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O MULTICULTURALISMO E AS CONTRIBUIÇÕES DA UNIVERSIDADE: REFLEXÕES, POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES E EXPERIÊNCIAS As questões que envolvem a problemática da diversidade cultural têm se tornado uma tônica nos últimos anos tendo em vista o número crescente de situações conflituosas que têm sido deflagradas no mundo inteiro. Episódios envolvendo práticas de intolerância e discriminação na escola são objeto de discussão constante no noticiário nacional impactando a sociedade e o dia-a-dia de gestores, professores e alunos. Este quadro tem tensionado o campo educacional, favorecendo o questionamento e o desenvolvimento de pesquisas que apontem caminhos para refletir e propor soluções que abordem tais questões. Nesse sentido, o presente painel apresenta os dados coletados de uma pesquisa que tem como objetivo compreender como as preocupações com a diversidade cultural têm sido contempladas na produção acadêmica da área educacional brasileira no período compreendido entre os anos de 2010 a 2012 tendo como categoria de análise a abordagem multicultural. O painel encontra-se organizado da seguinte forma: o primeiro texto analisa os trabalhos sobre Currículo (GT e Painel) catalogados na Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd 2010, 2011 e 2012) e no Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE - 2010); o segundo verifica a produção encontrada no GT Formação de Professores da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd 2010, 2011 e 2012); e o terceiro investiga os artigos publicados sobre o Currículo e a Formação de Professores pela Revista Brasileira de Educação (RBE 2012, 2011 e 2012). No total, foram analisados 445 artigos (254 na ANPEd, 99 no ENDIPE e 92 na RBE). Os dados preliminares da pesquisa têm apontado que a academia tem produzido um número ínfimo de trabalhos que buscam pensar o Currículo e a Formação de Professores multiculturalmente, a despeito da realidade inconteste que tem se imposto à educação brasileira. Palavras-Chave: Multiculturalismo, Currículo, Formação de Professores. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11643 ISSN 2177-336X

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O MULTICULTURALISMO E AS CONTRIBUIÇÕES DA UNIVERSIDADE:

REFLEXÕES, POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES E EXPERIÊNCIAS

As questões que envolvem a problemática da diversidade cultural têm se tornado uma

tônica nos últimos anos tendo em vista o número crescente de situações conflituosas que

têm sido deflagradas no mundo inteiro. Episódios envolvendo práticas de intolerância e

discriminação na escola são objeto de discussão constante no noticiário nacional

impactando a sociedade e o dia-a-dia de gestores, professores e alunos. Este quadro tem

tensionado o campo educacional, favorecendo o questionamento e o desenvolvimento

de pesquisas que apontem caminhos para refletir e propor soluções que abordem tais

questões. Nesse sentido, o presente painel apresenta os dados coletados de uma pesquisa

que tem como objetivo compreender como as preocupações com a diversidade cultural

têm sido contempladas na produção acadêmica da área educacional brasileira no

período compreendido entre os anos de 2010 a 2012 tendo como categoria de análise a

abordagem multicultural. O painel encontra-se organizado da seguinte forma: o

primeiro texto analisa os trabalhos sobre Currículo (GT e Painel) catalogados na

Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd – 2010, 2011

e 2012) e no Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE - 2010); o

segundo verifica a produção encontrada no GT Formação de Professores da Associação

Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd – 2010, 2011 e 2012); e o

terceiro investiga os artigos publicados sobre o Currículo e a Formação de Professores

pela Revista Brasileira de Educação (RBE – 2012, 2011 e 2012). No total, foram

analisados 445 artigos (254 na ANPEd, 99 no ENDIPE e 92 na RBE). Os dados

preliminares da pesquisa têm apontado que a academia tem produzido um número

ínfimo de trabalhos que buscam pensar o Currículo e a Formação de Professores

multiculturalmente, a despeito da realidade inconteste que tem se imposto à educação

brasileira.

Palavras-Chave: Multiculturalismo, Currículo, Formação de Professores.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11643ISSN 2177-336X

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ARTICULANDO CURRÍCULO E MULTICULTURALISMO: PERSPECTIVAS

NA PRODUÇÃO ACADÊMICA

Giseli Pereli de Moura Xavier

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Ana Ivenicki

Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ)

Paulo Melgaço da Silva Junior

Faculdade Gama e Souza (FGS)

Resumo: A discussão sobre a diversidade cultural e suas implicações no contexto escolar têm se

caracterizado como uma necessidade premente para as sociedades contemporâneas e

para o mundo acadêmico. Cada vez mais diferentes áreas que compõem o campo

educacional tem sido desafiadas a buscar proposições que apontem caminhos para o

desenvolvimento de uma educação multicultural e responsiva. Nesse sentido, este

estudo ao conceber o currículo como o cerne da relação educativa, argumenta que o

mesmo deve se caracterizar como uma área profícua para conscientização em relação

às temáticas multiculturais. Sendo assim, este trabalho procurou compreender em que

medida a discussão sobre currículo na produção acadêmica tem sido influenciada por

preocupações multiculturais no início desta década, além de procurar elucidar quais

perspectivas multiculturais têm embasado essas pesquisas. Para tanto, foram analisados

os trabalhos apresentados nas 33ª, 34ª, 35ª Reuniões da ANPEd, respectivamente 2010,

2011 e 2012, no GT 12 – Currículo, disponíveis no site da Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e os trabalhos apresentados em 2010 no

Painel Currículo, disponíveis no CD-ROM do XV Encontro Nacional de Didática e

Prática de Ensino (ENDIPE), procurando evidenciar em que medida a produção do

conhecimento na área tem propiciado a discussão e/ou o desenvolvimento de currículos

multiculturalmente orientados promotores de uma escola democrática e plural. Os dados

analisados indicaram que ainda há uma grande lacuna em termos quantitativos no que se

refere à realização pesquisas multiculturalmente orientadas na área do currículo. Ainda

assim, foi possível identificar uma tendência ao desenvolvimento de pesquisas que

apontam para perspectivas multiculturais críticas, pós-modernas e/ou pós-coloniais.

Palavras-chave: currículo, multiculturalismo, produção do conhecimento

Introdução

A educação brasileira neste início de milênio tem sido cada vez mais instada a

repensar e debater situações que envolvem a temática da pluralidade cultural no

contexto escolar. Casos envolvendo bullying, preconceito, discriminação e violência não

mais se constituem como atos isolados ou atípicos. Mais do que nunca, a dificuldade

evidente em lidar com a diversidade e a diferença na escola reclama urgentemente por

ações que ajudem a minimizar a incidência desses episódios e a criar uma cultura de paz

e respeito entre todos. Em todos os cantos do país e em todos os níveis de ensino,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11644ISSN 2177-336X

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universidades, escolas, gestores, professores, alunos e famílias são chamados a enfrentar

essas questões.

Diante do quadro exposto, podemos afirmar que as questões que envolvem o

multiculturalismo e seus desafios têm se constituído como um espaço profícuo para o

desenvolvimento de estudos e pesquisas que busquem apontar caminhos para o

desenvolvimento de uma educação culturalmente responsiva e verdadeiramente plural.

Sendo assim, a perspectiva multicultural tem se constituído como um campo teórico,

prático e político capaz de propiciar alternativas para o debate, a reflexão e o

enfrentamento da problemática enunciada, uma vez que propicia a discussão, a

ressignificação e a desestabilização de discursos homogeneizadores e de práticas

silenciadoras da diversidade cultural. Nesse sentido, defendemos que o currículo

configura-se como um importante instrumento para transformação desse cenário, pois o

mesmo caracteriza-se como o “cerne da relação educativa”, na qual são produzidas,

afirmadas e negadas identidades culturais e novos sentidos, proposições e “modos de

reação à realidade social contemporânea” são conformados (CANEN; MOREIRA,

1999, p.14).

A partir dessas considerações, duas questões nortearam o nosso trabalho: em que

medida a discussão sobre currículo na produção acadêmica tem sido influenciada por

preocupações multiculturais no início desta década? Quais perspectivas multiculturais

têm embasado essas pesquisas? Para tentar responder a essas questões, este estudo

analisou os trabalhos apresentados nas 33ª, 34ª, 35ª Reuniões da ANPEd,

respectivamente 2010, 2011 e 2012, no GT 12 – Currículo, disponíveis no site da

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e os

trabalhos apresentados em 2010 no Painel Currículo, disponíveis no CD-ROM do XV

Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), objetivando situar em

que medida a produção do conhecimento tem propiciado a discussão e/ou o

desenvolvimento de currículos multiculturalmente orientados promotores de uma escola

democrática e plural. A escolha das fontes justifica-se na medida em que estas se

constituem como dois dos maiores eventos na área educacional brasileira, representando

quantitativa e qualitativamente a produção do conhecimento na área. A relevância deste

estudo refere-se à possibilidade de delinear e problematizar tendências que tem

influenciado multiculturalmente o campo do currículo, além de apontar lacunas e

perspectivas que permitam a realização de novas pesquisas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11645ISSN 2177-336X

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O trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: na primeira parte,

descrevemos os caminhos teórico-metodológicos utilizados para fundamentar e

desenvolver a pesquisa. Na segunda parte, procedemos a análise dos dados levantados,

discutindo as categorias e perpectivas multiculturais encontradas. Por fim, apresentamos

as considerações finais sobre os resultados alcançados.

A trajetória teórico-metodológica da pesquisa

O multiculturalismo como um campo híbrido, polissêmico e polifônico é por sua

própria natureza um lócus aberto à múltiplas concepções discursivas e práticas, que vão

de perspectivas mais folclóricas e celebratórias da diversidade e da diferença até

perspectivas mais críticas que buscam a superação da desigualdade e do preconceito

(MCLAREN, 1997; CANEN, 2007) . Neste estudo, nos fundamentamos nos princípios

do multiculturalismo crítico com aportes pós-coloniais. Dentro dessa perspectiva teórica

valoriza-se a diversidade cultural, questionando relações de poder assimétricas que

perpassam o contexto escolar, direcionando o seu foco para o processo de construção

das identidades, das diferenças e dos discursos. Ao conceber a identidade como uma

categoria central, essa perspectiva teórica incorpora a hibridização ou hibridismo como

uma dimensão intrínseca à pluralidade cultural, tensionando e superando binarismos e

essencialismos e analisando os múltiplos marcadores (racial, étnico, de gênero, de

religião, de linguagem e outros) que se articulam na construção das identidades plurais

(XAVIER, 2008; CANEN et al, 2001).

Partindo dessa concepção consideramos o currículo como um espaço não neutro

e nem universal, marcados por lutas, híbrido que deve contemplar o questionamento aos

discursos e a articulação entre identidades, saberes, conteúdos, estratégias,

competências e habilidades plurais, procurando desvelar relações de poder injustas e

desiguais. Concordamos com Canen et al. (2009, p.64), quando afirmam que o currículo

deve “(...) trabalhar em prol da formação de identidades abertas à diversidade cultural,

desafiadoras de preconceitos, em uma perspectiva de educação para cidadania, para

paz, para ética nas relações interpessoais, para a crítica às desigualdades sociais e

culturais”.

A partir dessas considerações teóricas iniciamos o levantamento tendo como

balizador do nosso olhar as seguintes orientações: primeiramente, utilizando como

banco de dados os trabalhos publicados no GT12 – Currículo no site da ANPEd no ano

de 2010, 2011 e 2012 e no Painel sobre Currículo do CD-ROM do ENDIPE de 2010 ,

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11646ISSN 2177-336X

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fizemos uma relação quantitativa a partir dos trabalhos e painéis selecionados

inicialmente e que após a leitura evidenciavam no seu resumo a citação de descritores

considerados multiculturais (identidade, diferença, diversidade cultural, pluralidade

cultural, desigualdade, hibridismo, raça, etnia, gênero, sexualidade). É preciso explicitar

que no caso do ENDIPE, como cada painel continha três trabalhos, os resumos de cada

trabalho também foram lidos separadamente. Nosso intento era localizar trabalhos que

tivessem, a partir da classificação proposta por Canen et. al. (2001), potenciais

multiculturais ou fossem multiculturalmente explícitos. Os trabalhos considerados

detentores de potenciais multiculturais seriam “(...) aqueles em que determinantes de

raça, gênero, culturas, padrões linguísticos, “deficiências” e outros marcadores eram

levados em conta, nas análises empreendidas (...)” (p.172), mas que não se intitulavam

multiculturais ou faziam referência direta ao multiculturalismo em qualquer uma de

suas abordagens. Os trabalhos multiculturalmente explícitos seriam aqueles que faziam

alusão clara e direta às categorias e aos pressupostos do multiculturalismo em suas mais

diferentes vertentes no seu referencial teórico ou se denominavam multiculturais.

O segundo momento consistia na leitura e análise dos artigos selecionados

objetivando buscar evidências que comprovassem a sua classificação como detentor de

potenciais multiculturais ou como multiculturalmente explícito, e ao mesmo tempo,

detectar a abordagem multicultural presente em cada trabalho.

O levantamento quantitativo e a análise dos dados

O levantamento quantitativo realizado no site da ANPEd e no CD-ROM do

ENDIPE sobre a produção na área do currículo originaram os seguintes dados:

TABELA 1

TOTALIDADES DE TRABALHOS PUBLICADOS SOBRE

CURRÍCULO POR EVENTO

ANPEd ENDIPE TOTAL

2010 2011 2012 2010

18 29 15 99 161

TABELA 2

TRABALHOS SOBRE CURRÍCULO E MULTICULTURALISMO

POR EVENTO

Categoria

Multicultural

ANPEd ENDIPE TOTAL

2010 2011 2012 2010

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11647ISSN 2177-336X

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Potencial

multicultural

01

02

01

03

07

Multiculturalmente

Explícito

0

01

01

06

08

Total 01 03 02 09 15

Inicialmente, podemos perceber que os dados quantitativos levantados nos dois

eventos selecionados tenderam a ratificar resultados constatados em outros estudos

realizados em anos anteriores (CANEN et al. 2001; XAVIER, 2008) quando se trata de

articular a questão multicultural à pesquisa na área do currículo. Verificamos a

existências de um número pequeno de trabalhos, quando comparados à totalidade dos

estudos apresentados (161), sendo 07 (4,3%) considerados detentores de potenciais

multiculturais e 08 (5%) multiculturalmente explícitos. Nesse sentido, podemos

argumentar que apesar da emergência da temática multicultural no cotidiano

socioeducacional, a mesma ainda parece não ocupar de forma expressiva um maior

espaço reflexivo na produção de pesquisas.

É necessário explicitar que em relação aos trabalhos selecionados do ENDIPE, a

presença de 03 trabalhos em cada painel não significava que todos os painéis foram

classificados da mesma forma. Na verdade, foram escolhidos 04 painéis, sendo que no

primeiro havia 03 trabalhos considerados multiculturalmente explícitos; o segundo

continha 02 considerados multiculturalmente explícitos e 01 detentor de potenciais

multiculturais; o terceiro possuía 02 trabalhos com potenciais multiculturais e 01 que

não se enquadrava em nenhuma das duas categorias e, portanto, foi descartado da

análise; e o quarto que tinha apenas 01 trabalho considerado multiculturalmente

explícito e 02 fora da classificação. Tal seleção fez com que fossem separados para

análise, a partir dos 12 trabalhos encontrados nos 03 painéis, somente 09 que se

enquadravam na proposta do estudo.

Conforme afirmamos no item anterior, a análise qualitativa dos trabalhos se deu

inicialmente por meio da leitura e seleção daqueles que em seu resumos apresentavam

categorias consideradas multiculturais, tendo sido feita, em seguida, a leitura integral

dos trabalhos selecionados, de forma a confirmar (ou não) os indícios/categorias

encontrados.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11648ISSN 2177-336X

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Sobre os trabalhos detentores de potenciais multiculturais apresentados na

ANPEd e no ENDIPE podemos tecer as seguintes considerações:

Conforme vê-se na Tabela 02 encontramos 07 trabalhos, sendo 04 (2,5%) na

ANPED e 03 (1,9%) no ENDIPE que, em ambos os eventos e de forma

unânime, versavam sobre a questão da identidade coletiva a partir de diferentes

marcadores mestres (CANEN, 2007), a saber: étnico-racial/negra (COSTA,

2010); profissional/docente (ROCHA, 2011); de gênero/masculino e feminino

(FREIRE, 2011) classe social/grupos sociais populares (ARAÚJO, 2012);

nacionalidade/brasileira (PUGAS, 2010); faixa etária/juvenis (SOARES, 2010) e

religiosa/candomblé (GUEDES, 2010).

Os trabalhos elencados anteriormente fundamentaram-se em perspectivas

críticas do currículo que buscam questionar as relações de poder imbricadas nos

processos de construção identitária e pós-modernas/pós-coloniais que discutem o

papel das práticas discursivas, do hibrismo e da política da diferença, como

podemos ver nos extratos selecionados a seguir:

Currículo, cultura e gênero constituem as categorias de análise dessa

investigação, cuja imbricação deverá ser explicada a partir das relações de

poder envolvidas na sua construção social. Nesse sentido, a noção de poder

perpassa a compreensão e a explicação sobre as relações sociais de gênero na

escola, bem como sobre a seleção cultural expressa e materializada no

currículo. (FREIRE, 2011, p.2)

Para tal, apoiada na noção de hibridismo trabalhada por Canclini (2003),

argumenta na direção de uma política da diferença no currículo e para isto,

subsidiada pelas contribuuições de estudos pós-coloniais, propõe

questionamentos que tem estado na pauta daqueles que se ocupam de pensar o

currículo na articulação entre o cultural, o econômico e o político. (PUGAS,

2010, p.2)

As categorias mais utilizadas nos trabalhos foram identidade, cultura, diferença e

hibridismo. Ao mesmo tempo há uma ênfase em autores relacionados aos

Estudos Culturais e ao pós-colonialismo, tais como Stuart Hall (citado em 05

dos trabalhos analisados), Tomaz Tadeu da Silva e Homi Bhabha.

Quanto à metodologia, os estudos selecionados dividiram-se entre estudos de

caso (03) e análises discursivas de documentos, materiais didáticos e imagens

(04).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11649ISSN 2177-336X

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No que tange aos trabalhos considerados como multiculturalmente explícitos

foram selecionados 08 estudos, sendo 02 (1,2%) na ANPEd e 06 (3,7%) no ENDIPE. É

preciso destacar que no ano de 2010 não foi encontrado na ANPEd nenhum trabalho

considerado multiculticulturalmente explícito no GT de Currículo. Quanto ao triplo de

trabalhos encontrados em apenas um ano de análise (2010) no ENDIPE, em relação a

baixa produção na área na ANPED, o fato parece se dever muito mais ao quantitativo

elevado de trabalhos que o ENDIPE recebe nos seus encontros bianuais, do que a um

interesse maior pela temática multicultural. Argumento que se confirma quando

analisamos o percentual dos trabalhos apresentados no Painel sobre Currículo no

ENDIPE (6,1%) comparando-o à totalidade dos mesmos (99) no ano em questão.

As análises sobre os trabalhos incluídos nesta levaram aos seguintes resultados:

Os estudos versavam

sobre os seguintes temas: multiculturalismo e práticas pedagógicas (SOUZA,

2011); formação de professores indígenas (PAVAN, 2012); ensino de História e

Cultura Afrobrasileira (MIRANDA, 2010); violência e indisciplina na escola

(ANDRADE; FREITAS, 2010); ensino de Ciências (BARBOSA, 2010);

diferenças culturais e práticas educativas (VALENTIM; KOFF; CANDAU,

2010); saberes didáticos e diferença (ALMEIDA, 2010) e currículo em locais de

fronteira (COUTO; VIEIRA, 2010).

Os tipos de perspectivas

multiculturais encontradas nas pesquisas foram as seguintes: interculturalismo

crítico e decolonial (02), multiculturalismo pós-moderno (01), multiculturalismo

crítico (03) e multiculturalismo pós-colonial (01). O oitavo trabalho encontrado

que versava sobre o multiculturalismo não se enquadrou em nenhuma das

perspectivas anteriormente citadas uma vez que o mesmo trouxe uma

subcategoria nativa que emergiu do campo, a dos trabalhos que discutem o

multiculturalismo, utilizam seus autores e analisam seus pressupostos, mas não

se reconhecem como multiculturais ou mesmo se contrapõe a proposta.

Os autores que mais se

destacaram nas pesquisas foram Tomaz Tadeu da Silva e Antonio Flavio

Barbosa Moreira, ambos citados em 05 dos 08 trabalhos. Outros autores ligados

às perspectivas críticas e pós-modernas/pós-coloniais também aparecem nas

pesquisas, tais como: Catherine Walsh, Ana Canen, Vera Candau, Stuart Hall,

Peter McLaren, entre outros.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11650ISSN 2177-336X

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As metodologias

encontradas nas pesquisas realizadas foram ensaios (02), estudos de caso (02),

pesquisa-ação (01) e análises discursivas de documentos e/ou depoimentos (03).

A análise dos tipos de multiculturalismo encontrados e a escolha dos autores nos

estudos considerados multiculturalmente explícitos confirmou uma tendência

visualizada nos trabalhos detentores de potenciais multiculturais: a adesão à abordagens

críticas e pós-modernas/pós-coloniais quando se trata de discutir questões multiculturais

na área do currículo em detrimento de perspectivas mais folclóricas ou liberais

(MCLAREN, 1997). Nesses trabalhos também foi possível verificar um enfoque maior

na questão da docência com 06 estudos discutindo temáticas diretamente ligadas a

mesma (ensino, práticas pedagógicas, formação e saberes docentes). Ao mesmo tempo,

a utilização de diferentes metodologias no desenvolvimento dos estudos confirma o

caráter de plural do próprio multiculturalismo como campo de pesquisa que possibilita

abordagens diversas. Percebe-se também que a maioria das metodologias utilizadas

(estudos de casos, análises discursivas, pesquisa-ação) nos estudos evidenciados

possibilitam uma maior aproximação com a realidade pesquisada, permitindo aos

pesquisadores a percepção das “(...) formas pelas quais o cruzamento de fronteiras, a

hibridização identitária e a pluralidade podem ser conectadas ao currículo escolar

(...)” (CANEN; XAVIER, 2011).

Considerações finais

Diante do panorama emergente relacionado às problemáticas da diversidade

cultural que tem assolado o mundo, a sociedade e a educação brasileiras neste início de

milênio, este estudo, fundamentando-se em uma concepção multicultural que acredita

que a educação e o currículo poderiam se beneficiar de trabalhos que permitam a

reflexão e o desenvolvimento de propostas para o enfrentamento dessas questões,

buscou analisar a produção do conhecimento acadêmico na área do Currículo, no

período de 2010 a 2012, em dois eventos de grande relevância cenário educacional

brasileiro.

Os dados analisados indicaram que ainda há uma grande lacuna em termos

quantitativos no que ser refere ao desenvolvimento de pesquisas envolvendo as questões

multiculturais. No entanto, apesar da incidência de poucos trabalhos que articulem

multiculturalismo ao currículo podemos afirmar que nesses estudos há uma

predominância das perspectivas críticas, pós-modernas e/ou pós-coloniais. Ainda que as

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11651ISSN 2177-336X

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mesmas não se constituam como um bloco uniforme, essas discussões têm colocado a

identidade e seus processos de produção como categoria central sem, no entanto,

esquecer de questionar as relações de poder que legitimam ou silenciam esses discursos,

indicando um avanço para além das abordagens meramente celebratórias ou

assimilacionistas da diversidade cultural.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11652ISSN 2177-336X

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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS NA PRODUÇÃO SOBRE O

CURRÍCULO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA RBE

Fabiano Lange Salles

Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ)

Rony Pereira Leal

Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ)

Resumo:

Este estudo parte do pressuposto que a universidade deve ser concebida como uma

instância produtora, reprodutora e propagadora de conhecimentos que possui relevância

na formação dos profissionais da educação e na construção de currículos sensíveis às

questões que envolvem a diversidade cultural na sociedade e, principalmente, no

contexto escolar. Em função disso, este trabalho, a partir da perspectiva multicultural,

teve como objeto de análise os artigos publicados na Revista Brasileira de Educação

(RBE) da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd),

disponíveis no site da mesma, relacionados às temáticas formação de professores e

currículo, publicados nos anos de 2010, 2011 e 2012, procurando verificar em que

medida os artigos contemplavam uma concepção multicultural e a quais abordagens

(intercultural, multicultural, folclórico, crítico, pós-colonial, etc) eram privilegiadas

pelas pesquisas. A escolha do periódico se deu em função da reconhecimento da

qualidade da publicação, expresso pelo conceito Qualis CAPES e pela intecionalidade,

abrangência e procura do mesmo na área educacional e que expressam

significativamente a produção feita pela universidade brasileira. Os artigos analisados

foram classificados de três formas: multiculturalmente explícitos, com potenciais

multiculturais e sem potenciais multiculturais. Os resultados encontrados no

levantamento quantitativo dos artigos da revista revelaram que os temas formação de

professores e currículo estão marcadamente presente nas publicações da RBE nos anos

pesquisados. No entanto, também foi possível detectar em uma análise qualitativa que

quando se articulavam tais temas ao multiculturalismo, os artigos se tornavam escassos

e difusos na publicação, evidenciando mais lacunas do que tendências na área

pesquisada.

Palavras-chave: formação de professores, currículo, multiculturalismo

Introdução

O presente estudo buscou analisar as contribuições da universidade, pensada

como um local de produção, reprodução e propagação do conhecimento, no âmbito da

formação de professores sensíveis à realidade multicultural presente na escola, na

construção do currículo e às necessidades que esta impõe aos professores, gestores,

coordenadores e demais profissionais da educação. Para tal, os artigos publicados na

Revista Brasileira de Educação (RBE) da Associação Nacional de Pós-graduação e

Pesquisa em Educação (ANPEd) foram eleitos como objeto de estudo desta pesquisa

por dois motivos: primeiro, pela ANPEd ser reconhecida pela qualidade de suas

publicações – o que é expresso pelo conceito que ela recebe no Qualis/Capes -, bem

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como pela internacionalidade das mesmas e segundo, pela grande procura - da parte de

acadêmicos, professores e pesquisadores da área da Educação e afins - recebida por esse

meio de divulgação científica; o que garante não só a qualidade deste, mas também a

abrangência que tal revista tem, englobando pesquisas que narram diversas realidades e

problemáticas referentes à educação sob pontos de vista diferentes.

Baseado nesta perspectiva, o presente trabalho parte do pressuposto de que os

trabalhos publicados na RBE expressam significativamente a produção feita pela

universidade brasileira. Trazendo isto para o interesse suscitado pela pesquisa em

questão, tem-se uma visão geral dos conhecimentos produzidos sobre multiculturalismo

pela academia ao se analisar a produção catalogada na referida revista.

Inicialmente, analisamos nas produções da RBE, os trabalhos relacionados às

temáticas formação de professores e currículo publicados nos anos de 2010, 2011 e

2012, objetivando verificar em que medida os artigos contemplam uma concepção

multicultural e a quais abordagens (intercultural, multicultural, folclórico, crítico, pós-

colonial, etc) são privilegiadas pelas pesquisas. Os trabalhos analisados foram

classificados de três formas: multiculturalmente explícitos, com potenciais

multiculturais e sem potenciais multiculturais. Segundo Canen et al. (2001) e Canen &

Xavier (2011) trabalhos multiculturalmente explícitos são aqueles que abordam o

multiculturalismo de forma direta ou o utilizam como referencial teórico; já trabalhos

com potencial multicultural são aqueles que, apesar de não utilizarem explicitamente o

multiculturalismo, dissertam sobre marcadores identitários e categorias ligadas ao

multiculturalismo, tais como raça, etnia, gênero, sexualidade, diversidade cultural,

direitos humanos, justiça social etc.

A fim de proceder as seleções e classificações, os resumos dos trabalhos foram

lidos integralmente, e, e em seguida para comprovar que o trabalho se encaixava ou não

nos parâmetros supracitados, o texto integral do trabalho também era lido.

Nesse sentido, apresentaremos a seguir o levantamento quantitativo dos

trabalhos da RBE que apresentaram potenciais multiculturais ou que se revelaram

trabalhos multiculturalmente explícitos. Em seguida apresentaremos uma análise

qualitativa dos trabalhos visando aprofundar como os mesmos respondem à formação

de professores na perspectiva multicultural e qual a sua abordagem.

1. O Levantamento

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A Tabela 1 apresenta a quantidade de artigos publicados entre 2010 e 2012 na

RBE, com ênfase para aqueles que correspondem à temáticas de Formação de

professores e Currículo:

TABELA 1

Número total de artigos publicados na RBE

TEMA

Volume 15 - 2010 Volume 16 - 2011 Volume 17 - 2012 ToTal

de Artigos

Publicados nº 43 nº 44 nº 45 nº 46 nº 47 nº 48 nº 49 nº 50 nº 51

Geral 9 11 12 12 11 8 10 8 11

92

Formação de professores 1 0 1 1 1 1 2 0 2

9

Currículo 3 1 0 1 1 2 1 3 1

13

Pode-se notar que os temas formação de professores e currículo estão

marcadamente presente nas publicações da RBE, com a ausência de pelo menos uma

das temáticas somente em três números dos nove totais nesse recorte de tempo. O que

demonstra que a formação de professores e o currículo são temas de interesse e

relevância na produção acadêmica brasileira. A partir dos artigos pertencentes a esses

temas, foram feitas outras tabelas (2 e 3) que apresentam a relação de artigos

multiculturalmente explícitos e com potenciais multiculturais, como podemos ver nas

seções adiante.

2. Artigos com potencial multicultural

TABELA 2

Artigos com Potencial Multicultural

Tema Volume 15 - 2010 Volume 16 - 2011 Volume 17 - 2012 Total

no. 43 no. 44 no.45 no. 46 no. 47 no. 48 no. 49 no. 50 no. 51

Formação

de

Professores

0

0

0

0

0

0

1

0

1

2

Currículo

0

1

0

0

0

0

0

0

0

1

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A partir da análise do conteúdo da Tabela 2, pode-se concluir que artigos com

potenciais multiculturais não são muito abundantes na RBE, aparecendo

esporadicamente pelos números da revista. Os números do levantamento quantitativo,

de trabalhos publicados na RBE, mostram uma presença pequena de trabalhos

multiculturalmente orientados, seja em Currículo ou na Formação de Professores. Pelo

fato de vivermos em uma sociedade multicultural, e pós-colonial marcada por

problemas que são causados pelo choque entre diferentes culturas – tais como:

preconceitos, racismos, descriminações, xenofobias, bullying etc. -, expressamos que

existe a necessidade de haver mais pesquisas que orientem a formação de professores

sensíveis à essa realidade multicultural, bem como a adequação de políticas curriculares

e matrizes curriculares que busquem combater o monoculturalismo e os engessamentos

identitários, valorizar conhecimentos pertencentes à identidades historicamente

estereotipadas e favorecer, assim, hibridismos culturais e a emancipação cognitiva

(CANEN & MOREIRA, 2001)

Partindo desse pressuposto, iniciamos a explanação dos artigos com potenciais

multiculturais publicados pela RBE com o artigo de Bandeira (2010), que realizou

pesquisa em dois estádios de futebol frequentados por torcedores em Porto Alegre, a

sabê-los: Beira-Rio e Olímpico. Sua pesquisa tinha como objetivo de analisar as

diferentes “masculinidades” expressadas por torcedores durante as partidas de futebol,

que formam, de certo modo, um tipo de currículo. Para chegar ao seu objetivo, o autor

utilizou a metodologia de etnografia pós-moderna e como arcabouço teórico os estudos

de gênero pós-estruturalistas e os estudos culturais. Ao final, o autor verificou que as

masculinidades identificadas no estádio estão baseadas em quatro eixos: raça, garra e

luta; violência e socialização; um amor de macho; e masculinidades subalternas.

Em 2011 não foram encontrados artigos detentores de potenciais multiculturais

em nenhuma das temáticas selecionadas para análise.

No ano de 2012, encontramos dois trabalhos em números distintos que puderam

ser considerados detentores de potenciais multiculturais ambos relacionados à formação

de professores, são eles:

a. Ferrari (2012) por meio de um estudo de um documentário feito por famílias

homoparentais e de revisão bibliográfica, escreveu um artigo com o objetivo de

concatenar aproximações entre a formação docente, educação infantil e relações

de gênero e sexualidades, com enfoque na problematização do campo da cultura

visual na constituição de subjetividades. O autor dialoga com Foucault e Larrosa

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para concluir que o documentário em questão, ao produzir uma “nova” infância,

formada por novos conceitos de família, reinventa, de certa forma, a formação

de professores e a docência;

b. a pesquisa de Dias (2012), fruto de sua tese de doutorado, tem como temas

centrais a formação de professores, a educação infantil e a diversidade racial. O

objetivo principal do artigo era compreender os modos pelos quais professoras

da educação infantil se apropriaram de conhecimentos adquiridos de cursos de

formação continuada que visava estimular a inclusão de práticas pedagógicas

que tratassem da diversidade étnico-racial. Para lograr êxito em seu objetivo, a

autora se embasou em pensadores como Bourdieu, Tomaz Tadeu da Silva,

Piaget e Vygotsky. Sua pesquisa, que analisou duas experiências feitas em Mato

Grosso e São Paulo, concluiu que atuar sobre a formação dos professores é

fundamental para gerar respostas à problemática das questões étnico-raciais,

visto que as professoras pesquisadas afirmam perceber a discriminação no seu

cotidiano escolar, mas alegam precisar de oportunidades institucionais nas quais

possam discutir e estudar o tema.

Os trabalhos, aqui classificados como detentores de potenciais multiculturais,

trabalham com categorias relacionadas à discussão multicultural, no caso, a questão de

gênero relacionada à masculinidade (BANDEIRA, 2010), a sexualidade (FERRARI,

2012) e a identidade negra (DIAS, 2012), porém nenhum destes considera o

multiculturalismo como fundamentação central para sua análise, não podendo, portanto,

serem classificados como artigos multiculturalmente explícitos.

3. Artigos multiculturalmente explícitos

O fato dos artigos multiculturalmente explícitos trabalharem com o mesmo

arcabouço teórico do presente trabalho permite e propõe um diálogo maior destes

artigos com as questões dos campos do currículo e da formação de professores. Nessa

perspectiva, neste subtópico, pretendemos não somente apontar quais foram os

objetivos, ou os referenciais teóricos, ou a metodologia usada por tais artigos, mas

também entender como estes respondem algumas questões, que julgamos ser

pertinentes: Os artigos veem o multiculturalismo em que abordagens (folclórico, crítico,

pós-colonial)? Como os artigos respondem à formação de professores e ao currículo na

perspectiva multicultural?

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Os dados da Tabela 3 apresentam os números encontrados de trabalhos

considerados multiculturalmente explícitos

TABELA 3

Começamos a análise dos artigos multiculturalmente explícitos publicados na

RBE na área do currículo pelo artigo de Silveira et al. (2010), que partindo do

pressuposto de que os paratextos (fragmentos verbais que acompanham o texto principal

das obras) de obras da literatura infantil são importantes guias para leitura, possuindo

também função pedagógica, analisa como tais paratextos ensinam e buscam influenciar

condutas e atitudes em relação à diferença, com base nos discurso multicultural e

científico apresentado por estes. As autoras não aderem à nenhuma perspectiva

multicultural, mas detectam e analisam o tipo de discurso multiculturalista que aparece

nas obras infantis pesquisadas, enfatizando o predomínio nos textos de uma perspectiva

mais celebratória e assimilacionista das diferenças, conforme podemos ver no extrato a

seguir:

Contemporaneamente, os discursos multiculturais produzem, como tendência

geral, uma positivação das diferenças, tomadas como essenciais,

autorreferenciais, com valor em si mesmas. Mas tal entendimento também não

problematiza as condições culturais e discursivas a partir das quais as

diferenças são produzidas e reconhecidas como tal.

Conforme Bhabha (2005) e Hall (1997), o multiculturalismo tem sido alvo de

muitas críticas: em primeiro lugar, por ressaltar o que há de superficial e

externo nas culturas, descrevendo-as genericamente; em segundo, por celebrar

e acolher uma diversidade que de certa forma é ordenada pelos discursos da

cultura modelar; por fim, por considerar as diferenças como fragmentos de

uma totalidade mais ampla como a nação, por exemplo.

Ao entender a diversidade como componente de algo maior, a perspectiva

multicultural subordinaria certas identidades, tidas como periféricas, a outras

Artigos Multiculturalmente Explícitos

Tema Volume 15 - 2010 Volume 16 - 2011 Volume 17 - 2012 Total

no. 43 no. 44 no.45 no. 46 no. 47 no. 48 no. 49 no. 50 no. 51

Formação

de

Professores

0

0

0

0

0

1

0

0

0

1

Currículo

1

0

0

1

0

0

0

0

0

2

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posicionadas como centrais, o que possibilita falar, por exemplo, das

“contribuições” de certos povos para a cultura central, destacando o que deles

herdamos. (SILVEIRA et al. , 2010, p.101-102)

Em 2011 foram encontrados dois artigos, um relacionado ao currículo e outro à

formação de professores.

O primeiro artigo, de Ramos (2011), investiga a constituição do currículo de

Educação em Direitos Humanos no Brasil, procurando identificar os sujeitos com poder

de significar a área e os sentidos em disputa nesse processo. O foco deste artigo é sem

dúvida os Direitos Humanos, mas a autora se embasa no multiculturalismo, mais

precisamente na perspectiva intercultural crítica, por esta ser uma perspectiva

pedagógica que ajudará a repensar a escola a fim de que haja uma ressiginificação dos

Direitos Humanos (p.211). A autora ratifica a autoridade da Declaração Universal de

Direitos Humanos da ONU, porém critica a sua postura universalizante que afirma que

o “acesso à cultura europeia, seus valores, sua ética, sua forma de organização social,

política e econômica, é direito inalienável de todo ser humano”. Segundo a autora, essa

postura tende a anular a as características culturais das diversas culturas que compõe a

humanidade, ignorando a produção de novos significados e impossibilitando

hibridizações culturais.

Partindo dessa perspectiva, a autora critica esse multiculturalismo

assimilacionista proposto pela Declaração de Direitos Humanos e propõe pensar os

Direitos Humanos em uma perspectiva intercultural crítica, que afirma a diferença e a

não universalidade, e que, através do diálogo em uma perspectiva agonística, investirá

(...) em políticas culturais que favoreçam, ampliem os espaços de negociação

da diferença e o reconhecimento do caráter sempre contingencial, precário e

não literal dos sentidos que produz, em que o deslocamento não linear permite

que seja indagada a objetividade sugerida pela racionalidade moderna.

(RAMOS, 2011, p.193).

Portanto, o campo do currículo escolar que se comprometa com essa concepção

intercultural crítica dos Direitos Humanos, deverá estar permeado por conteúdos que

valorizem os direitos à vida, à saúde, à segurança etc., mas baseados em um perspectiva

local e não universal.

O artigo encontrado, de autoria de Canen e Xavier (2011), utilizando a

metodologia de levantamento do estado da arte, analisa os periódicos Cadernos de

Pesquisa e Revista Brasileira de Educação, avaliados como internacionais pela

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11661ISSN 2177-336X

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Qualis/CAPES, bem como de trabalhos apresentados nas reuniões anuais da Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), com foco nos GTs de

Formação de Professores, Didática, Educação e Relações Étnico-Raciais e Gênero,

Sexualidade e Educação, com o objetivo de verificar a produção acadêmica sobre o

multiculturalismo. O artigo em questão está fortemente baseado no multiculturalismo

crítico e pós-colonial, que busca pensar de forma crítica a relação existente entre os

diferentes grupos culturais, negando a harmonia, repensando as hierarquias formadas e

buscando diferentes formas para que os grupos culturais historicamente silenciados

também se vejam representados no currículo escolar (CANEN & MOREIRA, 2001),

tendo como categoria central a ênfase na identidade e suas formas de produção. Nessa

perspectiva é combatido o congelamento identitário – visto que nossas identidades estão

em constantes mudanças – e os hibridismos são valorizados.

A formação de professores, foco do trabalho, é tratada pelas autoras como

(...) um lócus privilegiado, não só para refletir e discutir sobre essas questões

(aqui, se referindo às questões relativas à diversidade cultural), como para a

criação e a implementação de proposições que possibilitem vislumbrar novos

caminhos e avanços no que tange ao trato da diversidade cultural no contexto

escolar. Nesse sentido, articular os pressupostos de uma proposta

multicultural à formação docente coloca-se como um desses profícuos

caminhos a ser seguido, para uma escola culturalmente responsiva. (CANEN;

XAVIER, 2011, p.641-642)

As autoras reforçam que articular os pressupostos do multiculturalismo com os

da formação de professores é primordial para pensarmos em uma escola que é para

todos, mas para tal, a preocupação com a diversidade cultural deve estar presente em

todo o currículo. Portanto, segundo as autoras, cabe à formação de professores, tanto na

formação inicial como na continuada, oferecer subsídios para que sejam formados e

“reformados” profissionais sensíveis à pluralidade cultural que é uma realidade inegável

das escolas, que valorizem as identidades culturais dos educandos, refutando o

congelamento identitário e favorecendo hibridismos culturais.

Conforme podemos verificar na tabela 3, no ano de 2012 não foi possível

identificar nenhum artigo multiculturalmente explícito nos números analisados.

Os dados encontrados nos fazem afirmar que a produção acadêmica voltada para

uma perspectiva multiculturalmente explítica nas temáticas formação de professores e

currículo, mesmo em uma revista com um extenso número de artigos publicados nos

três anos pesquisados (92), ainda é ínfima, com um total de apenas 03 artigos. Apesar

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do número pequeno de artigos encontrados, uma tendência parece se apresentar: a

crítica aos modelos folclóricos, celebratórios e assimilacionistas nas perspectivas

multiculturais. Em dois dos três artigos verifica-se uma postura multicultural

(perspectiva intercultural crítica e multiculturalismo crítico e pós-colonial) mais

problematizadora das temáticas relacionadas ao campo educacional. Percebemos

também a inexistência de uma tendência nos focos das pesquisas, que trabalham com

categorias e metodogias distintas, o que ratifica a ideia que o multiculturalismo por si é

um campo híbrido que permite a inserção de suas discussões a partir de diferentes

contextos e metodologias.

Considerações finais

Neste estudo procuramos analisar a produção do conhecimento no campo do

currículo e da formação de professores em uma perspectiva multicultural. Para tanto,

utlizamos como fonte de análise os artigos publicados na Revista Brasileira de

Educação dos anos de 2010 a 2012.

Os resultados evidenciaram que os estudos que articulam as temáticas

selecionadas ao multiculturalismo ainda são escassos e difusos, evidenciando mais

lacunas do que tendências. Tal fato não nos possibilitou tecer considerações mais

aprofundadas a cerca dos rumos que tem delineado a pesquisa multicultural nos campos

do currículo e da formação de professores a partir do periódico analisado. Na verdade, o

que podemos depreender é que os estudos selecionados parecem indicar que a

utilização de uma abordagem mais crítica na perspectiva multicultural tem sido o

caminho escolhido por pesquisadores, seja em pesquisas com potenciais multiculturais

ou muliticulturalimente explícitas. Diante desse resultado argumentamos que a adoção

de concepções multiculturais mais críticas podem beneficiar os campos do currículo e

da formação de professores, visto que as mesmas podem propiciar a pesquisadores e

professores uma melhor compreensão e reflexão sobre as questões culturais que

envolvem a escola em seus múltiplos aspectos, contribuindo para a dicussão e a

minimização de processos excludentes e discriminatórios e para o empoderamento de

diferentes identidades.

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ANALISANDO O GT FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA ANPED: CAMPO

MULTICULTURAL?

Renan Santiago de Sousa

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Késia Cosendey Sindra Mescolin dos Santos

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Resumo:

A formação docente, seja ela inicial ou continuada, nos últimos anos tem sido objeto

constante de ações e discussões tanto no campo acadêmico quanto nas políticas

educacionais. Tendo em vista a relevância do campo e a necessidade de se pensar em

uma formação de professores que contemple a diversidade cultural que compõe o

contexto escolar, este estudo, a partir de uma concepção multicultural, procurou

compreender como as questões sobre a diversidade cultural tem perpassado a recente

produção acadêmica brasileira sobre formação de professores. Sendo assim, realizou-se

um levantamento sobre os trabalhos publicados entre 2010 e 2012, tendo como objeto

de análise artigos que articulavam multiculturalismo e formação de professores. Para

tal, foram analisados os trabalhos lotados no GT08 – Formação de Professores, que

compreendem as 33ª., 34ª. e 35ª. Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pesquisa

e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), disponíveis no site da respectiva associação.

Os trabalhos identificados foram classificados em duas categorias: os que dissertavam

diretamente sobre o multiculturalismo ou o utilizavam como referencial teórico foram

classificados como multiculturalmente explícitos; já os que dissertavam sobre temas de

interesse do multiculturalismo, mas não o utilizavam como referencial teórico, foram

classificados como trabalhos com potenciais multiculturais. Os dados levantados

revelaram que o multiculturalismo não aparece como referencial teórico central nos

trabalhos analisados na ANPEd nos três anos selecionados. Na verdade, evidenciou-se

um decréscimo na produção acadêmica em relação ao resultado de pesquisas realizadas

anteriormente sobre a produção que articula multiculturalismo e formação docente,

mesmo de forma indireta. Fato que contribuiu para detecção no estudo de lacunas,

desafios e potenciais que possibilitem pensar a formação de professores em uma

perspectiva multicultural.

Palavras-chave: formação docente, multiculturalismo, produção acadêmica

Introdução

A formação de professores – inicial e continuada - se constitui como uma temática

de alta relevância na área da Educação e nos últimos anos tem se tornado uma arena de

disputas, mas também de possibilidades. Com as atuais demandas fomentadas pelo

crescente acesso de alunos à Educação básica brasileira, bem como a necessidade da

Educação valorizar as diferenças e combater preconceitos, discriminações e

estereótipos, a formação de professores tem sido tensionada a formar docentes aptos a

lecionarem na e com a diversidade cultural corriqueiramente encontrada nas salas de

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aulas das escolas (CANEN, 2008, 2011), contribuindo para a existência de uma

sociedade mais justa e menos desigual.

Nessa perspectiva o multiculturalismo, entendido como “campo teórico e político

de conhecimentos, que privilegia o múltiplo, o plural, as identidades marginalizadas e

silenciadas e que busca formas alternativas para sua incorporação no cotidiano

educacional” (BATISTA et al., 2013, p.213), tem sido apontado como um ideário que

contribui para a compreensão da formação de professores sensibilizados para as

questões culturais (XAVIER, 2001, 2011; CANEN, 2008).

No Brasil, as recentes políticas curriculares que regem a formação de professores

expressam as tensões políticas no qual o campo em questão está inserido. Entre várias

temáticas, a questão da diversidade cultural perpassa como um dos basilares que

disputam espaço, vez e voz na concepção de docentes para a Educação básica.

Canen (2011), ao analisar as Diretrizes para Formação Inicial de Professores da

Educação Básica em Cursos de Nível Superior, as Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Curso de Pedagogia, a Política Nacional de Formação de Profissionais do

Magistério e da Educação Básica, e o Plano Nacional de Formação de Professores,

destaca que, embora haja pontos positivos de valorização da diversidade cultural nas

políticas supracitadas, ainda existem trechos nos documentos que ora apontam a

diversidade como algo exótico e que foge à “normalidade” da escola ora apresentam as

identidades – principalmente a identidade branca e a negra – como construtos

congelados e opostos, o que pode desfavorecer hibridizações e trocas positivas entre as

diferentes identidades. A autora aponta também que existe uma falta de indicações de

“caminhos metodológicos” para orientar como a formação de professores poderá

atender às essas demandas e também uma grande preocupação com questões de raça e

etnia se comparado a questões outras, como gênero e sexualidade, por exemplo.

No meio dessas discussões sobre a formação de professores, encontram-se as

universidades, mais propriamente os programas de Pós-graduação em Educação, como

espaços produtores e reprodutores de conhecimentos, que são materializados por meio

de artigos científicos, teses e dissertações. As disputas políticas também se expressam

no meio acadêmico e diferentes autores pensam a formação de professores por meio de

diversos olhares.

Nessa perspectiva, cabem algumas indagações: como as questões multiculturais

perpassam a recente produção acadêmica brasileira sobre formação de professores?

Como o multiculturalismo tem sido definido e conceituado nesta produção? Quais são

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as contribuições desses trabalhos que podem ajudar nas reflexões sobre

multiculturalismo e formação de professores? A diversidade tem sido um ponto levado

em consideração nas pesquisas sobre formação de professores?

A fim de tentar esclarecer estas questões, o presente artigo teve como objetivo

levantar o estado da arte de trabalhos publicados entre 2010 e 2012 na temática do

multiculturalismo na formação de professores. Para tal, foram analisados os trabalhos

lotados no site que compreendem as 33ª., 34ª. e 35ª. Reuniões Anuais da Associação

Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd). Vale ressaltar que este

congresso foi escolhido como fonte de dados por ter abrangência nacional e pelo seu

reconhecimento no contexto de pesquisa e pós-graduação no Brasil. Sendo assim, o

presente estudo analisou os trabalhos apresentados no GTs de Formação de Professores

(08) com o objetivo de verificar em que medida tais trabalhos dissertavam sobre as

questões multiculturais (raça, gênero, sexualidade, etnia etc.).

Os trabalhos identificados foram classificados em duas categorias, que tratam das

questões de interesse do multiculturalismo: os trabalhos que dissertavam diretamente

sobre o multiculturalismo ou o utilizavam como referencial teórico foram classificados

como trabalhos multiculturalmente explícitos; já os trabalhos que dissertavam sobre

temas de interesse do multiculturalismo, como raça, gênero, sexualidade, etnia etc., mas

não o utilizavam como referencial teórico, foram classificados como trabalhos com

potenciais multiculturais. É importante salientar que estas classificações já têm sido

empregadas em outros trabalhos de levantamento do estado da arte sobre

multiculturalismo e Educação, tais como Canen et al. (2001) e Canen e Xavier (2011).

Os próximos subtópicos apresentarão os resultados do levantamento.

A visão quantitativa

O trabalho teve inicio com levantamento da totalidade de artigos publicados no

GT Formação de Professores por reunião (33ª., 34ª. e 35ª), respectivamente nos anos de

2010, 2011 e 2012, bem como o somatório dos três anos analisados, conforme podemos

visualizar na Tabela 1.

TABELA 1

Reuniões da ANPEd - GT08 Formação de Professores

Ano 2010 2011 2012 Total

Total de Artigos 21 22 22 65

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A partir dos dados contidos na tabela acima, realizamos uma análise dos artigos

procurando identificar e selecionar por ano os artigos multiculturalmente explícitos e

aqueles que continham potenciais multiculturais, como podemos ver na tabela mostrada

a seguir:

TABELA 2

Conforme podemos ver os dados apresentados na Tabela 2 demonstram que o

multiculturalismo não aparece como referencial teórico central nos trabalhos analisados

na ANPEd nos três anos selecionados. Apenas 6 (9,2%) do total de trabalhos

apresentados no GT08 - Formação de Professores foram considerados detentores de

potenciais multiculturais, o que denota que mesmo as discussões que envolvem

categorias relacionadas às questões que envolvem à diversidade cultural ainda são

escassas no GT pesquisado.

Multiculturalismo e formação de professores: analisando qualitativamente os

artigos

Superada a etapa do levantamento quantitativo dos artigos, nossa pesquisa focou

o olhar nos artigos que tinham algum tipo de relação com o multiculturalismo, mesmo

de forma indireta. Esse foco tinha como objetivo identificar de que forma o artigo

utilizava o multiculturalismo ou suas categorias para estruturar seu aporte teórico. Para

analisarmos estes artigos de forma mais apropriada, iremos analisar os artigos

portadores de potenciais multiculturais (única categoria encontrada), apresentando de

forma sucinta o objetivo do artigo, seu referencial teórico, a metodologia por ele

utilizada e algumas conclusões.

No ano 2010 não encontramos artigos que pudessem ser classificados como

detentores de potenciais mulituculturais. Em 2011 foram encontrados 03 artigos: o

primeiro (SILVA, 2011) investiga duas escolas públicas do município de Morrinhos,

GT08

Formação de Professores

Categoria 2010 2011 2012 Total

Artigos multiculturalmente

explícitos 0 0 0 0

Artigos com potenciais

multiculturais 0 3 3 6

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interior de Goiás, com o intuito de analisar a identidade em um contexto baseado na

família tradicional, em relações religiosas e no clientelismo, relacionando essas

implicações na participação e prática docente. Tendo a Antropologia Cultural como

referencial teórico, o autor utilizou as metodologias de estudo de caso coletivo

etnográfico, observação participante, entrevistas semiestruturadas e análise documental

para concluir que a cultura hierárquica tradicional e personalista impossibilitou que a

houvesse uma efetiva e democrática participação e prática docente nas escolas

analisadas. No segundo (NISHIMOTO, 2011), muito embora a pesquisa analisada não

tivesse como referencial teórico autores relacionados diretamente aos Estudos Culturais,

os objetivos do estudo revelaram aspectos que a classificaram como detentora de

potenciais multiculturais. Por meio da análise das memórias de professoras de origem

japonesa, o estudo buscou compreender em que medida “(...) o papel que a cultura do

grupo de origem étnica jogou na trajetória de formação e ação docente, instituindo

maneiras de ser e estar na profissão e, consequentemente, traduzidas pela noção de

habitus professoral” (extraído do Resumo). A metodologia utilizada foi composta por

entrevistas de história de vida e emprego da técnica de análise de conteúdo. Os dados

revelaram que na docência, as marcas da herança cultural foram acionadas e

estruturaram referências e concepções para o exercício profissional. Em relação ao

terceiro (DINIZ, 2011), só foi possível fazer a sua análise pelo resumo, uma vez que o

artigo na íntegra não estava disponibilizado no site. Mesmo assim, a proposta

encontrada no resumo nos fez classificá-lo como detentor de potenciais multiculturais,

pois o mesmo referia-se à diversidade cultural e a políticas de inclusão, questionando as

contribuições da formação docente no preparo dos professores para enfrentar esse

cenário.

Na análise dos trabalhos detentores de potenciais multiculturais encontrados em

2012 destacamos três textos. O primeiro (ARAÚJO, 2012) analisou a história das

professoras de comunidades ribeirinhas da Amazônia paraense, buscando compreender

como se dá o processo no qual elas se tornam professoras tendo em vista os sentidos da

relação de gênero e que se tratam de sujeitos que, historicamente, foram excluídos do

cotidiano escolar. A pesquisa usou como metodologia o resgate da história pela

oralidade, e partir desta, formaram uma história que, de certa forma, é uma interseção

das histórias de várias professoras, apresentando, inclusive, pontos em comum. Essa

história apresentada e analisada serve, segundo a autora, como parâmetro para pensar a

docência da região e a docência de um modo geral. A educação inclusiva é tema do

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segundo trabalho encontrado (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2012). O referido estudo analisa

uma Instituição de Ensino Superior reconhecida pelo seu trabalho com pessoas com

deficiência. A pesquisa foi realizada com professores-formadores do curso de

Pedagogia e com alunos do curso, e utilizou como instrumentos metodológicos o

questionário e a entrevista não-estruturada, com o objetivo de pesquisar como as

identidades docentes dos graduandos eram construídas a partir dos saberes docentes do

professor-formador, analisando também se tal identidade se aproxima de uma

perspectiva de inclusão ou exclusão. Como resultados, a pesquisa concluiu que embora

os professores-formadores não ensinassem na perspectiva da inclusão, os alunos

incorporaram saberes da inclusão, não pelas aulas em si, mas sim pelo contato que

tinham com os colegas surdos. A terceira pesquisa (COSTA; RAMOS, 2012), por meio

de observações, questionários e entrevistas, buscou retratar o processo de construção da

identidade profissional dos docentes atuantes no 1º segmento da rede municipal de

Austin, Nova Iguaçu, analisando como tal identidade influencia nas práticas desses

docentes. Os pesquisadores perceberam que a construção da identidade dos professores

está ligada ao conceito de lugar (território), podendo ser este a comunidade de vida

(origem, aonde o professor foi criado) ou a comunidade de destino (lugar aonde o

professor exerce sua prática profissional, que pode coincidir com a comunidade de

destino). No caso da pesquisa em questão, tal comunidade de destino é Austin, em Nova

Iguaçu. Embasada em teóricos como Hall e Bauman, a pesquisa conclui que a relação

que os professores mantém com sua formação (primeiramente com a sua própria

escolarização, depois com a sua formação inicial e depois pela formação continuada) e

com a comunidade de destino está intrinsecamente ligada à formação da identidade

docente, que por sua vez está em constante negociação com o meio, podendo ser

modificada no decorrer da prática profissional.

Pode-se verificar que a grande parte dos trabalhos publicados na ANPEd

considerados detentores de potenciais multiculturais possuem como categoria central a

identidade, sobretudo a profissional. Os artigos que trabalham com identidade cultural,

geralmente recorrem ao embasamento teórico de autores dos Estudos Culturais. Ao

mesmo tempo foi possível também verificar em dois dos trabalhos selecionados uma

articulação entre a formação docente e a inclusão.

Conforme podemos ver na Tabela 2 não encontramos no levantamento nenhum

trabalho considerado multiculturalmente explícito nos anos de 2010, 2011 e 2012 no GT

Formação de Professores da ANPEd. Esse fato corrobora o que pesquisas anteriores já

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vinham apontando nesse GT (CANEN; XAVIER, 2011; XAVIER, 2008; 2010), a

existência de um número reduzido de trabalhos que articulem multiculturalismo e

formação docente, seja em termos de potenciais ou utilizando a perspectiva como

fundamentação teórica. No entanto, nos causou espanto e curiosidade verificarmos que

não havia nos três anos pesquisados sequer um trabalho considerado multiculturalmente

explícito, o que em relação a pesquisas anteriores sobre a temática poderia demonstrar

um retrocesso, e que nos levou a nos perguntarmos: por que diante de um cenário em

que as questões que envolvem a diversidade cultural são a tônica há poucas pesquisas

relacionadas à temática no GT08? Será que houve uma redução do número de grupos de

pesquisa voltados para essa área? Então, quais seriam os caminhos que a formação de

professores têm definido para discutir essas questões? Argumentameos que tais

questionamentos podem servir como direcionamentos que impulssionem novas

pesquisas e que auxiliem na criação de propostas para o desenvolvimento de uma

formação de professores multiculturalmente comprometida.

Concluindo

No presente estudo procuramos verificar como as questões multiculturais tem

perpassado a recente produção acadêmica brasileira sobre formação de professores. Para

tanto, entendemos a formação de professores como um campo profícuo para o

desenvolvimento de pesquisas que discutam questões relacionadas a pluralidade cultural

em seus múltiplos aspectos e que o GT08 da ANPEd constitui-se como um reflexo da

produção acadêmica nesse sentido.

Análise dos resultados encontrados revelou que houve um decréscimo do

número de trabalhos com persepctivas multiculturais no GT08 em relação à produção

evidenciada em estudos anteriores e que dentro do pequeno quantitativo encontrado

(portador apenas de potenciais multiculturais), a identidade profissional do professor é o

foco predominante das pesquisas em detrimento de estudos que evidenciem outros

marcadores (étnico-raciais, de gênero, religioso, de orientação, sexual, etc), e que

seriam considerados relevantes para se compreender como esses profissionais lidam

com a própria identidade e com diversidade cultural que os cerca em suas escolas.

Assim sendo, podemos afirmar que o campo da formação docente, seja ela incial

ou continuada, ainda possui imensas lacunas e aguarda por mais pesquisas que

possibilitem compreender e incorporar as contribuições do multiculturalismo para o

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desenvolvimento de uma educação mais justa e igualitária, valorizadora da diversidade

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