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O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como elemento construtor de identidades nacionais Luana Monçores de Lima Suhett Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos Ŕ opção língua francesa) Orientador: Professor Doutor Pierre François Georges Guisan Rio de Janeiro Junho de 2012

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O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como

elemento construtor de identidades nacionais

Luana Monçores de Lima Suhett

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção

do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos

Linguísticos Neolatinos Ŕ opção língua francesa)

Orientador: Professor Doutor Pierre François Georges

Guisan

Rio de Janeiro

Junho de 2012

O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como

elemento construtor de identidades nacionais

Luana Monçores de Lima Suhett

Orientador: Professor Dr. Pierre François Georges Guisan

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro Ŕ UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a

obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.

Examinada por:

___________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto - UFRJ

___________________________________________________

Profa Doutora Maria Jussara Abraçado de Almeida - UFF

___________________________________________________

Profa. Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio - UFRJ

___________________________________________________

Profa. Doutora Ângela Maria da Silva CorreaŔ UFRJ, Suplente

___________________________________________________

Prof. Doutor Thomas Daniel Finbow Ŕ USP, Suplente

Rio de Janeiro

Junho de 2012

Suhett, Luana Monçores de Lima.

O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como elemento

construtor de identidades nacionais / Luana Monçores de Lima Suhett. Ŕ Rio de

Janeiro:UFRJ/ FL, 2012.

xi, 106f.: il.; 31 cm.

Orientador: Pierre François Georges Guisan

Dissertação (mestrado) Ŕ UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em Letras

Neolatinas, 2012.

Referências Bibliográficas: f. 102-103.

1. Língua e nação. 2. Línguas no Magrebe. 3. Constituições magrebinas 4.

Enquetes sociolinguísticas I. Guisan, Pierre François Georges. II. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas.

III. O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua como elemento construtor

de identidades nacionais

Agradecimentos

O meu maior agradecimento à realização desta dissertação de mestrado é, sem dúvida,

para meu querido orientador, professor Pierre François Georges Guisan, que me mostrou a

perspectiva de uma sociolinguística mais ampla, “sem fronteiras”, “crioulizada” e ativa nas

questões que concernem às políticas linguísticas. Obrigada pelo seu humanismo e

conhecimento, pela atenção e carinho dispensados.

Agradeço igualmente à professora Nabiha Jerad, sociolinguista da Universidade de

Túnis, que me ajudou com a enquete tunisiana e com as traduções do árabe para o francês. A

sua participação foi imprescindível não só pelo apoio, mas também pelos materiais e

discussões sobre o tema. Shukran!

Gostaria também de agradecer à professora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio,

docente deste programa e membro desta banca, pelas apreciações feitas e materiais

emprestados ao longo de duas disciplinas que realizei no mestrado. Suas críticas muito me

ajudaram a melhorar este trabalho. Devo também agradecer à professora Letícia Rebollo

Couto, que muito gentilmente aceitou o convite para presidir a banca de defesa desta

dissertação ¡Muchas gracias!

Quero também agradecer à professora Jussara Abraçado por ter acolhido prontamente

o convite de participar da minha banca de defesa, assim como aos professores Ângela e

Thomas, que aceitaram o convite para a suplência. Muito Obrigada!

É necessário fazer um agradecimento formal ao programa de Pós-graduação em Letras

Neolatinas e ao setor de francês desta Faculdade, pela minha formação desde a graduação. A

realização deste mestrado passou inevitavelmente pelas mãos desses professores, que através

de suas aulas Ŕ língua e literatura Ŕ nos conduzem pelo apaixonante mundo das Letras.

Por fim, mas não menos importante nesta trajetória, gostaria de agradecer a minha

família (mãe, pai, irmã, marido, tios, primos, avô, mestre Mokiti Okada) pelo amor, incentivo

ao estudo e suporte de sempre. Amo vocês! Vó Ninita ficaria muito orgulhosa deste

momento! Merci beaucoup!

“Je me souviens très bien de la première fois de ma vie que j‟ai vu des Français. J‟en avais

entendu parler. C‟était une mythologie. C‟était en 1955, quelques mois après le

déclenchement de la guerre d‟Algérie. J‟avais 5 ans. Nous avions entendu dire que des

militaires français allaient venir chez nous au village [...] Lorsque soudain nous vîmes au loin

une longue colonne des petits points noirs semblables à une procession de fourmis. Les

voilà !!! C‟est les Français ! [...] Plus ils s‟approchaient, plus nous étions stupéfaits. Non,

mais c‟est pas possible... Ils étaient noirs ! Merde ! Les français sont noirs ! Il n‟y avait que le

type qui marchait en tête de colonne. Leur chef qui était blanc. Lui, ça devait être un

Algérien, c‟est sûr ! Ils s‟approchaient, ils s‟approchaient [...] Hagar nous regardait avec le

même étonnement qu‟il pouvait lire sur nos visages. Juste à ce moment-là, le muezzin lança

l‟appel à la prière du maghrib [...] les soldats déposèrent leurs bardas et étendirent leurs

manteaux là même à la neige et ils se mirent à prier. Aïa ! Et en plus, ils sont mulsumans ! [...]

Un peu plus tard, J‟ai appris que c‟était un bataillon de tirailleurs sénégalais. Et un tout petit

peu plus tard, j‟ai appris que moi aussi j‟étais français ! Aïa ?!”

(Mohamed Saïd Fellag, comédien algérien Ŕ Espetáculo Le dernier chameau, 2004)

RESUMO

SUHETT, Luana Monçores de Lima. O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua

como elemento construtor de identidades nacionais. Orientador: Professor Dr. Pierre

François Georges Guisan. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. Dissertação (Mestrado em Estudos

Linguísticos Neolatinos Ŕ Língua Francesa).

Estudo sobre o papel das línguas francesa, árabe e berbere no processo de construção de uma

identidade linguística-cultural no Magrebe pós-colonial. Crítica aos discursos oficiais, que

homogeneízam e ocultam a riqueza linguística da região a fim de desenvolver seus projetos de

nação com base em modelos linguístico-identitários estabelecidos por países europeus já no

século XVIII. Apresentação e análise das reais práticas linguísticas das comunidades

magrebinas, a partir de dados coletados através de enquetes sociolinguísticas, que nos

apontam um novo olhar sobre a relação língua-identidade pelas novas gerações do Magrebe.

RESUME

SUHETT, Luana Monçores de Lima. O projeto de nação pós-colonial magrebino: a língua

como elemento construtor de identidades nacionais. Orientador: Professor Dr. Pierre

François Georges Guisan. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. Dissertação (Mestrado em Estudos

Linguísticos Neolatinos Ŕ Língua Francesa).

Etude sur le rôle des langues française, arabe et berbère dans la construction d‟une identité

linguistique-culturelle au Maghreb postcolonial. Critique des discours officiels, qui

homogénéisent et cachent la richesse linguistique régionale, afin de mettre en oeuvre leurs

projets de nation, en se fondant sur des modèles linguistiques-identitaires établis par les pays

européens au XVIIIe

siècle. Présentation et analyse des pratiques linguistiques des

communautés maghrébines, à partir des données collectées par des enquêtes

sociolinguistiques, qui nous indiquent un nouveau regard sur la relation langue-identité par les

nouvelles générations du Maghreb contemporain.

Sumário

Introdução

PARTE I

Descrição e conceituação do quadro linguístico magrebino pós-colonial

1. Apresentação do problema .................................................................... p.12

2. Breve histórico colonial ......................................................................... p.14

3. O cenário linguístico magrebino contemporâneo .................................. p.17

3.1 A língua árabe ....................................................................................... p.18

3.1.1 Variante clássica ................................................................................. p.21

3.2 A língua berbere .................................................................................. p.22

3.3 A língua francesa .................................................................................. p.26

3.3.1 O francês basiletal .......................................................................... p.27

3.3.2 O francês relativo à elite ................................................................. p.28

3.3.3 O francês mesoletal ........................................................................ p.28

3.4 A relação árabe-francês ...................................................................... p.29

PARTE II

Língua e nação

4. Do “Génié de langues” às “Comunidades Imaginadas” : a relação entre língua, nação

e Estado................................................................................................ p.32

4.1 A ideia de um génie e a concepção de língua ...................................... p.32

4.2 A formação do conceito de nação e Estado ......................................... p.38

5. Multilinguismo e contato de Línguas ................................................... p.49

5.1 Contato linguístico: língua e identidade ............................................... p.51

PARTE III

As constituições pós-coloniais dos países magrebinos

6. Políticas de arabização e políticas linguísticas ..................................................... p.56

6.1 Discurso e Identidade ............................................................................................ p.57

6.2 Os imaginários sociais e as constituições de Argélia, Tunísia e Marrocos .......... p.60

PARTE IV

Enquete com jovens magrebinos: corpora e reflexões

7. O objetivo das enquetes linguísticas ..................................................................... p.75

7.1 A enquete tunisiana .............................................................................................. p.76

7.1.1 Atitudes e práticas linguísticas no cotidiano .................................................. p.77

7.1.2 Tecnologias e escrita ...................................................................................... p.78

7.1.3 Representações linguísticas ........................................................................... p.79

7.2 A enquete argelina ............................................................................................ p.81

7.3 A enquete marroquina ......................................................................................... p.85

7.4 Práticas com o árabe literário ............................................................................. p.87

7.5 Práticas com o francês ....................................................................................... p.90

8. Um olhar geral sobre as três enquetes ................................................................ p.93

Conclusão

Bibliografia

Outras referências

Anexos

8

Introdução

Este trabalho nasceu ainda na iniciação científica no período em que era aluna de

graduação dentro de um projeto maior de estudos sobre Francofonia, conflitos e contatos

linguísticos, políticas linguísticas e identidade cultural. A participação nesse projeto me

permitiu ter elementos para a formulação de uma nova pesquisa para o mestrado. O fruto

desses anos de estudos está consolidado nas páginas a seguir.

Quando falamos de línguas em contato, falamos também de conflitos linguísticos,

crenças, valores, imaginários e representações que formam o ideal do que somos, marcam

nosso lugar no mundo e nos permite criar, por nossa vez, a imagem que temos do outro. A

concepção de língua passa inevitavelmente por essas questões e é por isso que optamos, nessa

dissertação, trabalhar com uma perspectiva da sociolinguística que se preocupa, em particular,

em investigar os fenômenos linguísticos relacionados às representações sociais e às relações

identitárias criados pelas comunidades de fala.

Para fundamentar as nossas reflexões, adotamos a ideia de nação definida por

Benedict Anderson em seu livro intitulado Comunidades Imaginadas, publicado

originalmente em inglês no ano de 1991. Para Anderson, a nação moderna precisou adotar

mitos para justificar a sua nova organização, centralizando a tudo e a todos por instrumentais,

tais como a concepção de uma língua única, com um passado histórico, plena de mitos e

imagens a ela associados. Na “vanguarda” dessa nova concepção, está o Estado

Revolucionário francês, que além de cabeças, também decepou a riqueza linguística francesa

que existia até então. Assim, só um francês único e “legítimo” poderia representar e unificar a

nova e instável República. O modelo Ŕ que será descrito posteriormente - foi exportado para

outros territórios europeus, e mais tardiamente para o resto do mundo. Uma língua, um

território, uma nação. Relação que pretendemos discutir ao longo desta dissertação.

9

A escolha pelos conflitos linguísticos magrebinos como tema se deve ao fato de que o

projeto de nação adotado pelos países da região se funda pelo mesmo ideal francês do século

XVIII. O que é irônico e contraditório. Esses países ao conseguirem suas independências da

França, lançaram-se na construção de um ideal de nação pautado pela língua árabe clássica,

marginalizando e ocultando o multilinguismo das sociedades magrebinas.

Com isso, o nosso trabalho será apresentado em quatro partes. Em um primeiro

momento, faz-se necessária a apresentação do problema, seguida de um breve resumo sobre a

história colonial da região e uma descrição da situação linguística atual magrebina. Na

segunda parte, abrimos uma discussão teórica sobre o conceito de nação, Estado e identidade

linguística-cultural. A reflexão sobre a concepção de língua também é ponto chave para se

entender o problema magrebino, mostrando como essa está intimamente ligada às

construções, às imagens e aos valores que criamos e temos sobre nós mesmos como cidadãos

pertencentes a uma comunidade específica. Para encerrar esse item, é importante falar sobre

multilinguismo e contato de línguas, e explorar como a identidade linguística pode aparecer

nesse contexto.

A terceira parte deste trabalho tem por objetivo apresentar e discutir os discursos

oficiais de Argélia, Tunísia e Marrocos sobre língua, Estado e nação, através do olhar da

análise do discurso de Patrick Charaudeau1. Foi realizada uma seleção de trechos das

constituições magrebinas - recentes ao período de independência e também as mais

contemporâneas Ŕ a fim de estudar as políticas linguísticas organizadas pelos governos ao

longo dos anos.

Por fim, um trabalho com enquetes sociolinguísticas Ŕ uma de realização pessoal e

outras duas de pesquisadores da região - fecha a pesquisa com dados e informações que se

1 O autor francês nos apresenta a ideia de comunidade do discurso, conceito muito relevante para a análise das

constituições.

10

opõem claramente aos discursos oficiais, mostrando uma nova geração de magrebinos que se

serve do multilinguismo para a construção de suas identidades com vista para o futuro.

Através dessas quatro seções, podemos vislumbrar um pouco as riquezas e as mazelas

linguísticas do Magrebe atual, onde línguas se encontram e se enfrentam por espaços de

expressão linguística, cultural, identitária e política.

PARTE I

12

DESCRIÇÃO E CONCEITUAÇÃO DO QUADRO LINGUÍSTICO MAGREBINO

PÓS-COLONIAL

1 – Apresentação do problema

Este trabalho tem por objetivo discutir a relação nação-língua no Magrebe pós-

colonial e as políticas linguísticas em torno da língua francesa, através de uma perspectiva da

sociolinguística que se preocupa, em particular, em pesquisar os fenômenos relacionados às

representações sociais e às relações identitárias criadas pelas comunidades de fala. Marrocos,

Tunísia e Argélia, através de uma revalorização da cultura e da língua árabe, consideradas

como originais, buscam construir outras identidades nacionais. Entretanto, as políticas

linguísticas adotadas pelos governos mais recentes ignoram (como na Argélia2) ou minimizam

(como na Tunísia e no Marrocos) a forte presença e uso da língua francesa no cotidiano

desses países, seja na administração, na cultura, na sociedade ou na escola, caracterizando-a

como língua estrangeira, assim como o inglês, que possui um papel bem menos dinâmico

nessas sociedades. O francês é visto como uma herança ainda muito ligada à dominação

colonial e a toda uma memória negativa de um passado bem recente. As constituições dos três

países não citam o francês como uma língua falada na região e também limitam a língua árabe

a uma norma única associada ao islamismo. Ou seja, não há distinção entre as variantes, como

o árabe clássico, o árabe standard e, principalmente, o árabe dialetal, que é a língua mais

utilizada pela população nas suas práticas linguísticas cotidianas. As variantes são

intercompreensíveis, o que nos remete ao questionamento do conceito de língua e de dialeto.

A partir desse cenário linguístico e dos problemas nele implicados, podemos nos

questionar sobre o papel e as representações das línguas citadas anteriormente nos países aqui

estudados: Como as representações culturais sobre uma língua influenciam na construção de

2 A Argélia não é um país-membro da OIF (Organização Internacional da Francofonia, criada em 1970)

13

uma identidade linguística? Como a língua servirá de mito para a construção de uma unidade

social? Em que medida a língua francesa no Magrebe pode ser ao mesmo tempo um elemento

de impasse e de coesão na construção de uma identidade nacional? Quais representações estão

associadas ao francês?

Para compor o quadro de discussão sobre o bilinguismo árabe-francês, é necessário

ainda acrescentar toda a problemática associada às questões linguísticas e culturais da

comunidade Berbere, concentradas principalmente no Marrocos e na Argélia. Esses grupos,

representados por associações comunitárias, vem lutando ao longo dos anos3 pela

oficialização e pelo desenvolvimento das línguas Amazigh4. Estas culturas estão presentes na

região antes mesmo da chegada dos árabes. Somente no final da década de 1990, os governos

do Marrocos e da Argélia reconheceram oficialmente no texto constitucional a cultura e as

línguas Berberes, colocando em prática alguns projetos de desenvolvimento linguístico, tais

como: a criação de um alfabeto, a institucionalização de uma norma berbere e o ensino da

língua nas escolas. Entretanto, as políticas linguísticas em questão não são satisfatórias, pois

atingem somente uma minoria da população, mantendo ainda um status de cooficialidade nas

constituições de Argélia e Marrocos.

Os conceitos de língua e nação estão intimamente ligados desde os tempos modernos5,

constituindo um mito gerador de conflitos, evitando o reconhecimento do rico multilinguismo

da região. Benedict Anderson (2000), cientista político, acredita que as nações são

comunidades imaginadas por aqueles que a compõem, criando assim representações que as

legitimam como sociedades, e mitos que a fundam historicamente como tais. E no processo de

homogeneizar e unificar as diversidades existentes (culturais e linguísticas), a língua se

3 Em 1980, os movimentos de promoção e reivindicação da cultura e língua berberes ganharam força, sendo este

período denominado “Primavera Berbere”. 4 Também encontramos a denominação Tamazigh. Esses são os nomes para designar o idioma na própria língua,

que tem por significado “homens livres”. É interessante constatar que muitas línguas utilizam essa definição para

designar a língua, como é o caso dos francos. 5 O multilinguismo sempre foi a regra anterior ao surgimento das nações.

14

constituirá, assim como outros elementos6, no símbolo maior e fundamental da construção de

uma identidade coletiva.

2 - Breve histórico colonial

Para compreender o cenário linguístico atual do Magrebe e as políticas linguísticas

mais recentes adotadas pelos governos dos três países, é necessário fazer uma breve descrição

do que foi o período colonial francês na região do começo do século XIX até meados do

século XX. O primeiro território a ser ocupado foi o que conhecemos hoje como Argélia. Sua

conquista se iniciou no reinado de Charles X, em 1830, e finalizada pelas tropas de Napoleão

III, em 1870. O território foi integrado como um département aos domínios franceses, o que

dava ao país e aos seus habitantes o status de cidadãos da República Francesa. Em seguida, o

território Tunisiano foi colonizado em 1881, assim como o território Marroquino, conquistado

em 1912. Ambos ganharam o status de protetorados franceses, a partir de um acordo entre

lideranças locais e o Estado francês, permitindo certo grau de “liberdade” administrativa não

experimentada pelos argelinos. Este fato será importante não só pelo tipo de processo de

independência que acontecerá mais tarde, mas também para a construção de diferentes

representações dos projetos de identidades nacionais da região. A independência aconteceu

em meados do século XX: Tunísia e Marrocos alcançaram sua autonomia em 1956 e a

Argélia, em um processo muito mais violento e doloroso, conquistou a sua liberdade em

1962. A partir de então, o domínio do colonizador e todas as representações e as identidades a

ele ligadas, precisaram ser desconstruídas para dar lugar a outras novas que redefinissem a

ideia do que é ser tunisiano, marroquino e argelino.

6 A religião, o território e o grupo étnico também podem ser identificados como símbolos fundadores da nação.

15

A língua teve um papel histórico importante na empreitada colonial, mostrando que a

dominação pela força não é suficiente para garantir a conquista. A dominação linguística e

colonial da França afetou mais fortemente a Argélia do que a Tunísia e o Marrocos, pois a

dominação daquela foi mais longa e violenta, mas o que tão pouco significou um

afrouxamento das relações e das políticas para os outros dois países. A diferença está no grau

da intervenção e não na natureza do problema. O francês se tornou por decreto a língua oficial

da Argélia, marginalizando e eliminando a língua árabe e o ensino desta. A língua árabe e seu

referente o islã eram vistos pelo Estado francês como um sinal de resistência contra o projeto

colonial, sendo o árabe declarado como língua estrangeira em 1938. A permanência do ensino

do árabe foi permitida na Tunísia e no Marrocos, mas nos três países a língua oficial,

econômica, educacional e administrativa era o francês.

A política linguística colonial francesa era bem diferente da britânica, que permitia o

ensino das línguas maternas nas escolas da colônia - o que também não marca uma ação de

solidariedade ou respeito, mas sim um distanciamento carregado de preconceitos em relação

ao colonizado. A política linguística francesa era a de uma língua única ensinada na escola e

utilizada nos setores oficiais, sendo as outras línguas consideradas negativamente como

falares, patois, folclores, elementos de desintegração da unidade da República, etc. Esta

visão é muito anterior ao período colonial imperialista, criada e implementada como política

dentro da própria França a partir da Revolução Francesa, que para manter a sua unidade como

unidade política, proibiu o uso das línguas e variantes regionais e institucionalizou o francês

falado pelas suas lideranças como a língua única da República. No Magrebe, o árabe clássico,

língua símbolo da identidade cultural magrebina, foi considerado perigoso ao projeto colonial,

diferente do árabe dialetal que não possuía uma norma estabelecida e consolidada, sendo

considerado muito mais uma língua vulgar falada. Para o berbere, língua de algumas

comunidades na Argélia e no Marrocos, também dominada anteriormente pela colonização

16

árabe, era visto como um aliado estratégico do francês na tentativa de suprimir o árabe

clássico.

O francês foi investido de uma dupla função de superioridade: ele era a língua

dominante, oficial e única, além também de ter a função simbólica de distinção cultural e

social para as elites, sobretudo ao que diz respeito à escolarização. Segundo estudos (JERAD,

2004, p. 528), em 1930, a taxa de escolarização da população era de 6,6% na Tunísia, 5,90%

na Argélia e 1% no Marrocos. Jerad critica a ideia de que o Estado francês desejava fazer da

sua língua a língua materna dos magrebinos, pois a educação era vista como algo perigoso à

colonização, sendo reservada somente para as elites. Existia, no momento das independências,

uma taxa de 80% a 90% de analfabetismo. A alienação cultural e linguística foi apontada

como produto dessa dominação e da desvalorização da cultura dos colonizados e de suas

identidades.

Logo após a independência de Tunísia, Marrocos e Argélia, era necessário reconstruir

a identidade da região com elementos que eliminassem a presença colonial. Para tal fim, o

árabe clássico, que já era um símbolo de resistência, e o islã se fixaram como ícones na

identidade nacional magrebina.

Ao final do período colonial, muitos territórios elegeram a língua do colonizador como

língua oficial, pois suas comunidades eram multilíngues e coube à língua dominante o papel

de uma coesão linguística, como citado anteriormente. Entretanto, os três países magrebinos

seguiram por um caminho oposto ao excluírem o francês de seus discursos oficiais,

classificando-o como língua estrangeira, apesar de ser amplamente utilizado nas relações

cotidianas, na educação e na administração pública. Ainda pior, foi a exclusão das línguas

maternas dos magrebinos: o árabe dialetal e o berbere. Podemos perceber que apesar de

optarem pelo árabe como língua oficial e nacional, cada país seguiu com políticas linguísticas

17

diferenciadas. A Argélia foi o país que mais se empenhou em campanhas de arabização, que

ao fim, não se mostrou eficaz, pois até hoje os conflitos linguísticos permanecem.

3 - O cenário linguístico magrebino contemporâneo

Para introduzir a descrição linguística da região, faz-se necessária a apresentação de

alguns dados oficiais que nos indicam a configuração da população nos três países em

questão, além dos níveis de escolaridade e de acesso às línguas aqui estudadas. Vale lembrar

que o modelo escolar está fundamentalmente baseado no modelo francês, mas tendo como

estrutura pré-escolar instituições coranicas.

A Tunísia possui uma população de um pouco mais de 10, 5 milhões de habitantes7,

onde 65,9% da população moram em áreas urbanas. O último censo, realizado em 2004,

indica que quase 2 milhões de habitantes são analfabetos, na sua maioria mulheres8. O sistema

educativo tunisiano é dividido em três etapas: um ciclo de base (subdividido em dois níveis),

além do nível secundário e o nível superior. O mesmo censo nos informa que 37% da

população possuem o primeiro ciclo completo e 32% o segundo ciclo completo ou o

secundário, e apenas 7,9% possuem nível superior. Dados mais recentes do mesmo instituto

de pesquisa nos mostram que a Tunísia conta com 13 universidades públicas em todo o país e

revelam que no período de 2010-2011 se formaram no nível universitário 60.613 mulheres

para 35.660 homens9. O francês é ensinado na escola desde o primeiro ciclo, juntamente com

o árabe clássico, porém aparece na grade escolar mais tardiamente como língua estrangeira.

7 Institut National de la Statistique - http://www.ins.nat.tn/indexfr.php (acessado em 6 de dezembro de 2011).

8 Idem 5 Ŕ Mesmo na capital Túnis, o número de mulheres analfabetas se mostra consideravelmente superior,

sendo contabilizado um total de 37.275 homens analfabetos para 85.654 mulheres. 9 Há um claro desequilíbrio entre homens e mulheres nesses dados, o que pode levar a consequências desastrosas

a curto prazo para o país.

18

O Marrocos possui uma população de um pouco mais de 29 milhões de habitantes10

,

em que 58% moram em área urbana. A taxa de analfabetismo é de 43%. Do grupo de

indivíduos escolarizados, 50% possuem o ciclo básico, 21% o secundário e apenas 7,5%

possuem o nível superior. O ensino do francês também aparece já no primário, posteriormente

ao do árabe. Assim como na Tunísia, a língua é ensinada como língua estrangeira ao lado do

inglês.

A Argélia tem 36 milhões de habitantes11

, sendo 66% habitantes de área urbana. A

taxa de alfabetização é de 73%.12

Número relativamente alto se comparados aos outros dois

países, o que demonstra o caráter mais contundente da política de arabização, sobretudo na

educação, implementada pela Argélia, após sua independência da França em 1962. O sistema

de educação argelino pode ser dividido em fundamental (3 ciclos), secundário e superior. Em

2005, o país tinha em torno de 6,5 milhões de indivíduos inscritos no nível fundamental,

caindo para 1 milhão no nível secundário e somente 750 mil inscritos no nível superior dentre

graduação e pós-graduação. O país conta com uma infraestrutura de um pouco mais de 50

instituições públicas de nível universitário. O francês é ensinado nas escolas juntamente com

o árabe, mas só aparecerá a partir do 3º ano do ciclo básico.

3.1 Ŕ A língua árabe

Definir o que é a língua árabe é tarefa difícil. Entretanto, não se pode pensá-la como

uma língua única a qual partilham milhares de pessoas no mundo, muito menos associá-la

somente ao Islã. No caso magrebino, trabalharemos com os seguintes conceitos para com o

que chamamos de árabe:

10

Haut-Comissariat au Plan: http://www.hcp.ma/ (acessado em 6 de dezembro de 2011). 11

Office National des Statistique: http://www.ons.dz/ (acessado em 6 de dezembro de 2011). 12

UNICEF: www.unicef.org (acessado em 6 de dezembro de 2011)

19

Árabe clássico Ŕ chamado de Al-fusha. língua do livro sagrado do Alcorão,

representante das tradições e valores religiosos da cultura mulçumana, e , portanto,

essencialmente escrita. Língua distante da realidade linguística das populações

magrebinas (equivalente à relação Latim-Português). O árabe clássico é o árabe

ensinado na escola, o que nos leva a dizer que, de fato, é a primeira língua

estrangeira encontrada pelo aluno na vida escolar.

Árabe standard moderno – Também podemos encontrar a expressão árabe

literário. Variante “simplificada” do árabe clássico. Essencialmente escrita, além

de funcionalmente e linguisticamente diferente da língua do Corão. Podemos

considerá-lo como uma variante de prestígio, assim como o clássico, mas que não

traz consigo as relações religiosas atribuídas àquele. Suas inflexões são

simplificadas, apresentando alguns empréstimos lexicais de línguas estrangeiras,

assim como pouca inovação comparada ao árabe dialetal.

Árabe dialetal – Língua materna das populações magrebinas e segunda língua das

comunidades berberes. É a língua do dia-a-dia, falada na rua e em casa,

caracterizando-se como essencialmente oral. Esta variante não possui uma norma-

padrão definida em todo o mundo árabe. O árabe dialetal marroquino não é

compreendido pelo árabe dialetal egípcio, por exemplo, tamanho o distanciamento

das variantes de país para país. Por isso, podemos falar em “árabe tunisiano” ou

“língua tunisiana”. É esta variante que dará conta da maioria das representações

identitárias dos grupos em questão.

A língua árabe é o maior exemplo do conceito de diglossia, amplamente discutido por

linguistas ao longo dos anos. Palavra que vem do grego “διγλωσσία” (diglossía) Ŕ “di”, que

significa dois e “glossia”, que significa língua. Um dos primeiros a trabalhar com o conceito

20

foi o linguista e arabista francês William Marçais em 1930, inspirado no modelo alemão. Para

ele, a diglossia é a concorrência entre uma língua escrita e codificada e uma língua vulgar

geralmente oralizada. Duas variantes que disputam espaço de realização. Em 1959,

Ferguson13

, retomará o conceito de diglossia para se referir à língua árabe. Ele define

diglossia como um fenômeno em que uma variante alta e uma variante baixa coexistem, no

caso, o árabe clássico e o árabe dialetal. A primeira é “alta”, pois está normatizada e

codificada, associada ao Corão, além de ser a língua da tradição literária. A segunda é

“baixa”, pois não é normatizada e codificada, fazendo parte das relações práticas do cotidiano.

A diglossia no Magrebe é anterior à colonização francesa. Na verdade, a região sempre

conheceu uma realidade multilíngue, com a presença secular e marcante de outras línguas, tais

como o italiano, o espanhol, o maltês e a língua franca. Esta última era utilizada,

principalmente, como língua de comércio em toda a extensão do mediterrâneo. As variedades

de árabe e as línguas berberes há muito já coexistiam antes mesmo da chegada dos franceses.

O que se discute atualmente, é que a língua árabe não teria apenas duas variantes em

concorrência, o que podemos verificar é um estado de triglossia e até mesmo de quadriglossia

da língua árabe. ENNADJI (2005) propõe as seguintes variantes para o árabe: clássico,

standard moderno, dialetal e uma variante oral acadêmica, que ele chama de “Educated

Spoken Arabic14

”. As três primeiras foram aqui anteriormente apresentadas. A quarta variante

consistiria em uma variante alta coloquial que emergiu no espaço entre o árabe standard e o

falar dialetal, sendo utilizada por intelectuais em situações mais informais, como em debates e

entrevistas na rádio e na televisão, além de ser verificada nos discursos acadêmicos. Ela é

essencialmente utilizada na fala, mas com um grande vocabulário e expressões do árabe

standard.

13

Discussão publicada em artigo clássico de Ferguson - Diglossia - Word 15: p.325Ŕp.340, 1959. 14

Ennadji (2005) foca suas reflexões no caso marroquino, mas deixa claro que o quadro apresentado pode ser

expandido ao cenário linguístico da Tunísia e da Argélia.

21

3.1.1 Ŕ Variante clássica

O árabe clássico é uma língua aprendida na escola e essencialmente escrita. Variante

de alto prestígio, também pode ser encontrada na literatura clássica árabe, na poesia e nas

antigas gramáticas, simbolizando um conjunto de valores, histórias e tradições da cultura

árabe-mulçumana. A variante clássica é altamente associada aos valores religiosos, sendo a

língua “utilizada por Deus para falar com os mulçumanos” (SANNEH, 1989 in ENNADJI,

2005):

“The author of the Qu‟ran, wich is God, thus came to be associated with its

speech, so that the very sounds of the language are believed to originate in

heaven... Consequently, Muslims have instituted the sacred Arabic for the

canonical devotions …”15

Língua usada como referência pelos nacionalistas nos movimentos de independência e

também no período pós-colonial como base para os novos projetos de nação. O ensino do

árabe clássico foi a o carro-chefe do projeto de arabização que desejava pôr fim a qualquer

presença deixada pelo colonizador. Com isso, foram organizados grandes programas de

educação gratuita e massiva, em que a variante clássica representava a consciência nacional e

promovia a unidade dos países da região. Atualmente, apesar de todos os esforços pelo seu

ensino, muitos magrebinos não têm domínio desta variante de prestígio. Os seus

conhecimentos são apenas passivos em relação a essa língua. O contato com o árabe clássico

se dá muito mais através dos discursos religiosos, não sendo capazes de escrever em árabe

clássico, ou se comunicar com proficiência. Algumas razões são apontadas como causa

(ENNADJI, 2005, p.53):

1) As vogais estão geralmente ausentes da escrita;

15

Tradução nossa: “O autor do Corão, que é Deus, passou a ser associado com sua língua, de forma que se

acredita que os sons dessa língua são originários do Céu... Consequentemente, os mulçumanos instituíram o

árabe para devoções canônicas”.

22

2) Ela é uma língua aprendida na escola e usada apenas em sermões, cerimônias

religiosas e nos discursos formais do governo;

3) O árabe clássico tem uma morfologia e uma estrutura rígidas, caracterizado por vários

casos de flexão.

O árabe clássico é a língua que funcionou como língua de unidade e solidariedade no

período pós-colonial, solidificado político, social e culturalmente. Entretanto, não é a

língua materna da população de cultura árabe, muito menos de cultura berbere. Todos têm

que aprendê-la na escola a fim de atingir um grau de proficiência.

3.2 Ŕ A língua berbere

A língua berbere foi reconhecida pelos governos de Marrocos e Argélia apenas muito

recentemente, sendo incluída nas constituições como língua cooficial. Originalmente, o termo

berbere tinha um sentido pejorativo, pois servia para designar povos de cultura e línguas

diferentes pelos gregos, que os consideravam bárbaros e não civilizados. Atualmente, o

aspecto negativo da palavra perdeu força, representando todas as línguas e culturas berberes.

Entretanto, temos ainda o termo Amazigh ou Tamazigh para dar conta da definição dessa

cultura, que na própria língua significa “homens livres”. Cada região onde encontramos o

berbere também costuma dar nomes à variante falada no local, como por exemplo na região

da Cabília, na Argélia, onde a língua berbere tem o nome desta região - língua kabyle.

Os falantes de berbere geralmente são multilíngues com o par berbere-árabe16

ou ainda

o trio berbere-árabe-francês. Os casos de monolinguismo só podem ser encontrados em

comunidades rurais isoladas ou crianças pequenas, onde a escolarização não alcançou essas

16

55% dos Berberes marroquinos são bilíngues. (ENNADJI, 2005)

23

populações. Para uma criança berbere, a escolarização é um grande choque cultural, pois ao

entrar em sala de aula, as línguas utilizadas pelos professores serão o árabe dialetal ou

standard, e ainda o francês. Sua língua materna não tem representação no processo escolar.

O mundo berberofone é extenso. Segundo (ENNADJI, 2005, p.72), o Marrocos

contabiliza 15 milhões de falantes de berbere; a Argélia conta mais de 6 milhões;

encontramos ainda 1 milhão de falantes entre Líbia, Mali e Niger. Algumas populações

isoladas no Egito, região de Siwa, somam em torno de 30.000 berberofones, ainda 100.000 na

Tunísia e 10.000 na Mauritânia. Apesar da expansão do árabe na região ao longo dos séculos,

as línguas berberes se mantiveram vivas por conta do isolamento cultural de muitas

comunidades, que têm como característica o fato de morarem em montanhas, longe dos

centros urbanos.

24

Mapa da distribuição berbere no norte da áfrica. Fonte: Le monde diplomatique em 1º de dezembro de 1994.

O berbere é uma língua estritamente oral, não possuindo uma norma-padrão

institucionalizada. Todavia, desde seu reconhecimento como língua reconhecida pelos países

magrebinos, a fim de ensiná-la nas escolas, o alfabeto histórico berbere17

foi resgatado para a

sua codificação. Este fato gerou debates e dúvidas sobre a pertinência do uso desse alfabeto

na vida contemporânea e seus diversos suportes de escrita. Os textos contemporâneos, e

mesmo os mais antigos, em berbere são geralmente escritos com o alfabeto árabe, o alfabeto

17

Trata-se do alfabeto Tifinagh. Ver anexo.

25

fonético internacional ou em caracteres latinos. A discussão gira em torno da problemática da

identidade cultural e linguística. O alfabeto berbere resgataria e afirmaria a identidade dessas

comunidades por tão longo tempo oprimidas, entretanto não seria produtivo em suportes

modernos como a Internet ou aparelhos de comunicação. Outra discussão é a dificuldade no

processo de alfabetização de crianças berberes, que teriam que aprender 3 sistemas de escrita

completamente diferentes: a escrita Tifinagh, a árabe e a latina para o francês. Se a escrita

árabe fosse utilizada para a codificação do berbere, poderia configurar numa continuação do

estado de opressão dessa cultura, assim sendo também se adotassem a escrita latina. A escrita

latina apresenta a seu favor o fato de ser uma escrita internacionalmente difundida, o que

poderia permitir ao berbere, segundo a visão de alguns críticos, maior força de

reconhecimento e status.

Podemos observar a língua berbere sendo usada nas relações familiares, no campo, nos

pequenos comércios, nas canções, na literatura oral e na poesia. Entretanto, ENNADJI (2005,

P.76) aponta um recuo desse espaço exclusivamente berberofone, especialmente nas áreas

urbanas, o que estaria mudando as atitudes linguísticas dos indivíduos, que estão se

expressando cada vez mais em árabe dialetal do que em berbere. Este fato estaria

transformando as relações linguísticas, evidenciado por uma menor fluência no idioma pelas

crianças e jovens. Por isso, a grande luta pelas associações pró-berbere pela implementação

do ensino da língua nas escolas e pela valorização de seu status dentro da sociedade. A língua

berbere é vista como a língua de minorias, apesar da sua população expressiva, ou ainda,

como língua atrasada, pois não é usada no setor financeiro, na mídia, nas ciências, na

tecnologia ou em outros setores que caracterizam a modernidade. O que a faz ser tratada

como um “dialeto” menor e não como a língua de muitos. A falta de prestígio faz com que

muitos pais não a usem com seus filhos, prejudicando assim sua transmissão. O berbere

compete na oralidade com o árabe dialetal, sobretudo nas áreas urbanas, pois as duas línguas

26

são usadas nas relações familiares e em situações informais. Diferentemente do árabe

clássico, standard ou do francês que são línguas associadas ao mundo da escrita, cumprindo

funções sociais muito distintas.

Existem pelo menos 10 variedades de berbere, incluindo variantes em que não existe

intercompreensão, devido às suas distâncias geográficas e a falta de um sistema de escrita

único que poderia facilitar a comunicação entre elas. Apesar de possuir muitos empréstimos

do árabe dialetal, os sistemas fonológicos e morfossintáticos das duas línguas são muito

distintos. Podem-se verificar também muitos empréstimos lexicais do francês e suas

respectivas adaptações ao quadro fonético berbere.

Atualmente, os objetivos principais das associações em defesa do berbere são o de

elevar o status da língua ao de língua nacional, e não apenas cooficial, além do movimento de

codificação e normatização de uma variante padrão para o ensino do berbere nas escolas para

as gerações que já estão perdendo o contato com a língua materna de seus antepassados. Estas

associações podem ser encontradas tanto no Maghreb quanto na França18

.

3.3 Ŕ A língua francesa

No período colonial, a língua francesa era o único idioma oficial do Magrebe. Para

atender aos seus interesses, as lideranças imperialistas trouxeram funcionários para suprir a

demanda linguística de suas atividades. Em seguida, implementaram um sistema educacional

idêntico ao modelo do país colonizador para educar uma estrita elite magrebina, que assumiria

esse papel. A maioria da população continuaria analfabeta e sem acesso à escolarização.

Após a independência, o árabe clássico passou a ser a língua única oficial e o francês

ocupou a função de uma língua segunda. Seu status real não era e não é (atualmente) o de uma

18

Alguns sites de referência: http://www.acbparis.org/ (Association de Culture Berbère)

http://www.cbf.fr/ (Réseau citoyen des Associations Franco Berbères)

http://www.mondeberbere.com/ (Monde Berbère)

27

língua somente estrangeira, pois são atribuídos a ela papéis extremamente funcionais dentro

da sociedade magrebina. O francês ocupa um lugar de prestígio na mídia, na educação e na

administração, sendo relevante cultural e economicamente. Na administração pública

concorre com o árabe standard, sobretudo, na escrita.

O contato de línguas no Magrebe permitiu que o francês utilizado na região ganhasse

características próprias. Em contrapartida, o francês do bon usage e elitista também

permaneceu como um modelo de prestígio e conservadorismo. BENZAKOUR (2010), propõe

uma descrição de 3 tipos de francês19

, que expressam as diferentes camadas sócio-econômico-

culturais da região: francês basiletal, francês relativo à elite e francês mesoletal. Assim como

as variedades de árabe e berbere apresentadas anteriormente, a língua francesa não escapa à

regra. Em um contexto multilíngue, onde o contato linguístico é uma constante, a variação

também se fará fortemente presente.

3.3.1 Ŕ O francês basiletal

O francês é caracterizado como uma língua da escola, pois é através dela que ele será

ensinado e veiculado. Sendo a escola uma instituição de caráter muito mais urbano, muitos

indivíduos não tinham acesso ao ensino do francês. Entretanto, isso não significava que a

língua francesa não estaria presente em suas vidas, o que lhes obrigava um esforço

comunicativo nessa língua. Após algumas décadas, é reconhecida pelos linguistas, uma

variedade de francês aproximativo com fins comunicativos falados por arabófonos que

tiveram acesso à escolarização. Esta variedade se apresenta muito limitada em termos

funcionais e ainda muito reduzida dentro da dinâmica das trocas sociais.

19

Para outra proposta de descrição do francês no Magrebe, ver ENNADJI, M; (2005). O autor propõe uma

descrição semelhante a de BENZAKOUR (2010), mas com ênfase na formação educacional da população.

28

3.3.2 Ŕ O francês relativo à elite

O francês relativo à elite se caracteriza como o francês considerado de “qualidade”,

aprendido pelas elites magrebinas através de uma educação em escolas de regime francês ou

nas escolas da própria França. Variante de prestígio falada por uma elite urbana que vive em

francês: viagem de férias na França ou em países francófonos, acesso aos canais franceses

pela televisão paga, acesso às mídias francesas e leitura de publicações em francês (jornais e

livros).

Esta variante está presente no mercado de trabalho moderno, nas diretorias de

empresas privadas ou é a língua dos gestores públicos, sendo também a língua que veicula os

conhecimentos científicos e as novas tecnologias. Ou seja, somente uma pequena parcela da

população tem acesso a essa variante do francês, ainda mais que, para atingir sua proficiência,

exige do indivíduo um investimento intelectual e financeiro muito grande para os padrões da

maior parte da população. Apesar de seu prestígio, podemos perceber sua marginalização na

sociedade magrebina. Primeiramente, por não se tratar de um bem coletivo. Outro fator que

contribui para a sua marginalização é o acesso, cada vez maior, de uma classe trabalhadora

urbana à educação superior, e consequentemente ao ensino da norma-padrão da língua

francesa. Esta variante está muito restrita a uma minoria da população.

3.3.3 Ŕ O francês mesoletal

Esta variante do francês é marcada essencialmente pelo evento do contato linguístico

entre o francês e o árabe, onde podem ser notados empréstimos lexicais do árabe, sotaques

próprios e neologismos que expressam particularmente referências da cultura magrebina. Ela

é amplamente utilizada pela imprensa e pelos indivíduos que trabalham em francês. A

29

evidência forte de sua existência pode ser comprovada através da publicação de uma circular

no diário oficial do Marrocos, em que o governo exige dos seus setores administrativos a

utilização, nas correspondências internas e externas dos ministérios, unicamente, da língua

árabe. Entretanto, as trocas informais acontecem em francês, e as formais, apresentam

constantemente um bilinguismo francês mesoletal-árabe moderno.

3.4 Ŕ A relação francês-árabe

O francês da norma-padrão e o árabe clássico são aprendidos por minorias, pois são

línguas aprendidas na escola. Elas concorrem no espaço da escrita, possuindo funções

similares neste aspecto, mas se constituem como línguas ideologicamente divergentes. O

árabe clássico é a língua da literatura antiga e da religião, marcada pelo livro sagrado do

Corão. O francês, como já dito, é a língua que expressa a modernidade.

O sistema de escolarização privilegia o ensino do árabe clássico, enquanto as empresas

privadas destacam como língua de uso o francês, o que acarreta problemas para os indivíduos,

sobretudo, migrantes das áreas rurais e que desejam encontrar emprego nas cidades. O

confronto dessas práticas linguísticas evidencia mais uma vez as funcionalidades das duas

línguas nessas sociedades, além das ideologias em disputa - conservadorismo x modernidade.

Na educação ocorre o mesmo embate, sendo geralmente o ensino das disciplinas científicas

em francês. O fator econômico também influencia as relações aqui apresentadas, pois a

França é o maior investidor em cooperações educacionais, científicas e tecnológicas no

Magrebe.

O francês tem espaço privilegiado no mercado linguístico magrebino, pois sua

presença é efetiva em vários setores da sociedade. Outros fatores contribuem para sua

expansão, como a relação entre os imigrantes e seus descendentes em países francófonos,

30

principalmente a França, mantendo constantes trocas econômicas e sociais entre os países em

questão. Na França, há mesmo uma modalidade de francês falado nomeada “beur”, que em

língua popular significa árabe ao contrário, com cultura própria, produção de música e filmes,

que muito influencia os jovens no Magrebe.

No caso marroquino, os canais pagos de televisão francesa são extremamente

populares em várias cidades do país. Ou seja, os novos meios de comunicação e

telecomunicação permitem também outros espaços para a presença da língua francesa nas

sociedades magrebinas.

PARTE II

32

LÍNGUA E NAÇÃO

4 - Do Génie des langues às Comunidades Imaginadas: a relação entre língua, nação e

Estado.

Para se discutir a relação contemporânea entre os conceitos de língua, nação e Estado,

é interessante buscar a sua origem ao longo do tempo, investigando como a concepção de

língua sempre esteve muito relacionada aos grupos sociais, às suas práticas políticas e à

identificação dos indivíduos com suas comunidades. As definições do conceito de nação e do

conceito de Estado também serão discutidas neste capítulo a fim de melhor entender a

construção de um projeto de identidade nacional pelos países, principalmente ao longo dos

séculos XIX e XX na Europa ocidental.

Inicialmente, será apresentado o conceito de génie, termo francês para designar uma

essência própria e inata às línguas e que se manifestaria através de suas estruturas como um

conjunto de características estéticas e morais particulares.

Em seguida, os conceitos de nação e Estado - e suas práticas através da relação Nação-

Estado- serão estudados na tentativa de compreender sobre que discursos os Estados elaboram

seus projetos de nação e como e por quais meios se dá a construção das identidades nacionais.

Por fim, a discussão será aplicada ao estudo de caso aqui investigado, com o objetivo

de entender como os países magrebinos desenvolveram seus projetos de nação pós-coloniais e

quais os papéis atribuídos às línguas árabe, berbere e francesa nesse contexto.

4.1 Ŕ A ideia de um “génie” e a concepção de língua

No século XIII, o escritor Dante Alighieri já evocava em seus escritos a existência de

um caráter essencial às línguas, algo que lhes seria próprio e individual. Ele buscou entre os

33

muitos “falares vulgares” italianos o que poderia, na sua opinião, representar o papel do que

chamou de “vulgare illustre20”, o falar do povo que bem configurasse características muito

particulares e essenciais da sua gente. O Latim Clássico nessa época ainda era a língua da

cristandade ocidental e de prestígio, entretanto já perdia força e espaço para os chamados

“falares vulgares”, oriundos de um latim “mal falado” por aqueles que não faziam parte de

uma restrita elite intelectual. Apenas no Renascimento é que a individualidade das línguas

será um tema mais investigado e discutido, ganhando forma a ideia de idioma. Esse período

humanista se interessará pelas diferenças culturais entre os homens e novas camadas sociais

que não falavam o Latim começarão e também escreverão em língua vulgar e materna. Uma

perspectiva completamente nova na época, representando uma grande mudança do ponto de

vista linguístico e social. A Europa ainda se confrontará com novas realidades linguísticas e

coloniais encontradas nas Américas e na Ásia com as grandes navegações.

Nesse período, a individualidade das línguas ou “idiomas” será configurada como um

conjunto de qualidades estéticas e morais. Ao latim clássico estavam relacionados os valores

de nobreza, clareza, beleza, honestidade e graça. Du Bellay, em seu livro “vulgarisme

humaniste”21

, diz que as línguas possuem um je ne scay quoy (je ne sais quoi22

),

considerando a língua francesa a primeira língua vulgar à qual seria atribuída uma

personalidade particular e qualidade estética superior ao mesmo tempo. A expressão génie de

la langue só entrará em vigor no século XVII, fazendo sua primeira aparição em um discurso

na Academia Francesa, recentemente fundada, em 1635. O termo génie, empréstimo latino,

designa uma qualidade espiritual inata e uma criatividade particular da língua e não própria

aos seus locutores.

20

TRABANT in: MESCHONNIC, 2000. 21

Idem nota 4 22

Tradução nossa:“Um não sei o quê”.

34

Até então o génie de uma língua era tratado somente como uma impressão de

intelectuais, mas na primeira metade do século XVII, Condillac, filósofo francês, introduz o

tema através do discurso científico, tentando capturar a essência da língua de maneira objetiva

e estrutural, desejando dar fim à abstração e à impressão que representavam o termo e precisá-

la linguisticamente. John Locke também discursou sobre o assunto, considerando que a língua

influenciaria nosso modo de ver o mundo e, como filósofo, deveria “lutar” contra esta nuvem

que encobre os olhos diante da “verdade universal”. Condillac não se deixa influenciar por

esses dois discursos em vigor na época - o conceito impreciso de génie e as inquietações

filosóficas em busca da verdade Ŕ e decide investigar objetivamente o conceito. Ele tenta mais

claramente definir o lugar linguístico do génie de uma língua e explicitar quais traços

permitiriam reconhecer a sua individualidade. O discurso em vigor na época atribuía à língua

francesa qualidades tais como doçura dos sons, claridade dos conceitos e das construções

sintáticas e a vivacidade de estilo. Condillac tentou definir mais precisamente o lugar

estrutural do génie, argumentando que ele estaria dividido em duas partes: na sintaxe das

frases (sua organização) e, sobretudo, na semântica, cada língua teria em particular uma

combinação de ideias que a diferenciaria das outras. Suas conclusões não nos apontam

definições contundentes, mas se mostraram um marco decisivo para com uma objetivação

mais linguística sobre as línguas a partir de um caminho mais descritivo de suas estruturas das

línguas. Tema esse que será caro ao linguista alemão Humboldt no século XIX.

Humboldt, por sua vez, preconizou o estudo de todas as línguas do mundo a fim de

melhor conhecer o espírito humano, pois a investigação da riqueza da alma humana, ao

contrário do que pensava Locke, seria condição para se descobrir a verdade. Ou seja, visões

variadas do mundo nos levariam ao conhecimento da verdade universal.

A ambiguidade da ideia de génie - condição natural ou condição cultural Ŕ foi

estabelecida por ele em dois termos, que são: personalidade da língua e estrutura da língua. A

35

personalidade consistiria em uma individualidade misteriosa. A estrutura, termo utilizado

também pelos linguistas modernos, é descritiva, a fim de se atingir a personalidade. Mas ela

também teria algo de natural, pois a organização dos termos e das frases obedece a leis

autônomas. A língua se impõe forte às gerações como um conjunto de leis e padrões que os

indivíduos herdam da coletividade. Mas mesmo sendo uma herança do grupo social, da nação,

o falante pode mudar a língua que fala, podendo ir contra esta força de imposição. Para

Humboldt, esse confronto com a força da língua do grupo social é que daria personalidade a

ela, como acontece com os escritores e seus grandes textos, os filósofos e os cientistas. O

confronto não cria abismos, mas sim uma ação recíproca entre o indivíduo e esta força. Por

isso, Humboldt diz que a estrutura é o aspecto exterior da língua e a sua personalidade é

interna, sendo a gramática e o dicionário somente “o seu esqueleto morto”. Assim, para ele, a

língua só é viva no seu uso, o que lhe dá personalidade. O objetivo maior do estudo das

línguas seria os textos literários, dividindo as investigações em dois domínios: a linguística

(para as línguas vivas) e a filologia (para as línguas mortas), nascendo então uma visão um

pouco mais próxima das áreas de estudos linguísticos que temos hoje. Entretanto, a tônica da

Linguística do século XIX foi o trabalho histórico-comparativo entre línguas, descrevendo-as

e classificando-as a partir de seus traços estruturais comuns, construindo famílias genéticas

como a das línguas indo-europeias, diferentemente do trabalho de busca do que era peculiar e

próprio às línguas. A busca pelos traços individuais começou a ser vista como um trabalho

subjetivo e pouco científico.

O conceito de língua não é algo fácil de ser definido, pois muitos são os

questionamentos e pontos de vista sobre esta abstração que nomeamos “língua”. A primeira

observação a seu respeito sempre parte da condição de sua natureza dupla - biológico ou

cultura, fazendo-a um objeto de estudo tão complexo em que é difícil a separação do que é

sistêmico e linguístico do que é social, político, ideológico e cultural. Para entendê-la,

36

inevitavelmente fazemos um recorte dentro das suas infinitas complexidades e, assim,

atribuímos a este recorte uma personalidade, como afirma BAGNO (2011, p.357):

“Não há remédio: para se falar de uma língua, é preciso construí-la, fabricá-

la, forjá-la, dar um nome a ela, atribuir-lhe propriedades, características,

personalidade, índole. E esse é um trabalho empreendido não somente pelo

linguista, em suas pretensões de objetividade científica, mas também (e

talvez sobretudo) pelos falantes comuns, em suas práticas de higiene verbal,

de mitificação e mistificação coletiva dos bens simbólicos, de construção do

imaginário social acerca da própria cultura a que pertence e dos mitos de

origem que lhes dão raízes históricas e memória comum.”

Uma língua é sempre dinâmica, variável e flexível dentro da intimidade de uma

comunidade, sendo transformada em uma instituição digna de culto e adoração ao passar por

um processo de padronização, que a retira de seu estado “natural”. A construção de uma

norma-padrão é limitada, unificadora e homogeneizante, pois estabelece leis e códigos de

conduta, tendo por símbolos maiores a gramática e o dicionário, além da escola como

principal vetor de difusão. A partir disso, a língua em si é confundida com a norma-padrão,

perdendo o seu caráter variante e livre, identificando-se como algo exterior ao indivíduo23

.

A escolha da norma-padrão parte de critérios políticos que se ajustem ao projeto

político de uma sociedade, sendo geralmente a língua falada na região onde se concentra o

poder que ganhará status de língua oficial de um país. Ela será objeto de uma codificação,

tornando-se assim um construto social associado a um grupo e seu território. Ela também será

confundida com o vernáculo e será chamada de variante, mas em seu princípio está a

estagnação de um modelo de correção linguística que precisa ser seguido e adorado como

objeto. A sua relação com o poder é clara e evidente, sendo parte integrante e declarada de um

projeto político.

23

BAGNO (2011, p.360) apresenta a ideia de “hipóstase”, que tem por fundamento a atribuição de um caráter

concreto e objetivo a algo abstrato, configurando-se em um equívoco cognitivo. A língua construída passa a ser

vista como a própria língua.

37

“A relação entre língua e poder não se oculta, não se dissimula. Pelo

contrário, se declara explicitamente: „A língua sempre foi companheira do

império’ [...] o projeto da gramática é claramente político[...]”24

Línguas como o inglês, o francês e o alemão passaram por um alto nível de

padronização, extremamente idealizado. A padronização dificulta a compreensão de que

língua é algo muito mais fluido e instável do que se pensa. A cultura do monolinguismo é

resultado desse processo homogeneizador e vai de encontro com a necessidade da nação de

criar uma coesão identitária, através da legitimação da norma convencionada. MILROY

(2011,p. 76-77):

“[...] tenho de passar a considerar uma característica essencial da própria

ideologia Ŕ a necessidade de mostrar que a língua padrão é uma variedade

legítima da língua. É um dos aspectos mais interessantes da ideologia,

sobretudo porque essa legitimidade tem sido construída, não apenas por

meio do consenso na população geral, mas pelos esforços dos próprios

linguistas profissionais.

A valorização de uma variedade dita padrão leva necessariamente a desvalorização de

outras variedades, considerando-se a primeira legítima e a outras ilegítimas. Ao se associar a

norma-padrão ao Estado-Nação25

, o prestígio daquela será realizado através de uma

historicização. Atribui-se à língua uma história respeitável, uma ancestralidade, um continuum

ao longo do tempo, o que teria permitido o seu cultivo e lapidação. É imaginada também uma

pureza, evitando sua degradação-corrupção, sendo apenas os empréstimos aceitos para

mostrar o seu caráter “flexível”. É a partir dessas premissas, que o árabe será resgatado nos

projetos de nação pós-coloniais do Magrebe a fim de afastar toda a presença colonial francesa

e restituir, assim, uma cultura dita original. Como se esta não fosse passível de influências

geradas pelo contato linguístico-cultural no período colonial, ou mesmo ao longo de sua

existência.

24

BAGNO (2011, p.369) Ŕ o autor cita a gramática castelhana de Nebrija (1492) como exemplo de projeto

político na reconquista da península ibérica pelos espanhóis e na conquista de novas terras no período das

grandes navegações. 25

Relação que será discutida mais à frente.

38

A língua árabe se apresenta como um claro exemplo de confusão entre a norma-padrão

e a ideia de língua dinâmica e variável. O que chamamos de árabe está fundamentado na

língua escrita e no livro sagrado do islamismo (árabe clássico), não sendo a mesma língua da

vida prática dos indivíduos, e nem sequer a mesma de um país ao outro. A sua nomeação

como uma única língua faz parte da construção de uma identidade de uma irmandade árabe,

que se pensa como única, partilhando crenças e valores, apesar das enormes diferenças e

distâncias do ponto de vista linguístico. Quebrar essa visão é romper com uma unidade

política e com mitos de origem que fundam a nação.

As línguas em suas formas padrão foram configuradas ao mesmo tempo em que os

Estados-Nações também foram sendo criados, servindo como ligação entre os seus cidadãos e

como identidade para se diferenciar das outras comunidades.

4.2 - A formação do conceito de nação e de Estado

É necessário fazer a separação dos conceitos de Estado e nação e os diferentes sentidos

atribuídos aos dois dentro da tradição jurídica. LAGARDE (2008, p.70) define o Estado como

uma estrutura essencialmente administrativa operada em um dado território, sendo articulado

verticalmente Ŕ hierarquizado Ŕ e horizontalmente Ŕ extensão do poder a todos os domínios e

pontos do território. A nação se define sobre outra lógica. Ela é fundamentalmente uma

coletividade de indivíduos com a “vocação” de se organizar e assentada em um dado

território. Esta é uma visão bem clássica sobre o conceito, pois o assentamento em um

território não é regra geral. A palavra nação vem do latim natio, que está ligada também à

nascere, ou seja, sua essência tem a ver muito mais com uma ideia de filiação genética.

Ainda para LAGARDE, cabe ao Estado operar os diferentes dispositivos necessários

para a realização dessas características. O Estado se apresenta como a figura representativa

39

dos interesses da nação, de onde ele tira Ŕ segundo o modelo francês Ŕ sua legitimidade.

Assim, temos uma nação para cada Estado, ou seja, uma configuração da relação Nação-

Estado.

O autor também apresenta três tipologias possíveis de nação dentro da tradição

jurídica:

1) A nação política que repousa sobre a vontade política comum de partilhar um destino em

comum;

2) A nação cultural que se funda sobre a etnia, a cultura, a língua e pelas raízes comuns;

3) A nação jurídica que consiste na reunião de pessoas que estão ligadas pelo direito ao Estado.

A interação entre os três tipos geram quatro modelos possíveis:

A) Se as três definições coincidem, tem-se um Estado nacional coeso;

B) Quando a nação jurídica coincide com a nação cultural, mas não com a política, tem-se um ar

nacionalitário compreendendo mais de um Estado;

C) Se a nação jurídica e a política coincidem, mas não a cultural, tem-se um Estado plurinacional

que apresenta aspectos conflituosos;

D) Se a nação jurídica não coincide com nenhuma das duas outras, tem-se um estado

plurinacional estável.

Segundo o autor, as relações aqui apresentadas podem mudar de acordo com as dinâmicas

políticas internas de cada comunidade, não configurando assim em modelos estáticos.

Entretanto, podemos contestar as suas apreciações no que se refere à estabilidade e à coesão,

ou ainda à instabilidade em função da homogeneidade dos caracteres de um estado nacional,

pois os conflitos sociais, as lutas de classe nesse cenário e os antagonismos identitários foram

completamente ignorados. Na nossa visão, o Estado moderno deve ser o que garante o direito

à diversidade em suas múltiplas manifestações.

40

O caso magrebino poderia ser pensado a partir de dois modelos: Argélia e Marrocos se

aproximariam do caso C, pois apesar dos interesses políticos comuns desses países, pelo

menos dois grupos estão em conflito nos seus cenários linguístico-culturais Ŕ a comunidade

árabe e a comunidade berberofone. A Tunísia, como possui uma comunidade cultural e

política mais homogênea segue próxima ao modelo A, apresentando mais coesão na sua

tipologia como nação. Este modelo também se refere ao caso da França, em que a relação

Nação-Estado se presume finalizada.

O prestígio do Latim como língua sagrada e elitista começa a mudar verdadeiramente

a partir do século XVI, apesar de uma distinção já bem evidente entre um latim culto e aquele

usado na vida cotidiana ainda no Império Romano. Porém, a convergência de diversos fatores,

entre eles o da Reforma religiosa, contribuiu enormemente para que os vernáculos ganhassem

espaço, sobretudo na impressão dos textos sagrados e nos textos oficiais e administrativos.

Foi a tradução da bíblia para um falar médio, ou seja, para uma língua que fosse de fácil

leitura para uma grande parte dos potenciais leitores (com suas diversas variantes e

vernáculos) do mercado editorial europeu, que permitiu uma valorização e consolidação dos

falares ditos vulgares. A impressão de livros foi uma das primeiras empresas capitalistas de

grande sucesso na Europa ocidental. Em paralelo, desde o Renascimento, as monarquias

começam a utilizar os vernáculos nos escritos administrativos, mas essas línguas ainda não

tinham o caráter nacionalista que possuem hoje. A concepção de Estado Nacional só se

consolidará em meados do século XVIII e início do XIX. O declínio do latim como língua de

prestígio, os vernáculos que começam a ganhar terreno e a busca de um mercado mais amplo

de leitores influenciaram decisivamente a possibilidade de se imaginar a Nação. As

variedades de línguas começam a ganhar prestígio, tornando-se de extrema importância com a

expansão dos territórios.

41

No século XIX, com a nova configuração sociopolítica que se estabelece entre um

Estado central e seus cidadãos na Europa ocidental, aquele se servirá da língua para criar um

meio de aproximação e de pertencimento à Nação, assim como tomará decisões sobre a língua

para o que se refere à administração pública. Para isso, os Estados precisaram criar símbolos,

tradições, folclores que justificassem e alimentassem o sentimento de pertencimento à Nação

por seus habitantes. Assim, uma ampla generalização e unificação linguística foram realizadas

por alguns Estados europeus nesse período, sobretudo a França (modelo de inspiração),

através da opressão das variantes e línguas regionais e a imposição de uma língua única e

oficial que representaria a todos. A escola obrigatória foi o principal canal para a realização

desse processo, com a finalidade de expandir o bom uso da língua, permitindo o surgimento

de gramáticas e dicionários baseados na língua escrita, modelo de correção linguística.

Segundo BEREMBLUM (2003, p.41):

“A cidadania podia ser conquistada pela adoção da língua unificada,

nacional, oficial. Assim, a língua tornou-se um elemento essencial na

construção da nacionalidade”.

Na verdade, não era o uso da língua francesa que tornava a pessoa um francês, mas

sim a voluntariedade de utilizá-la, como uma atitude cidadã de pertencimento à Nação. Para o

cientista político Benedict Anderson, a nação é uma comunidade política imaginada, soberana

e limitada, consequência de uma visão capitalista editorial, onde a língua, assim como outros

fatores (território, religião e raça) será o ponto de coesão que sustentará o mito de uma

unidade (ANDERSON, 2002,p.57):

“nous pouvons dire que la convergence du capitalisme et de la technologie

de l‟imprimerie sur la diversité fatale des langues humaines a ouvert la

42

possibilite d‟une nouvelle forme de communauté imaginée qui, dans as

morphologie moderne, a crée les conditions de la nation moderne.”26

O autor cita Ernest Gellner, estudioso do nacionalismo, que acreditava que nações eram

inventadas onde elas não existiam. Entretanto, para Anderson, a palavra invenção pode

assimilar um sentido de falsidade, por isso sua preferência pelos termos “criada” e

“imaginada”. Ela é imaginada porque os seus membros acreditam estar conectados por uma

gênese e história em comum, criando assim a ideia de pertencimento e de uma identidade

nacional. A nação é limitada porque existem os limites físicos para além dos quais existe

outra nação, assim como nenhuma nação se imagina contígua a outra. Ela é imaginada

soberana porque nasceu em uma época em que a ideia do direito divino foi desconstruída pelo

Iluminismo e pela Revolução. E por fim, a nação é pensada como uma comunidade, pois ela é

sempre concebida como um grupo de pessoas que vivem e trabalham juntas de maneira

fraterna.

Para concluir, Anderson cita Ernest Renan27

, mais um estudioso do nacionalismo do

século XIX, que diz que: “Or l’essence d’une nation est que tous les individus aient beaucoup

de choses em commun, et aussi que tous aient oublié bien des choses.”28

Apesar de possuírem

um passado histórico comum repleto de história de disputas e conflitos, indivíduos de uma

mesma comunidade abandonam a memória social para se identificarem com algo considerado

maior: a nação.

Os projetos nacionais da era moderna trataram de criar uma coesão identitária,

sobretudo, através de uma língua unificada e normalizada, criando mitos fundadores que

justificassem e consolidassem os discursos sobre a identidade nacional. Identidade esta

26

Tradução nossa - Podemos dizer que a convergência do capitalismo com a tecnologia das técnicas de

impressão sobre a diversidade fatal das línguas humanas possibilitou uma nova forma de comunidade imaginada

que, na morfologia moderna, criou as condições da nação moderna. 27

in Qu’est-ce qu’une nation?, 1997. 28

Tradução nossa: “A essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum, mas

também que todos tenham esquecido muitas coisas”.

43

construída muito mais pela alteridade, pelas representações que se tem do outro que pelas

características de si próprio. Com efeito, podemos verificar os estereótipos associados às

línguas pelo senso comum, fundados sobre a ideia da existência de um gênio específico

natural a cada uma delas, como se acreditava no século XVII. Assim, o português seria uma

língua consistentemente barroca, com seus excessos estruturais; o francês extremamente

cartesiano, lógico ou a língua do refinamento e da elegância; já o alemão, antes considerado

língua exageradamente romântica por conta do lirismo de Goethe e de Schiller, atualmente,

após os horrores da segunda grande guerra, passa a representar uma língua agressiva e fria29

.

O termo berbere foi empregado pelos gregos para designar povos cujas línguas eram

incompreensíveis, por isso também conhecemos hoje a terminologia “bárbaros” associada aos

povos ditos “selvagens”. Entretanto, na língua berbere, “amazigh” quer dizer “homens livres”.

Hoje chega a ser inconcebível a concepção de um Estado sem território e sem uma

língua oficial. Aqueles que fogem à regra possuem uma situação considerada problemática.

Para isso nomeamos, por exemplo, a língua da Alemanha como “alemão”, a língua da França

como “francês”, o “italiano” da Itália, ocultando assim uma realidade linguística muito mais

variada e rica. Para cada nação, uma língua. A nação, a língua, a identidade de uma

coletividade começam e terminam nas fronteiras que as delimitam. Além delas, o que há é o

“outro”. Esta maneira de pensar a organização do mundo não corresponde à realidade

linguística que podemos observar através das inúmeras pesquisas que estão sendo realizadas

pela sociolinguística. A ideia de continua é muito mais plausível do que a concepção de

fronteira linguística, pois a variação não conhece limites físicos. O que acontece hoje é a

tendência de uma unificação de variantes que coincidem com as fronteiras do Estado

(GUISAN, 2009, p.24):

29

A mudança na representação da língua alemã começou já no pós-guerra de 1870, com a vitória da Prússia

sobre a França, e a unificação do Império Alemão.

44

“A unificação das variantes de uma língua em torno de uma norma aceita

como paradigma contribui, ao mesmo tempo, para definir fronteiras, áreas

linguísticas e, finalmente, países ou estados nacionais. Processo de

cristalização que servia perfeitamente as ambições do projeto de

reestruturação política, econômica e mental na Europa em tempos

modernos.”

Muitas línguas nacionais atuais europeias não existiam antes do século XIX, assim

como as nações, elas ganharam uma história “ancestral” com mitos fundadores das suas

origens, quando, na verdade, os seus surgimentos como idiomas são fatos bem mais recentes.

Segundo THIESSE (2001), uma língua nacional tem por função encarnar a nação,

assegurando uma comunicação horizontal e vertical no seu âmago, pois todos os cidadãos

devem compreendê-la e utilizá-la. Ela também deve dar conta da expressão de toda a

realidade, seja do passado, do presente e do futuro da comunidade, permitindo mostrar a sua

grandeza diante das outras nações. E, por fim, a língua nacional deve se confundir e mesmo se

enraizar na história profunda da nação e de seu povo. Sua escolha será arbitrária, podendo ser

formulada (inventada) a partir da escolha de variantes medianas do ponto de vista linguístico

e da intercompreensão comum, e também da relevância do status político e econômico a ela

atribuída.

A problemática da identidade nacional, como já citado anteriormente, pode já ser

identificada no Renascimento a partir das primeiras formações de Estados nacionais na

Europa, contudo não com os mesmos ideais do século XIX, passando ainda pela Revolução

Francesa e culminando na expansão desse modelo através das conquistas coloniais e também

dos processos de descolonização que se sucederam posteriormente.

Os discursos sobre a nação ao longo do século XIX, período de muitos debates sobre o

conceito, compartilham em comum a noção de que cada país tenha na composição da sua

nacionalidade a premissa de uma cultura tradicional e original Ŕ pode-se pensar aqui a

concepção de um génie des nations - proveniente de um passado perdido no tempo, mas com

um sentimento forte e contínuo ligando ao seu futuro. Ela sempre resulta da vontade de viver

45

junto, de uma história comum e de um pacto cujo conteúdo pode ser renegociado ao longo do

tempo. A identidade nacional é então a construção de um processo do imaginário coletivo.

Entretanto, como afirma THIESSE30

, as nações nesse período não possuíam ainda um

discurso oficial completo de suas historiografias. O resgate de um passado histórico, a criação

de folclores, símbolos, valores e tradições acontecerão mais tardiamente.

A identidade nacional consiste muitas vezes em um sentimento difuso e impreciso de

pertencimento a uma comunidade e as representações a ela associadas. Sentimento suscetível

de manipulações e paixões nacionalistas. GELLNER31

afirma que o nacionalismo deseja

construir um espaço nacional homogêneo no qual a cultura e a comunicação terão lugar

preponderante. Para tal fim, é necessária uma unificação linguística para a retirada de

obstáculos que atrapalhem a comunicação. Na verdade, não só a unificação linguística parece

ser um objetivo dos projetos de identidade nacional, mas também a homogeneização de todo o

aspecto cultural e político das nações, tendo como resultado estereótipos, símbolos e

protótipos do que é ter uma nacionalidade específica. Tal fato oculta a diversidade em todos

os seus aspectos dentro das sociedades e os conflitos inevitáveis entre grupos gerados por

crises identitárias no âmago das nações. Os projetos de identidade nacional criam mitos que

são discursos fundadores, que são transmitidos de geração em geração, com uma origem

perdida no tempo, permitindo ao mito se desprender da realidade para se tornar lenda ou

metáfora. Ele tem como função principal reunir os indivíduos de um mesmo grupo em torno

de uma única ideia de ordem sobre o mundo e uma mesma concepção de existência.

A noção de “crise de identidade” aparece pela primeira vez na psicologia social com

Erikson, pesquisador alemão, que investigou os problemas vividos por veteranos da segunda

guerra mundial e mais tardiamente com adolescentes e minorias de origem estrangeira. Para

ele, é através da crise de identidade que os traços identitários ficarão muito mais aparentes.

30

in LAGARDE, 2008. 31

Idem nota 11.

46

Várias áreas se apropriam do conceito de identidade na tentativa de investigar seus objetos de

estudo, ou seja, a sua definição como conceito passa sempre pela visão de uma ciência

específica. Entretanto, a definição mais básica dada ao conceito de identidade tem por

fundamento a ideia elementar de que ela é sempre uma construção autônoma de si, mas

dependente ao mesmo tempo do outro. É na alteridade, seja pelo conflito, seja pela simples

comparação-negação das características do que lhe é diferente, que ela será desenvolvida pelo

indivíduo. A cultura também se apresenta como uma outra componente na construção da

identidade. Para Devereux (CAMILLERI, 2002, p.12), psicanalista e etnólogo do século XX,

existe um processo psicológico de reificação da cultura e esta, por sua vez, influencia as

pessoas como uma parte da personalidade. Ela fornece um parâmetro global do pensamento e

dos desejos, do inconsciente e das funções do Eu, de tal modo que é impossível conceber

identidades independentemente de um certo modelo cultural. A dimensão histórica também

entra como fator de composição da identidade, não importando o grau de isolamento de uma

sociedade, dentro dela mesma haverá sempre transformações de acordo com o tempo e os

eventos ocorridos nela.

A identidade nacional vai se apoiar, sobretudo, na língua para se desenvolver dentro do

projeto da nação. Com o fim da dominação colonial, a tendência dos novos governos é a de

fazer um caminho sempre inverso ao do colonizador, valorizando e reestabelecendo o status

das instituições anteriores ao domínio. Evidentemente, a busca pela identidade não será um

caminho tão simples em que se negará apenas todas as referências ligadas ao colonizador,

pois a experiência vivida, a dimensão histórica influenciará decisivamente na nova ordem a

ser estabelecida. Como evocado anteriormente, a partir do pensamento de Erikson, a

identidade do colonizado emergirá diante de sua própria crise identitária. Entretanto, no caso

magrebino, os projetos de nação e a construção da identidade nacional seguirão o plano

47

simples de reestabelecer apenas os valores de origem, renegando os “espólios” de guerra32

deixados pelo colonizador. As constituições que fundam o Magrebe independente vão se

basear na concepção “um Estado, uma nação, uma língua” para reconstruírem os seus países.

Para restabelecer uma língua como língua nacional, supõe-se que ela tenha conhecido no

passado um status de língua dominante ou em todo caso de língua estabelecida. Ela deve

permitir a constituição de uma unidade, de uma coesão identitária reinterpretada como base da

identidade nacional 33

. Ela pode também alcançar uma legitimidade interna, mas não no

cenário nacional, como aconteceu com o catalão na Espanha, que continua a ter como língua

dominante o espanhol. Paradoxalmente, as línguas coloniais constituem hoje um cimento

linguístico da nação. Os casos dos países africanos são exemplos de como a diversidade

linguística das comunidades na verdade permitiu a manutenção da língua dominante, seja o

inglês ou o francês, para que essas línguas continuassem a ser amplamente usadas pelas

populações. Nesses contextos a língua do colonizador não pertence a nenhum grupo

específico local, o que torna mais fácil o seu uso para a comunicação comum entre as diversas

nações culturais existentes. Hoje vemos essas línguas com status de oficiais ao lado das

línguas locais que ganharam o status de línguas nacionais, como podemos verificar através

deste trecho da Constituição da República Democrática do Congo (2005):

« Chapitre 1er : De l‟État et de la Souveraineté

Section 1ère : De l‟État

Article 1er

La République Démocratique du Congo est, dans ses frontières du 30 juin

1960, un État de droit, indépendant, souverain, uni et indivisible, social,

démocratique et laïc ...

Sa langue officielle est le français.

Ses langues nationales sont le kikongo, le lingala, le swahili et le tshiluba.

L‟État en assure la promotion sans discrimination. Les autres langues du

pays font partie du patrimoine culturel congolais dont l‟État assure la

protection ... 34

»

32

Expressão usada pelo escritor argelino Kateb Yacine para designar a língua francesa, no sentido de valorizar o

seu uso pelos ex-colonizados. 33

Idem nota 11 34

Tradução nossa: « Capítulo 1º: Do estado e da Soberania

48

Todavia, o caso magrebino se apresentará de maneira diferenciada em relação ao status

concedido às línguas presentes nas suas sociedades. Paralela a esse fato está a escolha de uma

variante local ou de uma variante média eleita para ser a língua nacional. No exemplo

congolês, fica clara a existência de inúmeras outras línguas reconhecidas pelo Estado, mas

que não possuem o mesmo status concedido às quatro línguas representativas dos grupos

dominantes locais.

Definir uma língua nacional é um ato simbólico que leva a consequências práticas. Se há a

opção pela língua do colonizador, corre-se o risco da manutenção da relação de dominação

anterior, privilegiando elites locais. Se a língua dominada é a escolhida como língua nacional,

o processo de restabelecimento de uma língua nacional também não será simples. De alguma

forma, ela carrega algum vestígio de dominação. A sua promoção deve ser assegurada como

tal no nível simbólico. A elaboração e a difusão de uma variante standard necessitam de

políticas linguísticas que enfrentem o problema da legitimidade, seja internamente, como

externamente. Pois, a dominação colonial leva a uma perda de prestígio e uma

autodegradação da língua dominada pelos seus próprios locutores, em razão de todo

imaginário construído sobre ela pelo discurso colonial. Sobre o tema, LAGARDE (2008,

p.97) conclui:

“La légitimation de l‟artificiel ne peut se faire qu‟au prix d‟une volonté,

determinée, consentie ou même subie, de partager un même outil

linguistique pour, ensemble, se reconnaître, entre autres signes, en lui. C‟est

à la (re)construction politique nationale qu‟incombe cette tâche de

conviction et/ou d‟imposition ; c‟est de son aboutissement ou pas, que

dépend l‟identification citoyenne, cette appropriation des valeurs, entre

autres linguistiques et culturelles, qui soude(nt) la communauté . »35

Seção 1

: Do Estado

Artigo 1º:

A República Democrática do Congo é, nas suas fronteiras de 30 de junho de 1960, um Estado de

direito, independente, soberano, unido e indivisível, social, democrático e laico ... Sua língua oficial é o francês.

Suas línguas nacionais são o kikongo, o lingala, o swahili e o tshiluba. O Estado assegura a promoção dessas

sem discriminação. As outras línguas do país fazem parte do patrimônio cultural congolês, protegidas pelo

Estado...” 35

A legitimação do artificial não pode ser feita somente com uma vontade, determinada, consentida, ou mesmo

submetida, de partilhar um mesmo aparato linguístico para, juntos, se reconhecer, entre outros, nele. É a política

de (re)construção nacional que está incubida dessa tarefa de convicção e/ou imposição; é do seu resultado ou

não, que depende a identificação a identificação cidadã, esta apropriação dos valores, entre outros linguísticos e

culturais, que unem a comunidade.”

49

A opção pelo multilinguismo parece ser uma via mais interessante, mas inevitavelmente

traz impasses e obstáculos, exigindo uma atenção muito criteriosa na sua planificação para

garantir a igualdade de status e desenvolvimento às línguas em questão. Raros são os casos

em que a implementação do monolinguismo se mostrou bem sucedida, como é o caso do

Bahasa Indonesia, língua oficial da Indonésia desde 1928, criada artificialmente.

No Magrebe, veremos mais adiante que o seu projeto pós-colonial de nação se fundará

sobre discursos e símbolos carregados de valores da tradição do mundo árabe, sobretudo o

Islã. O modelo magrebino não seguiu o mesmo rumo dos projetos de nação das colônias

independentes da África-subsaariana, que admitiram em suas constituições o plurilinguismo,

valorizando línguas locais e resguardando a língua do colonizador como língua oficial.

Tunísia, Marrocos e Argélia abraçaram, paradoxalmante, o modelo francês de uma nação,

uma língua, uma identidade nacional. No capítulo seguinte, estudaremos os trechos referentes

à língua e a suas políticas linguísticas nas constituições desses três países para demonstrar

como o Magrebe fez um caminho inverso ao das outras colônias africanas. No momento, é

importante discutir como as teorias sobre língua, Nação-Estado e identidade nacional até aqui

apresentadas se aplicam ao caso magrebino.

O longo período de dominação e ocupação francesa deixou marcas profundas,

principalmente, no que se refere à definição da identidade dessas comunidades e as suas

línguas oficiais.

5 – Multilinguismo e contato de línguas

O contato de línguas tem por uma de suas consequências o multilinguismo. Este, por

sua vez, pode ser social ou individual. O multilinguismo social ocorre quando duas línguas ou

50

mais são realizadas. Três modelos teóricos de bilinguismo social foram propostos por APPEL

& MUYSKEN (1996, p.10) na tentativa de entender o fenômeno:

Modelo I Ŕ Duas línguas são faladas por grupos diferentes. Cada grupo é monolíngue.

Alguns indivíduos monolíngues são responsáveis da intercomunicação entre os grupos. O

modelo I representa bem as relações bilíngues comuns em antigas colônias.

Modelo II – Neste modelo todos os falantes são bilíngues. Situação muito comum

encontrada na Índia, por exemplo.

Modelo III Ŕ Nesta situação temos um grupo monolíngue e outro bilíngue,

configurando uma relação de dominância de um grupo sobre o outro. No caso magrebino, o

grupo berbere é bilíngue, pois falam também o árabe. Entretanto, o grupo, que tem o árabe

como língua materna, não fala berbere.

As relações aqui apresentadas são apenas esquemas que nos ajudam a organizar e a

entender como acontece o fenômeno. Sabemos que as relações existentes em uma sociedade

bilíngue são muito mais complexas, implicando, na maioria das vezes, mais de dois grupos e

mais de duas línguas, como é o caso do Magrebe.

Para uma definição do bilinguismo no nível individual, os autores apresentam a visão

de Weinreinch36

, mais sociológica, para definir o conceito (1996, p.11) “a prática de utilizar

duas línguas alternadamente se configura bilinguismo e as pessoas implicadas bilíngues”.

Esta definição não limita as diversas habilidades linguísticas que um falante pode ter em uma

dada língua, qualificando-o como usuário.

São variadas as possibilidades de contatos entre línguas, e cada um desses contatos

nem sempre produz os mesmos resultados. Dois casos nos interessam mais particularmente: o

contato linguístico produzido pela expansão colonial europeia e o isolamento de línguas

36

Uriel Weinreich, importante linguista americano.

51

minoritárias causado por línguas com status dominante. O primeiro caso nos remete à relação

árabe-francês no período colonial magrebino. A segunda, à relação berbere-árabe. A relação

francês-berbere não é uma relação competitiva como ocorre nas outras duas relações

anteriormente citadas, pois as duas línguas possuem funções muito distintas dentro da

sociedade magrebina.

Em contexto multilíngue, sobretudo, a língua não funcionará somente como um meio

de comunicação, mas também como referência da identidade para o indivíduo. Cada grupo

pode ser identificado a partir de sua língua, que também servirá de veículo de transmissão de

sua cultura, de seus valores e de significados sociais. Sendo assim, ela constantemente será

avaliada a partir dos status que seus usuários possuem na sociedade. Podemos, então, dizer

que atitudes linguísticas são também atitudes sociais.

5.1 Ŕ Contato linguístico: língua e identidade

O contato entre línguas evoca naturalmente dois outros conceitos implicados na

discussão: alteridade e dominação. Quando duas línguas ou mais estão em jogo em um

mesmo cenário linguístico, ocorre uma disputa de forças, como um jogo de identidade e poder

Ŕ temos outra língua ou a língua dos outros? As atitudes linguísticas de um grupo ou de um

indivíduo serão em si atitudes sociais, marcadas pelas representações que um grupo possui do

outro. Cada língua ou variante envolvida nesse jogo será avaliada pela comunidade por

critérios muito mais ideológicos e sociais do que propriamente linguísticos. O status social de

cada falante é que atribuirá um valor a uma dada língua.

Falantes de línguas minoritárias Ŕ talvez fosse melhor dizer “minoradas”37

Ŕ

geralmente atribuem pouca importância as suas próprias línguas, considerando-as sem valor

37

Conceito apresentado por Jean-Baptiste Marcellesi em « De la crise de la linguistique à la linguistique de la

crise: la sociolinguistique », La Pensée, 2009, Paris.

52

para conseguir uma mobilidade social positiva. Apesar desse aspecto, costumam manter uma

lealdade linguística e afetiva com a mesma. O sentimento de identidade expressado através da

língua nos indica três dimensões diferentes (FISHMAN, 1977 in APPEL,R. & MUYSKEN,

P.,1996): a paternidade, o patrimônio e a fenomenologia. A primeira dimensão destaca a

ideia da hereditariedade; a língua como um bem herdado dos pais. A segunda dimensão é

também uma herança, mas herdada da coletividade na qual estamos inseridos. Uma cultura

que nos orienta e nos forma. A terceira dimensão se refere aos significados que atribuímos a

essas heranças como descendentes.

O termo línguas minoradas parece mais adequado para a discussão do cenário

linguístico magrebino. Ele consiste na desvalorização social de sistemas linguísticos,

teoricamente oficiais pelos discursos políticos, mas ameaçados por determinadas políticas de

Estado, assim como por fatores econômicos e sociais. Ao chamarmos, por exemplo, a língua

berbere de língua minoritária, caímos em julgamentos e contradições, pois não podemos

chamar de minoritária uma língua falada por mais de 22 milhões de pessoas. O árabe dialetal,

apesar de não ter o fardo da classificação “língua minoritária”, também se encontra em

situação de minoração dentro das sociedades magrebina, pois é visto apenas como um

“dialeto”, “vulgar” e “corrompido”.

Nem sempre a revindicação de uma identidade de uma língua passa pelas práticas

linguísticas que se tem com ela. Muito mais do que ter uma identidade linguística, podemos

ter uma identificação com determinada língua. No caso magrebino, um indivíduo pode

reclamar o árabe clássico como sua língua materna sem ter proficiência no mesmo. Sua

escolha é influenciada por um discurso ideológico. Nossas práticas linguísticas são sempre em

função do outro, de como o percebemos e de como achamos que ele nos percebe também.

Uma língua pode expressar várias culturas, assim como uma cultura pode ser expressa

em várias línguas. A cultura islâmica é expressa em várias línguas: árabe, berbere, wolof, etc.

53

O mesmo acontece com a francofonia, que veicula várias culturas, em que muitos falantes

diferentes se apropriaram dessa língua da sua maneira para expressar sua cultura, construindo-

se assim diferentes variedades de francês.

Um Franco-Magrebino também pode ser identificado em diversas circunstâncias como

árabe, imigrante, francês de origem magrebina ou só magrebino. No Magrebe, as identidades

se sobrepõem, se contradizem, se cruzam e se opõem. A identidade árabe, a identidade

mulçumana, a identidade berbere e a identidade francófona estão em constante e dinâmica

interação. Um magrebino pode reclamar sua identidade árabe quando se sente ameaçado por

uma identidade estrangeira; sua identidade berbere caso a referência árabe o ameace;

revindica sua identidade francófona se a cultura anglófona lhe é imposta. A identidade muda

de acordo com o espaço e o tempo, sendo dependente dos fatores sociais que a determinam.

A identidade árabe-islâmica no Magrebe se apresenta como a única identidade

legitima anunciada pelos discursos oficiais38

, não abrindo espaço para outras identidades. Da

mesma forma, é necessário desconstruir a identidade francófona de um francês único

(LAROUSSI, 2002):

“Tous les Maghrébins n‟ont pas le sentiment de subir les conséquences d‟un

bilinguisme hérité de la situation coloniale. Au contraire, ils sont en mesure

de „maghébiser‟ le français, en contribuant à sa re-création et en lui

conférant une valeur non plus exclusivement technique mais aussi culture

[...] Pour devenir réellement une forme identitaire au Maghreb, le français

doit s‟adapter et se transformer... »39

As práticas linguísticas no Magrebe necessitam mudar seu posicionamento em relação

à francofonia, revindicando suas especificidades. Caso contrário, continuaria sendo cultivada

38

Analisaremos, no próximo capítulo, trechos das constituições de Argélia, Marrocos e Tunísia. 39

Tradução nossa: Os magrebinos não têm o sentimento de sofrer as consequências de um bilinguismo herdado

da situação colonial. Ao contrário, eles estão magrebizando o francês, contribuindo para a sua recriação e lhe

conferindo um valor não mais exclusivamente técnico, mas também cultural [...] Para se tornar uma forma

realmente identitária no Magrebe, o francês tem que se adaptar e se transformar.

54

uma imagem de um francês do “bon usage40”, único e relacionado somente à França. Ser

francófono não significa falar bem o francês, mas sim de se apropriá-lo.

.

40

Título de uma das gramáticas mais conhecidas da língua francesa, realizada pelo belga Maurice Grevisse.

PARTE III

56

AS CONSTITUIÇÕES PÓS-COLONIAIS DOS PAÍSES MAGREBINOS

6 Ŕ Políticas de arabização e Políticas linguísticas

Logo após as suas independências, Tunísia, Argélia e Marrocos organizaram novas

constituições que ressaltassem a soberania nacional, eliminando qualquer vestígio que

representasse a política colonial. Essas novas constituições tiveram por base fundamental uma

identidade árabe-mulçumana e políticas linguísticas que destacavam como língua oficial e

nacional a variante clássica do árabe, interpretada como uma língua única, sacra e

homogênea. Assim, os três países edificaram seus projetos de nação em cima dessas

representações, com o objetivo de resgatar uma cultura anterior à chegada do colonizador.

Entretanto, sabemos que a restituição de um estágio idêntico anterior ao da colonização não

seria mais possível. O contato linguístico e o processo histórico ocorridos ao longo do período

colonial mudariam para sempre as sociedades magrebinas.

Projetos de arabização foram implementados pelos governos, através da generalização

e obrigação da utilização da língua árabe em um cenário linguístico altamente fracófono.

Estes projetos tinham por base dois conceitos: o da “arabização-tradução” e o da “arabização-

conversão”. A primeira estipulava que todas as práticas linguísticas oficiais, antes em língua

francesa, deveriam ser obrigatoriamente em árabe. A segunda, de caráter mais ideológico,

estava ligada aos discursos das frentes revolucionárias que defendiam a liberdade nacional e o

islã como cultura da nação. O discurso político fez da arabização um combate não somente da

língua árabe contra a língua francesa, mas uma oposição de visões políticas. Aqueles que

optavam pelo bilinguismo árabe-francês, são vistos como defensores do antigo sistema

colonial.

57

O árabe clássico foi eleito a língua nacional e oficial da nação, enquanto as variantes

dialetais, o francês e o berbere foram rejeitados como línguas faladas pelas populações. As

variantes dialetais são vistas como formas “degradadas” da variante clássica, sendo

impossível a representação destas nos discursos oficiais, pois elas marcariam ainda uma

fragmentação identitária da irmandade árabe-mulçumana. Os discursos as citam como:

línguas sem normas, línguas sem história, línguas vulgares, línguas pobres ou línguas

profanas. A mesma rejeição se passa com o berbere, completamente suprimido pelos

discursos oficiais. Quanto à língua francesa, era vista como uma ameaça à soberania

nacional, marcando a presença do colonizador. Ao optar pelo monolinguismo, os novos

governos pós-coloniais acabaram por seguir o mesmo processo de homogeneização

linguística-cultural que a França realizou ao longo do século XIX.

6.1 Ŕ Discurso e identidade

Para Patrick Charaudeau, dentre os principais fundamentos do ato comunicativo está a

atribuição da legitimidade ao sujeito falante. O reconhecimento do direito à palavra por si só

não basta ao indivíduo para estabelecer comunicação, também se faz necessário o

reconhecimento da identidade desse sujeito pelo seu interlocutor, tornando-o assim um sujeito

competente.

A comunicação estabelecida a partir desse princípio não é apenas referencial, pois a

linguagem cria sentido. Ou seja, temos então uma construção do sentido entre os parceiros no

ato de linguagem que determina os seus modos de existência, ao mesmo tempo em que

constrói representações sobre o mundo. O sentido, apesar de poder ser partilhado pelo senso

comum, nem sempre está baseado em critérios de verdade. Ele é resultado das relações dentro

de uma comunidade, de simulacros, da atribuição de papéis aos indivíduos, da “metaforização

e da figuração de nossas palavras”. O que nos indica que nunca o sentido está restrito ao eu ou

58

ao outro, mas está na representação que faço de mim e do outro, imagem construída de acordo

com interesses e expectativas dentro da comunicação. CHARAUDEAU in LARA,

MACHADO, EMEDIATO (2008):

“O sentido é, ao mesmo tempo, nosso mito e nosso real. Ele se constrói na

confluência entre o dito e o não dito (o explícito e o implícito). Ele não é

apenas o dito, ele não é também apenas o não dito. O sentido nasce da

relação entre os dois. [...] sob a aparente tranquilidade de palavras, um

turbilhão de significações implícitas.”

Podemos destacar quatro princípios que norteiam o ato de comunicação: o princípio da

interação, da pertinência, de influência e o da regulação, que podemos descrever como:

Interação: fenômeno de troca entre dois indivíduos. Para o ato comunicativo há

sempre o eu e o outro, ao mesmo tempo em que o outro constitui o eu, sendo então

uma co-construção;

Pertinência: de relevância pragmática, o destinatário da fala supõem que o seu

interlocutor tem um projeto de fala com uma razão de ser. Ambos devem possuir em

comum um mínimo de saberes compartilhados para constituir o ato, pois do contrário

não seria possível a comunicação;

Influência: refere-se ao agir sobre o outro (com finalidade acional ou psicológica)

através do seu projeto de fala, o que implica no uso de estratégias discursivas pelo

falante, levando em conta aspectos e imagens sobre seu parceiro.

Regulação: determina as condições de troca entre os parceiros, que se reconhecem

como legitimados, para que a comunicação atinja seu fim. Podemos ver este princípio

como uma “luta discursiva”, onde cada vez que um indivíduo cede seu turno de fala ao

outro, perde um pouco da sua legitimidade, podendo até mesmo desaparecer.

59

A partir da descrição dos princípios que regem o ato de linguagem, temos a

compreensão da construção do contrato de comunicação, que determina, por sua vez, uma

parte a identidade dos falantes.

Para Charaudeau, “discurso” é um termo que pode carregar várias acepções, mas, para

o autor, não podemos compreendê-lo como linguagem verbal. Ele está além de um conjunto

estruturado de signos formais. Ele ultrapassa esses códigos, pois é o lugar da “encenação da

significação”. O texto não é o discurso, mas sim a materialização da encenação do ato de

linguagem, e, por sua vez, atravessado pelo(s) discurso(s). A encenação discursiva se serve de

gêneros e estratégias para construir o sentido.

O discurso também se relaciona a um conjunto de saberes compartilhados e

construídos (consciente ou inconscientemente) pelo grupo social. Os discursos sociais

(chamado também de imaginários sociais pelo autor) mostram como as práticas sociais são

imaginadas em uma determinada cultura e a elas são atribuídas valores e representações que

as determinam e as qualificam.

Os imaginários sociodiscursivos são de extrema importância para a análise das

constituições aqui selecionadas a fim de compreender como o discurso político constrói suas

verdades baseado em representações sociais que circulam em uma comunidade, e de como a

ação política é um bem soberano em vista da promoção de um ideal social. A partir da grande

e caótica diversidade de interesses, os indivíduos acabam por ser organizar em comunidades

“essenciais” e “determinadas”, buscando uma unidade social, que estão representadas nos

discursos e materializadas através de símbolos e imagens. Com isso, os indivíduos agem por

uma coerência inconsciente, que é o lugar do real, ao mesmo tempo têm a necessidade de

racionalizar o real através de discursos para justificá-lo (CHARAUDEAU, p.192, 2008):

“Por meio desses discursos de representação, os indivíduos se reconheceriam

como pertencentes a um grupo-classe por um jogo de identificação e de

60

exclusão, e desse modo construiriam para si próprios uma „consciência

social‟ que seria alienada pelos discursos dominantes que provêm de

diversos setores da atividade social (direito, religião, filosofia, literatura,

política, etc.), constituindo uma ideologia dominante.”

Assim, a ideologia é a articulação entre significação e poder, fundada por quatro

premissas: a legitimação, a dissimulação, a fragmentação e a reificação. A primeira consiste

em racionalizar a sua legitimidade a fim de justificar a sua posição de domínio; a segunda visa

a mascarar a relação de dominação existente; a terceira leva à oposição de grupos entre si, e,

por fim, a reificação naturaliza a história como se ela fosse atemporal.

As representações sociais objetivam a interpretação da realidade, associando a elas

símbolos e significações, que são por sua vez, um conjunto de valores, crenças, opiniões,

conhecimentos produzidos e partilhados pelos membros de um mesmo grupo sobre um dado

objeto. Assim, os indivíduos organizam, classificam e julgam o mundo, e também podem,

através de rituais, estilos de vida e signos simbólicos, se exibirem como um grupo social

específico.

6.2 - Os imaginários sociais e as constituições de Argélia, Tunísia e Marrocos

O imaginário social é uma imagem que interpreta a realidade, fazendo-a entrar em um

universo de significações. Ele também funda a identidade social de um grupo, na medida em

que é o elemento de coesão-significação dessa. Para Charaudeau, o sentido investido no

imaginário não é falso, nem verdadeiro. Ele é da ordem do verossímil, ou seja, do

possivelmente verdadeiro.

Para desempenhar o seu papel identitário, o imaginário social necessita se materializar

através de símbolos, construções emblemáticas, como bandeiras, lemas, e outros. Tudo será

sustentado pelo discurso social, seja pela tradição escrita ou oral, para serem transmitidos de

geração em geração. Com isso, podemos identificar algumas temáticas discursivas

61

encontradas nos imaginários sociais, que nos interessam particularmente na análise das

constituições dos países magrebinos, são eles: o imaginário da tradição, o imaginário da

modernidade e o imaginário da soberania popular.

Para melhor desenvolver os imaginários identificados, abaixo estão trechos das

constituições a serem trabalhadas. A seleção levou em conta três fatores: a ideia de Estado-

Nação apresentada, os símbolos que representam o povo magrebino e as políticas linguísticas

oficiais dos países. Os trechos selecionados também correspondem a épocas distintas: a

primeira versão se refere à época logo após a independência colonial e a última versão é mais

contemporânea. Elas podem ser encontradas em sites oficiais dos governos de Argélia,

Tunísia e Marrocos, em língua árabe e francesa. Os trechos a seguir estão em francês.

Constituição do Marrocos (1962)

« Préambule

Le Royaume du Maroc, État musulman souverain, dont la langue officielle est l'arabe,

constitue une partie du Grand Maghreb.

État africain, il s'assigne en outre, comme l'un de ses objectifs, la réalisation de l'unité

africaine. [...]

Article premier.

Le Maroc est une monarchie constitutionnelle, démocratique et sociale.

Article 2.

La souveraineté appartient à la nation qui l'exerce directement par voie de référendum, et

indirectement par l'intermédiaire des institutions constitutionnelles. [...]

Article 4.

La loi est l'expression suprême de la volonté de la nation. Tous sont tenus de s'y soumettre. La

loi ne peut avoir d'effet rétroactif. [...]

Article 6.

L'Islam est la religion de l'État qui garantit à tous le libre exercice des cultes.

62

Article 7.

L'emblème du Royaume est le drapeau rouge frappé en son centre d'une étoile verte à cinq

branches.

La devise du Royaume est : Dieu, la Patrie, le Roi. [...]

Article 19.

Le Roi, « Amir Al Mouminine » (commandeur des croyants), symbole de l'unité de la nation,

garant de la pérennité et de la continuité de l'État, veille au respect de l'Islam et de la

Constitution. Il est le protecteur des droits et libertés des citoyens, groupes sociaux et

collectivités.

Il garantit l'indépendance de la nation et l'intégrité territoriale du royaume dans ses frontières

authentiques. [...] »

Marrocos (versão 2011)

“Article 5

L'arabe demeure la langue officielle de l'Etat. L'Etat œuvre à la protection et au

développement de la langue arabe, ainsi qu'à la promotion de son utilisation. De même,

l'amazighe constitue une langue officielle de l'Etat, en tant que patrimoine commun à tous les

Marocains sans exception L'Etat Œuvre à la préservation du Hassani, en tant que partie

intégrante de l'identité culturelle marocaine unie, ainsi qu'à la protection des expressions

culturelles et des parlers pratiqués au Maroc. De même, il veille à la cohérence de la politique

linguistique et culturelle nationale et à l'apprentissage et la maîtrise des langues étrangères les

plus utilisées dans le monde, en tant qu'outils de communication, d'intégration et d'interaction

avec la société du savoir, et d'ouverture sur les différentes cultures et sur les civilisations

contemporaines.”

Constituição da Tunísia (1956)

« Préambule

Au nom de Dieu

Clément et miséricordieux,

Nous, représentants du peuple Tunisien, réunis en assemblée nationale

constituante.

Proclamons la volonté de ce peuple, qui s‟est libéré de la domination étrangère grâce à sa

puissante cohésion et à la lutte qu‟il a livrée à la tyrannie, à l‟exploitation et à la régression :

- de consolider l‟unité nationale et de demeurer fidèle aux valeurs humaines qui constituent le

patrimoine commun des peuples attachés à la dignité de l‟Homme, à la justice et à la liberté et

qui oeuvrent pour la paix, le progrès et la libre coopération des nations,

63

- de demeurer fidèle aux enseignements de l‟Islam, à l‟unité de Grand Maghreb, à son

appartenance à la famille arabe, à la coopération avec les peuples « africains pour édifier un

avenir meilleur et à la solidarité avec tous les peuples » qui combattent pour la justice et la

liberté [...]

Article premier

La Tunisie est un Etat libre, indépendant et souverain ; sa religion est l'Islam, sa langue l'arabe

et son régime la République.

Article 2.

La République Tunisienne constitue une partie du Grand Maghreb Arabe, à l'unité duquel elle

oeuvre dans le cadre de l'intérêt commun. [...]

Article 4

Le drapeau de la République Tunisienne est rouge, il comporte, dans les conditions définies

par la loi, en son milieu, un cercle blanc où figure une étoile à cinq branches entourée d'un

croissant rouge.

La devise de la République est : Liberté, Ordre, Justice. [...]

Article 15

Tout citoyen a le devoir de protéger le pays, d'en sauvegarder l'indépendance, la souveraineté

et l'intégrité du territoire national.

La défense de la patrie est un devoir sacré pour chaque citoyen. [...]

Article 40

Peut se porter candidat à la Présidence de la République tout Tunisien, jouissant

exclusivement de la nationalité tunisienne, de religion musulmane, de père, de mère, de

grands-pères paternel et maternel tunisiens, demeurés tous de nationalité tunisienne sans

discontinuité. [...] »

Tunísia (versão 2003)

“Article premier

La Tunisie est un Etat libre, indépendant et souverain ; sa religion est l'Islam, sa langue l'arabe

et son régime la République.”

Constituição da Argélia (1963)

« Préambule

Le peuple algérien a livré en permanence, pendant plus d‟un siècle, une lutte armée, morale et

politique contre l‟envahisseur et toutes ses formes d‟oppression, après l‟agression de 1830

contre l‟Etat Algérien et l‟occupation du pays par les forces colonialistes françaises.

64

Le 1er Novembre 1954, le Front de libération Nationale appelait à la mobilisation de toutes

les énergies de la Nation, le processus de lutte pour l‟indépendance ayant atteint sa

phasefinale de réalisation.

La guerre d‟extermination menée par l‟impérialisme français s‟intensifia et plus d‟un

millionde martyrs payèrent de leur vie, leur amour de la patrie et de la liberté.

En mars 1962, le peuple algérien sortait victorieux de cette lutte de sept années et demie

menée par le Front de Libération Nationale.

En recouvrant sa souveraineté, après 132 années de domination coloniale et de régime

féodal, l‟Algérie se donnait de nouvelles institutions politiques nationales. [...]

La Révolution se concrétise par : [...]

L‟Islam et la langue arabe ont été des forces de résistance efficaces contre la tentative

dedépersonnalisation des Algériens menée par le régime colonial.

L‟Algérie se doit d‟affirmer que la langue arabe est la langue nationale et officielle et

qu‟elle tient sa force spirituelle essentielle de l‟Islam ; toutefois, la République garantit

àchacun le respect de ses opinions, de ses croyances et le libre exercice des cultes. [...]

Principes et objectifs fondamentaux

Article 1: L‟Algérie est une République démocratique et populaire.

Article 2 : Elle est partie intégrante du Maghreb arabe, du monde arabe et de l‟Afrique.

Article 3 : Sa devise est : „Révolution par le peuple et pour le peuple‟.

Article 4 : L‟Islam est la religion de l‟Etat. La République garantit à chacun le respect de ses

opinions et de ses croyances, et le libre exercice des cultes.

Article 5 : La langue arabe est la langue nationale et officielle de l‟Etat.

Article 6 : Son emblème est vert et blanc frappé en son milieu d‟un croissant et d‟une

étoile rouges. [...]

Article10 : Les objectifs fondamentaux de la République algérienne démocratique et

populaire sont :

- la sauvegarde de l‟indépendance nationale, l‟intégrité territoriale et l‟unité nationale ; [...]

- l‟élimination de tout vestige du colonialisme ; [...]

Dispositions transitoires

Article 75 : Provisoirement, l‟hymne national est „KASSAMEN‟. Une loi non

constitutionnelle déterminera ultérieurement l‟hymne national.

65

Article 76 : La réalisation effective de l‟arabisation doit avoir lieu dans les meilleurs délais

sur le territoire de la République. Toutefois, par dérogation aux dispositions de la présente loi,

la langue française pourra être utilisée provisoirement avec la langue arabe. [...] »

Argélia (versão 2008)

“Article 1er - L‟Algérie est une République Démocratique et Populaire. Elle est une et

indivisible.

Art. 2 - L‟Islam est la religion de l‟État.

Art. 3 - L‟Arabe est la langue nationale et officielle.

Art. 3 bis - Tamazigh est également langue nationale.”

Podemos observar ao longo das constituições que os discursos que atravessam os

textos têm por base, principalmente, o imaginário da tradição e o da soberania. Após a

colonização francesa, a língua árabe passou a ser o símbolo maior das nações magrebinas ao

lado da religião Ŕ o Islã. Juntos, eles compõem a coesão identitária dessas comunidades,

servindo de força de oposição a qualquer resquício de presença colonial, sobretudo a língua

francesa. Políticas de arabização Ŕ muito bem explícitas, principalmente, no trecho argelino -

foram realizadas como forma estratégica de se conseguir esse objetivo. Esses dois elementos

simbólicos Ŕ o árabe e o islã Ŕ foram resgatados como elementos identitários, pois

materializavam o discurso da tradição, suprimida pelas políticas coloniais. Eles estão

investidos de valores que contam a história da região, de suas glórias e feitos. O árabe

clássico, apesar de ser uma variante entre outras, é considerado pelas constituições o único

árabe existente, símbolo de sacralidade e de pureza por ser a “língua de Deus”, representada

pelo livro sagrado do Corão. Para restituir suas origens, suas autenticidades, os governos pós-

coloniais de Argélia, Tunísia e Marrocos investiram em seus projetos de nações livres em

discursos de origem (CHARAUDEAU, p.211, 2008):

“Esse mundo é evocado como um paraíso perdido ao qual seria

preciso voltar para reencontrar uma origem, fonte de autenticidade. É

então descrita a história da comunidade em questão, uma história às

vezes inventada, mas necessária para estabelecer uma filiação com os

66

ancestrais, com um território ou uma língua. Os descendentes seriam

os herdeiros, o que lhes imporia um dever de „retorno às fontes‟, de

recuperação da origem identitária. Esses discursos reclamam para si

uma verdade que exige uma busca espiritual de retorno a um estado

primeiro, fundador de um destino.”

Essa relação entre a língua árabe e a religião foi usada também como símbolo da luta

contra a colonização, como discurso motivador de movimentação das massas e de fidelidade à

cultura nacional. Defender a nação contra a presença inimiga era um valor cultivado como

uma obrigação moral. Todos os indivíduos eram chamados a assumir a responsabilidade de

proteger a nação e seus valores tradicionais.

A ideia de unidade aparece constantemente, não só para designar uma união nacional,

mas também expandida a todo o continente africano. Temos, então, os seguintes sintagmas:

“l’unité nationale”, “l’unité du Grand Maghreb”, “famille arabe”, “partie intégrante du

monde arabe et de l’Afrique”. A unidade se estende a todos aqueles que possuem algo em

comum com as nações magrebinas, seja a língua, a religião ou uma história colonial, através

de laços de irmandade e de solidariedade. O conceito de identidade se mostra muito ligado ao

de solidariedade.

O imaginário da soberania popular também está presente nos textos aqui estudados.

Este imaginário tem por fundamento a ideia de que o povo é responsável pela construção de

um mundo novo e do estabelecimento e da manutenção de seu bem-estar. Ele segue em

direção contrária ao imaginário da tradição, uma vez que não busca o mito de origem. Um

grupo se torna representante de uma suposta vontade coletiva, e nele é investido poder. Com o

poder em mãos, é necessário mediar a vontade social, instituir regras, valores e um contrato

social. Assim, veremos que o discurso da identidade (concretizado através de símbolos

patrióticos e da língua nacional), do igualitarismo (todos iguais perante a lei) e o da

solidariedade (a fraternidade entre os membros de uma nação ou entre povos com pontos em

comum) a todo instante são evocados para compor esse imaginário.

67

Como símbolos identitários, temos as bandeiras nacionais descritas pelos textos; o

status concedido à língua árabe Ŕ única, sacra e tradicional como o projeto de nação proposto;

o islã, que assim como a língua é a base da nação e os lemas nacionais, que permeiam o

domínio da fé, da justiça, da ordem e da liberdade, conquistada pela “força e luta do povo”.

Podemos identificar esses traços nos seguintes trechos:

- Marrocos:

L’emblème du Royaume est le drapeau rouge frappé en son centre d’une étoile verte à

cinq branches ;

L’islam est la religion de l’État ;

La devise du Royaume est : Dieu, la Patrie, le Roi.

Le Royaume du Maroc, État mulsuman souverain, dont la langue officielle est

l’arabe...

- Tunísia :

La Tunisie est un État libre, indépendant et souverain ; sa religion est l’islam, sa

langue l’arabe et son régime la République ;

Le drapeau de la République Tunisienne est rouge, il comporte, dans les conditions

définies par la loi, en son milieu, un cercle blanc où figure une étoile à cinq branches

entourée d’un croissant rouge.

La devise de la République est : Liberté, Ordre, Justice...

- Argélia :

Sa devise est : Révolution par le peuple et pour le peuple.

L’islam est la religion de l’État.

La langue arabe est la langue nationale et officielle de l’État ;

Son emblème est vert et blanc frappé en son milieu d’un croissant et d’une étoile

rouge.

68

Em outros trechos, podemos verificar que o povo é convocado sempre a defender a pátria

e ser fiel a ela. E a independência do país foi graças a sua “força de luta”, ganhando assim o

papel de um herói nacional, como podemos ver em:

Proclamons la volonté de ce peuple ... grâce à sa puissante cohésion et à la lutte qu’il

a livrée la tyrannie ;

Tout citoyen a le devoir de protéger le pays ;

Toutes les énergies de la Nation ;

Plus d’un million de martyrs payèrent de leur vie, leur amour de la patrie et de la

liberté ;

Le peuple algérien sortait victorieux.

As constituições mais contemporâneas de Argélia, Marrocos e Tunísia seguem, em

geral, os mesmo discursos da tradição e da soberania popular através da religião e do árabe

como símbolos identitários da coesão nacional. O modelo “uma língua, um povo, uma

nação”, relação tão cara aos países ocidentais ao longo dos séculos XIX e XX, não dá mais

conta da realidade multicultural e multilíngue de vários países na atualidade. Os diferentes

grupos culturais, como os berberes na Argélia e no Marrocos, além de diferentes setores

sociais, reivindicam outras representações que os legitimem nos discursos, sobretudo oficiais,

além da afirmação simbólica de suas identidades como comunidades específicas.

A partir dessas pressões e novas configurações sociodiscursivas no mundo e,

especialmente, no Magrebe contemporâneo, as constituições mais recentes foram alteradas a

fim de atender a essas reivindicações. Porém, ainda há uma grande resistência por parte dos

governos em assumir a realidade linguística e cultural desses países. A língua francesa é um

grande exemplo disso. Como descrito anteriormente, várias variedades do francês são

realizadas nas sociedades em questão, mas a língua não é citada como uma língua presente na

69

sociedade. O francês tem um papel importante dentro do imaginário da modernidade no

Magrebe. Estão a ele associadas as representações na área da tecnologia, da economia, da

universidade e da economia. O “futuro” é veiculado em francês. Língua que permite o acesso

a outros países e a expressão do mundo contemporâneo, diferentemente do árabe clássico

ligado à tradição e ao passado.

O imaginário da modernidade traz uma ameaça ao cenário da tradição, pois tende a

racionalizar os discursos, sobretudo religiosos. Não é à toa que a língua francesa foi omitida

por completo nas constituições atuais e, também, nas de Tunísia e Marrocos, logo após a

independência, já que a ela estão associados justamente os discursos ligados à modernidade.

A sua presença só pode ser apreendida através de expressões como “língua estrangeira” e

“língua de abertura”. Entretanto, muitos trabalhos41

dentro da sociolinguística mostram que a

sua presença é muito mais funcional e dinâmica nessas sociedades, sendo considerada língua

segunda, categoria muito distinta a de uma língua estrangeira. O francês pode ser encontrado

principalmente na literatura, na imprensa, nas ruas, nas relações de trabalho, nas escolas e nas

universidades. A língua francesa tem espaço privilegiado no mercado linguístico magrebino,

pois sua presença é efetiva em vários setores da sociedade. Outros fatores contribuem para sua

expansão, como a relação entre os imigrantes e seus descendentes em países francófonos,

principalmente a França, que mantêm constantes trocas econômicas e sociais entre os países

em questão.

Outra discussão importante é o reconhecimento de outras variantes do árabe,

principalmente a variante dialetal, verdadeira língua materna42

da maioria dos magrebinos,

utilizada no cotidiano e nas relações familiares. Entretanto, ela não é a língua da tradição, que

representa o mito de origem. Ela não é sacralizada como a variante clássica, daí o seu não

41

Podemos citar ENNAJI, M. Ŕ Multilingualism, cultural identity and Education in Morroco. Nova Iorque:

Springer, 2005 e DERRADJI, Y. Ŕ Revue du réseau des observatoires du français contemporain en Afrique :

http://www.unice.fr/ILF-CNRS/ofcaf/15/derradji.html (2001) - acessado em 11 de janeiro de 2012. 42

Idem 12

70

reconhecimento como língua majoritária da população. Os discursos do imaginário da

tradição conferem legitimidade ao objeto em decorrência de sua origem, atribuindo-lhe um

caráter absoluto que pode ser transmitido de geração em geração e que não tenha que

justificar o seu passado.

A língua berbere só foi reconhecida muito recentemente pelos textos oficiais, após

anos de luta e pressão para sua oficialização. O discurso que atravessa as questões berberes

parte do direito à identidade como forma de ação para a defesa de suas causas. Para

Charaudeau (2008, p.229), quando duas soberanias se opõem, uma delas está aberta à

presença do outro, dentro de ideais universalistas, mas procura assimilar as diferenças e tornar

o outro semelhante ao modelo dominante. Em contrapartida, o grupo que se sente ameaçado

reivindica o retorno à sua identidade de origem, em nome de princípios de identidade,

autenticidade étnica, histórica e até mesmo religiosa. Esta é a relação existente entre o árabe e

o berbere, assim como também é o modelo ocorrido entre o francês e o árabe no período

colonial. Os trechos constitucionais exemplificam claramente o discurso do direito à

identidade, em um primeiro momento confrontando a dominação francesa e evocando a

identidade árabe, e em um segundo momento, mais contemporâneo, os grupos berberes

enfrentam a dominação árabe através dos mesmos elementos discursivos de direito à

identidade. Entretanto, podemos questionar o reconhecimento estabelecido pelas constituições

de Argélia e Marrocos aos grupos em questão, pois apesar da oficialização, o status concedido

à língua berbere é o da co-oficialidade. Ou seja, a relação de dominação e soberania não foi

plenamente resolvida. Podemos exemplificar com os seguintes trechos:

Art. 3 bis - Tamazigh est également langue nationale.

De même, l'amazighe constitue une langue officielle de l'Etat, en tant que patrimoine

commun à tous les Marocains sans exception.

71

De même, il veille à la cohérence de la politique linguistique et culturelle nationale et

à l'apprentissage et la maîtrise des langues étrangères les plus utilisées dans le

monde, en tant qu'outils de communication, d'intégration et d'interaction avec la

société du savoir, et d'ouverture sur les différentes cultures et sur les civilisations

contemporaines.

O primeiro trecho (Argélia 2008) permite pouco espaço ao berbere. Seu status é o de

língua nacional, diferente da categoria língua oficial. Não há nenhuma menção ao francês ou

às práticas com outras línguas estrangeiras. O trecho marroquino já é mais explícito ao que se

refere às práticas com outras línguas, e, sobretudo, concede ao berbere um status de língua

oficial, com maior poder de influência. O francês ganha o status de língua estrangeira (“uma

das mais faladas no mundo”), mas o que ainda não corresponde à realidade linguística do país.

O trecho tunisiano não se difere da primeira constituição, publicada logo após a

independência.

São atribuídos às línguas diversos papéis, dentre eles o papel identitário. Tudo em língua

acaba sempre passando por ideologias, com as quais construímos representações que a

definem. Essa identificação começa ainda na Idade Média, na Europa, quando começaram a

se codificar e organizar dicionários e gramáticas a fim de estabelecer o “bom uso” de uma

língua. Mais tarde, no século XIX, o estabelecimento de uma norma-padrão para as nações

serviu como fator de delimitação de fronteiras entre os países, levando à cabo a política “uma

nação, um povo, uma língua”, permitindo assim a criação de uma “consciência nacional”.

Associamos então língua e comunidades, língua e países. Ela se tornou o ponto de coesão de

grupos culturamente distintos, levados pela crença de se constituírem como um grupo

homogêneo, com uma história em comum e laços de solidariedade. Mas a relação entre língua

72

e cultura é questionável na medida em que esta coesão é mantida pelos imaginários sócio-

discursivos e não pelo sistema língua em si.

Retomo aqui a ideia desenvolvida por Charaudeau (2001, p.342), mais do que associar

línguas e culturas, é necessária a investigação entre discursos e culturas, pois a relação entre

estes dois últimos é que nos permite observar toda a construção simbólica feita em torno das

línguas. Identidade linguística e identidade discursiva são conceitos distintos. Em um

primeiro momento é o sistema linguístico de um idioma específico que será resgatado para

fins de representação étnica, social ou nacional, mas ele não dará conta de todo imaginário

envolvido nesse desejo. A língua constrói e veicula sentidos, mas caberá ao discurso

desempenhar um papel mais determinante. Sendo assim, podemos dizer que mais que

comunidades que partilham semelhanças linguísticas, temos comunidades que partilham os

mesmos discursos, carregados de valores e elementos simbólicos que compõem a identidade

do mesmo.

As sociedades magrebinas, por meio das suas constituições, investiram em seus

projetos de nação pós-colonial através dos discursos da tradição e da soberania nacional,

resgatando e elegendo assim o árabe como símbolo identitário de seus países. Entretanto,

hoje, o discurso que permeia as questões linguísticas no mundo destaca a diversidade

linguística-cultural como a nova ordem. Os grupos minoritários - ou nem tão minoritários

assim, como é o caso das comunidades berberes Ŕ ganharam voz e espaço para o

reconhecimento de suas línguas, pressionando os discursos estabelecidos pela tradição a

mudarem.

Apesar do discurso da modernidade estar associado ao francês nesses países, a francofonia

se vê em um novo paradigma. A circulação de indivíduos entre as duas culturas é dinâmica e

as novas formas de telecomunicação estão mudando as práticas linguísticas, com isso as

73

identidades culturais também sofrem mudanças, buscando assim novos discursos que as

afirmem e as represente nas sociedades.

PARTE IV

75

ENQUETE COM JOVENS MAGREBINOS: CORPORA E REFLEXÕES

7 Ŕ O objetivo das enquetes linguísticas

No primeiro semestre de 2011, realizei em conjunto com a professora e sociolinguista

Nabiha Jerad, da Universidade de Túnis, uma enquete online para analisar as representações

de adolescentes e jovens adultos sobre as línguas: berbere, árabe clássico, árabe dialetal,

francês e inglês. A realização da enquete foi uma primeira tentativa de recolher dados que

expressassem o imaginário magrebino em torno das línguas faladas na região e que

permitissem demonstrar como os discursos das políticas linguísticas oficiais nem sempre

correspondem às práticas reais dos falantes. A intenção primeira era a da realização da

enquete nos três países aqui estudados para fins de comparação. Entretanto, alguns dos nossos

contatos para o auxílio da realização da enquete não foram correspondidos. Em contrapartida,

os dados tunisianos se apresentaram muito relevantes para a discussão, não podendo ser

descartados. Com isso, para termos uma visão mais completa das práticas e das

representações linguísticas em questão, utilizaremos dois outros trabalhos que contribuem

para a ampliação da visão geral do Magrebe. Para uma discussão da situação argelina, temos o

trabalho43

de Yacine Derradji, da universidade de Constantine. O corpus apresentado e

analisado pelo sociolinguista argelino é resultado de uma enquete realizada com jovens da

universidade. Nesse questionário, procurou-se verificar as línguas mais faladas pelos

informantes em diversos ambientes e situações da vida social, familiar e escolar. A

importância atribuída a cada uma delas também foi destaque na pesquisa. As línguas

selecionadas são as mesmas utilizadas na enquete que realizei com os jovens tunisianos: árabe

dialetal e clássico, francês, berbere e inglês. Um segundo trabalho44

, de Jan de Ruiter, nos

43

DERRADJI, Yacine - Vous avez dit langue étrangère, le français en Algérie?, Le français en Afrique, nº 15,

Nice : 2001. 44

RUITER, Jan Jaap de Ŕ Amazighophones et arabophones au Maroc d’aujourd’hui, EDNA, nº 12, p.61-81,

Zaragoza : 2008.

76

aponta um panorama da situação linguística do Marrocos, principalmente sobre a situação do

berbere em relação ao árabe dialetal, clássico e ao francês, destacando o domínio das

diferentes habilidades em cada língua Ŕ compreensão e produção escrita e oral Ŕ pelos

informantes.

Através da leitura desses três corpora, poderemos ter uma melhor visão sobre as

práticas linguísticas magrebinas Ŕ especialmente nos centros urbanos - assim como das

representações sobre as línguas que circulam nessas sociedades. Com isso, temos em mãos

um conjunto de informações importantes que colocam em questão os discursos oficiais e nos

apontam uma discussão sobre o multilinguismo na região, destacando o futuro da língua

francesa no Magrebe.

7.1 Ŕ A enquete Tunisiana

O nosso questionário, realizado em língua francesa, foi dividido em três partes,

contendo perguntas que definem o perfil linguístico do informante, as suas atitudes e práticas

linguísticas no cotidiano e, por fim, as suas representações e imagens sobre as línguas em

questão. Em alguns itens, foi possível a marcação de mais de uma língua, na tentativa de

verificar o bilinguismo dos falantes. Ou ainda, questões abertas/livres para a expressão

pessoal acerca das línguas.

Ao todo, contabilizam-se 46 informantes, sendo 33 declarados do sexo feminino e 13

do sexo masculino. As idades variam de 13 a 23 anos (alunos de escolas e da universidade de

Túnis). A maioria possui nacionalidade tunisiana. A primeira série de perguntas define um

perfil linguístico para esses informantes, onde se constata que45

:

45

Outros dados sobre o perfil linguístico dos informantes

77

36 pessoas declararam como a sua língua materna o árabe dialetal;

Uma média de 43 pessoas afirma ter nascido e crescido em centros ou nas suas

periferias;

42 declararam morar em centros ou nas suas periferias;

7.1.1 - Atitudes e práticas linguísticas no cotidiano

Pode-se perceber que o par árabe dialetal-francês aparece como o bilinguismo mais

expressivo nessas comunidades. O quadro abaixo apresenta o número de informantes que

declararam usar cada uma das línguas em questão nas suas práticas linguísticas cotidianas.

Tabela1

Tunísia Ŕ Porcentagem de informantes que declaram utilizar cada língua nas suas práticas cotidianas. Foi

possível marcar mais de uma opção de língua. Entre parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção.

*Na opção outras, foi indicada majoritariamente a língua inglesa. 46 informantes totais.

Situação

cotidiana

Árabe

clássico

Árabe

dialetal Berbere Francês Outras*

Sala de aula

13,04% (6) 47,83% (22) 2,17% (1) 73,91% (34) 6,52 % (3)

Família

8,70% (4) 89,13% (41) 2,17% (1) 67,39% (31) 2,17% (1)

Amigos

6,52% (3) 91,30% (42) 4,35% (2) 76,09% (35) 10,87% (5)

Comércio

4,35% (2) 86,96% (40) 0% (0) 60,87% (28) 4,35% (2)

Espaços

religiosos

13,04% (6) 23,91% (11) 0% (0) 6,52% (3) 6,52% (3)

78

7.1.2 - Tecnologias e escrita

Os falantes também foram questionados sobre os seus usos linguísticos com as novas

tecnologias. Neste item, procuramos também averiguar as práticas de escrita por duas razões

importantes. A primeira é que a comunicação, na Internet e nos aparelhos de celular, tem na

escrita o seu principal canal. A segunda é que as línguas em questão possuem alfabetos

diferentes e políticas divergentes para tal.

A relação árabe dialetal – francês continua muito frequente nas respostas, mas com

uma nova informação: a presença do inglês. Era permitido ao falante marcar mais de uma

opção de língua. Os números expressam a quantidade de informantes.

Tabela 2

Tunísia - Porcentagem de informantes que declaram utilizar cada língua nas suas práticas cotidianas com novas

tecnologias. Foi possível marcar mais de uma opção de língua. Entre parênteses, o número de pessoas que

marcaram a opção. 46 informantes totais.

Nos contextos Internet e SMS, os informantes declararam escrever:

Tabela 3

Tunísia Ŕ Porcentagem de informantes sobre práticas de escrita nas novas tecnologias. Entre parênteses, o

número de pessoas que marcaram a opção. Número de informantes totais 46.

Situação

Árabe

clássico

Árabe

dialetal

Berbere Francês Inglês

Internet

10,87% (5)

47,83% (22)

2,17% (1)

89,13% (41)

47,83% (22)

Mensagens

(SMS)

4,35% (2) 58,70% (27) 0% (0) 91,30% (42) 17,39% (8)

Palavras francesas com alfabeto árabe 32,61% (15)

Palavras inglesas com o alfabeto árabe 6,52% (3)

79

7.1.3 Ŕ Representações linguísticas

A última parte da enquete privilegiou as representações dos falantes sobre as línguas

estudadas. O informante deveria definir através de uma palavra ou imagem cada língua

apresentada ao longo da pesquisa. O quadro abaixo resume algumas respostas dadas pelos

falantes:

Tabela 4

Tunísia Ŕ Palavras ou expressões citadas pelos informantes como representações linguísticas para cada língua.

Palavras berberes com alfabeto árabe 2,17% (1)

Palavras árabes com alfabeto latino 52,17% (24)

Palavras berberes com alfabeto latino 2,17% (1)

Não responderam 4,35% (2)

Árabe clássico

Árabe dialetal

Berbere

Francês

Inglês

Árabe antigo

Agonizante

Língua pela

qual poucas

pessoas se

interessam

Corão

Difícil

Beleza-poesia-

Língua falada

Variada e

prática

Árabe moderno

Língua materna

Nossa língua

Tunisiano

Cotidiano

Não gosto

Minoritária

Língua perdida

Língua quase

morta

Não conheço

Desconhecida

Desafio

Língua

corrente

Preferida

Importante

Literária

Segunda

Língua

Elegância

Não é muita

falada

Língua

Internacional

Mundo

Sexy

Tendência

Progresso

80

O

questionário termina com uma pergunta de resposta também livre, em que o informante deveria

indicar a língua que melhor representasse a cultura do seu país. Obtivemos como resposta mais

expressiva o árabe dialetal como língua representante. Entretanto, o par árabe dialetal-francês

mais uma vez aparece, logo em seguida, como uma das respostas mais encontradas.

A partir da observação desses dados, podemos confirmar as primeiras discussões sobre

a ampla utilização do francês no cotidiano dos falantes em diversos domínios. Língua ainda

associada à ascensão social, à modernidade, aos estudos e à economia, marcando um lugar muito

específico nas sociedades magrebinas, especialmente a tunisiana, origem majoritária dos

informantes. Outro dado evidente é a clara distinção entre “árabes” diferentes, sendo a variante

denominada dialetal considerada como língua materna pelos falantes, língua também utilizada no

cotidiano juntamente com o francês. Entretanto, ela parece ocupar um espaço mais ligado ao que

Corão

Arcaico

Autenticidade

Literatura

Desuso

Complexo

Mulçumano

Tradições

Língua

corrente

Fácil

Popularidade

Identidade

Casual

Raiz

Origem

Autêntica

Ignoro

Prestígio

Juventude

Molière

Clareza

Refinamento

Expressiva

Prática

Estudos

Língua

midiática

Cool

Comércio

Universal

Fácil

Abertura

81

diz respeito à vida privada e à identidade primeira. O árabe clássico é apontado como a língua do

“atraso”, que não é capaz de expressar a vida prática e contemporânea, mas que ainda guarda um

certo prestígio ao ser associada à religião e à literatura, itens que nos indicam o conceito de

tradição. O berbere não se mostrou expressivo nos resultados, pois os informantes são

majoritariamente tunisianos. A língua berbere encontra mais destaque na Argélia e no Marrocos,

onde se concentra a maioria de seus falantes, como bem expressam as constituições apresentadas

anteriormente. O inglês é indicado como uma língua estrangeira, universal e prática. A partir dos

dados obtidos, fica evidente que, apesar dos textos oficiais darem o mesmo status ao inglês e ao

francês, a realidade linguística é diferente. O francês é citado como língua segunda, categoria

completamente distinta do status de língua estrangeira.

No que diz respeito às práticas com a escrita, o intercâmbio entre os alfabetos árabe e

latino para com as línguas francesa e árabe se mostraram relevantes. O alfabeto latino foi

apontado como um alfabeto de caráter mais produtivo nas práticas linguísticas cotidianas.

Certamente, o seu destaque está estreitamente associado ao tipo de meios de comunicação como

computadores e celulares, que, em sua maioria, possuem padrões em inglês. A esse raciocínio,

podemos também acrescentar o fato do árabe dialetal, língua mais usada em situações não

formais, não possuir uma alfabeto próprio oficial, cabendo ao francês ocupar este espaço na

expressão escrita.

7.2 Ŕ A enquete argelina

O sociolinguista argelino, Yacine Derradji, realizou uma enquete com alunos da

universidade de Constantine na Argélia. Os informantes são jovens universitários Ŕ mulheres e

homens -, moradores de áreas urbanas. A enquete verifica as práticas linguísticas dos estudantes,

a mistura de códigos linguísticos diferentes realizados por eles e o grau de importância atribuído

82

às línguas berbere, árabe dialetal e clássico, francês e também o inglês pelos informantes.

Abaixo, veremos um quadro resumido das perguntas referentes às práticas linguísticas dos

falantes. A porcentagem se refere ao número geral de informantes (176 pessoas), que puderam

marcar mais de uma opção de língua para cada situação indicada.

Tabela 5

Argélia Ŕ Porcentagem de informantes que declaram utilizar cada língua nas suas práticas cotidianas. Entre

parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. Foi possível marcar mais de uma opção de língua. 176

informantes totais.

Língua

mais

utilizada

Árabe

dialetal Francês

Árabe

clássico Berbere Inglês

em casa

84,66% (149)

46,59% (82) 3,40% (6) 5,11% (9) 2,27% (4)

entre

amigos

87,50% (154) 60,22% (106) 6,81% (12) 2,84% (5) 1,70% (3)

na

universidade

64,20% (113) 85,22% (150) 8,52% (15) 1,13% (2) 2,84% (5)

Para o item em casa, as línguas que se destacam são: o árabe dialetal e o francês. A

presença do árabe dialetal no ambiente familiar já era esperada como língua do cotidiano,

entretanto o destaque do francês contraria o discurso oficial das constituições, mostrando que é

uma língua fortemente presente no dia-a-dia dos argelinos. A Argélia foi o país magrebino que

por mais longo tempo manteve fortes laços com a França, pois seu período de colonização foi

maior e o seu status político era o de um départament francês. A dinâmica populacional entre os

dois países também é intensa, já que muitos argelinos possuem familiares na França,

descendentes da imigração pós-colonial, o que favorece a manutenção do francês no ambiente

familiar.

83

Em seguida, mas em bem menor porcentagem, temos a indicação do berbere,

aparecendo antes do árabe clássico e do inglês, que não são línguas marcadas no ambiente

familiar. A população berbere não é tão representativa quantitativamente nas universidades, que

estão situadas em centros urbanos, o que explica a menor porcentagem. Todavia, a indicação de

uma terceira posição na estatística mostra que o berbere é uma língua utilizada no ambiente

familiar, afirmação que pode ser comprovada pelos outros dois itens: entre amigos e na

universidade. No primeiro, o par árabe dialetal-francês ganha novamente destaque, invertendo

sua posição somente quando o ambiente é a universidade. O árabe dialetal aparece claramente

como a língua materna desses informantes, enquanto o francês ganha destaque de língua

segunda. Nas universidades magrebinas, apesar das políticas de arabização, a língua francesa

ainda é a língua de ensino e pesquisa, sobretudo para as áreas científicas, o que justifica a sua

primeira posição para o item na universidade. Ainda entre amigos, o árabe clássico e o berbere

aparecem antes do inglês. Este último ganhando a quarta posição no ambiente universitário, que

tem por última língua o berbere, língua que não é utilizada nesses espaços.

Assim, podemos resumir o quadro descrito acima da seguinte maneira: árabe dialetal

ou berbere como língua materna dos informantes, tendo o árabe dialetal mais destaque na

estatística em razão dos seus informantes universitários e moradores de centros urbanos, uma vez

que o berbere é uma língua encontrada mais no interior do país. O francês aparece como língua

segunda, diferente do inglês que se caracteriza muito mais como língua estrangeira. Além de ser

uma língua presente no cotidiano dos informantes, o francês também é a língua que ganha

destaque na universidade. O árabe clássico não se apresenta como uma língua produtiva nos três

ambientes investigados, mas, mesmo assim, faz parte de alguma forma do dia-a-dia dos

informantes.

84

O pesquisador também verificou a língua mais importante para os informantes. Só foi

possível marcar uma opção. Nesta pergunta, 176 pessoas responderam à questão. Temos então o

seguinte quadro:

Tabela 6

Argélia Ŕ Porcentagem de informantes que declaram a língua que consideram mais importante nas suas práticas

cotidianas. Entre parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. Só foi possível uma opção de língua. 176

informantes totais.

Francês Árabe dialetal Inglês Árabe clássico Berbere

64,20% (113)

16,47% (29)

14,77% (26)

2,84% (5)

1,70% (3)

Em destaque, temos o francês em larga vantagem sobre o árabe dialetal e o inglês, que

possuem porcentagens bem próximas. Obviamente, a língua francesa ganha maior consideração

pelo grupo de pessoas pesquisadas, pois é a língua que dentro do ambiente universitário pode

fazer diferença. Ela está ligada ao prestígio profissional desses alunos. Podemos dizer que o

árabe dialetal e o inglês estão no mesmo nível de importância para essas pessoas, originárias do

meio acadêmico. O berbere não é expressivo nesse ambiente, pois não faz parte do discurso

universitário.

Outro quadro nos mostra qual língua é considerada pelo informante a mais importante

para o país. Temos ao todo1760 informantes para esta pergunta. Neste item, o inglês não foi

considerado.

85

Tabela 7

Argélia Ŕ Porcentagem de informantes que considerou cada uma das línguas como importante para o país. Foi

possível marcar mais de uma opção de língua. Entre parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. 176

informantes totais.

Francês

Árabe moderno

Árabe clássico

Árabe dialetal

Berbere

75% (132)

51,13% (90)

21,59% (38)

15,34% (27)

2,27% (4)

A leitura que pode ser feita das três línguas que ganham maior evidência nesse item Ŕ

francês, árabe moderno e clássico - se apresentam como um misto da identidade preconizada

pelos discursos oficiais com um inevitável reconhecimento do francês como língua argelina.

Além disso, o francês é, claramente, para esses informantes uma língua que projeta o país

para o desenvolvimento, juntamente com uma versão árabe menos rígida do que a versão

clássica, símbolo da tradição e do Corão. O árabe dialetal, apesar de ser destacado no item

língua mais importante para o informante, não se mostra produtivo quando se é necessário

assumir uma imagem do nacional. O berbere também não possui uma imagem de importância

nesse item, evidenciando o seu caráter de língua minorada dentro desse cenário das

representações das línguas no contexto argelino.

Os informantes também classificaram por ordem prioritária as línguas mais utilizadas

no cotidiano. O resultado obtido, da mais prioritária para a menos prioritária, foi:

1 Ŕ Árabe dialetal

2 Ŕ Francês

3 Ŕ Árabe clássico

4 Ŕ Árabe Moderno

5 Ŕ Inglês

6 Ŕ Berbere

86

A ordem que encontramos para esta pergunta evidencia o árabe dialetal e o francês

como as duas primeiras línguas consideradas prioritárias para a sociedade argelina, segundo a

ótica dos informantes. De fato, nas trocas linguísticas do cotidiano, o árabe dialetal e o francês

se apresentam como línguas muito produtivas nas relações diárias, como vimos anteriormente.

Podemos dizer que a primeira tem o status de língua materna da população, enquanto o

francês não possui apenas um status de língua estrangeira, mas de língua segunda, possuindo

um papel muito importante e significativo nessa sociedade.

Em seguida, o árabe clássico e o árabe moderno aparecem em terceira e quarta

posições. As duas variantes são consideradas conservadoras e não dão conta das necessidades

e usos linguísticos cotidianos dos falantes. O seu uso se limita aos meios oficiais, à religião,

às leis, ao texto constitucional, e também, à mídia escrita.

Por fim, o inglês aparece antes do berbere. Esta indicação evidencia uma atribuição de

utilidade ao inglês, que é uma língua estrangeira, maior do que ao berbere, língua nativa da

região. Apesar do inglês não possuir destaque nos resultados desta enquete, é preocupante ver

a ótica destes informantes em relação ao berbere, ocupando um espaço muito pequeno dentro

dos imaginários linguísticos dos informantes. A Argélia concentra, depois do Marrocos, uma

das maiores concentrações de falantes de tamazight no norte da África.

7.3 Ŕ A enquete marroquina

Para apresentar a situação linguística marroquina, utilizamos dados do trabalho

realizado por RUITER (2008), que investigou o multilinguismo no Marrocos, focando seu

olhar na situação da língua berbere. O sociolinguista aplicou uma enquete para 569 estudantes

universitários, entre 19-23 anos, no período de 2000 a 2003. Os informantes são em sua

maioria estudantes de Letras provenientes de nove cidades diferentes e representativas da

87

extensão do Marrocos. Temos 248 homens (43,6%) e 321 mulheres (56,4%). Setenta e cinco

por cento dos informantes declararam como língua materna o árabe dialetal, 24,6%

consideram sua língua materna o berbere e 0,4% a língua francesa.

O autor do trabalho utilizou uma metodologia na qual atribuiu uma pontuação de 1 a 5

para diferentes categorias de frequência de uso da língua ou grau de domínio das línguas,

conforme detalhado na apresentação dos dados. As comparações das respostas dos diferentes

grupos linguísticos foram feitas através de testes estatísticos, utilizando as médias e os desvios

padrões das respostas.

Desde 1980, uma política de arabização é levada a cabo no sistema educativo

marroquino. O sistema privado possui um perfil bilíngue árabe-francês, sendo frequentado

pela classe média ou pelas elites marroquinas, enquanto o sistema público de ensino é

arabizado, sendo frequentado pelas classes mais desfavorecidas economicamente. O

pesquisador nos indica, através de uma enquete realizada por EL BIAD (1991)46

, que não há

no Marrocos um discurso “anti-arabização”, mais sim um discurso à favor da arabização sem

a supressão da língua francesa do cenário linguístico do país. Ele considera que a

desigualdade econômica no Marrocos propicia à língua francesa a sua permanência no

mercado linguístico atual e futuro do Marrocos.

Para Ruiter, a arabização não teve sucesso no Marrocos, pois depois de mais de 30

anos, a língua francesa é amplamente utilizada e está presente no dia-a-dia dos marroquinos,

igualmente como o árabe. Entretanto, diferenças regionais podem ser verificadas, já que o

francês está presente em cidades mais ocidentalizadas e turísticas do Marrocos, como

Casablanca, enquanto o berbere se encontra em cidades mais ao nordeste e sul do país.

A enquete realizada pelo pesquisador avaliou o domínio da língua berbere, do árabe

clássico e dialetal, além do francês pelos informantes. O peso da língua materna no domínio

46

In RUITER, 2008.

88

das línguas também foi levado em consideração. Trabalharemos também com os dados do

perfil linguístico desses estudantes, suas avaliações sobre as línguas em questão e suas

práticas linguísticas com as mesmas a fim de ter as informações necessárias para fechar nosso

quadro comparativo com as enquetes tunisiana e argelina.

7.4 - Práticas com o árabe literário

A primeira investigação da enquete marroquina tinha como objetivo investigar o uso

do berbere entre os estudantes nas seguintes situações: “durante as refeições”, “com outros

estudantes” e “com as pessoas na rua”. Os alunos puderam avaliar a frequência com que

falavam berbere nessas situações: sempre; com muita frequência; em 50% dos casos; às

vezes; nunca. Temos então o seguinte quadro:

Tabela 8

Marrocos Ŕ Porcentagem de frequência da utilização do berbere pelos informantes por situação. Entre

parênteses, o número de pessoas que marcaram a opção. 131 informantes totais.

Durante as refeições

Com outros

estudantes

Com as pessoas na

rua

Sempre

44,3% (58) 6,9% (9) 6,9% (9)

Com muita

frequência

10,7% (14) 11,5 % (15) 11,5% (15)

Em 50% dos

casos

9,2% (12) 6,9% (9) 10,7% (14)

Às vezes

30,5% (40) 41,2% (54) 38,9% (51)

Nunca

5,3 (7) 33,6% (44) 32,1 (42)

O berbere se apresentou como uma língua muito falada durante as refeições Ŕ sempre

(44,3%) ou às vezes (30,5%). Entretanto, mostrou-se pouco utilizada quando a conversa é

com outros estudantes Ŕ 41,2% e 33,6% disseram falar às vezes ou nunca a língua nesta

situação. Na rua, a situação se repete, pois temos 38,9% para às vezes e 32,1% para nunca. A

89

língua berbere é definitivamente a língua do espaço familiar para esses informantes, sendo

pouco produtiva no espaço social, como na rua e na universidade.

O segundo quadro nos mostra a utilização do árabe literário47

do domínio da leitura

por informantes de língua materna berbere e árabe dialetal. Temos os seguintes itens

avaliados: ler um livro, uma revista e uma carta em árabe literário. Para a interpretação das

médias temos: 1 Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5

Ŕ Nunca. Temos 427 informantes arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média,

maior a frequência.

Tabela 9

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário para habilidade leitura por grupos com língua materna

árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1

Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

Ler um livro Ler um jornal

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere

Média 3,0995 2,9712 2,9048 2,8478

Desvio padrão 1,2173 1,1480 1,1928 1,1456

Ler uma revista Ler uma carta

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere

Média 3,1647 3,0976 3,3905 3,0504

Desvio padrão 1,1857 1,1787 1,2281 1,2984

Podemos observar que a média das habilidades fica em torno de 3 (50% dos casos),

mas, apesar da pouca variabilidade entre os dois grupos de informantes, o grupo de língua

47

Também nomeado como árabe standard moderno.

90

materna berbere é o que chega mais perto de 2 (com muita frequência). Assim, é possível pensar

que o grupo berbere usaria um pouco mais frequentemente o árabe literário do que o grupo árabe

dialetal para o quesito leitura.

Da mesma forma, os dados da enquete confirmam que escrever e falar em árabe

literário também não é produtivo para ambos os grupos. A média de respostas ficam em torno de

3 e 4 Ŕ para a escrita - o que significa que só em “50% dos casos” ou “às vezes” e 4 e 5 (nunca)

para a fala, como podemos verificar nos quadros abaixo:

Tabela 10

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário para habilidade escrita por grupos com língua materna

árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1

Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

.

Escrever uma carta

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere

Média 3,3810 3,0647

Desvio padrão 1,3530 1,3790

91

Tabela 11

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário em 3 situações cotidianas por grupos com língua materna

árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1

Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

Durante as refeições

Com outros

estudantes

Com as pessoas na

rua

Grupo de

línguas

Árabe

dialetal Berbere

Árabe

dialetal Berbere

Árabe

dialetal Berbere

Média

4,5156 4,6204 4,3007 4,1037 4,5214 4,4412

Desvio

padrão

0,8029 0,6980 0,8887 1,0020 0,7768 0,8144

Os dados também não foram expressivos quanto à compreensão oral desta variante do árabe.

Vejamos no quadro abaixo:

Tabela 12

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do árabe literário para habilidade escuta por grupos com língua materna

árabe dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1

Ŕ Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

Programas de TV e rádio Discos

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere

Média 3,2565 3,2319 3,4526 3,3406

Desvio padrão 1,1754 1,1289 1,1783 1,2232

92

7.5 Ŕ Práticas com o francês

As mesmas habilidades foram consideradas para a investigação do uso da língua

francesa pelos informantes. Vejamos os resultados para o item “ler” e para o item “escrever”:

Tabela 13

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês para habilidade leitura por grupos com língua materna árabe

dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ

Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

Ler um livro Ler um jornal

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere

Média 2,6370 2,7643 2,7840 3,0357

Desvio padrão 1,1615 1,4819 1,1942 1,1717

Ler uma revista Ler uma carta

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere

Média 2,7160 3,0435 3,0588 3,3143

Desvio padrão 1,2026 1,2432 1,2936 1,2699

93

Tabela 14

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês para habilidade escrita por grupos com língua materna árabe

dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ

Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

.

Escrever uma carta

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere

Média 2,9813 3,2643

Desvio padrão 1,3513 1,2785

Essas variantes nos mostram que o grupo dos arabófonos fica mais próximo da

frequência do uso do francês nesses casos. Na leitura, suas médias se aproximam mais de 2, ou

seja, “com frequência” eles leem em francês mais que os berberófonos. Para o item “escrita”, a

mesma relação se confirma, mostrando um maior contato e uso do francês pelo grupo de língua

materna árabe.

Para as atividades ligadas à produção e à compreensão oral, temos dados diferentes. O

francês claramente não será a língua do ambiente familiar e entre amigos. A média das respostas

fica em torno de 4 - “às vezes”. Entretanto, assistir e escutar a mídia em francês terá maior

ocorrência entre os informantes, principalmente para o grupo arabófono, tendo uma média de

respostas em torno de 2 Ŕ com frequência, o quer podemos confirmar com os quadros abaixo:

94

Tabela 15

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês em 3 situações cotidianas por grupos com língua materna árabe

dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ

Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

Durante as refeições

Com outros

estudantes

Com as pessoas na

rua

Grupo de

línguas

Árabe

dialetal Berbere

Árabe

dialetal Berbere

Árabe

dialetal Berbere

Média

4,1455 4,4565 3,4502 3,7464 4,0831 4,2440

Desvio

padrão

0,8878 0,7841 0,9777 0,8111 0,7989 0,8157

Tabela 16

Marrocos Ŕ Frequência da utilização do francês para a habilidade escuta por grupos com língua materna árabe

dialetal e berbere. Médias referentes aos valores das categorias informadas escolhidas pelos informantes: 1 Ŕ

Sempre; 2 Ŕ Com muita frequência; 3 Ŕ Em 50% dos casos; 4 Ŕ Ás vezes; 5 Ŕ Nunca. Temos 427 informantes

arabófonos e 140 berberófonos. Quanto menor a média, maior a frequência.

Programas de TV e rádio Discos

Grupo de

línguas Árabe dialetal Berbere Árabe dialetal Berbere

Média 2,6651 2,8261 2,8789 3,1014

Desvio padrão 1,0688 1,0577 1,1576 1,1417

A partir da leitura dos dados aqui apresentados, podemos verificar que o Marrocos

possui claramente dois grupos com perfis linguísticos distintos Ŕ berberófonos e arabófonos.

E a utilização das línguas do cenário linguístico por esses seguem também, por sua vez,

caminhos divergentes.

95

O grupo de língua materna berbere possui maiores habilidades com o árabe clássico do

que o grupo de língua materna árabe. Em contrapartida, o inverso ocorre quando o uso da

língua francesa nas quatro habilidades se mostra mais produtivo para o grupo árabe. A

pergunta que poderíamos nos fazer é o porquê dessa tendência. A primeira avaliação a ser

levada em consideração é o processo escolar desses informantes. A maioria de origem berbere

frequenta as escolas públicas, que tem por política linguística principal a valorização do árabe

clássico/literário. O grupo de origem árabe acaba tendo maior acesso às escolas privadas,

onde o ensino do francês tem um status diferente.

Outro fator a ser discutido, é o fato de que a língua francesa está mais presente nas

grandes cidades e rotas turísticas, o que facilita o seu uso pelos indivíduos provenientes

dessas áreas, geralmente de origem arabófona. Do contrário, as cidades mais isoladas ou

longe dessas rotas são mais povoadas por grupos berberes.

Podemos, por fim, dizer que os grupos berberófonos, acabam por sofrer maiores

consequências das políticas de arabização implementadas pelo governo marroquino, pois

possuem menor mobilidade de escolha quanto ao processo de escolarização, diferente do

grupo de língua árabe, o que os leva a se identificar mais com o francês, língua de prestígio de

uma elite marroquina.

9. Um olhar geral sobre as três enquetes

Para uma olhar geral sobre as três enquetes, podemos destacar os aspectos comuns

entre elas, sobretudo ao que se refere a seus resultados. Os informantes tinham como ponto

em comum o fato de serem jovens escolarizados ou em processo de escolarização, sobretudo

o público universitário dos centros urbanos dos três países aqui estudados. Nas perguntas

96

feitas pelos questionários, destacam-se três pontos gerais Ŕ o perfil linguístico dos estudantes,

suas representações acerca das línguas indagadas e suas práticas linguísticas.

Os resultados nos apontam as representações linguísticas associadas a cada língua e o

lugar que ocupam no mercado linguístico magrebino. Podemos, então, afirmar que

encontramos nas respostas o seguinte eixo comum:

Árabe clássico Ŕ Língua da religião e representativa de uma nação livre e soberana.

Língua oficial e constitucional da nação, mas não é a língua utilizada pela população, que

deve aprendê-la na escola, como uma língua estrangeira.

Árabe Literário, Moderno ou Standard Ŕ Língua simplificada, padrões variados que

representam tentativas de se padronizar e modernizar o árabe clássico. Língua mais usada na

escrita e em situações orais que exijam mais formalidade por parte do falante.

Árabe dialetal Ŕ Língua do dia-a-dia, materna, familiar. Não possui uma padronização

escrita. Entende-se por árabe dialetal a língua regional, por isso a possibilidade de nomeá-

la como Tunisiano, Argelino e Marroquino.

Berbere Ŕ Língua materna de alguns grupos e minorada política e socialmente na

região. Realizada com maior frequência na oralidade, apesar das tentativas de se

padronizar uma escrita para ela. É falada especialmente por grupos que moram longe dos

centros urbanos e que são de cultura Berbere.

Francês Ŕ Língua segunda, contrariamente ao que dizem as constituições aqui

analisadas. O Francês não é uma língua estrangeira como poderíamos classificar a partir do

discurso oficial. Seu espaço no mercado linguístico magrebino é muito dinâmico, pois está

ligada à ideia de ascensão social. Está presente no mundo da comunicação, da escrita e no

meio acadêmico e intelectual. O francês representa um acesso a um mundo ocidental

europeu moderno por essas novas gerações, que buscam na língua alternativas de

identidade.

97

Inglês Ŕ A língua inglesa aparece com algum destaque em duas enquetes como língua

estrangeira, onde podemos comprovar o seu aspecto secundário, apesar de ganhar terreno

com a abertura econômica e política dos países magrebinos à globalização.

98

Conclusão

Podemos verificar que a construção da identidade nacional em torno de uma língua

única tem sempre por interesse a manutenção de privilégios políticos. Para se sustentar como

uma nação, um grupo social se serve de várias representações, que muitas vezes não tem relação

com a realidade ou a história daquele grupo. As representações ligadas a uma dada língua,

criadas por uma comunidade, interferem na sua relação com a mesma, promovendo políticas

linguísticas próprias à visão adotada pelo grupo.

Do período de independência até os dias de hoje, muita coisa não mudou quando o

assunto é língua no Magrebe. As sociedades magrebinas, através das suas políticas de

valorização da cultura e língua árabes no período pós-colonial, basearam seus projetos de

construção de identidade nacional na ideia de um árabe puro e representante da tradição,

ocultando conflitos com os grupos de línguas minoritárias, como o Berbere, além do não

reconhecimento de outras variantes do árabe. Este fato também permitiu à língua francesa um

papel muito particular nessas comunidades, associando a ela as ideias de progresso e de

modernidade. O francês joga um jogo duplo nas representações dos falantes nesses países: o de

inimigo (língua do colonizador), mas ao mesmo tempo é a língua que permite acesso ao mundo

ocidental europeu, aos seus saberes e tecnologias. O francês é um impasse na constituição

futura dos projetos nacionais de Tunísia, Argélia e Marrocos, ao mesmo tempo em que segue

como ponto de coesão entre os diversos aspectos linguísticos dessas comunidades, já que as

políticas em torno do árabe também não são coerentes com a realidade.

Ao longo dos anos, o berbere ganhou reconhecimento oficial nas constituições de

Argélia e, principalmente, Marrocos, mas política linguística não é só discurso. Apesar do

esforço de se planificar e implementar uma norma padrão do berbere, com materiais didáticos,

gramática, logística e pessoal qualificado para o ensino do berbere nas escolas, ou mesmo,

incentivo à divulgação da língua em meios oficiais e na mídia, ainda há muita resistência. Está

99

associado a ele um status identitário inferior ao do francês ou o do árabe, o que torna mais

difícil a sua utilização nessas sociedades, ficando restrito ao âmbito familiar.

Com a independência, ao contrário do que possamos imaginar, as nações colonizadas

não buscaram novos modelos de organização política, pois já bastante fragilizadas, evitando

guerras internas, reproduziram os mesmos modelos de Estado onde foram cultivadas, como é o

caso magrebino. E nada mudou muito de lá para cá. A língua do colonizador ainda tem ares de

ameaça ou de traição ao passado, ao mesmo tempo em que não pode ser descartada, pois é o

símbolo do sucesso social, da modernidade e o elo com o mundo ocidental. O árabe sustenta o

papel da identidade principal, assim como o berbere ocupa o lugar das raízes.

No Magrebe, as línguas e as identidades a elas ligadas estão muito bem definidas, mas

as gerações mudam e com elas os seus símbolos. Podemos herdar das nossas comunidades

discursos, valores, imagens e crenças. Todavia, algo novo sempre surge para renovar os ares.

As enquetes mostram o quanto ainda se cultiva do pensamento pós-independência, mas

também podemos perceber que alguns mitos começam a se desfazerem. E é nesse ponto que

podemos dizer que há um futuro para a língua francesa no Magrebe, que começa a ser assumida

pelas novas gerações como uma língua sua e não mais do colonizador. Imaginário facilitado

pelos novos meios de comunicação que dão visibilidade e acesso ao mundo, além do fluxo de

franco-magrebinos, que no limbo da identidade cultural, circulam com suas representações

entre Magrebe e França. O francês só terá espaço e prosperidade nessas comunidades quando

com elas se “crioulizar” (para o desespero da academia), quando for uma língua magrebina,

quando a francofonia não mais rimar com periferia.

100

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104

ANEXOS

1 – Alfabeto Tifinagh;

2 – Modelo da enquete realizada na Tunísia;

3 – Gráficos - resultado geral obtido na enquete tunisiana.