governo prprio34. A autonomia do Ministrio Pblico vale tambm como garantia da prpria independncia dos tribunais, que so instncias passivas (ne procedata iudex ex officio35. Sendo a imparcialidade e a passividade caractersticas do processo jurisdicional, o poder judicial carece, para o ser, de um rgo que lhe assegure a iniciativa. Esse rgo o Ministrio Pblico que, dotado de autonomia constitucional, contribui para que os tribunais cumpram, com independncia, as funes que lhe esto cometidas36. A autonomia do Ministrio Pblico e o reforo da sua independncia em relao ao executivo, o que implica a aproximao a um processo mais acusatrio, so hoje

Cf. Anabela Miranda Rodrigues, A fase preparatria do processo penal tendncias na Europa. O caso Portugus, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Rogrio Soares, Coimbra Editora, 2001, p. 952, Cunha Rodrigues, Ministrio Pblico: Estatuto, Coimbra Editora, 1999, p. 102. 35 Cf. Ribeiro Mendes, citado em O Novo Mapa Judicirio perante o Estatuto Constitucional do Ministrio Pblico, Rui Medeiros e J. Lobo Moutinho, SMMP, 2009, p. 27. 36 Cf.Rui Medeiros e Lobo Moutinho, trabalho citado na nota anterior, p. 27, e D Mesquita, Direco do Inqurito e Garantia Judiciria, p. 45 e, Antnio Cluny, O Ministrio Pblico, o Estado de Direito e a nova criminalidade organizada, RMP, 72 (1997), p. 43.

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uma tendncia a nvel europeu37, sendo, tambm aqui, exemplar a evoluo havida em Portugal. Tal evoluo encontra-se, alis, na linha da Recomendao Rec (2000) 19 do Comit de Ministros dos Estados Membros do Conselho da Europa sobre a funo do Ministrio Pblico no sistema de justia penal, adoptada em 6-10-2000. Como sublinhava Figueiredo Dias, h largos anos, em todo o domnio do pensamento jurdico-processual penal no existe outro modelo de ministrio pblico que sobreleve em vantagens, ou sequer iguale, o adoptado pelo processo penal portugus. No h obviamente modelos perfeitos, aos quais s possam assacar-se vantagens ou insusceptveis de aperfeioamentos. Mas um ministrio pblico (tpico dos modelos inquisitrios), que constitua a longa manus do poder poltico, o simples mandatrio dos interesses do Executivo tal como este os avalia em cada processo penal concreto e o seu fiel executor na teia do tribunal, do qual deve ento fazer parte em posio absolutamente paritria com a dos juzes esse ministrio pblico, pea fundamental da abominvel justia de Gabinete, conduz a uma pobre caricatura do processo penal democrtico, representa um perigo incontornvel para os direitos das pessoas (em especial o arguido, a quem torna inevitavelmente em mero objecto do processo) e, o que nem sempre se quer compreender, pe em causa o apego descoberta da verdade material, a verdade processual e, em definitivo, a realizao da justia38. A autonomia do Ministrio Pblico no se pode tornar num poder autrcico anticonstitucional, nem reconduzir-se a uma forma de exlio institucional, devendo todas as intervenes do Ministrio Pblico obedecer a critrios de estrita legalidade e objectividade. Por outro lado, as funes do Ministrio Pblico em toda a matria criminal, a que ora nos reportamos, devero ser exercidas com rigor, consistncia e lealdade, do mesmo passo que a autonomia do Ministrio Pblico ser tanto mais perfeita e mais plena quanto mais extenso e transparente for o seu dever de prestar contas comunidade39. questo do controlo e ao dever de prestao de contas, voltarei mais adiante.Cf. Delmas-Marthy, A caminho de um modelo europeu de processo penal, RPCC, 9 (1999), p. 231, e Anabela Miranda Rodrigues, As relaes entre o Ministrio Pblico e o Juiz de Instruo ou a matriz do processo penal europeu, citado, p. 717. 38 Cf. Os princpios estruturantes do processo e a reviso de 1998 do Cdigo de Processo Penal, RPCC, 8 (1998), p. 2005-2006 39 Cf. Figueiredo Dias, Autonomia do Ministrio Pblico e o seu dever de prestar contas comunidade: um equilbrio difcil, RPCC, 17 (2007), p. 196-197 e 206.37

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Enquanto titular da aco penal, nos termos do n 1 do artigo 219 da Constituio, compete ao Ministrio Pblico dirigir o inqurito, decidir sobre o exerccio da aco penal, sustentar a acusao em julgamento e promover a execuo, obedecendo todas as suas intervenes a critrios de estrita objectividade cf. artigo 53 do C. P. Penal. No sistema do nosso Cdigo, o inqurito constitui uma fase essencial e verdadeiramente conformadora do processo penal. A mesma no uma fase pr-processual ou preparatria da abertura do processo penal, mas uma fase prpria do processo, normativamente regulada nos seus momentos essenciais, nos termos, actos, ritos e formas40. Como certeiramente sublinha D Mesquita, o Cdigo de Processo Penal de 1987 consagrou, enquanto corolrio da estrutura acusatria, o inqurito como fase processual teleologicamente vinculada a uma deciso sobre o exerccio da aco penal, opo que implica a responsabilizao do Ministrio Pblico por um processo que se destina a uma deciso prpria e no instruo com vista a uma deciso judicial. Ou seja, ao Cdigo est subjacente a perspectiva de que, na acusatoriedade material, o inqurito como complexo de actos deve ter apenas a funo endoprocessual de determinar a deciso do Ministrio Pblico sobre a deciso processual41 (Sublinhei). A direco do inqurito foi cometida ao Ministrio Pblico, enquanto rgo autnomo de administrao da justia, constitucionalmente incumbido do exerccio da aco penal, orientado pelo princpio da legalidade, tendo o Ministrio Pblico retomado, assim, em plenitude, a sua funo tradicional, de domnio da investigao criminal, assistido pelos rgos de polcia criminal, funo essa que a sua funo prpria e mais importante e a sua funo tpica, natural, como se assinala no Parecer n 8/82 da Comisso Constitucional42. A direco do inqurito implica, insiste-se, a responsabilizao pela conduo dessa fase processual e pelos resultados obtidos, sendo fundamentalmente uma

Cf. Antnio Henriques Gaspar, Impugnao das decises do Ministrio Pblico no inqurito, RMP, Ano 13, 1992, n 49, p. 73, e Ministrio Pblico, hierarquia e processo penal, IV Congresso do Ministrio Pblico, 1994, RMP, Cadernos 6, p. 84. 41 Cf. Algumas notas sobre garantia judiciria, investigao, o que o arguido disse e a prova do crime na reforma de 2007 do Cdigo de Processo Penal, Separata de A Reforma do Sistema Penal de 2007 Garantias e Eficcia, Coimbra Editora, 2008, p. 35-36, e a obra do mesmo autor, Direco do Inqurito e Garantia Judiciria, Coimbra Editora, 2003, para que a se remete (p. 36, nota 1). 42 Cf. os Acrdos do Tribunal Constitucional ns 393/89, 395/94 e 116/2006.

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tarefa de planificao, de eventual delegao de investigaes ou diligncias nos rgos de polcia criminal e de fiscalizao e controlo da actividade de tais rgo43. 4.2. A instruo e as competncias do juiz de instruo criminal A instruo foi concebida, desde a verso originria do C. P. Penal de 1987, como uma fase facultativa de controlo jurisdicional da deciso de deduzir acusao ou de arquivar o inqurito artigo 286 n 1 do C. P. Penal44. A mesma pode ser requerida pelo arguido, visando a comprovao judicial da deciso de deduzir acusao, e pelo assistente, visando a comprovao judicial do despacho de arquivamento. A direco da instruo compete ao Juiz de Instruo, assistido pelos rgos de polcia criminal. Para alm das suas competncia prprias, na fase da instruo, ao Juiz de Instruo Criminal incumbe, na fase do inqurito, a prtica de actos que se directamente se prendam com os direitos fundamentais das pessoas, os quais so por si praticados ou autorizados artigo 2 n 45 da Lei n 43/86, de 26-09, e artigos 268 e 269 do C. P. Penal. O JIC , pois, entre ns um juiz das liberdades, o juiz que, na fase preparatria controla o respeito pelas liberdades. Como refere Delmas-Marthy, julgar cada vez menos a busca de um equilbrio entre a eficcia da investigao e a proteco da pessoa e antes a justificao de uma liberdade individual. O que fundamenta e legitima a actuao do juiz esta justificao45 (Sublinhei). Essa tambm hoje a tendncia por toda a Europa, privilegiando a maior parte dos pases a soluo de uma fase de investigao dirigida pelo Ministrio Pblico, com possibilidade de controlo de um juiz o juiz de instruo, colocado na posio de rbitro, sendo as suas funes no as de investigar ou dirigir a investigao, mas a de garantir o controlo da legalidade das investigaes efectuadas por outros actores do processo, quando elas afectem a liberdade das pessoas46.Cf. Jos Souto de Moura, Inqurito e Instruo, citado, p. 102 e 111 e ss. Cf. Nuno Brando, A Nova Face da Instruo, RPCC, 18 (2008), p. 228, bem como os Autores para que o mesmo remete (nota 1). 45 Cf. Anabela Miranda Rodrigues, A fase preparatria do processo penal tendncias na Europa. O caso Portugus, citado, p. 946. 46 Cf. Anabela Miranda Rodrigues, As relaes entre o Ministrio Pblico e o Juiz de Instruo Criminal ou a matriz do processo penal europeu, citado, p. 718-719, Loureno Martins, Poder Judicial e44 43

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Por isso, na frmula de Figueiredo Dias, no deve haver juiz de instruo, mas juiz da instruo47. Actualmente, a nvel da Europa, apenas os juzes de instruo francs, belga e espanhol realizam a investigao48, estando em curso a reviso desse regime, na Frana, e tudo indicando que o mesmo venha a acontecer em Espanha e na Blgica, como abaixo se indicar. Tal como Figueiredo Dias defende, h longos anos, a estrita ligao do juiz, de instruo como de julgamento, ao facto que lhe proposto pela acusao, e sobre a conformao do qual ele no pode em princpio exercer qualquer influncia, soluo constitucionalmente imposta no s, numa certa vertente, pela mxima acusatoriedade do processo penal exigida pelo artigo 32 n 5 da Constituio como, noutra vertente, pela salvaguarda da funo especificamente judicial de todo e qualquer juiz como dominus de uma fase processual.49 Na mesma linha se pronuncia o Acrdo do Tribunal Constitucional n 581/00, nos termos do qual a imparcialidade do juiz s fica suficientemente assegurada se, no caso do juiz do julgamento, for outra a entidade a dirigir o processo at acusao ou pronncia e a tomar as correspondentes decises de acusar ou de pronunciar, e se, no caso do juiz de instruo, for outra entidade a dirigir o processo at deciso de acusar ou de no acusar. Cita-se, a, a propsito, G. Casaroli, para quem a abolio, em Itlia, dos poderes de investigao (ou inquisitoriais) do juiz (ou seja, a abolio da figura do Giudice Istruttore) e a sua atribuio ao Ministrio Pblico, durante a fase da recolha das provas, assegurou a imparcialidade daquele, assim circunscrito a funes de garantia e de controlo (Sublinhei). semelhana da evoluo em curso, a nvel europeu, quanto abolio dos juzes de instruo, tambm, a fase intermediria da instruo vir a ser eliminada, como fase processual autnoma, de acordo com a previso autorizada de Figueiredo Dias. Tal acontecer como consequncia, sobretudo, de o modelo preconizado pelo CPP comprovao por um juiz de instruo da deciso do MP de deduzir acusao ou de arquivar o inqurito no ter podido at hoje ser minimamente cumprido pela praxis, antes de ter sido desvirtuado em direco a umMagistratura de Investigao, BFD LXXV (1999), p. 420, e Mouraz Lopes, A Garantia Judiciria no Processo Penal: do juiz e da instruo, Coimbra Editora, 2000, p. 19. 47 Cf. Figueiredo Dias, citado por Anabela Rodrigues, na obra referida na nota 45, p. 946 (17). 48 Cf. Anabela Miranda Rodrigues, ob. citada na nota 45, p. 946. 49 Cf. Sobre os sujeitos processuais no novo Cdigo de Processo Penal, citado, p. 16.

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simulacro de julgamento, antecipado e provisrio, inadmissvel luz dos princpios gerais e de um mnimo de eficincia, jurdica e socialmente exigvel, do processo penal50. 5. O controlo dos despachos de arquivamento do Ministrio Pblico 5.1. Concludo o inqurito, o Ministrio Pblico procede anlise do material probatrio, recolhido charge e dcharge, e toma a deciso, segundo critrios de legalidade estrita e de objectividade, de deduzir acusao ou de proferir despacho de arquivamento. A acusao deduzida, que define o objecto do processo, delimitando os poderes de cognio do tribunal, e fixa a vinculao temtica51, est sujeita a comprovao judicial, podendo o arguido requerer a abertura da instruo artigo 286 n 1 do C. P. Penal. Quanto aos despachos de arquivamento, os mesmos esto sujeitos a um duplo controlo: hierrquico e judicial. O controlo hierrquico tem lugar oficiosamente ou a requerimento do assistente e do denunciante com faculdade de se constituir assistente artigo 278 n 1 e 2 do C. P. Penal. O controlo judicial, ou comprovao judicial do despacho de arquivamento, tem lugar a pedido assistente, requerendo para tanto a abertura da instruo. Tal requerimento s poder ser rejeitado por extemporneo, por incompetncia do juiz ou inadmissibilidade legal da instruo artigos 286 n 1 e 287 1, b) 3 do C. P. Penal. Ao contrrio do que, por vezes, se insinua, o Ministrio Pblico, a quem constitucionalmente incumbe representar o Estado, exercer a aco penal e promover a realizao do interesse social e, de um modo geral, a defesa da legalidade democrtica52, objecto do mais amplo controlo. Como recorda Cunha Rodrigues, mesmo difcil encontrar um sistema em que o Ministrio Pblico se encontre, directa ou indirectamente, to sujeito a controlo na direco e na aco. Basta recordar as funes de iniciativa ou controlo doCf. O processo penal portugus: problemas e prospectivas, citado, p. 808. Cf. Antnio Henriques Gaspar, As exigncias da investigao no processo penal durante a fase da instruo, citado, p. 88 52 Cf. Baptista Machado, Introduo ao direito e ao discurso legitimador, Almedina, 1983, p. 15151 50

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Presidente da Repblica, da Assembleia da Repblica, do Governo, dos tribunais e dos cidados. O Presidente da Repblica nomeia e exonera o Procurador Geral da Repblica, sob proposta do Governo. A Assembleia da Repblica designa cinco elementos para o Conselho Superior do Ministrio Pblico e o Governo dois. Os tribunais julgam o que o Ministrio Pblico prope e requer e apreciam todos actos relativos a direitos, liberdades e garantias. Os cidados podem constituir-se assistentes no processo penal, com poderes de aco e participao nicos em termos dos sistemas comparados e exercem, em geral, direitos de petio, oposio e impugnao53. Em face da actual estrutura acusatria do processo penal, ao contrrio do que acontecia no anterior modelo inquisitrio mitigado (CPP de 1929 e Dec-Lei n 35.0007, de 13-10-1945), no existe, agora, qualquer controlo judicial oficioso sobre a deciso do Ministrio Pblico de acusar ou de proferir despacho de arquivamento54. Para melhor se compreender a evoluo havida, far-se- uma breve sntese das solues legais anteriores e da actual, o que propiciar a adequada anlise crtica do modelo vigente. 5.2. Regime vigente Do C. P. Penal de 1929 at entrada em vigor do C. P. Penal de 1987 No domnio do C. P. Penal de 1929, encerrada a instruo preparatria [que tinha por fim averiguar a existncia das infraces, fazer a investigao dos seus agentes e determinar a sua responsabilidade artigo 158], caso o Ministrio Pblico tivesse promovido que o processo se arquivasse ou aguardasse a produo de melhor prova, o juiz poderia determinar, em despacho fundamentado, que os autos voltassem com vista ao Ministrio Pblico, para deduzir acusao artigo 346. Aps a entrada em vigor do Dec-Lei n 35.007, de 13-10-1945, passou geralmente a entender-se que o citado artigo 346 do C. P. Penal de 1929 fora revogado pelo sistema acusatrio e de fiscalizao hierrquica implantado por aquele diploma,

Cf. Interveno na abertura do 5 Congresso do Ministrio Pblico, in O Ministrio Pblico, a Democracia e a Igualdade dos Cidados, Ed. Cosmos, 2000, p. 24-25 e, no mesmo sentido, D Mesquita, Direco do inqurito penal e garantia judiciria, Coimbra Editora, 2003, p. 68. 54 Cf. Maia Gonalves, anotao ao artigo 277 do actual C. P. Penal, 17 ed., p. 661, Jos Antnio Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Portugus, II, 1997, p. 113.

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passando a ser o Ministrio Pblico a entidade unicamente competente para ordenar o arquivamento, independentemente de deciso judicial55. Essa posio veio, porm, a ser corrigida, em face da nova redaco do artigo 351 do C. P. Penal de 1929, introduzida pelo Dec-Lei n 185/72, de 31-05, nos termos da qual, se o juiz entender que se provam factos diversos dos apontados pelo Ministrio Pblico, de que resulte uma alterao substancial da acusao, assim o declarar em despacho fundamentado, ordenando que o processo lhe volte com vista para poder deduzir acusao cf. o corpo do artigo. Segundo alguma doutrina, o Dec-Lei n 185/72 pretendeu regressar pura e simplesmente ao regime do CPP em matria de senhorio do juiz sobre a acusao ou no acusao do MP, com a consequente violao frontal do princpio da acusao56. Diferente era, porm, a opinio de Figueiredo Dias, segundo a qual o Dec-Lei n 185/72, no teve em vista abalar o princpio da acusao, antes sim refor-lo, na medida em que a opinio do juiz em matria de acusao, no ser nunca vinculante para o MP57. Pela prpria natureza das coisas, acrescenta o Mestre de Coimbra, nem poderia ser de outro modo. Se na verdade, o juiz no preside hoje fase de instruo preparatria [correspondente ao actual inqurito] como pode ele entender que se provam factos diversos dos apontados pelo MP na acusao? No certamente atravs do texto da prpria acusao, uma vez que a disposio legal em questo fala de factos diversos dos apontados e no de factos diversos dos acusados. O controlo s seria possvel trazendo o juiz para o processo o seu conhecimento privado (o que est excludo no nosso direito, como na generalidade dos ordenamentos processuais)58. No domnio do Dec-Lei n 35007, de 13-10-1945, nos casos em que o Ministrio Pblico deixasse de formular acusao, os autos eram conclusos ao juiz, na falta de reclamao hierrquica daqueles despachos, e, se este entender que esto verificadas as condies suficientes para a acusao, far constar de despacho asCf. Maia Gonalves, Cdigo de Processo Penal Anotado e Comentado, 2 ed., 1978, anotao ao citado artigo 346 do C. P. Penal de 1929; A. Castanheira Neves, Sumrios de Processo Criminal, citado, p. 155. 56 Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1 Vol, Coimbra Editora, 1981, p. 140. 57 Ob. citada na nota anterior, p. 142. 58 Ob. citada na nota anteior, p. 141 e nota 59, onde refere que o mesmo vale para o juiz de instruo, uma vez que tambm a este no cabem, nem devem caber, funes de investigao na fase da instruo preparatria.55

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suas razes, subindo os autos oficiosamente ao Procurador da Repblica, que decidir, nos termos da parte final do nmero anterior[se deve ou no ser feita a acusao] artigo 28. Este artigo 28 do Dec-Lei n 35007 veio a ser revogado pelo Dec-Lei n 201/76, de 19-03, sendo esta a primeira manifestao inequvoca da autonomia do Ministrio Pblico face magistratura judicial e abolindo-se, assim, a fiscalizao judicial, a qual constitua uma violao flagrante do acusatrio puro e correspondia a uma concepo que se ultrapassava de um Ministrio Pblico subalterno, em relao quela magistratura59. No perodo conturbado, que ento se viveu, h a assinalar o Dec-Lei n 321/76, de 4-05, cujos artigos 1 e 2,vieram a ser revogados pelos Dec-Lei n 618/76, de 2707, em virtude de os mesmos enfermarem de inconstitucionalidade, ao determinarem que a deciso do destino dos autos era proferida pelo JIC, sobre promoo do Ministrio Pblico60. O Dec-Lei n 618/76, de 27-07, foi tambm considerado inconstitucional, por prever a competncia instrutria do Ministrio Pblico sob controlo judicial, acabando as controvrsias ento surgidas por ser sanadas pelo Dec-Lei n 377/77, de 6-09, o qual veio aditar o conhecido artigo 6-A ao Dec-Lei n 605/75, de 3-11. Ficou, assim, bem claro, que o despacho final, quer no inqurito preliminar, quer no fim da instruo preparatria competia ao Ministrio Pblico. Conforme salienta Rodrigues Maximiano, afirmou-se assim expressamente quanto resultava do sistema jurdico-constitucional: a deciso dos autos competia ao Ministrio Pblico. A tutela judicial do Ministrio Pblico pertinente ao processo inquisitrio, violando o princpio do acusatrio e correspondendo a um retrocesso ao acusatrio formal. A deciso sobre o exerccio ou no exerccio da aco penal s pode competir ao titular da aco penal sob pena de violao da estrutura acusatria do processo penal61. 5.3. Regime vigente no mbito do C. P. Penal de 1987

Cf. Rodrigues Maximiano, A Constituio e o Processo Penal Competncia e Estatuto do Ministrio Pblico, do Juiz de Instruo e do Juiz Julgador a Deciso sobre o destino dos autos e os artigos 346 e 351 do C. P. Penal, RMP, ano 2, Vol. 6, p. 97. 60 Cf. Rodrigues Maximinano, trabalho citado na nota anterior, p. 104. 61 Cf. Rodrigues Maximiano, trabalho citado na nota anterior, p. 106, e Rui Pinheiro e Artur Maurcio, A Constituio e o Processo Penal, citado, p. 76-77, 121, 124, e 128.

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Tal como dispunha no ponto 33 da Proposta de Lei n 21/IV (autorizao legislativa ao Governo para legislar em matria de processo penal), no futuro Cdigo a abertura da instruo fica restrita a duas eventualidades o requerimento do arguido para infirmar a acusao pblica ou privada contra si deduzida ou do assistente para que se efectue o controle judicial da omisso acusatria62. Como acima se referiu (4.2.), a instruo foi, assim, concebida, desde a verso originria do C. P. Penal de 1987, como uma fase facultativa de controlo jurisdicional da deciso do Ministrio Pblico de acusar ou arquivar, tomada no termo do processo63. Ou seja, a instruo fundamentalmente a sindicncia do Ministrio Pblico por iniciativa de quem ficou agastado com a posio tomada pelo Ministrio Pblico, no final do inqurito64. A instruo pode ser requerida pelo arguido, relativamente aos factos pelos quais o Ministrio Pblico ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusao particular, tiverem deduzido acusao; ou pelo assistente, se o procedimento no depender de acusao particular, relativamente aos factos pelos quais o Ministrio Pblico no tiver deduzido acusao. Para alm do controlo judicial, a deciso de arquivamento do inqurito est tambm sujeita a controlo hierrquico, nos termos j referidos em 5.1 artigo 278 do C. P. Penal. A Reviso de 2007 aditou um n 2 ao artigo 278 do C. P. Penal, nos termos do qual quaisquer pessoas, que nisso mostrem interesse legtimo, podem, se optarem por no requerer a abertura da instruo, suscitar a interveno hierrquica. De realar, quanto faculdade de constituio como assistente, as relevantes alteraes introduzidas pela Reforma de 1998 e complementadas pela de 2007, podendo, actualmente, qualquer pessoa constituir-se assistente nos crimes contra a paz e humanidade, bem como nos crimes de trfico de influncias, favorecimento pessoal praticado por funcionrio, denegao de justia, prevaricao, corrupo, peculato, participao econmica em negcio, abuso de poder e de fraude na obteno ou desvio de subsdio al. e) do n 1 do artigo 68 do C. P. Penal.

Cf. DAR, II, Suplemento ao n 49, 4-04-1986, p. 1808(12) Cf. Nuno Brando, A nova face da instruo, RPCC 18 (2008), p. 228, bem como os autores para que o mesmo a remete (nota 1) 64 Cf. Souto de Moura, Inqurito e Instruo, citado, p. 12063

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O modelo de controlo institudo tutela, pois, a garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva artigo 20 n 1 da Constituio, podendo o ofendido, constitudo assistente, ver assim tutelado o seu interesse na submisso a julgamento e condenao de quem cometeu um crime que visa a proteco de um bem jurdico de que concreto portador. Por outra via, estando em causa interesses supra-individuais, em relao aos quais ningum poder considerar-se especialmente ofendido, a instruo, associada constituio de assistente em aco popular (art 68 n 1, e) do C. P. Penal), d satisfao s crescentes e legtimas exigncias comunitrias de transparncia no exerccio da aco penal e de um efectivo controlo da deciso de absteno de acusao pelo Ministrio Pblico65. Apesar disso, tem surgido, por vezes, um certo clamor contra a falta de objectividade e imparcialidade do Ministrio Pblico na promoo e conduo de certos processos66. Por outro lado, numa perspectiva totalmente diferente, e mesmo claramente antagnica, surgiram algumas vozes que advogam uma profunda alterao da estrutura processual penal vigente, mais concretamente que o controlo do arquivamento do inqurito seja da competncia do juiz de instruo e no do Ministrio Pblico67. Antes de nos debruarmos sobre aqueles alertas e estas crticas, importar fazer algumas referncias de direito comparado e, em especial, a nvel europeu, quanto titularidade da aco penal, s competncias do Ministrio Pblico e do Juiz de Instruo. 6. A evoluo dos sistemas processuais penais, em especial a nvel europeu, quanto titularidade da aco penal e s competncias do Ministrio Pblico e do Juiz de Instruo A questo do controlo judicial oficioso dos despachos de arquivamento

Cf. Nuno Brando, A nova face da instruo, citado, p. 230, e Figueiredo Dias, Autonomia do Ministrio Pblico e seu dever de prestar contas comunidade: um equilbrio difcil, RPCC 17 (2007), p. 191-206. 66 Cf. Figueiredo Dias, Autonomia do Ministrio Pblico e seu dever de prestar contas comunidade: um equilbrio difcil, citado, p. 201-202n 67 Cf. a interveno do Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justia, na abertura do ano judicial, em 27-01-2009.

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1. Como se deixou j referido no ponto 4.2, a tendncia actual, por toda a Europa, no sentido de a maior parte dos pases privilegiarem a soluo de uma fase de investigao dirigida pelo Ministrio Pblico, com possibilidade de controlo de um juiz o juiz de instruo, colocado na posio de rbitro, sendo as funes desse juiz das liberdades no as de investigar ou dirigir a investigao, mas a de garantir o controlo da legalidade das investigaes efectuadas por outros actores do processo, quando elas afectem a liberdade das pessoas.68 Na sntese feliz de Anabela Rodrigues, simplificao e imparcialidade do juiz so dois lugares comuns das tendncias de reforma dos processos penais na Europa, havendo que ter presente que uma justia penal demasiado ritualizada pode significar um pesado tributo a pagar pela proteco dos direitos fundamentais, traduzindo-se paradoxalmente na sua desproteco e que o estatuto de imparcialidade do juiz obriga repartio de competncias entre o juiz e o ministrio pblico e no entre o juiz de julgamento e o juiz de instruo69. Essa mesma tendncia sublinhada no documento de trabalho do Senado Francs, de Maro de 2009 Les documents de travail du Snat Srie Lgislation Compare Linstruction des Affaires Pnales n LC 195 - onde se conclui, aps a anlise comparada efectuada, que a entrega da responsabilidade pela investigao criminal ao Ministrio Pblico hoje um fenmeno geral, a nvel europeu, ressalvando-se a apenas o caso de Espanha70. 2. Significativa a evoluo havida em Frana, a ptria do juiz de instruo. Nos finais da dcada de oitenta, a Comisso Justice Pnal et Droits de lHomme, presidida por Delmas-Marthy, apresentou propostas de mudanas radicais no processo penal, as quais previam a eliminao do juiz de instruo, passando a instruo a ficar a cargo do Ministrio Pblico71. O Presidente Nicolas Sarkozy, prosseguindo na mesma linha, anunciou a inteno de suprimir o juiz de instruo, em 7-01-2009, tendo o Comit presidido pelo magistrado Philippe Lger Comit Lger apresentado, recentemente, umaCf., supra, Anabela Miranda Rodrigues, Loureno Martins e Mouraz Lopes, nota 46. Cf. A fase preparatria do processo penal tendncias na Europa. O caso portugus, citado, p. 941, 942 e 944. 70 Cf. http://www.senat.fr/lc/lc195/lc195.pdf 71 Cf. Anabela Rodrigues, trabalho citado na nota 69, p. 944, e Mireille Delmas-Marthy, Garantir lindependence du parquet, 7-01-2009, artigo disponvel em http://www.lemonde.fr/cgibin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=106493469 68

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proposta formal nesse sentido, a qual prev, designadamente: (i) transformar o juiz de instruo em juiz das liberdades [juge des liberts], investido apenas de funes jurisdicionais na fase do inqurito; (ii) confiar a direco do inqurito ao procurador da Repblica; (iii) reforar o carcter secreto do inqurito72. Essa extino do juiz de instruo em Frana continua a ser objecto de aceso debate, realando-se sobretudo o facto de a proposta de reforma em questo no prever a autonomia do Ministrio Pblico, em relao ao executivo, conforme se mostra essencial para que lhe seja confiada a direco do inqurito73. A prpria Transparence Internacional France, seco francesa da Transparency International (TI), no seu 1er. Rapport dtape sur la mise en uvre ds engagements de Nicolas Sarcozy en matire de lutte contre la corruption, toma posio sobre o projecto de extino do juiz de instruo, manifestando a sua perplexidade pelo facto de tal extino no ser acompanhada do reforo da autonomia do ministrio pblico, em relao ao executivo, indispensvel para a abertura e conduo dos inquritos. Em tais condies, acrescenta-se, h fortes riscos de que a aco da justia possa no ser iniciada em casos de corrupo, de trfico de influncias ou de abuso de bens sociais, susceptveis de atingir dirigentes polticos ou econmicos74. A supresso do juiz de instruo na Blgica o nico dos trs pases da Europa em que o juiz de instruo ainda dirige a investigao75 - est tambm em discusso, em termos idnticos aos que tm lugar em Frana, alastrando assim o exemplo da Alemanha que abandonou o juiz de instruo em 197576. Na Sua, o novo Cdigo de Processo Penal, aprovado em Outubro de 2007, prev um modelo nico de investigao criminal, na qual o juiz de instruo desaparece, ficando as suas funes a cargo do Ministrio Pblico cf. Le juge dinstruction dans 7 pays dEurope77.72

Cf. Les propositions du comit Lger, LExpress, 6-03-2009: http://www.lexpress.fr/actualite/societe/justice/les-propositions-du-comite-leger_745135.html 73 Cf., p. ex. Nouvel Observateur, 24-03-2004: http://tempsreel.nouvelobs.com/speciales/libertes_sous_pression/20090322.OBS9985/le_monde_judiciair e_appelle_a_lindependance.html 74 Tal relatrio encontra-se disponvel em: http://www.transparencefrance.org/e_upload/pdf/rapport_detape_engagements_anticorruption_nicolas_sarkozy_120509.pdf 75 Cf. Anabela Miranda Rodrigues, As relaes entre o Ministrio Pblico e o Juiz de Instruo Criminal ou a matriz de um processo penal europeu, citado, p. 718. 76 Cf: http://www.lalibre.be/index.php?view=article&art_id=268106 77 Cf. Le Monde, 16-03-2009: http://moreas.blog.lemonde.fr/2009/03/16/le-juge-dinstruction-dans-7pays-deurope/ 23

Assaz significativa a referncia a feita ao facto de o novo Cdigo de Processo Penal Suo, aprovado em 2007, ter a sua entrada em vigor para 2011, o que bom motivo de reflexo, quanto aos especiais cuidados de que se devem rodear reformas desta natureza e, designadamente, a sua entrada em vigor. Nesse mesmo artigo, d-se conta da tendncia, que hoje se verifica por toda a Europa, de confiar a direco da investigao criminal ao Ministrio Pblico, suprimindo o juiz de instruo. Idntico movimento se verifica em Espanha, onde o Procurador Geral CondePumpido vem reclamando uma reforma definitiva da Lei Enjuiciamento Criminal (LECrim), para adaptar-la a la democracia. Segundo a proposta apresentada, a instruo dever deixar de ficar a cargo do Ministrio Pblico / Ministrio Fiscal, que substituir o juiz de instruo, nessas funes.78 As tendncias que actualmente prevalecem por toda a Europa, acabam tambm de ser consagradas no Anteprojecto do Cdigo de Processo Penal do Brasil, de 2009, o que deveras sintomtico, atento o cuidado com que as autoridades brasileiras seguem as diferentes experincias de direito comparado, em especial as mais modernas e avanadas, por forma a consagrarem as melhores solues79. A propsito desse cuidado, veja-se o levantamento dos melhores modelos de formao de magistrados, a nvel mundial, levado a cabo por magistrados brasileiros com o objectivo de aplicarem internamente quanto se lhes afigurasse mais ajustado cf. O Juiz Seleco e Formao de Magistrados no Mundo Contemporneo80. O referido Anteprojecto do C. P. Penal do Brasil, de 2009, traz significativas alteraes tramitao do inqurito policial. A direco do inqurito atribuda ao Ministrio Pblico, titular da aco penal, sendo o juiz das garantias responsvel pelo exerccio das funes jurisdicionais alusivas tutela imediata e directa das inviolabilidades pessoais, na fase da investigao81.78

Segundo Conde-Pumpido, es necessrio superar el modelo actual de juez de instruccin para adaptarlo a la ConstiucinLa meta est en el articulo 117 de la Constitucin y es que tengamos de verdad un juez que juzgue y que haja ejecutar lo juzgado cf.: http://www.elpais.com/articulo/espana/Pumpido/reclama/cambio/legal/instruccion/pase/juez/fiscal/elpepi esp/20080930elpepinac_1/Tes?print=1 79 Cf. http://www.apmp.com.br/juridico/santin/artigos/av2_legmp.htm 80 Slvio de Figueiredo Teixeira, Ed. DelRey, Belo Horizonte, 1999. 81 Cf. http://www.novacriminologia.com.br/noticias/banco_de_imagens/anteprojetodonovocpp.pdf

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Como se assinala no ponto III da respectiva Exposio de Motivos: A investigao no serve e no se dirige ao judicirio; ao contrrio destina-se a fornecer elementos de convencimento, positivo ou negativo, ao rgo da acusao. No h razo alguma para o controlo judicial da investigao, a no ser quando houver risco s liberdades pblicas, como ocorre na hiptese de ru preso, intervindo, nessas hipteses, o juiz das garantias82 (Sublinhei). E, como logo a seguir se acrescenta: Do mesmo modo, retirou-se, e nem poderia ser diferente, o controle judicial do arquivamento do inqurito policial ou das peas de informao. No particular, merece ser registrado que a modificao reconduz o juiz sua independnciaO controle do arquivamento passa a se realizar no mbito exclusivo do Ministrio Pblico, atribuindo-se vtima legitimidade para o questionamento acerca da correo do arquivamento83 (Sublinhei). Essa ausncia de controlo judicial oficioso dos despachos de arquivamento do Ministrio Pblico bem se compreende, pois o mesmo violaria claramente a estrutura acusatria do processo penal, o princpio da acusao e a autonomia entre o juiz e o Ministrio Pblico. Como refere Anabela Rodrigues, nesta estrutura acusatria, integrada por um princpio de investigao na terminologia da doutrina portuguesa que se rev um processo penal harmonizado escala europeia, sendo luz do princpio da acusao, marcante na tramitao processual, que emerge a interaco entre os diferentes actores do processo. A trindade ministrio pblico, juiz, rgos de polcia criminal reparte entre os seus membros a responsabilidade da investigao e da deciso sobre o caso, com competncias delineadas com rigor. O percurso foi difcil, atravessado por controvrsias e no raros equvocos estigmatizantes que s com dificuldade se libertaram do apodo igualmente inibidor de conservadoras ou progressistas84. A ausncia de controlo judicial oficioso das decises finais proferidas pelo Ministrio Pblico, no mbito da investigao criminal a seu cargo, comum em todos os pases analisados e, designadamente, no mbito da Unio Europeia. O nico exemplo invocado por quem defende esse controlo o da Itlia.Id., ib. Id., ib. 84 Cf. A fase preparatria do processo penal tendncias na Europa. O caso portugus, citado, p. 942943.83 82

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O caso italiano , porm, uma caso isolado, que no serve de paradigma, atentas as suas especificidades. Efectivamente, o sistema inquisitrio, a vigente, foi profundamente alterado pelo Cdigo de Processo Penal, que entrou em vigor em 24-10-1989, claramente inspirado pelo modelo acusatrio dos Estados Unidos da Amrica, o qual atribuiu ao Ministrio Pblico que tem na sua directa dependncia a polcia judiciria - o exerccio de todas as funes investigatrias, tendo juiz de instruo sido substitudo pelo juiz de investigaes preliminares (Giudice delle Indagini Preliminari GIP)85. Na sequncia das decises do Tribunal Constitucional de 1992, o modelo acusatrio veio a ser substitudo por um sistema misto, o qual objecto de srias crticas, por ter perdido a sua estrutura e coerncia original - cf. Heuni The European Institute for Crime Prevention and Control, affiliated with the United Nations - Criminal Justices in Europe and North Amrica - Italy86. Como Figueiredo Dias alertava, a propsito do Progetto italiano de 1978, o modelo em que se torne possvel ao juiz ordenar ao ministrio pblico que acuse, ou envie a julgamento uma causa no sustentada por uma acusao ou equivalente (do ministrio pblico ou do assistente), nessa precisa medida fica irremediavelmente comprometida a imparcialidade da deciso judicial que posteriormente venha a ser tomada87. Essa mesma concluso extrada, entre ns, pelo Acrdo do Tribunal Constitucional n 581/00, nos termos j acima realados cf. 4.2. Para alm da perda de neutralidade e imparcialidade do juiz, o modelo de controlo oficioso acarreta, por outro lado, um claro desperdcio de meios, em contraponto com a simplificao das fases preliminares ao julgamento, a desburocratizao, a desformalizao, a diversificao de medidas, a eficcia e a praticabilidade, indispensveis para dar a adequada resposta aos problemas complexos, com que hoje nos confrontamos, em especial em matria de criminalidade organizada

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Cf. http://www.heuni.fi/uploads/jrrqu.doc e http://www.senat.fr/lc/lc195/lc195.pdf Cf. http://www.heuni.fi/uploads/jrrqu.doc 87 Cf. Sobre os sujeitos processuais no novo Cdigo de Processo Penal, citado, p. 17, e Joo Conde Correia, Concordncia Judicial Suspenso do Provisria do Processo, RMP, 117, Jan-Mar.2009, p. 83. 26

transnacional, por um lado, e de crescimento exponencial da pequena e mdia criminalidade, por outro lado88. 3. Seria descabido estar a desenvolver aqui a questo da fora dos despachos de arquivamento, proferidos pelo Ministrio Pblico. No deixar, porm, de se aludir, pela sua particular relevncia, ao teor do Acrdo do Tribunal de Justia das Comunidades, de 11-02-2003, proferido nos casos Hseyin Gztok e Klaus Brgge (affaires jointes C-187/01 et C-385-01), o qual se debruou sobre a aplicabilidade do princpio ne bis in idem aos despachos de arquivamento do processo pelo Ministrio Pblico, sem interveno de um tribunal89. De acordo com a deciso do Tribunal, o princpio ne bis in idem, estabelecido no artigo 54 da Conveno de implementao do Acordo de Schengen, aplicvel no s a decises jurisdicionais, mas tambm aos casos em que o Ministrio Pblico decide arquivar o processo, sem a interveno de um tribunal. Essa interpretao do direito da Unio no poder deixar de ser levada na devida conta pelos Estados Membros, sendo essa deciso, tal como outras citadas por Cunha Rodrigues, bem significativa do sentido das reformas e das repercusses da jurisprudncia comunitria no direito e no processo penal90. 7. A interveno judicial na comprovao das decises de arquivamento do inqurito. Balano crtico. 1. Como por demais bvio, a autonomia do Ministrio Pblico, constitucionalmente consagrada, no poder conduzir a que, na linguagem de Figueiredo Dias, o seu poder autnomo se torne torne num poder autrcico anticonstitucional91 cf., supra, 4.1.

Cf. Cunha Rodrigues, Que futuro para o processo penal na Europa?, citado, p. 161, Costa Andrade, Bruscamente no Vero Passado a Reforma do Cdigo de Processo Penal, RLJ, 3948, p. 136, e Figueiredo Dias, O processo penal portugus: problemas e prospectivas, citado, p. 806. 89 Disponvel em: http://curia.europa.eu/jurisp/cgibin/form.pl?lang=fr&Submit=Rechercher&alldocs=alldocs&docj=docj&docop=docop&docor=docor&do cjo=docjo&numaff=C-187/01&datefs=&datefe=&nomusuel=&domaine=&mots=&resmax=100 90 Cf. Cunha Rodrigues, Que futuro para o processo penal na Europa?, citado, p. 157-158, e Figueiredo Dias, O processo penal portugus: problemas e prospectivas, citado, p. 819. 91 Cf. Autonomia do Ministrio Pblico e seu dever de prestar contas comunidade, RPCC, 17 (2007), p. 196.

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A actuao do Ministrio Pblico, em especial no que concerne deciso de acusar ou no acusar, no poder deixar de estar isenta de controlo ou verificao por outro rgo ou entidade no comprometida com a acusao. E esse controlo existe, entre ns, sendo mesmo difcil encontrar, como acima se sublinhou j, um sistema em que o Ministrio Pblico se encontre, directa ou indirectamente, to sujeito a controlo na direco e aco cf., supra, 5.1. e nota 53. Relativamente ao controlo judicial da deciso do Ministrio Pblico de acusar ou de arquivar, aps encerramento do inqurito, o mesmo tem lugar atravs do pedido de abertura de instruo, feito pelo arguido ou pelo assistente, nos termos do artigo 286 e 287 do C. P. Penal. Para alm desse controlo judicial, a deciso de arquivamento est tambm sujeita a controlo hierrquico artigo 278 e 279 do C. P. Penal. Esse modelo de controlo judicial e hierrquico, um dos mais avanados a nvel da Europa, mostra-se adequado e suficiente, tutelando adequadamente o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20 n 1 do C. P. Penal. Como acima se deixou referido ponto 5.3. estando em causa interesses supraindividuais, em relao aos quais ningum poder considerar-se especialmente ofendido, a instruo, associada constituio de assistente em aco popular (art 68 n 1, e) do C. P. Penal) d satisfao s crescentes e legtimas exigncias comunitrias de transparncia no exerccio da aco penal e de um efectivo controlo da deciso de absteno de acusao pelo Ministrio Pblico92. Por outro lado, haver que ter presente que a hierarquia do Ministrio Pblico uma garantia constitucional dos cidados e reflecte um direito fundamental, o direito reclamao hierrquica, o qual parte integrante do direito ao recurso e do direito de participao no processo penal (artigos 20 ns 1 e 5 e 32 ns 1 e 7 da Constituio), como resulta do Acrdo do Tribunal Constitucional n 397/200493. A evoluo que tem havido entre ns justamente no sentido do reforo do controlo hierrquico, como resulta bem claro das sucessivas redaces do artigo 278 do C. P. Penal (cf. a redaco original e as alteraes introduzidas pela Lei n 59/98, de 25-08 e pela Lei n 48/2007, de 29-08.92 93

Cf., Nuno Brando, A nova face da instruo, citado, p. 230. Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentrio do Cdigo de Processo Penal, citado, anotao ao artigo 48.

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2. Apesar de termos um dos sistemas mais avanados de controlo das decises do Ministrio Pblico, h quem advogue que o controlo do arquivamento do inqurito passe a ser do juiz de instruo e no do Ministrio Pblico cf., supra, 5.3., parte final. Segundo tudo indica, tal tese s poder ter em vista, no modelo actual, o controlo oficioso, pelo juiz de instruo, dos despachos de arquivamento, nos casos em que quem tenha ficado agastado com a posio tomada pelo Ministrio Pblico no haja requerido a abertura da instruo. E, atendendo forma genrica usada, a mesma reportar-se- a todos os despachos de arquivamento, em que no haja sido requerida a abertura da instruo por quem para tanto tem legitimidade, e no apenas aos casos em que no h vtimas, excludos naturalmente aqueles em que poder ser exercida a denominada aco popular (artigo 68 n 1, e) do C. P. Penal). Tal entendimento, qualquer que seja o seu mbito, viola frontalmente a estrutura acusatria do nosso processo penal e a autonomia do Ministrio Pblico, constitucionalmente consagradas, correspondendo a uma autntica revoluo e a um grave retrocesso no nosso sistema processual penal. Em termos prticos, voltar-se-ia a um regime idntico ao do Dec-Lei n 35007, de 13-10-1945, se no mesmo verso original do C. P. Penal de 1929. Partindo do sofisma de que se o exerccio da aco penal judicialmente controlado, nada justifica que o seu no exerccio o no seja tambm, oficiosamente, pelo juiz, desmontado por Rodrigues Maximiano h quase 30 anos, a proposta do controlo oficioso apresenta-se, porm, sob a capa de uma pequena alterao do sistema vigente. S que essa, aparentemente, pequena alterao, ou essa alterao avulsa, acarretaria uma modificao de traves essenciais do edifcio processual penal constitucionalmente consagrado. Numa primeira abordagem, estaramos, pois, perante uma reforma encapotada ou, na linguagem elegante de Antnio Henriques Gaspar, perante uma ruptura silenciosa do nosso sistema processual penal, como as que aconteceram aquando da reviso de 2007, e das quais se sublinham, a ttulo exemplificativo: (I) A desfigurao do inqurito, ao substituir o princpio do segredo pelo da publicidade; (II) a introduo de elementos do contraditrio na instruo; (III) a 29

alterao dos poderes do juz de instruo e (IV) em matria da competncia e do estatuto do Ministrio Pblico, enquanto magistratura autnoma94. Aps uma anlise mais aprofundada, e ponderada sobretudo a flagrante violao de princpios constitucionais essenciais, em matria de processo penal, a concluso que se extrai que a proposta em causa no haver de ser qualificada como uma (mais uma) tentativa de ruptura silenciosa, mas antes como uma proposta de modificaes que mais parecem usando a linguagem mais viva e irreverente de D Mesquita, a propsito da grave alterao do paradigma processual que est subjacente Lei n 21/2000, de 10-08 (LOIC), entretanto substituda pela Lei n 49/2008, de 27-08 um gato escondido com rabo de fora95. Isto porque, com todo o respeito, a proposta do controlo judicirio oficioso do arquivamento do inqurito o que visar verdadeiramente, a pretexto de uma maior garantia dos cidados perante uma investigao, conferir mais poder e alargar o mbito de interveno do juiz de instruo, recuperando assim do falhano a que conduziu o sistema anterior, no qual o juiz fazia a instruo ou a controlava muito de perto96. No fundo, o que se pretende instaurar uma estrutura orgnica, alargada e permanente de juzes de instruo em todas as circunscries, com poderes de controlo sobre o Ministrio Pblico. Numa outra perspectiva, tal poder tambm ser visto como uma reaco contra o protagonismo que o Ministrio Pblico teve, a partir de meados da dcada de 80, do sculo passado, e que levou a que, no dizer de Boaventura Sousa Santos, a magistratura judicial cobrasse a sua falta de protagonismo ou se assistisse mesmo a um ressentimento organizado da magistratura judicial em relao ao MP97.

Cf. Antnio Henriques Gaspar, Processo Penal: Reforma ou Reviso; As Rupturas Silenciosas e os Fundamentos (Aparentes) da Descontinuidade, RPCC 18 (2008), p. 349 e 359, Figueiredo Dias, Sobre a Reviso do Cdigo de Processo Penal Portugus, RPCC, 18 (2008), p. 370-377; Manuel Simas Santos, Segredo de Justia e Modelo de Processo Penal, Separata de A Reforma do Sistema Penal de 2007, Coimbra Editora, 2008, p. 27, Manuel da Costa Andrade, Bruscamente no Vero Passado, citado, RLJ, n 3948, p. 224, 228, 233, 235-236, Paulo Pinto de Albuquerque, Os princpios estruturantes do processo penal portugus que futuro?, citado, p. 420-422, e Acs. do TC ns 428/08 e 110/09 (voto de vencido). 95 Cf. Notas sobre inqurito penal, polcias e Estado de direito democrtico (suscitadas por uma proposta de lei dita de organizao da investigao criminal), RMP, Ano 21, n 82 (2000), p. 144 (17). 96 Cf. Loureno Martins, Poder judicial e magistratura de investigao, BFDC, vol. LXXV, 1999, p. 389 e Lus Noronha Nascimento, Poder Poltico e Leis do Processo, ASJP, V Congresso, p. 215 97 Cf. Que formao para os magistrados nos dias de hoje, RMP, 82 (2000), p. 29

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3. Seja qual for o real objectivo da modificao pretendida, vejamos, em breve sntese, alguns dos seus efeitos perversos. A violao da estrutura acusatria do processo penal, consagrado no artigo 32 n 5 da Constituio patente. Como lembra Antnio Henriques Gaspar, no processo penal portugus o juiz de instruo est funcionalmente vinculado proteco dos direitos fundamentais e de garante das concordncias prticas no processo entre valores fundamentais conflituantes. verdadeiramente, um juiz das liberdadesNa coerncia do modelo processual portugus, o juiz de instruo no deveria nunca ser activa ou negativamente comprometido com o xito, eficcia ou os resultados da investigao98. E tal como Figueiredo Dias vem ensinando, h largos anos, com a profundidade e o mrito que lhe so reconhecidos, a nvel interno e internacional: Quem possa libertar-se de preconceitos ideolgicos e de privilgios corporativos aqui despropositados, bem como de prejuzos que s deixam ver os problemas por metade, aceitar que soluo diversa da proposta [estruturao das fases preliminares do Cdigo de Processo de 1987] acabaria sempre, ou por colocar o juiz de instruo na dependncia da deciso do ministrio pblico, ou, inversamente, por fazer deste uma simples ordenana qualificada nas mos do juiz de instruo ainda quando o ministrio pblico pudesse conservar o qualificativo, pomposo mas nessa altura irremediavelmente esvaziado, de guardio da legalidade democrtica99. Como da essncia da estrutura acusatria, a partilha das funes processuais faz-se entre magistraturas distintas100, sendo o juiz uma entidade supra partes, que conhece das razes de quem acusa e de quem defende e depois decide como um rbitro, sob pena de, no caso de ultrapassar essas funes, pr em causa a matriz da sua imparcialidade101. Patente tambm a violao do princpio da acusao, nos termos do qual o Ministrio Pblico no se encontra vinculado s ordens do juiz de instruo ou do juiz do julgamento quanto deduo da acusao ou delimitao do objecto doCf. Processo Penal: Reforma ou Reviso; As Rupturas Silenciosas, citado, p. 352. Cf. BMJ, 369, (1987), p. 17 100 Cf. Figueiredo Dias, Os princpios estruturantes do processo e a reviso de 1998 do Cdigo de Processo Penal, citado, p. 211. 101 Cf. Joo Conde Correia, Concordncia judicial suspenso provisria do processo: equvocos que persistem, citado, p. 63.99 98

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processo cf., supra, 5.2., onde se sintetiza a evoluo havida, entre ns, e se deixa bem claro que a tutela judicial do Ministrio Pblico prpria do processo inquisitrio. Ao juiz de instruo compete autorizar actos que se prendam com os direitos, liberdades e garantias do cidado, no podendo, por exemplo, como foi explicitado na reviso de 2007, aplicar medidas de coaco ou de garantia patrimonial mais graves do que a proposta pelo Ministrio Pblico cf. artigo 194 n 2 do C. P. Penal. Em causa estaria, por outro lado, a sublinhada participao constitutiva dos sujeitos processuais na declarao do direito do caso, essencial, para alm do princpio da acusao, a um processo de tipo acusatrio cf., supra, 3.2.2. A modificao em causa afrontaria, por outro lado, a autonomia do Ministrio Pblico e a titularidade da aco penal, que constitucionalmente lhe est cometida artigos 219 n 1 e 2 da Constituio da Repblica. Efectivamente, se o juiz de instruo fosse conferido poder para revogar, por sua iniciativa, o despacho de arquivamento proferido pelo Ministrio Pblico e ordenar a deduo da acusao ou a realizao de diligncias complementares, a consequncia seria que juiz passaria a ser o dominus do inqurito e o verdadeiro titular da aco penal. Evoluir-se-ia, assim, da situao a que aludia Rui Pereira, segundo a qual alguns juzes de instruo no perceberam a natureza acusatria do processo e a sua funo de garantes dos direitos individuais, convertendo-se, pelo menos, com frequncia num parceiro do Ministrio Pblico102, para uma outra em que os juzes de instruo se tornariam nos donos da deciso do inqurito, tutelando toda a actividade de investigao do Ministrio Pblico. Quanto autonomia do Ministrio Pblico, tal tipo de controlo de todo incompatvel com a mesma. Como se referiu, o estatuto de autonomia do Ministrio Pblico, que se caracteriza pela sua vinculao a critrios de legalidade e objectividade estrita, implica que a sua actividade processual no possa estar submetida e limitada pelo poder judicial, no podendo o Ministrio Pblico estar vinculado a ordens concretas dadas por

Citado por Joo Conde Correia, Concordncia judicial suspenso provisria do processo, citado, p. 45 (4).

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outro rgo, nomeadamente pelo juiz de instruo, pelo juiz do julgamento ou pelo Ministro da Justia103. Ora, se o juiz de instruo passasse a sindicar directamente o modo como o Ministrio Pblico desenvolveu a actividade de investigao, tal acarretaria a patente violao do estatuto de autonomia que a Constituio reserva para o Ministrio Pblico104. Como se refere, de forma certeira, no Acrdo do Tribunal da Relao do Porto, de 18-03-2009, Processo 1856/08.4PBMTS, obviamente que ao juiz no incumbe controlar o exerccio da aco penal (quer por no ser superior hierrquico do MP, quer por a sua aco no ser a de juiz/investigador)105. Sendo independente e autnoma a actuao de cada uma das magistraturas, nas sucessivas fases do processo, no pode o juiz arrogar-se poderes que no tem, como se ainda vigorasse o sistema inquisitrio106. Tal alterao poria tambm em causa o estatuto de igualdade e paralelismo do Ministrio Pblico, em relao magistratura judicial, bem como a imparcialidade do juiz de instruo, cujas funes, de acordo com a tendncia que hoje vigora por toda a Europa, no so as de investigar ou dirigir a investigao, mas a de garantir a legalidade das investigaes efectuadas por outros actores do processo, quando elas afectem a liberdade das pessoas cf., supra, 4.2., e nota 46. Em lugar do juiz imparcial, passaramos a ter o Juiz Hrcules de que fala Jrgen Habermas: o juiz omnipotente, que carrega aos ombros a pesada tarefa de controlar, oficiosamente e sem apoio legal, o exerccio da aco penal pelo Ministrio Pblico107. Por ltimo, e sem querer ser exaustivo, romper-se-iam assim os equilbrios essenciais ao processo equitativo (fair trial)108.

Cf. Maia Gonalves, Cdigo de Processo Penal, anotao ao artigo 48 e Acrdo do STJ, de 30-111998, a citado. 104 Cf. Nuno Brando, A nova fase de instruo, citado, p. 228-229, e Costa Andrade, Bruscamente no Vero Passado, citado, RLJ, n 3949, p. 235-236. 105 Cf. Paulo D Mesquita, Direco do inqurito e garantia judiciria, Coimbra Editora, 2003, p. 177 106 Cf. o citado acrdo do TRP, de 18-03-2009. 107 Cf. Joo Conde Correia, ob. citada, nota 101, p. 49. 108 Cf. Antnio Henriques Gaspar, Os novos desafios do processo penal no seclo XXI e os direitos fundamentais (um difcil equilbrio), RPCC, 15 (2005), p. 262.

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4. Como sabido, as mais importantes inovaes do Cdigo de Processo Penal de 1987 foram sujeitas a uma crtica cerrada do ponto de vista da sua constitucionalidade, tendo-se sempre acabado por concluir, ressalvados alguns aspectos, que no esto agora aqui em causa, pelo so fundamento das solues encontradas, tal como salienta Figueiredo Dias, a propsito do fundamental Acrdo n 7/87 do Tribunal Constitucional109. Essa mesma linha foi seguida na jurisprudncia constitucional posterior, citando-se, a titulo de exemplo, entre outros, os Acrdos 23/90, 581/00, 395/2004, 517/96 e 610/96 (matrias relacionadas com a direco do inqurito pelo Ministrio Pblico, a autonomia do MP e a garantia de acesso aos tribunais), os Acrdos ns 393/89, 116/2006, 67/2006, 397/2004 e 144/2006 (poderes a que alude o artigo 16 n 3 do C. P. Penal, reserva da funo jurisdicional, repartio de competncias entre o Ministrio Pblico e o JIC, as competncias do MP no mbito da suspenso provisria do processo) e o acima referido Acrdo n 445/97 (alterao substancial dos factos descritos na acusao). As inconstitucionalidades associadas introduo do controlo judicial oficioso das decises de arquivamento do Ministrio e a subverso da estrutura processual penal vigente so, pois, to patentes que no pode deixar de se estranhar que tal no seja levado em conta por quem advoga tal soluo. Para alm da sua flagrante inconstitucionalidade, tais modificaes traduzir-se-iam num grave desperdcio de meios, no fazendo qualquer sentido estar a montar uma pesadssima estrutura de juzes de instruo em todas as circunscries, para controlar as decises do Ministrio Pblico, que, como vimos, j so objecto de controlo efectivo, adequado e suficiente e mesmo com maior amplitude que em qualquer outro sistema de direito comparado cf., supra, p. 5.1. E esse grave desperdcio de meios aconteceria, sem que se conhea qualquer estudo que aponte, de forma objectiva, para a necessidade de uma reforma dessa natureza. Como por demais sabido, as reformas legislativas no podem basear-se em meras opinies, por mais ilustres que sejam os seus autores, impondo-se que quem tem legitimidade para as desencadear se baseie em avaliaes e dados seguros, que apontem para a sua necessidade.

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Cf. Figueiredo Dias, O Novo Cdigo de Processo Penal, BMJ, 369(1987), p. 21

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Para alm da sua desnecessidade e de nos colocar em contraciclo com as tendncias que hoje prevalecem, na Europa e por toda a parte voltaramos a um modelo isolado, que hoje j ningum defende, nem consagra, depois de termos estado na vanguarda e termos sido, tambm aqui, exemplo a seguir tal soluo iria ampliar a conflitualidade entre magistraturas e contribuir para o reforo das guerras corporativas, que to graves prejuzos tm produzido na imagem do sistema de justia. Para quem no tenha memria curta, so bem conhecidos os resultados que se viveram no perodo em que a direco da instruo preparatria [actual inqurito] foi confiada ao juiz. Como acima se assinalou, foi justamente o falhano do juiz, que fazia a instruo ou a controlava muito de perto, que levou a que o legislador optasse por converter o inqurito, realizado sob a titularidade e a direco do Ministrio Pblico, na fase normal de preparar a deciso de acusao ou no acusao e a que a instruo apenas tivesse lugar a requerimento do arguido ou do assistente, opes essas reputadas indispensveis para ultrapassar um dos maiores e mais graves estrangulamentos da nossa actual praxis processual penal110. Esses estrangulamentos e o aumento da conflitualidade seriam inevitveis, com retorno da tutela e do controlo oficioso do juiz de instruo criminal sobre as decises proferidas pelo Ministrio Pblico, no termo do inqurito. Em lugar de simplificao da estrutura processual, com regras claras e precisas quanto titularidade de cada uma das fases e as funes de cada um dos intervenientes processuais, como essencial a uma eficaz poltica judiciria e criminal111, teramos mais confuso, mais burocracia e mais conflitualidade entre as magistraturas e, inevitavelmente, um acrscimo de recursos e mais morosidade da administrao da justia. 5. Quanto acaba que ser dito, no significa que o nosso sistema no possa e no deva ser objecto de melhoramentos e aperfeioamentos.

Cf. Proposta de Lei n 21/IV, DAR, II, Supl. ao n 49, 4-04-86, ponto III.7. Cf. Mireille Delmas-Marthy, A Caminho de um Modelo Europeu de Processo Penal, RPCC 9 (1999), p. 231-232, e Anabela Miranda Rodrigues, O inqurito no novo Cdigo de Processo Penal, citado, p. 65.111

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Tal no passa, porm, de todo, por pr em causa a autonomia do Ministrio Pblico e os restantes princpios constitucionais que ficaram referidos, mas sim pelo aperfeioamento do seu dever de prestar contas comunidade112. Seguindo de perto Figueiredo Dias113, tal passa, desde logo pela melhoria da organizao interna do Ministrio Pblico, em termos que conduza ao reforo do trabalho de equipa, a colaborao, a coordenao e o esforo de unificao de procedimentos e decises. Haver, por outro lado, que analisar internamente, atravs de estudos cuidados, nomeadamente de base estatstica, se h fundamento para crer que o princpio da objectividade esteja, em geral, a ser de facto cumprido114. Foi justamente esse objectivo, que presidiu proposta de converso do Servio de Inspeco do Ministrio Pblico em Servio de Inspeco e Auditoria do Ministrio Pblico, que oportunamente apresentei, com outros colegas, visando-se assim criar mecanismos para a avaliao e controlo regulares da qualidade e eficcia dos servios do Ministrio Pblico e para a monitorizao da aplicao prtica das reformas introduzidas, monitorizao essa absolutamente essencial para a eficcia das medidas adoptadas. Tais dados haveriam de ser cruzados com os recolhidos pelas restantes inspeces Inspeces judiciais e dos oficiais de justia estabelecendo-se, para tanto a indispensvel articulao entre os diversos servios, o que permitiria ao Conselho Superior do Ministrio Pblico, bem como ao Conselho Superior da Magistratura, terem uma viso global e integrada do funcionamento dos diversos servios e adoptarem as medidas havidas por necessrias. No que concerne ao Conselho Superior do Ministrio Pblico e ao Procurador Geral da Repblica, esses dados seriam tambm essenciais para dar cumprimento regular exigncia democrtica do dever de prestar contas, certo que a autonomia do MP ser tanto mais perfeita e mais plena quanto mais extenso e transparente for o seu dever de prestar contas comunidade pelas suas formas de actuao passadas e presentes, bem como pelos resultados da sua actuao115.

Cf. Figueiredo Dias, Autonomia do Ministrio Pblico e seu dever de prestar contas comunidade: um equilbrio difcil, RPCC 17 (2007), p. 191 e ss. 113 Id., p. 202 e ss. 114 Id., ib., p. 202-203. 115 Id., ib., p. 206.

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Mostra-se essencial, por outro lado, desenvolver formao especializada para que os magistrados do Ministrio Pblico assumam a efectiva direco do inqurito, sob pena do agravamento da tendncia para a policializao da investigao criminal, a que se vem assistindo, designadamente aps a Lei da Organizao da Investigao Criminal de 2000116. Quanto pequena e mdia criminalidade, urgente encontrar formas que sirvam a simplificao e celeridade, sob pena de, a prazo, se vir a assistir, ao colapso, por insuportvel overloading do sistema de justia penal117. No que concerne criminalidade complexa e mais grave, em especial a criminalidade organizada transnacional, importa desenvolver os mecanismos de cooperao judiciria e policial, em especial no mbito da Rede Judiciria Europeia, da Europol, da Eurojust e das restantes agncias e instituies europeias incumbidas da construo de um espao judicirio europeu. 6. Do meu ponto de vista, a mais importante das melhorias a introduzir a congregao de esforos, em especial entre a magistratura judicial e a magistratura do Ministrio Pblico, no sentido de recuperar a confiana dos cidados na administrao da justia. O sentimento de desconfiana hoje comum, entre a opinio pblica, havendo entre os analistas quem defenda que esse o mais grave problema portugus118. E, mau grado o exagero que subjaz a tal afirmao, no poder deixar de levar-se em conta que as coisas chegaram a um ponto em que altos responsveis da Igreja, habitualmente comedidos nas suas tomadas de posio, afirmam em programas de larga audincia que a aplicao da justia em Portugal tem sido uma vergonha119. Sendo essa a imagem existente, tarefa prioritria de cada um dos magistrados dar o seu contributo para inflectir tal estado de coisas. Efectivamente, como recentemente afirmava Mrio Soares, a crise da justia no se resolve com reformas legislativas.

Cf. Eduardo Maia Costa, Que processo penal queremos?, in Congresso da Justia, 27-10-2003, http://www.asficpj.org/temas/diversos/congressojust/maia_costa.pdf , Rui do Carmo, A autonomia do Ministrio Pblico e o exerccio da aco penal, citado, 124, e D Mesquita, Notas sobre o inqurito policial, citado, RMP, ano 21, n 82 (2000), p. 146. 117 Cf. Figueiredo Dias, O processo penal portugs: problemas e prospectivas, citado, p. 814. 118 Cf., Antnio Barreto, A culpa sempre dos outros, O Pblico, 17-05-2009, e, no mesmo sentido, lvaro Santos Pereira, Medo do Insucesso Nacional, A Esfera dos Livros, 2009. 119 Cf., p. ex., a interveno do Senhor Bispo Auxiliar de Lisboa, no telejornal da TVI, em 17-04-2009.

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Resolve-se com a excelncia do desempenho no dia a dia e com a projeco, objectiva, ponderada e atravs dos meios institucionais prprios, da imagem da qualidade alcanada ("Not only must Justice be done; it must also be seen to be done)." Resolve-se com o reforo da articulao entre magistrados judiciais e do Ministrio Pblico, os quais, em lugar de se imputarem responsabilidades, uns aos outros, por quanto funciona mal, havero antes de, conjugadamente, encontrar solues para os entorses no funcionamento do sistema de justia. Usando a linguagem de Mrio Soares, a questo no de lei, mas antes dos comportamentos dos juzes, dos procuradores e dos dirigentes da Polcia Judiciria os quais no se entendem uns com os outros. E, nessas profisses, com em todas, pagam os bons pelos transgressores120. Ficam, assim, bem claros os resultados das crispaes e guerras corporativas, que a todos prejudicam, criando uma imagem muito negativa para ambas as magistraturas. E deveras estranho que no se leve isso em conta, de ambos os lados e que parea no se atender a que os ataques autonomia do Ministrio Pblico, que se vo sucedendo, se repercutiro, de forma inevitvel, na independncia dos tribunais. Bem mais graves que esses danos que a todos atingem, so os danos institucionais. No dizer de Mrio Vargas Llosa: A justia a mais importante instituio de uma sociedade democrtica. No a economia, no o Governo, a mais importante mesmo a Justia. Se h uma justia independente, eficiente e ntegra h esperana. Se no h, mesmo que tudo marche bem, o futuro da democracia est ameaado121.

F. Teodsio Jacinto

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Cf., M