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O poder nas organizações O Poder nas Organizações Reinaldo Dias Neste capítulo, é abordado um dos mais importantes processos sociais que ocorrem nas sociedades humanas, que é o poder. Não é possível estudá- lo no âmbito organizacional sem remeter à definição clássica de Max Weber, que foi reproduzida inúmeras vezes por outros teóricos. Buscamos identificar os componentes pelos quais se manifesta o poder, destacando que a força é só mais um deles, embora tenha desempenhado papel crucial até os nossos dias; há um fortalecimento de outros componentes com o avanço de novas formas de organização e o incremento da tecnologia. Um destaque será dado ao conceito de autoridade de Weber, pela importância que tem para a análise organizacional, revelando a existência de uma estrutura hierárquica de poder nas organizações. Destacamos, também, a importância para o estudo organizacional dos trabalhos do sociólogo francês Crozier, alguns em parceria com o sociólogo alemão Friedberg, que desenvolveram uma teoria do poder especificamente para as organizações. O controle organizacional ao qual são submetidos os membros das organizações merecerá uma abordagem que perpassará todo o capítulo, uma vez que esses autores caracterizam a organização como instrumento de dominação com uma estrutura de poder centralizada. Identificamos, a seguir, as diversas fontes de controle organizacional, e destacaremos aquelas propostas por Crozier e Friedberg por se constituírem em um diferencial teórico relevante pela sua especificidade em termos organizacionais. Abordamos ainda dois temas relacionados diretamente com o poder, que são a liderança organizacional e a teoria do conflito. 9.1 O conceito de poder Um dos mais importantes processos sociais é a capacidade que possuem os indivíduos e grupos sociais, entre os quais as organizações, de modificarem o comportamento de outros grupos ou pessoas. Esse processo social, fundamental para os seres humanos, é que denominamos poder. A maior parte dos cientistas sociais compartilha da idéia de que poder é a capacidade para afetar o comportamento dos outros. O poder pode ser considerado como um meio, que o grupo ou indivíduo tem, de fazer com que as coisas sejam realizadas por outros indivíduos ou grupos. O poder ocorre em todas as relações sociais, e está disseminado em todas as sociedades e grupos sociais. O poder é uma qualidade que um indivíduo ou grupo social possui em relação a outros indivíduos ou grupos.

O Poder Nas Organizações

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O poder nas organizações

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O poder nas organizações

O Poder nas Organizações

Reinaldo Dias

Neste capítulo, é abordado um dos mais importantes processos sociais que ocorrem nas

sociedades humanas, que é o poder. Não é possível estudá-lo no âmbito organizacional sem

remeter à definição clássica de Max Weber, que foi reproduzida inúmeras vezes por outros teóricos.

Buscamos identificar os componentes pelos quais se manifesta o poder, destacando que a

força é só mais um deles, embora tenha desempenhado papel crucial até os nossos dias; há um

fortalecimento de outros componentes com o avanço de novas formas de organização e o

incremento da tecnologia.

Um destaque será dado ao conceito de autoridade de Weber, pela importância que tem

para a análise organizacional, revelando a existência de uma estrutura hierárquica de poder nas

organizações.

Destacamos, também, a importância para o estudo organizacional dos trabalhos do

sociólogo francês Crozier, alguns em parceria com o sociólogo alemão Friedberg, que

desenvolveram uma teoria do poder especificamente para as organizações.

O controle organizacional ao qual são submetidos os membros das organizações merecerá

uma abordagem que perpassará todo o capítulo, uma vez que esses autores caracterizam a

organização como instrumento de dominação com uma estrutura de poder centralizada.

Identificamos, a seguir, as diversas fontes de controle organizacional, e destacaremos

aquelas propostas por Crozier e Friedberg por se constituírem em um diferencial teórico relevante

pela sua especificidade em termos organizacionais.

Abordamos ainda dois temas relacionados diretamente com o poder, que são a liderança

organizacional e a teoria do conflito.

9.1 O conceito de poder

Um dos mais importantes processos sociais é a capacidade que possuem os indivíduos e

grupos sociais, entre os quais as organizações, de modificarem o comportamento de outros grupos

ou pessoas. Esse processo social, fundamental para os seres humanos, é que denominamos poder.

A maior parte dos cientistas sociais compartilha da idéia de que poder é a capacidade para

afetar o comportamento dos outros. O poder pode ser considerado como um meio, que o grupo ou

indivíduo tem, de fazer com que as coisas sejam realizadas por outros indivíduos ou grupos.

O poder ocorre em todas as relações sociais, e está disseminado em todas as sociedades e

grupos sociais. O poder é uma qualidade que um indivíduo ou grupo social possui em relação a

outros indivíduos ou grupos. Constitui, portanto, um fenômeno social, e não individual. Sua

característica fundamental é que é um componente de uma relação social.

Para Max Weber:

Poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo

contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. (1991, p.33)

Inspirando-se em Weber, Robert Dahl elaborou uma definição de poder que pode ser

considerada clássica nos estudos organizacionais: O poder de uma pessoa A sobre uma pessoa B é

a capacidade de A de obter que B faça algo que não teria feito sem a intervenção de A.(1957:202)

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Um conceito chave para Crozier e Friedberg é o de poder, que, “no plano mais geral,

implica sempre a possibilidade, para alguns indivíduos ou grupos, de atuar sobre outros indivíduos

ou grupos”. Desse modo, “atuar sobre o próximo é entrar em relação com ele; e é nesta relação

onde se desenvolve o poder de uma pessoa A sobre uma pessoa B”, assim “o poder é, pois, uma

relação e não um atributo dos atores”. (1990:55). Desse modo, para esses autores, o poder é uma

relação de força da qual um pode obter mais vantagem que o outro, mas na qual, por outro lado,

esse depende do outro que se submete.

9.2 Os componentes do poder

Como vimos, o poder se manifesta, invariavelmente, através de pelo menos três

componentes: a força, a autoridade e a influência. Levando em consideração o aspecto da

legitimidade, teríamos que o poder manifesto pela autoridade é legítimo, pois aceito pela sociedade,

e nesse sentido teríamos um exercício de poder legítimo, baseado em três tipos “puros” de

dominação: a autoridade burocrática ou racional; a tradicional; e a carismática.

Os outros componentes do poder poderiam não ser legítimos, mas da mesma forma

manifestações efetivas e que, do nosso ponto de vista, constituem-se na força e na influência.

Vejamos cada um desses componentes do poder.

a) A força

Denominamos força o uso ou ameaça de coerção física. A coerção física pode ser expressa

através de armas de todo tipo — uma lança, um revólver etc. — e é um importante atributo da força.

Os Estados reservam o monopólio de todos os meios importantes de coerção física para a

polícia ou as forças militares (exército, marinha, aeronáutica). Uma das principais características do

Estado é este monopólio que utiliza para manter a integridade e impor sua vontade sobre o conjunto

do seu território.

No entanto, nos Estados nacionais cada vez mais surgem grupos que disputam com o

Estado este monopólio da coerção física. Um dos exemplos mais presentes é o crime organizado.

Estes grupos muitas vezes tornam-se uma ameaça ao poder estatal, substituindo-o na prática em

alguns pontos de seu território, onde o poder coercitivo do Estado não se faz presente,

manifestando-se somente a coerção dos bandos criminosos.

Nos primeiros agrupamentos humanos, a força provavelmente era a única componente do

poder; mesmo na Idade Média permanecia com tal significado. Com o advento do capitalismo foram

surgindo outras componentes que equilibram o poder manifesto pela força, muito embora ainda

permaneça sendo um dos mais importantes componentes do poder.

b) A autoridade

Compreendemos autoridade como um direito estabelecido para tomar decisões e ordenar

ações de outrem. Dito de outro modo, é a legitimação do poder, através da incorporação de

conteúdo jurídico e/ou moral. Essa legitimidade assenta-se sobre o consentimento durável e

tendente à unanimidade entre os membros de uma sociedade ou de um grupo social.

Max Weber identificou três tipos de autoridade, de acordo com a sua base de legitimidade,

que já se tornaram clássicos nos estudos de ciências sociais: a burocrática (ou racional), a

tradicional e a carismática.

Autoridade burocrática ou racional-legal, baseada no cargo ou posição formalmente

instituída, é a autoridade investida no cargo que o indivíduo ocupa. Ele só tem essa autoridade

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enquanto estiver ocupando o cargo. O exercício da autoridade é legítimo por estar de acordo com as

leis ou com as regras escritas. A lei é o princípio legitimador em função de sua racionalidade,

independentemente do líder ou chefe que a faça cumprir. Há um consenso, em que as pessoas

aceitam serem governadas através de um processo legal, evitando-se desse modo arbitrariedades.

A lei gera organizações burocráticas. Exemplo: juiz, delegado, funcionário público. É o tipo de

autoridade encontrada nos modernos Estados e empresas.

Autoridade tradicional, baseada na crença, normas e tradições sagradas e que as

pessoas obedecem em virtude da tradição. Não há necessidade de legislação. A obediência à

autoridade é devida à tradição e aos costumes, à vontade da pessoa. Não há a relação de

capacitação com as funções a serem executadas. Legitima o poder no passado e no status herdado.

A autoridade se constitui pela vassalagem dos súditos. Gera organizações administrativas e

funcionais. Exemplos: rei, príncipe, padre, marido, pai etc.

A administração patrimonial é constituída pela autoridade tradicional, que trata os negócios

de governo como se fossem uma extensão de sua própria casa. Esse tipo de administração é

encontrado em Estados centralizados e despóticos.

Autoridade carismática, baseada nas qualidades pessoais excepcionais do indivíduo

(líder). “Baseada na veneração extra cotidiana da santidade, do poder heróico ou do caráter

exemplar de uma pessoa e das ordens por ela reveladas ou criadas” (1991:141), a qual se obedece

em função do carisma (imagem de notável sabedoria, invencibilidade ou santidade). Sua natureza é

quase religiosa, e a organização ou sociedade permanecerá estável enquanto durar o líder.

Exemplos: Cristo, Napoleão, Ghandi, Hitler, Martin Luther King, Perón etc.

Há muitos casos em que a força e a autoridade estão combinadas, como no exército,

polícia ou prisão.

Os tipos de autoridade identificados por Max Weber são o que ele denomina “tipos ideais”,

tipos considerados puros e que na prática são pouco comuns, pois de modo geral aparecem

combinados.

Denominaremos de dominação ao exercício de poder legítimo, que se expressa através de

qualquer um dos tipos de autoridade enunciados por Max Weber.

A dominação

É um conceito importante relacionado com as estruturas de poder, desenvolvido

particularmente por Max Weber, e que pode ser considerado um dos mais importantes processos

sociais básicos.

A dominação, segundo Weber,

É a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem [...]. A situação de dominação está

ligada à presença efetiva de alguém mandando eficazmente em outros, mas não

necessariamente à existência de um quadro administrativo nem à de uma associação; porém

certamente — pelo menos em todos os casos normais — à existência de um dos dois. (1991,

p.33).

De acordo com Weber, a existência de um quadro administrativo configura uma forma de

dominação. E qualquer que seja a associação, ela é sempre, em algum grau, associação de

dominação, em virtude da existência de um quadro administrativo.

Diferencia-se da associação política, como aquela em que seus dirigentes servem-se de

todos os meios possíveis para alcançar seus fins, e constitui-se como seu meio administrativo

específico a ameaça ou o uso da coação física em determinado território.

Page 4: O Poder Nas Organizações

O Estado é a principal associação política na medida em que em determinado território o

seu quadro administrativo mantém a dominação, fazendo cumprir suas ordens por meios coercitivos.

Nas palavras de Weber, “o quadro administrativo do Estado reivindica com êxito o monopólio

legítimo da coação física para realizar as ordens vigentes”. (Idem:34).

É importante destacar que não basta a vontade de dominar o outro (ou outros) para que

haja dominação; é necessário que haja disposição de obediência por parte do outro (ou dos outros).

Do ponto de vista de Weber toda dominação busca a legitimidade, o reconhecimento social

de sua validade, e a sua institucionalização está baseada na figura da autoridade, que, como vimos,

pode ser racional-burocrática, tradicional e carismática. Deste modo teríamos os tipos de

dominação: legal, tradicional e carismática. (Idem:141).

A dominação legal é baseada em estatutos, obedece-se a ordens impessoais, objetivas e

legalmente instituídas e aos superiores por ela designados, não importando a pessoa em si

ocupante do cargo ou da posição. “O tipo mais puro de dominação legal é aquele que se exerce por

meio de um quadro administrativo burocrático.”

No caso da dominação tradicional, obedece-se à pessoa nomeada pela tradição e vinculada

a esta, em virtude da devoção de hábitos costumeiros. Obedece- se ao senhor “em virtude da

dignidade pessoal que lhe atribui a tradição [...]. Não se obedece a estatutos mas à pessoa indicada

pela tradição ou pelo senhor tradicionalmente determinado”. Há uma profunda relação de fidelidade

pessoal daqueles predispostos a obedecer ao senhor.

A dominação tradicional pode ser exercida com quadro administrativo ou sem ele. No caso

do exercício com quadro administrativo, as pessoas serão recrutadas segundo critérios de

dependência doméstica ou pessoal (dominação patrimonial). Será chamada de dominação

estamental “aquela forma de dominação em que determinados poderes de mando e as

correspondentes oportunidades econômicas estão apropriados pelo quadro administrativo”. Weber

(1991:152). Na ausência do quadro administrativo, ocorre uma situação em que, dentro de uma

associação (doméstica) econômica ou familiar a dominação é exercida por um indivíduo

normalmente designado segundo regras fixas de sucessão (dominação patriarcal).

Na dominação carismática, obedece-se o líder carismaticamente qualificado como tal, em

virtude de confiança pessoal em revelação, heroísmo ou exemplaridade dentro do âmbito da crença

nesse seu carisma. A associação de dominação dos adeptos é uma relação comunitária de caráter

emocional. O quadro administrativo do senhor carismático é selecionado segundo critérios de

“qualidades carismáticas: ao profeta correspondem os discípulos; ao príncipe guerreiro, o séquito;

ao líder, em geral, os homens de confiança”. (Idem:160)

A dominação carismática, como algo extraordinário, opõe-se estritamente tanto à

dominação racional, especialmente a burocrática, quanto à tradicional, especialmente a patriarcal e

patrimonial ou a estamental. Ambas são formas de dominação cotidianas — a carismática (genuína)

é especificamente o contrário. A dominação burocrática é especificamente racional no sentido da

vinculação a regras perfeitamente identificáveis; a carismática é especificamente irracional no

sentido de não conhecer regras. A dominação tradicional está vinculada aos precedentes do

passado e, nesse sentido, é também orientada por regras — baseada nos costumes, na tradição; a

carismática derruba o passado (dentro de seu âmbito) e, nesse sentido, é especificamente

revolucionária. “Esta não conhece a apropriação do poder senhorial ao modo de uma propriedade

de bens, seja pelo senhor seja por poderes estamentais. Só é ‘legítima’ enquanto e na medida em

que ‘vale’, isto é, encontra reconhecimento, o carisma pessoal, em virtude de provas; e os homens

de confiança, discípulos ou sequazes só lhe são ‘úteis’ enquanto tem vigência sua confirmação

carismática”.

Deve-se levar em consideração que as diferenças acima representam três tipos ideais de

dominação, que dificilmente surgem de forma pura. De modo geral aparecem associados.

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Desse modo, a dominação, o exercício do poder, do ponto de vista de Weber, está

relacionada com a administração, é inerente à função gerencial, pois trata- se de induzir pessoas a

agirem de acordo com determinadas expectativas. Visto desta maneira, quem administra o faz

influenciando o comportamento de outras pessoas, portanto exercendo algum poder. Seja

institucional, derivado do cargo que ocupa, seja motivado pela sua capacidade pessoal, ou ambos.

e) Influência

Chamamos de influência a habilidade para afetar as decisões e ações de outros, mesmo

não possuindo autoridade ou força para assim proceder. E influente um indivíduo que consegue

modificar o comportamento dos outros sem ocupar um cargo público ou privado, e sem utilizar

nenhuma forma de coerção física.

A influência tem aumentado sua importância como um componente do poder. Um aspecto

que deve ser considerado é a posse de meios materiais ou não por parte de um grupo ou indivíduo

que, utilizando de habilidade na manipulação do que possui, adquire maiores parcelas do poder, ou

se constitui de fato numa fonte de poder, modificando o comportamento de outras pessoas de

acordo com a sua vontade.

São inúmeros os elementos que podem se constituir em fonte de poder. Dentre os vários,

podemos considerar a posse de conhecimentos como dos mais importantes. Com a democratização

do acesso a um número enorme de informações, depende da habilidade de cada um influir sobre o

comportamento de outras pessoas. A posse pura e simples do conhecimento não dá ao possuidor

poder, ou seja, capacidade de influir em outrem. Só através da habilidade na manipulação desse

conteúdo é que o indivíduo poderá transformá-lo em fonte efetiva de poder.

O mesmo ocorre com a posse de meios materiais (aqui não se incluem os meios materiais

de destruição, como as armas, que são instrumentos de coerção, portanto de força), sejam eles

quais forem e, dependendo do lugar (do espaço) e do tempo, podem ou não transformar-se em

fonte de poder. A posse de telefone celular está bastante disseminada hoje em dia, mas há regiões

do planeta onde ainda é fonte de poder para quem o possui (ou seja, o poder depende do lugar).

Anteriormente, quando surgiu, esse tipo de comunicação dava ao seu portador poder no meio social

em que estava, pois poucos o possuíam (aqui é o tempo que é considerado).

9.3 O poder e as organizações

Na estrutura de funcionamento das organizações, a questão do poder é fundamental, pois

se trata de um sistema de relações sociais em que existe permanentemente uma hierarquização

baseada em diferentes capacidades dos indivíduos nas posições que estes ocupam na organização.

O problema do poder na interação entre indivíduos era ignorado pela teoria racionalista

clássica, pois “o modelo mecanicista da conduta humana em que se apoiava, excluía as relações

complicadas e ambíguas que se desenvolvem em torno das relações de poder”. Crozier (1969, p.

10).

Levando-se em consideração essa questão do poder, podemos falar numa organização

como uma estrutura hierárquica de poder. Sendo este compreendido como a capacidade que

possuem os indivíduos de modificarem o comportamento de outro ou de outros, teremos na base da

organização aqueles que apresentam pouco poder, seja pessoal ou institucional, e no topo aqueles

que apresentam maior poder, este sendo institucional, mas também pessoal (pois permitiu ao seu

possuidor acesso ao poder institucional).

Devemos considerar que há uma dualidade da estrutura de podei; coexistindo numa mesma

organização a oficial e a informal. Como afirma Crozier,

Page 6: O Poder Nas Organizações

Estudar uma organização do ponto de vista das relações de poder, através das quais os atores

organizacionais manipulam as zonas de incerteza com que contam para negociar

continuamente sua própria boa vontade e para impor, na medida do possível, suas próprias

orientações a outros atores, nos revela uma segunda estrutura de poder, paralela àquela que o

organograma oficial codifica e legitima. Crozier e Friedberg (1990, p. 75).

Essa dualidade estrutural do poder “permite situar e compreender as ‘anomalias’ e o

‘distanciamento’ que continuamente se observam entre a fachada oficial de uma organização e os

processos reais que caracterizam seu funcionamento. Esta estrutura de poder constitui, de fato, o

verdadeiro organograma da organização, onde se completa, se corrige e inclusive se anulam as

prescrições formais”.

O exercício do poder do ponto de vista administrativo é inerente à função gerencial, pois

trata-se de induzir pessoas a agirem de acordo com determinadas expectativas. Visto desta

maneira, quem administra o faz influenciando o comportamento de outras pessoas, portanto

exercendo algum poder. Seja institucional, derivado do cargo que ocupa, seja motivado pela sua

capacidade pessoal, ou ambos.

As organizações definem e limitam o que as pessoas podem ou não fazei; estabelecendo

quais ações serão aceitáveis no seu interior. Essa característica demonstra que, mesmo não

estando claro para a maioria dos membros da organização o poder de forma sutil influencia o seu

comportamento, enquadrando-o em parâmetros estabelecidos.

Uma teoria do poder desenvolvida especificamente para as organizações é a de Crozier e

Friedberg. Para estes autores uma organização é fundamentalmente, “o reino das relações de

poder; de influência, de regateio e de cálculo onde as relações conflitivas não se ordenam segundo

um esquema lógico integrado”, sendo que, “para muitos atores, são o meio de manifestar-se e de ter

peso sobre o sistema e seus membros embora seja de maneira totalmente desigual”. Isto acontece

porque o homem é “uma cabeça, ou seja, uma liberdade, ou dito em outros termos mais concretos,

um agente autônomo capaz de calcular e de manipular, que se adapta e inventa em função das

circunstâncias e dos movimentos de seus membros”. Crozier e Friedberg (1990, p. 39).

Para Crozier e Friedberg, o poder é um comportamento que sempre apresenta dois

aspectos. Um, ofensivo, que é aproveitar as oportunidades para melhorar situação e, outro,

defensivo, que consiste em manter e ampliar sua margem de autonomia e, conseqüentemente, sua

capacidade de atuar. Para estes autores, as características estruturais de uma organização

delimitam ou restringem o exercício do poder entre seus membros e definem as condições nas quais

estes podem negociar entre si. A organização permite o desenvolvimento de relações de poder e

lhes dá um caráter permanente.

Os autores French Jr. e Raven, em um estudo clássico e bastante utilizado em análise de

organizações, identificaram cinco bases sociais do poder em função da sua origem e na relação

entre o portador (do poder) e outro agente. Nessa classificação denominaram a esses tipos de

poder: de recompensa, coercitivo, legítimo, do especialista e de referência. French Jr. e Raven

(1975, p. 765).

O poder de recompensa é definido como aquele cuja base é a capacidade de

recompensar, e também está baseado na crença daqueles que se submetem de que serão

recompensados de alguma forma ao adotarem esse comportamento. Por exemplo, um aumento de

salário pode servir de incentivo para aumentar a produção. Em outro exemplo, um professor pode

utilizar o argumento de aumentar ou diminuir a nota em função da adoção de determinado

comportamento pelos alunos.

O poder coercitivo é aquele cuja base é a capacidade de punição e está baseado na

crença daqueles que se submetem de que devem assim proceder para evitar a punição. Pode-se

Page 7: O Poder Nas Organizações

expressar, por exemplo, na capacidade para despedir um empregado que esteja abaixo de

determinado nível de produção. Num outro exemplo, um professor pode acenar com a possibilidade

de levar à diretoria da escola aqueles que não adotarem um determinado comportamento.

O poder legítimo é aquele baseado numa autoridade legítima que foi eleita, escolhida ou

indicada para a posição. Pode ser associado ao conceito de autoridade racional-legal ou tradicional

de Weber. Exemplo: a posição de professor já confere numa instituição de ensino autoridade

legítima, reconhecida pela sociedade a uma pessoa para direcionar o comportamento dos alunos.

O poder do especialista é o que possui quem detém conhecimento, competência ou

habilidade especial sobre determinado assunto ou modo de fazer as coisas. Exemplo: o professor;

pelo conhecimento que possui, pode utilizá-lo em argumentos, para direcionar a turma de alunos

para a adoção de condutas que considera desejáveis.

No poder de referência, aquele que o possui é admirado e pode tornar-se modelo de

referência para os outros, que passam a assumir o comportamento desejado pelo que possui esse

poder. Está bastante associado ao carisma como base de poder. Exemplo: um professor que pauta

suas ações pela ética e respeito pelos outros pode ser admirado de tal modo que influencia o

comportamento de seus alunos.

Em resumo, em toda organização há um sistema de autoridade, que se apresenta

verticalmente hierarquizado, desde seu nível mais simples até o topo do sistema, representado pelo

dirigente máximo da organização, que pode ser um presidente, um diretor-geral, um alto dignitário

religioso, um general etc. Abaixo do dirigente máximo existe uma linha de autoridade estabelecida

por delegação. Nas modernas organizações empresariais burocratizadas predominou ao longo do

século XX o modelo piramidal, conforme Figura 9.1. No modelo apresentado, nos níveis de A e B, as

pessoas apresentam algum tipo de autoridade decrescente, por delegação do dirigente máximo da

organização (Ai). As pessoas que se encontram no nível C, por outro lado, não possuem nenhum

tipo de autoridade formalmente estabelecido (embora possam ter autoridade carismática ou

tradicional).

9.4 Poder e controle nas organizações

O poder e o controle ocupam um lugar central na vida das organizações e na existência dos

seres humanos. Há inúmeros fatos que ilustram situações envolvendo relações de poder nas

organizações, e a intenção de um indivíduo ou grupo para tentar controlar outros: a disputa entre

executivos para conseguir um cargo de direção (ou um espaço próprio), a disputa entre

departamentos para estabelecer a programação do ano seguinte, a resistência dos trabalhadores

para se opor ao fechamento de uma fábrica, os abusos de autoridade do supervisor “tirânico” sobre

o pessoal sob a sua direção (incluindo o assédio sexual), entre outros.

Page 8: O Poder Nas Organizações

Se levarmos em consideração as diversas manifestações de poder externo (legisladores,

competidores, clientes, acionistas, provedores, associações de defesa do consumidor ou do meio

ambiente etc.) e os esforços que desenvolvem para colocar limite na atuação das organizações,

poderemos compreender que o funcionamento de qualquer organização está relacionado com um

conjunto de relações de poder orientadas para o controle.

O controle organizacional ao qual a organização submete seus membros não se limita a

seus comportamentos individuais e a suas relações sociais, e nem se restringe a estas. E um

controle instrumental que lhe permite intervir sobre seu entorno como ator coletivo. A essência do

ato de organizar é a perpetuação do controle racional de certos aspectos da realidade humana; daí

que se pode dizer que a fronteira da organização se encontra onde o controle termina. Infestas Gil

(2001, p.49).

Devemos acrescentar que as organizações, por si mesmas, dispõem de poder, pois, além

de sofrerem interferência de outras instituições, influenciam o funcionamento de outras

organizações, apresentam um poder interorganizacional.

Além disso, segundo Weber; as organizações seriam também instrumentos de dominação

(física e psíquica) sobre todos os seus membros, desde o presidente ou diretor geral até o operário

ou empregado. Desde o uniforme ou o slogan até os jargões organizacionais, as organizações

apresentam esse poder de influenciar os comportamentos, pensamentos e as emoções dos seus

integrantes.

Quanto a esse aspecto de controle das organizações sobre seus membros, podem se

colocados alguns questionamentos em relação aos limites éticos no exercício do poder e

conseqüentemente do controle. Um exemplo: uma organização pode exigir de seus membros que

continuem a exercer suas funções mesmo fora do horário do trabalho, em função das facilidades de

comunicação que existem hoje, como o telefone celular e a Internet. Essa organização teria

legitimidade moral, legal ou social para proceder desse modo?

O controle faz parte das funções e dos processos das organizações. Poder e controle

podem ser considerados como as duas faces de uma mesma moeda. Quem exerce controle tem

poder. Quem tem poder exerce controle.

Nos grupos informais que existem nas organizações, o poder está baseado nas

características dos indivíduos. E um produto de relações de troca desiguais que acontecem quando

alguns indivíduos ficam crescentemente dependentes em relação a outros. Os grupos primários

formados ao redor do processo produtivo, numa linha de produção ou numa área determinada,

constituem verdadeiras células de podei com suas próprias regras e hierarquia, as quais em geral

passam por cima das regras estabelecidas pela empresa.

Já, nos grupos formais, o poder é em grande parte determinado pela posição hierárquica

designada, mas também por características pessoais e dinâmica de grupo.

De um ponto de vista racional, as estruturas de poder hierárquicas e formais nas

organizações evitam, inicialmente, tensões que poderiam surgir das características das pessoas

(nível intelectual, habilidades pessoais, carisma etc.) ao ocuparem determinadas posições. Havendo

a estrutura hierárquica formal, o poder é transferido automaticamente ao ocupante do cargo, que é

transitório, muito embora, na realidade, as características individuais modifiquem freqüentemente o

sistema formal e em grande parte determinem a verdadeira estrutura de poder que emergirá.

9.5 Fontes de poder nas organizações

Pode existir um número interminável de recursos de poder, levando-se em consideração o

contexto onde está inserido o indivíduo (por exemplo, as particularidades de cada sociedade). Por

exemplo, podem se constituir em recursos do poder: a nacionalidade, o sexo, a condição de status

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etc. Um recurso que deve ser considerado no estudo organizacional é a união e a organização das

pessoas. Trata-se de um dos poucos recursos com que contam os setores populares no nível social

ou os empregados ou operários no nível organizacional, mas também o utilizam os dirigentes, para

criar alianças informais e redes de trabalho. A conhecida frase “a união faz a força” identifica este

recurso.

As alianças constituem um recurso de poder que se reduz ou se amplia de acordo com a

habilidade dos indivíduos de perceber as possibilidades que se apresentam de agruparem-se com

outros membros da organização, “para afirmar ou desfazer alianças e quem sabe mais

profundamente, para suportar pressões psicológicas que necessariamente traz consigo qualquer

risco de conflito”. Crozier e Friedberg (1990, p. 37).

Entre as principais fontes de poder nas organizações podemos citar: a autoridade formal, o

controle dos processos de decisão, dos recursos escassos, da informação e do conhecimento, de

acesso a diversos setores da organização, da tecnologia e de uma habilidade técnica.

Controle dos recursos escassos

É um dos mecanismos mais importantes de poder dentro das organizações. A divisão do

trabalho atribui funções concretas a determinados departamentos, e algumas unidades têm como

missão a gestão e o controle dos recursos necessários para que se desenvolvam os processos

produtivos. Esses recursos podem ser pessoas (os recursos humanos destinados a cada unidade),

tecnologia (máquinas e informática), materiais (equipamentos e mobiliário) e finanças (recursos

econômicos necessários para a execução dos projetos). Essas unidades, e seus responsáveis,

detêm grande poder nas organizações, pois os processos internos dependem fundamentalmente de

suas decisões e ações. Como as unidades produtivas dependem desses órgãos, o seu poder ou

capacidade de influência é muito grande em qualquer tipo de organização.

Dessas unidades de suporte, a que sobressai em termos de poder é o controle dos

recursos financeiros, do qual todas as áreas dependem.

Controle de processos de decisão

Os processos organizacionais ocorrem mediante uma série de tomadas de decisões.

Embora as decisões sejam importantes, devem-se considerar como muito relevantes os diversos

passos que antecedem a decisão propriamente dita. Ocorre que a pessoa que formalmente toma a

decisão é o elemento mais visível nesse processo; não é o único, e muitas vezes nem é o mais

importante entre todos que participam no processo de tomada de decisão. A decisão em si deve ser

compartilhada com diversas pessoas que controlam e filtram os fluxos de informação, além de

inúmeras outras não envolvidas diretamente e que também participam. Por exemplo, há pessoas

que podem ter proposto direta ou indiretamente o tema, outras podem ter conhecimento mais amplo

sobre o assunto, tendo sido consultadas anteriormente etc.

O fato é que a maioria dos processos de decisão sempre envolve um número significativo

de pessoas. Algumas poucas aparecem, a maioria que contribui para a decisão não é visível, e

mantém-se oculta, embora sua participação possa ter sido decisiva.

Controle do conhecimento e da informação

É senso comum que informação é poder. E não é menos verdade no âmbito organizacional.

Numa organização, os fluxos de informação movimentam-se por diferentes canais, tanto formais

quanto informais, com diferente freqüência e velocidade. Uma informação é um recurso muito

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sensível, que muda muito facilmente seu conteúdo dependendo das variáveis do meio em que

circula. A fragmentação, o acréscimo, a mudança de destinatário, entre outras intervenções,

modificam o conteúdo da mensagem. Uma informação em dois momentos diferentes não tem o

mesmo valor; o que resulta que frear ou acelerar o fluxo da mensagem pode ser fundamental em

determinadas circunstâncias. Uma informação parcial pode ter um significado totalmente diferente

do conteúdo original, o que significa que uma mensagem pode ser modificada substancialmente

pela omissão ou segmentação de alguma parte.

O controle do acesso a diferentes setores da organização

Ao utilizarmos a idéia de acesso, estaremos nos referindo à relação entre diferentes setores

de uma organização. Deve-se entender como os limites entre os diferentes grupos de trabalho ou

departamentos, ou mesmo entre a organização e seu ambiente externo. O controle do acesso se

manifesta na prática pela capacidade de filtrar informações e contatos entre um setor e o restante da

organização. Há alguns cargos ou funções que possuem amplo acesso a diversos departamentos e

filtram as informações que saem ou que entram; ou controlam os contatos que são estabelecidos

entre os diferentes setores.

Controle de tecnologia

A tecnologia é um instrumento de poder e tem impacto importante nas relações de poder

dentro das organizações. Nestas, qualquer mudança tecnológica implica na possibilidade de

alteração de equilíbrio de poder. A introdução de novas tecnologias pode criar conflitos entre chefes

e subordinados e entre os diferentes grupos da organização. Pode-se afirmar que a tecnologia

constitui um fator básico de transformação e condicionamento da estrutura social.

A informática estabelece uma importante relação entre a tecnologia e a informação e na

distribuição do poder. Em termos práticos, a disseminação do uso da informática nas organizações,

embora passe a impressão de que ocorre uma descentralização das atividades, na realidade

centraliza o controle das atuações individuais.

Autoridade formal

A estrutura de uma organização já prevê em seu organograma básico as posições de

subordinação e dominação presentes, estabelecendo desse modo os níveis hierárquicos

organizacionais. Cada posição na estrutura, portanto, apresenta uma forma de poder social e

formalmente legitimado. A autoridade formal depende da aplicação correta das regras e

procedimentos formais, e constitui a ionte de poder mais evidente numa organização. O indivíduo,

quando assume uma posição na organização, imediatamente também assume a parcela de poder

que esta contém, sendo imediatamente aceito pelos demais, que irão subordinar- se a suas

orientações.

Controle de habilidade técnica

Trata-se do poder do especialista, que detém determinada habilidade técnica, sendo o

único capaz de controlar determinadas incertezas que são importantes para a organização (como o

poder do chefe de manutenção de controlar os defeitos das máquinas). Na realidade toda pessoa na

organização é detentora de alguma perícia, da qual pode se servir para negociar. Para tanto, pode

se aproveitar da dificuldade que haverá na sua substituição.

Page 11: O Poder Nas Organizações

9.6 As fontes de poder em Crozier e Friedberg

Crozier e Friedberg consideram que toda estrutura de ação coletiva se constitui como

sistema de poder. Ela é fenômeno, efeito e fato de poder. Como construção humana, a ação coletiva

regula e cria poder para permitir aos homens cooperar nos empreendimentos coletivos. Crozier e

Friedberg (1990).

Para Crozier e Friedberg, o importante é visualizar quais as áreas de incerteza que cada

ator controla, e daí pode-se deduzir-se a importância ou não dos recursos de poder de que dispõe.

Por exemplo: um trabalho rotineiro e simples, em uma linha de montagem, não gera incerteza para a

organização; enquanto que o trabalho de um único especialista em sistemas de informática, ao ser

indispensável para a organização, tornará o indivíduo portador de importantes recursos de poder.

Uma das principais diferenças da proposta de Crozier e Friedberg em relação a outros

autores está no fato de que consideram que a racionalidade do ator não é uma “racionalidade com

respeito a fins”, mas sim quanto a oportunidades de obter recursos disponíveis para aumentar sua

liberdade perante os demais atores. Avaliam que é aí que se centra a busca de poder. A

possibilidade de controlar— em determinado momento e em certo grau — a incerteza sempre

presente se converte em fonte de poder. E nesse sentido identificam quatro grandes áreas de

incerteza que podem ser utilizadas com esse objetivo, ou seja, constituem fontes de poder: as que

se originam numa competência particular e da especialização funcional; as que estão ligadas às

relações entre uma organização e seu entorno; as que nascem do controle da comunicação e da

informação; e as que têm origem na existência de regras organizacionais gerais.

     O controle de uma competência particular e da especialização funcional constitui a

primeira fonte de poder. E a que mantém a posição de uma competência ou de uma especialização

funcional dificilmente substituível. O especialista é o único que sabe fazer as coisas, que dispõe dos

conhecimentos e da experiência do contexto, os quais lhe permitem resolver alguns problemas

críticos para a organização. O especialista, portanto, é o único que consegue controlar certar

incertezas que são fundamentais para a organização. Neste sentido, os trabalhadores da

manutenção (especialistas) e seu controle sobre as avarias das máquinas e equipamentos

constituem exemplo citado por Crozier (1969). Ou seja, numa organização em que houve um

esforço para tornar os comportamentos previsíveis, através de inúmeros regulamentos, os que

trabalham na manutenção controlam uma área de incerteza, que é fundamental para que sejam

atingidos os objetivos da organização: as avarias das máquinas. Os trabalhadores da manutenção

são os únicos capacitados para diagnosticar a avaria, decidir qual o tempo que ficará imobilizada a

máquina e fazer o reparo. Para tornar sua conduta mais imprevisível, os próprios trabalhadores da

manutenção podem desaparecer com os planos das máquinas e toda informação sobre a

manutenção.

• As relações entre uma organização e seu ambiente externo é a segunda fonte de

poder. A segunda fonte de poder que encontraram Crozier e Friedberg em uma organização está

ligada a todas as incertezas que se desenvolvem ao redor das relações entre a organização e seu

meio ambiente. Esta fonte é bastante próxima da primeira, pois o controle do meio ambiente externo

pode ser considerado como uma forma de perícia (ou especialização). Uma organização não existe

se não estabelece relações com o seu entorno, pois depende dele por um duplo motivo: por um lado

para obter recursos materiais e humanos necessários para o seu funcionamento (mobiliário,

equipamentos, pessoal etc.), e, por outro, para colocar ou comercializar o seu produto, quer sejam

bens ou serviços. Por isso, os segmentos da sociedade com os quais a organização estabelece esta

relação constituem para ela, sempre e necessariamente, uma fonte de perturbação potencial de seu

funcionamento interno, e portanto uma zona de incerteza maior. Assim sendo, os indivíduos ou

Page 12: O Poder Nas Organizações

grupos que, por suas múltiplas dependências ou por seu capital de relações em algum dos

segmentos, podem controlar, pelo menos parcialmente, essa zona de incerteza e adaptá-la em

benefício da organização, terão um considerável poder dentro dela. E um poder de um ator que

participa em vários sistemas de ação relacionados entre si e que pode, por isso, representar um

importante papel de intermediário e de intérprete entre lógicas de ação diferentes e às vezes

contraditórias. O meio ambiente externo e a adaptação da organização ao mesmo trazem

constantemente fontes de incerteza. Aqueles atores que dispõem de uma rede de relações no

exterior da organização podem controlá-las pelo menos parcialmente. Um exemplo é o do

distribuidor, que está localizado entre dois sistemas, o da organização e o dos comerciantes, e que

pela sua situação privilegiada pode desenvolver um poder específico.

     Uma terceira fonte de poder é o controle da comunicação e da informação. Uma

organização cria um poder simplesmente pela forma com que organiza a comunicação e os fluxos

de informação entre suas unidades e entre seus membros. Assim, um indivíduo, para poder cumprir

com a tarefa ou a função atribuída ao seu posto, necessitará informação proveniente de outros

postos onde desempenham outros indivíduos, e estes (por ocuparem um simples posto numa rede

de comunicação) poderão exercer poder sobre essa pessoa, pois a maneira com que transmitirão

suas informações (com maior ou menor atraso, ou mais ou menos filtrada, ou parcial etc.) poderá

afetar profundamente a capacidade de ação de quem a recebe, e os regulamentos pouco podem

fazer para evitar que isso aconteça. Em qualquer organização a informação não é neutra.

     A utilização das regras organizacionais é a quarta fonte de poder. Crozier e Friedberg

destacam que esta fonte de poder pode ser considerada como uma resposta da direção ao

problema que coloca a existência das outras três fontes de poder. Em princípio, as regras estão

destinadas a suprimir as fontes de incerteza, mas o paradoxo está em que não só não as eliminam

completamente, como criam outras que podem ser imediatamente aproveitadas por aqueles aos

quais estas tendem a restringir (atitudes, comportamentos), sendo consideradas como reguladoras

do comportamento. Para os autores citados, o melhor exemplo é oferecido pelas negociações que

ocorrem em torno da aplicação da regra. Geralmente, aceita-se que a regra é um meio que está em

mãos do superior para obter um comportamento de conformidade de seus subordinados.

Considerando que prescreve de modo muito preciso o que estes devem fazer, reduz sua margem de

liberdade, e aumenta o poder do superior. No entanto, pode-se fazer outra análise, segundo a qual

se pode observar que o efeito racionalizador da regra não ocorre num só sentido: restringe a

liberdade dos subordinados, mas atua da mesma maneira com a margem de arbitrariedade do

superior, que não poderá exercer seu poder de sanção, por exemplo, em qualquer circunstância. Ao

mesmo tempo a regra se converte em um meio de proteção para os subordinados, que poderão

refugiar-se nela, contra o arbítrio do superior. Se a aplicam bem, o superior estará debilitado diante

deles. Ocorre que, de um modo geral, para que um serviço funcione bem, é preciso fazer mais do

que prescreve a regra, e como um superior é julgado pelos resultados que obtém em seu posto, ele

se encontrará, portanto, em uma posição de debilidade, já que não pode obter de seus

subordinados mais do que a regra impõe. Conclui-se que, assim como reduz a incerteza quanto ao

comportamento dos subordinados, a regra também cria outra que questiona até que ponto estes

últimos escolherão utilizá-la como proteção contra o arbítrio do superior; o poder que esta confere

reside, pois, mais nas possibilidades de chantagem e de negociação criados por ela que nas

prescrições emanadas por ela. O poder do superior é afinal de contas o poder de criar regras com

as quais possa jogar para obter de seus subordinados os comportamentos que julga convenientes.

9.7 A liderança organizacional

Page 13: O Poder Nas Organizações

O conceito de liderança está estreitamente ligado aos de poder e autoridade, e supõe a

aceitação efetiva e voluntária das idéias e comportamento que o líder assume perante seus

seguidores. A liderança pode ser considerada como “uma forma especial de poder, pois envolve a

habilidade, baseada nas qualidades pessoais do líder, para obter a concordância voluntária de seus

seguidores em urna ampla variedade de assuntos”. Etzioni (1965, p. 690), citado por Hall (2004, p.

127).

Uma diferença importante com o poder é que a liderança envolve a tomada de decisões,

em geral essenciais, portanto é mais que somente a manutenção da subordinação de um grupo ou

indivíduo. Outro aspecto é que a liderança envolve mudança de preferências, procurando coincidir

com as do líder.

Uma liderança constitui uma capacidade humana que permite influenciar os outros, em suas

motivações e competências. A característica mais importante da liderança não está na influência,

mas em como se influencia, pois os chefes de uma organização, que possuem mandato conferido

pela posição que ocupam na estrutura organizacional, podem influenciar também e, no entanto, não

possuírem a qualidade ou capacidade de liderança. O líder possui autoridade por si mesmo,

independentemente do cargo que ocupa. Sua influência no comportamento dos demais membros da

organização vai muito além daquilo que lhe é exigido formalmente.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração é que o seguidor do líder age porque

quer, adere, imita ou o segue por livre e espontânea vontade.

Os motivos que provocam a adesão ao líder podem ser vários: sua personalidade, seu

comportamento, suas idéias e intenções. Ou seja, sua pessoa, sua ação e algumas circunstâncias

que facilitam ou dificultam o surgimento da relação de influência entre líder e colaborador.

Um elemento chave na relação é a confiança que os líderes são capazes de gerar naqueles

que os seguem. Assim, o comportamento do seguidor será o resultado de sua confiança no líder,

em sua pessoa, em suas ações, idéias e intenções. Desse modo a liderança pode ser

compreendida:

Como a capacidade de influenciar uma pessoa, dentro de uma relação interpessoal dinâmica,

que leva o seguidor a aderir livremente à vontade do líder, apoiado na confiança em que

poderá satisfazer assim suas necessidades de bens úteis, agradáveis e éticos. Guillén Parra

(2006, p. 179).

A dimensão ética da liderança tem importantes implicações práticas:

1. Em primeiro lugar, que a capacidade de liderança pode ser adquirida e melhorada,

sempre que a pessoa que queira ser líder esteja disposta a colocar as próprias qualidades ao

serviço dos demais membros da organização, e que faça o possível para melhorar essas qualidades

em três âmbitos: do útil, do agradável e do bom.

2. Em segundo lugar, que a capacidade de liderança, em sua dimensão ética, está ao

alcance de qualquer pessoa, pois sua raiz mais profunda está na vontade daquele que a quer, e em

sua atitude no trabalho. Isto não quer dizer que toda pessoa vá ser líder, mas sim que está em

condições de o ser em sua dimensão ética.

3. Em terceiro lugar, no comportamento do líder eticamente bom se percebe que a

motivação transcendente está presente, se entende que atua no serviço para o bem dos demais, e

não para benefício próprio exclusivamente. Deste modo, somente quem se comporta assim é capaz

de incentivar que quem o segue livremente faça o mesmo; que saia de si mesmo para dar

voluntariamente mais do que dariam normalmente.

No caso da liderança organizacional, as idéias e comportamento do líder se identificam com

a realização dos objetivos da organização, e é nesse contexto que se valoriza a capacidade de

Page 14: O Poder Nas Organizações

liderança como uma qualidade necessária naqueles membros que detenham poder formal de

acordo com a estrutura hierárquica, pois desse modo pode-se aumentar a eficácia no trabalho dos

seus seguidores.

A teoria das relações humanas, num primeiro momento, centrou os estudos na figura do

líder a partir de uma dupla perspectiva:

1. Teoria dos traços, que parte dos traços ou características pessoais que o diferenciam

de seus seguidores e lhe outorgam uma capacidade de atração especial (inteligência, capacidade

de mando, autoconfiança etc.).

2. Teoria dos estilos de liderança, que parte da conduta adotada pelo líder em relação a

seus seguidores, a qual se resume em duas grandes categorias: (a) a conduta de relação, orientada

ao estabelecimento de relações de respeito mútuo e confiança com os seguidores e baseada em

comunicações bilaterais, e (b) a conduta de tarefa, eminentemente unilateral, orientada a

organização de atividades dos seguidores através da determinação precisa de como, quando e

onde deverão ser realizadas.

Diante da insuficiência das teorias anteriores para explicar a relação entre liderança e

produtividade, desenvolveram-se posteriormente novas teorias que têm em comum a importância

que concedem à situação em que se encontram os seguidores. Nesse sentido, os estilos de

liderança devem acomodar-se às situações específicas que vivem os seguidores e se definem

operacionalmente segundo suas aptidões ou capacidade para executar adequadamente a tarefa

designada, e segundo suas atitudes ou grau de disponibilidade para realizá-la. Conseqüentemente,

não existe uma liderança ideal, válida para todos os casos, mas a situação concreta que vivem os

indivíduos em seu grupo de trabalho exigirá a aplicação de um estilo de liderança determinado, que

varia entre a delegação de atribuições, a participação na tomada de decisões, a persuasão e a mera

direção.

Os fatores que determinam a eficácia de um estilo de liderança podem ser agrupados em

duas grandes categorias:

(1) características do indivíduo: localização de controle, capacidade de execução da

tarefa, necessidade de sucesso, experiência, necessidade de clareza;

(2) fatores ambientais: tarefa do trabalhador, sistema de autoridade, grupo de trabalho.

Nessa perspectiva situacionista predominante nas teorias de liderança organizacional

atuais, seguem-se três conseqüências importantes para a gestão das organizações:

1. Não existe um único estilo de liderança eficaz; os líderes utilizam aquele que consideram

que terá maior efetividade em cada momento determinado.

2. Os diversos estilos de liderança se encontram estreitamente relacionados com as

características individuais e grupais dos indivíduos.

3. É necessário levar em conta o grau de estruturação das tarefas pela sua influência sobre

os demais fatores.

A liderança informal nas organizações

Toda organização desenvolve processos e operações diárias que apresentam em algum

momento ambigüidades e passam a constituir problemas que devem ser resolvidos de imediato para

que o sistema continue a operar. Conseqüentemente, as pessoas ou setores que conseguem

resolvê-los possuem um maior poder. Qualquer organização busca reduzir os imprevistos,

neutralizando-os através da incorporação destes à rotina. Mas sempre haverá um grau de incerteza

presente, pois por definição imprevistos são o que são, não podem ser previstos ou antecipados

com exatidão. E nesses momentos que surgem as lideranças informais.

Page 15: O Poder Nas Organizações

O líder informal é aquele que tem a capacidade de trazer voluntariamente outras pessoas

para se integrarem num processo de mudança. Essas lideranças são importantes, pois em

organizações, principalmente as maiores e complexas, a capacidade de dirigir e tomar decisões não

depende unicamente dos líderes formais, que não podem estar em todos os lugares ao mesmo

tempo.

Podemos considerar a existência de pelo menos duas lideranças de tipo informal: aquela

orientada a tarefas e a orientada às pessoas.

O líder orientado às tarefas é o que absorve positivamente a incerteza, ou seja, que

soluciona problemas e toma decisões.

O líder orientado às pessoas é aquele que estabelece vínculos de afeto com as pessoas do

seu grupo ou setor e que as ajuda e aconselha nos problemas de índole pessoal.

A presença de líderes informais nas organizações é fundamental, embora seja difícil a

identificação deles e do seu exato papel nos processos internos. Todas as organizações possuem

redes informais nas quais há pessoas que interagem de tal modo que dão resposta a alguns tipos

de necessidades sociais. Essas lideranças de grupos informais podem se tornar tão poderosas e

influentes em seu grupo que podem competir com as lideranças formais estabelecidas e amparadas

pelas normas e regulamentos da organização.

9.8 O conflito nas organizações

Um dos principais temas em ciências sociais, o conflito está diretamente relacionado com

as questões que envolvem a disputa pelo poder. Nos primórdios da teoria organizacional, o conflito

era visto como um fenômeno essencialmente negativo e que impedia a progressão das

organizações, vistas como sistemas de cooperação. Atualmente, considera-se o conflito como

inerente a qualquer sistema social e sinalizador importante da necessidade de mudanças.

Há inúmeras abordagens em relação ao conflito, desde aquelas que o consideram

fundamental para o desenvolvimento humano, como a perspectiva marxista, até aquelas que o

julgam como negativo e até destrutivo, como as que adotam o enfoque funcionalista. Entre as

principais abordagens sobre o conflito estão:

a) O enfoque marxista: o conflito como motor da mudança social

Em toda a produção teórica de Karl Marx, a temática do conflito está presente e se

expressa fundamentalmente como luta de classes na sociedade capitalista e ocorre em todo

processo histórico. Toda sociedade é um cenário de enfrentamento entre diferentes grupos rivais

que disputam o controle de recursos escassos. Toda sociedade apresenta em seu seio grupos com

diferentes interesses e com metas divergentes, que são a fonte de conflitos. Estes devem ser

considerados normais e constituindo uma forma de se restabelecer um equilíbrio de poder. Desse

modo considera-se que a mudança é inevitável e desejável. Destacam-se entre as obras de Marx o

Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels, 1977) e O capital (Marx, 1989).

O conflito na sociedade ocorre através da luta de classes, que se baseia nas relações entre

uma classe dominante, que possui os meios de produção e que explora os trabalhadores impondo

sua ideologia utilizando o Estado para manter sua dominação, e uma classe explorada, que

somente possui a sua força de trabalho. O conflito que surge em função dessas duas posições

antagônicas deverá provocar uma mudança nos meios de produção e na estrutura das relações

sociais e atingir um estágio em que deixarão de existir as classes sociais.

As relações entre as duas classes sociais são de um conflito latente, pois a ideologia da

classe dominante se impõe. No momento em que os trabalhadores tomam consciência de sua

situação, o conflito se manifesta. A tomada de consciência ocorre quando a classe explorada se

constitui como classe em si, organizando- se. Desse modo, para Marx, a participação consciente

Page 16: O Poder Nas Organizações

dos trabalhadores numa organização é parte essencial do processo de sua emancipação como

classe.

b) A abordagem de Weber: a institucionalização do conflito

Enquanto a teoria marxista entende que o conflito tem base essencialmente econômica,

Weber amplia essa concepção e considera que esse é somente um dos seus aspectos. Além da

base econômica, cuja natureza do conflito está baseada nas relações entre as classes sociais,

constitui fonte de conflito o prestígio ou reputação social, que se observa nas relações entre grupos

de status; e o poder político, que é origem de conflitos entre partidos políticos ou grupos de

interesse.

Desse modo, o conflito permeia a sociedade e se origina de diversas fontes e não somente

da luta de classes, como entende o marxismo. A concepção de Weber constitui uma grande

contribuição para o estudo do conflito nas organizações, pois amplia as variáveis que podem ser

utilizadas para explicar o fenômeno. Como o conflito está sempre ligado à disputa de poder, outra

contribuição importante foi a idéia de poder legítimo baseado na autoridade (legal, tradicional ou

carismática).

c) A perspectiva funcionalista de Talcott Parsons: o conflito como algo negativo

Para Parsons, a sociedade é vista como um sistema de ação, onde cada uma das partes

integrantes tem um papel a desempenhar e, em interação com as outras, faz com que o sistema

funcione de forma integrada, equilibrada e estável graças à cooperação e haja algum consenso

sobre os valores que são compartilhados.

Nesse enfoque, o conflito é considerado anormal e, em geral, destrutivo. As mudanças

repentinas tendem a prejudicar a vida social, provocando desequilíbrios e tensões. São

consideradas como desvios, ou como resultado de um mau funcionamento do sistema.

d) A abordagem de Ralph Dahrendorf: a origem estrutural do conflito

Dahrendorf aceita algumas premissas de Marx acerca do conflito, como a de que ele é

inerente à natureza e ao funcionamento da sociedade, que é o principal motor da história, que por

ser um conflito de interesses opõe dois grupos. Mas apresenta diferenças importantes,

principalmente, não aceitando que todos os conflitos tenham origem na luta de classes, e que esta

desemboque necessariamente em uma revolução ou que a origem do conflito de classes seja

essencial- mente a propriedade dos meios de produção.

Para Dahrendorf, “uma série de desenvolvimentos desvirtuaram na indústria mecanizada

avançada esta oposição que na época da industrialização foi efetivamente importante”. Pode-se

destacar “a criação das sociedades anônimas com sua separação de propriedade e controle, a

substituição dos ‘capitalistas’ pelos gerentes, o surgimento de uma camada média de empregados e

a posição material e de poder melhorada dos trabalhadores”. Tudo isso, no seu entender, torna hoje

a tese da divisão da indústria e da empresa industrial em dois grandes campos hostis, com duas

classes que se enfrentam diretamente, como uma simplificação grosseira e, além disso, falsa.

Dahrendorf (1965, p.108).

Considera que há uma dicotomia no caráter da dominação nas empresas industriais. Para

ele, o domínio é uma força ambivalente: por um lado, mediante a estrutura de dominação, a

empresa industrial se converte em um todo que funciona, e por outro lado o exercício da dominação

significa sempre a divisão das organizações sociais em indivíduos que “têm algo a dizer” e

indivíduos que terão que obedecer. Dessa forma, a mesma força que produz a integração do

sistema social “empresa” se converte ao mesmo tempo, enquanto coação, em ponto de partida

Page 17: O Poder Nas Organizações

daquelas oposições que sempre existem nas empresas. Assim, “a estrutura de dominação das

empresas industriais é a fonte geral de todos os conflitos”.

Dahrendorf destaca a existência de disputas nos grupos informais dentro das empresas.

Segundo ele, esses conflitos informais são os que estão menos consolidados. Não aceitar

determinados chefes ou determinadas medidas, com suas conseqüências, são formas típicas

desses conflitos informais. Quando se mantém uma forma anterior de trabalho, contrariando uma

ordem, quando há protestos contra deslocamentos, ou quando a produtividade baixa

consideravelmente com determinado chefe, isto revela, de um modo geral, a ação de grupos

informais contra os interesses da direção da empresa, ou seja, a existência de conflitos informais.

Conflito e relações de poder

Uma das conseqüências mais importantes de uma ação de poder é a subordinação, o ato

de cumprir e obedecer a quem está numa posição hierárquica superior. As diversas unidades

existentes na organização, além das pessoas, também agem do mesmo modo, em função da

distribuição de poder entre os diversos setores da organização. No entanto, esta não é a única

resposta, pois com relativa freqüência ocorre a resistência à manifestação concreta de poder,

originando o conflito.

Conflito nas organizações

O conflito se apresenta como um estado indesejado nas organizações, mas que existe.

Pode ter como origem as estruturas, os diversos papéis sociais, as atitudes, os estereótipos

organizacionais, ou surgir pela escassez de recursos. Pode ser explícito ou estar implícito, mas

qualquer que seja o motivo haverá sempre interesses divergentes.

O conflito nas organizações não pode ser visto somente em relação aos comportamentos

individuais (relações interpessoais), mas deve ser relacionado também com a natureza das

organizações, a sua estrutura, seus processos internos e externos, entre outros que contribuem

para gerar situações de conflito.

As organizações podem ser consideradas como sistemas de cooperação e competição, ao

mesmo tempo, pois, enquanto há colaboração para atingir os objetivos que são comuns a todos e

que constituem os fins da organização; no seu interior há competição por maiores parcelas de

poder, por privilégios, por promoção pessoal, para obtenção de recursos escassos etc. Muitas

dessas situações de competição geram conflitos abertos ou não, que podem estar latentes durante

longo tempo e explodem em determinados momentos, principalmente quando são maiores as

pressões (tanto internas quanto externas) para mudanças.

Fontes de conflito nas organizações

Há diversas fontes que geram conflito nas organizações para Richard Hall, entre os quais

cita: Hall (2004, p. 119-120), baseando-se em vários autores.

1. O conflito funcional, que é induzido por vários sistemas dentro da organização. A

diferenciação faz com que as unidades e as pessoas tenham diferenças, que geram problemas de

relacionamento inter-setorial. Por exemplo, são diferentes as funções exercidas pelo pessoal do

setor financeiro e o da produção.

2. Unidades que possuem funções similares. Aqui, o conflito assume a forma de hostilidade,

rivalidade ou concorrência de boa índole. Essa competição pode ser benéfica, mas também pode

Page 18: O Poder Nas Organizações

ser destrutiva. O conflito pode também se desenvolver quando há mútua dependência de tarefas, ou

dependência assimétrica ou desbalanceada entre unidades da organização.

3. Conflito hierárquico, que nasce das lutas dos grupos de interesse que disputam as

recompensas organizacionais de status, prestígio e dinheiro.

4. Comunicações imperfeitas, que constituem dificuldades semânticas, canais imperfeitos

de comunicação.

5. As condições estruturais, como por exemplo: o tamanho grande, heterogeneidade de

pessoal, status de supervisão, graus de participação, recompensas, formas de utilizar o poder etc.

6. O comportamento pessoal: diferenças de personalidade, satisfação com o posto e metas

individuais.

7. Grupos com diferentes poderes nas organizações, como no conflito capital-trabalho. E

grupos ocupacionais e profissionais que detêm diferentes parcelas do poder.

Conflito e estrutura organizacional

Os conflitos nas organizações têm origem de um modo geral nos principais elementos que

constituem a estrutura organizacional:

• a estrutura funcional;

• a estrutura hierárquica;

• o sistema de status;

• os grupos informais (a “estrutura informal”).

a) Na estrutura funcional

Como as posições funcionais são interdependentes, umas são referidas em relação às

outras, os conflitos surgem pelo fato de que os indivíduos que ocupam determinadas funções não

executam suas tarefas de acordo com as expectativas, impossibilitando que as outras funções

sejam exercidas corretamente. Um faxineiro que deixa de limpar um escritório prejudicará o

exercício da função por parte daqueles que irão ocupá-lo. Um office-boy que não entrega um serviço

que já foi executado por outros inviabilizará que sejam atingidos os objetivos a que se propuseram.

b) Na estrutura hierárquica

Aqui muitos conflitos têm origem na perspectiva de ascensão vertical, onde muitos

indivíduos que pertencem aos níveis inferiores tudo fazem para desalojar os ocupantes de posições

superiores, buscando um conflito que resulte no afastamento do superior hierárquico e abrindo a

perspectiva para a sua própria ascensão pessoal. Por outro lado, o conflito também pode se

estabelecer devido à ameaça de um ocupante de cargo ou função ser desalojado da posição

hierárquica que ocupa por algum subordinado; e deste modo se antecipa e destitui a pessoa que

coloca em risco sua posição.

c) No sistema de status

Mudanças abruptas na hierarquia de prestígio causam tensões sociais que podem levar ao

conflito. Um empregado que se forma advogado e permanece ocupando uma mesma posição

subordinada a um chefe de seção que tem uma formação de nível colegial é um exemplo de

situação que pode gerar conflitos.

Page 19: O Poder Nas Organizações

Importante destacar que as mudanças na hierarquia de prestígio não estão associadas a

mudanças na estrutura funcional ou hierárquica; se tratam de alterações que ocorrem

independentemente da estrutura formal, e que estão relacionadas com mudanças nos valores

sociais atribuídos aos indivíduos que integram o sistema organizacional.

d) Nos grupos informais

Os conflitos que surgem aqui têm origem nos relacionamentos informais existentes entre os

membros do grupo e podem não estar relacionados diretamente com questões ligadas aos

processos de trabalho.

Esses conflitos podem ocorrer dentro de cada elemento constitutivo da estrutura

organizacional, ou entre esses elementos, abrindo um amplo leque de fontes possíveis de conflitos.

Por exemplo, podem ocorrer entre:

• estrutura funcional e sistema de status;

• estrutura funcional e estrutura hierárquica;

• estrutura funcional e grupos informais;

• sistema de status e estrutura hierárquica;

• sistema de status e grupos informais;

• estrutura hierárquica e grupos informais.

Resumo

Estudamos neste capítulo o poder e suas manifestações no âmbito das organizações. Em

primeiro lugar destacamos o papel fundamental de Weber na elaboração de um conceito que possui

grande unanimidade em termos de aceitação. Em segundo lugar, identificamos os principais

componentes do poder, como a força, a autoridade e a influência.

Detivemo-nos, em especial, no conceito de autoridade e dominação apresentados por Max

Weber, que os diferenciou em racional-legal, tradicional e carismático, e mostramos a interconexão

entre eles.

Em seguida, vimos a teoria de poder proposta por Crozier e Friedberg, que identifica uma

dualidade na estrutura de poder nas organizações. Esses autores destacam o poder nas interações

sociais nas organizações e a existência de duas manifestações opostas dele: uma ofensiva e outra

defensiva.

Destacamos, ainda, dois outros autores que também são referência importante quando se

discute poder nas organizações. French e Raven identificaram cinco bases sociais do poder: de

recompensa, coercitivo, legítimo, do especialista e de referência.

Discutimos a seguir o controle nas organizações e sua relação com o poder, e como ambos

podem ser considerados como duas faces de uma mesma moeda, tal a sua interdependência.

Vimos em seguida as principais fontes de poder nas organizações, entre as quais: a

autoridade formal, o controle dos processos de decisão, o controle dos recursos escassos, o

controle da informação e do conhecimento, o controle de acesso a diversos setores da organização,

o controle da tecnologia e o controle de uma habilidade técnica. Em seguida, discutimos as quatro

grandes áreas de incerteza, de Crozier e Friedberg, que ao serem controladas constituem fontes de

poder, e que são: as que se originam numa competência particular e da especialização funcional; as

que estão ligadas às relações entre uma organização e seu entorno; as que nascem do controle da

comunicação e da informação; e as que têm origem na existência de regras organizacionais gerais.

Outros pontos abordados e que estão relacionados com o poder foram a liderança e o

conflito organizacional. Quanto à liderança, além de discutir seu conceito introduzimos a questão da

liderança formal, como um componente fundamental do estudo organizacional. Em seguida

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abordamos o conflito nas organizações, e primeiramente vimos algumas teorias gerais do conflito,

entre as quais as de Marx, Weber, Parsons e Dahrendorf. E, finalizando, quanto às organizações,

identificamos as diversas fontes que geram conflito e a relação deste com a estrutura

organizacional.

Referência:

DIAS, Reinaldo. Sociologia das organizações. São Paulo: Ática, 2008.