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1 O PERFIL DO CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS NO ESTADO DO PARANÁ Maria Tereza Uille Gomes 1 Pedro Ribeiro Giamberardino 2 Flávia Palmieri de Oliveira Ziliotto 3 Hellen Oliveira Carvalho 4 RESUMO A pesquisa objetivou analisar o perfil do condenado por tráfico de drogas no Estado do Paraná, a partir da amostra de dois estudos distintos. O primeiro com 1441 sujeitos e o segundo com 198 sujeitos (N=6067, índice de confiabilidade de 99% e margem de erro de 2,25% e 95% com margem de erro de 6,85%, respectivamente), selecionados aleatoriamente na população carcerária de junho de 2014. O instrumento de pesquisa pautou-se no primeiro estudo em indicadores objetivos (natureza e quantidade da substância apreendida) e no segundo estudo em indicadores subjetivos (conforme requisitos legais e perfil socioeconômico), mediante instrumento de pesquisa devidamente validado. Os dados foram colhidos por análise da ação penal, da sentença e informações do Poder Executivo. A amostra foi selecionada a partir dos casos em trâmite perante as Varas de Execuções Penais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, relativos aos condenados, em execução definitiva, por tráfico de drogas (art. 33, Lei n° 11.343/06 ou art.12 da Lei n° 6.368/76), que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto. Como principais resultados obteve-se como perfil prioritário apreensões de uma espécie de substância psicoativa com 68,4% dos casos, diferença de gênero na abordagem policial e no número de casos cumulados entre as mulheres de tráfico de drogas e associação ao tráfico. Palavras-chave: drogas, jurisprudência, dosimetria. ABSTRACT This study aimed to analyze the profile of people convicted of drug trafficking in the state of Paraná, from two different samples. The first one with 1441 individuals and the second one with 198 (N = 6067, 99% accuracy rate and margin of error of 2,25% and N = 6067, 95% accuracy rate and margin of error of 6.85%), selected randomly in the prison’s population of this State in June 2014. The survey instrument was based on 1 Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pela PUCPR e 2 Pós Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Foi Diretor do Departamento de Políticas Públicas sobre Drogas do Estado do Paraná em 2014 e atualmente é Diretor do Departamento de Atendimento Socioeducativo, da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. 3 Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba, Mestre em Psicologia Forense pela Universidade Tuiuti do Paraná. Atualmente é graduanda em Psicologia pela Universidade Positivo e Assessora Técnica na Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. 4 Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba e em Antropologia pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente é mestranda em Peace Operations, Humanitarian Law and Conflict (National University of Ireland, Galway).

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O PERFIL DO CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS NO ESTADO DO

PARANÁ

Maria Tereza Uille Gomes1 Pedro Ribeiro Giamberardino2

Flávia Palmieri de Oliveira Ziliotto3 Hellen Oliveira Carvalho4

RESUMO

A pesquisa objetivou analisar o perfil do condenado por tráfico de drogas no Estado do Paraná, a partir da amostra de dois estudos distintos. O primeiro com 1441 sujeitos e o segundo com 198 sujeitos (N=6067, índice de confiabilidade de 99% e margem de erro de 2,25% e 95% com margem de erro de 6,85%, respectivamente), selecionados aleatoriamente na população carcerária de junho de 2014. O instrumento de pesquisa pautou-se no primeiro estudo em indicadores objetivos (natureza e quantidade da substância apreendida) e no segundo estudo em indicadores subjetivos (conforme requisitos legais e perfil socioeconômico), mediante instrumento de pesquisa devidamente validado. Os dados foram colhidos por análise da ação penal, da sentença e informações do Poder Executivo. A amostra foi selecionada a partir dos casos em trâmite perante as Varas de Execuções Penais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, relativos aos condenados, em execução definitiva, por tráfico de drogas (art. 33, Lei n° 11.343/06 ou art.12 da Lei n° 6.368/76), que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto. Como principais resultados obteve-se como perfil prioritário apreensões de uma espécie de substância psicoativa com 68,4% dos casos, diferença de gênero na abordagem policial e no número de casos cumulados entre as mulheres de tráfico de drogas e associação ao tráfico.  Palavras-chave: drogas, jurisprudência, dosimetria.

ABSTRACT

This study aimed to analyze the profile of people convicted of drug trafficking in the state of Paraná, from two different samples. The first one with 1441 individuals and the second one with 198 (N = 6067, 99% accuracy rate and margin of error of 2,25% and N = 6067, 95% accuracy rate and margin of error of 6.85%), selected randomly in the prison’s population of this State in June 2014. The survey instrument was based on

                                                                                                                         

1 Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pela PUCPR e 2 Pós Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Foi Diretor do Departamento de Políticas Públicas sobre Drogas do Estado do Paraná em 2014 e atualmente é Diretor do Departamento de Atendimento Socioeducativo, da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.  3 Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba, Mestre em Psicologia Forense pela Universidade Tuiuti do Paraná. Atualmente é graduanda em Psicologia pela Universidade Positivo e Assessora Técnica na Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.  4 Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba e em Antropologia pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente é mestranda em Peace Operations, Humanitarian Law and Conflict (National University of Ireland, Galway).  

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objective indicators (nature and quantity of the arrested drug) and subjective ones, such as the legal and the socioeconomic profile of the convicted. The data used to fill in the research questionnaire was collected by analysis of the criminal case, the sentence and the executive branch dossier. The sample was selected from the cases pending before the Central Court of Criminal Enforcement of the Judicial District of the Metropolitan Region of Curitiba, concerning convicted individuals in the final stages of execution for drug trafficking (art. 33 of Law 11.343/06 or Art .12 of Law 6.368/76), in closed or semi-open regime. The main results obtained in the study is that in 68% of cases the arrested person was in possesion of one psychoactive substance. In approximately 25% of cases the individuals were also arrested with a second psychoactive substance. As regards of the nature of drugs seized, 97.86% of the arrestments are for marijuana, crack and cocaine. Keywords: drugs, jurisprudence, dosimetry of penalties.

Introdução

De acordo com os dados do InfoPen (2014), a população carcerária brasileira

correspondia em junho de 2014 a 607.731 presos, sendo que 164.087 (27%) estavam

presos em virtude da repressão ao tráfico ilícito de drogas, dos quais 66.313 possuem

sentença condenatória, conforme Lei n° 6.368/76 e Lei n° 11.343/06. No âmbito do

Estado do Paraná havia 28.702 presos, sendo que 31,2% estavam presos pela legislação

de repressão às drogas. Ainda, segundo dados do Sistema Informatizado de Informações

Penitenciárias relacionados à gestão prisional do Estado do Paraná, cerca de 69% das

mulheres encarceradas correspondem ao tráfico de drogas.

O encarceramento pelo crime de tráfico aumentou significativamente em cada

relatório estatístico do InfoPen, atingindo-se, no último levantamento em 2014, o crime

que mais encarcera no sistema penitenciário. É notável, portanto, a influência que o

incremento da severidade e do número de condenações pelos artigos 33 e 35 da Lei n°

11.343/06 (tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico) alcançou nas

últimas décadas, com expressiva repercussão no crescimento da população carcerária

brasileira.

Boiteux (2006) afirma que o crescimento acelerado da população carcerária em

todo o País nos últimos anos deu-se em decorrência do endurecimento das penas e

envolveu, especialmente, os delitos equiparados a hediondos, dentre eles o tráfico de

drogas, antes sujeito a regime integralmente fechado. A autora alega, ainda, que se trata

da política criminal de drogas no Brasil, que pauta-se no modelo proibicionista norte-

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americano.

As drogas, enquanto fenômeno complexo e multifacetado, podem ser abordadas

sob diversos prismas. Na presente pesquisa, contudo, trabalhar-se-á especificamente, a

partir da análise de denúncia e sentença, o perfil do condenado por tráfico de drogas no

Estado do Paraná com dados que permitam aprofundar e problematizar temas

relacionados à política criminal sobre drogas.

O Paraná consiste em local estratégico para elaboração de pesquisas sobre

tráfico de drogas, uma vez que possui elevado número de usuários (CEBRID, 2005) e o

tráfico de drogas passa a ser corroborado pela sua localização geográfica com três

fronteiras e acesso marítimo por portos, caracterizando-se como uma das principais

rotas e portas de entrada do país.

A pesquisa originou-se dentro do Observatório de Políticas sobre Drogas criado

em 2014 com a finalidade de fortificar o debate sobre drogas no Estado do Paraná,

realizando-se parceria entre o Governo do Estado do Paraná, através da Secretaria de

Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Secretaria de Estado de Segurança

Pública e CELEPAR, juntamente com a Universidade de Chicago, Universidade

Federal do Paraná e do Ministério Público Federal. Os trabalhos foram coordenados por

servidores da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos,

responsável, na época, pela coordenação das políticas públicas sobre drogas no Estado.

Metodologicamente separou-se a análise em duas etapas: primeiramente em

relação à natureza e quantidade da droga a partir da amostra de 1441 casos de uma

população de 6067 presos condenados por tráfico de drogas no Estado do Paraná.

Posteriormente, elaborou-se formulário para análise de denúncia e sentença que

permitisse aferir o perfil do condenado por tráfico de drogas no Estado, que estudou

uma amostra de 198 sujeitos desta mesma população, conforme esquema probabilístico

da amostra contido na Tabela 1.

Tabela 1. Esquema probabilístico das amostras

N   Erro   IC   n  

6.067   2,25%   95%   1441  

6.067   6,85%   95%   198  

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A fonte de dados consistiu nos processos em trâmite perante as Varas de

Execuções Penais do Paraná, relativos aos condenados, em execução definitiva, por

tráfico ilícito de drogas (art. 33, Lei n° 11.343/06 ou art. 12 da Lei n° 6.368/76) no

Complexo Penal de Piraquara (PR), abrangendo-se condenados que cumprem pena em

regime fechado ou semiaberto. O período temporal analisado abrangeu pessoas em

cumprimento de pena durante os meses de junho a dezembro de 2014.

O instrumento de pesquisa conteve 86 indicadores, subdivididos em

identificação (nome, data de nascimento, idade na data do fato, raça/cor); vida pregressa

(passagem anterior pelo Sistema de Justiça, natureza do crime indiciado, condenação

anterior por tráfico de drogas, data do trânsito em julgado da última condenação,

condenação anterior por outro crime, natureza do crime objeto de condenação);

condenação (data do fato, data da prisão, se houve ou não prisão preventiva, cidade,

bairro, hora, dia da semana, ocorrência de concurso de crimes, natureza do crime em

concurso, quem fez defesa técnica, interposição de recurso); fixação da pena (unificação

das penas, quantidade de pena aplicada, aplicação de atenuante genérica, aplicação de

agravante genérica, regime inicial de cumprimento de pena, aplicação de minorante,

aplicação de majorante); e outras informações (existência de laudo de constatação da

natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial, data do laudo, apreensão de

outros bens, com qual droga foi preso, data de condenação, data de apreensão, natureza

da droga, quantidade, tipo penal, qual conduta praticada pelo artigo 33, se foi preso em

flagrante, qual autoridade procedeu a prisão, quantas testemunhas nos autos, quantos

policiais foram testemunhas, apreensão de outros objetos e quais, se o crime foi

cometido em via pública, se o sujeito trabalha, qual profissão e se há comprovante nos

autos, se o indivíduo estuda, escolaridade, residência fixa, endereço, qual a renda

familiar, recebimento de benefícios sociais).

A relevância de pesquisa sobre o perfil dos condenados pela Lei de Drogas

reside exatamente na carência de subsídios e referenciais claros na formulação das

políticas públicas, sobretudo no que tange a criticável política criminal sobre drogas

brasileira com aporte considerável de recursos públicos sem amparo em dados prévios

ou indicadores para avaliação estratégica e monitoramento de resultados. A ausência de

balizamento teórico resulta em notórios prejuízos tanto para a dificuldade de parâmetros

para o estabelecimento de políticas públicas, quanto pela concentração de esforços na

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persecução penal de “pequenos traficantes” e em absoluta desproporcionalidade quando

comparada a complexidade que permeia o tráfico de drogas no país, especialmente em

relação ao tráfico transnacional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

ESTUDO 1 – REQUISITOS OBJETIVOS: NATUREZA E QUANTIDADE DE

DROGA

Inicialmente, serão apresentados os dados coletados a partir da amostra de 1441

no que se refere à análise dos requisitos objetivos utilizados nas sentenças condenatórias

pela Lei n° 11.343/2006. Denota-se que da referida amostra, conforme se observa na

Figura 1, 12% são mulheres e 88% homens.

Figura 1. Gênero

Nesse aspecto uma ressalva há de ser feita, uma vez que a população carcerária

apresenta diferença percentual, de modo que nos estabelecimentos penais do Estado do

Paraná existem atualmente 19586, excluindo-se àqueles em Delegacia de Polícia, sendo

18491 homens e 1095 mulheres, o que representa 5% dos presos do sexo feminino e

95% dos presos do sexo masculino. Por outro lado, se este índice for estratificado

apenas para o tráfico de drogas, a incidência de mulheres ainda será superior aos

homens. Em estudo similar realizado no Estado de São Paulo, no ano de 2013, pela

Fundação Getúlio Vargas e Universidad Nacional de Tres Febrero (2013, p. 11)

observa-se que “no tocante ao gênero, deve-se notar que em todos os lugares onde foi

realizado este trabalho a proporção de mulheres é minoritária em relação aos homens,

alcançando uma incidência de aproximadamente 5%”.

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Carvalho e Jesus (2012), no âmbito das mulheres, acrescentam que a principal

consequência no aumento do encarceramento por tráfico de drogas com o advento da

Lei n. 11.343/2066 acaba sendo a geração de uma grande massa de mulheres jovens,

mães, com baixa escolaridade, não-brancas e que acabam apresentando uma passagem

pela polícia, constando em registros criminais, resultando em mais um estigma que elas

irão carregar depois de passarem pela prisão. O sistema de justiça não pode ignorar as

consequências sociais e culturais que ele mesmo produz. Ao contrário, o sistema

judiciário contribui ainda mais para isso a partir do momento que não analisa caso a

caso os processos e mantém as mulheres presas na maioria deles, mesmo quando elas

poderiam responder em liberdade.

Isso porque tal política criminal, que se exemplifica na exasperação da pena

inicial do artigo 33, da Lei n° 11343/06 para 05 (cinco) anos, acarreta diversas

consequências, tais como a condenação de pequenos traficantes que acabam por serem

retirados de seu convívio familiar, integrando-os nas facções criminosas, além de

submetê-los à estigmatização, humilhação e violência dentro das prisões (Boiteux,

2006).

Jesus et. al (2011) acreditam que a mudança legislativa não foi eficaz no

combate ao tráfico, uma vez que se permanece focando nos segmentos mais vulneráveis

do comércio de drogas ilícitas. Em outro vértice, uma das causas diagnosticadas é a

ausência de orientação ou norma regulamentar a respeito da quantidade da droga por

perfil de caso, bem como a necessidade ora demonstrada de parametrização técnica para

decisões judiciais nesta matéria. No Brasil, diversamente de outros países, existe ínfima

normatização ou estudo específico sobre critérios para fixação de diretrizes seguras para

diferenciar o perfil do usuário e traficante de drogas, especialmente no tocante a

quantidade razoável para consumo pessoal, de pequeno traficante e traficante comum,

inobstante as drásticas diferenças de tratamento entre uma conduta e outra.

Segundo a Lei n° 11343.2006, em seu artigo 42, o juiz deve analisar com

preponderância aos critérios do artigo 59 do Código Penal a natureza e quantidade da

droga apreendida. Para delimitar o que seria pequena quantidade aplicada nas decisões

judiciais analisadas, utilizou-se estudo técnico realizado no Estado do Paraná com a

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finalidade de sistematizar pesquisas sobre perfil de uso que subsidiassem parâmetro

mínimo de delimitação sobre quantidade compatível para uso5.

O estudo foi motivado diante da inexistência, no Brasil, de qualquer indicador

que referenciasse o que seria pequena quantidade. Com isto, após levantamento de

alguns documentos científicos, consolidou-se valor sabidamente pequeno mas que

permitira subsidiar dados objetivos e concretos, reconhecendo-se que esta variável pode

ser alterada por razões de política criminal ou até mesmo pelo perfil epidemiológico dos

usuários de drogas no Brasil. Diante do exposto, utilizou-se como parâmetro os

indicadores para uso diário insertos na Tabela 2.

Tabela 2. Natureza e quantidade média diária de droga para uso individual

NATUREZA   QUANTIDADE MÉDIA DIÁRIA PARA USO INDIVIDUAL   REFERÊNCIA  

MACONHA   2,5 gramas   Portaria n° 94/96 - Portugal sugerida como parâmetro pela SENAD/MJ  

COCAÍNA (SAL)   0,2 gramas   Portaria n° 94/96 - Portugal sugerida como parâmetro pela SENAD/MJ  

COCAÍNA (CRACK) vide obs. 3  

Até 16 pedras   Estudo da Fundação FIOCRUZ em parceria com a SENAD/MJ, compatível com IC/PR.  

5,2 gramas   Pesquisa na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (PR)  

Fonte: Gomes et al. Estudo técnico para sistematização de dados sobre informações do requisito objetivo da Lei 11.343/2006. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Curitiba, 2014. Acesso em 08/10/2015. Disponível em: http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/nupecrim/Estudo_Tecnico_final_NUPECRIM.pdf Para aferir apreensão por pequena quantidade, multiplicou-se por 10 dias em

relação às apreensões de maconha e cocaína. Por outro lado, em relação ao crack, que

apresenta perfil diferenciado de consumo, manteve-se em um dia apenas multiplicando

o número de pedras projetado pela pesquisa da FIOCRUZ pelo peso médio apresentado

na pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba. Projetando-se o referido

                                                                                                                         

5 O referido estudo apresenta critérios mínimos e compatíveis a condição de usuário, sendo que esta definição de pequena e grande quantidade não consiste em objeto metodológico desta pesquisa, mas sim, o perfil dos condenados o que inclui a natureza e quantidade entre suas especificações enquanto importante referencial.

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quantitativo no estudo realizado foram obtidos os seguintes resultados representados na

Figura 2.

Figura 2. Quantidade de droga

No que se refere ao número de drogas apreendidas, tem-se que 68,4% dos

indivíduos foi apreendido tão somente com uma droga, 24,8% com duas drogas, 6,4%

com três e 0,4% com quatro. As drogas apreendidas foram predominantemente

maconha (53%), crack (51%) e cocaína (33%), conforme demonstrado na Figura 3.

Logo, as apreensões caracterizam-se pela baixa diversidade de drogas disponíveis.

Figura 3. Droga apreendida

Nesse sentido, confirmou-se estatística já citada no Estudo Técnico (Gomes et

al, 2014), da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária,

de que 97,86% das apreensões são por maconha, crack e cocaína. Contudo, esse

quantitativo se altera quando analisados os gêneros masculino e feminino em separado,

de acordo com as Figuras 4 e 5. Isto é, as mulheres foram apreendidas majoritariamente

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com crack (57%), maconha (45%) e cocaína (34%). Os homens, por sua vez, foram

apreendidos com maconha (54%), crack (50%) e cocaína (33%).

Figura 4. Droga por natureza - mulheres

Figura 5. Droga por natureza – homens

ESTUDO 2 – REQUISITOS SUBJETIVOS: PERFIL DO CONDENADO POR

TRÁFICO NO PARANÁ

Identificação

A partir da análise dos requisitos subjetivos de 198 sujeitos condenados por

tráfico de drogas no Estado do Paraná, 29% tratam-se de mulheres e 71% de homens,

conforme se observa na Tabela 3.

Tabela 3. Gênero Gênero   n   %  Feminino   57   29%  Masculino   141   71%  Total   198   100%  

No que toca à idade dos indivíduos, tem-se que, como se visualiza na Tabela 4,

sem distinção de gênero, a maior prevalência (33%) de presos compreendida na faixa

etária entre 18 e 21 anos. A distribuição etária de homens e mulheres, todavia, é distinta,

uma vez que a maior incidência (38%) dos homens possuem entre 18 e 21 anos e a

maior incidência de mulheres (25%) tem entre 31 a 40 anos.

Tabela 4. Idade de acordo com gênero Idade   n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  18 a 21   12   21%   54   38%   66   33%  

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22 a 25   5   9%   34   24%   39   20%  26 a 30   9   16%   16   11%   25   13%  31 a 40   14   25%   27   19%   41   21%  41 a 50   12   21%   4   3%   16   8%  >50   5   9%   6   4%   11   6%  Total   57   100%   141   100%   198   100%  

De acordo com população prisional nacional, a partir de dados do Infopen

(2014), 31% dos presos no Brasil possuem entre 18 e 21 anos, sendo que na esfera

estadual paranaense 29% dos presos estão nessa faixa etária. Assim, a preponderância

de tráfico de drogas nos presos do sexo masculino dessa faixa etária (38%) encontra-se

em patamar elevado ao cenário nacional, ao passo que nesta faixa etária o percentual de

presas do sexo feminino encontra-se abaixo dos parâmetros nacionais (21%).

Em pesquisa realizada no Estado de São Paulo, vislumbrou-se diferenças em

função do gênero e a natureza do crime, enquanto 41% dos homens foram condenados

por roubo, a porcentagem é de 18% para as mulheres. Em contrapartida, cerca de 66%

das mulheres foram condenadas por porte ou tráfico de drogas ilícitas, e esta

porcentagem é de apenas 28% dentro do grupo dos homens (Ibidem, 2013, p. 11).  

O Infopen (2014) destacou que a proporção de jovens6 é maior no sistema

prisional que na população em geral. Enquanto que 56% da população prisional é

composta por jovens, essa faixa etária compõe apenas 21,5% da população total do país

(Infopen, 2014). Essa situação se agrava quando se trata do tráfico de drogas,

compreendendo 66% da amostra em apreço.  

Quanto aos aspectos étnicos e raciais, 90% da amostra não possui esse dado

disponível, assim como 88% não possui informações acerca da escolaridade dos

indivíduos, motivo pelo qual não foi possível aferir sua prevalência pela metodologia de

pesquisa utilizada, que foi análise da denúncia e da sentença somadas aos dados do

Poder Executivo.  

Vida Pregressa

Em relação à vida pregressa dos encarcerados pela Lei de Drogas, verifica-se um

percentual significativo (35%) de pessoas que encontram-se presas sem passagem

                                                                                                                         

6 Entende-se por jovem o indivíduo entre 18 e 29 anos, de acordo com o Estatuto da Juventude.  

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anterior pelo Sistema de Justiça, sendo este número mais representativo entre as

mulheres (40%) do que entre os homens (33%), conforme Tabela 5. Tabela 5. Passagem Anterior pelo Sistema de Justiça  

  n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Não   23   40%   47   33%   70   35%  

Sim   34   60%   94   67%   128   65%  

Total   57   100%   141   100%   198   100%  

Frisa-se que a passagem anterior não é sinônimo de reincidência, mas sim, que a

pessoa respondeu a processo criminal anterior, sem necessariamente haver condenação.

Ao analisar a quantidade de passagens anteriores, mais uma vez, destaca-se, conforme

Tabela 6, uma significativa diferença de perfil entre homens e mulheres encarcerados,

uma vez que dos indivíduos que já tiveram passagem anterior no Sistema de Justiça,

68% das mulheres e 39% dos homens foram indiciados por um crime previamente.

Entretanto, independentemente de recorte de gênero, são raros os casos que representam

mais de três passagens pelo sistema penitenciário, constituindo apenas 8% da amostra.

Dos crimes indiciados anteriormente, 88% das mulheres e 55% dos homens foram em

decorrência da Lei de Drogas.

Tabela 6. Quantidade de crimes indiciados anteriormente  

  n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

1 Crime   23   68%   37   39%   60   47%  

2 Crimes   9   26%   34   36%   43   34%  

3 Crimes   1   3%   14   15%   15   12%  

4 Crimes   1   3%   7   7%   8   6%  

5 Crimes     0%   2   2%   2   2%  

Total   34   100%   94   100%   128   100%  

Aprofundando-se as passagens anteriores, verifica-se que ainda que a pessoa já

tenha sido indiciada em outras oportunidades, este número é reduzido quando compara-

se à reincidência. Sabe-se, nesse sentido, que a reincidência é um indicador chave no

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monitoramento e análise dos sistemas de privação e restrição de liberdade. No estudo

em apreço observa-se, de acordo com a Tabela 7, que 43% da amostra constitui-se de

réus primários, sendo a maior incidência de mulheres (49%) sobre os homens (41%).

Tabela 7. Reincidência     n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Não   28   49%   58   41%   86   43%  

Sim   29   51%   83   59%   112   57%  

Total   57   100%   141   100%   198   100%  

Em relação a reincidência específica, caracterizada em condenações relativas a

crimes que ataquem o mesmo bem jurídico (Grecco, 2006), novamente se mostra mais

enfática no público feminino em relação ao masculino. Como se visualiza na Tabela 8,

63% dos presos não possuem condenação por tráfico de drogas, subdivididos em 51%

das mulheres e 67% dos homens.

Tabela 8. Condenação anterior por tráfico de drogas     n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Não   29   51%   95   67%   124   63%  

Sim   28   49%   46   33%   74   37%  

Total   57   100%   141   100%   198   100%  

Em estudo coordenado por Bergman et al (2013), realizado no Estado de São

Paulo, verifica-se que a metade dos presos (49,4%) já havia sido condenada em outras

ocasiões e 50,6% não haviam condenação anterior. Para os referidos autores (Ibidem,

2013, p. 23)

Comparando a situação de reincidência com outros países, é possível analisar que a proporção é variável, o que reflete diferentes graus do problema em função do país analisado. Por um lado, há situações mais leves, como o Peru (16%) ou El Salvador (18%), em seguida, há os casos da Argentina e do México, onde as proporções de reincidência são de 37% e 33%, e, por fim,

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Brasil e Chile com casos bem mais graves de reincidência (49% e 53% respectivamente.

Acerca da amostra de reincidentes (n=79), dos quais os crimes cometidos não

possuem relação direta com a Lei de Drogas, de acordo com a Tabela 9, verifica-se a

incidência de crimes patrimoniais com e sem violência, sendo 48% e 40%,

respectivamente, e porte ilegal de arma de fogo (14%).

Tabela 9. Natureza dos crimes objeto de condenação     n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Latrocínio     0%   1   2%   1   2%  

Lesão Corporal     0%   2   4%   2   3%  

Crimes de Trânsito     0%   3   5%   3   5%  

Homicídio     0%   4   7%   4   6%  

Outros Crimes Violentos   2   33%   3   5%   5   8%  

Armas   1   17%   8   14%   9   14%  

Patrimonial sem violência   2   33%   23   40%   25   40%  

Patrimonial com violência   2   33%   28   49%   30   48%  

Denota-se, portanto, que embora a pesquisa metodologicamente não possa aferir

sobre a real influência do tráfico de drogas no índice de letalidade violenta brasileira,

pode-se afirmar que não há relação direta entre a repressão empregada ao tráfico de

drogas no sistema penitenciário e a diminuição dos crimes letais. Isso porque,

excluindo-se a violência ou grave ameaça empregada em crimes patrimoniais – que

historicamente consiste na imensa maioria de casos do sistema de privação e restrição

de liberdade, recentemente ultrapassado pelo tráfico de drogas no InfoPen de 2014 –

restam apenas 19% dos crimes objeto de condenação como violentos, tais como

latrocínio (2%), lesão corporal (3%), homicídio (6%) e outros crimes violentos (8%).

Por outro lado, ainda que sem violência mas diretamente associado à essa, tanto é que

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legitimadora de bem jurídico abstrato apto a tipificação penal própria, 11,11% dos casos

teve a identificação de porte ou posse de arma durante o processo.

No Brasil, de acordo com o Infopen (2014), 41% das pessoas privadas de

liberdade são presas sem condenação. No âmbito dos condenados por tráfico de drogas

no Estado do Paraná, entre a amostra dessa pesquisa, 100% das mulheres e 98% dos

homens foram presos provisoriamente. Vale dizer, dos 198 casos, somente 03 sujeitos

foram presos após sentença condenatória.

Em estudo comparado com outros países, verifica-se na Tabela 10 o percentual

coletado em estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas e Universidad Nacional de

Tres Febrero sobre a prisão em flagrante conforme o tipo de crime cometido (Bergman

et al, 2013).

Tabela 10. Prisão em flagrante conforme o tipo de crime cometido. Resultados comparados.  

  Argentina  México  Peru  El Salvador  

São Paulo  

Chile  

% daqueles que foram detidos no dia que cometeram o crime  

66,9   65,8   56,4  44,8   65,8   67,5  

Conforme o tipo de crime cometido  

Roubo     81   78   66   70   78,2   76  

Homicidio     45   46   42   30   43,6   37  

Porte/Tráfico de droga   39   85   78   79   82,4   63  

Delitos sexuais   12   47   27   32   25,6   16  Fonte: Estudo latino-americano sobre população carcerária: 2013 – São Paulo.  

A implantação das Audiências de Custódia no Brasil imprimem um importante

momento para análise da política criminal brasileira que se pauta majoritariamente pela

privação de liberdade, independentemente de uma análise judicial mais acurada, o que

se revela no número de prisões provisórias aplicadas mesmo com a edição da Lei n°

12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal para instituir as medidas

cautelares diversas da prisão.

Com a finalidade de aprofundar quem está sendo preso por tráfico de drogas no

Brasil, foram selecionados dados coletados na pesquisa que trazem elementos para a

análise da intervenção estatal. Primeiramente, vislumbra-se na Tabela 11 o percentual

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de casos em que houve a prática de tráfico de drogas previsto no artigo 33 da Lei n°

11343/06 e as hipóteses em que esta prática foi cumulada com a associação para o

tráfico (artigo 35, da referida Lei).

Tabela 11. Tipo penal   n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

33   34   60%   127   90%   161   81%  

33 e 35   23   40%   14   10%   37   19%  

Total   57   100%   141   100%   198   100%  

Registra-se que o conceito de associação para o tráfico na Lei de Drogas

corresponde a “associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar,

reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34

desta Lei” (artigo 35 da Lei nº 11.343/2006). Diante do fato da associação caracterizar-

se com duas pessoas, ou seja, em número inferior à legislação prevista de forma

genérica pelo Código Penal, bem como não exigir a reiteração na prática do tráfico de

drogas, são elementos que aumentam significativamente a incidência deste tipo penal

considerado autônomo pela jurisprudência. O aprofundamento sobre o conceito de

associação para o tráfico é um tema, portanto, que comporta multifacetados debates para

adequar-se à finalidade que a lei penal se propôs.

Em outro vértice, há significativa diferença de gênero entre a cumulação dos

dois tipos penais, o que nos possibilita questionar sobre o papel da mulher no tráfico de

drogas. A análise requer aprofundado estudo de outras variáveis, no viés de se analisar a

hipótese de que a mulher pode vir a assumir o papel do homem após sua prisão, ou até

mesmo de que não possui papel autônomo e ativo no tráfico, mas que atua como

auxiliar.

Em estudo específico promovido sobre a relação entre mulheres e criminalidade,

mais especificamente em levantamento de prisões provisórias por tráfico de drogas em

São Paulo, destacam-se observações de Jesus et al (2012, p. 186):

Quando observamos a motivação das abordagens percebemos que tanto os homens como as mulheres foram apreendidos/as durante patrulhamento de rotina efetuado pela polícia militar, 68 e 45% respectivamente. (...), com

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certa diferença (cerca de 12%), as mulheres foram mais abordadas a partir de uma denúncia, muitas vezes anônima, do que os homens (36% e 24% respectivamente). Outro dado interessante corresponde ao local em que os flagrantes foram efetuados. Percebe-se que tanto os homens quanto as mulheres foram mais abordados/as em via pública, justamente em razão de esses flagrantes terem sido realizados por policiais militares durante patrulhamento de rotina. (...) , nota-se que as mulheres também foram mais abordadas em suas residências do que os homens (30% e 11%, respectivamente).

Os dados acima, que são coincidentes com a pesquisa realizada no Paraná entre

os(as) condenados(as), revelam que inobstante as mulheres possuírem menor número de

passagem anterior no Sistema de Justiça e, via de regra, terem envolvimento com o

crime de tráfico de drogas, ao menos iniciado em caráter subalterno, recebem penas

com igual ou maior rigorosidade entre os homens. Analisando-se exclusivamente o

artigo 33 da Lei n° 11.343/06, que possui extenso e distinto rol de verbos, analisou-se

na Tabela 12 em qual situação preponderante a pessoa foi classificada pela sentença, o

que também guarda conotação com a forma de abordagem acima explicitada com

entrada em residência.

Tabela 12. Condutas praticada pelo artigo 33   n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Oferecer, entregar a consumo, fornecer drogas     0%   6   4%   6   3%  

Adquirir, vender, expor a vender   7   12%   46   33%   53   27%  

Ter em depósito, transportar, guardar   54   95%   97   69%   151   76%  

Total   57   100%   141   100%   198   100%  

Destaca-se que mesmo com a apreensão em residência, não existe grande

diversidade de droga ou de objetos apreendidos, o que não consiste em locais

estruturantes do tráfico na região. Os indicadores acima guardam correspondência com

a estatística relacionada à forma de abordagem que motivou a apreensão, como se

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observa na Tabela 13 em que 97% dos indivíduos foi preso em flagrante, dentre os

quais 73% por Policiais Militares.

Tabela 13. Prisão em flagrante   n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Não   3   5%   2   1%   5   3%  

Sim   54   95%   139   99%   193   97%  

Total   57   100%   141   100%   198   100%  

Em relação ao que foi apreendido na abordagem, verifica-se que em 50% dos

casos a pessoa foi encontrada apenas com substâncias psicoativas ilícitas sem outros

elementos. Dos 50% que foram presos com outros objetos, os elementos consistiram em

celulares, balança, dinheiro e arma de fogo, nas proporções apresentadas na Tabela 14.

Ressalta-se que os elementos demonstrados também consistem nos requisitos subjetivos

previstos na legislação para analisar elementos que indicam a traficância, mesmo

quando a apreensão for de pequena quantidade.

Tabela 14. Objetos apreendidos   n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Arma branca     0%   2   3%   2   2%  

Documentos de terceiros     0%   4   5%   4   4%  

Caderneta de anotações   4   16%   2   3%   6   6%  

Arma de fogo   5   20%   17   23%   22   22%  

Balança   8   32%   21   28%   29   29%  

Celulares   10   40%   27   36%   37   37%  

Dinheiro   22   88%   53   72%   75   76%  

Entre as apreensões verifica-se a grande preponderância de dinheiro trocado com

maior índice entre as mulheres do que entre os homens (88% e 76%), sendo que os

demais itens guardam correspondência entre os dois gêneros. Registra-se que a variação

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de itens apreendidos, como dinheiro e caderneta de anotação, também guarda

correspondência com o local de abordagem pelos policiais, uma vez que a maior parte

das mulheres, embora presas em flagrante, foram encontradas com drogas fora da via

pública e dentro das residências, como se observa na Tabela 15.

Tabela 15. Crime cometido em via pública   n Feminino   %   n Masculino   %   Total   %  

Não   43   75%   38   27%   81   41%  

Sim   14   25%   103   73%   117   59%  

Total   57   100%   141   100%   198   100%  

Face ao exposto, quando se aprofundam as formas de abordagem policial, mais

uma vez verifica-se diferença existente entre o perfil dos presos por tráfico de drogas

por gênero, merecendo recortes específicos para melhor análise dos públicos atingidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao pensar o nível de encarceramento pela Lei de Drogas, sob o aspecto da

gestão pública, deve-se retomar a já apresentada estatística do InfoPen (2014), a qual

revela que 27% dos presos no Brasil estão encarcerados por tráfico de drogas. Essa

proporção representa o numerário de 164.087 presos, que ao custo médio mínimo de 2

mil reais por mês, utilizado como parâmetro na Exposição de Motivos do PLS

513/2013, que propõe atualização da Lei de Execução Penal, equivale ao investimento

de recursos públicos no montante de 328 milhões de reais ao mês ou, aproximadamente,

4 bilhões ao ano. Esse valor destina-se tão somente à repressão ao tráfico ilícito de

entorpecentes (sem considerar o custo de polícia ostensiva, polícia científica, Poder

Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros órgãos e instituições

correlacionados).

Todavia, o implemento de recursos públicos na política criminal sobre drogas –

que consistem atualmente na maior proporção de aplicação de recursos públicos nesta

seara - não possuem qualquer evidência de melhorias na política sobre drogas, que deve

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ser considerada de modo intersetorial e articulado com os eixos da saúde, serviço social,

educação, entre outros.

As políticas públicas de modo geral, incluindo-se a política proibicionista de

guerra às drogas, são construídas muitas vezes sem preocupar-se com a elaboração de

indicadores e de mecanismos para planejamento, avaliação e monitoramento de

resultados. Os indicadores analisados procuram fazer um retrato sobre as consequências

da atuação jurisdicional nesta temática, bem como propor mecanismos de

acompanhamento para instituir políticas públicas baseadas em fundamentos e

evidências.

O perfil dos condenados por tráfico de drogas no Estado do Paraná revela a

necessidade de aprofundamento de critérios para dosimetria da pena e aplicação de

forma parametrizada de decisões judiciais. A aplicação de medidas cautelares diversas

da prisão demonstra-se ainda em número irrisório, prevalecendo-se o encarceramento

anterior à sentença.

A delimitação do perfil também demonstrou padrões distintos entre mulheres e

homens condenados pela Lei de Drogas, o que igualmente sinaliza a necessidade de

diferentes políticas públicas e intervenções. Isso porque, como já demonstrado, diversos

aspectos foram levantados e identificados como diferentes de acordo com o gênero, tais

como a natureza da droga apreendida, a distribuição etária, dosimetria da pena,

antecedentes criminais, reincidência e reincidência específica, incidência de associação

para o tráfico e o cometimento do crime em via pública.

Iniciativas do Poder Judiciário recentes, como Audiência de Custódia, bem

como os Centros de Triagem implementados em alguns Estados, podem sistematizar

dados a partir de indicadores como aplicado na presente pesquisa como forma de

subsidiar políticas públicas com dados e indicadores para serem trabalhados

continuamente.

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