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i ANA FLÁVIA VALENTE TEIXEIRA BUSCARIOLO O TEXTO LIVRE COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS CAMPINAS 2015

O TEXTO LIVRE COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO NA … · 2020. 6. 2. · O TEXTO LIVRE COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS Orientador(a): Profª. Drª. Ana Luiza

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ANA FLÁVIA VALENTE TEIXEIRA BUSCARIOLO

O TEXTO LIVRE COMO INSTRUMENTO

PEDAGÓGICO NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ANA FLÁVIA VALENTE TEIXEIRA

BUSCARIOLO

O TEXTO LIVRE COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO

NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS

Orientador(a): Profª. Drª. Ana Luiza Bustamante Smolka

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas

para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração Psicologia

Educacional.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ANA FLÁVIA VALENTE TEIXEIRA BUSCARIOLO E ORIENTADA PELA PROFª.DRª. ANA LUIZA BUSTAMANTE SMOLKA. Assinatura do orientador

___________________

CAMPINAS

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2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

O TEXTO LIVRE COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS

Autor: Ana Flávia Valente Teixeira Buscariolo

Orientador: Profª. Drª. Ana Luiza Bustamante Smolka

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação

defendida por Ana Flávia Valente Teixeira Buscariolo e aprovada

pela Comissão Julgadora.

2015

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AGRADECIMENTOS

“E aprendi que se depende sempre De tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas

Das lições diárias de outras tantas pessoas E é tão bonito quando a gente entende

Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá E é tão bonito quando a gente sente

Que nunca está sozinho por mais que pense estar”1

Quero expressar meus agradecimentos sinceros a todos que, direta ou

indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.

À professora Ana Luiza, pela paixão e encantamento que coloca em tudo que

faz, pela humildade, pela orientação deste trabalho e por tudo que me ensinou, desde a

graduação.

Ao professor Sérgio Leite, pela leitura sempre muito atenta deste trabalho, pelas

inúmeras contribuições feitas no exame de qualificação e pelo professor que é!

À professora Ana Lúcia, pela leitura deste trabalho e por me inspirar e encantar

pelo trabalho com alfabetização.

À Tânia, por me encorajar a me tornar uma professora alfabetizadora, pela

amizade, pelas aprendizagens compartilhadas e também pelas contribuições e leitura

deste texto.

Às crianças, pois são elas que dão sentido ao ato de ensinar.

Aos professores que passaram por minha vida, desde a educação infantil - lá na

“A Colméia” - à pós-graduação, pelo ensino.

Aos professores da EMEF Edson Luís Lima Souto, pela dedicação ao trabalho e

luta por uma escola pública de qualidade. E especialmente à professora Cinthia, que

me mostrou que “já não estamos sós”2.

1 Gonzaguinha “Caminhos do coração” 2 Frase usada por Freinet quando começou o movimento de educadores da Escola Moderna

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À Ana Paula Souza, pela parceria de trabalho.

À amiga Luana Almeida, por todas as discussões e provocações e ainda por me

encorajar sempre a ir em frente.

À amiga Anna Carla, por sua cumplicidade e ainda pela leitura atenta e

cuidadosa deste trabalho.

Aos amigos da Escola Curumim (todos!), que me ensinaram muito nesta

caminhada “frenética”.

Aos parceiros (e amigos) do Grupo GPPL: Dani Anjos, Carlinhos, Eduardo, Nilce,

Gisele, Flávia, Ana Paula, Dani Manini, Paulo, Gabi, Helô, Bia, Núbia, Mozi, Ermê e

outros, pelas provocações, pelos diferentes olhares, pelo companheirismo e pela

intensa troca de conhecimentos. Agradeço, especialmente, à Débora pela parceria e

paciência!

Agradeço aos meus pais, por todo amor e pela vida, e ainda mãe: por me

inspirar a ser professora, e pai: por me ensinar desde sempre a lutar na e pela vida!

Agradeço às minhas irmãs, Dani e Mari, por me ensinarem desde sempre a

(con)viver!

Às minhas avós: Rochele, pela dedicação e, especialmente, pelas contações de

histórias em minha infância e Ana, por me ensinar as coisas simples da vida.

À tia Stela, professora, que me ajudou a me tornar professora.

Ao meu amado Hércules, por nosso amor e pela completude. E ao nosso filho,

presente de Deus, que me foi concedido enquanto escrevia esta pesquisa.

A Deus, pela vida e por todas as bênçãos recebidas.

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RESUMO

No presente trabalho o texto livre, instrumento pedagógico tal como proposto por Celestin Freinet, é colocado como objeto de reflexão e investigação. Para investigar tal instrumento - seu caráter pedagógico, seu uso em sala de aula, seu estatuto no processo de alfabetização - busco sustentação teórica nos trabalhos do próprio Freinet e de Lev Vigotski, autores que, apesar de apresentarem percursos distintos em suas elaborações, trazem em seus constructos teóricos os mesmos pressupostos e a preocupação com a aquisição da forma escrita de linguagem pela criança. Assumindo a posição de professora pesquisadora, e utilizando sistematicamente o “texto livre” em sala de aula de primeiro ano, com crianças de seis anos ingressantes no ensino fundamental, passo a “desconfiar” desse instrumento, procurando suspender as certezas que tinha com relação a ele. No esforço de problematização e objetivação do instrumento e de seus usos no processo inicial de alfabetização das crianças, tomo como material empírico as produções de meus próprios alunos no decorrer dos dois primeiros anos letivos do Primeiro Ciclo, assim como relatos e registros (escritos, fotografados e filmados) de minha prática em sala de aula. As análises explicitaram que a relação de ensino - que se estabelece entre as crianças, entre professor e aluno, entre a criança e a escrita como objeto de conhecimento e meio/modo de dizer sobre o mundo e a vida - se sobrepõem ao instrumento em si. Ao mesmo tempo, esse instrumento se mostra extremamente válido e viável desde o início do processo de alfabetização, na medida em que incita as crianças a que arrisquem suas primeiras hipóteses de escrita, amplia as possibilidades para que explorem as formas e as condições de produção e assumam a autoria de seus textos.

Palavras-chave: Alfabetização; Texto livre; Freinet; Vigotski.

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ABSTRACT

THE FREE TEXT AS AN EDUCATIONAL TOOL IN CHILDREN’S LITERACY In this work the free text, a pedagogical tool proposed by Celestin Freinet, is placed as an object of reflection and research. To investigate this instrument – its pedagogical character, uses in the classroom and the status in the literacy process – I seek theoretical support in Freinet and Lev Vygotsky works, authors who have different paths in their elaborations but bring in their theoretical constructs the same assumptions and concerns with the acquisition of language by the child in writing. Assuming the position of teacher as a researcher and systematically using the free text in the first year classroom, with children of six years old in elementary school, I begin to suspect of this instrument, seeking to suspend the certainties we had about it. In an effort to problematize and objectify the instrument and its uses in the initial process of children’s literacy, I take as an empirical material my own students productions over the first two years of the First Cycle, as well as reports and records (written, photographed and filmed) of my practice in the classroom. The analysis made explicit that the teaching relationship - established between children, between teacher and student, and between the child and the writing as an object of knowledge and means about the world and life - overlap the instrument itself. At the same time, this instrument shows to be extremely valid since the beginning of the literacy process, encouraging children to risk their first chance of writing, extending the possibilities for exploiting the forms and conditions for production. KEYWORDS: Freinet; Vygotsky; Literacy.

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RÉSUMÉ

LE TEXTE LIBRE EN TANT QU’OUTIL PÉDAGOGIQUE POUR L’ALPHABÉTISATION D’ENFANTS

Le texte libre, outil pédagogique tel qu’il fut proposé par Celestin Freinet, est placé dans cette recherche en tant qu’objet de réflexion et d’investigation. Afin d’examiner un tel outil – son caractère pédagogique, son utilisation en salle de classe, son statut dans le processus d’alphabétisation –, je retrouve mon appui théorique dans les recherches de Freinet lui-même et de Lev Vigotski. Malgré les parcours différents dans l’approche de ces auteurs, les deux proposent des concepts théoriques ayant les mêmes présupposés, et sont aussi concernés par l’acquisition du langage écrit chez l’enfant. Assumant le rôle de professeur chercheur à utiliser systématiquement le « texte libre » en salle de classe avec des enfants de six ans entrant en première année à l’école élémentaire3, je remets cet outil en question, et cherche à reconsidérer mes certitudes par rapport à lui. Dans l’effort de la problématisation et de l’objectivation de cet outil et de son utilisation dans le processus initial d’alphabétisation d’enfants, je prends comme matériel empirique les productions de mes propres élèves tout au long des deux premières années du Premier Cycle, ainsi que les rapports et registres (écrits, pris en photo et filmés) de mon travail en salle de classe. Les analyses indiquèrent que le rapport d’apprentissage – établit entre les enfants, entre le professeur et l'élève, entre l’enfant et son écriture en tant qu’objet de connaissance et moyen de parler du monde et de la vie – se superpose à l’outil même. En outre, cet outil s’avère tout à fait valable et viable dès le début du processus d’alphabétisation, dans la mesure où il incite l’enfant à articuler ses premières hypothèses d’écriture, élargit les possibilités pour qu’il explore les façons et les conditions de production, et pour qu’il prenne ses textes sur soi. MOTS-CLÉS: Freinet; Vigotsky; Alphabétisation.

3 La première année de l’école élémentaire selon le système brésilien d’enseignement (pour enfants de six ans)

équivaut à l’année de Cours Préparatoire (CP) dans le système français.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 17

CAPÍTULO 1 - PESQUISA E SUAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO ............................ 22

1.1 Delimitação do problema e objetivo.......................................................................... 22

1.2 Princípios metodológicos .......................................................................................... 23

1.3 O Campo Empírico ................................................................................................... 26

1.3.1 Universo de estudo: O “entorno” .......................................................................... 26

1.3.2 A escola ................................................................................................................ 30

1.3.3 A sala de aula – direcionando o olhar ................................................................... 32

1.3.4 Nossa Rotina – focando o olhar... ........................................................................ 33

1.3.5 Os instrumentos idealizados por Freinet - orientando o olhar ... .......................... 37

CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO: FREINET ................................................... 49

2.1 Freinet: ponto de ancoragem de meu fazer em sala de aula ................................... 49

2.2 Desenvolvimento e Aprendizagem na perspectiva freinetiana ................................. 55

2.3 As Técnicas Freinet .................................................................................................. 61

2.4 Sobre a livre expressão ............................................................................................ 62

2.5 Freinet e a escrita: o Método natural ....................................................................... 67

2.6 Instrumentos Pedagógicos que contribuem para alfabetização pelo Método Natural : o Texto livre e o uso da imprensa ................................................................................. 69

CAPÍTULO 3 – O DIÁLOGO COM VIGOTSKI ............................................................... 76

3.1 Para começar a “conversa”: como as ideias de Vigotski ecoam em minha prática . 76

3.2 Desenvolvimento e aprendizagem na perspectiva histórico-cultural. ...................... 78

3.3 Contribuições da Teoria Histórico-Cultural para Educação: pensando no processo de alfabetização .................................................................................................................. 83

3. 4 Vigotski e a escrita: o cultural .................................................................................. 88

CAPÍTULO 4 – O TEXTO LIVRE.................................................................................... 92

4.1 O que é mesmo “livre” no texto livre? ....................................................................... 92

4.2 O técnico e o semiótico do texto livre: redimensionando o objeto de pesquisa ........ 95

4.3 E como o Texto Livre chegou ao 1º ano? ............................................................... 100

CAPÍTULO 5 – AS HISTÓRIAS DAS CRIANÇAS COM RELAÇÃO À APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA: ANALISANDO OS DADOS ............................................. 104

CAPÍTULO 6 - RESULTADOS (OU ONDE CHEGAMOS COM TUDO ISSO?) ............ 150

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 154

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 157

APÊNDICES ................................................................................................................. 164

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INTRODUÇÃO

Quando, em 2004, assumi minha primeira turma de Ensino Fundamental,

antiga 1ª. série, hoje 2º ano, muitas questões surgiram acerca dos modos de fazer

na sala de aula: como alfabetizar? Como as crianças se apropriavam da

linguagem escrita? Como elas aprendiam? Qual era o meu papel neste processo?

Enfim, indagações sobre a minha prática enquanto professora alfabetizadora.

Buscando embasamento teórico para o meu fazer, em diversas situações

recorri às proposições de Freinet – que ancorava o trabalho pedagógico na escola

em que eu lecionava, e de Vigotski4 – autor que conheci na época de minha

graduação. Minhas inquietações se referiam especialmente às questões sobre a

alfabetização, na busca de compreender o vivido em sala de aula.

Nesse movimento de busca, fortemente marcado pela pedagogia Freinet,

por conta do vivido em sala de aula, observava que aspectos da teoria de Vigotski

ecoavam em meu fazer. Trabalhando com algumas técnicas e instrumentos da

Pedagogia Freinet, notei possíveis aproximações entre as implicações

pedagógicas da Teoria Histórico-Cultural e as práticas freinetianas.

O constructo teórico vigotskiano aponta um conjunto de diretrizes para a

organização do trabalho pedagógico ao pensar sobre o uso de instrumentos, na

importância da mediação, no papel do outro, na influência da cultura e nas

questões de linguagem. Entretanto, são necessários procedimentos mediadores

para que essas diretrizes se tornem práticas. A busca por esses procedimentos

mediadores, por uma prática pedagógica que dialogue com a teoria histórico-

cultural fundamenta o presente estudo.

Partindo desse panorama, considerei a hipótese de que essas técnicas

poderiam efetivar a procurada mediação entre teoria e prática a partir das

implicações pedagógicas da teoria histórico-cultural.

Nessa perspectiva, este estudo visa apontar algumas possíveis relações

entre a Teoria Histórico-Cultural e a Pedagogia Freinet, especificamente quanto à

4 Encontramos o nome Vigotski grafado de diversas formas, neste trabalho optamos por grafá-lo “Vigotski”,

mas nas citações que se remetem à ele manteremos a grafia do original.

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apropriação da linguagem escrita pela criança.

Observando o trabalho com as crianças em sala de aula, parecia que a

ideia de zona do próximo desenvolvimento, teorizada por Vigotski, “materializava-

se” no fazer das/com as crianças: um menino que estava começando a conhecer

as letras, por exemplo, trabalhando junto de outro já alfabetizado era capaz de

elaborar um texto livre - instrumento da pedagogia Freinet pensado para a criança

“escrever livremente”5 - colocando suas ideias no papel, elaborando suas

hipóteses de escrita, tateando e escrevendo;e, assim, na relação com o outro

mostrava-se capaz de fazer o que não conseguia fazer sozinha.

De lugares distintos, Freinet e Vigotski me motivaram a busca por um maior

aprofundamento teórico, com o intuito de encontrar os pontos de intersecção e

explicitar controvérsias nas proposições defendidas por cada um deles. A

perspectiva histórico-cultural, assim como o ideário de Freinet, tem o materialismo

histórico-dialético como pressuposto teórico, o que mostra uma possibilidade de

relações a serem tecidas.

Em 2010, ingressei na Rede Municipal de Campinas. Estar na escola

pública era a realização de um sonho antigo, pois, desde que comecei a estudar

sobre Freinet, ainda na graduação, encantei-me com a ideia de “Para uma escola

do povo”, da militância do autor e seu compromisso com a escola pública, mas

minha primeira oportunidade de assumir uma turma deu-se numa escola

particular, como já mencionei neste texto. O ingresso na prefeitura municipal de

Campinas, depois de aprovada no concurso público, demorou a acontecer...

Como professora concursada da “rede6”, em 29 de março de 2010, assumi

minha primeira turma na EMEF Edson Luís Lima Souto: um 5º. ano do Ensino

Fundamental, série final do 2º. Ciclo.

Na EMEF Edson, deparei-me com uma turma que trazia muitas lacunas na

aprendizagem, principalmente com relação à alfabetização. Essa (nova) realidade

fez com que minha busca por teorias que ancorassem minha prática se

intensificasse e, novamente, as vozes desses dois autores - Freinet e Vigotski -

5 Os instrumentos propostos por Freinet, bem como a sua teoria, serão explanados no decorrer deste projeto. 6 O termo “rede” é constantemente utilizado por nós professores ao nos referirmos à rede municipal de

ensino de Campinas

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surgiram como um possível caminho.

Em meados de abril desse mesmo ano, surgiu a possibilidade de ingressar

no projeto de pesquisa vinculado à FAPESP, intitulado: Condições de

desenvolvimento humano e práticas contemporâneas: as relações de ensino em

foco7, e, nesse projeto, pude trazer meu fazer em sala de aula para o âmbito da

pesquisa.

Ao me debruçar sobre minha prática e trazer o olhar “desconfiado” da

pesquisa para analisá-la, acabei direcionando o meu olhar para a prática do Texto

livre, que ganha foco privilegiado nesse estudo.

Na minha sala de 5º ano na EMEF, o texto livre foi inicialmente usado como

um instrumento técnico, pois eu precisava ensinar as crianças a escrever: eles

tinham que ser alfabetizados!

Acreditei, assim, que o texto livre pudesse despertar nos alunos um

interesse maior pela linguagem escrita, considerando que as crianças em questão

traziam marcas de fracasso em sua história escolar, muitas já descrentes de suas

potencialidades.

Muitos já não queriam escrever. Foi difícil conseguir que as crianças que

não dominavam a escrita convencional se arriscassem e me mostrassem suas

hipóteses acerca da linguagem escrita.

Trabalhar com essa turma de 5º ano - com todas essas marcas - e estar

neste projeto de pesquisa permitiu-me muito mais do que analisar minha prática e

relacioná-las às teorias de Freinet e Vigotski numa relação dialógica, Possibilitou

uma mudança de olhar, (re)significando o meu fazer e revelou a possibilidade de

tomar o Texto livre como um objeto de investigação.

Dois anos depois, em 2012, assumi outro desafio: trabalhar com o 1º ano,

crianças de 5, 6 anos que chegavam à EMEF com pouco (ou quase nenhum)

contato com a linguagem escrita. Eu não tinha experiência com turmas de 1º ano,

mas tinha uma crença no instrumento texto livre e apostei na possibilidade de

utilizá-lo livre como um instrumento pedagógico que orientaria o trabalho de

7 Projeto de pesquisa vinculado à FAPESP gestado por professores da EMEF em questão, em parceria com o

grupo GPPL/Unicamp, que durou de 2008 à 2011, que visava a Melhoria das condições do Ensino

público.

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alfabetizar as crianças.

Nesse processo, pude acompanhar e analisar as produções das crianças

na fase inicial da escrita, centrando a investigação no trabalho com os alunos pelo

período de dois anos, acompanhando-os no 1º e no 2º ano do Ensino

Fundamental. Pude, também, observar os contextos e modos de produção do

texto livre, verificando a validade e o potencial desse instrumento.

Assumindo o texto livre como um instrumento pedagógico, dando relevo à

questão da alfabetização, que inicialmente não se mostrava como foco neste

estudo, várias questões emergiram.

Uma delas, a mais recorrente, que perpassa por todas as discussões

acerca deste instrumento é: O que é LIVRE no texto livre, dado que esses textos

são produzidos na escola?

Outras questões que se delinearam no processo de pesquisa foram:

Considerando o texto livre uma produção situada, na escola, pensando nas

condições concretas de produção – o que possibilita o trabalho com o texto livre

no 1º ano? Crianças de 1º ano escrevem textos, considerando que ainda é

recorrente, entre os professores, a ideia de ensinar a escrever partindo da palavra,

para depois trabalhar frases e, por último, o texto?.

Desde que comecei a trabalhar com turmas de alfabetização, a teoria de

Vigotski parecia dialogar com Freinet, mas hoje observo que a relação entre esses

dois autores não é uma relação de completude, como eu compreendia,

ingenuamente no início de minha pesquisa; mas uma relação dialógica que traz

uma complexidade de investigações possíveis, trazendo para análise o natural de

Freinet em perspectiva ao cultural de Vigotski.

Na tessitura deste trabalho, foram se delineando novos rumos. Imersa no

campo de pesquisa- a minha sala de aula -, com meus “pequenos” do 1º ano, que

apresentavam um desafio inédito para o meu trabalho de professora, o de ensinar

os “primórdios” da linguagem escrita, foram as relações das crianças com a

escrita, dadas no e pelo instrumento texto livre que passaram a ocupar um lugar

de destaque nesta pesquisa.

Apresento, então, os modos de organização deste trabalho: no capítulo 1,

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explicitamos os princípios metodológicos que ancoram esta pesquisa, mostrando

os objetivos deste trabalho; apresentamos o campo empírico, trazendo o entorno,

a escola e a sala de aula para que o leitor possa se situar e compreender de que

lugar falamos e as condições de produção que marcaram a elaboração dos textos

das crianças.

Nos capítulos 2 e 3, buscamos um aprofundamento acerca das teorias que

sustentam este trabalho. Dissertamos, no capítulo 2, sobre a pedagogia Freinet,

trazendo as concepções desse autor sobre desenvolvimento e aprendizagem,

bem como os instrumentos pedagógicos por ele criados. E, no capítulo 3,

discorremos acerca da teoria de Vigotski, explicitando principalmente as

contribuições da teoria histórico-cultural para educação, no que se refere às

questões relacionadas à aquisição da linguagem escrita.

É, no capítulo 4, que o instrumento texto livre ganha relevo. Exploramos as

possiblidades de encará-lo como um instrumento pedagógico; abordamos a

questão do técnico e semiótico que esse instrumento carrega, e, também, o

porquê de adjetivar o texto como livre; e, por fim, descrevemos como o texto livre

chegou ao 1º ano.

No capítulo 5, temos a discussão dos dados: as produções das crianças,

que foram tratadas de forma analítica-descritiva, que explicita o percurso de

apropriação da linguagem escrita de cada criança; mostra ainda a singularidade

do processo de alfabetização e suas experiências com a escrita através do texto

livre.

O 6º capítulo traz os dados quantitativos, tabulados de maneira a levar o

leitor a visualizar os avanços alcançados pelas crianças nesses dois anos de

trabalho. E, por fim, temos as considerações finais desta pesquisa.

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CAPÍTULO 1 - PESQUISA E SUAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO

1.1 Delimitação do problema e objetivo

A ideia inicial que norteava meu desejo de pesquisa se limitava a

estabelecer um diálogo entre Freinet e Vigotski, tangenciando a questão da

alfabetização.

Após participar do projeto de pesquisa Condições de desenvolvimento

humano e práticas contemporâneas: as relações de ensino em foco,vejo que a

questão a ser investigada ganha novos contornos: além de aprofundar esse

diálogo já iniciado. Buscando entender os pressupostos teóricos dos dois autores,

emerge a necessidade de repensar/redimensionar o instrumento técnico e

semiótico “Texto livre” à luz da teoria de Vigotski.

Pensando no processo de alfabetização, o texto livre, como instrumento

pedagógico, não garante por si só que a criança aprenda a escrever. Aqui se

explicita a questão que está no âmago desse trabalho: as relações que as

crianças estabelecem com e pelo texto livre neste processo de aprendizagem da

língua escrita. Há que se considerar as relações existentes para a apropriação da

linguagem escrita pela criança: a relação dessa criança com a escrita – que passa

por experiências anteriores -, a relação com a escola, a relação consigo mesma,

com o professor e com as outras crianças.

Pensar na escrita da criança pelo texto livre, tal como proposto pela

Pedagogia Freinet, é buscar possibilidades para que ela se expresse, comunique-

se da maneira mais genuína possível, considerando que a criança está na escola

e que o texto livre defendido aqui é um instrumento circunscrito, pensado para dar

vez e voz ao pensamento da criança na escola.

O Texto livre é o instrumento que dá visão ao que a criança traz de suas experiências de vida para a sala de aula. O termo “livre” refere-se à possibilidade de escolha. Livre na forma e no fazer. Dar visibilidade não exclui, do texto livre, o seu caráter “escolar”, o texto livre na escola é sim usado como um suporte para a aprendizagem da linguagem escrita... Para provocar o desenvolvimento na medida em que a criança é desafiada a mobilizar o que sabe, organizar as suas ideias em forma de um

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texto. (SILVA, 2011 – Relatório Fapesp – 2010/18780-4).

Enquanto professora, não pretendo abandonar a prática do texto livre, mas

indagar, problematizar sobre esse instrumento e essa prática, no contexto da

contemporaneidade, analisando sua viabilidade enquanto um instrumento

pedagógico.

Assim, a presente investigação tem por objetivos: 1- problematizar o texto

livre, instrumento da pedagogia Freinet, considerando-o em interlocução com a

perspectiva de Vigotski, que busca uma fundamentação teórica histórico-cultural

para a produção humana; 2- Trazer para análise, não apenas o instrumento em si,

mas a relação que a criança estabelece com o ato de escrever, usando o texto

livre como suporte de sua escrita.

Para tanto, buscamos ancoragem teórica nas propostas dos dois autores

amplamente mencionados neste texto – Freinet e Vigotski – colocando suas ideias

em discussão. Tomamos como material empírico os relatos e registros de minha

prática em sala de aula, bem como as produções das crianças no decorrer dos

dois primeiros anos letivos do Primeiro Ciclo.

1.2 Princípios metodológicos

A procura de um método torna-se um dos problemas mais importantes de todo o empreendimento para a compreensão das formas caracteristicamente humanas de atividade psicológica. Nesse caso, o método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo.

Lev Vigotski

Essa pesquisa assume o caráter qualitativo e tem como fundamentação

teórica e metodológica a perspectiva histórico - cultural, ancorando-se

principalmente nos postulados de Vigotski. Nessa perspectiva, o campo se mostra

como um espaço de relações - relações que afetam e são afetadas

constantemente pelo pesquisador, especialmente neste caso, dado que o

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pesquisador ocupou, aqui, o lugar de professor- pesquisador.

Durante o processo de pesquisa, o pesquisador é alguém que está em

processo de aprendizagem, de transformações. Ele se forma, se transforma e se

(re)significa no campo. O mesmo acontece com o pesquisado que, não sendo um

mero objeto, também tem oportunidade de refletir, aprender e (re)significar-se no

processo de pesquisa. Desse ponto de vista, Bakhtin e Vigotski tornam o

processo de pesquisa um trabalho de educação, de desenvolvimento.

É interessante observar que essa contribuição metodológica de Vygotsky é particularmente importante para a educação. Uma vez que a situação educativa consiste de processos em movimento permanente, a transformação constitui exatamente o resultado desejável desses processos, os métodos de pesquisa que permitem a compreensão dessas transformações são os métodos mais adequados para a pesquisa educacional. (OLIVEIRA, M.K., 1999, p.63).

De maneira extremamente sintética, pode- se dizer que: “a abordagem

metodológica coerente com a perspectiva histórico-cultural que orienta este

trabalho de procura de indícios de um processo deve ser, ao mesmo tempo,

histórico-genética, dialética e interpretativa”. (PINO, 2005. p.180).

Por partir de questões que emergiram de minha própria prática em sala de

aula, esta pesquisa busca corroborar com a ideia de professor- pesquisador, como

um sujeito que busca investigar sua prática, questionando-a, trazendo a realidade

que vivencia em sala de aula para a academia.

Só através do esforço do professor das escolas fundamentais, a pesquisa em educação pode dar o salto sobre o gap que separa a universidade e as escolas, respondendo assim às reais necessidades que estão à espera de soluções na educação básica (KINCHELOE apud LÜDKE, 1998, p.31).

Assumir este lugar de professora-pesquisadora, participar desse movimento de

estar em dois lugares ao mesmo tempo, muitas vezes, tornou mais difícil o ato de

pesquisar – não é fácil enxergar-se, questionar-se, desconfiar de seu próprio fazer,

trazer o (meu) olhar desconfiado da pesquisa para dentro da (minha) sala de aula,

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mas ao mesmo tempo (e antagonicamente!) facilitou: é do meu fazer que estou

falando, e, por isso, posso dizer com conhecimento de quem vive o drama “do

lado de cá”, do chão da escola.

Sobre o “drama” da pesquisa no cotidiano escolar (e do cotidiano

escolar!): olhar “de dentro”, vontade de não olhar...

Em crise ao ver que a professora pesquisadora se cansa, lê muito (a

madrugada toda... ). Dorme pouco... fica brava, chata, paciência diminui.

Eu pesquiso por que sou professora. Acredito na necessidade desse olhar

para o fazer, mas não gosto do que vejo ao me ver mais brava, pouco

paciente... fico em dúvida com relação ao mestrado... Será que esse é o

caminho? Perder o que é mais “genuíno” como um dia disse a Anna, meu

jeito de estar com as crianças?

(Registro do Diário de Campo - 16/10/2012)

Explicitamos a seguir o conceito de drama que sustenta as inquietações

pontuadas:

Drama no sentido de Vygotsky, de Politzer, de Bakhtin, no sentido de uma multiplicidade de vozes, posições e sentidos entretecidos na pessoa. Drama que aponta para as dimensões sensível, flexível, reflexiva da significação, do trabalho com signos, a partir das condições concretas, materiais de existência. Significação que afeta/constitui o corpo/sujeito. (SMOLKA, 2012, p. 127).

Este trabalho contou com uma intensa (e, muitas vezes, tensa!) observação

participativa: não tinha como ser de outro modo, eu tinha que ensinar a escrita às

crianças e, ao mesmo tempo, pesquisar esse ‘ensinar’!

Os dados foram coletados por meio de registros escritos – das crianças

especialmente, fotográficos e gravados em vídeos, diário de campo, análise das

produções das crianças, um profundo estudo bibliográfico.

Acompanhar a turma por dois anos, do 1º ano – ingresso das crianças ao

Ensino Fundamental - ao 2º ano – quando se consolida o processo de

alfabetização- não apenas observando, mas atuando durante todo o processo de

construção da escrita pelas crianças, foi essencial para esta pesquisa, já que

temos como objetivo analisar os impactos que o Texto livre - instrumento técnico

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e semiótico - tem neste processo de construção da escrita e como as relações

desencadeadas por esse instrumento afetam a relação da criança com o ato de

escrever.

A análise dos dados encontra fundamentação teórica nos pressupostos de Lev

Vigotski e Celéstin Freinet. Com base neses autores, pretendemos tecer inter-

relações entre os dados observados e o que acreditamos ser uma proposta

coerente de trabalho pedagógico; enfocar a questão da aquisição da linguagem

escrita, tendo em vista o educando como agente na construção de seu

conhecimento; ampliar e problematizar o olhar - de professora e pesquisadora -

sobre o instrumento pedagógico texto livre; buscar revelar a dinâmica da

constituição do texto livre, os modos de fazer da criança frente a esse instrumento,

buscando explicitar as relações implicadas neste fazer .

1.3 O Campo Empírico

1.3.1 Universo de estudo: O “entorno”

Acreditamos que não faz sentido descrever a escola sem pensar em seu

entorno, na constituição e na história do bairro no qual a escola está inserida.

Considerando minhas limitações com relação a essas informações, dado que

cheguei à EMEF Edson Luís Lima Souto em 2010, recorri à história oral como

forma de me aproximar dessa história. Escolhi registrar os relatos de duas

pessoas que moram no bairro desde sua fundação para, assim, compor essa

descrição.

Comentários sobre violência fazem parte do cotidiano das crianças –

apesar de, muitas vezes, esses comentários serem velados, o que nos dá indícios

da existência de um “pacto” entre eles do que pode ou não ser dito...

Uma situação que explicita a violência vivenciada pelas crianças, e que

acaba refletindo na escola, ocorreu em 21 de outubro de 2013, quando três alunos

da escola, acompanhados por um outro garoto – que não está matriculado na

escola - e, segundo relato dos alunos, já foi preso na “Fundação Casa” é narrada

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pela professora Pollyanna, cujo relato recorro a este momento:

Em uma segunda-feira do mês de outubro do ano de 2013 cheguei

à escola pela manhã e estranhei o fato da sala de aula ter sido

recentemente lavada. Os alunos não haviam chegado, mas a estagiária,

que já estava lá, me contou o que havia acontecido: encontraram a mesa

da sala cheia de fezes. Havia fezes na mesa, nas cortinas e em algumas

carteiras. Não foi difícil chegar aos depredadores: três crianças (alunos

da escola – apenas um havia sido meu aluno) e um adolescente (que não

aluno da escola). Confessaram e descreveram a “arte”. Invadiram a

escola durante o fim de semana e defecaram sobre a mesa dos professores

daquela sala, sob influência do companheiro adolescente.

É ainda difícil descrever os sentimentos que tive ao viver aquele

episódio. Senti-me violentada, desrespeitada, agredida profundamente

Pensava com pesar nas profissionais que limparam aquele lugar. Mesmo

depois de limpa, não consegui entrar na sala com as crianças naquele

dia. Pensei seriamente em deixar a profissão por não saber se o papel do

professor estava surtindo algum efeito positivo na vida de crianças como

aquelas, que eram capazes de atos tão desumanos.

Pude ver o quanto meus alunos também se sentiram

desrespeitados. Não só eles, mas os alunos da escola toda, assim como os

professores. Todos tomaram a causa como própria e fizeram o possível

para que me sentisse melhor, para que não encarasse o fato como algo

direcionado a mim.

Naquele momento o que me salvou, enquanto professora, foi a

força do coletivo. Um coletivo que parou tudo para chegar a uma decisão

acertada, que pudesse ensinar sem ferir, mostrar o erro sem acusar e,

principalmente, acolher. Juntos, decidimos quais rumos tomar a partir

daquele “grito de socorro” e hoje tenho a certeza de que fizemos o

melhor, que estava ao nosso alcance, por aquelas crianças que

precisavam olhar para a escola com outros olhos.

(Relato feito pela professora Pollyanna Fecchi, janeiro de 2014).

Esse episódio causou um grande desconforto em todos nós, professores da

escola em questão, como relatado acima, mas, coletivamente – apesar da

dificuldade que temos na rede municipal em consolidarmos um coletivo de

trabalho em nossas escolas, como mencionado, o que nos dá indício da

possibilidade da construção de um coletivo de trabalho em nossa escola.

A escola está localizada na zona norte de Campinas, periferia da cidade,

região que compreende os seguintes bairros: Santa Mônica, São Marcos, Campo

dos Amarais, San Martin, Matão, Mirassol, Parque Cidade.

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https://maps.google.com.br/maps?q=bairro+san+martin+campinas+mapa&ie=UTF-8&hq=&hnear=0x94c8bf49e1687bc9:0x67ec52a33c856fdf,Vila+San+Martin,+Campinas+-+SP&gl=br&ei=u77ZUq.

Por ser um bairro afastado do centro da cidade, as crianças se referem à

Campinas como se fosse “outra cidade” – a referência de cidade para eles é

Sumaré, dado que o bairro localiza-se quase no limite Campinas – Sumaré.

A grande maioria das crianças vai para escola a pé, junto com as mães,

avós, tios, irmãos mais velhos ou outros maiores responsáveis. Existem, ainda,

crianças que chegam de carro. Algumas crianças, contrariando o georreferencial8

(o sistema de matrículas na Rede Municipal de Campinas utiliza o

georreferenciamento como critério para a distribuição das vagas nas escolas),

utilizam ônibus ou peruas escolares, custeados pelos próprios pais.

Nessa região, há um terminal de ônibus: Terminal dos Amarais, onde

existem várias linhas de ônibus e, também, a opção do transporte alternativo que

circula no bairro.

Na região da escola, existem outras instituições escolares: E.E Manuel

Albaladejo Fernandes, E.E.Dr. Telemaco Paioli Melges, E.E. Profa. Maria De

Lourdes Bordini, EMEI Walter Domingos, CEMEI Adão Emiliano e ainda outras

escolas de Educação Infantil, particulares, que também recebem, no contra turno,

algumas crianças que frequentam a EMEF e não têm com quem ficar.

8 As informações são cruzadas entre o cadastro de crianças que frequentam/pretendem frequentar a educação

Infantil e o Ensino Fundamental na cidade de Campinas, o número de vagas disponíveis e a localização

geográfica da residência dessas crianças.

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Muitas famílias buscam, insistentemente, vagas na EMEF Edson, pois,

muitas vezes, acabam sendo obrigadas – de acordo com o georreferenciamento,

que muda em todos os anos – a matricularem seus filhos na escola do CDHU, que

por ser mais distante e ter uma imagem negativa, segundo a própria comunidade,

acaba sendo a opção preterida das famílias.

A região é bastante carente com relação ao atendimento público de saúde.

No bairro San Martin, não há Centro de Saúde. Assim, a comunidade usa o Posto

de Saúde do bairro São Marcos ou do bairro Santa Mônica. Em Sumaré, existe um

Hospital Municipal que atende a essa comunidade. Algumas famílias utilizam o

hospital da PUC ou da Unicamp. É comum, em dias de consultas, as crianças

faltarem à escola, pois a distância e a demora no atendimento acabam

ocupando-os o dia todo.

Outra questão importante refere-se aos encaminhamentos recebidos pelas

crianças, feitos pela professora da sala ou pela professora de educação especial.

Muitas vezes, as crianças que demonstram algum comprometimento cognitivo,

emocional, motor, entre outros, recebem o encaminhamento, mas só conseguem

avaliação/atendimento, seja no Centro de saúde, seja nos hospitais já referidos,

um ano, dois anos depois, o que evidencia as falhas na máquina pública, que não

oferece à comunidade serviços essenciais, como o de saúde.

Observamos o comércio, que embora se localiza na cidade vizinha de

Sumaré, atende a essa comunidade: supermercados, bazares, bares, salões de

beleza, casas de materiais de construção, farmácias, oficinas mecânicas,

borracharias, lojas de vestuário, de variedades, de produtos eletrônicos, de

móveis.

Não há praças, tampouco área de lazer para essa comunidade. As crianças

utilizam um terreno vazio e cheio de entulhos como “campinho”. A diversão

dessas crianças é empinar pipa, jogar bola na rua.

A região abriga, ainda, um polo tecnológico e acompanhou, em 2013, a

chegada de algumas empresas de Logística – que trouxeram melhorias de

infraestrutura ao bairro, mas que, muito provavelmente, não foram pensadas para

a comunidade e, sim, em benefício das próprias empresas.

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1.3.2 A escola

A escola em questão é uma escola arborizada, com canteiros entre as salas

de aula, bancos coloridos, o que traz um ar aconchegante, a meu ver.

Nesta escola, temos doze salas de aula, uma biblioteca, um amplo

refeitório, uma sala de informática, uma sala de recursos multifuncionais, sala dos

professores, sala da gestão, sala da secretaria, parquinho de areia, uma quadra

coberta, uma quadra descoberta, uma sala de materiais (da Educação Física),

cozinha e vestiário dos funcionários, lavanderia, dois banheiros (um masculino e

um feminino) para os alunos e dois para os professores.

A escola funciona nos três períodos: matutino, com 11 turmas (ciclos I e II –

1º ao 5º ano, em 2013, com 319 alunos); vespertino, com 11 turmas (ciclos III e IV

– 6º ao 9º ano, que, em 2013 contabilizava-se 318 alunos); no noturno, são 4

turmas (EJA, com 102 alunos matriculados em 2013).

Um dado importante a ser relatado, que afeta o andamento de todos os

setores da escola, refere-se ao fato de que o quadro de funcionários da escola

não é fixo, mas altera-se a cada ano, por conta de aposentadorias, remoções9 ou

exonerações10.Isso torna cada vez mais difícil a formação de um coletivo de

trabalho o que, infelizmente, não é exclusividade da escola em questão, mas é

uma realidade da rede municipal de educação. Outro problema que se explicita é

que, na maioria das vezes, os cargos vagos demoram a ser preenchidos,

dificultando o andamento dos trabalhos na escola.

Nossa escola ainda sofre com a falta de inspetores (cargo que foi extinto da

rede municipal de educação de Campinas); a falta de gestores – uma gestão que

comporta cinco membros passou o ano de 2013 ocupada por duas pessoas: um

vice diretor, que assumiu o lugar da diretora (que sofreu uma transferência

compulsória, por motivos não explicitados) e uma vice-diretora; a falta de

bibliotecária (cargo também inexistente nesta rede), e, por isso, a nossa biblioteca

9 Todo ano há a possibilidade dos professores, gestores e funcionários se inscreverem no processo de remoção

da PMC.

10 Uma professora de Língua Portuguesa do Ciclo III e IV, recém aprovada em Concurso e que optou por

trabalhar na EMEF Edson Luís Lima Souto, ficou cerca de um mês apenas e exonerou, devido a

dificuldades com os alunos e com as condições da escola em geral.

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ficou por anos interditada, tendo um acervo riquíssimo, mas sem recursos

humanos para funcionar! No ano de 2013, no entanto, ela foi reinaugurada, com a

ajuda de uma professora readaptada que chegou à escola no início do ano. O

destino da biblioteca em 2014 é incerto, ninguém sabe se teremos funcionário

para assumir o lugar de “bibliotecário”. Como podemos constatar nas palavras de

Claúdia Bittencourt, diretora da escola em 2010:

Nossa escola tem passado por diversas mudanças desde que nela ingressei através de concurso de remoção em 2005. Mudamos para o novo prédio, duas quadras à frente e acima do antigo prédio em 02 de abril de 2007. Passamos de três períodos diurnos para apenas dois períodos diurnos e iniciamos o oferecimento do período noturno com a educação de jovens e adultos II. Algumas foram as conquistas com o novo prédio: quadra poliesportiva para a prática de educação física, pátio, biblioteca e amplo refeitório. Entretanto o número de alunos passou de pouco mais de 600 para 940 alunos. Em 2007, atingindo número superior a 800 alunos o quadro de especialistas aumentou de três para cinco pessoas, mas isso só tem acontecido em tese. (BITTENCOURT, 2010).

A escolha desta escola como lugar de (minha) pesquisa deve-se,

primeiramente, por ser este o lugar onde atuo como professora, reafirmando a

ideia de professor-pesquisador, defendida na esfera acadêmica por autores como

Pedro Demo (1991 e 1994), Marli André (1992, 1994, 1995, e 1997), Ivani

Fazenda (1997), Corinta Geraldi (1996 e 1998) e Menga Lüdke (1993 e 1994).

Outro motivo que consolidou a minha escolha por este lócus de pesquisa

deve-se ao fato da referida escola ter uma intensa história de relações envolvendo

a pesquisa11, a investigação científica, desde 1985. Como afirma Smolka (2008,

p.1), diversas formas de trabalho colaborativo e investigativo vêm se realizando

neste espaço, tendo por temas nucleares: a alfabetização, leitura e escrita

(NOGUEIRA, 1991); a escrita e a fala egocêntrica (SMOLKA, 1995/2008); a

elaboração conceitual (FONTANA, 1991); o preconceito e o autoconceito

(OLIVEIRA, 1993); o silêncio e interações na sala de aula (LAPLANE, 1997); a

memória e história na escola (SMOLKA, 2000, 2005); as lembranças significadas

11 Todas as pesquisas citadas tiveram a escola em questão como lócus.

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(OLIVEIRA e SMOLKA, 2004); os sujeitos que se emocionam (OLIVEIRA, 2001);

os modos de conceber e experienciar a violência (CAPRERA, 2005); os sentidos

do trabalho para os alunos (MION, 2005; ALMEIDA, 2007); a memória e literatura

(ARAÚJO, 2007); a experiência como lugar de memória (SMOLKA, 2006b); as

práticas escolares e as práticas discursivas (SMOLKA e LAPLANE, 2006); o

trabalho docente (ANJOS, 2006); alfabetização e letramento (DECIETE, 2013);

inclusão e políticas públicas (FAISSAL, 2013 e DAINEZ, 2014).

1.3.3 A sala de aula – direcionando o olhar

- É hoje que a gente aprende a ler?

- Prô acabou a linha... e agora?

- Como usa a tesoura?

- Professora, quebrou a ponta do meu lápis... o que eu faço?

- Como “faz” bruxa? Que horas é o lanche?

- Páraaaa! Que chato menino!

- Se eu chorar você liga para minha mãe?

- Eu já tenho 6 anos!

- Odeio essa escola, é uma droga! Quero ir embora... - Eu não sei escrever...

- A gente pode ir “no” parque? Deixa vai... só um pouquinho.

- Prô, ele pegou minha borracha...

(Excertos do Diário de campo)

Trago essas “vozes” para trazer o leitor para a sala de aula, com o propósito

de situar como é um início de ano com uma turma de 1º ano, meu “universo” de

estudo cheio de vida, o campo empírico onde realizo essa pesquisa: uma Turma

de 1º ano Ensino Fundamental da EMEF Edson Luís Lima Souto, escola

localizada na periferia de Campinas. “É a vida que entra na aula com as crianças,

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para aí se tornar mais rica, para se expandir”. (FREINET, 1975, p. 55)

São sujeitos desta pesquisa 24 crianças, que ingressaram no 1º ano do

Ensino Fundamental no ano de 2012, com cinco, seis anos de idade e seguiram,

juntamente com a professora, para o 2º ano. Quase 50% das crianças

frequentaram anteriormente a educação infantil, na creche que fica ao lado da

escola; os outros 50% vieram de outras creches ou mesmo de outras cidades.

Todos tinham experiências escolares anteriores ao ingresso na EMEF.

A sala de aula é de tamanho médio, com as carteiras dispostas em fileiras.

Temos armários de materiais no fundo da sala e também um mural para colocar

trabalhos das crianças.

Temos pregado na parede, em cima da lousa, um quadro com o alfabeto

escrito com letra de imprensa e letra cursiva. Este alfabeto foi colocado nas salas

com o intuito de instrumentalizar as crianças com relação à linguagem escrita.

Há, também, um quadro de numerais, feito juntamente com as crianças e,

semanalmente, são expostos trabalhos e produções das crianças no quadro mural

que fica no fundo da sala.

No geral, as salas dessa EMEF são pouco arejadas, apesar de possuírem

janelas dos dois lados da sala. Os ventiladores são muito barulhentos e quase

nunca ficam ligados, pois a acústica da sala não é das melhores, e somada ao

som dos ventiladores, torna-se inviável trabalhar.

1.3.4 Nossa Rotina – focando o olhar...

As classes Freinet parecem-se todas nos seus fundamentos, no seu ritmo e no seu espírito. Mas, porque estão baseadas na vida da criança, no seu meio, são necessariamente diversas, de acordo com estes meios e estas crianças; diferentes segundo as idades, as estações, os aspectos regionais, a originalidade das culturas e dos trabalhos, mas, ao mesmo tempo, com esta parte do individual e do universal que deveria constituir actualmente um sinal da cultura e da civilização (FREINET, 1975, p. 50)

Com o intuito de trazer o leitor para a sala de aula, descrevo como é um dia

no 1º ano: entro na sala com as crianças e, juntos, organizamos as carteiras em

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roda – a roda tem como objetivo fazer com que possamos olhar para o outro,

atentamente, ouvindo o outro, em grupo. Nesse momento, faço a chamada, cada

dia “chamo a atenção” para um aspecto da linguagem escrita que estamos

aprendendo, destacando a 1ª letra do nome das crianças – pedindo que, ao

responder a chamada, a criança fale, por exemplo, o nome de um animal que

comece com a 1ª letra de seu nome, ou com a última letra; contando quantos

“pedacinhos” (sílabas) tem cada nome; pedindo que falem a 1ª sílaba à turma;

enfim, tentando fazer com que, na brincadeira da chamada, as crianças se

atentem para questões que constituem nossa língua portuguesa, especialmente

nesta fase de alfabetização. Ainda neste momento da “chamada”, realizamos a

contagem da turma, e o ajudante da semana, que é escolhido a partir da ordem

que aparece o seu nome na lista - a ordem alfabética, vai passando na roda,

apontando as crianças: contamos primeiro os meninos, depois as meninas; o

ajudante anota - através da escrita numérica ou de desenho - depende da criança,

do que ela já é capaz de fazer. Quantas meninas, quantos meninos (separação

por gênero), depois somamos quantos ao todo. A turma inteira conta o número

total de crianças (meninos e meninas). Pergunto, então, para a turma quantas

crianças faltaram, já que a turma tem no total de 24 alunos. Contamos.

Geralmente faço na lousa a operação, mostrando a subtração através de desenho

e com o algoritmo.

Na sequência, escrevo – ou peço que algum aluno escreva a rotina na

lousa. A rotina é escrita na lousa com o intuito de organizar o nosso dia, de situar

as crianças sobre o que acontecerá. Não peço que as crianças copiem essa

rotina, pois acredito que essa cópia não faz muito sentido, dado que a rotina ficará

na lousa toda a manhã para que eles possam consultá-la, situarem-se no

tempo/espaço da sala de aula. Na escrita da rotina, também costumo chamar a

atenção para a escrita da data, falando, por exemplo: “Se ontem foi dia 12, hoje

que dia é?”, para que eles tenham noção de sequência numérica. Falo também

sobre o mês: “Estamos em abril, que número a gente usa para marcar esse

mês?”, com o intuito de mostrar para as crianças os números ordinais também–

conhecimento historicamente construído que precisa ser ensinado para as

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crianças na escola! É claro que chamo a atenção para a escrita das palavras, e

vamos juntos compondo essa escrita. Pergunto para as crianças como escreve

cada palavra e observo que, mesmo as crianças que ainda não dominam o código

escrito, envolvem-se neste momento, falam as letras, consultam no alfabeto,

tentam, arriscam-se!

Depois de escrevermos a rotina na lousa, passamos para a correção da

lição de casa. Considero que a lição de casa seja essencial por dois aspectos:

começar, desde o 1º ano, a construir o hábito de estudo e trazer a família para

“perto” da escola, formar parceria, mostrar às famílias o que as crianças fazem na

escola. A lição de casa, na maioria das vezes, está vinculada aos trabalhos

realizados em sala de aula. Nem sempre todos fazem a lição de casa, e quem não

a faz em casa tem a oportunidade de fazê-la em sala de aula. No momento dos

ateliês, acabo abrindo um ateliê de lição de casa, ainda que a maioria traga as

tarefas feitas! Normalmente faço a correção da lição de casa na lousa,

coletivamente. Ainda com a sala organizada em roda, vou passando e verificando,

auxiliando essa correção. Algumas vezes, as crianças levam lições diferentes,

escolhem as lições ou eu entrego lições pertinentes aos diferentes níveis das

crianças. Quando isso acontece, eu apenas verifico quem fez e quem não fez a

lição e corrijo-as em outro momento.

Acabando a correção da lição, começamos o trabalho coletivo – chamo de

trabalho coletivo os trabalhos que as todas as, juntas, fazem a mesma atividade,

que pode ser a correção coletiva de um texto livre, o registro de alguma pesquisa

em andamento, a apresentação de algum conteúdo novo, como por exemplo, do

conceito de adição em matemática. Após esse momento coletivo, chega a hora do

lanche e recreio – esse intervalo dura, em média, 30 minutos. Juntos, em fila e,

nesta fila, já aproveito para, novamente, chamar atenção para o alfabeto: fazemos

fila começando pela ordem alfabética, ou pela ordem contrária do alfabeto, enfim,

vamos inventando jeitos e brincadeiras para que a organização da fila seja

também “aproveitada”. Seguimos para o refeitório, onde as crianças comem e, na

sequência, dirigem-se ao pátio ou à quadra para brincar.

Na volta do recreio, começamos a organizar nossa sala em ateliês.

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Normalmente temos três ou quatro dos seguintes ateliês: Texto livre; Fichas de

escrita12; Texto com figura; Ficha de matemática, “Problemoteca”; Jogos de

Escrita: Jogos de Matemática; Pesquisas; Leitura; Desenho; Massinha; Pintura.

Ateliês de escrita e de matemática

As crianças escolhem – de acordo com os ateliês oferecidos no dia- o

trabalho que querem realizar e anotam sua escolha no Plano de trabalho13. As

crianças circulam livremente pela sala neste momento de ateliês, podendo

inclusive, terminado um trabalho, partir para outro ateliê. Isso, muitas vezes, torna

a sala barulhenta e “tumultuada” aos olhos de quem não conhece a prática

pedagógica que norteia esse fazer, mas esse suposto “caos” esconde uma

organização de trabalho.

A classe “Freinet” é isto: um lugar de produção: tudo nela evoca o trabalho produtivo, até o vocabulário usado pelo educador: a classe é um “canteiro de obras”, ela se subdivide em “oficinas” onde é fundamental a presença de “ferramentas” e o uso de “técnicas” de trabalho. (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 139).

Depois dos ateliês, organizamos a sala em fileiras (é dessa forma que

temos que deixar a sala para as aulas do período da tarde). Verifico, então, o que

cada criança fez, enquanto elas marcam, no plano de trabalho, as atividades que

realizaram. No início do dia, elas planejam, e, a partir disso, marcam uma “bolinha”

12 Os tipos de fichas oferecidos nestes ateliês estão no ANEXO deste trabalho. 13 Esse instrumento da Pedagogia Freinet será explicado no próximo tópico deste trabalho.

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na atividade que pretendem realizar; no final do dia, elas avaliam, pintando a

bolinha da atividade que realizaram. Caso não tenham conseguido terminar a

atividade que escolheram, as crianças pintam metade da bolinha; assim, no dia

seguinte, sabem que têm um trabalho inacabado para fazer.

Organizada a sala, plano avaliado e preenchido, passamos para a lição de

casa.Entrego a lição, ou as crianças copiam da lousa as orientações dadas para a

atividade que será realizada em casa.

No final de nosso dia, temos, ainda, um dos momentos mais esperados (e

apreciados!) pela turma: a hora da leitura. Todos os dias está garantido, em nossa

rotina, esse tempo de leitura, que pode ser de um livro escolhido por mim ou pelas

crianças, de um texto de autoria de alguma criança, de uma notícia de jornal, de

uma lenda, um conto, de uma parlenda, de uma poesia, enfim, uma multiplicidade

de gêneros, ampliando o repertório das crianças e instituindo a prática da leitura.

Meus alunos são bastante agitados, mas neste momento, observo que eles ficam

bem calmos, em silêncio, atentos e curiosos com a leitura!

1.3.5 Os instrumentos idealizados por Freinet - orientando o olhar ...

Faz-se necessário explicitar quais são os instrumentos idealizados por

Freinet que utilizamos em nossas salas de aula, para que possamos entender a

dinâmica de trabalho dos adeptos a essa corrente pedagógica, em uma sala,

como a que acabamos de “conhecer”.

Percebendo o desinteresse das crianças com relação ao conteúdo escolar,

Freinet passa a buscar possibilidades de trabalhar de uma forma diferente em sala

de aula, trazendo a criança ao protagonismo da ação educativa.

Encontrava-se na origem das minhas investigações a necessidade de melhorar as condições e trabalho, para alcançar uma eficiência se possível maior (p. 20). [...] eu precisava, por conseguinte, de procurar fora da escolástica a que se adaptava menos mal a grande maioria dos meus colegas, uma solução nova, uma técnica de trabalho que estivesse ao alcance das minhas reduzidas possibilidades (FREINET, 1975, p.21)

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A roda de conversa é um momento no qual as crianças se expressam,

trazem suas necessidades e anseios. Cabe ao professor articular os saberes

trazidos pelas crianças com os conteúdos curriculares, tomando os conhecimentos

trazidos pelas crianças como o ponto de partida para a elaboração dos

conhecimentos científicos, escolares. É, na roda, que também são organizados os

trabalhos a serem desenvolvidos no dia, a rotina.

A dinâmica das rodas é estabelecida de acordo com as necessidades da turma, mas alguns elementos são comuns a todas, como por exemplo, ver quem veio e quem faltou. De acordo com a idade das crianças aproveitamos para explorar as situações, desenvolvendo habilidades cognitivas. [...] Como o fluxo de informações é intenso quando as crianças estão contando suas novidades, o professor deve estar pronto a ouvi-las e perceber sensivelmente assuntos do interesse delas que possam gerar projetos, ou pesquisas. [...] quando as crianças contam suas novidades, elas trazem elementos de sua rotina e vida fora da escola, para a turma, elementos esses muito importantes, porque são expressos livremente pensamentos, desejos, sentimentos (SISTE, 2003, p.89 - 90).

O Livro da Vida é outro instrumento da Pedagogia Freinet essencial no

processo de aquisição da escrita. Nele, as crianças registram os acontecimentos

vivenciados pela turma, as descobertas, novidades, conteúdos aprendidos,

tornando-se um testemunho vivo do trabalho da Turma.

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Imagens do Livro da Vida em dois momentos no ano de 2012: o primeiro em abril e segundo em maio.

Os registros do Livro da Vida mostram o verdadeiro sentido do ato de

escrever. A criança apropria-se da escrita, tornando-se autora antes mesmo de

dominar a escrita convencional. O professor assume o papel de escriba,

colocando no papel as ideias dessa criança.

Essa transcrição é como uma ferramenta maravilhosa, cuja precisão mágica a criança admirará antes de conhecer seu mecanismo e de saber utilizá-lo. Ela se contentará em beneficiar-se dela, até o dia em que tentar apoderar-se dela para adequá-la ao seu uso (FREINET, 2001, p.34)

O Livro da vida sendo apresentado à uma mãe em nossa mostra cultural e sendo lido por dois alunos:

objeto de registro da história da Turma.

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Freinet organizava o trabalho em sala de aula em ateliês. Ele definia os

ateliês usando como metáfora o “canteiro de obras”, onde todos se envolvem no

trabalho.

Os ateliês são organizados, diariamente, de acordo com as necessidades

da turma. São propostos diversos tipos de trabalho14: Escrita – texto livre, texto

com figuras, fichas de escrita (ortografia/gramática/organização textual), digitação

de textos; Matemática – fichário autocorretivo, problemoteca, jogos; Pesquisa –

assuntos como Ciências, História, Geografia; Artes – diferentes técnicas de

desenho, pintura, modelagem; Leitura – biblioteca de sala, com diversas obras e

também fichas de leitura.

Ateliê de matemática: um aluno ajudando o outro; ateliê de culinária.

Na primeira imagem temos Thiago trabalhando no ateliê de escrita, já na segunda Bia, Rafael, Luiz e Emanuelle no ateliê de artes, que acontece na área externa na sala.

14 Os tipos de trabalhos propostos nos ateliês serão exemplificados nos ANEXOS deste texto.

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Luiz trabalhando no ateliê de leitura, grupo de crianças no ateliê de fabricação (sucata)

As regras do trabalho em ateliês são elaboradas pelas crianças, juntamente

com o professor. Dessa forma, o trabalho pode fluir com mais autonomia, já que

os combinados foram previamente estabelecidos pelo grupo.

A cooperação entre as crianças se explicita durante os trabalhos em ateliês.

É comum ver uma criança “mais avançada” ajudando o colega que apresenta

alguma dificuldade. As habilidades individuais tornam-se valorizadas, e o espírito

cooperativo toma o lugar da competição: um pode colaborar com o outro, ora

ajudando, ora sendo ajudado.

As crianças têm a oportunidade de trabalhar com os colegas segundo o projeto de trabalho, o que os une é o trabalho e não o nível de aprendizagem. Isto cria condições para trocas verdadeiras entre eles: trocas intelectuais, afetivas, sociais (LAURINDO, 2003, p. 75).

É importante destacar que, simultaneamente, na sala de aula acontecem

diversos ateliês. Cada criança escolhe, de acordo com seu plano de trabalho e

com sua meta, qual ateliê irá trabalhar. Não há a obrigatoriedade de todos

“passarem” por todos os ateliês, a exigência é combinada e mediada pelo

professor, que avalia as necessidades de cada criança, como, por exemplo, se

uma criança já domina o traçado da letra cursiva, ela não será obrigada trabalhar

no ateliê de fichas específicas sobre esse assunto.

Por isso, temos o Plano de trabalho, que é o instrumento que organiza as

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escolhas de trabalho feitas pelas crianças, é o que viabiliza a sistematização

desse trabalho de uma forma coesa.

Plano de trabalho utilizado no 1º ano, em 2012.

Na segunda-feira, caso a escolha do professor seja fazer o plano

semanalmente, ou no início do dia - se o plano for feito diariamente, o que,

geralmente, ocorre com as turmas de crianças mais novas - a criança define quais

serão os trabalhos que ela irá realizar durante a semana, tomando o cuidado de

distribuir bem as atividades de acordo com os dias da semana, com o tempo que

terá disponível para cada dia.

Em lugar de fixar antecipadamente, de maneira autoritária, o trabalho escolar das crianças, preparamo-lo na segunda-feira, todos juntos, com os nossos planos de trabalho (FREINET,1975, p. 75).

Esse instrumento auxilia na construção da autonomia da criança, pois ela

escolhe seu trabalho e torna-se responsável por ele, e auxilia na organização do

professor, que pode consultar o plano de cada um, verificando o trabalho de cada

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criança, orientando a fazerem novas escolhas, tomando ciência do andamento da

turma.

Com o plano de trabalho, a criança torna-se, por assim dizer, livre, no âmbito de certas barreiras que ela mediu e aceitou previamente. (...) Nessa prática ela adquire, mesmo bem pequena, a noção de ordem, controle de si, confiança. (FREINET, 2001, p. 72)

Nas salas de aula freinetianas, contamos ainda com os planos anuais:

Estes constituem muito simplesmente o resumo de tudo que devemos obrigatoriamente ver no fim do ano em cálculo, gramática, história, geografia, ciências, etc. Em suma, o programa. [...] com exceção de história, em que avanço seguindo a ordem cronológica, em todas as outras matérias respeito, antes de mais, o interesse das crianças. Assim, este ano, em cálculo, começamos muito tradicionalmente pelos números inteiros e as quatro operações. Como não tínhamos ainda arrancado em cálculo vivo, não tínhamos nada de melhor a fazer. Porém, ao recebermos o primeiro correio dos nossos correspondentes decidimos descrever-lhes o plano da nossa classe. Foi na verdade preciso aprender ou rever como são utilizadas as escalas; isso terminado e porque já nos falavam do nosso projeto de viagem-intercâmbio, pegamos nos guias do caminho de ferro e, neste momento, ficávamos mergulhados nos números complexos, na avaliação das distâncias. Talvez em seguida falemos de velocidades... Tudo isso nos conduz a todos os pontos do programa oficial. (FREINET, 1975, p. 78).

Os Fichários Autocorretivos e as Bibliotecas de trabalho, conhecidas

como BTs, são outros instrumentos freinetianos que tornam viáveis os ateliês.

Freinet (1975, p. 72) dizia que: “os ficheiros de autocorreção utilizados no caso do

cálculo e da gramática libertam o professor e as crianças das repetições estéreis

da escolástica”.

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Imagem acessada em novembro de 2014 em http://frankvcarvalho.blogspot.com.br/2011/10/celestin-freinet.html

Os fichários são simples, elaborados a partir de materiais recortados dos

livros didáticos ou mesmo pesquisados na internet. nNa época de Freinet, eram

usados os Manuais Escolares; deles, selecionava-se os textos e atividades

interessantes para compor os fichários. Separados em pastas, por cores, cada

fichário traz atividades variadas, de acordo com as necessidades da Turma.

Os ficheiros de autocorreção representam uma das realizações mais importantes das Técnicas Freinet. Põem à disposição da criança exercícios destinados à aquisição dos mecanismos do cálculo (operações, problemas, exercícios sobre os números complexos e a geometria), ortografia e conjugação, nos diferentes cursos. A sua originalidade reside no fato de permitirem a cada criança trabalhar conforme o seu próprio ritmo, sem ser apressada nem atrasada pelo nível dos seus camaradas (FREINET, 1975, p. 145).

As BTs são como bibliotecas de sala, compostas por fichas de leituras,

textos, livros e enciclopédias de diversos assuntos. As BTs também podem conter

textos e álbuns resultantes de trabalhos e pesquisas feitas pelos próprios alunos.

A aula-passeio foi a primeira “invenção” de Freinet no exercício de sua

docência. Como o próprio Freinet observou, a expressão aula-passeio fora,

evidentemente, mal escolhida, pois os pais supunham que as crianças não iam à

escola para passear, mas era um instrumento de grande valia tanto para ele

quanto para as crianças.

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A aula-passeio constituía para mim uma tábua de salvação. Em vez de me postar, sonolento, diante de um quadro de leitura, no começo da aula da tarde, partia com as crianças, pelos campos que circundavam a aldeia [...] Era normal que, nesta atmosfera nova, neste clima não escolar, quiséssemos, espontaneamente, criar relações bastante diferentes das relações demasiado convencionais na escola. Falávamos, comunicávamos, num tom familiar, os elementos de cultura que nos eram peculiares e de que tirávamos todos, professor e alunos, benefícios evidentes. Quando voltávamos à aula, fazíamos no quadro o balanço do “passeio”. (FREINET, 1975, p. 23: 24).

Oliveira ainda pontua que:

Na aula-passeio, professor e alunos passeiam na aldeia e nas plantações, visitam os artesãos, observam seu trabalho ou os fenômenos da natureza. Tomam notas. Na volta à sala de aula, os alunos descrevem o observado. Sem constrangimentos escrevem na língua nacional. Freinet descobre que não há meio mais poderoso de aprendizagem do que o envolvimento afetivo que liga intrinsicamente os conteúdos de ensino aos interesses concretos dos alunos (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 113).

Aula-passeio ao Zoológico de Americana, em 2012. Na primeira imagem um senhor que caminhava pelo local parou para ajudar um aluno a registrar o nome do animal. Na segunda a aluna observa para fazer suas anotações. A aula

tem sempre esse caráter de envolver um trabalho.

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O aluno Guilherme na aula-passeio à Exposição “Lá e Cá” (SESC-Campinas); as crianças na aula-passeio ao teatro

Sotac (ambas as fotos foram tiradas em 2013).

O Jornal de parede é um instrumento da pedagogia Freinet que nos

possibilita a exploração do mundo da criança e a construção de valores de forma

significativa, partindo de questões de seu cotidiano.

Esse instrumento consiste em um painel no qual ficam os envelopes com as

seguintes frases: “Eu proponho”, “Eu critico”, “Eu felicito”, “Eu quero saber”. Ao

lado, ficam disponíveis para as crianças papéis para que elas possam escrever

como julgarem necessário. Elas escrevem e colocam os bilhetes no envelope

correspondente ao assunto que quer tratar. Uma vez na semana, é instituído o dia

da reunião do jornal de parede. Nela a turma se organiza, como numa reunião, em

círculo; então, elegem um coordenador dessa roda e um escriba, para registrar o

que foi dito, os combinados estabelecidos.

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Imagem do Quadro de Jornal de parede usado em 2013.

Surgem propostas de trabalho, que são analisadas pelo grupo e pela

professora, muitas vezes propostas pertinentes e que dão início às pesquisas,

trabalhos importantes. Surgem, também, questionamentos pertinentes, felicitações

e críticas a alguma atitude inadequada de algum membro da turma, inclusive

crítica dirigida ao professor.

A crítica coletiva, o reconhecimento dos erros, o sentimento comunitário, o desejo de fazer melhor, mostram-se em geral, suficientemente eficazes. A única sanção regular é, de ordinário, reparar o mal, refazer o que foi desfeito, limpar o que foi sujo, ajudar numa tarefa para compensar o mal causado à classe... (FREINET, 2001, p. 45).

Aprender a ouvir, a falar, a receber críticas, a pensar em soluções para um

problema coletivo, tudo isso é possível por meio do uso desse instrumento; além

de ser um instrumento que estimula a escrita, já que essa escrita é extremamente

necessária para a criança: é para que ela possa ser ouvida, se posicionar, se

queixar de um problema.

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Com essa prática acreditamos que cada criança possa pensar em melhorar e enriquecer o ambiente em que convivemos, que possa exercer seu poder de cidadão e que entenda, num processo de construção, o real sentido da democracia. (LAUDANI e ZAGO, 2003, p. 100).

A correspondência interescolar compõe o quadro de instrumento utilizado

por Freinet no processo de alfabetização da criança, favorecendo o trabalho de

todos, tornando real a necessidade de comunicação. Inicialmente a

correspondência acontecia entre Freinet e um outro professor do movimento que

estavam fundando. Posteriormente, por uma sugestão vinda das próprias

crianças, eles começaram uma correspondência entre as classes. Nessa

correspondência, trocavam informações pessoais e, também, conteúdos

trabalhados em sala de aula, tornando a aprendizagem ainda mais instigante, pois

aprendiam com os colegas correspondentes.

Encontro com os correspondentes em 2013, na primeira imagem temos a roda de apresentação e na segunda foto

duas alunas trabalhando juntas, uma de cada escola.

Esses instrumentos foram desenvolvidos por Freinet para suprir a

necessidade de aprendizagem trazida por seus alunos, emergindo de sua prática

em sala de aula, a partir da observação de como as crianças aprendiam quando

inseridas no contexto, em uma perspectiva que considerava a construção do

conhecimento como gradual e não linear.

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CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO: FREINET

2.1 Freinet: ponto de ancoragem de meu fazer em sala de aula

É extremamente difícil traçar um perfil da vida

de Freinet que não seja parcial e limitado.

Trata-se de uma personalidade múltipla, em

permanente ebulição (Oliveira, A.M., 1995, p.

89).

Célestin Baptistin Freinet, nasceu em 15 de outubro de 1896, na cidade da

Gars, sul da França. Filho de camponeses, nascido numa região rural, de relações

bastante tradicionais e “atrasada”, comparada às outras cidades francesas. Desde

muito novo, o menino Freinet conhece o trabalho na lavoura. Na época, era

comum atribuir às crianças a função de pastorear as cabras. Essa condição de

vida, de certa forma, afeta sua concepção sobre a infância e a atividade infantil e,

mais tarde, vai refletir em sua prática pedagógica.

Para Freinet as crianças têm o seu lugar, a sua contribuição dar, aqui e agora, ao trabalho humano. São membros da comunidade trabalhadora da qual fazem parte. Este é, sem dúvida, um dos fundamentos principais da escola do trabalho tal como ele a define e que vê no ser humano um ser que se faz pelo trabalho criador, isto é, por um trabalho necessariamente dotado de utilidade social, produtor de valor de uso real. Nesta perspectiva, a escola não é preparação, como na concepção clássica e sim, desde já, vivência de uma inserção social concreta. (OLIVEIRA,A.M., 1995, p. 94).

Freinet defendia que a escola oferecesse um trabalho realizador, tendo

como noção de trabalho a produção humana, defendida por Marx, que muito o

inspirou, especialmente pela ideia do pensamento dialético, difundida também no

partido comunista francês, do qual Freinet fazia parte e onde tomou conhecimento

das ideias marxistas.

A militância de Freinet sempre foi em busca da construção de uma

verdadeira escola do/para o povo, convicto de que, para isso, não bastava uma

proposta pautada em ideias, e, sim, uma “mudança concreta do meio material

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onde se realiza o ensino” (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 139).

Assim, cunha o termo materialismo escolar

Para explicitá-lo, ele usa uma analogia curiosa, porém ilustrativa: quando um patrão pretende mudar os processos de produção de sua fábrica, ele não procura convencer os operários pela palavra. “Ele precisa primeiro trocar ou adaptar suas máquinas, ensinar novas técnicas” (Freinet, nov.1932: 67). A referência ao modelo fabril é significativa: “É uma semelhante transformação que queremos introduzir em nossas classes”. (Idem, ibidem). (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 139).

A ideia de materialismo escolar, permeada aqui pelo ideário marxista, que

defende que somente pelo trabalho o homem transforma a natureza e transforma

a si mesmo, traz a ideia de trabalho produtivo. Assim, as classes Freinet são lugar

de trabalho: as próprias crianças usam o termo trabalho ao se referirem às suas

produções. De acordo com Oliveira, A.M., (1995, p. 139), o trabalho autêntico gera

na pessoa sentimentos de potência que a leva a ultrapassar-se constantemente.

Aos treze anos, Freinet formou-se na escola primária e foi admitido em um

curso primário superior e, em 1912, aos 15 anos de idade, ingressou na Escola

Normal Masculina de Nice/ França, mas não chegou a concluir o curso normal,

pois foi convocado para lutar durante a 1ª Guerra Mundial.

A experiência de guerra o marcou profundamente, deixando-o com o

pulmão gravemente ferido, atingido por gases asfixiantes, o que lhe obriga a ficar

por um longo período em estado de convalescença.

Revoltado num primeiro momento, descrente com relação a sua pátria

republicana, parte em busca de novos referencias e acaba se aproximando ainda

mais do pensamento marxista. Nesse cenário de pós-guerra, Freinet decide

publicar um livro contando a sua experiência, chamado: “Touché. Memórias de um

ferido de guerra”. Na mesma época, escreveu seus primeiros artigos sobre

educação, lançados pela Federação de Ensino Francês.

Engajado nas questões políticas e sociais, Freinet sempre teve a

consciência do papel que a escola exerce na reprodução social. Fundamentou sua

pedagogia e elaborou seus instrumentos de trabalho sempre enfatizando o caráter

libertário da educação.

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Em 1920, assumiu seu primeiro posto como professor-adjunto, em um

vilarejo de Bar-sur-Loup- França, e, assim, mesmo com as sequelas herdadas do

período de guerra, voz debilitada e contrariando os conselhos de seus amigos, ele

inaugura a sua carreira de professor primário.

Teve como primeira experiência a regência de uma classe multisseriada,

com 35 crianças, a maior parte filhos de camponeses.

Apesar de não possuir experiências pedagógicas, Freinet mostrava um

profundo compromisso com a educação de seus alunos. Sensível, ele tinha como

hábito registrar, diariamente, as observações que fazia sobre suas crianças,

pontuando os diferentes tipos de comportamentos que observava, bem como as

dificuldades e as conquistas delas.

Dizia que em sua classe havia os alunos brilhantes, aqueles que terminam tudo rapidamente e que entendiam antes do professor terminar a explicação; outro grupo maior, de alunos medianos; e um terceiro, de alunos que não acompanhavam as lições, pois estavam sempre atrasados - faltavam muito às aulas e não possuíam boa caligrafia. E foram justamente estes os alunos que chamaram a sua atenção. Ele começou a se perguntar sobre o que eles se interessavam, do que gostavam e como eram suas vidas fora da classe (MUNHOZ, 2010, p.31).

Observava também que seus alunos demonstravam pouco interesse pelos

manuais escolares, pois, acostumados com a vida no campo, ficavam entediados

em permanecerem tanto tempo dentro da sala de aula. A indisciplina tornava-se

inevitável, o que, numa sala de aula tradicional, seria resolvido com gritos e

punições - como era o prescrito para os professores das escolas públicas

francesas, especialmente para as salas que atendiam às classes populares que

tinham como missão disciplinar as crianças,.Para Freinet, essa postura tornava-se

motivo de preocupação e questionamento.

Intrigado com o desinteresse de seus alunos, foi buscar na correspondência

- que trocava com seus colegas da Federação de Ensino, Freinet -, a

possibilidade de fazer algo diferente e assim propõe a aula-passeio, que parecia

ser um caminho para instigar o interesse das crianças, já que ele saía da sala de

aula para “passear” pela aldeia, juntamente com seus alunos, que iam tomando

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nota das coisas que encontravam pelo caminho. De volta à sala de aula,

compartilham as experiências, registrando suas descobertas e organizando-as em

textos – que passam a ter uma função real de comunicação. Nesse momento, a

ideia do instrumento texto livre começa a ser gestada.

A prática de correspondência com outros professores franceses tinha como

intuito divulgar suas ideias e trocar experiências docentes com seus pares.

Juntamente com essa prática, Freinet passa a publicar suas experiências em

jornais e revistas de educação, acreditando na força da união entre os

educadores, no coletivo de trabalho como forma de resistência e transformação da

realidade.

Em pouco tempo, Freinet conseguiu o apoio de professores primários de

outros países como: Bélgica, Espanha, Portugal, e, em 1957, fundou a “Federação

Internacional da Escola Moderna”: FIMEM, que, atualmente, conta com a

participação de professores de mais de 30 países15 da Europa, África, Ásia e

América Latina e Franco-Canadense.

Para Freinet, o ensino nunca não foi um sacerdócio e sim uma militância, um engajamento voluntário. [...] Militou para, na medida dos limites que lhe eram impostos, transformá-la, encarando esta militância como parte de outra maior, que visava a transformação das próprias estruturas da sociedade. (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 98)

Em 1928, criou a “Cooperativa do Ensino Laico” (CEL) - primeira

cooperativa organizada para viabilizar as publicações -, divulgando, através de

boletins e circulares, os novos instrumentos pedagógicos criados e as

experiências dos professores envolvidas no movimento.

Nesse mesmo ano, mudou-se com Elise e Madeleine, sua esposa e filha,

para Saint Paul de Vence, cidade próxima a Bar-Sur-Loup, onde fixou a sede da

CEL.

15 A FIMEM hoje, assim como na época em que Freinet estava vivo, promove Encontros bienais dos

professores. No Brasil, atualmente, existem três movimentos freinetianos filiados à FIMEM: a ABDEPP:

Associação Brasileira de Estudo e Pesquisa da Pedagogia Freinet (região Sul e parte do Sudeste) , MREMNN:

Movimento Regional de Escola Moderna do Norte e Nordeste e a REPEF: Rede de Educadores e Pesquisadores da

Educação Freinet , que reúne educadores Freinet da região sudeste que se comprometem em estudar, divulgar e

praticar uma pedagogia afinada com a práticas da Escola Moderna.

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Junto aos seus parceiros do movimento, Freinet tomou a frente da

campanha contra aos manuais escolares, que considerava artificial e

descontextualizado para as crianças e, em parceria com os demais professores do

movimento, deu início a criação de fichários escolares - material que se tornou

um importante instrumento pedagógico da Escola Moderna.

O movimento ganhava força e visibilidade. Cabe explicitar que,

originalmente, este movimento se autonomeava como: “L´imprimerie à l´école” (A

imprensa na escola), nome que explicita a importância que era atribuída à

tipografia, salientando o estatuto dado à palavra - especialmente à palavra

impressa -, pois a imprensa, que utilizava o tipógrafo como recurso material, era o

maior meio de comunicação e difusão de ideias da época.

A militância do Partido Comunista, do sindicato dos docentes e fazer parte da geração de professores da Terceira República francesa trouxeram para Freinet uma característica fundamental: o profundo apreço e valorização ao registro escrito e a necessidade de se comunicar através de jornais e revistas. Mesmo antes de criar suas técnicas pedagógicas, Freinet já escrevia com frequência para os jornais e revistas de esquerda da época. Para ele, a divulgação do material impresso na escola era, portanto, a materialização dos seus ideais marxistas, anarquistas e republicanos (MUNHOZ, 2010, p. 62 – grifos nossos)

O status atribuído à palavra impressa, também, tem estreita relação com a

influência do pensamento marxista nas obras de Freinet.

A filosofia marxista defendia o papel transformador da educação, ancorada

nas condições materiais nas quais os sujeitos estão imersos, o que dá relevo aos

princípios humanistas defendidos por Marx. Nessa perspectiva, o objetivo da

educação é humanizar a natureza e o próprio homem, que é parte desta natureza,

contrário ao modelo capitalista, que, na busca desmedida pelo lucro, acaba por

desrespeitar a própria condição humana.

A classe possuinte e a classe do proletariado representam a mesma autoalienação humana. Mas, a primeira das classes se sente bem e aprovada nessa auto-alienação, sabe que a alienação

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é o seu próprio poder e nela possui a aparência de uma existência humana; a segunda, por sua vez, sente-se aniquilada nessa alienação, vislumbra nela sua impotência e a realidade de uma existência desumana. (MARX, ENGELS, 2003, p. 48)

Na década de 20, através do partido comunista, Freinet teve a possibilidade

de conhecer as escolas anarquistas e autogestionadas em Hamburgo, Alemanha,

e, nesta mesma época, entrou em contato com os pensamentos de Pistrak e

Makarenko.

De Pistrak, Freinet herdou a ideia de autogestão do grupo e alguns

princípios anarquistas, mesmo não sendo um anarquista convicto e, sim, um

militante comunista. Apesar de modelos diferentes, o anarquismo e o comunismo

coadunam do antagonismo ao regime capitalista.

O anarquismo, na origem, é denominado de comunismo libertário. No Brasil, por exemplo, o partido comunista foi fundado por um grupo predominantemente composto por anarquistas. Na Rússia, antes do advento da era stalinista, os revolucionários procuraram se organizar segundo um modelo anarquista (autogestionário) de democracia (semi) direta: os soviets (conselhos). Estes deveriam estar presentes em todos os âmbitos da vida social e, notadamente, na escola. Foi este momento da União Soviética que Freinet conheceu. A divergência veio, principalmente, da adoção, pelo movimento comunista internacional, da teoria da conquista do Estado através do Partido (papel do dirigente do partido como órgão que personaliza a Ditadura do Proletariado), enquanto os anarquistas sempre pregaram a abolição do Estado (MUNHOZ, 2010, p. 63-64)

Em 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial, Freinet vai preso e é

levado a um campo de concentração, condenado por sua militância comunista. Na

prisão, sua saúde já fragilizada, comprometeu-se mais. Sua esposa Elise

conseguiu, junto aos militantes comunistas, que ele fosse internado em um

hospital, cumprindo sua pena em regime de liberdade condicional.

Foi no hospital que ele escreveu Ensaio da Psicologia Sensível e Educação

do Trabalho, obras importantes para seu movimento. E, ainda prisioneiro,

alfabetizou adultos e crianças, criando, com eles, “jornais de textos livres dos

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prisioneiros”.

Com o fim da guerra, retomou sua vida em Vence, reconstruindo a escola e

a CEL, que haviam sido destruídas.

A obra de Freinet reflete as influências que sofreu no decorrer de

sua história de vida, e as condições concretas de sua produção imprimem o

caráter singular de seu trabalho.

Cabe salientar que Freinet se autointitulava, antes de tudo e muito

enfaticamente, como um “simples professor primário” (OLIVEIRA, 1995, p.17).

Isso marca uma posição também política em defesa desse lugar do professor,

muitas vezes, desvalorizado até hoje.

Célestin Freinet foi, verdadeiramente, homem de seu tempo, de uma época rica duas guerras e pela maior crise econômica até então vivida pelo mundo capitalista. Ao longo dos quarenta e seis anos de sua carreira, ele incarnou, na sua própria vivência, muitas das lutas, avanços e recuos, acertos e equívocos do corpo docente francês. Foi antes de tudo, como ele mesmo reivindicava veemente, um “simples professor primário”. Embora não possamos aceitar que ele tenha sido “apena isto”, temos que encarar com maior seriedade esta opção fundamental de ação que nunca deixou de corresponder a uma autêntica inserção no real. Mesmo ao escrever obras teóricas, Freinet nunca se distanciou da prática educativa de base. Vivia, falava e respirava como um docente de primeiro grau. (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 92).

2.2 Desenvolvimento e Aprendizagem na perspectiva freinetiana

Freinet centra sua análise nas etapas do desenvolvimento do sujeito,

investigando seu comportamento ao longo desse crescimento, como podemos

observar em seus escritos em: “Ensaio da Psicologia Sensível” (1998).

A criança não é, no início, nem um ser passivo, nem uma marionete, nem uma cera mole extraordinariamente dócil entre as mãos de pais que teriam a pretensão de formá-la e de recriá-la. Já em seu nascimento, a criança é um ser rico de potencial de vida, que deve, para crescer e cumprir seu destino, satisfazer sua imperiosa necessidade de potência. (FREINET, 1998, p. 33)

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Dessa forma, o autor aborda as etapas do desenvolvimento, ancorando-se

em leis por ele elaboradas, tomando a natureza como ponto de partida, postulada

quando ele define a lei do “tateamento experimental”, que se refere a tudo que

nasce, cresce, se reproduz e morre.

O autor ainda discorre sobre sua pretensão em fazer com que, por meio da

compreensão acerca do desenvolvimento humano, possa orientar os educadores

do povo ─ já que toda sua obra é voltada para a escola do povo ─ a não

desertarem diante das condições concretas que marcam a educação: as

contradições intelectuais, sociais e humanas.

Buscando explicitar suas hipóteses acerca do desenvolvimento e

comportamento do indivíduo, Freinet elabora algumas leis que ancoram sua

hipótese, construindo uma base teórica sólida para compreensão de alguns

princípios da vida do indivíduo e de suas técnicas de trabalho.

Freinet defendia com afinco a ideia de que é na vida que encontraremos

laços fundamentais para construção de sua “Psicologia Sensível”.

Ele afirmava que:

[...] o homem é um ser carregado de potencial de vida, potencial que tem origem na natureza e que impulsiona o crescimento do indivíduo, que, ao desenvolver-se, passa a “transmitir” seus conhecimentos a outros seres, que serão o seu prolongamento e a sua continuação.E tudo isto, não ao acaso, mas segundo linhas de uma especificidade que está inscrita no próprio funcionamento do nosso organismo e na necessidade de equilíbrio em que a vida não poderia cumprir-se. (FREINET, 1998, p. 21).

Na concepção do autor, “a vida não é um estado, mas um devir”, e é nesse

devir, ou seja, nesse dinamismo, que ele conduziu seus estudos em psicologia,

para que se possa fornecer, a partir da psicologia, uma nova diretriz para a

pedagogia.

Partindo dessa premissa, ele defendia que a criança, durante seu

desenvolvimento, necessita de ajuda para se “constituir”, do outro para alcançar o

equilíbrio, que por mais “natural” que seja não é inato, espontâneo.

Nessa perspectiva, a educação emerge como possibilidade de auxiliar, de

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balizar esse desenvolvimento, que deve, sim, acontecer em favor dos anseios e

das necessidades das crianças, mas com a orientação dos educadores. Freinet

coloca o educador como peça essencial nesse processo de desenvolvimento.

Em consonância com os princípios escolanovistas, Freinet defende que a

educação será o motor para o despertar das tendências superiores, de acordo

com Bolch (1951, p.82) “a escola, dizíamos, deve ajustar-se tão exatamente

quanto possível à estrutura mental da criança, definida pela relação entre suas

possibilidades e seus gostos, suas aptidões e seus interesses”.

Mais do que defender o desenvolvimento “natural” da criança, Freinet

afirma que o instinto é transmitido pelas gerações, que nos deixaram experiências

de inúmeras tentativas, cujo sucesso permitiu a permanência da espécie. O autor

traz o conceito de instinto, entendendo-o como algo natural, inerente à espécie

humana, ou seja, a presença do biológico, das raízes genéticas, mas aponta,

também, para essa experiência – definindo-a como as vivências que o ser humano

acumulou no decurso de sua evolução - e, nesse ponto, reside a emergência do

outro, das relações.

De acordo com o autor, todo ser possui uma “técnica de vida” que resulta

da experiência e da adaptação ao longo de centenas e milhares de gerações, que

“passa” pelo outro, que é historicamente acumulada. Para Freinet, é a

superioridade do instinto humano que nos dá segurança. Eese instinto não

condiciona a vida totalmente, mas nem por isso deixa de ser a base de nosso

comportamento e uma técnica de vida válida.

Tanto para a corrente escolanovista, como para Célestin Freinet, o

desenvolvimento humano ocorre alicerçado nas condições biológicas e sociais,

muitas vezes privilegiando os aspectos biológicos, sustentando-se na teoria da

evolução.

O grande diferencial é que Freinet traz em seu constructo teórico os

instrumentos de trabalho, que conferem à relação – seja ela entre as crianças,

entre o professor e o aluno – um lugar de relevância. Ao trazer a cooperação como

um princípio de sua teoria, ele explicita a importância do outro, do “fazer junto”,

“fazer com”, para que o sujeito possa alcançar novas aprendizagens.

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Para Freinet, o ensino tradicional, disciplinador - que faz da sala de aula

uma prisão, impedindo que as crianças se movimentem, conversem, se

relacionem umas com as outras - gera vários traumas durante a constituição da

personalidade das crianças, um desequilíbrio entre o meio interno e externo.

Com isso, pretende mostrar que não devemos impor às crianças aquilo que

acreditamos ser essencial para elas; temos que, primeiramente, conhecer a

criança, observar aquilo que elas realmente necessitam e, posteriormente,

fornecer a elas o capital cultural que acreditamos ser importante para sua

convivência na sociedade.

Segundo Freinet (1979), a ajuda ao desenvolvimento da criança só será

positiva se o professor, por meio de observações precisas e sensíveis, conseguir

captar a melhor forma de auxiliar a criança para que ela supra suas necessidades

e anseios. Cabe aqui fazer uma distinção entre atender às necessidades e não à

vontade do indivíduo. Ao insistir que as crianças tenham suas necessidades

atendidas, a pedagogia Freinet não propõe que façamos as vontades das

crianças, pois, segundo ele, os educadores têm que estar atentos aos interesses

das crianças, orientando seu desenvolvimento e não satisfazendo as vontades

delas ao “bel-prazer”.

As condições fecundas para o processo de desenvolvimento infantil estão

relacionadas ao meio externo. O professor cria condições para que o ambiente

seja propício para o desenvolvimento do indivíduo, mantendo, assim, o equilíbrio

entre o meio externo e o interno.

Nessa concepção de desenvolvimento, podemos dizer que há uma

liberdade, que é assistida, orientada pelo professor que, num primeiro momento,

tem a função de acompanhar, observar e investigar a interação do indivíduo com o

meio, o que ele traz de conhecimento, para que, posteriormente, ele possa

instrumentalizar o educando, para que este desenvolva ao máximo suas

potencialidades, numa exigência justamente alta, de acordo com as

potencialidades de cada sujeito.

Freinet parte da premissa de que o professor deve ocupar o lugar de

investigador, observando atentamente as ações das crianças. Defende a

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necessidade de se conhecer cada aluno individualmente, para que ele possa de

fato auxiliar a criança em suas dificuldades:

“Agindo de tal modo, o professor conseguirá fazer com que a escola se ajuste de forma perfeita à estrutura mental da criança. A escola estabelecerá relações entre gostos, aptidões e interesses às necessidades das crianças”. (BLOCH ,1951, p.82)

Freinet critica a educação tradicional, afirmando que esse modelo já não é

mais eficaz por não acompanhar as rápidas mudanças da sociedade. Defende que

a escola deve adaptar-se à sociedade dinâmica e enfatiza que o ensino dogmático

já não é mais suficiente: “Quanto maior for o desequilíbrio existente no meio, maior

e mais vasto é o papel da educação”. (FREINET, 1998, p.36).

A escola idealizada por Freinet deve libertar as crianças das amarras

impostas pelo ensino tradicional, escolástico, permitindo o tatear experimental, ou

seja, possibilitando que as crianças vivenciem o conhecimento, formulem

hipóteses, experimentem. A escola moderna- escola centrada nas necessidades

da criança - deve permitir que o educando supere seus limites: “o ser humano

visa, sem cessar, alcançar sua plenitude, reage em face dos obstáculos que e

opõem a sua ascensão” (FREINET, 1976, p.40).

Com relação a aprendizagem é particularmente interessante tentar analisar as relações que Freinet estabelece entre ela e a natureza. Partindo da observação e da maneira como, segundo ele, a natureza procede suas transformações (por ensaio e erro, nme imenso e constante “tatear”) preconiza um ensino baseado na pesquisa. É o que ele chama de “método natural”. A antinomia aparente destes dois termos esconde toda uma concepção de aprendizagem: para ele, por exemplo, a criança aprende “naturalmente” a falar, (como que movida por uma lei da natureza), sem aprender de cor regras prévias, sem métodos preestabelecidos, se autocorrigindo, a partir da observação dos modelos que estão a sua volta e das intervenções de sua mãe. Esta não se preocupa em estabelecer uma gradação na aprendizagem, deixa-a fluir “naturalmente” a partir das necessidades do quotidiano. (OLIVEIRA , A.M., 1995, p. 96).

Segundo Oliveira, A.M., 91995, p. 144) a crítica que ele faz à escola

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tradicional não se situa apenas na sua eficácia e no seu artificialismo, mas, sim,

em desvelar seu caráter idealista e de reprodutivismo escolar e, principalmente,

social: “é precisamente pelo fato de ela basear-se num construto apriorístico da

burguesia que esta escola é na sua essência conservadora”.

Na busca por romper com essa lógica, o autor afirma que: “O trabalho será

o grande princípio motor e a filosofia da educação popular a atividade da qual

decorrerão todas as aquisições de conhecimento” (FREINET, 1980, p. 20).

A intenção de Freinet era modificar materialmente a educação, afirmando

que o trabalho educativo só se tornaria útil e significativo para as crianças com

elaborações de técnicas adequadas, que oferecessem a elas uma aprendizagem

significativa. Era essa questão que justificava sua grande preocupação com o

“materialismo escolar” e, pautado nesse materialismo, Freinet elabora suas

técnicas de trabalho pedagógico.

O materialismo escolar constitui, verdadeiramente, a pedra angular da obra Freinet. É nele – e, concretamente, através da elaboração de “ferramentas” e “técnicas” de trabalho – que se corporifica sua proposta educativa. Por isso, é fundamental tentar restituir sua gênese e entender como, aos poucos, modela a construção do projeto político-pedagógico. Segundo as próprias declarações de Freinet, o materialismo escolar origina-se, fundamentalmente e – poder-se-ia acrescentar – visceralmente na rejeição da escola tradicional (OLIVERIA, A.M., 1995, p. 143 – grifos nossos).

O autor afirmava ainda que a adoção de técnicas pedagógicas adequadas

deve se associar ao compromisso de proporcionar às crianças uma educação

crítica, que faça delas “novos homens”. Freinet não pretende transformar primeiro

a consciência dos alunos, fazer deles revolucionários, para que, depois, atuem na

escola e na sociedade. Ao contrário, pretende, dentro das condições concretas,

transformar as condições existentes nas quais se dá o ato educativo.

Só a partir dessa mudança, é que o autor acredita na possibilidade de

surgir uma nova práxis, e, dessa práxis, uma nova consciência transformadora.

Segundo o autor, devemos criar os meios para a concretização da proposta e não

esperar passivamente que as transformações ocorram. Ele defende ainda que as

técnicas adotadas em seu trabalho educativo materializam a viabilidade para tal

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transformação.

2.3 As Técnicas Freinet

As técnicas, para Freinet (1976, 1977, 1980, 1996), abarcam um conjunto

dinâmico de uma realidade sempre questionada na ação, sempre aberta a

mudanças e novas possibilidades. Não são técnicas fechadas, mas, sim,

propostas de trabalho pedagógico que emergiram no/do trabalho pedagógico e

não pretendem se tornar “manuais”.

Ao sugerir o uso de suas técnicas, Freinet propôs que as novas

ferramentas de trabalho fossem experimentadas paulatinamente, de acordo com

as necessidades de cada professor, e, assim, as que apresentassem êxito no

processo de ensino-aprendizagem se consolidariam como técnicas.

Como bom materialista, Freinet moderniza o seu ensino, não com ideias de conjuntos sobre a escola e a educação (ideologia), mas com utensílios tecnológicos. É o processo de produção do trabalho escolar que ele modifica. (CLANCHÉ, 1977, p. 26).

Modificando o processo de produção do trabalho escolar ele cria utensílios,

instrumentos de produção que transformam a prática pedagógica, tornando-a mais

do que ativa, concreta e arraigada de sentido.

A técnica é sempre o melhor “utensílio” do ensino; constitui efetivamente o utensílio de trabalho com o qual a criança se entrega a uma atividade completa para um fim concreto, imediato; o interesse confunde-se com a própria atividade (CLANCHÉ, 1977, p.26).

Cabe ressaltar que Freinet utiliza o mesmo princípio aplicado à criação das

‘leis de regras da vida’ ao elaborar suas técnicas, pautado no que é funcional; ou

seja, pelo tateio experimental, a criança tende a reproduzir as experiências em que

obteve êxito, incorporando-as como regras de vida. Portanto, a mesma lógica se

aplica em relação às técnicas de trabalho propostas.

Oliveira enfatiza ainda que Freinet não concordava quando diziam que ele

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elaborou uma metodologia de ensino.

[...] é importante analisar o nascimento de cada “ferramenta”, de cada “técnica”, mostrando como cada uma ao ser introduzida no conjunto do projeto, o modifica, o torna essencialmente dinâmico e também orgânico: nenhuma pode ser praticada isoladamente. Isto não significa que as “técnicas Freinet” constituam um método. Freinet sempre rejeitou este termo que designa para ele um conjunto fechado de passos determinados e, em última instância, mais uma tentativa idealista de definir procedimentos a priori. O protótipo do “método” para ele é a pedagogia montessoriana que ele vê como dogmática e imutável. Mesmo que tenha sido inovadora no início, tornou-se ultrapassada pela sua incapacidade de evoluir, “escolarizou-se”. As “técnica Freinet”, ao contrário, formam um conjunto dinâmico, surgido de uma prática dialética, sempre questionado na ação, sempre aberto a mudanças e acréscimos. Uma das coisas que Freinet mais temia era que justamente que as técnicas por ele introduzidas se tornassem um “método”. (OLIVEIRA , A.M., 1995, p. 146).

Em sua obra, a “Pedagogia do Bom-Senso”, Freinet (1996), mostra que as

ferramentas que se consolidaram como técnicas em sua proposta foram a

implementação e construção de uma cooperativa escolar; a adesão ao texto livre;

a aula passeio (o estudo do ambiente local, do entorno); o plano de trabalho; os

fichários autocorretivos; a correspondência escolar; o desenho livre; a imprensa e

o jornal de parede.

Todas elas, como já abordadas no capítulo anterior deste trabalho,

explicitam um profundo respeito pelo ritmo de trabalho de cada criança e, ao

mesmo tempo, garantem um funcionamento coeso na sala de aula, buscando

fazer com que o trabalho do professor possa abarcar todos e cada um de seus

alunos.

2.4 Sobre a livre expressão

O conceito de livre expressão é basilar na pedagogia Freinet,

“caracterizando a dimensão ideológica de sua proposta e fundamentando uma

prática educativa emancipadora, capaz de estabelecer rupturas tanto com o

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dogmatismo como com as formas limitadoras na convivência escolar” (MARTINS,

2005, p.87)

Élise Freinet (1979, p.30), pontua que o elemento central da obra de

Celéstin Freinet é a livre expressão, afirmando que, para ele “a livre expressão

não é invenção do cérebro particularmente privilegiado: é a própria manifestação

da vida!”.

Por antítese a uma pedagogia da abstração e do imobilismo, Freinet vai dar ainda mais livre curso à espontaneidade da criança real, da criança da aldeia e do sítio distante, a todos trailers e também aquela que é a criança pequeno-burguesa rural que se socializa nos rudes contados com a comunidade escolar (FREINET, E., 1979, p. 23)

Esse “livre curso à espontaneidade da criança”, a que Freinet se refere, é

permitir que a criança se expresse da forma mais genuína possível, tendo a

palavra e o direito à expressão, o que, muitas vezes, não acontece, pois ela é

silenciada pelas práticas escolares nas quais cabe apenas reproduzir as lições do

professor.

Para Freinet, as crianças se “formam” na e pela expressão livre das

emoções, sentimentos, conhecimentos e vivências anteriores, que são elementos

constitutivos da criança.

Nessa perspectiva, a livre expressão deve ter espaço garantido na escola. A

criança precisa ter segurança para experimentar e descobrir suas potencialidades,

como mostra Elias (2000, p. 114), “Freinet considera três estágios de

aprendizagem, que devem se interpenetrar e se completar: a experimentação, a

criação e a documentação”.

Praticar a livre expressão significa inverter o método que a escola utilizava para produzir a aprendizagem, para ensinar. A inversão começa quando a escola passa a ver a criança não mais como um ser que não tem conhecimento e ao qual o professor tudo precisa ensinar. Na Escola Moderna, o professor parte da tendência natural da criança para a ação, criação, a vida; permite que ela se expresse, exteriorize seus conhecimentos (ELIAS, 2000, p. 116).

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De acordo com Souza (1996, p. 03), “a livre expressão é um conjunto de

“dizeres” que faz a globalidade do ser, é através dela que a criança se expressa

de forma verdadeira e sincera”.

Na concepção freinetiana, a livre expressão tem o intuito de ampliar as

possibilidades de trabalho, considerando não apenas a escrita como forma da

criança “dizer algo”, mas ampliando para outras formas de expressão, tal como a

expressão verbal, gráfica, corporal, ou seja, um conjunto de “dizeres” que

compõem a globalidade do ser humano.

Elise defende ainda que:

A livre expressão facilita a criatividade da criança no desenho, na música, no teatro, extensões naturais da atividade infantil, progressivamente responsável por seus comportamentos afetivos, intelectuais e culturais (FREINET, E., 1979, p. 31).

Partindo da experiência, do tateio experimental, a livre expressão se torna

indispensável no processo de relações entre a criança e o meio no qual ela está

inserida, tornando-se um instrumento de expressão de seus pensamentos e de

exteriorização do que ela pode ver, sentir, perceber e construir acerca do seu

entorno social.

Segundo Pereira:

“[...] A prática da expressão livre segundo a experiência por tentativas, em Freinet,é considerada etapa indispensável no processo de relações entre criança e o meio, e entendida como trabalho resultante da reflexão e análise (...) instrumento de expressão dos seus pensamentos” (PEREIRA, 1997, p.82-85)

Cabe pontuar que a ênfase dada à “liberdade de expressão” não pressupõe

que a criança fique “à deriva”; ao contrário, traz ao professor o trabalho, a

responsabilidade e o compromisso de estar junto ao aluno, orientando-o,

instrumentalizando-o para que ele possa encontrar o caminho para se comunicar,

seja pelo gesto, pela palavra, pela escrita...

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A livre expressão é o ponto de partida - considerada elemento central - de

sustentação para os instrumentos e técnicas criados por Freinet. O texto livre vem

como uma possibilidade de se trabalhar com a linguagem escrita - essa “forma de

expressão” que é a mais valorizada pela escola - buscando tocar a imaginação e o

sentimento da criança.

É esse instrumento que tomamos como foco nesta pesquisa.

A livre expressão tem no texto livre sua maior representação dentro da Pedagogia Freinet. O texto livre é o foco dessa pedagogia para trabalhar a leitura e a escrita, pois o desejo de ler e escrever surge das necessidades das crianças. A proposta freinetiana busca a criação dessas necessidades, na medida em que possibilita um ambiente afetivo, cooperativo, e, sobretudo, cheio de vida. Nesse ambiente, onde as atividades são muito mais que atos ou ações, como diferenciou Leontiev, o trabalho em sala de aula não é meramente escolar (tarefas que têm sentido apenas no interior da escola, não encontrando sentido fora dela). A livre expressão encontra-se em estreita relação com o trabalho, na proposta freinetiana, pois é a partir dela que o trabalho, em sentido bastante específico, é realizado (LEBER, 2006, p.44)

O texto livre de Freinet é um instrumento utilizado como veículo da cultura

letrada, mas respeitando a livre expressão e, também, a atribuição de sentidos e

expressão de sentimentos, atuando para a criança como explicação acerca dos

fenômenos sociais e objetos culturais com os quais se depara. Para Freinet, o

texto livre deve significar a necessidade de expressão da criança, em momentos

de livre escolha e em diversas situações. Outra consideração importante é

demandar ao texto escrito sua função social, e não ser mero treino motor, tarefa

ou registro pedagógico. O texto produzido pela criança deve comunicar um

sentimento/ informação a outro leitor.

A ideia de educação, defendida por Freinet, tem como eixo a valorização

dessa livre expressão - na expressão da criança e na ampliação de suas

referências - pautando o ato de ensinar - principalmente o ensinar a escrever - na

necessidade cultural da criança em se objetivar, se expressar. Essa perspectiva

permite a aproximação com as ideias vigotskianas.

Apesar de Freinet não usar o termo mediação, em sua prática se evidencia

a importância do outro “mais experiente” - que pode ser o professor ou mesmo um

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colega de classe - como podemos observar nas situações de ateliês de trabalho,

e, também, da influência da cultura para a constituição dos sujeitos. A criança é

respeitada, ativa e, no processo de aprendizagem, possui vez e voz, contando

com o auxílio de “parceiros mais experientes” que ocupam essa função

mediadora.

Freinet considera a escrita como gradual, parte de um processo, que será

aprendida “naturalmente”, mas não exclui o papel do outro, o que nos remete à

teoria de Vigotski. Embora, numa primeira tentativa de aproximação entre os dois

autores, possamos entender o termo “natural” - cunhado por Freinet - como um

antagonismo às ideias do autor russo, já que Vigotski enfatiza a aprendizagem do

sujeito como um evento histórico cultural. Freinet, ao defender o “natural”, não se

opõe ao cultural sustentado por Vigotski, pois, apesar de insistir no termo “natural”

em seus escritos, o pedagogo francês não despreza, de forma alguma, a cultura, a

mediação, o outro na relação de ensino.

O termo “natural” – reafirmo - não se refere a um “espontaneísmo”, mas,

sim, marca uma posição contra o contexto educacional e político da França em

que ele vivia. Ele usava “natural” como forma de enfatizar sua preocupação com o

desenvolvimento das crianças - de suas crianças - que não deveriam “vestir

cabresto”, mas, sim, assumir um posicionamento político, de resistência, contra o

mecanicismo e a escolástica. É por considerar (e se indignar!) com o contexto

histórico e cultural no qual estavam inseridas suas crianças que ele faz ecoar o

termo “natural”.

Pensar na escrita como um processo, acompanhar os modos de produção e

o (não) fazer das crianças em sala de aula, possibilitou-me enxergar que a prática

do texto livre está atrelada às condições históricas, culturais e sociais, e, por isso,

reafirmo a necessidade de firmar esse diálogo entre Freinet e Vigotski, trazendo o

instrumento pedagógico Texto livre para análise, considerando-o a partir da

perspectiva histórico-cultural.

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2.5 Freinet e a escrita: o Método natural

A seguir, traremos a discussão do que Freinet definia como Método Natural

e das técnicas mais utilizadas na contemporaneidade, de maior relevância na

proposta educacional do autor.

Como já mencionado no presente trabalho, a escrita e sua aquisição

ocuparam um papel essencial nos estudos de Freinet. Ao trabalhar com crianças

na fase de aprendizagem da linguagem escrita, Freinet propôs o Método Natural,

defendendo que, da mesma maneira que a criança aprende a falar, naturalmente,

ela será capaz de aprender a escrever. Esse método defende a alfabetização

como uma prática social, dinâmica e dialética.

Existe entre os Métodos tradicionais e os nossos Métodos naturais uma diferença fundamental de princípio, sem a compreensão da qual todas as apreciações serão sempre injustas e errôneas: os métodos tradicionais são especificamente escolares, criados, experimentados e mais ou menos realizados por meio escolar que tem as suas finalidades, os seus modos de vida e de trabalho, a sua moral e as suas leis, diferentes das finalidades, dos modos de vida e de trabalho do meio não escolar e a que chamaremos meio vivo (FREINET, 1977, p. 39).

O Método Natural, elemento central dessa pedagogia, consiste na

metodologia de trabalho utilizada por Freinet e seus colaboradores e é entendido

como uma metodologia universal e, portanto, coerente e eficaz para as

aprendizagens de diversas áreas do conhecimento, não apenas para a

aprendizagem da linguagem escrita.

Esse método tem origem no princípio do tateamento experimental. Nesse

sentido, tatear refere-se à metodologia da Pedagogia Freinet, que é entendida

como uma metodologia “natural”, ou seja, que segue o curso habitual da vida, de

desenvolvimento do sujeito. É importante ressaltar, no entanto, que isso não se

configura em espontaneísmo, já que, para se trabalhar sob essa perspectiva, faz-

se necessário que o ambiente escolar seja bastante ativo, e que a ação educativa

seja intencional, planejada e responsável, tanto por parte dos alunos como por

parte do professor.

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Dissertando ainda sobre sua metodologia, Freinet afirma:

Não cremos que seja exagero pensar que um processo tão universal deve ser igualmente válido para todos os ensinos, incluindo os escolares e foi com esta convicção e esta certeza que realizamos os nossos métodos naturais, cujo valor os cientistas tentam contestar. Todos os progressos se fazem por este processo universal da tentativa experimental. (FREINET, 1977, p. 14-15).

Trazendo a discussão para a aprendizagem da linguagem escrita, Freinet

afirma que essa escrita deve ter significado, cuja função principal é comunicar.

Toda criança tem necessidade de escrever, da mesma maneira que tem

necessidade de se comunicar através do gesto, do desenho, da fala. Cabe ao

adulto ajudá-la a apropriar-se do significado real da escrita. Freinet critica os

métodos tradicionais que criam linguagens extremamente escolásticas, moldadas

no discurso livresco, totalmente desvinculadas da vida das crianças, baseadas no

que o adulto acredita ser necessário ensinar.

A escrita só tem sentido se somos obrigados a recorrer a ela para comunicar nosso pensamento além do alcance da nossa voz, além das barreiras de nossa escola. [...] O essencial é que a criança sinta o valor, o sentido, a necessidade, o alcance individual e social da escrita-expressão (FREINET, 1978, p. 38 - 40).

Para a aprendizagem da leitura e da escrita, o Método Natural tem como

consequência mais relevante a não-separação entre mecanismo, compreensão e

sentido. Isso porque, segundo essa metodologia, ler é trabalhar com textos na

perspectiva da comunicação, da expressão, das práticas reais de vida que

envolvem a escrita.

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2.6 Instrumentos Pedagógicos que contribuem para alfabetização pelo Método Natural : o Texto livre e o uso da imprensa

Para que a escrita seja realmente significativa para a criança, Freinet

propõe alguns instrumentos que orientam o trabalho em sala de aula, como já

mencionado anteriormente no presente trabalho. Abordo agora, com maior

profundidade, os instrumentos que estão diretamente ligados à apropriação da

linguagem escrita pela criança.

Freinet desenvolveu a proposta do Texto Livre, que como é nomeado, trata-

se de um tipo de texto no qual a criança pode expressar-se livremente. O texto

livre não tem um tema pré-determinado, pois as histórias devem emergir da

imaginação das crianças, que, assim, escreveriam sem medo.

O texto livre é a concretização da livre expressão - tão defendida por

Freinet. Esses textos dão voz ao pensamento da criança, pois são escritos sobre o

assunto que ela elegeu como importante, no espaço escolhido por ela,

inicialmente, sem preocupações com a estética e estrutura do texto. Dessa forma,

a escrita torna-se prazerosa, criativa e traz consigo toda a espontaneidade da

criança.

Nas salas de aula que se inspiram na pedagogia Freinet, as crianças

escrevem seus textos, livremente, em casa ou nos momentos de ateliês16. Depois

fazem a leitura em voz alta desses textos nas chamadas “rodas de leitura”, para

que os colegas conheçam suas produções.

Por trazerem a necessidade real de comunicação, esses textos produzidos

pelas crianças são muito ricos em informações, detalhes e no vocabulário. São

cuidadosamente elaborados pelas crianças, pois elas se apropriam do texto e

sabem que ele será lido por muitos leitores, em roda ou mesmo impresso. A

criança, assim, torna-se autora.

Nessas rodas, são eleitos pela turma, por votação, quais os textos serão

digitados e, depois, impressos. Feita essa escolha, passamos para a correção

16 As salas de aula de uma escola freinetiana são organizadas em ateliês diversificados, elaborados de acordo com os

interesses do grupo. O trabalho nos ateliês é fundamental neste processo de valorização das habilidades de cada um,

pois contrário ao modelo tradicional de educação, nem todos devem estar fazendo a mesma atividade ao mesmo

tempo, assim as habilidades individuais são valorizadas.

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coletiva dos textos.

Geralmente os textos escolhidos são transcritos na lousa, exatamente como

o autor - a criança - escreveu em seu caderno. As outras crianças, juntamente

com o auxílio da professora, vão interferindo na correção do texto, sugerindo

alterações, verificando a ortografia, pontuação, coesão e coerência do texto,

sempre com a autorização do autor e com o objetivo de garantir uma comunicação

mais eficiente entre este e o interlocutor.

Nesse processo de correção coletiva, todos se beneficiam, mesmo os que

ainda não dominam a escrita convencional, pois estão inseridos num movimento

de elaboração e produção escrita. Assim, a função social da escrita - a

comunicação - fica evidente: escrevemos nossos textos para contar nossas ideias,

nossas histórias, para que o outro possa ler e conhecer um pouco de nós.

Vale destacar que existia e existe até hoje um cuidado muito especial com a

impressão e publicação dos textos livres das crianças; por isso, esse processo de

correção é tão importante.

[…] É preciso fazer do texto livre escolhido uma bela página, sem lhe fazer perder nada da sua frescura e subtil expressão. […] Não nos contentamos, pois, em corrigir os erros de ortografia. Vivemos o texto em conjunto. Aperfeiçoaremos a construção da língua, e isto não por causa de uma regra escolástica que a criança nem sempre compreenderia, mas por uma motivação naturalmente humana de que se compreenderá todo o valor (FREINET, 1976, p.50 -51).

A crença na capacidade criadora das crianças e a confiança no potencial de

trabalho delas fez com que Freinet arriscasse dar um passo significativo em

relação ao uso das “tecnologias” em sala de aula, levando uma impressora de

tipos móveis para os seus alunos, que, na época, era considerada um instrumento

de trabalho dos adultos, e que, portanto, não deveria estar ao alcance das

crianças. O tipógrafo utilizado por Freinet era totalmente manual e requeria muita

disciplina e atenção das crianças, para que elas chegassem com os seus

trabalhos a um produto final.

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Descobri na oficina de um amigo, um velho tipógrafo, algum material de impressão com um sistema de composição simples e prelo de madeira que devia, em princípio, permitir a impressão dos nossos textos. Na realidade só conseguíamos imprimir 5, 6, 7 linhas, o que bastava para guarnecer as folhas de 10,5 X 13,5 que empregávamos. [...] Os alunos apaixonaram-se pela composição e pela impressão, coisas que não eram todavia simples com o material ainda rudimentar de que dispúnhamos. Eles deixaram-se prender pelas novas tarefas, não porque a ordenação dos caracteres nos componedores pudesse ser atraente, mas sobretudo porque tínhamos descoberto um processo normal e natural da cultura; a observação, o pensamento, a expressão natural tornavam-se texto perfeito. Este texto tinha sido vazado no metal, depois impresso. E todos os espectadores, o autor em primeiro lugar, sentiam realizado o trabalho, uma profunda emoção perante o espetáculo do texto enaltecido, que se revestia agora do valor de um testemunho (FREINET, 1975, p. 25).

A tipografia - a imprensa escolar - surge como um instrumento essencial

para que as produções das crianças passem a circular pela comunidade,

valorizando a palavra da criança.

Imagem acessada em novembro de 2014 em http://frankvcarvalho.blogspot.com.br/2011/10/celestin-freinet.html

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Como podemos constatar nas palavras de Elise Freinet17:

Esses textos saídos da impressora – e que, cheios de confiança, os alunos achavam magníficos – passavam de mão em mão, eram relidos, examinados palavra por palavra, suscitavam uma fixação da atenção psíquica, tornavam-se realmente propriedade pessoal de seu autor ou da classe (FREINET. E, 1979, p.27).

Freinet usava o tipógrafo; hoje, utilizamos a impressora, reinventando a

técnica, trazendo-a para a contemporaneidade. Muda o suporte de trabalho, mas

não sua função: comunicar, fazer com que as produções das crianças -

especialmente o texto livre - sejam lidas e, efetivamente, ganhem a materialidade

do impresso, palpável.

O texto livre só tem valor na medida em que constitui um documento autêntico, na medida em que é socializado, na medida em que serve de pretexto e de argumento para um enriquecimento na direção da cultura e do conhecimento (FREINET, 1975, p. 68).

Na primeira imagem vemos a Manuela escrevendo seu texto livre no computador, na segunda Paulo, com a ajuda de

Alex, em 2013, “reinventando” o uso da imprensa em sala de aula.

Com a imprensa na sala de aula, Freinet se abriu à vida e trouxe para a

sala de aula o trabalho como expressão máxima da realização humana. Era um

trabalho não alienado; por isso, dotado de valor de uso real que não acontecia em

17 Elise, esposa de Celéstin Freinet era também professora, dedicou grande parte de sua vida à educação,

assim como Freinet. Tinha profunda admiração pela teoria dele e por isso debruçou suas pesquisas e

escritas sobre sua obra.

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troca de uma remuneração, mas, sim, como realização humana. Ancorado no

ideário socialista de Marx, o trabalho em si era considerado um princípio

educativo, sendo, portanto, a escrita uma produção concreta, material, de sentido

e de efeito.

Levar a imprensa à sala de aula era também a possibilidade de

desmistificar esse instrumento frente às crianças, que passam a entender a

materialidade do impresso, das palavras que circulam (e repercutem) na

sociedade. Assim, a imprensa escolar mostra a essas crianças que elas também

podem dominar esse importante meio de comunicação e, muitas vezes, de

dominação. A imprensa na sala de aula marca, portanto, uma posição política,

quando oferece às crianças, de certa forma, o acesso aos “bastidores” da

produção de textos que circulam pela sociedade, ao “como fazer” de um jornal, por

exemplo.

Freinet quer mostrar aos alunos o poder e a fragilidade da matéria impressa. Para tal objetivo só há um caminho: leva-los a experimentar este poder e esta fragilidade na prática, dar-lhes a oportunidade de imprimir sua palavra, o que confere a esta uma indubitável força mas, ao mesmo tempo, revela uma verdade simples: o que está nos livros nada mais é que palavra de outros homens, tão sujeitos quanto eles ao erro e à parcialidade. Além disso, imprimir é um ato concreto, é um trabalho autentico. Mediante o impresso, a criança entra em comunicação com o mundo exatamente em pé de igualdade com qualquer adulto: produz para o público, realiza um trabalho de homem. (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 152).

Conta Freinet, em seus relatos, que as crianças se entusiasmavam com a

possibilidade de lerem seus textos impressos. Eram zelosas com as ferramentas e

mostravam muito cuidado no trabalho, para que seus textos ficassem bem escritos

– afinal, manejar os tipos móveis não era um trabalho fácil: eles precisavam

aprender a organizar a escrita “de trás pra frente”, para que as frases fossem

impressas corretamente. O compromisso e interesse era visível: nenhum tipo

móvel era danificado ou perdido.

O grande diferencial desses textos recém saídos da impressora e dos

demais textos produzidos na escola é que eles eram escritos para serem lidos,

para comunicar e não para serem exclusivamente corrigidos pelo professor.

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O texto livre ganha um lugar de destaque dentre os instrumentos propostos

por Freinet e não deve ser tomado como um apêndice de nosso trabalho escolar,

mas, sim, como uma parte importante de um conjunto de práticas que se

sustentam na ideia de livre expressão, na garantia de se dar voz às crianças.

Através da escrita do texto livre, a criança produz “algo novo”, assumindo o

lugar de autoria, partindo daquilo que conhece para (re)criar. Parte de outras

escritas, ou mesmo se remete a histórias orais para construir a sua própria

narrativa. Isso fica claro quando as crianças iniciam seus textos com: “Era uma

vez” ou terminam com “foram felizes para sempre”, mesmo quando suas histórias

apresentam um desfecho trágico, pois trazem para suas escritas marcas de outras

histórias, do “faz de conta”, por exemplo, como podemos observar no texto a

seguir:

Texto de Leonardo, agosto de 2012 – Registros do diário de campo.

Na escrita do texto livre, a produção imaginária ganha materialidade na/pela

palavra, concretiza-se nas tentativas de combinar as letras, organizar as ideias

através das palavras, no confronto entre essas palavras, na articulação e

produção de sentidos.

Falar de “produção imaginária” pressupõe várias coisas. Em primeiro lugar, que existe um certo tipo de atividade produtiva cuja natureza é imaginária, o que impõe que seja explicado o que se entende por atividade produtiva e como essa atividade pode ser de natureza imaginária. Em segundo lugar, que é assumido o termo Imaginário, na sua forma substantiva, para expressar o poder criador do homem e o campo da produção imaginária, cuja “matéria prima” são as imagens humanas. Em terceiro lugar, que as produções imaginárias constituem um pré-requisito de toda a

Era uma vez um menino. Ele tinha um cachorro. Que chamava Hidrix. Ele saiu para passear com o

cachorro. O cachorro morreu. E foram felizes para sempre.

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produção humana, material e simbólica. Isto equivale a dizer que a atividade imaginária precede toda e qualquer outra forma de atividade humana de natureza criativa; o que permite afirmar que, em última instancia o imaginário e o que define a condição humana do homem (PINO, 2006, p.49).

No processo de escritura dos textos livres, a criança cria, toma posse de

elementos de simbolismos e discursos anteriores, já constituídos, articulando

novos e inesperados sentidos.

Ao construir suas histórias, suas narrativas, a criança produz o novo, a

partir daquilo que conhece ou daquilo que lhe é dito. Isso não configura uma mera

repetição, mas amplia as possibilidades de criação e (re)elaboração de sentidos.

O conteúdo dos textos livres pode, assim, ser tomado como um produto do

imaginário da criança.

O texto livre é um produto. Enquanto tal, o seu valor reside, não na obediência mais ou menos explícita a uma ordem mais ou menos explicita como a redação (mesmo com assunto livre), mas apenas na quantidade de trabalho necessário à sua produção. É necessário considerar trabalho no seu sentido mais vasto (imaginação, investimento, tempo consagrado, grafia, etc.) e também freudiano (Traumarbeit). [...] Tanto na produção humana como no texto livre, o valor social do trabalho é essencialmente o valor de uso, ou melhor, a relação entre o produtor e o seu produto é uma relação de uso, o texto é escrito apenas para aquilo que diz. [...] no texto, a criança, produzindo, produz-se, e assim, manifesta a sua particularidade (não numa prática onanística, mas por meio de um instrumento social); a comunidade, ao ouvir o texto, ao apreciá-lo, ao criticá-lo, assume esta particularidade consumindo-a enquanto tal (CLANCHÉ, 1977, p. 48 – 49).

Os textos escritos pelas crianças vêm carregados de sentidos, espelham a

história de seus autores, refletem as experiências por elas vividas, não apenas na

escola, mas fora dela. Cada texto livre é único, historicamente construído e

condensa significados que transitam entre o real e o imaginário.

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CAPÍTULO 3 – O DIÁLOGO COM VIGOTSKI

3.1 Para começar a “conversa”: como as ideias de Vigotski ecoam em minha prática

De minhas indagações enquanto professora-alfabetizadora, observando

minha prática em sala de aula, surgiu a necessidade de trazer Vigotski para essa

“conversa”.

Assumir o lugar de pesquisadora, investigando a relação entre Freinet e

Vigotski, fez-me repensar em meu trabalho pedagógico; assim, os estudos acerca

da teoria de Vigostki foram se adensando e afetando, principalmente, as minhas

concepções sobre o instrumento texto livre, que se tornou objeto de pesquisa.

As contribuições de Vigotski no campo da psicologia e, especialmente, da

educação, são de extrema importância. Tendo no marxismo a base que sustenta

sua teoria, Vigotski busca compreender a constituição histórico-cultural do

psiquismo humano, a relação da natureza sócio-cultural sobre a natureza

psicológica, acreditando que o conhecimento é construído a partir da

internalização de signos (linguagem, escrita) produzidos culturalmente, na relação

com o outro.

Del Río (1996) afirma que:

[...] para Vygotsky, o fato humano não está garantido por nossa herança genética , por nossa “certidão de nascimento”, senão que a origem do homem – a passagem do antropóide ao homem, tanto como a passagem da criança ao adulto – produz-se graças às atividade conjunta e, é perpetuada e garantida através do processo social de educação tomada esta em sentido amplo e não somente segundo os modelos escolares da história mais recente. Poderíamos dizer que, com Vygotsky, pela primeira vez a educação deixa de para psicologia mero campo de aplicação e se constitui em um fato consubstancial ao próprio desenvolvimento humano, no processo central da evolução histórico-cultural do homem e do desenvolvimento dos rebentos humanos. (p. 80).

As deias apresentadas por Del Río (re)colocam a educação num lugar de

destaque, mostrando a importância do outro, das relações no processo de

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desenvolvimento humano.

Smolka afirma que:

[...] a originalidade da teoria vigotskiana está no fato de o autor ter articulado diferentes questões e áreas de investigação de tal forma que contemplassem os processos de significação como atividade humana, como prática social (SMOLKA, 2004, p. 12)

Considerando a complexidade das interações como sendo enraizada

em seus contextos socioculturais, ou seja, os processos de significação

como resultados das relações humanas em suas condições concretas de

existência. Assim, enfatiza:

[...] o modo de relacionar a dinâmica social da produção de signos com o desenvolvimento cultural e a (trans)formação histórica do funcionamento mental; a ênfase na cultura como produto da vida social (vida de relação, prática social) e produto da atividade social (condições e relações de produção) do homem; a concepção histórico-cultural da consciência e o estatuto do signo e da linguagem a ela relacionados; a ênfase na produção de sentido e o foco na heterogeneidade do signo e da linguagem; compõem um quadro teórico, ao mesmo tempo consistente e instigante, que dá sustentação a esses modos de compreensão. (SMOLKA, 2004, p. 12).

Dessa forma, nesta pesquisa, assumimos que os constructos teóricos da

teoria histórico-cultural dialogam com minha prática enquanto professora

alfabetizadora, que pauta o trabalho pedagógico na teoria freinetiana, pedagogia

que faz o uso de técnicas e instrumentos de trabalho que priorizam a relação com

o outro, a relação de ensino e o papel do professor, como constitutiva para o

desenvolvimento e a aprendizagem da criança, considerando as condições

concretas de produção de cada educando em seu processo de “descoberta” do

mundo que o cerca.

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3.2 Desenvolvimento e aprendizagem na perspectiva histórico-cultural.

Os processos de desenvolvimento e de aprendizagem ocupam um lugar de

destaque na perspectiva histórico-cultural. Vigotski defende que o estatuto do

humano não está garantido geneticamente, mas é construído socialmente,

culturalmente, através das relações estabelecidas pelo homem, desde seu

nascimento.

Em sua densa obra, Vigotski busca compreender a origem, a gênese do

desenvolvimento humano, atribuindo-lhe um caráter cultural e não apenas

biológico.

Ancorada a essa perspectiva teórica, não há como dissociar os processos

de aprendizagem e desenvolvimento. Vigotski defende que a aprendizagem está

atrelada ao desenvolvimento desde o início da vida humana.

O autor afirma que, ao se inscrever nas relações sociais, o homem

desenvolve meios e mecanismos para interagir no e com o mundo. A

aprendizagem torna-se, assim, essencial tanto para o desenvolvimento quanto

para a sobrevivência do homem enquanto ser social e cultural. É a aprendizagem

que movimenta os mecanismos psicológicos mais sofisticados, tipicamente

humanos: as funções psicológicas superiores, ou seja, a consciência, intenção,

planejamento, ações voluntárias.

[…] podemos dizer, em primeiro lugar, que desenvolvimento e aprendizagem são processos intimamente relacionados: imersos em um contexto cultural que lhe fornece a “matéria-prima” do funcionamento psicológico, o indivíduo tem seu processo de desenvolvimento movido por mecanismos de aprendizagem acionados externamente. Por outro lado, embora processos de aprendizagem ocorram constantemente na relação do indivíduo com o meio, quando existe a intervenção deliberada de um outro social nesse processo, ensino e aprendizagem passam a fazer parte de um todo único, indissociável, envolvendo quem ensina, quem aprende e a relação entre essas pessoas. (OLIVEIRA, M.K., 1998, p.58).

A relação entre a aprendizagem e desenvolvimento se dá num processo

complexo e dialético: aquela impulsiona esta, que, por sua vez, estabelece os

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parâmetros para a aprendizagem.

A natureza da aprendizagem humana é totalmente social e relacional, ou

seja, podemos definir como aprendizagem tudo aquilo que é apropriado e

internalizado pelo sujeito em suas relações sociais, e sua construção implica o uso

de instrumentos mediadores que permitem a realização da atividade.

Partindo dos constructos teóricos de Vigotski, podemos entender o

instrumento como o elemento interposto entre o sujeito e o objeto de seu trabalho,

que amplia as possibilidades de transformação da natureza. O instrumento é

criado ou buscado para um objetivo determinado, ou seja, ele carrega a função

para a qual foi criado. É um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e

o mundo.

É necessário frisar que alguns animais também fazem o uso de

instrumentos; no entanto, existem marcas importantes que diferenciam esse uso

feito pelos animais dos modos de apropriação dos instrumentos pelos homens.

Embora o uso de instrumentos pela criança durante o período pré-verbal seja comparável àquele dos macacos antropóides, assim que a fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se organiza ao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim, o uso de instrumentos especificamente humanos, indo além do uso possível de instrumentos, mais limitado, pelos animais superiores. Antes de controlar o próprio comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a ajuda da fala. Isso produz novas relações com o ambiente, além de uma nova organização do próprio comportamento. A criação dessas formas caracteristicamente humanas de comportamento produz, mais tarde, o intelecto, e constitui a base do trabalho produtivo: a forma especificamente humana do uso de instrumentos (VIGOTSKI, 1998, p. 33).

A utilização desses instrumentos pelos seres humanos tem caráter

voluntário e intencional, ou seja, o homem utiliza os instrumentos com objetivos

específicos, guarda esses instrumentos para o uso futuro, preserva função como

conquista a ser transmitida a outros membros do grupo social. Já os animais são

capazes de transformar o ambiente num momento específico utilizando desses

instrumentos, mas não desenvolvem sua relação com o meio num processo

histórico-cultural, como acontece com os homens. Utilizam determinado

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instrumento sem refletir sobre esse uso. Resolvem, assim, um problema imediato,

usam a “inteligência prática”.

Pino afirma que:

Instrumento e símbolo são mediadores entre o homem e o mundo natural, e social, que conferem à atividade seu caráter produtivo. Com efeito, pela ação técnica o homem altera a matéria e lhe confere uma forma nova; pela ação simbólica essa forma nova se constitui em símbolo do homem trabalhador, ou seja, naquilo que representa suas capacidades, físicas e mentais, e suas ideias (PINO, 2000, p. 43).

O conceito de instrumentos, na abordagem histórico-cultural, remete-nos a

pensar sobre o processo de mediação.

Definida como “o processo de intervenção de um elemento intermediário

numa relação” (OLIVEIRA, M.K., 1994, p. 26), a mediação se caracteriza como um

elemento essencial tanto para a constituição do sujeito como pessoa quanto para

a aquisição de novos conhecimentos.

Vigotski afirma que a relação do homem com o mundo não é uma relação

direta, é sempre uma relação mediada. Assim, desenvolvimento e aprendizagem

dizem respeito às experiências do sujeito no mundo com base nas interações,

assumindo o pressuposto da natureza social do desenvolvimento e do

conhecimento especificamente humano. Logo, nessa perspectiva, “o sujeito é

visto como concreto, situado, datado e privilegia-se o papel da mediação, da

linguagem, do contexto, das relações sociais e da Zona de Desenvolvimento

Proximal” (BRANCO e SMOLKA, 2004).

Ao definir o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, o autor amplia

e atribui grande relevo ao papel do ensino no processo de desenvolvimento dos

sujeitos.

Zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou e colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 1998, p. 112).

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Ou seja, a zona de desenvolvimento proximal revela os modos de agir e de

pensar que ainda estão em fase de elaboração na criança e exigem a ajuda do

outro para alcançarem a autonomia, sendo esta de extrema importância, uma vez

que se relaciona às funções que ainda não “amadureceram” na criança.

A transmissão destas funções, dos adultos que já a possuem para os novos indivíduos em desenvolvimento, é produzida mediante a atividade ou inter-atividade entre a criança e os outros – adultos ou companheiros de diversas idades – e na Zona de Desenvolvimento Próximo. Com toda a propriedade, podemos denominar este processo como educação, e é justamente o procedimento pelo qual a espécie humana conseguiu vencer ou modificar qualitativamente as leis biológicas da evolução (DEL RÍO, 1996, p.82).

Vigotski defendia que aquilo que a criança pode fazer com ajuda, hoje, será

capaz de fazer sozinha amanhã. Esses processos mediados internalizam-se e

passam a fazer parte do desenvolvimento individual.

Vigotski está apontando para o fato de que o desenvolvimento humano, entendido como processo de constituição cultural da criança para tornar-se um ser humano, é feito do “material” social-cultural que o meio humano põe à disposição da criança e que ela vai se apropriando na convivência nas práticas sociais, mas ele é feito também da maneira como a criança converte (uma das expressões de Vigotski para explicar a apropriação da cultura) esse material em funções humanas. E nesse movimento do exterior para o interior e do interior para o exterior da criança, o mecanismo fundamental é a transformação da significação do mundo cultural em significação para a criança. Daí que Vigotski relacione a vivência com a significação que a criança se faz das situações criadas pela dinâmica do meio (PINO, 2010, p.13).

Vigotski (1989,p. 97) enfatiza que “o bom aprendizado é aquele que se

adianta ao desenvolvimento do educando” e traz a este desdobramentos

potenciais significativos, sob supervisão ou orientação do professor.

Luria (2010) reitera que “a aprendizagem é um momento intrinsecamente

necessário e universal para que se desenvolva na criança essas características

humanas não-naturais, mas formadas historicamente”. A aprendizagem é, assim,

encarada como a fonte do desenvolvimento.

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No cenário atual, novas investigações sobre a teoria histórico-cultural

defendem que, na teoria vigotskiana, seria mais pertinente a substituição do termo

aprendizagem pelo termo ensino. Na tradução de Del Río, encontramos a palavra

instrução, que nos remete realmente muito mais ao ensino do que à

aprendizagem.

[...] a instrução somente é boa quando vai adiante do desenvolvimento, quanto desperta e traz à vida aquelas funções que estão em processo de maturação ou na zona de desenvolvimento próximo. É justamente assim que a instrução desempenha um papel extremamente importante no desenvolvimento” (VIGOTSKI, 1956, p. 278 apud DEL RÍO, 1996, p. 95).

A teoria vigotskiana destaca ainda a importância da relação de ensino e o

papel da aprendizagem no funcionamento psicológico do sujeito e constituição do

humano. Do lugar que ocupo, falando da e na escola, entender esse díade “ensino

e aprendizagem” é fundamental.

Oliveira M.K., afirma que: “o desenvolvimento individual se dá num

ambiente social determinado e a relação com o outro, é essencial para o processo

de construção psicológica individual” (1997, p. 60)

O papel da relação de ensino/aprendizagem, como fonte de

desenvolvimento, é explicitado na concepção vigotskiana através do conceito de

Zona de Desenvolvimento Proximal, já mencionado anteriormente. Oliveira M.K.,

(1997, p. 64) afirma que “é na zona de desenvolvimento proximal que a

interferência dos outros indivíduos é mais transformadora e fecunda”.

Nesse sentido, o desenvolvimento psicológico deve ser encarado de

maneira prospectiva, para além do atual (zona real), em direção àquilo que é novo

para o desenvolvimento do indivíduo.

É nesse momento que o papel do professor ganha destaque, pois cabe a

ele ‘provocar’ nos alunos os avanços que não ocorreriam “espontaneamente” e

que estão sendo gestados, mas ainda não se consolidaram.

O caminho para que se possa impulsionar esse avanço, revelando a

possibilidade de aprendizagem real, é que se mostra como grande questão na

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relação de ensino. Que modos de ensinar mobilizam, de forma assertiva, os

modos de aprender? Que sentidos mobilizamos em nossa intenção de ensinar? A

relação de ensino aponta para essas indagações...

Ensinar seria, assim, um trabalho com signos, um trabalho de significação por excelência, que implica incansáveis gestos indicativos nas orientações dos olhares, nas configurações dos objetos, nas formas de referir, de conceituar... Um trabalho nas margens ou espaços de (não) coincidências, na busca de focos ou pontos de encontro ou tangenciamento, que produzem tanto sentidos diversos quanto lugares comuns. Trabalho que assume as co-incidências como possíveis e não as pressupõe como dadas a priori. As possibilidades de coincidência são condição e objeto desse trabalho, marcados pela incompletude sempre... (SMOLKA, 2010, p. 128).

O que define esse ato de ensinar? A relação de ensino, o apontar, o

nomear? Apesar de termos um aporte teórico que sustenta nosso fazer em sala

de aula, sempre nos colocamos em xeque frente à diversidade e a singularidade

de cada criança que nos desafia a ensiná-la.

3.3 Contribuições da Teoria Histórico-Cultural para Educação: pensando no processo de alfabetização

A pedagogia, apesar da existência de muitos

métodos de ensinar a ler e escrever, tem ainda de

desenvolver um procedimento cientifico efetivo para

o ensino de linguagem e escrita às crianças.

Vigotski (1984)

Assumindo os pressupostos da teoria histórico-cultural, defendemos que a

linguagem - mais do que essencial - é constitutiva para o desenvolvimento

humano. Com base nesse princípio, farei aqui uma breve análise sobre as

contribuições dos estudos vigotskianos no que se referem à apropriação da

linguagem escrita, ao processo de alfabetização, que também delineia-se como

foco do presente trabalho.

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A escrita, sistema simbólico que tem um papel mediador na relação entre sujeito e objeto de conhecimento, é um artefato cultural que funciona como suporte para certas ações psicológicas, isto é, como instrumento que possibilita a ampliação da capacidade humana de registro, de memória e de comunicação (OLIVEIRA, M.K., 1998, p. 63).

Luria afirma que:

[...] o momento que uma criança começa a escrever seus primeiros exercícios escolares em seu caderno não é, na realidade, o primeiro estágio do desenvolvimento da escrita, ou seja, quando a criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a aprender a escrever em um tempo relativamente curto (LURIA, 2010, p.143).

No cenário atual da educação, observamos que grande parte das escolas

assume o papel de ensinar a criança a ler e escrever seguindo modelos pré-

determinados, impedindo que essa criança se expresse, quando realiza uma

alfabetização que “emudece e cala”, limitando a expressão da criança. Vigotski

afirma que “ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas,

mas não se ensina a linguagem escrita”. (1998, p. 139).

A escola, que deveria valorizar as experiências sócio-culturais do educando,

em muitos casos, faz justamente o oposto: quer que a criança aprenda a ler e

escrever a partir de perspectivas pedagógicas baseadas no conhecimento do

adulto, ignorando as experiências vividas pelas crianças que antecedem seu

ingresso na escola, como se a única forma válida de comunicação fosse a

linguagem escrita formal e escolar e como se a criança, no início da escolarização,

não dominasse esse instrumento. Assim, a escola a trata como se ela não tivesse

nada a dizer.

Da maneira como vem sendo feita, a alfabetização enfoca apenas o domínio de habilidades formais e funcionais sem, no entanto alcançar o âmago do processo, a razão profunda sócio-histórico-política da linguagem escrita. Ela tem sido uma alfabetização meramente formal em favor de um analfabetismo político, na medida em que não é considerada como um instrumento, um

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meio, uma possibilidade de comunicação e interação entre as pessoas, mas é vista com um fim último da aprendizagem escolar e acadêmica (SMOLKA, 1989, p.49).

A alfabetização desvinculada da vida da criança impede que esta se

desenvolva, aprenda, participe da construção de seu conhecimento, assim o

processo de alfabetização pode tornar-se desinteressante para a criança, que

muitas vezes fracassa por não encontrar o real valor de se aprender a escrever.

Na concepção de Vigotski (1998), a linguagem escrita é constituída por um

sistema particular de signos que designam sons e palavras da linguagem falada,

os quais, por sua vez, são signos de relações e entidades reais.

O autor salienta ainda que o domínio de tal sistema complexo de signos

não pode ser alcançado de maneira puramente mecânica e externa, afirmando

que a única forma de nos aproximar de uma solução correta para a ‘psicologia da

escrita’ é por meio da compreensão de toda a história do desenvolvimento dos

signos na criança.

A escrita é uma função lingüística, que difere da fala oral, tanto na estrutura como no funcionamento. Até o seu mínimo desenvolvimento exige um alto nível de abstração. É a fala em pensamentos e imagens apenas, carecendo das qualidades musicais, expressivas, e de entonação da fala oral. Ao aprender a escrever, a criança precisa se desligar do aspecto sensorial da fala e substituir palavras por imagens de palavras. Uma fala apenas imaginada, que exige a simbolização de imagem sonora por meio de signos escritos (isto é, um segundo grau de representação simbólica) deve ser naturalmente muito mais difícil para a criança do que a fala oral. Os estudos mostram que o principal obstáculo é a qualidade abstrata da escrita, e não o subdesenvolvimento de pequenos músculos ou quaisquer outros obstáculos mecânicos. (VIGOTSKI, 1989, p.85).

Vigotski destacaa questão da abstração da linguagem escrita - que exige da

criança a capacidade de simbolizar – como o grande “nó” nesta etapa de

apropriação da escrita, nele reside a dificuldade da criança em compreender o

mecanismo da escrita.

Aponta, também, para a necessidade de se investigar o que leva a criança

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a escrever, revelando a pré-história da linguagem escrita, que é o caminho

elaborado pela criança no processo de aprendizagem dessa forma de linguagem.

Destaca a importância da leitura e da escrita se construírem como algo que

a criança necessite, não apenas ser ensinada pelo adulto como habilidade motora

sem nenhuma função para a criança, mas, sim, construída como atividade cultural

complexa e permeada de significado.

Assim, a partir das ideias defendidas por Vigotski, podemos questionar a

visão de que a escola é mera transmissora de saberes, como se a criança não

participasse do processo de construção de conhecimento, possibilitando uma

discussão referente aos métodos utilizados no processo de alfabetização que, na

maioria das vezes, como já mencionado neste texto, anulam as experiências

trazidas pelas crianças, mecanizando o ato de escrever, propondo trabalhos

voltados apenas à codificação dos sons, priorizando o ensino da associação entre

letras e sons, sem estabelecer relação com a função social que esta escrita tem

para a criança.

O questionamento acerca da alfabetização, dos diversos métodos de se

ensinar a ler e escrever vem sendo insistentemente debatido no cenário

educacional brasileiro, especialmente nas últimas três décadas, tanto na academia

como no interior das escolas - mesmo que de forma precária, dado que nas

escolas, muitas vezes, o tempo pedagógico de discussão coletiva não garante um

debate mais a fundo sobre questões educacionais tão importantes, como

podemos observar nos trabalhos de importantes pesquisadores nesta área, como:

Smolka (1988; 1993; 1995; 2010), Soares (1985; 2001; 2003;2010), Nogueira

(1991; 1993; 2013), Góes (1992; 2000), Mortatti (1999; 2011; 2012); Gontijo (1996;

2001), Pacheco (1994; 1996), Goulart (2000; 2001; 2006), Leite (1982; 2006;

2010), Nucci (2001), Frade (2007), Andrade (2011), Deciete ( 2013), entre outros.

Cabe salientar que o fato de Vigotski defender que o ensino da escrita não

deva acontecer de forma arbitrária não significa que não haja a intervenção do

professor nesse processo de aprendizagem.

Mesmo imersa em uma sociedade letrada, a criança não desabrocha espontaneamente como uma pessoa alfabetizada:

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a aprendizagem de um objeto cultural tão complexo como a escrita depende de processos deliberados de ensino. […] deixada sozinha com a língua escrita, a criança não tem material suficiente para construir uma concepção que dê conta de toda estruturação do sistema. A mediação de outros indivíduos é essencial para provocar avanços no domínio desse sistema culturalmente desenvolvido e compartilhado (OLIVEIRA, M.K., 1995, p.65 – grifos nossos).

Vigostki ainda destaca:

[...] Da mesma forma que as crianças aprendem a falar, elas podem muito bem aprender a ler e escrever. Métodos naturais de ensino da leitura e da escrita implicam operações apropriadas sobre o meio ambiente das crianças. A leitura e a escrita devem ser algo que a criança necessite. (VIGOTSKI, 1998, p.156).

A citação acima nos remete à proposta freinetiana do Método Natural da

aprendizagem da escrita (1977), o que nos dá subsídios para o diálogo entre os

dois autores.

Vigotski afirma a importância de ensinarmos a escrita através de “métodos

naturais”18, apesar de defender a escrita como produção humana, e parte da

cultura, enfatizando que essa não “desabrocha” espontaneamente. Freinet, por

sua vez, propõe o Método Natural da Escrita, e apesar de nomear esse método

como “natural” - o que a priori nos faz inferir certo espontaneísmo -, ele não ignora

e nem exclui a importância do outro para a aprendizagem da escrita pela criança,

como já explicitado neste trabalho. Ele marca sua posição antagônica aos

métodos tradicionais, cartilhescos, que, na maioria das vezes, tiram o

protagonismo do educando do processo de apropriação da linguagem escrita.

18 Esta fala de Vigotski sobre “métodos naturais” nos remete a uma importante discussão de sua teoria, onde

ele aborda a questão das necessidades e possibilidades como operações apropriadas sobre o meio ambiente

da criança. O sentido de natural aqui implica na criação de novas necessidades possibilitadas pela cultura

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3. 4 Vigotski e a escrita: o cultural

Como já abordado neste texto, a linguagem escrita é compreendida pela

psicologia histórico-cultural como uma técnica culturalmente desenvolvida pela

humanidade. “Esta corrente teórica reconhece que, no âmbito filogenético, a

maneira de se comunicar passou por diferentes fases ao longo de seu

desenvolvimento histórico” (LURIA, 1988). Cada uma dessas fases relaciona-se

com as necessidades humanas próprias a um dado período. Dessa forma, o modo

e o conteúdo dos registros gráficos estão relacionados à organização de vida do

homem para a manutenção de sua sobrevivência, ao estágio de uso e criação de

instrumentos e técnicas e, ainda, à (con)vivência em comunidade, ou seja, às

relações sociais estabelecidas.

Essa noção nos permite compreender que a linguagem escrita é produto de

um longo e dinâmico processo que reflete a própria luta da humanidade pela vida,

que o desenvolvimento de uma dada sociedade e o dos indivíduos que a

constituem estabelecem relações entre si e que a apropriação, por parte de cada

indivíduo, de um bem cultural como este possibilita a transformação não só de

suas ações no mundo circundante, mas também de suas próprias funções

psicológicas (LURIA, 1979; LURIA, 1994).

O desenvolvimento da linguagem escrita pertence a primeira e mais evidente linha de desenvolvimento cultural, uma vez que está relacionado com o domínio de sistema externos de meios elaborados e estruturados no processo de desenvolvimento cultural da humanidade. Contudo, para que o sistema externo de meios se convertam em uma função psíquica da própria criança, em uma forma especial de comportamento, para que a linguagem escrita da humanidade se converta na linguagem escrita da criança necessita-se de um complexo processo de desenvolvimento que estamos tratando de explicar em linhas

gerais. (VIGOSTKI, 1995, p. 185)

Luria afirma que: a escrita constitui o uso funcional de linhas, pontos e

outros signos para recordar e transmitir ideias e conceitos (LURIA, p. 146, 2010).

A linguagem escrita permite a comunicação além do tempo, daí

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sua função como mediadora da cultura para a apropriação pelos sujeitos. Por tal razão, a escrita é um signo construído historicamente para mediar e registrar as produções da humanidade além do tempo presente (REYES e ZUIN, 2010, p. 68)

Nessa perspectiva, podemos afirmar que, no âmbito ontogenético, tal como

na filogênese, o processo de aquisição da linguagem escrita passa também por

fases necessárias, de modo que a pessoa que se encontra à margem de um

mundo “letrado” passa, gradualmente, a fazer parte dele, externa e internamente,

utilizando-se dessa linguagem como meio para ampliar suas funções psicológicas,

tais como memória, raciocínio lógico-linguístico, percepção, atenção,

concentração e planejamento.

De acordo com a teoria histórico-cultural, os bens culturais só fazem sentido

para o homem, se aprendidos em seus usos sociais, e é dessa forma que a língua

precisa ser aprendida: em funcionamento.

É sobre a leitura e a escrita que recaem os usos mais significativos e

fundamentais da língua, o que leva a entender a importância dada à

aprendizagem dessas habilidades nas sociedades atuais. Isso porque aprender a

ler e a escrever é um processo considerado como uma espécie de “ritual de

passagem” e representa uma das apropriações das habilidades de maior valor

para as práticas sociais dos dias atuais, considerando a cultura letrada.

Vigotski reafirma que a escrita deve ter significado para as crianças, e,

assim, a necessidade de aprender a escrever deve ser despertada e vista como

necessária e relevante para a vida: “Só então poderemos estar certos de que ela

se desenvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e

complexa de linguagem” (VIGOTSKI, 1989, p.133).

O processo de desenvolvimento das crianças pode ser construído e transformado pelas interações e relações de ensino, no interior da escola. A criança se apropria da escrita através dos processos de atividade mediada, em instâncias inter-relacionadas (a mediação pelo outro e a mediação pelos signos). Nesses processos, a atuação do professor e dos colegas é relevante no sentido da construção conjunta da atividade, a partir das condições

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de produção no espaço escolar (SMOLKA, 1993, p.31 – grifos nossos).

A apropriação desse sistema escrito não é espontânea, uma vez que ela

exige a mediação intencionalmente organizada, tal como podemos depreender

das reflexões de Leontiev (1983), possibilitando o desenvolvimento de funções

psíquicas superiores. Nessa perspectiva, evidenciam-se as relações apontadas

por Vigotski entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento.

Vigostki traz a questão da necessidade da criança, que deve, sim, ser

ensinada, afirmando que:

Elas devem sentir a necessidade do ler e do escrever no seu brinquedo [...] É claro que é necessário, também, levar a criança a uma compreensão interior da escrita, assim como fazer com que a escrita seja desenvolvimento organizado, mais do que aprendizado. Quanto a isso, podemos apenas indicar uma abordagem extremamente geral: assim como o trabalho manual e o domínio da caligrafia são para Montessori, exercícios preparatórios ao desenvolvimento das habilidades da escrita, desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianças. Os educadores devem organizar todas essas ações e todo o complexo processo de transição de um tipo de linguagem escrita para outro. Devem acompanhar esse processo através de seus momentos críticos, até o ponto da descoberta de que se pode desenhar não somente objetos, mas também a fala. Se quiséssemos resumir todas essas demandas práticas e expressá-las de uma forma unificada, poderíamos dizer que o que se deve fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita de letras (VIGOTSKI, 1998, 156-157, grifos nossos).

Vigotski marca a importância do ato de ensinar a linguagem escrita - essa

invenção cultural que é cada vez mais valorizada em nossa sociedade. Traz,

assim, o professor para um lugar de destaque nesse processo, como o que

organiza as ações para que a criança aprenda a dominar o código escrito. Com

isso, mostra a importância da mediação, como postula Luria (2010): “Em contraste

com um certo número de outras funções psicológicas, a escrita pode ser definida

como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação”. (p. 144)

A concepção histórico-cultural nos remete ainda à função transformadora da

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linguagem escrita.

Porque não se “ensina” ou não se “aprende” simplesmente a “ler” e “escrever”. Aprende-se (a usar) uma forma de linguagem, uma forma de interação verbal, uma atividade, um trabalho simbólico. [...] é fundamental considerar a concepção transformadora da linguagem, uma vez que não se pode pensar a elaboração cognitiva da escrita independentemente da sua função, do seu funcionamento, da sua constituição e da sua constitutividade na interação social (SMOLKA, p. 82, 2012)

Portanto, nesta pesquisa, a concepção de linguagem escrita, defendida por

Vigotski, vem ao encontro de nossa proposta de trabalho, destacando a função

transformadora da escrita. Escrita que é ensinada, uma atividade mediada, um

trabalho simbólico carregado de sentidos.

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CAPÍTULO 4 – O TEXTO LIVRE

4.1 O que é mesmo “livre” no texto livre?

É importante deixar marcado, desde o início deste capítulo sobre o

instrumento Texto livre, que, para Freinet, o termo livre está arraigado a uma

posição política e ideológica.

O texto livre nasce na França, nos anos 20, numa França caótica, marcada

pelos resquícios da 2ª. Guerra Mundial. Para melhor compreensão desse

instrumento pedagógico, é essencial não nos perdermos das condições concretas

e objetivas de produção em que esse instrumento foi gestado.

O texto livre surgiu por volta dos anos 20 numa pequena povoação dos Alpes Marítimos. Porque não mais cedo e noutro local? Não se trata de uma questão de modernidade pedagógica; a modernidade em pedagogia não esteve com certeza a espera de Freinet mas, fundada numa perspectiva humanista, manteve-se teórica a maior parte do tempo, mais próxima da ideologia do que da práxis. O “sujeito”, ou a dualidade “professor-discípulo” eram os únicos pontos considerados; por isso a ideia, o próprio germe do texto livre é, efetivamente uma prática profundamente materialista; enquanto pratica materialista (no sentido extremamente marxista do termo, é necessário frisar), só pode ser descoberta (a palavra é imprópria) no seio de uma prática – o que não quer dizer empiricamente, supondo e arrastando o empirismo, a repetição do mesmo, enquanto que o aparecimento do texto livre supõe e manifesta pelo contrário, uma ruptura. O texto livre não é resultado lógico de uma modernização pedagógica da aprendizagem da língua escrita, mas um verdadeiro salto qualitativo que resolve (provisoriamente) uma contradição interna (CLANCHÉ, 1977, p.20).

Sobre o nascimento desse instrumento, Clanché ainda explicita:

Freinet asfixia fisicamente na sua sala. Ele é incapaz de levantar a voz de forma a obter silêncio e é com um certo prazer que, ao longo de toda sua vida, responderá às indagações sobre o início de sua “revolução pedagógica”, que esta se devia às suas limitações físicas pessoais, as quais o impediam de dar aula como seus colegas. Não se deve tomar ao pé da letra esta resposta um pouco irônica para concluir que o defeito físico de Freinet explica, por si só, a origem do texto livre, mas também não devemos encarar o seu aparecimento numa espécie de empíreo abstrato. O

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texto livre, prática materialista, só pode ser explicado sob um ponto de vista materialista. Freinet naõ começou por dizer: “É necessário que a criança se possa exprimir livremente por escrito, do mesmo modo que oralmente se exprime livremente com seus colegas; portanto, instituamos uma prática, o texto livre, que lhe vai permitir desenvolver-se, conferindo-lhe ao mesmo tempo um domínio progressivo da língua escrita etc... O texto livre nasceu de uma práxis para resolver contradições desta práxis. (CLANCHÉ, 1977, p. 24 – 25).

O texto livre assume o papel de “prática materialista na escrita”, com uma

origem histórico-dialética. O fato desse instrumento nascer da prática não exclui

seu caráter reflexivo, mas lhe confere o seu lugar: de uma verdadeira prática

teórica. Uma reflexão teórica sobre a prática real.

A escolha pelo termo livre - acredito - não foi uma “ingenuidade” do autor,

mas, sim, uma forma de protestar contra os modelos educacionais franceses, uma

posição em oposição aos manuais, à escola tradicional, à escolástica, que

perpetuavam a reprodução social na escola. Vale destacar as palavras de Oliveira,

que pontua os seguintes questionamentos:

Resta, ainda, indagar: por que o texto “livre”, por que a expressão “livre” e não a expressão dirigida, por exemplo? Qual o sentido da palavra “livre” no projeto educativo freinetiano? Será, unicamente, o sentido libertário de “expressão espontânea” , “sem entraves”, aquilo que os surrealistas explorarão posteriormente sob a denominação do “escrita automática”? A crítica que Freinet faz a escola anarquista nos leva a pôr em dúvida esta interpretação. Será então a liberdade formal burguesa, tão propalada pelas diversas correntes da Escola Nova Ocidental? [...] Não existe liberdade abstrata, anterior a inserção do individuo no mundo. Só existe liberdade em se fazendo, em se construindo, numa situação concreta de vida. O que torna um trabalho ou um texto livre para as crianças concretas da escola pública, para os filhos das classes populares, é em primeiro lugar, a possibilidade de dizer sua concepção de mundo, em oposição àquela veiculada pelo ensino oficial. É poder refletir sobre essas visões opostas e fazer desta reflexão uma arma em favor de sua libertação: texto livre, texto libertador. (OLIVEIRA, A.M., 1995, p. 147 -148)

Pierre Clanché adensa essa questão do adjetivo “livre” desse instrumento,

tentando explicitar onde reside a “liberdade” do texto.

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Que devemos então entender por texto livre enquanto texto e sobretudo pelo adjetivo livre? Haverá necessidade de dizer que o adjetivo livre tem um alcance principalmente polêmico? O conteúdo sémiotico do texto livre não é determinado por uma oposição: livre X não-motivado; texto livre X redação; mas autêntico pelo oposição: texto livre X redação de assunto livre. A liberdade do texto não reside no conteúdo, assunto, inspiração, etc. , mas no modo de solicitação. (CLANCHÉ, 1977, p. 41 - 42)

Nessa perspectiva, o texto livre deve ser realmente livre. Isso pode parecer

redundante, mas faz-se necessário enfatizar, dado que a escola tem a tendência a

impor situações de escrita, o que vai na contramão da proposta de texto defendida

por Freinet. Para ele, a criança deve escrever um texto livre se ela tem vontade e

inspiração para tal.

É a liberdade do aparecimento que faz a liberdade do texto; o que não quer dizer, longe disso, que o texto livre esteja ao abrigo de influencias e estereótipos! Convém admitirmos este fato, não como uma infelicidade, mas como uma característica fundamental do texto livre: o texto pode ser banal, tem direito de o ser; é a exigência – formal – da originalidade que é afinal mais constrangedora; ela diz: “Não digas o que queres, diz outra coisa, de outro modo. (CLANCHÉ, 1977, p. 42).

Segundo o autor, o trabalho com o texto livre é o trabalho no sentido

marxista do termo “satisfazer com meu trabalho, uma necessidade humana, de

realizar a natureza humana e de fornecer a outro, em caso de necessidade, o

objeto de que ele necessita” (MARX apud CLANCHÉ, 1977, p. 50). No trabalho

alienado, tal como algumas propostas de redação escolar, deixa de considerar o

valor de uso: a criança escreve pela nota e não pela escrita em si! Na redação, em

que o tema já vem pré-determinado, assim como tempo de entrega estabelecido,

as condições de produção se mostram avessas ao ideário freinetiano. Pensando

ainda na questão do consumo, o produto não tem valor de uso, mas, sim, de troca,

que é a nota, atribuída pelo professor! Dessa forma, a produção se torna cada vez

mais distante da realidade da criança. “A liberdade do texto livre é uma liberdade

concreta ao nível do processo social de produção”. (CLANCHÉ, 1977, p.54).

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No processo de escrita do texto livre, a criança revela sua individualidade, a

sua realidade, e é esse o caráter libertador do texto, dando a palavra ao oprimido.

Assim, Freinet coloca o texto livre e a imprensa – que, para ele, eram

indissociáveis - como instrumentos de libertação, de uma “desalienação

construtiva”.

[...] praticar a escrita com uma finalidade libertadora, contraria à sua habitual finalidade ideológica. Instaurando na aula uma verdadeira prática de classe, Freinet derruba esta prática para lhe dar sua função semiótica: a imprensa continua o seu papel de socialização da escrita, mas priva-se do caráter constrangedor. Esta concepção de imprensa esclarece perfeitamente, a nosso ver, a especificidade da prática do texto livre. A imprensa não é um prolongamento ou um estímulo a posteriori do texto livre (escreve para ser impresso) é, bem pelo contrário, a condição de possibilidade. O agarrar, pelas crianças, do utensílio de socialização da palavra (CLANCHÉ, 1977, p.32).

4.2 O técnico e o semiótico do texto livre: redimensionando o objeto de pesquisa

Em sua teoria, Freinet defende a importância da livre expressão enfatizando

que nós, educadores, temos que “dar a palavra às crianças”, ou seja, permitir que

as crianças se apropriem da palavra e façam o uso dela, mas a problemática se

instaura na relação que a criança estabelece com essa palavra – relação muitas

vezes (des)construída pela escola.

Numa concepção vigotskiana, a escrita é construída culturalmente, o que

coloca em perspectiva a ideia do Método Natural defendida por Freinet.

Para Vigotski (1998), a linguagem escrita é constituída por um sistema

particular de signos que designam sons e palavras da linguagem falada, os quais,

por sua vez, são signos de relações e entidades reais. O domínio de tal sistema

complexo de signos não pode ser alcançado de maneira puramente mecânica e

externa.

Podemos trazer para essa discussão a questão dos instrumentos: o uso de

instrumentos é, também, um dos assuntos mais relevantes na obra de Vigotski

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(1995). O caráter basilar atribuído a esse tema deve-se à função transformadora

possibilitada não apenas pela utilização, mas pela criação de artefatos como meio

e modo de apropriação da natureza e constituição da atividade simbólica,

viabilizada pela produção de signos (SMOLKA, 2008, p.6).

A dimensão social é necessariamente semiótica, e, portanto, passa pelo

signo. Na escrita, tomando a palavra como signo por excelência - como defendem

Vigotski e Bakhtin - isso mostra-se ainda mais evidente. A escrita é uma produção

humana historicamente situada, criada pela real necessidade de comunicação.

Vigotski propõe a emergência da dimensão semiótica, isto é, a produção de

signos, o princípio da significação, como chave para se compreender a conversão

das relações sociais em funções mentais. Isso traz certas implicações - eu diria

radicais - para o que chamamos de relação de ensino (SMOLKA, 2010, p.112),

Vigotski passa a investigar o caráter semiótico a partir da necessidade de

encontrar uma explicação para a natureza social e cultural das funções mentais

superiores. À procura dessa explicação, Vigotski encontra, no papel que a

mediação instrumental desempenha na teoria do trabalho social de Karl Marx e

Friedrich Engels, a referência para fazer da mediação semiótica um equivalente

daquela no plano psicológico.

Assim como Marx e Engels fizeram do instrumento técnico o mediador das relações dos homens com a natureza, Vigotski faz do signo o mediador das relações dos homens entre si. O paralelismo entre instrumento técnico e signo vai, porém, muito além da sua função de mediação, privilegiada por Vigotski, pois uma análise mais apurada. A mesma pessoa que manipula a ferramenta de trabalho imprime a ação uma significação (PINO, 2005, p. 135).

Vigotski procura mostrar que o caráter humano da atividade não depende

do uso de instrumentos, mas da transformação que a palavra opera nela (PINO,

2005, p.137). Assim, a concepção vigotskiana redimensiona o texto livre: ele não é

apenas um instrumento ou recurso pedagógico.

Os instrumentos não são apenas técnicos, mas envolvem novas

possibilidades, novos modos de atuação, participação e apropriação de

conhecimento, de relação consigo mesmo e com os outros. São técnicos e

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semióticos, são produções culturais. São instrumentos técnicos e semióticos numa

relação dialógica.

O instrumento é produto da cultura material que leva em si, da maneira mais evidente e mais material, os traços característicos da criação humana. Não é apenas um objeto de forma determinada, possuindo determinadas propriedades. O instrumento é ao mesmo tempo um objeto social na qual estão incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente elaboradas (LEONTIEV, 1978, p. 287).

Nessa perspectiva, o texto livre, no contexto de sala de aula, para fins

educacionais, pode ser um instrumento técnico, cumprindo sua função de ensinar

a “técnica”, a mecânica dessa escrita, a combinação de letras para formar sons, o

codificar e decodificar dessas letras, mas, também, pode assumir o caráter

semiótico, pois os textos livres escritos pelas crianças vêm carregados de

sentidos, espelhando a história da criança, refletindo suas experiências vividas

não apenas na escola, mas fora dela. Cada texto livre é único e historicamente

construído.

A dimensão semiótica do texto livre coloca-se como questão. O que

significa pensar o texto livre como instrumento técnico e semiótico? Como isso

impacta na prática pedagógica e na relação de ensino?

Do ponto de vista da pedagogia Freinet, o texto livre como recurso

pedagógico, passa a ser social quando lido em roda, exposto em murais ou

publicado em jornais, tornando-se, assim, um instrumento partilhado socialmente e

valorizado. A criança pode compartilhar suas ideias através desse instrumento,

que é coletivo em sua natureza, ou seja, um instrumento pensado desde sua

origem para fazer a escrita da criança circular entre as crianças e entre a

comunidade escolar.

Assumir o texto livre como instrumento técnico e semiótico é dar-lhe outro

status. Ao pensar nesse outro status, ampliamos a possibilidade de enxergar a

relação da criança com a escrita.

Usando como analogia a reflexão acerca dos signos, feita por Smolka

(2010), podemos dizer que as marcas da cultura vão se inscrevendo no

corpo/mente, pela mediação do outro, pela interpretação dos movimentos -neste

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caso da escrita que se mostra -, pela intervenção do adulto.

Convém chamar a atenção para o fato de que as próprias elaborações de

Vigotski sobre signo vão se transformando, adensando-se no percurso de suas

elaborações. No começo, o signo é ressaltado por sua analogia como um

instrumento técnico, relacionando a um ato instrumental. Posteriormente, vai se

tornando constitutivo da significação (SMOLKA, 2010, p.114).

Dessa forma, reitero a possibilidade do Texto livre não ser considerado um

instrumento meramente técnico, pois ele produz significação, traz sentido. O

instrumento técnico permanece sempre o mesmo, cumpre a função para a qual foi

determinado; já o instrumento, encarado como técnico e semiótico, redimensiona

o fazer, tornando-o significativo.

As possibilidades de circulação do texto livre para além da sala de aula, a

dinâmica das rodas de leitura, de elaboração de jornais de textos livres, a

materialização do texto pelo uso da imprensa abrem caminhos para que, além da

técnica da escrita, esse instrumento assuma o caráter semiótico.

A imprensa confere à palavra uma dignidade cujo prestígio deve ser profundamente sentido pelas crianças. Escorrer o seu pensamento no metal, é assegurar à criança uma lisonjeira aparência de solidez e perenidade. [...] Aliás, pedagogicamente, o método deve ser excelente. Formar as palavras “transportando a letra” é um modo objetivo de aprender a ortografia cuja eficácia se não põe em dúvida. (CLANCHÉ, 1977, p.29).

Pensando ainda sobre o papel do texto livre e da imprensa, Clanché traz a

seguinte consideração:

Freinet coloca o texto livre e a imprensa como um instrumento de libertação, de uma “desalienação construtiva (e não apenas destrutiva como certas práticas não diretivas). F. Oury a A. Vasquez assinalaram insistentemente o papel social e terapeuticamente estruturante da imprensa. [...] A partir do momento que a imprensa e o texto livre “desmistificam politicamente é que a se tornam bons utensílios para a aprendizagem da técnica da língua, aspecto que Freinet desenvolverá em La méthode naturalle, mas que é inseparável do seu contexto polêmico, para não dizer revolucionário.” (CLANCHÉ, 1977, p. 30).

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Nessa citação, podemos inferir o caráter técnico e semiótico desse

instrumento. O autor traz, em um primeiro momento, o texto livre como terapêutico

e social. Logo, na sequência, afirma que esse instrumento é também um utensílio

para a aprendizagem da técnica da língua. Sublinha, ainda, a importância do

contexto, o que nos remete às condições concretas de produção em que o texto

livre foi criado.

O intuito de Freinet era desmistificar a imprensa, torná-la acessível aos

alunos, desmistificando, assim, o próprio ato de escrever, ou seja:

[...] praticar a escrita com uma finalidade libertadora, contraria à sua habitual finalidade ideológica. Instaurando na aula uma verdadeira prática de classe, Freinet derruba esta pratica para lhe dar a sua função semiótica: a imprensa continua o seu papel de socialização da escrita, mas priva-se do caráter constrangedor. Esta concepção de imprensa esclarece perfeitamente, a nosso ver, a especificidade da prática do texto livre. A imprensa não é um prolongamento ou um estímulo a posteriori do texto livre (escreve para ser impresso) é, bem pelo contrário, a condição de possibilidade. O agarrar, pelas crianças, do utensílio de socialização da palavra. Na perspectiva de Freinet o texto livre sem a imprensa não tem qualquer significado (CLANCHÉ, 1977, p.32).

O texto livre não existe sem a possibilidade de “falar” para o outro. O texto

livre se materializa na relação. O sentido do texto livre está na relação. “O acto de

agarrar a palavra, em Freinet, é político antes de ser pedagógico ou terapêutico

(catártico), o que não quer dizer que estes dois pontos de vista devam ser

afastados” (CLANCHÉ, 1977, p. 32).

Insisto no aspecto social do texto livre porque acredito que esse modo de

aparecimento é a garantia da sua especificidade, mas vale pensar no texto livre

enquanto social e individual. Social, pois permite que o sujeito se aproxime (e se

aproprie!) da escrita. Individual, por trazer a expressão mais genuína do indivíduo

através de suas palavras.

[...] A aproximação que tentamos fazer, pretende delimitar o texto livre no seu duplo aspecto social e individual, ou melhor, na perspectiva de um duplo encontro do individual com o social. (CLANCHÉ, 1977, p. 40).

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O texto se materializa na palavra para ser socializado, não é nunca de

“alguém”, mas do autor, do sujeito único da enunciação.

4.3 E como o Texto Livre chegou ao 1º ano?

O início do trabalho com o 1º ano trouxe-me muitas inquietações e

angústias. Eu não sabia como trabalhar com as crianças, por não ter experiência

com essa faixa etária. Eu estava ingressando no mestrado, com o propósito de

pesquisar a minha prática com o Texto livre, e não sabia nem como e nem por

onde começar...

Desde o início, meu desejo era o de instituir, no 1º ano, o trabalho com o

“Texto Livre”, com a produção de texto, com a questão da autoria, pois acredito

que esse instrumento faz com que a criança escreva “livremente”, e, por isso,

considero-o tão importante para alfabetização, apesar de, no percurso, ouvir

muitas críticas de outros colegas professores, que não acreditavam no trabalho

com produção de texto no 1º ano do Ensino Fundamental.

As rodas de leitura surgiram, então, como a possibilidade de dar à criança o

estatuto de escritor. Como já mencionei neste texto, minha inexperiência em

trabalhar com crianças nesta faixa etária, somada a minha crença na possibilidade

de trabalhar com o texto livre como um instrumento de alfabetização, fizeram-me

inventar um modo de trazer o texto livre para as crianças.

Em meados de março, eu estava conversando com a professora Cinthia

Brum, minha parceira de trabalho na EMEF, professora do 5º ano e também

simpatizante da pedagogia Freinet, e explicitei minha angústia: queria trabalhar

com o texto livre, acreditava que esse instrumento poderia proporcionar às

crianças uma alfabetização realmente significativa, mas não sabia como começar,

pois as crianças tinham pouca experiência com a linguagem escrita, estavam

aprendendo a reconhecer letras, bem no início do processo de alfabetização.

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Nessa conversa, nasceu a ideia de parceria entre as turmas: as crianças de

5º ano teriam a “missão” de apresentar o texto livre aos pequenos do 1º ano.

Começamos, então, semanalmente, a organizar rodas de leitura de textos livres,

nas quais os alunos do 5º ano liam seus textos para os pequenos.

Imagens das crianças nas rodas de leitura, ano de 2012.

Segue um trecho do meu diário de campo que conta um pouco como

aconteciam as rodas:

Hoje (sexta-feira, 27/7/2012) foi dia de “Roda de leitura” com o 5o ano. As

crianças estavam ansiosas para este dia chegar (tanto meus pequenos, quanto os

grandes da Cinthia). Eu não fazia ideia de como estava sendo positivo esse

momento, agora de volta do recesso percebi que eles estavam tão ansiosos para

retomar as rodas como estavam para a aula de Informática ou pelo parquinho, por

exemplo (que eles adoram!!!).

Bom, chegamos sexta-feira e organizamos, juntos, nossa sala para receber

o 5o ano. Enquanto nossos leitores/contadores de histórias não chegavam, distribui

para as crianças, umas pranchetas pequenas e ½ sulfite para que eles fizessem os

registros da roda nessa folha

(a prancheta serve de apoio e ficou ótima, sem contar que eles adoram usar coisas

“diferentes” para trabalhar, né?)

Comecei a orientar o que deveria ter nessa folha (antes do recesso eles

faziam registros já, mas mais livres, agora achei que era o momento de dirigir mais

este trabalho). Pedi que escrevessem o nome na folha e a data – lembrei que ontem

foi dia 26 então hoje é... e eles completaram, falei também que não colocaria nada

na lousa, que ia ditar o que escrever na folha, inclusive a data, porque eles já

sabem fazer sozinhos (e a maioria sabe mesmo, os que não sabem espiam o colega

do lado e no fim dá certo!).

Na sequência pedi que escrevessem: Roda de leitura. E eles foram

escrevendo, cada um do seu jeito, elaborando suas hipóteses: uns silábicos com

valor, outros sem valor e até os pré-silábicos, colocando as letrinhas no papel...

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Percebi que o Luiz estava inquieto (isso não é novidade!), mas de um jeito

diferente: ele estava “pensando alto” e trabalhando. Aproximei-me e vi que ele já

tinha escrito ROD e continuou, fiquei só observando e “ouvindo” sem pensamento

que se materializava em palavras quase que num balbucio “DA – D A, RODA...

DE … D com E, DE...” até que ele escreveu “RODA DE LETURA”. Na mesma

hora sentei ao lado dele e falei para ele ler o que tinha escrito, ele leu e percebeu

que estava certo, que desta vez não ia precisar de reescrita!

O sorriso do Luiz (e o meu, que nessa hora já sentia um nó na garganta e

segurei para não chorar de emoção, sim, é emocionante fazer parte disso e agora,

escrevo com os olhos marejados!) foi lindo! Mostrei para a Turma o trabalho do

Luiz e todos ficaram felizes, senti que a Emanulle ficou um pouco chateada, com

ciúme, ela tem sempre essa necessidade de ser a 1a. em tudo, quer ser líder, mesmo

que de forma imposta, enfim, conversei com ela sobre isso, mostrei que todo mundo

ficou feliz pelo Luiz e que ela também já conseguia escrever muitas coisas com

ajuda, que o Luiz estava conseguindo sozinho e que logo ela também vai

conseguir...

A Turma do Espaço (5o ano) chegou e começamos a roda. Como de

costume, os grandes ajudando os pequenos a registrarem o nome de cada autor

(eles escrevem o nome de cada um que vai ler).

Observamos - Cinthia e eu, que agora meus pequenos participam mais da

roda, mesmo sem lerem. A dinâmica da roda é a seguinte: as crianças do 5o ano

leem seus textos, um de cada vez e, a cada texto lido, abrimos uma seção de

perguntas e comentários sobre os textos.

Geralmente as crianças do 5o. Ano que falam coisas do tipo: “ Faltou usar

plural”, “O título não está adequado para sua história”, “De onde você tirou a

ideia de seu texto?”, enfim, perguntas que, na maioria das vezes, são para ajudar o

autor a melhorar. Nesse momento, nós aproveitamos para comentar também, por

exemplo, explicar para o 1o ano o que é titulo – e na verdade a explicação é dada

pelas próprias crianças maiores. Nosso papel é interferir, destacar alguns pontos...

O que observamos é que, inicialmente os pequenos não perguntavam, só

ouviam e hoje eles perguntam, na verdade o que fica claro é que eles reproduzem

(imitam) as perguntas dos grandes, sem pensar muito na pergunta em si, é comum

ver os pequenos pedindo a palavra e perguntando exatamente igual ao “grande”

que acabou de perguntar. Acreditamos (escrevo agora no plural, pois isso é reflexo

de conversas com a Cinthia, é meio que uma hipótese coletiva!) que eles estejam

incorporando os modos de fazer em uma roda de leitura e por isso usam a

imitação.

No fim das leituras, a Hilana do 1o ano disse que: “ As ideias vem da

cabeça. A gente pensa e a gente escreve”. Perguntei para ela: “ E a gente (do 1º

ano) já escreveu texto livre?”, ela disse que não (e não mesmo!); perguntei então:

“ E aí, vocês estão com vontade de escrever?” e ela e toda a turma: “Sim!” e

então, depois do lanche (já era quase a hora do lanche quando a roda terminou!),

voltamos para a sala para inaugurar nosso caderninho de texto livre. Uns fizeram

só a capa, outros já escreveram seus textos, eu consegui olhar todos, mas fiz a

reescrita só de 5 crianças, segunda vou retomar esse trabalho!

E termino feliz a 1a. semana de volta do recesso!

Não posso terminar o registro desta semana sem contar o quanto vejo que

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eles amadureceram depois do recesso. O Paulo (OP) disse que talvez seja meu

olhar para as produções deles, pois tive essas duas semanas de distanciamento,

disse também que talvez seja a maturidade deles... não sei pode ser as duas coisas!

O fato é que eles estão avançando – observei que tanto na escrita como na

matemática !

(Registro de Diário de campo – 27 de julho de 2012)

A retonada da leitura desse registro explicitou que é o ato de ler para o

outro que encanta e motiva as crianças a se aventurarem pela escrita e não o

instrumento texto livre em si. É o sentido que é atribuído ao texto, o que se faz

com o texto livre produzido pela criança que se mostra relevante, e, por isso, a

prática de circulação dos textos das crianças nas rodas de leitura torna-se um

importante lugar de comunicação.

A função da escritura ‘para o outro’ e a presença de interlocutores

provocam uma tensão: o esforço de explicitação do discurso interior, abreviado,

sincrético, povoado de imagens, pela escritura, adquire realmente a característica

de um laborioso trabalho gestual e simbólico. É nesse esforço, nesse trabalho

de explicitação das ideias por escrito para o outro, que as crianças vão

experienciando e apreendendo as normas da convenção: os interlocutores, vão

apontando a necessidade e delineando os parâmetros consensuais para a leitura.

(SMOLKA, 2003, p. 110, grifos nossos).

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CAPÍTULO 5 – AS HISTÓRIAS DAS CRIANÇAS COM RELAÇÃO À

APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA: ANALISANDO OS DADOS

No início desta pesquisa, minha aposta era “tudo” no instrumento, era como

se apenas o texto livre fosse capaz de alfabetizar, por si próprio, mas, ao

direcionar o olhar para minha prática com o texto livre, os modos de relação

assumiram um caráter determinante ou primordial: como as crianças elaboram,

criam estratégias durante o processo de “aprender a escrever”? O outro ganha

protagonismo. Isso porque a experiência das rodas de leitura, que garantia às

crianças que suas produções tivessem destinatários reais, deu mais relevo a esse

outro, que se evidenciou, nas análises, como essencial.

[...] Mas, considerando como agentes, os indivíduos não são sujeitos livres e constituintes no sentido filosófico destes termos. Agem nas e sob as determinações das formas de existência históricas das relações sociais de produção e reprodução. Tendo em conta essa explicitação, pode dizer-se que a socialização da escrita, ponto principal (e não acessório) da práxis do texto livre, gera pelo contrário uma diferença enquanto diferença, enquanto que a redação, prática ideologicamente des-socializada, apenas gera separações ideologicamente diferenciais. (CLANCHÉ, 1977, p.22).

Tomaremos para análise as produções das crianças que, em 2012,

chegaram à EMEF Edson Luís Lima Souto para cursar o 1º ano do Ensino

Fundamental. Serão analisadas as produções de sete crianças, sendo que quatro

delas apresentaram um processo de alfabetização mais “demorado”; duas

chegaram ao primeiro ano com processo de alfabetização já caminhando, e uma

alfabetizou-se rapidamente, pois tinha como motivação fazer textos “como a amiga

fazia”.

Cabe explicitar o porquê de escolhermos, dentre as vinte e cinco crianças

que participaram desta pesquisa, voltarmos nosso olhar investigativo para os

“escritos” dessas sete crianças, para os textos livres por elas produzidos durante

esses dois anos.

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Os critérios utilizados foram a análise dos diferentes percursos de

apropriação e produção que cada uma percorreu até que se tornasse, de fato,

alfabetizada. Percursos que nos dão indícios de processos de elaboração

prototípicos e idiossincráticos, ao mesmo tempo, nesse processo de aquisição da

linguagem escrita.

O tratamento dos dados tem o caráter analítico e descritivo e, como modo

de organização dessas análises, optamos por dividir as produções em “casos”, ao

invés de categorizá-las por temas ou eixos, para não perdermos as nuances de

cada percurso de produção, pois acreditamos que cada caso, ou seja, o caminho

de cada criança traz sutilezas da diversidade existente neste processo de

apropriação da escrita, diferentes modos de produção, diferentes tempos – apesar

de todos estarem matriculados no mesmo ano escolar.

Ao final de cada caso, elaboramos um gráfico que explicita a evolução da

escrita de cada criança neste processo de alfabetização, para que possamos

visualizar percurso de cada uma.

Caso 1 – As tensões entre gestos e palavras: interações, (in)comunicações e

interpretações

Giovana chegou ao 1º ano com a escrita “pré-silábica” de acordo com as

etapas sugeridas por Emília Ferreiro (1998). Em suas hipóteses de elaboração da

escrita, ela utilizava letras e números, “misturados”, como podemos observar em

sua ficha de avaliação descritiva19 do 1º trimestre de 2012:

“Sua produção escrita encontra-se na fase pré – silábica. Este estágio da escrita se caracteriza pela exigência mínima de letras com variação de caracteres dentro da palavra. Neste nível o aluno considera que coisas diferentes devem ser escritas de diferentes formas. Não discrimina letras e números. Quanto à leitura, não lê convencionalmente, mas faz tentativas utilizando recursos e estratégias como memória

19 A Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Campinas, propõe que sejam elaboradas “Fichas de

Avaliações Descritivas”, que feitas trimestralmente pelo professor e abordam o desenvolvimento escolar

da criança durante cada trimestre do ano letivo.

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visual, letra inicial e/ou final, símbolos característicos. Apresenta dificuldades para fazer o traçado das letras e para organizar o caderno”

(Recorte da Avaliação Descritiva retirado do sistema INTEGRE/2012)

001 – acesso em janeiro/2014.

Pensar na alfabetização tendo como aporte teórico a piscologia histórico-

cultural e, como ancoragem pedagógica, o referencial freinetiano, faz-me

considerar a história de cada criança como constitutiva para seu desenvolvimento,

leva-me a pensar sempre nas condições concretas em que acontece a

aprendizagem de cada um.

O que determina diretamente o desenvolvimento da psique de uma criança é a sua própria vida e o desenvolvimento dos processos reais desta vida – em outras palavras: o desenvolvimento da atividade na criança, quer a atividade aparente, quer a atividade interna. Mas seu desenvolvimento, por sua vez, depende de suas condições reais de vida. [...] Ao estudar o desenvolvimento da psique infantil, nós devemos, por isso, começar analisando o desenvolvimento da atividade da criança como ela é constituída nas condições concretas de vida. Só com este modo de estudo pode-se elucidar o papel tanto das condições externas de sua vida, como das potencialidades que ela possui (LEONTIEV, 1988, p. 63)

Giovana é a terceira filha de uma família de quatro irmãos. Foi uma das

últimas crianças a consolidar o processo de alfabetização; portanto, teve um

processo demorado e difícil. Sua história é marcada, principalmente, por sua

relação com os irmãos mais velhos: Jhane e Jeferson, que são deficientes

auditivos. Ambos foram alunos de nossa EMEF. São eles os responsáveis por

cuidar da Giovana enquanto ela não está na escola, pois sua mãe se ocupa muito

cuidando do irmão mais novo, que é um bebê e, também, com os afazeres

domésticos. Eles também a auxiliam na realização das “lições de casa”, já que sua

mãe não sabe ler e nem escrever.

É a Jhane, irmã mais velha de Giovana, quem mais a orienta com relação

aos trabalhos da escola. Muitas vezes, ela faz o trabalho pela Giovana. Como

professora, tentei explicar-lhe que não seria necessária a ajuda da irmã e que esta

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poderia deixar a Giovana fazer “do jeito dela”, mas confesso, aqui, que minha

comunicação com a Jhane é difícil, e, na maioria das vezes, recorro à escrita de

bilhetes.

Demorou quase mais de um ano para que eu, professora da Giovana, me

atentasse para o fato de que suas dificuldades com relação à alfabetização

estivessem relacionadas ao fato de, em casa, ela ter poucas referências sonoras.

Era comum que, durante suas tentativas de escrita, ela me “mostrasse” a letra de

determinada palavra que queria escrever “desenhando-a” no ar, fazendo gestos,

esforçando-se ao máximo para se fazer entender (e eu nem sempre entendia).

Em seus estudos acerca da pré-história da linguagem escrita, juntamente

com Luria, Vigotski afirma que:

O gesto é o signo visual inicial que contém a futura escrita da criança, assim como uma semente contém um futuro carvalho. Como se tem corretamente dito, os gestos são a escrita no ar, e os signos escritos são, frequentemente, simples gestos que foram fixados. (VIGOTSKI, 1998, p.141 – grifos nossos).

Como podemos observar, esse processo de aprendizagem da Giovana

mostra a ligação entre o sinal escrito e o gesto; gesto que significa, que auxilia na

compreensão dessa linguagem escrita. Gesto como tentativa de representação. O

gesto que atribui sentido. O gesto de desenhar as letras no ar faz com que

Giovana vá, pouco a pouco, aprendendo sobre as letras. Gesto que, de fato,

antecede a escrita.

A figura abaixo mostra um texto livre produzido no início do 1º ano: as letras

ainda estavam bem “soltas” no papel, a dificuldade não se limitava à dimensão

sonora da escrita, mas se estendia à organização topográfica do texto, que, para

ela, mostrava-se como um desafio, o que é comum nas produções das crianças

que estão começando o processo de alfabetização.

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Produção de Giovana - Março de 2012

O texto acima foi escrito por Giovana durante um ateliê de texto livre: ela

escolheu fazer esse trabalho.

Depois de escrever “do seu jeito”, recorreu, como de costume, a minha

intervenção, que se dá através da reescrita. Nesse processo de reescrita, a

criança me “conta” o que escreveu. Eu sempre verbalizo para eles que eu não

consigo ler todos os “jeitos de escrita”, que eles estão aprendendo e precisam me

ajudar, lendo/contando suas histórias, para que eu possa reescrevê-las de uma

maneira que todos possam compreender; construindo, assim, uma relação de

confiança, para que a criança se sinta segura em explicitar suas hipóteses sem

medo ou cobranças. Depois de minha reescrita, as crianças copiam, logo nas

linhas abaixo, seu próprio texto.

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É sabido que a aprendizagem da língua escrita necessita de diversos

aspectos, dentre eles: a compreensão da importância da língua em

funcionamento, seus usos sociais e, também, as relações existentes entre as

unidades sonoras da palavra e sua grafia, a consciência fonológica. No caso de

Giovana, vemos que essa relação entre a representação gráfica da palavra e seu

som ficava bastante truncada, parecia não fazer sentido, faltava referência.

Ao perceber essa condição concreta da vida de Giovana, de ter como

referência o gesto e não a dimensão sonora da escrita, foi necessária uma

reorganização do meu fazer em sala de aula; foi preciso repensar em como

“chegar” a ela, tentar ficar mais próxima, verbalizando todas as palavras que ele

queria escrever, dando ênfase ao som ao pronunciar as palavras para ela,

orientando-a a “pensar” nesse som, a aprender a ouvir.

A organização da sala em ateliês possibilitou-me “estar mais perto”, sentar

ao lado dela para fazer com ela, pois enquanto eu trabalhava com a Giovana e

com outras crianças que estavam com mais dificuldade, num pequeno grupo de

quatro ou cinco crianças, os demais alunos estavam envolvidos em outros ateliês,

que possibilitavam um trabalho de maior autonomia por parte das crianças, tendo

o colega como referência, já que é comum, durante um ateliê, um colega com

mais experiência naquele trabalho orientar os demais alunos, auxiliando, fazendo

junto.

Essa prática do trabalho em ateliês possibilita que o professor possa

circular pela sala, concentrando seu trabalho com grupos diversos, de acordo com

as necessidades individuais.

A imagem que se segue mostra uma produção da Giovana, feita no ateliê

de texto livre em setembro de 2012. É interessante observar que, um semestre

após seus primeiros tateios sobre a aprendizagem da língua escrita, suas

produções ainda não trazem grandes avanços no que se refere à base alfabética

da escrita, suas hipóteses pautam-se na repetição de letras, na escrita de letras

“desconectas”. No início do texto, aparece, porém, o nome da professora, cuja

grafia provavelmente foi memorizada por ela.

O que marca a diferença entre a primeira escrita apresentada e essa

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próxima é a quantidade de letras que ela usa para escrever. Inicialmente, Giovana

acreditava que, para escrever, precisava de muitas letras; na produção a seguir,

no entanto, podemos notar que ela usa poucas letras para expressar sua ideia,

começando a perceber que a escrita tem relação com os sons, repensando suas

hipóteses, o que nos leva a inferir que ela tem a intenção de escrever “do jeito

certo”, que ela já tem consciência de que sua escrita ainda não corresponde à

convencional.

A intenção de escrever de modo correto evidencia um valor típico da escola, em particular, e da sociedade, de modo geral, situando discursivamente a inserção social da criança, que escreve para outros e deseja garantir o sentido para quem a lê; assim as convenções sociais são fundamentais. (GOULART, 2013, p. 30).

Texto Giovana setembro de 2012

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Esse tipo de produção assemelha-se às hipóteses de crianças ainda no

início do processo de alfabetização, apesar de no caso de Giovana este texto ter

sido elaborado quase no final do seu 1º ano escolar. Esse processo de

aprendizagem da língua escrita nem sempre é linear, tranquilo; ao contrário, é

complexo, permeado pelas relações que a criança estabelece com a linguagem

escrita dentro e fora da escola!

Olhar para esse processo evidencia a importância de respeitar, mas

também estimular o caminho de cada criança. Entendendo a palavra estimular

como o ato de instrumentalizar a criança para que ela adquira elementos técnicos

para “dominar” o código da escrita e possibilitar que ela tenha acesso à língua em

movimento, em uso, para que a escrita faça sentido, para além de trabalhar a base

alfabética da língua.

Nesse processo de alfabetização, muitas vezes, observei que a

necessidade da Giovana era simplesmente a minha presença, o estar junto...

Vigostski afirma que “a criança domina então alguns “saber-fazer” no campo da

linguagem, mas não sabe que os domina”. (VIGOTSKI apud FRIEDRICH, 2012,

p. 107). Ela precisava que eu confirmasse sua hipótese, por exemplo, queria

escrever CASA e me perguntava: “CA..CA... É “C” com “A”? Ou seja, ela já sabia a

relação grafema-fonema, mas necessitava do meu aval, para passar a “saber que

sabe”!

[...] trata-se da “zona de desenvolvimento proximal”. Opondo- o ao conceito de “desenvolvimento presente”, que engloba tudo o que a criança sabe fazer de uma maneira autônoma, todas as capacidades que vieram à maturidade, o conceito de “zona de desenvolvimento proximal” antecipa os desenvolvimentos possíveis, o que a criança conseguirá fazer se acompanhada pelos adultos na resolução de tarefas e problemas. (FRIEDRICH, 2012, p. 110).

Foram muitas as vezes que necessitei sentar ao lado de Giovana para

trabalhar. Na dinâmica intensa das salas de aula, nem sempre era possível,

mesmo que estivéssemos trabalhando em ateliês, mas foi esse trabalho,

individualizado, no tête-à-tête que garantiu que ela terminasse o 2º ano

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alfabetizada.

O texto abaixo mostra a elaboração da Giovana, com relação à escrita.

Podemos observar que houve avanço em sua hipótese escrita. Nesta produção, já

se percebe uma elaboração com maior preocupação com a correspondência entre

som e letra. Ela passa a perceber que a escrita também representa os sons da

fala - o que, para o caso dela, é uma conquista importante.

Nota-se, no entanto, que no momento da reescrita, quando ela conta/lê sua

história para a professora, ela traz novos elementos, amplia a história que

escreveu, fazendo a professora de escriba de suas ideias, já que, sozinha, não

“deu conta” de colocar no papel tudo que havia pensado. Esse tipo de situação

mostra-se recorrente quando a criança está em processo de alfabetização.

É importante que, neste momento, a professora verbalize para a criança o

que está acontecendo, mostrando para ela, apontando o que ela escreveu sozinha

e que continue a escrita, de acordo com os dizeres da criança, explicitando esse

exercício de ser escriba, informando- a que parte da história que ela está contando

ainda não estava no papel, mas, sim, no pensamento da criança.

O tema pode estar apenas esboçado. Então interrogamos a criança para enriquecer a sua ideia e o seu pensamento. Ajudamo-la a exprimir melhor este pensamento, retomando e completando as frases escritas, ordenando-as melhor, embelezando-as se possível. De início, não devemos recear dar aos principiantes, àqueles que por diversas razões se exprimem dificilmente, a nossa grande ajuda de professor, talvez 80 por cento. O essencial é que a criança tenha o sentimento de que o que está escrito são seus pensamentos e as suas próprias ideias, que foi ela que o disse. [...] O autor irá então copiar cautelosamente no caderno o seu texto preparado desta forma. Lê-lo-á com certo orgulho, e por vezes até com êxito pois, assim preparado e valorizado te naturalmente mais oportunidade de ser adoptado. (FREINET, 1976, p. 38 – 39).

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Giovana - outubro de 2013.

Nessa produção, podemos perceber avanços ainda que sutis. No início do

texto, temos o “Era uma vez” escrito pelas letras: “E LA U Z E V” - expressão

bastante utilizada pelas crianças, que se ancoram nas leituras dos contos de fadas

para criarem suas histórias. Ao observarmos a grafia da palavra “menina”´- M N A-

evidencia-se o movimento que ela fez de perceber a relação entre a letra grafada

e seu som.

O texto abaixo foi elaborado durante o ateliê de texto livre. No momento de

escritura, ela necessitou ainda da confirmação do adulto para efetivar suas

hipóteses, mas os questionamentos passaram a ser mais elaborados. Suas

dúvidas eram outras: enquanto, no início de seu processo, ela perguntava se “C”

com “A” formava “CA”; nessa última produção, ela questionava, por exemplo, se a

palavra “princesa” se escreve com “S” ou com “Z”.

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Texto livre de Giovana – dezembro de 2013

O processo de Giovana mostrou-se lento no início, marcado por todas as

condições “adversas” (ou singulares) que afetam sua existência, mas, “de

repente”, com o intervalo de dois meses (se observarmos as datas das últimas

produções aqui apresentadas), ela se mostra alfabetizada! Esse salto qualitativo,

porém, que se explicitou “em dois meses”, é resultado de dois anos de trabalho,

de investimento nas potencialidades da Giovana, de respeito ao seu ritmo, da

busca por compreender a sua história, da tentativa em tentar entender o melhor

caminho a explorar com ela, o que torna o trabalho com alfabetização um projeto

para a turma toda e para cada um!

A seguir, apresentamos o gráfico que mostra o desenvolvimento da escrita

de Giovana durante esses dois anos de trabalho.

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1o. Trim/12 2o. Trim/ 12 3o. Trim/12 1o. Trim/13 2o. Trim/13 3o. Trim/13

1 – PRÉ –SILÁBICO; 2 – SILÁBICO; 3 – SILÁBICO ALFABÉTICO; 4 -ALFABÉTICO

Fases da escrita de Giovana (Caso 1)

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Caso 2 – Uma sequência gradual tomada como prototípica

Tomaremos, agora, para análise, as produções de Rafael, também

matriculado no 1º ano em 2012, seguindo para o 2º em 2013.

Rafael foi outro aluno que levou um “tempo maior” para compreender o

princípio alfabético da escrita, comparando-o com o desenvolvimento geral da

turma. Tomando como ancoragem teórica os pressupostos vigostkianos,

assumimos essa “defasagem” como um espaço de elaboração que se situa entre

o ensinar e o aprender a escrita como forma de linguagem (SMOLKA, 2012, p.

78).

Em sua família, ele é o irmão “do meio”: tem um irmão mais velho que

estuda na EMEF e uma irmã caçula, que frequenta a creche, ao lado de nossa

escola. Quem cuida do Rafael e o ajuda em suas lições de casa é o irmão mais

velho. Essa é a realidade da maioria das crianças de nossa escola, pois as mães

ausentam-se de casa para trabalhar e, na maioria das vezes, só retornam à noite.

Suas produções trazem muitas letras, e, frequentemente, as letras do

próprio nome, mudando a sua ordem para escrever “palavras” diferentes. Traz

também as letras do nome da professora, que ele sabe grafar “de memória”.

Essa hipótese é comum quando a criança está em processo de

alfabetização. Como podemos observar no texto livre que segue:

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Rafael: fevereiro de 2012

Ao observarmos os textos que se seguem, podemos perceber uma tentativa

do autor de “criar uma história”, apesar de sua escrita ainda não ser a

convencional. Notamos que ele já conhece bastante sobre a escrita: sabe que,

para escrever, utilizamos as letras de nosso alfabeto; que a escrita acontece

linearmente, da esquerda para a direita; que, para compor um texto, precisamos

de diversas letras, enfim, está “tateando”, aprendendo sobre a linguagem escrita,

que, como Vigostki afirma, é complexo:

O domínio da linguagem escrita significa para a criança dominar um sistema de signos simbólicos extremamente complexo. A. Delacroix nota acertadamente que a peculiaridade deste sistema radica em que representa um simbolismo de segunda ordem que se transforma pouco a pouco em simbolismo direto. [...] Para nós é evidente que o domínio deste sistema complexo de signos não

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pode realizar-se por uma via exclusivamente mecânica, de fora, por meio de uma simples pronúncia, de uma aprendizagem artificial. Para nós é evidente que o domínio da linguagem escrita, é um momento decisivo e não se determinada de fora, pelo ensino escolar, é , na verdade, o resultado de um- longo desenvolvimento de funções superiores do comportamento criança (VIGOTSKI, 1995, p. 183, tradução nossa).

Pensando nesse processo inicial de aquisição da escrita, retomamos

Freinet, que nos mostra que:

A criança, com a caneta que ainda maneja dificilmente, escreve o que tem vontade de dizer ao professor ou aos companheiros. Essa escrita é, naturalmente, de um gênero muito especial e temos que nos treinar a lê-la. Mas logo que deciframos o pensamento infantil, opera-se o encanto, quer esteja em frases infantis, nas quais cada letra adquire o valor de um som ou uma sílaba, corretamente ou em calão, ou em estenografia, a expressão atinge o seu objetivo de comunicação. Estabelecem-se relações novas que dão aos indivíduos este sentimento de plenitude. (FREINET, 1976, p. 29 -30).

O autor nos chama a atenção para a escrita da criança, mesmo que essa

não corresponda à escrita convenciona, explicitando o trabalho de elaboração feito

para que ela expresse suas ideias e pensamentos na e pela palavra.

De acordo com Clanché, “a criança não conta e nem inventa, fabrica e faz

andar” (CLANCHÉ, 1977, p. 96). Podemos observar que Rafael arrisca trazer suas

ideias e colocá-las no papel, mesmo sem dominar o código “exato”, ele “faz

andar”, é capaz de reconhecer a função social da escrita e a utiliza para comunicar

suas ideias através do texto.

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a b

Texto elaborado em agosto de 2012 (a) e texto escrito em outubro de 2012 (b)

Cabe explicitar as condições de produção do texto acima. Rafael,

“tateando” sobre a linguagem escrita, vai escrevendo “do seu modo” suas ideias

no papel. Num primeiro momento, podemos observar que sua hipótese não pode

ser lida e compreendida pelo outro. Isso é verbalizado para ele, que “lê” seu texto

para que a professora se torne sua escriba e confira, assim, a sua escrita, a

função de comunicar.

Nesse movimento de significar a escrita dele para os outros leitores, a

professora lê o que ela escreve – a reescrita - para que Rafael ouça a sua história,

para que ele legitime os sentidos atribuidos à sua produção, assumindo o lugar de

autoria, mesmo antes de dominar corretamente o código convencional da escrita.

Podemos observar que, na escrita de seu texto livre, ele traz elementos,

personagens que conheceu na escola e resignificou em sua produção,

apropriando-se das “palavras dos outros” e tornando-as “sua”, ocupando, assim,

um lugar de autoria, mesmo sem ter consolidado seu processo de alfabetização.

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Bakhtin afirma que:

A experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. É uma experiência que se pode, em certa medida, definir como um processo de assimilação, mais ou menos criativo, das palavras do outro (e não das palavras da língua). Nossa fala, isto é, nossos enunciados (que incluem as obras literárias), estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também, em graus variáveis, por um emprego

consciente e decalcado. (BAKHTIN, 1999, p. 314).

O ato de escrever para o outro, de ter seu texto lido em roda – escrever,

portanto, para circular entre os colegas de sala (e da sala do 5º ano) - faz com que

a necessidade da escrita seja real. Partindo dessa necessidade real, o trabalho

com a escrita, com a técnica dessa escrita, questões de estrutura textual, a

aprendizagem do código escrito, passam a fazer sentido para a criança. Ela quer

melhorar o seu texto para que ele possa ser lido e compreendido por todos.

Por isso, é de fundamental importância que, desde o início, a alfabetização se dê num contexto de interação pela escrita. Por razões idênticas, deveria ser banido da prática alfabetizadora todo e qualquer discurso (texto, frase, palavra, “exercício”) que não esteja relacionado com a vida real ou o imaginário das crianças, ou em outras palavras, que não esteja por elas carregado de sentido. (OLIVEIRA, M.K., 1998, p. 70-71).

No texto que segue, podemos observar avanços significativos com relação

à escrita de Rafael:

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Texto elaborado em fevereiro de 2013

Observando os avanços das produções de Rafael, podemos inferir que, no

trabalho com o texto livre, a possibilidade de tornar-se autor trouxe a ele motivos

reais para que seu processo de alfabetização se consolidasse. Sua participação

nas rodas de leitura - os modos como ele comportava, ouvia os colegas,

perguntava – evidenciava o seu real interesse.

A criança lê seus textos aos companheiros, interpretando ela mesma os sinais escritos. Ou então lemo-lo, fazendo-nos ajudar por ela se necessário. [...] encorajem-na sempre, admirem os seus achados, interroguem-na para fazer precisar os pontos obscuros. Deixem-lhe sempre a impressão reconfortante de saber escrever, pois que compreendem, através do texto, o que ela pretendeu dizer e nisto reside a sua conquista definitiva. (FREINET, 1976, p. 30).

Escrever para o outro fez com que ele investisse nessa escrita, que se

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processou, evidentemente, sempre com a intervenção do adulto, com o trabalho

cooperativo junto aos colegas de sala – o que explicita o conceito de ZDP:

[...] a zona de desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação d eum adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 1998, p. 112).

Por último, apresento o texto que Rafael escreveu em dezembro de 2013,

perto dos últimos dias de aula, quando mostra uma escrita alfabética, ainda com

questões ortográficas e de estrutura de texto - como, por exemplo, a paragrafação

- a serem trabalhadas, mas já se trata de uma escrita que pode ser lida e

compreendida por todos.

Último texto livre escrito por Rafael no 2º ano (dezembro de 2013)

Segue o gráfico que mostra a evolução da escrita de Rafael durante esses

dois anos de trabalho.

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1 – PRÉ –SILÁBICO; 2 – SILÁBICO; 3 – SILÁBICO ALFABÉTICO; 4 -ALFABÉTICO

Fases da escrita de Rafael (Caso 2)

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Caso 3 – “Sobre o jeito certo de escrever”: as tensões na elaboração

O terceiro caso que apresentaremos é da aluna Beatriz, outra criança da

turma que “demorou” a se alfabetizar. Filha única, sempre bem assistida pela

família. Quem acompanha seu desenvolvimento escolar é sua mãe, que está

sempre preocupada com o desempenho da Bia. Protótipo da “boa aluna”, de

família estruturada, entretanto, seu processo de alfabetização tardou a se

concretizar – o que contraria o que o senso comum acredita sobre os que são

considerados bons alunos.

A Beatriz sempre acreditou muito em sua escrita. Confiante, elaborava

páginas e mais páginas de histórias, enchendo-as de letras, aparentemente soltas

no papel, mas que, para ela, fazia muito sentido. Ela escrevia e me contava sua

história para que eu reescrevesse “do jeito certo”.

Os textos abaixo mostram suas hipóteses, o uso frequente das letras de

seu nome I A, no primeiro texto, e E I A, no segundo - o que explicita que ela

recorre às letras que conhece, que domina o traçado, para elaborar seus textos

livres, sem estabelecer ainda correspondência entre o som das palavras e a grafia

das letras.

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Beatriz - fevereiro de 2012

Maio de 2012

Apesar de saber que sua escrita não era a escrita convencional, que nem

todos seriam capazes de ler, Bia não se intimidava e escrevia livremente. Essa

postura da aluna em questão também é preocupante para nós, professores-

alfabetizadores, pois surge a indagação: Como fazer para que a crianças perceba

que precisa avançar? Como provocar esse desenvolvimento?

A minha intervenção, neste caso, deu-se paulatinamente, respeitando sim a

cadência do desenvolvimento da Beatriz, mas instigando-a, provocando-a, de

certa forma, através do trabalho com a reescrita de seus textos livres, feita com

ela, Nesses momentos, eu solicitava que ela tentasse ler o que escreveu e não

apenas me contasse sua história “de memória”, buscando fazê-la perceber que

sua escrita estava diferente da escrita convencional, apontando, assim, a sua

necessidade de escrever “do jeito certo”, ou como as crianças dizem, ensinando a

escrita.

A diferenciação funcional da escrita pode ou não avançar dependendo da qualidade das experiências, sobretudo as escolares, com a produção e análise de textos. O

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desencadeamento desse processo requer que o escritor comece a considerar as implicações do carater dialógico do ato de escrever, tomando, ao mesmo tempo, o dizer do texto como objeto de atenção e o leitor como um sujeto que constrói sentidos a partir de pistas do texto. Supomos que dentre outras condições para esse refinamento está a possibilidade de interação com um “representante do leitor”, um interlocutor imediato que aponte para o sujeito as exigências de compreensão do leitor, visto ser fundamental a participação de outros, no jogo de relações face-a-face que se dão em torno do texto. Nessa interlocução sobre o caráter significativo e comunicativo da escrita, pode-se configurar o leitor, primeiro representado (ou personificado) pelo interlocutor imediato que negocia sentidos, analisando e operando com a criança sobre o texto. (GÓES, 1993, p. 102).

Beatriz – novembro de 2012

As rodas de leitura também foram importantes nesse processo, pois ela

gostava de ler seus textos livres para os colegas. Mesmo que seu texto ainda

fosse pequeno, ela se arriscava, lia/contava suas histórias, e isso a fez perceber a

importância de uma escrita que fosse compreendida por todos. Estar inserida num

grupo de crianças escritoras a motivou a escrever cada vez melhor.

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Os outros alunos, ouvintes de suas história nas rodas, aparecem aqui como

agentes importantes , os pares que ocupam o lugar de “leitores”, comentadores e

por que não co-autores? O ambiente da sala de aula torna-se propício para que

essa rede de mediações se estabeleça.

Além da reescrita, as práticas diárias de chamada, organização da fila,

escrita da rotina, a leitura diária de textos de diversos gêneros, os ateliês de

alfabetização, as fichas usadas nesses ateliês (vide anexo) também contribuiram

para o avanço das hipóteses escritas de Beatriz, como podemos observar no texto

a seguir:

Beatriz – julho de 2013

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Beatriz terminou o 2º ano alfabetizada e consolidou esse processo no final

do ano, em dezembro, com quase 8 anos.

Dezembro de 2013

O texto acima, o último que Beatriz produziu em 2013, em meados de

dezembro, mostra uma escrita alfabética. Uma história coerente, apesar de ainda

necessitar de um aprimoramento, apresentar questões ortográficas a serem

trabalhadas, necessitar de uma melhor organização, o uso adequado dos sinais

de pontuação. É um texto que faz sentido, que comunica, que expressa as ideias

da autora e que pode ser lido e compreendido pelo outro.

O ato de escrever representa um grande desafio para a criança em fase inicial da escrita. Para muito além de aspectos motores envolvidos nesse processo, requisita intensa atividade cognitiva, intrinsecamente relacionada à atividade social, pois ela necessita conjugar o que dizer ao como fazê-lo. Na realidade, esse desafio é inerente a todos os processos de escrita, mas são muitos os conhecimentos que precisam ser elaborados pelo escritor iniciante. (GOULART, 2013, p. 29).

Abaixo temos o gráfico que demonstra a evolução de Beatriz, no que se

refere à apropriação da linguagem escrita.

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1 – PRÉ –SILÁBICO; 2 – SILÁBICO; 3 – SILÁBICO ALFABÉTICO; 4 -ALFABÉTICO

Fases da escrita de Beatriz (Caso 3)

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Caso 4: Quando a criança chega “pronta”

Analisaremos agora o percurso da aluna Manuela, que chegou ao 1º ano

com o processo de alfabetização já mais adiantado, comparado à maioria dos

alunos da turma, como podemos observar em seu texto livre escrito em março de

2012:

A minha escola

Todo dia acordo cedo e a minha mãe (minha) a mãe sempre faz meu café da manhã. Eu sempre tomo e minha irmã. Eu dou tchau para minha mãe. Assim é a minha história.

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Podemos observar que, apesar de apresentar uma escrita alfabética, que

pode ser lida e entendida pelo outro, as produções de Manuela traziam diversas

questões a serem trabalhadas, como marcas de oralidade.

Em casos como o de Manuela, o trabalho que o professor deve desenvolver

é o de ensinar os aspectos convencionais da escrita, corrigindo, orientando-a na

reelaboração de sua produção, não com o objetivo de exaltar os erros da criança,

mas, sim, tomando esses erros como parte intergrante do processo de elaboração

da criança com relação à aprendizagem da linguagem escrita.

A correção o texto constituirá um dos melhores exercícios de construção de frases, de gramática, de cocabulário e de leitura silenciosa – esforçando-se naturalmente a criança, por encontrar nas palavras o seu significado vivo – a leitura, mesmo que não haja exercício formal. (FREINET, 1976, p. 31).

Textos elaborado em abril de 2012

ab

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129

As imagens do texto acima trazem o modo do professor trabalhar questões

ortográficas junto ao autor do texto. As palavras que não estão escritas

corretamente são apontadas, sublinhadas e apresentadas logo abaixo do texto,

da forma correta. O professor mostra o “jeito certo”, instrumentalizando o aluno,

dando referência, ensinando elementos importantes da linguagem escrita. Toma,

assim, do próprio texto da criança, as questões a serem trabalhadas, para que a

criança possa, cada vez mais, dominar o código escrito para comunicar suas

ideias.

Partindo de textos livres, submetidos a debate e coletivamente modificados e aperfeiçoados, o aluno-impressor encontra-se frente a frente com a exigencia da legibilidade. As falhas não são mais aqueles erros que apenas o professor detectou, são obstáculos à comunicação pública. Evitá-los torna-se, portanto, questão de honra. As regras ortograficas e gramaticais, na medida em que permitam compreender os erros cometidos, passam a ser meio necessário para a boa realização da tarefa.[...] Como evitar erros se não se conhecem as regras e as razões que definem o certo e o errado? Freinet não desprezava a importância de trazer o conhecimento necessário no momento adequado. Na medida do possível, o aluno terá sua autonomia garantida, servindo-se ele próprio do dicionário e da gramática, bem como utilizando fichas autocorretivas. Por outro lado, nada impede que o professor ensine. Mas, diferentemente de como ocorre na pedagogia tradicional, esse ensinamento não decorre de uma progressão teórica e abstrata. Nasce de necessidades comprovadas: como se escreve esta ou aquela palavra? Tal palavra é com “s” ou com “z”?(LEGRAND, 2010, p. 20 - 21)

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130

Texto escrito em Maio de 2012

No texto “A Borboleta”, escrito poucos meses depois, podemos notar

avanços significativos na escrita de Manuela. Ainda observamos, por exemplo, a

dificuldade com o uso do “ÃO” e do “AM”, o que pode se justificar pelo fato das

pronúncias serem parecidas. A criança, no caso, precisaria se atentar ao tempo

verbal a ser usado, mas esse conceito é mais abstrato para quem acabou de

consolidar o processo de alfabetização. A grafia, porém, da maioria das palavras já

está de acordo com a norma padrão.

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131

Outubro de 2012

Para finalizar a análise dos textos livres de Manuela, vamos observar o

texto “Sobre minha escola”. Nesse texto, fica evidente o funcionamento do

interdiscurso, ou seja, o texto só significa se relacionado a outro texto, que faz

parte da memória discursiva da escritora e de seus colegas ouvintes. A autora faz

uma antecipação, prevendo que todos os colegas conheçam a música que ela

parodia, música esta que, na época em que esse texto foi elaborado, era tema de

uma novela veiculada em um canal de TV de grande audiência.

Outras marcas dessa produção são os efeitos de sentido por ela

produzidos: ao colocar a sua relação com a professora usando uma paródia

musical de sua autoria, revela-se um estreitamento da relação da aluna com a

professora. Ela se sentiu segura em dizer; não sentiu que sua escrita poderia

sofrer alguma sanção. Assim, o discurso revela que, mesmo contando que a

professora “briga”, a aluna nos dá indícios de uma relação de afeto e proximidade

com sua professora. Podemos inferir que há uma antecipação da reação da

professora (uma das leitoras reais de seu texto).

Sobre a minha escola Todo dia acordo cedo A minha professora briga

com a gente e eu não sei o que vai dar...

Hã...hã... hã...hã. Tchau!

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132

Essa antecipação feita pela aluna e o jogo de imagens que ela faz da

professora refletem e refratam um modo de relação entre professor e aluno, que

permite que criança exerça sua função de autor, ocupe efetivamente esse lugar de

autoria.

O fato de Manuela se alfabetizar logo no início do 1º ano fez com que

despertasse em Emanuelle, outra criança da turma, amiga de Manuela, o desejo

de aprender a escrever, e é desse “caso” que trato a seguir.

Segue o gráfico de desenvolvimento de Manuela durante esses dois anos

de trabalho.

0

1

2

3

4

5

6

1o. Trim/12 2o. Trim/ 12 3o. Trim/12 1o. Trim/13 2o. Trim/13 3o. Trim/13

1 – PRÉ –SILÁBICO; 2 – SILÁBICO; 3 – SILÁBICO ALFABÉTICO; 4 - ALFABÉTICO;5 - ORTOGRÁFICO

Fases da escrita de Manuele (Caso 4)

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Caso 5: Quero escrever “que nem” a Manu

Emanuelle é a filha “do meio” de uma família de três irmãos. Mora com a

mãe e com seus dois irmãos: um com 19 anos e outro com 5 anos. Sua mãe é

bastante presente e extremamente preocupada com seu desempenho escolar.

Emanuelle demonstra ser uma criança bastante ansiosa, gosta de ter atenção o

tempo todo, traz características de liderança. Em muitas situações, tentava impor

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133

suas vontades, e o fato de ter na turma uma outra menina que já escrevia e ela

não, deixava-a ainda mais ansiosa.

No início do 1º ano, em 2012, suas produções escritas mostravam uma

criança que começava seu processo de alfabetização, como mostram seus textos

livres abaixo, ambos escritos em fevereiro desse mesmo ano:

Os dois textos acima são de fevereiro de 2012

Observa-se que, no primeiro mês de trabalho, suas produções já evoluíram.

No primeiro texto livre que ela escreveu, usava muitas letras para exprimir suas

ideias - característica comum neste processo de alfabetização. No segundo texto,

apesar de observarmos o uso de letras “desconexas”, percebemos o uso repetitivo

das letras que compõem o seu nome e podemos notar, também, algumas

mudanças em sua escrita: ela já não usa tantas letras para escrever, percebeu

que não é o número de letras que faz com que a escrita “faça sentido”. Esse tipo

de descoberta, para a criança que está se alfabetizando, mostra que ela está

pensando sobre sua escrita.

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134

Estimulada pela escrita de sua amiga Manuela, a Emanuelle sempre

escolhia os ateliês de escrita, principalmente o de texto livre, porque, para ela, não

bastava escrever “palavrinhas”, ela queria escrever texto! E escrevia junto com a

Manu.

Faz parte do processo de aprender ler e escrever esse movimento de ser

ajudado e, também, de ajudar. Tomando como ancoragem teórica a perspectiva

histórico-cultural, consideramos o processo de alfabetização como algo

compartilhado, que pressupõe o “fazer com ajuda”, numa relação não apenas

entre a criança e a escrita em si, mas uma relação que passa pelo outro, seja esse

outro o professor ou um colega “mais experiente”.

Com isso, pode-se observar um intenso esforço da Emanuelle para

aprender a ler e a escrever, já que ela tinha pressa, queria escrever “igual à

Manu”, e isso a impulsionava a tentar: ter o outro como “modelo”.

[...] os processos de mediação permitem que a criança opere e aprenda, graças a essa mediação, graças ao apoio dos demais e da cultura, acima de suas possibilidades individuais concretas, em um determinado momento de seu desenvolvimento. (DEL RÍO, 1996, p. 96).

Em agosto de 2012 sua escrita já estava alfabética, como podemos

observar no texto a seguir:

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135

Agosto de 2102

O processo de alfabetização, tomando como ponto de partida a escritura

de texto livre, contribuiu para que Emanuelle se aventurasse pelo mundo da

palavra escrita - elaborando suas hipóteses, errando, acertando, tornando-se

protagonista de sua história de alfabetização e se constituindo enquanto autora –

o que podemos observar em suas próprias palavras, em entrevista realizada dia

20 de maio de 2013:

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136

Nas palavras de Emanuelle, o texto livre se personifica: “ele ensina a

gente a escrever”. O instrumento toma o lugar central em seu processo de

alfabetização, mas fica evidente que é a relação que esse instrumento

proporciona que é essencial para se ensinar a ler e escrever: “quando alguém tá

ensinando a gente”. Em sua fala, ela traz o outro - o outro que ensina, que

aponta, que nomeia as letras, que responde às inquietações da crianças que está

em processo de elaboração de sua escrita e necessita dessa mediação.

Emanuelle remete ao contexto de produção de seus textos livres,

especialmente na fase inicial da escrita, momento em que a criança está tateando

acerca da linguagem escrita, aprendendo o código. Nessa fase, na elaboração de

seus textos, a criança sempre busca no outro a confirmação de suas hipóteses.

Nesses momentos, tentamos garantir, nos ateliês de textos livres, a

presença de uma adulto ou de um colega mais experiente em relação à

linguagem escrita, para que esse “outro” posso instrumentalizar a criança que

está aprendendo a escrever.

Os textos que seguem mostram as últimas produções de textos livres de

Emanuelle, já no final do 2º ano, em 2013. Podemos observar que, além de

avanços significativos em relação à organização textual, ortografia e gramática,

houve também avanços significativos em relação ao conteúdo de suas produções.

Aluna EMANUELLE AF: Pode falar Emanuelle... E: Eu acho que o TL é legal por causa que ele ensina a gente a... a lê e a fazê as palavras... AF: O TL ensina? Me explica melhor como você acha que ele ensina... E: é... por causa que ele ensina a ler, a escrever novas palavras que a gente não sabe... AF: Quando vai escrever o texto vai... Como que vai fazendo? E: ... é... a gente vai pensando...tipo, quando alguém tá ensinado a gente vai, fala: Como que faz para escrever ABELHA? É... ai a gente fala o A, o B, o E, o L , o H... AF: Aí na hora da escrita vai tendo essas ideias e vai ajudando a aprender mesmo a escrita... E: aham!

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137

Outubro de 2013

No texto abaixo, podemos observar que Emanuelle passa a utilizar a letra

cursiva. O trabalho com a grafia desse tipo de letra geralmente acontece quando

a criança já consolidou o seu processo de alfabetização, pois acreditamos que o

esforço para “desenhar” a letra cursiva seja um trabalho árduo para as crianças

que estão ainda aprendendo a escrever.

Novembro de 2013

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138

Segue o gráfico da evolução da escrita de Emanuelle durante esses dois

anos.

0

1

2

3

4

5

6

1o. Trim/12 2o. Trim/ 12 3o. Trim/12 1o. Trim/13 2o. Trim/13 3o. Trim/13

1 – PRÉ –SILÁBICO; 2 – SILÁBICO; 3 – SILÁBICO ALFABÉTICO; 4 - ALFABÉTICO;5 - ORTOGRÁFICO

Fases da escrita de Emanuelle (Caso 5)

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Caso 6: Escrever com sentido: assumindo o processo de autoria

Luiz Henrique se alfabetizou logo no começo do 1º ano: foi o primeiro aluno

da turma a se alfabetizar. Filho único, com pais bastante presentes, encantou-se

com a possibilidade de usar a escrita para comunicar seus pensamentos e ideias.

Isso fica bem evidente em seus textos livres.

[...] as crianças escrevem com vontade exatamente quando surge a necessidade de escrever. Nelas, a criação verbal adquire, em parte, a forma de canções entoadas que refletem todas as esferas da sua vida. (VIGOTSKI, 2009, p. 72).

Segue um de seus primeiros textos livres, que retrata um fato de seu

cotidiano:

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139

Fevereiro de 2012

Analisando o texto acima, podemos dialogar com Bakhtin, que traz como

constitutivo do enunciado/texto, o fato de ele se dirigir a alguém, de estar voltado

para o destinatário, de prever “o outro”, o leitor.

Para ele (o autor), as concepções do destinatário se determinam pela área da atividade humana e da vida cotidiana a que se remete um enunciado. A quem se dirige o enunciado? Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinatário? Qual é a força de influência deste sobre o enunciado? É disso que depende a composição e, sobretudo o estilo, do enunciado”. (BAKHTIN, 1992, p. 321).

Maio de 2012

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140

Nesse segundo texto, podemos dizer que Luiz Henrique sabe quem é (ou

quem são) seu destinatário, e é para ele que escreve. Sabe, também, que há uma

relação afetiva que permeia sua história com a professora, o que o autoriza

inclusive a criticá-la, apontar sua “braveza”.

Pensando ainda nas produções de textos livres de Luiz, traremos outro

texto escrito por ele que nos mostra que:

As palavras tornam-se, cada vez mais, um poderoso meio de reflexão e de regulação interna, para si. Ao mesmo tempo, condensam emoções e imagens que podem ganhar forma na criação literária. (SMOLKA, 2009, p. 77).

Agosto de 2012

Tomando o texto livre como criação literária de Luiz, podemos destacar que

ele traz, em sua escrita, o drama, a emoção de sua vida, usando a escrita para se

enxergar enquanto sujeito. Apropria-se, assim, de seu lugar de autor.

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141

Dezembro de 2012

Já no texto livre acima, podemos notar a predominância do imaginário, do

fantástico, da criação de Luiz. Em seu texto, encontramos elementos reais: a

mansão, o cemitério e o homem, que se mistura à figura imaginária do fantasma.

Numa dimensão escolar, podemos perceber que seu texto traz uma

sequência lógica de ideias, com “começo, meio e fim” e que, apesar de sucinto

seu texto, “faz sentido”.

Luiz Henrique sempre se mostrou bastante criativo, e, por isso, até a

escolha dos textos para serem analisados tornou-se difícil. Por último, traremos

um texto que ele elaborou bem no início de 2013 - logo que chegou ao 2º ano e

ganhou um novo caderninho de texto livre:

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142

Fevereiro de 2013

Nesse texto, podemos encontrar elementos reais, que compõem o universo

escolar, misturando-se a suportes relacionados às novas tecnologias: o facebook.

Ele pede que o caderno de Texto livre seja substituído pelo “instrumento”

facebook, pois, no “face”, ele pode compartilhar, fazer circular ainda mais suas

produções, para além das rodas de leitura. O instrumento “texto livre” parece não

ser mais necessário! A escrita, a necessidade de comunicar se mantêm, mas o

suporte pode ser outro. A essência da técnica, no entanto, permanece: a livre

expressão.

A seguir, temos o gráfico de desenvolvimento de Luiz Henrique durante

esses dois anos de trabalho:

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1o. Trim/12 2o. Trim/ 12 3o. Trim/12 1o. Trim/13 2o. Trim/13 3o. Trim/13

1 – PRÉ –SILÁBICO; 2 – SILÁBICO; 3 – SILÁBICO ALFABÉTICO; 4 - ALFABÉTICO;5 - ORTOGRÁFICO

Fases da escrita de Luiz Henrique (Caso 6)

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Caso 7: E quando a escrita não faz sentido ou da Resistência ao Escrever

Marco Antônio é filho único em uma família aparentemente bem

estruturada e preocupada com a educação de “Marquinho” - assim que ele é

chamado por seus pais. Mora com seus pais e passa às tardes sob os cuidados

da avó paterna.

Frequentou a EMEI situada ao lado da escola desde os três anos de idade,

como a maioria das crianças da turma, e, por isso, já estava bem integrado ao

grupo.

Logo nas primeiras semanas de aula em 2012, a professora da EMEI que

havia trabalhado com o Marco no ano anterior, procurou-me para uma conversa

sobre o comportamento dele. Nessa conversa, ela me relatou que ele mostrava

um comportamento bastante agressivo com as outras crianças e que, em algumas

situações, chegou até a agredi-la. Essas informações já haviam sido

mencionadas pelas crianças, que demonstravam medo do Marco e me diziam

para “tomar cuidado com ele”.

A adaptação do Marco na EMEF não foi muito tranquila. No início, ele

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144

chorava muito na hora da entrada, segurava forte no portão para não ter que

entrar na escola. Era o pai que sempre o levava à escola, quando, diariamente,

explicava calmamente ao filho o porquê dele ter que ir para escola. Muitas vezes,

pai chegava a ceder às pressões que Marco exercia sobre ele, levando o filho de

volta para casa. Minha postura era sempre de encorajar – pai e filho – dizendo

que a escola era um lugar bom, que o menino já conhecia quase toda a turma e

que tínhamos muito que aprender juntos.

Na sala de aula, muitas vezes, ele ameaçava “surtar”, querendo bater nos

colegas ou jogar objetos, mas nunca chegou a agredir ninguém, a não ser

verbalmente, pois, nesses rompantes de descontrole, ele proferia inúmeras

palavras de baixo calão.

Esse comportamento rude foi “passando” ao longo do primeiro ano, mas

ele sempre era enfático em dizer que “odiava a escola”.

Seu processo de alfabetização, também, foi mais lento, pois ele

simplesmente se recusava a escrever. Dizia que odiava escrever, que não

escreveria, que não queria aprender... mostrando que a escrita, para ele, naquele

momento, não fazia diferença. Era difícil descobrir em que fase da escrita ele

estava, pois, nas atividades de sondagem20. Quando ele não se recusava a fazer,

ele usava como estratégia copiar as palavras escritas por algum colega ou

mesmo colocava qualquer letra no papel com o intuito de se livrar do trabalho,

parecendo não pensar sobre sua escrita.

Lembro-me que, depois de alguns meses de trabalho, em meados de maio

de 2012, ele escreveu sua primeira frase, “do seu jeito”, ainda na hipótese silábica

da escrita, já no segundo semestre de 2012 foi: “Eu odeio a escola”. E veio me

mostrar, com um olhar sarcástico, como se quisesse me mostrar sua revolta com

o espaço escolar.

O que nos chamou a atenção em suas produções foi o fato dele sempre

escrever sobre temas que ele considerava ofensivo, como: a raiva da escola,

“vaca”, “cocô” e “pipi”. O texto a seguir foi escrito em parceria – feito por ele o

20 As atividades de sondagem são práticas comuns em turmas de alfabetização com o intuito de diagnosticar

em que nível se encontra a escrita da criança para que o professor possa pensar no trabalho pedagógico a

ser realizado com ela.

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145

pelo amigo Leonardo, que, na ocasião era o mais experiente em relação à escrita.

Era com ele que Marco gostava de trabalhar, quando ainda se recusava a

escrever sozinho. Geralmente a ideia era de Marco, Léo servia de escriba. Eles

escreviam para ler nas rodas de leitura de texto livre. O fato de poder ler os textos

na roda fez com que Marco se animasse a começar a escrever, e os textos sobre

vacas e cocôs arrancavam risos dos colegas.

Texto escrito por Marco e Leonardo, em abril de 2012

Era possível notar que havia certa tentativa dele em me provocar com a

escrita. Ele sempre me perguntava: “Prô, eu posso escrever sobre o que eu

quiser? Qualquer coisa mesmo?”, como se solicitasse meu aval para escrever

suas ideias, sabendo que as palavras escolhidas nem sempre eram as aceitas

pela escola, como que querendo burlar as regras, ousar...

E, como a proposta de texto livre é sustentada pela ideia de livre

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146

expressão, cabia, sim, Marco Antônio escrever sobre “as vacas” e “os cocôs

voadores que explodiam o mundo”, como podemos observar no texto abaixo -

que, apesar de ter uma escrita que necessitava de muitas intervenções, como a

reescrita, para que correspondesse à escrita convencional, já explicitava os seus

dizeres:

Texto elaborado em fevereiro de 2013.

A escrita “escolástica” não fazia sentido para o Marco, mas quando ele se

deparou com a escrita livre de pré-conceitos, a escrita como forma de dizer o que

se tem a dizer – mesmo sabendo que suas palavras não eram as mais aceitas

socialmente, que seus “dizeres” não eram o esperado pela escola, ele se permitiu

escrever e acabou consolidando seu processo de alfabetização, na e pela escrita

“livre”.

O texto que se segue mostra o quanto Marco aprendeu da linguagem

escrita, e traz uma escrita bem mais próxima à escrita convencional, embora com

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147

alguns erros ortográficos e necessidade de maior organização topográfica de seu

texto, mas, ainda assim, mostra avanços do aluno.

Texto produzido em novembro de 2013

A escrita é uma atividade criadora e constitutiva de conhecimento e, por

isso, a escola deve ser o espaço de criação, de elaboração, da possibilidade de

dizer/escrever o que se tem a dizer. Enquanto escreve, a criança aprende a

escrever. Enquanto elabora os seus dizeres pela palavra escrita, enquanto

escolhe as letras que deve grafar para comunicar, ela aprende a codificar e

decodificar os sinais da linguagem escrita.

O desafio aqui, com o Marco, no caso, era despertar a necessidade de

escrever e ele só se deparou com essa necessidade ao sentir vontade de ler, nas

rodas de leitura, as suas produções. Ao ser autorizado a escrever sobre o cocô

ele se sentiu livre para escrever e, assim, do meu lugar de professora, cabia

ajudá-lo a dominar os meios da escrita.

ERA UMA VEZ UMA VACA QUE SEMPRE DAVA SURRA NO CARA.

ELA FICOU COM DOR NA PATA PORQUE ELA SEMPRE DAVA

SURRA NA CARA, POR QUE AS PESSOAS A IRRITAVAM

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148

[...] a alfabetização não implica, obviamente apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma relação da criança com escrita. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido. Desse modo, implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura – para quem eu escrevo o que escrevo e por quê? A criança pode escrever para si mesma, palavras soltas, tipo lista, para não esquecer; tipo repertório, para organizar o que já sabe. Pode escrever, ou tentar escrever um texto, mesmo fragmentado, para registrar, narrar, dizer... Mas, essa escrita precisa sempre ser permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor. (SMOLKA, 2001, p. 69)

Segue o gráfico que mostra a evolução da escrita do aluno em questão

para que possamos observar a curva de desenvolvimento de seu processo de

alfabetização.

0

1

2

3

4

5

1o. Trim/12 2o. Trim/ 12 3o. Trim/12 1o. Trim/13 2o. Trim/13 3o. Trim/13

1 – PRÉ –SILÁBICO; 2 – SILÁBICO; 3 – SILÁBICO ALFABÉTICO; 4 -ALFABÉTICO

Fases da escrita de Marco Antônio (Caso 7)

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Ao nos debruçarmos sobre as produções das crianças, com o intuito de

investigar os caminhos que elas traçam nesse processo de alfabetização,

percebemos a emergência da relação, do outro como constitutivo neste processo,

tanto para as crianças que já possuíam um maior domínio do código escrito,

quanto para as crianças que demostraram alguma “dificuldade” no processo de

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149

alfabetização. Tomando a alfabetização como um processo discursivo:

A alfabetização é um processo discursivo: a criança aprende a ouvir, a entender o outro pela leitura; aprende a falar, a dizer o que quer pela escrita. (Mas esse aprender significa fazer, usar, praticar, conhecer. Enquanto escreve, a criança aprende a escrever e aprende sobre a escrita). Isso traz para as implicações pedagógicas os seus aspectos sociais e políticos. Pedagogicamente, as perguntas que se colocam, então, são: as crianças podem falar o que pensam na escola? Podem escrever o que falam? Podem escrever como falam? Quando? Por quê? (SMOLKA, 2008, p. 63).

Dialogando com Smolka (2008), podemos tomar o texto livre como a

possibilidade de responder às questões que a autora levanta: sim, as crianças

podem escrever o que falam, e como falam, e, partindo dessa escrita, vamos

“lapidando” suas criações, ensinado a escrita convencional, o código. O professor,

assim, parte das elaborações da criança, tomando-as como objeto de ensino, não

se furtando ao seu papel, que é o de ensinar as crianças.

Há, no entanto, outras questões que se colocam, partindo das produções

das crianças: Como cada criança é capaz de experienciar o processo de

alfabetização? Como é o que escreve? O que revela sua escrita? O que

percebemos sobre o processo vivido por cada criança? Indagações que nos

fazem pensar sobre os modos pelos quais as crianças elaboram suas produções

escritas, especialmente na fase de alfabetização e que nos servem como ponto

de partida para o trabalho em sala de aula.

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CAPÍTULO 6 - RESULTADOS (OU ONDE CHEGAMOS COM TUDO ISSO?)

Ao pensarmos nesse processo de desenvolvimento de cada criança, faz-se

necessário resgatarmos como essas crianças chegaram ao primeiro ano. Retomo,

então, dados do Integre, que revelam os níveis da escrita de cada criança ao

ingressar no 1º ano - dados estes obtidos através de avaliações de sondagens

realizadas no início de 2012. Cabe destacar que no sistema Integre usamos como

parâmetro a classificação dos “Níveis de construção da escrita”, que refere-se a

uma teoria que busca explicitar os processos de elaboração da criança com

relação à leitura e a escrita.

No Brasil a proposta de Ferreiro e Teberosky se tornou conhecida nos anos

70 e muito presente e difundida nas salas de alfabetização, no início dos anos

80. Nos dias atuais ainda podemos observar a forte influência deste referencial,

que baliza muitos sistemas de avaliações e classificações das crianças, sendo

inclusive a teoria que a rede municipal de educação de Campinas adota como

parâmetro para “avaliar” o processo de alfabetização de nossas crianças.

De acordo com a definição de Ferreiro, a turma se dividia em dois grupos

de “pré-silábicos”. O Grupo 4 que se caracterizava por: “identificar as letras do

seu nome; reconhecer o uso dessas letras para justificar sua escrita; está em

processo de construção da passagem do desenho para escrita, ou seja, a

representação gráfica ainda se justifica somente através do desenho; a hipótese

de leitura é realizada no manuseio do livro, ou seja, pega, folheia e recria algo

para si mesmo; realiza leitura de alguns símbolos da sua vivência” era composto

por sete alunos. Os outros dezessete alunos estavam ainda aquém, e, por isso,

enquadravam-se no Grupo 5, definido por: “apresentam em suas hipóteses traços,

rabiscos ou ícones, que são usados como hipótese de escrita; relacionam o objeto

à escrita; (ex: elefante escrevo com muitas letras ou rabiscos, já a formiga, uma

escrita pequena); estão em processo de construção da distinção entre desenho e

letra, ou seja, significado e significante”.

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Ao levarmos, portanto, em conta os indicadores e parâmetros que vem

sendo amplamente utilizados nas redes de ensino e que vem orientando o olhar

de tantos professores, teríamos consolidados os dados nos gráficos a seguir.

Esses dados nos mostram que, já no final do primeiro trimestre do 1º ano,

as crianças demonstraram avanços significativos no que se refere à apropriação

da linguagem escrita:

Tabela 1 – Hipóteses de escrita dos alunos no 1º. Ano, dados do Integre.

2012 (1º Ano)

PRÉ-

SILÁBICO SILÁBICO

SILÁBICO

ALFABÉTICO ALFABÉTICO

TRIMESTRE

15 7 3 0

TRIMESTRE

4 14 3 4

TRIMESTRE

0 8 5 12

Fonte: elaborado pela pesquisadora

0

5

10

15

20

1o. Trim 2o. Trim 3o. Trim

MER

O D

E C

RIA

AS

Ano - 2012

Desempenho das crianças com relação à alfabetização - 2012 (1o ano)

pré-sil. silábico sil. Alf. alfabético

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Obs: para a avaliação do INTEGRE era considerada a hipótese escrita de palavras, de acordo com a definição de Emília Ferreiro. http://integre-master.ima.sp.gov.br/integre/cadastro/notas/avalia_turma_list.php?ano=2013&sem=

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Ao compararmos esses primeiros dados apresentados com a tabela e

gráfico 2, podemos perceber que, ao final do 2º ano, no ano de 2013, após dois

anos de trabalho, investindo na questão da autoria, do trabalho com texto livre

como carro chefe, sem é claro, de deixar de instrumentalizar as crianças e ensiná-

las acerca da linguagem escrita, as crianças consolidaram o processo de

alfabetização. Cada qual a seu tempo, mas saíram alfabetizadas do 2º ano.

Tabela 2 – Hipóteses de escrita dos alunos no 2º. Ano.

2013 (1º Ano)

SILÁBICO SILÁBICO

ALFABÉTICO ALFABÉTICO ORTOGRÁFICO

TRIMESTRE

6 4 5 10

TRIMESTRE

3 4 4 14

TRIMESTRE

0 0 10 15

Fonte: elaborado pela pesquisadora

0

5

10

15

20

1o. Trim 2o. Trim 3o. Trim

Desempenho das crianças com relação à alfabetização - 2013 (2o. ano)

silábico sil. Alfab. alfabético ortográfico

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Obs: para a avaliação do INTEGRE era considerada a hipótese escrita de palavras, de acordo com a definição de Emília Ferreiro. http://integre-master.ima.sp.gov.br/integre/cadastro/notas/avalia_turma_list.php?ano=2013&sem=

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Os dados apresentados, de cunho quantitativo, ajudam-nos a visualizar os

resultados do trabalho, que, muitas vezes, na turma, no cotidiano da escola,

acabam se diluindo e não evidenciando o potencial do trabalho pedagógico.

Contudo, poderíamos também pensar, a partir do trabalho realizado, em outros

possíveis indicadores. Mas isso demandaria um estudo ainda mais refinado e

aprofundado sobre as produções das crianças, o que não coube no escopo essa

pesquisa.

Analisar as produções das crianças e observar os avanços de cada uma

em seu processo de alfabetização faz-me crer que é possível realizar um trabalho

de alfabetização que respeite o ritmo de cada indivíduo, no qual a criança é

protagonista e autora. É possível, sim, trabalhar texto, produção de texto, de texto

livre desde o primeiro ano do ensino fundamental.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que é possível dizer ao final deste trabalho, levando em conta o objetivo

proposto, que era investigar o texto livre enquanto instrumento pedagógico,

tomando as produções escritas das crianças como objeto de análise, é que o

instrumento em questão mostrou-se como um importante lócus de produção

escrita.

No processo de elaboração da escrita pelas crianças, evidenciou-se de

que maneira o trabalho em sala de aula afeta as produções. Pudemos analisar o

processo de alfabetização como um todo e, ainda, as relações que as crianças

estabelecem: com a escrita, com os parceiros e com o professor.

No decorrer dessa pesquisa, explicitou-se que tais relações se sobrepõem

ao instrumento em si, os modos de produção que se inserem na dinâmica mais

complexa da sala de aula mostram-se mais importantes, as condições de

produção, o encorajamento do dizer o que se pensa na escola – mesmo o que se

considera tabu, a importância de poder assumir esse dizer e ter a quem dizer,

encontrar quem escute - como podemos observar na discussão do caso 7 -

quando o aluno Marco Antônio se liberta para a escrita ao se ver autorizado a

escrever livremente, tanto na forma como no tema.

Destacamos, ainda, as interações entre os alunos, a criação de condições

de trabalho compartilhado com os alunos do 5º ano, o trabalho em ateliês - que

possibilitou ao Marco, por exemplo, escrever suas ideias mesmo antes de

dominar o código, já que ele podia escrever com ajuda do Léo. Essas eram as

condições de produção de alfabetização do aluno e das outras crianças e essas

condições fazem diferença. A pesquisa mostra como o incentivo à produção de

textos, na fase inicial de alfabetização, faz diferença para as crianças.

Ressaltamos o papel mediador do professor na tríade: aluno - objeto de

conhecimento – professor, afirmando que faz diferença o ato de ensinar, do gesto

de apontar. Falar dessa relação de ensino é falar dos processos de interação

entre professor e aluno, em que se modificam os sujeitos envolvidos na e pela

compreensão dos objetos sobre os quais se debruçam na relação pedagógica.

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Uma relação que não acontece de forma hierárquica, unilateral e estática,

mas uma relação em que o professor - que é o sujeito mais experiente -

instrumentalize a criança para que ela possa assumir o protagonismo de seu

processo de aprendizagem, mas que o faça de forma mediada, orientada. O ato

de ensinar cabe ao professor.

Retomando as bases teóricas que sustentam esta pesquisa faz-se

necessário pontuar algumas questões que possibilitaram o diálogo entre Freinet e

Vigotski.

Ao pensar sobre a questão da alfabetização, Freinet encoraja o Método

Natural, Vigotski adensa a reflexão sobre a internalização dessa produção

humana.

Ao usar o termo natural, Freinet não contradiz a ideia de cultura, como

produção humana defendida por Vigotski, ele não defende um “brotar

espontâneo”, ele destaca o natural, em sua teoria, como uma reação de rejeição

ao mecanicismo, à escolástica, não negando as relações como constitutivas do

desenvolvimento humano.

Cabe explicitar que a preocupação cientifica da teoria de Vigotski não era a

de Freinet: as proposições desse último pautavam-se prioritariamente em

questões de ordem prática, com o intuito de instrumentalizar o professor para o

trabalho em sala de aula, dando protagonismo ao aluno em seu processo de

aprendizagem, fundamentando uma teoria pedagógica.

Apesar de não se preocupar com a questão da linguagem como Vigotski -

que a define como constitutiva para o desenvolvimento humano -, Freinet a traz

para um lugar importante, preocupando-se com seu uso. Seus instrumentos nos

mostram isso, por um viés filosófico e até poético.

Como pudemos observar neste trabalho, a prática pedagógica freinetiana

cria a necessidade da escrita. Desse ponto de vista, como orienta Vigotski (1995)

“a escrita se baseia no desenvolvimento natural das necessidades da criança”.

Desde o início, apresenta-se à criança como um instrumento cultural complexo e

como uma representação direta da realidade, uma vez que os atos de escrita que

testemunha têm sempre o foco na realidade, em seu significado, e não nos sons

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que quer grafar.

Alicerçada no conceito da livre expressão da criança, que se materializa

principalmente pelo instrumento Texto livre, a proposta de Freinet possibilita que

o processo de apropriação da linguagem escrita ocorra de maneira significativa,

como forma de comunicação, o que coaduna com as ideais postuladas por

Vigotski (1995) e Luria (1998) de que “a escrita como objeto funcional,

instrumento cultural que serve à objetivação humana”.

Podemos dizer, então, que suas técnicas e instrumentos condizem com as

implicações pedagógicas da teoria histórico-cultural, tanto no que se refere à

objetivação, como também em relação à apropriação do conhecimento elaborado

que se abre com a apropriação da linguagem escrita e da leitura. Ao abolir o uso

dos manuais escolares em favor da livre expressão das crianças, abrindo as

portas das bibliotecas, dos museus, dos laboratórios, dos teatros, enfim, trazendo

a vida para a sala de aula, ele amplia o acesso das crianças ao mundo da cultura

humana, fonte de experiência e humanização.

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VIGOTSKI, Levi. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. – 6ª.ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998. _________, Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989. VIGOTSKI, L.S. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. Tradução: Zoia Prestes, apresentação e comentários: Ana Luiza Smolka – São Paulo: Ática, 2009. VIGOTSKI, L.S. Imaginação e Arte na Infância. México Hispânica ,1987. ZEICHENER, K. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, FIORENTINI & PEREIRA. Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das Letras/ALB, 1998, p.207-236. ZUIN, P.B e REYES, C.R. O Ensino da língua materna: dialogando com Vygotsky, Bakhtin e Freire. SP: Ideias & Letras, 2010.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Atividades propostas nos ateliês de escrita.

Apêndice A1 - proposta de elaboração de texto a partir de uma figura que a criança escolhe (da pasta de figuras, composta por imagens deiversas).

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Apêndice A2 - atividade de escrita de palavras a partir da imagem. Podemos observar a hipótese da criança e, a lado, a escrita da professora com a palavra correta.

Apêndice A3 – atividade de escrita e leitura.

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Apêndice A4 – atividade de ortografia.

Apêndice A5- trabalho de treino da letra cursiva.

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Apêndice A6 – atividade de reconhecimento das letras do nome.

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Apêndice A7 - reconhecimento da primeira letra das figuras.

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Apêndice A8 – atividade de leitura (ligar figura à palavra) e proposta de escrita.

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Apêndice A9- produção de texto – gênero: bilhete.

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Apêndice A10 – produção de texto (Gênero carta).

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Apêndice A11 – atividade sequência de ideias e elaboração de texto a partir da sequência.

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APÊNDICE B - Atividades feitas a partir de leitura de livros (outra possibilidade de trabalho nos ateliês de escrita).

Apêndice B1 – registro da história lida através de desenho.

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Apêndice B2 – roteiro de leitura, proposta de criar um final diferente para a história.

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Apêndice B3 – roteiro de leitura.

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APÊNDICE C – Registros coletivos.

Apêndice C1 – registro de receita feita após a culinária realizada em sala.

Apêndice C2 - registro da culinária de páscoa.

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Apêndice C3 - registro do texto coletivo feito pelas crianças em sala de aula. A professora levou o Datashow para sala e digitou, junto com as crianças, as ideias do texto.

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Apêndice C4 - cópia do texto coletivo sobre as estrelas (nota-se a escrita espelhada, isso é comum acontecer quando a criança está no início da alfabetização).

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APÊNDICE D - Atividades propostas como lição de casa21.

Apêndice D1 – lição de casa abordando questões da matemática.

21 A prática da lição de casa é diária, com o intuito de garantir um “tempo de estudo” em

casa e também buscar a interação família- escola.

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Apêndice D2 – lição de casa: sugestão de nome para a turma.

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Apêndice D3 – lição de casa envolvendo a escrita.

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Apêndice D4 – lição de casa sobre a família.

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Apêndice D5 – atividade de lição de casa (matemática).

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APÊNDICE E - Atividades propostas nos ateliês de matemática.

Apêndice E1 – registro da brincadeira – trabalhando sequência numérica.

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Apêndice E2 – atividade de matemática.

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Apêndice E3 – atividade de matemática.

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Apêndice E4 – ficha de matemática.

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Apêndice E5 - ficha de matemática.

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Apêndice E6 – problemas de matemática.

Apêndice E7 – ficha de matemática.

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APÊNDICE F – Entrevistas realizadas com as crianças

Dia 20 de maio de 2013 – entrevista com as crianças sobre o que é Texto livre. As falas das crianças foram registradas (áudio gravadas) individualmente, com o intuito de ouvir o que as crianças pensam sobre o Texto livre. AF: Hilana, o que que você acha que é TL?

H: Eu acho legal por que é bom pra gente aprender ler e escrever e desde o 1º ano que eu vou

seguindo o TL eu já sei escrever bem, agora neste ano eu comecei a ler um pouquinho. Minha

mãe me levou para casa do meu pai, na casa do meu pai eu tenho um computador que eu nuca li

as coisinhas que está escrito nele. Ai minha madrasta me ajudou a ler e de lá pra cá eu consegui

ler uma placa.

AF: Vc acha que o TL ajudou nisso?

H: Ajudou porque a escrita, ela desenvolve a leitura.

AF: É né? E escrever texto livre te ajudou nisso?

H: aham.

AF: Agora quem vai falar é a Beatriz, ela vai falar o que ela acha do TL. O que vc acha do TL?

B: Legal.

AF: O que vc acha que aprendeu com o TL?

B: A escrever

AF: Vc acha que aprendeu a escrever? Ajudou a aprender a escrever?

B: aham. Aham

AF: Vc gosta de fazer então?

B: aham

AF: E a roda de leitura vc gosta?

B: Gosto

AF: Pode falar Emanuelle...

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E: Eu acho que o TL é legal por causa que ele ensina a gente a... a lê e a fazê as palavras...

AF: O TL ensina? Me explica melhor como você acha que ele ensina...

E: é... por causa que ele ensina a ler, a escrever novas palavras que a gente não sabe...

AF: Quando vai escrever o texto vai... como que vai fazendo?

E: ... é... a genta vai pensando...tipo, quando alguém tá ensinado a gente vai, fala: Como que faz

para escrever ABELHA? É... ai a gente fala o A, o B, o E, o L , o H...

AF: Aí na hora da escrita vai tendo essas ideias e vai ajudando a aprender mesmo a escrita...

E: aham!

AF: Então tá bom, quer falar mais alguma coisa?

AF: Agora quem vai falar é a Débora o que ela pensa do TL...

D: Eu acho que o TL é muito legal, faz aprender a gente, porque a gente escreve muito com o TL...

é... também a gente aprende muito a escrever e...

AF: Explica um pouquinho como que é essa coisa de aprender a escrever com o TL para eu poder

entender direito...

D: Assim, você pensa em uma história né? Ai depois você escreve do seu jeito. Depois a professora

vai corrigir e vê se tá certo

AF: E daí você acha que nisso vai aprendendo a escrever?

D: aham...

AF: Nesse movimento: escreve de um jeito, a professora ajuda dai escreve de novo...

D: aham...

AF: E aí é uma coisa de aprender?

D: aham...

AF: Quem vai falar agora sobre o TL é a Manuela

M: Eu acho que o TL é importante porque a gente aprende a ler e escrever... tipo, a gente escreve

uma coisa da nossa vida, ou contando alguma coisa que aconteceu. Ai a professora vem e nos

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ajuda...

AF: Mais alguma coisa?

M. acena que não com a cabeça.

AF: Agora eu vou conversar com o Luiz pra saber o que que ele acha do TL, pode falar o que você

acha, tá bom?

LH: Eu acho que é muito bom o TL porque dá pra contar história e dá pra contar o que aconteceu

na vida real...

AF: Você gosta do TL? Você acha que te ajuda a escrever essas coisas... A aprender a escrever?

LH: aham...

AF: Quem vai falar é o Marco Antônio... sobre o que ele acha do TL

M: Eu gosto muito do TL por causa que dá para fazer o que eu quiser...

AF: Como assim fazer você quiser?

M: hummm

AF: Fazer aonde?

M: Dá para eu escrever o que eu quiser...

AF: Ah! E você acha que o TL ajudou você a escrever?

M. acena que sim com a cabeça

AF: Por que? Me conta como, como que é essa coisa de escrever TL...

M: Ah... é tipo uma coisa para ensinar a ler e escrever...

AF: Mas ensina dai põe um monte de letra pra copiar? Como que é esse jeito de ensinar...

M: aaa é...

AF: Conta, como que você faz o TL?

M: aaa, eu começo pensando alguma coisa engraçada...

AF: Você começa pensando uma coisa engraçada para os outros rirem ?

M: aham ...

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AF: Ah Legal, aí você escreve aonde?

M: No... caderninho, caderninho...

AF: E depois?

M: Ai depois eu começo a ler lá pros outros... (ele ri neste momento)

AF: E porque você está rindo? Está lembrando de alguma coisa engraçada, é isso?

M. acena positivamente com a cabeça

AF: Quer falar mais alguma coisa?

M. faz um som que caracteriza negação

AF: Agora quem vai falar é o Paulo, ele vai falar o que ele acha do:

P: TL. Eu gosto do TL porque ele é muito legal

AF: Porque você gosta?

P: Porque ele é muito importante para quando tá no 5º ano...

AF: Porque que é importante para quanto tá no 5º ano? Me explica essa historia...

P: Porque pra fazer TL tem que contar as historias ...

AF: Só contar ou escreve? Me conta... faz de conta que eu não sei o que é TL, você está me

ensinando como é...

P: TL é para escrever e ler. Num é para rabiscar tudo e não querer ler...

AF: Ler para quem?

P: Pá...para sala do 5º ano. Tem alguém que não quer ler e tem alguém que quer ler as vezes...

AF: se não quer é porque está com vergonha?

P: é...

AF: e depois o que acontece?

P: A vergonha vai embora...

AF: Vc tem vergonha?

P: Não...

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AF: Você conta suas histórias?

P: aham!

AF: quer falar mais alguma coisa?

P: aham... o TL é assim... tem alguém que tem vergonha mas num tem né... ai os outro fala:

Professora eu quero ler... ai se a prô não deixa se é a vez do amigo, né? Ai ai chega sua vez e tá

com vergonha de ler...

AF: e aí, o que acontece se tem vergonha?

P: ai a vergonha passa e ele lê, não fica com vergonha da sala toda.

AF: Pq sera que fica com vergonha?

P: Pq qdo tem uma vergonha ele rabisca tudo...

AF: agora quem tá aqui para falar sobre o TL é o João Paulo. Pode falar João o que vc acha do TL.

JP: eu acho que o TL ensina a lê

AF: Ensina a lê? Me explica um pouquinho de que jeito que ensina a ler?

JP: porque a gente escreve e o texto livre ajuda a gente...

AF: a escrever?

JP: é

AF: e ler? Como é essa coisa do “ler” que vc está me falando?

JP: ele... o TL ele é...

AF: Vc lê seu TL?

JP: é

AF: pra quem que lê?

JP: pra professora...

AF: só para a professora?

JP: é

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AF: Num tem nenhum amigo ouvindo?

JP: tem

AF: que amigos?

JP: todos...

AF: e vc gosta de escrever TL?

JP: gosto

AF: vc acha que ajuda vc a escrever

JP: é

AF: porque?

JP: porque ele é... a gente escreve um monte de palavras e ele ajuda

AF: ele ajuda?

JP: é

AF: ele sozinho ajuda?

JP: não

AF: quem que ajuda? Conta como que “cê” faz, você vai escrevendo...

JP acena sim com a cabeça

AF: vai escrevendo o que?

JP: vou escrevendo palavras

AF: mas que estão aonde?

JP: na cabeça

AF: na cabeça? E ai vai escrevendo para inventar uma história?

JP: é

AF: ah, entendi...

AF: quem vai falar agora sobre o TL é o Jhonny. Pode falar Jhonny, o que você acha do TL?

J: legal... (10:01)

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AF: me conta como é que você faz o TL

J: Escrevo e desenho... eu pego o lápis e escrevo para ler para outra turma

AF: Você lê?

J: aham

AF: você lembra de alguma história que você leu?

J: aham

AF: então conta pra gente... você lembra?

J: lembro

AF: Qual?

J: do dragão...

AF: então conta... ou você precisa do caderninho para lembrar?

J: TINHA UMA TERRA ENCANTADA. VIVIA UMA RAINHA. AI VEIO O DRAGÃO E MATOU.

AF: quem vai falar agora é a Rhayssa, o que você acha do TL?]

R: é legal pra gente aprender a ler e escrever...

AF: é? Aprende a ler e escrever? De que jeito, você pode me explicar?

R: a gente vai juntando as letras e vai montando palavras...

AF: para escrever o texto? E de onde vem as ideias que a gente escreve?

R: da cabeça...

AF: Você gosta de escrever texto?

R: gosto

K: eu gosto muito de fazer TL

AF: Você gosta? porque?

K: Porque é muito legal

AF: Me conta como que faz o TL, faz de conta que eu não sei

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K: Ah, você pensa na cabeça as letras... você vai lendo na cabeça, pensando nas letrinhas e vai

fazendo...

AF: Vai fazendo as palavras? Para inventar uma história?

K: Prô posso falar uma história? (13:06)