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O TRABALHO DOMÉSTICO EM MOÇAMBIQUE: UMA DÉCADA APÓS A SUA FORMALIZAÇÃO RUTH CASTEL-BRANCO Fonte: Fórum Mulher/AMUEDO. Maputo, Novembro de 2019 Estudo a pedido do Fórum Mulher, com o apoio da Open Society Foundation (OSISA)

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O TRABALHO DOMÉSTICO EM

MOÇAMBIQUE:

UMA D ÉCAD A APÓS A S U A FOR MAL IZ AÇÃO

RUTH CASTEL-BRANCO

Fonte: Fórum Mulher/AMUEDO.

Maputo, Novembro de 2019

Estudo a pedido do Fórum Mulher, com o apoio da Open Society Foundation (OSISA)

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SUMÁRIO EXECUTIVO

Em 2008, foi aprovado o Regulamento do Trabalho Doméstico através do Decreto nº 40/2008—

resultado de reinvindicações pelo movimento sindical e feminista, ao nível nacional e

internacional. O Decreto prevê a extensão de direitos laborais e sociais a este sector

historicamente marginalizado, incluindo: o direito a uma jornada de trabalho fixa; ao descanso

diário, semanal e anual; a inscrição no sistema da segurança social obrigatória; a condições

adequadas de saúde e segurança ocupacional; e a compensação por acidentes de trabalho. Dez

anos após a formalização do trabalho doméstico, este estudo analisa o seu impacto nas condições de trabalho; e apresenta uma série de recomendações para o Estado, o movimento sindical e o

movimento feminista.

A primeira secção traça a evolução do trabalho doméstico em Moçambique. Mostra que o

trabalho doméstico não foi sempre um sector feminino; e que mesmo hoje, metade dos

trabalhadores domésticos em Moçambique são homens. No entanto, o trabalho doméstico é a

maior fonte de emprego para mulheres—e a terceira maior atividade económica depois de

camponesa e pequena comerciante. Segundo o último censo existem aproximadamente 250,000

trabalhadoras domésticas. A proliferação do trabalho doméstico apresenta um dilema para o

movimento feminista: por um lado facilita o acesso ao mercado de trabalho para ambas as

empregadoras e trabalhadoras; pelo outro, o faz através de condições altamente exploradoras.

A segunda secção apresenta as condições de trabalho na cidade de Maputo. Aponta para uma

enorme diversidade nas condições de trabalho—resultado da não aplicação do Decreto nº

40/2008 e da natureza íntima do trabalho doméstico. Contrariamente a outras profissões, os

trabalhadores domésticos trabalham em locais dispersos, por trás de portas fechadas, num

contexto onde exercem pouco poder negocial. Apesar desta diversidade, todos os trabalhadores

reclamaram sobre as longas jornadas de trabalho, os salários baixos e irregulares, os parâmetros

ambíguos de trabalho, a ausência de saúde e segurança ocupacional, fins de semana e férias

encurtadas, o acesso limitado à segurança social, discriminação e violência física e emocional, e

despedimentos sem justa causa.

A terceira secção analisa o quadro legislativo e institucional para a regulamentação do trabalho

doméstico; comparando-o com o a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho e

a Lei do Trabalho de 2007. Um dos princípios chave da Convenção 189, é que o quadro

regulamentar para o trabalho doméstico deve prover proteções laborais e sociais iguais às

proteções para outros trabalhadores. Porém, em Moçambique isto não é o caso. Os

trabalhadores domésticos não são protegidos por um salário mínimo ou cobertos por normas

de saúde e segurança no trabalho, têm jornadas de trabalho mais longas, são considerados como

trabalhadores por conta própria por motivos da segurança social, e não têm direito a

indemnização em caso de despedimento sem justa causa. Além disso, a inspeção geral do trabalho

não tem o mandato nem a capacidade de efetuar visitas domiciliares. Por tanto, o Decreto nº

40/2008 é largamente ignorado. A grosso dos conflitos laborais que vão parar a COMAL, aos

sindicatos AMUEDO e SINED, e a MULEDIE são a volta de indemnizações. Dado que o Decreto

nº 40/2008 é fraco, as instituições preferem não seguir estritamente o regulamento. Como explica

um mediador:

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Reconciliação seria como tentar ressuscitar um morto...antes de pegar a legislação, primeiro

trabalho com pessoas. Se percebo que está a desfavorecer o trabalhador, volto a Lei. Porque na

Lei há muitas coisas que não estão bem.

O estudo verifica que houve alguns avanços na última década incluindo: a definição de um quadro

regulamentar para o trabalho doméstico; a proliferação de organizações de trabalhadores

domésticos filiadas ao movimento sindical; e uma maior valorização por parte da sociedade (e

dos empregadores) deste sector. No entanto, existem vários desafios incluindo: um quadro regulamentar fraco e fracamente implementado; a dificuldade de mobilização coletiva num sector

íntimo, disperso, e ultra explorado; um baixo nível de colaboração entre organizações de

trabalhadores domésticos; e a marginalização de organizações no contexto de um movimento

sindical machista e movimento feminista classista.

O estudo identifica algumas oportunidades incluído a ratificação da Convenção 189, a revisão de

Lei de Trabalho que pode criar uma abertura para reforçar o quadro regulamentar, o reforço das

organizações de trabalhadores domésticos e de colaborações estratégicas entre o movimento

sindical e o movimento feminista. Porém o estudo também identifica algumas ameaças incluindo

a crise económica e financeira que aumentou o custo de vida e aprofundou uma política de

austeridade, a falta de vontade política por parte do Estado, e os a concorrência entre as organizações da sociedade civil. Com base nesta análise o estudo apresenta as seguintes

recomendações para o Estado e para o movimento sindical e feminista.

Recomendações para o Estado Recomendações para o movimento

sindical e feminista

Ratificação da Convenção 189;

Adequação do Decreto nº 40/2008 a Lei

do Trabalho;

Definição de um salário mínimo setorial,

em coordenação com as organizações de

trabalhadores domésticos;

Campanha de sensibilização, elaborada com o parecer das organizações dos

trabalhadores domésticos:

Atribuição à IGT do mandato, capacidade

e competência para inspecionar casas

particulares, sensibilizar trabalhadores e

empregadores, e sancionar infratores;

O reforço da COMAL, em termos de

recursos humanos e materiais.

Definição de um mecanismo de cobrança

das contribuições ao INSS aos

empregadores, com incentivos e sanções

definidos pelo não cumprimento.

Visitas de troca de experiência para países com sistemas mais avançados (Brasil,

África do Sul, Angola, etc.).

Campanhas regulares de recrutamento de trabalhadores domésticos;

Formação técnica e política dos membros

das organizações dos trabalhadores

domésticos em matéria dos seus direitos;

como construir um sindicato forte; como

desenvolver campanhas;

Campanhas públicas para pressionar o Estado a: ratificar da Convenção 189,

introduzir de um salário mínimo, reforçar

o Decreto nº 40/2008 ou reintegrar os

trabalhadores na Lei do Trabalho, reforçar

das instituições de implementação e

fiscalização, sensibilizar a sociedade e os

empregadores

Integração das organizações dos

trabalhadores domésticos nos corpos

executivos do movimento sindical e

feminista reforçar a colaboração

interinstitucional.

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ÍNDICE

SUMÁRIO EXECUTIVO 1

ÍNDICE 3

LISTA DE FIGURAS 4

LISTA DE ABREVIAÇÕES 4

O TRABALHO DOMÉSTICO EM MOÇAMBIQUE 5

O contexto histórico do trabalho doméstico 5

o contexo socioeconómico do trabalho doméstico 6

O perfil do sector do trabalho doméstico em Moçambique 9

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SECTOR DO TRABALHO DOMÉSTICO EM

MOÇAMBIQUE 11

A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO EM MOÇAMBIQUE 15

A Convenção 189 e o decreto nº 40/2008: análise comparativa 15

As instituições de implementação do Decreto nº 40/2008 17

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES 21

FONTES 26

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Representação colonial do trabalho doméstico, 1936 ............................................................ 5

Figura 2: Tendências de crescimento económico em Moçambique, 2009-2018 (PIB) ..................... 7

Figura 3: População economicamente ativa, segundo o processo laboral, 2019 ................................ 7

Figura 4: Divisão sexual do trabalho no processo laboral, 2019 ........................................................... 7

Figura 5: Mulheres economicamente ativas, segundo a atividade, 2019 ............................................... 8

Figura 6: Distribuição de trabalhadores domésticos por sexo, 2019 ................................................... 9

Figura 7: Distribuição de trabalhadores domésticos por localização geográfica, 2019 ..................... 9 Figura 8: Distribuição de Trabalhadores domésticos por ramo de actividade, 2019 ..................... 10

Figura 9: Divisão sexual do trabalho doméstico, 2019 .......................................................................... 10

Figura 10: Nível de escolarização de trabalhadores domésticos, 2019 ............................................. 11

Figura 11: Aspectos prioritários das condições de trabalho segundo os trabalhadores

domésticos na cidade de Maputo. .............................................................................................................. 12

Figura 12: Comparação entre a Convenção 189 e o Decreto n º 40/2008 ..................................... 15

Figura 13: Instituições de implementação do Decreto n º 40/2008 ................................................... 18

Figura 14: Encontro do SINED, 2019 ........................................................................................................ 20

Figura 15: Encontro da AMUEDO E MULEIDE, 2019 ........................................................................... 20

Figura 16: Análise dos avanços, desafios, oportunidades e ameaças em termos do quadro

regulamentar ................................................................................................................................................... 22

Figura 17: Análise dos avanços, desafios, oportunidades e ameaça, em termos do movimento

sindical e feminista ......................................................................................................................................... 23

Figura 18: Recomendações para o Estado ............................................................................................... 24

Figura 19: Recomendações para o Movimental sindical e feminista ................................................... 25

LISTA DE ABREVIAÇÕES

AMUEDO Associação da Mulher Empregada Doméstica

CIT Conferencia Internacional do Trabalho (CIT)

COMAL Comissão de Mediação e Arbitragem Laboral

COMUTRA Comité da Mulher Trabalhadora

CONSILMO Confederação de Sindicatos Independentes e Livres de Moçambique

IDWF Federação Internacional dos Trabalhadores Domésticos INSS Instituto Nacional de Segurança Social

IPAJ Instituo de Patrocínio a Assistência Jurídica

MITESS Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social

MT Meticais

MULEIDE Associação da Mulher, Lei e Desenvolvimento

OIT Organização Internacional do Trabalho

OTM Organização dos Trabalhadores de Moçambique

PIB Produto Interno Bruto

RdM República de Moçambique

SETSAN Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional

SINED Sindicato Nacional de Empregados Domésticos

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O TRABALHO DOMÉSTICO EM MOÇAMBIQUE

O CONTEXTO HISTÓRICO DO TRABALHO DOMÉSTICO

Até os meados dos anos 80, o trabalho doméstico remunerado era uma profissão masculina

(Zamparoni 2017). Dada a natureza sub-capitalizada da economia colonial, este sector constituía

uma das maiores fontes de rendimento assalariado para homens (R. Castel-Branco 2012). Para

um jovem do meio rural, o trabalho doméstico era uma oportunidade para se aproximar ao

chamado Xilinguine, aprender a falar o Português, e cultivar cunhas que lhe podiam facilitar o acesso a um melhor posto de trabalho. O cargo menos valorizado era o de mainato, geralmente

uma criança; enquanto o mais valorizado era o de cozinheiro. O único cargo dominado por

mulheres era o de lavadeira, pois desempenhavam as suas funções em casa, longe da ameaça do

assédio e da violência sexual, e em função das suas outras responsabilidades reprodutivas1

(Penvenne 1994).

FIGURA 1: REPRESENTAÇÃO COLONIAL DO TRABALHO DOMÉSTICO, 1936

Fonte: Castel-Branco (2012)

1 Atividades reprodutivas são atividades que contribuem para a reprodução do agregado familiar, e por

consequência o trabalhador, mas não diretamente para a acumulação capitalista. Por exemplo a produção de

culturas de sustento, a criação de crianças, etc.

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Durante o tempo colonial os trabalhadores domésticos eram estritamente regulados, mas pouco protegidos. Com o início da luta de libertação, e sob pressão da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), o regime colonial introduziu uma série de reformas laborais, incluindo o

Regulamento dos Empregados Domésticos (BOM 1966). Após a independência o trabalho

doméstico passou a ser dominado por mulheres--resultado do êxodo da classe colonial; de novas

oportunidades de emprego assalariado para homens; e do fluxo de mulheres refugiadas de guerra

(R. Castel-Branco 2013). Hoje, os empregadores no Sul do país preferem empregar mulheres,

(Chipenembe 2010); enquanto no Norte, o sector continua dominado por homens. Segundo

Humbane (2018) a prevalência de homens trabalhadores domésticos no Norte do país é

resultado das práticas de género que proíbem a participação de mulheres em atividades fora do

lar, e dão ao homem o controle dos bens mercantilizados.

A independência trouxe uma democratização dos direitos laborais e sociais. Porém, os

trabalhadores domésticos foram largamente excluídos dos mecanismos de incorporação social.

Só em 2006, com a criação da Associação da Mulher Empregada Doméstica (AMUEDO), é que

foram integrados nas estruturas do movimento sindical (R. Castel-Branco 2015). A Lei do

Trabalho de 2007 definiu a necessidade de criar um instrumento específico para regular o

trabalho doméstico (RdM 2007b). Esta estipulação reflete de uma tendência global paradoxal, que

por um lado visa liberalizar os direitos dos trabalhadores, efetivamente informalizando-os; e pelo

outro, formalizar o sector informal através de proteções sociais e laborais residuais (R. Castel-

Branco 2018). Em 2008, foi aprovado o Decreto nº 40/2008, com base no regulamento colonial.

Porém como o terceiro capítulo irá mostrar, este prevê proteções laborais e sociais mais fracas

que a Lei do Trabalho (R. Castel-Branco 2017b)—em contravenção da Convecção 189 da OIT.

O CONTEXO SOCIOECONÓMICO DO TRABALHO DOMÉSTICO

Entre 2004 e 2014, Moçambique registou um índice de crescimento do Produto Interno Bruto

(PIB) de em média 7,5% (Figura 2). Porém, impulsionado por uma indústria extrativa intensiva em

capital, o mesmo não se traduziu num maior número de empregos. Hoje, a taxa de desemprego

é aproximadamente 20,7% (INE 2016). Ela é mais alta entre mulheres urbanas nos quintis mais

altos de consumo; e mais baixa entre mulheres rurais nos quintis mais baixos (INE 2019).

Claramente, o índice de desemprego não é uma medida adequada de bem estar, pois num

contexto onde o sistema de proteção social continua altamente fragmentado (R. Castel-Branco

2016), a maioria dos moçambicanos não têm outra opção para além de tentar desenrascar a vida

através de uma multiplicidade de atividades na economia informal.

Apenas 12% da população economicamente ativa são trabalhadores assalariados (Figura 3); e dada

a divisão sexual do trabalho e discriminação de género, as mulheres estão

desproporcionadamente concentradas em atividades precárias na economia informal (Figura 4).

O trabalho doméstico, representa a principal fonte de emprego assalariado para as mulheres, e a

terceira maior atividade depois de camponesa e pequena comerciante (Figura 5) (INE 2019).

Porém, mesmo os trabalhadores assalariados, têm dificuldade em satisfazer as suas necessidades

básicas, pois os salários mínimos sectoriais são exíguos (R. Castel-Branco and Isaacs 2017).

Segundo os últimos dados apresentados pela Organização de Trabalhadores de Moçambique

(OTM), o salário mínimo sectorial mais baixo corresponde a um quarto da cesta básica (OTM

2019).

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FIGURA 2: TENDÊNCIAS DE CRESCIMENTO ECONÓMICO EM MOÇAMBIQUE, 2009-2018 (PIB)

Fonte: INE (2019)

FIGURA 3: POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA, SEGUNDO O PROCESSO LABORAL, 2019

Fonte: INE (2019)

0

1

2

3

4

5

6

7

8

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

% d

e C

resc

imen

to d

o P

IB

Ano

61%19%

5%

7%

8%

Conta propria

Trabalhador familiar sem

remuneração

Assalariado sector público

Assalariado sector privado

Outros

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FIGURA 4: DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NO PROCESSO LABORAL, 2019

Fonte: INE (2019)

FIGURA 5: MULHERES ECONOMICAMENTE ATIVAS, SEGUNDO A ATIVIDADE, 2019

Fonte: INE (2019)

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Conta propria sem empregados

Trabalhador familiar

Outros

Empresa privada

Casa particular

Administrac ao pu blica

Conta propria com empregados

Empresa pu blica

% da População Economicamente Ativa

Pro

cess

o L

ab

ora

l

Homen Mulher

4%

1%

4%

45%

46%

Empregados domésticos

Operário não agrícola

Pequeno comerciante

Camponês

Outros

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O PERFIL DO SECTOR DO TRABALHO DOMÉSTICO EM MOÇAMBIQUE

Segundo o último censo, existem meio milhão de trabalhadores domésticos, dos quais metade

são mulheres e metade homens (Figura 6). Dois terços vivem no meio rural e um terço no meio

urbano (Figura 7). Os trabalhadores domésticos desempenham um largo leque de funções,

incluindo no sector agrícola, de serviços, comércio, construção e transporte (Figura 8). As

mulheres geralmente ocupam cargos menos valorizados, e, por tanto, remunerados (Figura 9).

FIGURA 6: DISTRIBUIÇÃO DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS POR SEXO, 2019

Fonte: INE (2019)

FIGURA 7: DISTRIBUIÇÃO DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS POR LOCALIZAÇÃO

GEOGRÁFICA, 2019

Fonte: INE (2019)

245195; 50%242534Homens

Mulheres

167243

320486

Urbano

Rural

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FIGURA 8: DISTRIBUIÇÃO DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS POR RAMO DE ACTIVIDADE,

2019

Fonte: INE (2019)

FIGURA 9: DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO DOMÉSTICO, 2019

Fonte: INE (2019)

49%

2%3%1%

8%

37%Agricultura, silvicultura

Industria Manufatureira

Construção

Transporte e comunicação

Comercio e finanças

Outros

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Agricultura, silvicultura

Extraccao Mineira

Industria Manufactureira

Energia

Construcao

Transporte e comunicacao

Comercio e financas

Servicos administraticos

Outros servicos

Desconhecidos

% dos Trabalhadores Domésticos

Secto

r

Homens Mulheres

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FIGURA 10: NÍVEL DE ESCOLARIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS, 2019

Fonte: INE (2019)

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SECTOR DO TRABALHO

DOMÉSTICO EM MOÇAMBIQUE

O trabalho doméstico facilita a participação das mulheres no mercado de trabalho, criando

emprego para umas, e reduzindo o dobro cargo de trabalho produtivo e reprodutivo para outras.

Num contexto machista, e onde os serviços sociais básicos são frágeis, a prestação de cuidados

às crianças, idosos, doentes, etc. depende principalmente do trabalho não-remunerado da mulher. Mulheres da classe média e alta, tem a opção de terceirizar estas responsabilidades a

trabalhadores menos privilegiados, e assim ganhar tempo para investir em outras atividades

produtivas e de lazer (R. Castel-Branco 2017a). Porém, o trabalho doméstico é frequentemente

considerado uma não-profissão, e os trabalhadores efetivamente excluídos de proteções laborais

e sociais. Dado que o trabalho doméstico é a principal fonte de emprego para mulheres, as

mulheres são desproporcionalmente afetadas.

Este capítulo examina as condições de trabalho no sector na cidade de Maputo, com base em

quatro estudos laborados entre 2010 e 2019 (Chipenembe 2010; R. Castel-Branco 2012;

Mareleco and Castel-Branco 2017; Munguambe and de Vera Cruz 2019); uma entrevista com a

MULEIDE; e dois grupos focais com membros da Associação da Mulher Empregada Doméstica (AMUEDO) e o Sindicato Nacional de Empregados Domésticos (SINED) em agosto de 2019. O

capítulo foca em oito aspetos identificados por trabalhadores domésticos como prioritários

(Figura 11). Porém é importante salientar, que a maioria dos trabalhadores domésticos trabalham

no meio rural e um futuro estudo deverá analisar as condições no resto do país.

0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000

Nenhum nivel

Preescolar

Alfabetizacao

Primario-1o grau

Primario-2o grau

Secundario-1o ciclo

Secundario-2o ciclo

Acima do secundario

Número de Pessoas

Nív

el d

e e

sco

lari

zação

Mulheres Homens

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FIGURA 11: ASPECTOS PRIORITÁRIOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SEGUNDO OS

TRABALHADORES DOMÉSTICOS NA CIDADE DE MAPUTO.

Na cidade de Maputo, o trabalho doméstico é caracterizado pela falta de segurança de

emprego. A qualquer momento e por qualquer razão, o trabalhador pode ser despedido sem

indeminização. A Dona Alda por exemplo, trabalhou numa casa durante 15 anos. Quando ficou

grávida, os empregadores obrigaram-na a fazer um aborto. Quando ela recusou, ela foi demitida.

Alguns empregadores inventam falsas acusações de roubo, com o objetivo de intimidar os

trabalhadores domésticos e desincentiva-los de fazer uma queixa. A ameaça de criminalização

fomenta desconfiança não só entre o trabalhador e o empregador, como entre colegas, limitando o seu poder negocial individual e coletivo. Poucos trabalhadores confiam em contractos escritos,

pois num contexto onde são efetivamente excluídos de proteções laborais e sociais, um

contracto pode neutralizar a sua única prática de poder: a de fugir.

A reclamação mais comum entre os trabalhadores domésticos são as longas jornadas de

trabalho—agravadas pelo problema de transporte na cidade de Maputo. Os trabalhadores

domésticos trabalham em média 12 horas por dia e seis dias por semana. A Dona Fernanda por

Aspectos prioritários

Longas jornadas de trabalho

Salários baixos e irregulares

Parámetros do trabalho ambíguos

Ausência de saúde e

segurança no trabalho

Fins de semana, férias, feriados e

licenças encurtados

Cobertura limitada da

segurança social

Discriminação assédio,e violencia

Despedimentos sem justa causa

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exemplo, sai de casa de madrugada de modo a poder entrar no serviço às 5h. Apesar de ela ter

uma hora de entrada, não tem uma hora de saída. Muitas vezes é obrigada a trabalhar até as 21h,

sem receber pelas horas extras, e quando chega em casa os seus filhos já estão a dormir.

A QUE HORA É QUE SE CHEGA EM CASA?!...COMO ESTOU A

TRABALHAR TANTAS HORAS, NÃO SOU CAPAZ DE CUIDAR DA

MINHA PRÓPRIA FAMÍLIA. MAS NÓS TEMOS FAMÍLIAS.

Outra reclamação comum são os salários baixos e irregulares. Na cidade de Maputo, o nível

de remuneração depende do poder económico do empregador e da sua disposição.

Desesperados por trabalhar, os trabalhadores domésticos raramente negociam o seu salário—

particularmente se conseguiram a oportunidade de emprego através de uma cunha. Segundo o

SINED, os salários na cidade de Maputo variam entre MT 1.500 e MT 12.000. Os empregadores

com menos posses tendem a pagar entre MT 1.500 e MT 3.500; da classe média entre MT 3.500

e MT 7.500; e da classe alta, entre MT 7.500 e MT 12.000. Porém, existem empregadores ricos

mas oportunistas, que aproveitam do desespero do trabalhador, explica a Dona Filomena:

OS NOSSOS PATRÕES PAGAM O SALÁRIO NO DIA QUE ELES ACHAM

QUE DEVEM PAGAR... TRABALHEI QUATRO MESES SEM RECEBER. AO

ANDAR DO TEMPO DESCOBRI QUE ELE ERA MALANDRO, E FUI A

ESQUADRA, MAS ELE JÁ TINHA DESAPARECIDO.

Outro grande desafio são os parâmetros ambíguos de trabalho. É comum um trabalhador ser contratado para exercer uma tarefa, e ao andar do tempo, ser pressionado para realizar

tarefas adicionais. A Dona Joana por exemplo, foi contratada como trabalhadora doméstica, junto

com o seu marido. Ela era responsável pela limpeza da casa, e o marido pelo cultivo da machamba.

Quando o marido foi para a África do Sul, os empregadores lhe responsabilizaram pela limpeza e

o cultivo, sem aumentar o seu salário. Também é comum o empregador pressionar o trabalhador

a trabalhar por outros agregados familiares, sem receber um aumento salarial. A Dona Celeste

por exemplo, foi contratada para trabalhar no Bairro do Museu; depois transferida para o Bairro

do Jardim onde vivia a mãe da empregadora. A mãe partilhava a casa com o sobrinho e a esposa,

e a Dona Celeste acabou por ter que responder às expectativas contraditórias da empregadora,

da mãe, do sobrinho e da esposa.

Outra reclamação comum é a ausência de medidas de saúde e segurança no trabalho. Os

empregadores frequentemente inventam regras e processos rígidos para controlar os corpos,

bens e movimentos dos trabalhadores, em nome da higiene. Porém, raramente garantem

condições de saúde e segurança ocupacional. Por exemplo, os trabalhadores domésticos são

obrigados a realizar tarefas nojentas, utilizar produtos tóxicos, e carregar mercadorias pesadas

sem os instrumentos de trabalho e proteção adequados. Como explica a Dona Josina:

EU TRABALHO CARNE E OSSO, ABSORVENDO TODOS ESSES

TÓXICOS. QUANDO O PATRÃO FUMIGA A CASA SAI DE FÉRIAS, OU

VAI FICAR NUM HOTEL. MAS TEM A EXPECTATIVA QUE EU VOU

TRABALHAR. DEPOIS QUANDO EU FICO DOENTE E TENHO QUE IR

AO HOSPITAL, ELE NÃO TEM DINHEIRO PARA PAGAR.

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Em média os trabalhadores domésticos trabalham seis dias por semana, sendo o domingo o seu único dia de descanso semanal. Nem todos usufruem de férias pagas, pois os empregadores

insistem que os trabalhadores identifiquem um substituto, efetivamente subcontratando o seu

posto de trabalho. Consequentemente, os trabalhadores domésticos não só não usufruem do

direito a férias pagas, como correm o risco de perder os seus empregos, explica a Dona Celeste:

PARA SAIR DE FÉRIAS TENHO QUE ENCONTRAR ALGUÉM PARA

ASSUMIR O MEU LUGAR... SE MEUS PATRÕES GOSTAREM MAIS

DELES, É DIFÍCIL TIRAR ESSA PESSOA, E ENTÃO EU ARRISCAREI

PERDER MEU EMPREGO. É POR ISSO QUE NÃO TOMO O TEMPO DE

FÉRIAS. (ENTREVISTA COM FILOMENA, 13 DE JUNHO DE 2012)

Os trabalhadores domésticos são cobertos pela segurança social obrigatória, gerida pelo

Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Porém, o INSS considera os trabalhadores

domésticos trabalhadores por conta própria. Consequentemente, o registo é voluntário e a

contribuição da responsabilidade apenas do trabalhador. Mensalmente, o trabalhador é obrigado

a descontar 7% do seu rendimento declarado, e este não pode ser inferior ao salário mínimo

(RdM 2015; 2007a). Os baixos rendimentos, a complexidade dos processos burocráticos, o

desconhecimento sobre os benefícios da segurança social e desconfiança do INSS, são algumas

das razões pela fraca aderência (R. Castel-Branco and Vicente 2019).

De modo a facilitar a inscrição de trabalhadores domésticos, o INSS criou uma parceria com o

SINED. Durante as suas reuniões bimensais, o SINED inscreve os seus membros e encaminha as

inscrições ao INSS. Alguns membros do SINED têm beneficiado dos subsídios de curto prazo, como o subsídio pela doença e pela maternidade. Porém, para poderem beneficiar das pensões

de longo prazo, como por exemplo a pensão por velhice, precisam de contribuir durante 240

meses. É importante salientar que os trabalhadores domésticos não são trabalhadores por conta

própria, pois não têm autonomia sobre a sua jornada de trabalho ou os processos de produção

(RdM 2007b). Esta designação é uma forma dos empregadores absolverem-se da responsabilidade

de contribuir ao sistema da segurança social obrigatória e deve ser retificada.

Finalmente, os trabalhadores domésticos são sujeitos a discriminação, assédio e violência.

Os seus corpos são submetidos a testes de HIV, tuberculose, hepatite e vacinações; a sua

privacidade desrespeitada; os seus bens pessoais tratados como contaminados; a sua integridade

emocional e física violada; e as suas responsabilidades pessoais banalizadas. Apesar, ou se calhar

por causa, da natureza íntima deste sector, as relações de poder entre os trabalhadores

domésticos e os empregadores são extremamente desiguais. Por um lado, os empregadores

cultivam o mito que os trabalhadores domésticos fazem “parte da família”; e pelo outro, inventam

regras e protocolos para garantir que os trabalhadores não confundem a proximidade física com

a proximidade social. As relações laborais tendem a ser particularmente tensas entre as “donas

de casa”, que estão sob pressão para cumprir com as expectativas de domesticidade impostas

por uma sociedade machista, e as trabalhadoras domésticas, contratadas para ajudá-las a fazê-lo.

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A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO EM

MOÇAMBIQUE

A CONVENÇÃO 189, A LEI DO TRABALHO DE 2007 E O DECRETO Nº 40/2008:

UMA ANÁLISE COMPARATIVA

Em 2008, foi aprovado o Decreto nº 40/2008—resultado de anos de advocacia pelas organizações

da sociedade civil moçambicana, e sobretudo a AMUEDO. O Decreto visa preencher uma lacuna

criada pela revisão da Lei do Trabalho nº 23/2007, que estabelece a necessidade de legislação

específica para este sector (RdM 2007b). Apesar do Governo reconhecer a importância do

trabalho doméstico para a vida social e económica do país, o Decreto proporciona menos direitos

que a Lei do Trabalho--em contravenção à Convenção 189 da OIT sobre o trabalho digno para

trabalhadores domésticos (RdM 2008) (Figura 13). Uma das razões pela fraqueza do Decreto nº

40/2008, é que o Regulamento foi elaborado sem a participação efetiva das organizações dos

trabalhadores domésticos, segundo a ex-secretária geral do SIDOMO:

O MINISTÉRIO DEU-NOS MUITO POUCO TEMPO E NÃO FOMOS

CAPAZES DE CONSULTAR OS NOSSOS MEMBROS. FUI CONVIDADA

PELA OTM A PARTICIPAR NUMA REUNIÃO. LEMBRO-ME QUE

TIVEMOS MUITA DISCUSSÃO. HOUVE VÁRIOS MOMENTOS QUANDO

TIVE QUE RECORDAR AOS NOSSOS COLEGAS QUE ESTAVAM AÍ

PARA ZELAR PELOS INTERESSES DOS TRABALHADORES

DOMÉSTICOS. (CASTEL-BRANCO 2012)

Segundo a Convenção 189, deve ser estabelecida uma idade mínima para a prestação de

trabalho doméstico, em concordância com a lei. Os trabalhadores domésticos com menos de 18

anos não devem ser privados da escolaridade obrigatória, e o trabalho não pode interferir com

as suas oportunidades de acesso ao ensino ou formação profissional. O Decreto nº 40/2008 define uma idade mínima de 15 anos. Porém, deixa em aberto a possibilidade de contractar

crianças a partir dos 12 anos, com a autorização dos pais, o que contradiz a Lei do Trabalho de

2007. Apesar do Decreto nº 40/2008 estabelecer proteções especificas para trabalhadores

menores, estas raramente são implementadas.

A Convenção 189 preconiza que todos os Estados Membros assegurem uma proteção efetiva

contra todas as formas de abuso, assédio e violência, através de medidas como mecanismos

de queixa, e programas de reinserção de trabalhadores domésticos. O Decreto nº 40/2008 não

faz nenhuma referência ao assédio ou outras formas de violência física e emocional.

Segundo a Convenção 189, os Estados Membros devem adotar medidas para assegurar que os

trabalhadores domésticos sejam informados sobre suas condições de emprego, preferivelmente

por meio de contractos escritos. Segundo o Decreto, a relação jurídica de trabalho doméstico

não depende da existência de um documento escrito, e são reconhecidos contractos verbais.

Porém, sem um contracto escrito, é difícil o trabalhador se defender perante processos

disciplinares.

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FIGURA 12: COMPARAÇÃO ENTRE A CONVENÇÃO 189 E O DECRETO N º 40/2008

Tema Convenção 189 Lei do Trabalho Decreto 40/2008

Trabalho infantil Idade mínima, conforme a

Lei do trabalho.

Idade mínima de 15 anos. Idade mínima de 15 anos,

com a possibilidade de

contratação de menores a

15 anos.

Salário mínimo Um salário mínimo,

conforme a Lei do Trabalho.

Salários mínimos sectoriais. Nenhum salário mínimo.

Horário de

trabalho

Jornada de trabalho,

conforme a Lei do Trabalho.

48 horas por semana, 8

horas por dia.

54 horas por semana, 9

horas por dia.

Descanso diário Descanso diário, conforme a

Lei do Trabalho

30 minutos a 2 horas. 30 minutos.

Descanso

semanal

Descanso semanal,

conforme a Lei do Trabalho

20 horas. 24 horas.

Férias e feriados Férias, conforme a Lei do

Trabalho.

12 dias no primeiro ano, 24

no segundo e 30 no

terceiro.

Feriados obrigatórios.

12 dias no primeiro ano, 24

no segundo e 30 no

terceiro.

Feriados obrigatórios.

Saúde

ocupacional

Saúde e segurança no

trabalho, conforme a Lei do

Trabalho.

Normas definidas pela

inspeção do trabalho.

Ausência de normas

definidas pela inspeção do

trabalho.

Segurança social Benefícios, conforme a Lei

do Trabalho.

Trabalhadores por conta de

outrem. Registo obrigatório,

contribuição de 3% do

salário pelo trabalhador e

4% pelo empregador.

Definidos como

trabalhadores por conta

própria. Registo voluntário,

contribuição de 7% do

salário, pelo trabalhador.

Dias de

enfermidade

Dias de enfermidade,

conforme a Lei do Trabalho.

15 dias, após os quais

empregador pode submeter

o trabalhador à Junta.

30 dias para prestar

assistência aos filhos

menores.

3 dias.

Licença de

maternidade

Licença de maternidade,

conforme a Lei do Trabalho.

60 dias. 60 dias.

Licença por

casamento ou

morte

Licença por casamento ou

morte, conforme a Lei do

Trabalho.

5 dias. 5 dias.

Compensação

por acidentes de

trabalho

Compensação por acidentes

de trabalho, conforme a Lei

do Trabalho.

Assistência médica e

medicamentosa e de

indemnização em caso de

acidente de trabalho ou

doença profissional.

Compensação por acidentes

no trabalho.

Contrato por

escrito

Obrigatório. Obrigatório. Voluntário.

Indemnização Indemnização, conforme a

Lei do Trabalho.

Direito a indemnização se

demitidos sem justa causa.

Sem direito a indemnização

se demitidos sem justa

causa.

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A Convenção 189 prevê a definição de um salário mínimo. O Decreto não estabelece um

salário mínimo, pois o Estado defende que existem empregadores que recebem abaixo do salário

mínimo, e que por tanto, a definição de um salário mínimo para o sector criaria uma crise de

desemprego e de cuidado.

Segundo a Convenção 189, os Estados Membros devem garantir a igualdade de tratamento em

relação às horas normais de trabalho, à compensação de horas extras, aos períodos de

descanso diários e semanais e férias anuais remuneradas. O Decreto nº 40/2008 permite

um horário semanal de 54 horas e diário de 9 horas, o que contradiz a Lei do Trabalho. Além

disso, o Decreto nº 40/2008 não define um cálculo para horas extras.

A Convenção 189 estabelece que os trabalhadores domésticos têm direito à um ambiente de

trabalho seguro e saudável, e que os Estados membros devem adotar medidas eficazes para

garantir a segurança e a saúde no trabalho. Porém, o Decreto nº 40/2008 não define os padrões

de saúde e segurança no trabalho. O Decreto nº 40/2008 estabelece que o trabalhador doméstico

tem direito a assistência médica e medicamentosa em caso de acidente, mas esta estipulação é

raramente implementada.

Segundo a Convenção, os trabalhadores domésticos devem ser integrados no sistema da

segurança social. O Decreto nº 40/2008 prevê a sua integração como trabalhadores por conta

própria—o que, como já foi acima mencionado, claramente não são. Porque não existe um salário

mínimo, o grosso dos trabalhadores domésticos não tem a capacidade contributiva.

A Convenção nº 189 prevê a proteção de trabalhadores que residem no domicílio. Nos

casos em que o trabalhador reside no domicílio, é necessário disponibilizar um quarto separado,

mobilado e ventilado; acesso a instalações sanitárias em boas condições, iluminação suficiente;

refeições de boa qualidade e em quantidade suficiente; e a remuneração. O Decreto nº 40/2008

não faz nenhuma referência aos direitos dos trabalhadores que residem no domicílio.

Segundo a Convenção, os Estados membros devem regulamentar as agências privadas, e

adotar medidas para assegurar que as taxas cobradas pelas agências privadas de emprego não sejam descontadas da remuneração dos trabalhadores. O Decreto nº 40/2008 não faz nenhuma

referência a regulamentação das agências privadas.

AS INSTITUIÇÕES DE IMPLEMENTAÇÃO DO DECRETO Nº 40/2008

A Convenção 189 estipula que cada Estado membro deve assegurar o cumprimento do

regulamento através de mecanismos de queixa, de inspeção e de sanções. Esta secção apresenta

o quadro institucional de implementação do Decreto nº 40/2008 e analisa os seus pontos fortes e pontos fracos. Em Moçambique existe um quadro de implementação incipiente que inclui a

Comissão de Mediação e Arbitragem Laboral (COMAL), a Inspeção Geral do Trabalho, e o

Tribunal do Trabalho. Existem também organizações da sociedade civil, nomeadamente a

AMUEDO e o SINED, vinculadas ao movimento sindical; e a organização não-governamental,

Associação da Mulher, Lei de Desenvolvimento (MULEIDE).

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Todos os conflitos laborais devem passar primeiro pela mediação e arbitragem. O Decreto nº.

50/2009 regula o funcionamento e os procedimentos da COMAL. O processo começa com uma

queixa, geralmente feita pelo trabalhador. As duas partes são convocadas para um encontro

dentro de três dias, com o objetivo de chegar a um acordo consensual. Porque a lei não é

estritamente aplicada, o trabalhador pode sair a ganhar. Por exemplo, segundo o Decreto os

trabalhadores domésticos não têm o direito a indemnização se forem demitidos sem justa causa.

Porém, através do processo de mediação, o empregador pode reconhecer que é justo pagar uma

indeminização. Se as duas partes chegam a um acordo, assinam uma procuração. Caso contrário,

a queixa é encaminhada ao Tribunal do Trabalho. A COMAL tem proporcionado um mecanismo

rápido e acessível para resolver conflitos laborais, particularmente em relação a indeminização.

Porém, raramente há uma reconciliação.

Segundo o Decreto nº 40/2008, a fiscalização das condições de trabalho é a responsabilidade da

Inspeção-Geral do Trabalho (IGT). Na verdade, a IGT recebe poucas queixas de trabalhadores

domésticos, pois eles preferem recorrer a COMAL. Além disso, a ausência de normas em relação

ao salário mínimo e a saúde e segurança no trabalho, fazem deste, um sector difícil de regular.

Adicionalmente, a IGT não tem nem as competências nem a capacidade para executar inspeções

domiciliares. A Convenção 189 reconhece a necessidade de respeitar os direitos à privacidade,

porém salienta a necessidade de elaborar e implementar medidas de inspeção adequadas às

especificidades do sector.

O Tribunal do Trabalho é o último recurso para os trabalhadores domésticos. Na realidade,

poucos casos chegam a este nível, dado os elevados custos relacionados ao processo de

reclamação, da grande acumulação de casos, e da falta de confiança no sistema judicial. Em teoria,

o Instituto de Patrocínio e Advocacia Jurídica (IPAJ) deveria prestar assistência jurídica gratuita.

No entanto, os juristas estão frequentemente ausentes e requisitam taxas informais para

representarem os trabalhadores carentes.

FIGURA 13: INSTITUIÇÕES DE IMPLEMENTAÇÃO DO DECRETO N º 40/2008

Comissão de mediação e arbitragem

laboral

Inspeção geral do trabalho

Tribunal do

Trabalho

AMUEDO e SINED

MULEIDE

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Existem duas organizações de trabalhadores domésticos: a AMUEDO filiada à Confederação

Nacional dos Sindicatos Independentes e Livres de Moçambique (CONSILMO); e o SINED filiado

à OTM-CS. As organizações de trabalhadores domésticos têm desempenhado um papel fulcral

na aplicação dos instrumentos de regulamentação, através da sensibilização, a mobilização, a

prestação de serviços de mediação, e o acompanhamento à COMAL ou ao Tribunal do Trabalho.

Apesar do seu papel fulcral, as organizações de trabalhadores domésticos têm enfrentado vários desafios. Por um lado, os trabalhadores domésticos têm uma certa hesitação em se filiarem às

organizações por causa do medo de represálias, longas jornadas de trabalho, e desconfiança dos

verdadeiros interesses das ditas organizações. Pelo outro, os baixos salários e a ausência de um

mecanismo de cobrança regular de quotas, significa que as organizações de trabalhadores

domésticos têm dificuldade em conseguir os fundos necessários para prestar serviços adequados

aos seus membros e levar a cabo as suas campanhas. Dada a natureza dispersa do trabalho

doméstico, sem uma presença constante, é difícil dar o impulso necessário para melhorar as

condições de trabalho neste sector. Como reflete um membro do SINED:

AS CAMPANHAS DE RECRUTAMENTO, TEM QUE SER FEITAS TODOS

OS DIAS. NAS PARAGENS, NOS CONDOMÍNIOS. NÃO SE PODE DAR

SÓ UM CHEIRINHO. TEM QUE FICAR AÍ A TRABALHAR TODOS OS

DIAS.

No entanto, as organizações dos trabalhadores domésticos têm levado a cabo, um trabalho impressionante. Por exemplo, o SINED hoje tem 9496 membros, em sete províncias do país

incluindo Maputo, Gaza, Inhambane, Sofala, Manica, Tete e Nampula. Em Maputo reúnem com os

seus membros duas vezes por mês, aos domingos. O objetivo das reuniões é formar quadros em

matéria técnica e educação política, de modo a cultivar novos líderes que possam levar a diante,

o trabalho da organização. Neste momento eles têm quatro áreas principais de trabalho: o

recrutamento de novos membros em zonas de concentração como a Vila Olímpica, a mediação

de conflitos laborais, a inscrição de trabalhadores domésticos no INSS, e a mobilização a volta da

ratificação da Convenção 189.

Entretanto, a MULEIDE, tem uma parceria com o Fórum Mulher para apoiar os trabalhadores

domésticos. Através dos núcleos da AMUEDO, a ela dá formações e onde necessário lidera

processos de mediação. A MULEIDE resolve aproximadamente 10 casos mensalmente,

relacionados principalmente a rescisão do contracto por causa de tensões pessoais, desconfiança,

insatisfação, gravidez, doenças e discriminação. Geralmente, a única solução é a negociação de

indemnização, explica um dos juristas da MULEIDE:

RECONCILIAÇÃO SERIA COMO TENTAR RESSUSCITAR UM

MORTO...ANTES DE PEGAR A LEGISLAÇÃO, PRIMEIRO TRABALHO

COM PESSOAS. SE PERCEBO QUE ESTÁ A DESFAVORECER O

TRABALHADOR, VOLTO A LEI. PORQUE NA LEI HÁ MUITAS COISAS

QUE NÃO ESTÃO BEM. ACORDAMOS DUAS PRESTAÇÕES PORQUE

ESTAMOS CIENTE QUE AQUELE CIDADÃO NÃO TEM

NECESSARIAMENTE AS CONDIÇÕES PARA TIRAR O VALOR DE UMA

SÓ VEZ.

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FIGURA 14: ENCONTRO DO SINED, 2019

Fonte: Foto por Ruth Castel-Branco

FIGURA 15: ENCONTRO DA AMUEDO E MULEIDE, 2019

Fonte: Foto por Ruth Castel-Branco

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CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Há uma década atrás o Conselho de Ministros aprovou o Regulamento do Trabalho Doméstico

através do Decreto nº 40/2008, estendendo proteções laborais e sociais a este sector

historicamente marginalizado. Este estudo analisou os avanços e desafios da formalização, de

modo entender melhor onde estamos, e por tanto, para onde vamos. É importante salientar que

a formalização não é um processo linear, e um regulamento em si não é suficiente para melhorar

as condições de trabalho.

O trabalho doméstico é um trabalho familiar, que consiste em atividades íntimas, desempenhadas

em espaços privados, em proximidade física dos empregadores. Apesar, ou se calhar por causa,

da natureza íntima deste trabalho, as relações de poder são extremamente desiguais. Por um lado

os empregadores cultivam o mito que os trabalhadores domésticos fazem “parte da família” de

modo a assegurar a sua lealdade e abstrair das suas necessidades; e pelo outro, inventam regras

e protocolos para que os trabalhadores não confundam a proximidade física com a proximidade

social.

Apesar das condições de trabalho exploradoras, muitos trabalhadores domésticos sentem

orgulho no trabalho que desempenham. Uns derivam prazer das próprias atividades incluindo:

limpar a casa, cozinhar, e cuidar de crianças. Sentem-se bem a ver as crianças a crescerem e a se

transformarem em adultos. Sentem-se satisfeitos quando os empregadores chegam em casa,

felizes por encontrarem um espaço limpo, e os elogiam; quando são respeitados e dados a

autonomia para decidir como desempenhar o seu trabalhado; quando são valorizados e

remunerados o suficiente para poderem sustentar os seus próprios lares. Dada a proximidade

física e a natureza do trabalho, muito trabalhadores desenvolvem um amor real pela família, o

que pode dificultar a luta pelos seus direitos e interesses.

O estudo começou com uma análise do sector, enquadrando-o no mercado de trabalho

moçambicano. Segundo o último recenseamento geral da população, existem meio milhão de

trabalhadores domésticos, dos quais metade são mulheres e metade homens. Dois terços vivem

no meio rural e um terço no meio urbano. Eles desempenham um largo leque de funções,

incluindo no sector agrícola, de serviços, e de comércio. Para as mulheres, o trabalho doméstico

é a principal fonte de emprego, e a terceira maior atividade económica, depois de camponês e

pequeno comerciante. Dada a divisão sexual de género, e a discriminação no trabalho e na

sociedade, as mulheres geralmente ocupam cargos menos valorizados, e, por tanto, remunerados.

A formalização do trabalho doméstico e o melhoramento das condições neste sector, não é

apenas uma questão trabalhista, é uma questão de igualdade de género.

Segundo as entrevistas, houve alguns avanços em termos do quadro regulamentar e institucional.

Porém os trabalhadores domésticos identificaram uma serie de desafios que continuam a

caracterizar o seu sector, incluindo: os despedimentos sem justa causa e indemnização, as longas

jornadas de trabalho, os salários baixos e irregulares, os parâmetros de trabalho ambíguos, a

ausência de saúde e segurança no trabalho, os fins de semana e férias encurtados, a cobertura

limita da segurança social, e a descriminação e violência. Assim sendo, esta última secção

apresenta uma análise dos avanços, desafios, oportunidades e ameaças, em termos do quadro

regulamentar (Figura 16), e institucional (Figura 17).

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FIGURA 16: ANÁLISE DOS AVANÇOS, DESAFIOS, OPORTUNIDADES E AMEAÇAS EM

TERMOS DO QUADRO REGULAMENTAR

Avanços Desafios

Quadro regulamentar para o trabalho doméstico que inclui:

o O Decreto nº 40/2008;

o O INSS;

o A COMAL;

o A IGT.

Integração dos trabalhadores domésticos

no INSS;

Maior consciência por parte da sociedade

e dos empregadores sobre a importância

do trabalho doméstico, e a existência do

quadro regulamentar.

Um Decreto nº 40/2008, fraco e inadequado à Lei do Trabalho;

Não implementação do Decreto;

o Fraca disseminação;

o Ausência de capacidade e

mandato de inspeção;

Falta de regulamentação das agências privadas do trabalho doméstico;

Ausência de organizações de

empregadores com quem dialogar.

Oportunidades Ameaças

Ratificação da Convenção 189;

Revisão da Lei do Trabalho e do Decreto

Decreto nº 40/2008;

Definição de um salário mínimo para o trabalho doméstico;

Reforço da capacidade de inspeção pelo

INSS e da IGT, tal como de mediação

pela COMAL;

Disseminação do Decreto nº 40/2008;

Visitas de intercambio com outros países

mais avançados na formalização do

trabalho doméstico.

Crise económica e financeira:

o Dependência na indústria

extrativa, desemprego

o Aumento do custo de vida,

redução do valor dos salários e

aumento do índice de pobreza;

o Política de austeridade, redução

de serviços públicos.

Desigualdade de género: o Poucas oportunidades de

emprego para mulheres;

o Dobro cargo de trabalho

produtivo e reprodutivo;

o Tensões de classe entre mulheres

empregadoras e trabalhadoras;

o Discriminação institucionalizada

contra trabalhadores domésticos.

Falta de vontade política

o Legislação para o inglês ver;

o Fracas instituições do Estado;

o Falta de inclusão dos

trabalhadores domésticos em

processos legislativos;

o A natureza íntima requer a sua

própria instituição de inspeção.

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FIGURA 17: ANÁLISE DOS AVANÇOS, DESAFIOS, OPORTUNIDADES E AMEAÇAS, EM

TERMOS DO MOVIMENTO SINDICAL E FEMINISTA

Avanços Desafios

A existência de duas organizações de trabalhadores domésticos ao nível

nacional:

o Com membros;

o E uma liderança eleita;

o Que tem campanhas ativas de

recrutamento de membros;

o Implementam programas de

educação técnica e política;

o Disseminam o Decreto nº

40/2008;

o Facilitam a mediação de conflitos

laborais;

o Engajam em debates nacionais

sobre as condições dos

trabalhadores domésticos;

o Mobilizam os seus membros para

participar em ações de lobby.

A filiação com o movimento sindical e feminista que:

o Oferece alguns recursos

financeiros e materiais

o Facilitar colaborações com outras

redes e organizações.

Dificuldade de organizar trabalhadores dispersos, que trabalham em espaços

íntimos, e dada a sua longa jornada de

trabalho, têm pouco tempo;

Fraco desenvolvimento de lideranças;

Baixos salários e dificuldade de recolha de cotas, e por tanto, falta de recursos

humanos e monetários para apoiar o

trabalho das organizações de

trabalhadores domésticos;

Falta de colaboração entre as

organizações de trabalhadores

domésticos;

Marginalidade das organizações de trabalhadores domésticos dentro do

movimento sindical e do movimento

feminista.

Oportunidades Ameaças

A Convenção 189, que pode servir como

uma ferramenta de mobilização;

Organização interna:

o Reuniões regulares;

o Formação;

o Diálogos;

Colaborações estratégicas: o Agências privadas de

trabalhadores domésticos;

o Fórum Mulher;

o O INSS;

o O IGP;

o A CCT.

A natureza íntima e isolada do trabalho

doméstico, que torna difícil organizá-los;

Concorrência entre as organizações da

sociedade civil;

O machismo do movimento sindical;

O classismo do movimento feminista.

Com base na análise das oportunidades e das ameaças este estudo apresenta as seguintes

recomendações para o Estado e para o movimento sindical e feminista:

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FIGURA 18: RECOMENDAÇÕES PARA O ESTADO

Recomendações para o Estado

Legisla

tivo

Ratificação da Convenção 189

Adequação do Decreto nº 40/2008 a Lei do Trabalho; ou reincorporação dos trabalhadores domésticos na Lei do Trabalho. Incluindo:

o Revisão da idade mínima, conforme a Lei

o Revisão da jornada de trabalho, conforme a Lei

o Revisão dos dias de doença, conforme a Lei

o Revisão das licenças (maternidade), conforme a Lei.

o Revisão dos processos disciplinares e indemnizações, conforme a Lei.

o Revisão do estatuto dos trabalhadores domésticos por motivos do INSS;

integração como trabalhadores por conta de outrem, conforme a Lei.

o Definição das normas de saúde e segurança no trabalho, no sector do

trabalho doméstico

o Definição da regulamentação de agencias privadas de emprego.

Definição de um salário mínimo setorial para o trabalho doméstico, através da

Comissão Consultiva do Trabalho, em estrita coordenação com as organizações

de trabalhadores domésticos, nomeadamente o SINED e AMUEDO.

Atribuição à IGT do mandato, capacidade e competências para inspecionar casas particulares, sensibilizar trabalhadores e empregadores; e sancionar infratores.

Qu

ad

ro d

e im

ple

men

tação

Campanha de sensibilização do Decreto nº 40/2008, elaborada com o parecer das

organizações dos trabalhadores domésticos:

o Brochuras

o Anúncios televisivos

o Workshops com empregadores

Formação dos funcionários da COMAL, IGT e Tribunal do Trabalho sobre no Decreto nº 40/2008;

Campanha mediática de inspeção de domicílios;

O reforço da COMAL, em termos de recursos humanos e materiais. Definição de um mecanismo de cobrança das contribuições da segurança social, com incentivos

e sanções;

Visitas de troca de experiência para países com sistemas mais avançados (Brasil,

África do Sul, Angola,

Um dos grandes avanços na última década foi a expansão das organizações de trabalhadores

domésticos, em particular a AMUEDO e o SINED. Porém, como foi já aqui mencionado, as

organizações de trabalhadores domésticos enfrentam alguns desafios chave. A Figura 19

apresenta algumas recomendações para o movimento sindical e feminista.

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FIGURA 19: RECOMENDAÇÕES PARA O MOVIMENTAL SINDICAL E FEMINISTA

Campanhas regulares de recrutamento de trabalhadores domésticos;

Formação técnica e política dos membros, sobre: o Os direitos dos trabalhadores domésticos

O Decreto nº 40/2008, os direitos e as lacunas

Os benefícios da segurança social e como acedê-los

Estratégias de negociação com o empregador, um-a-um

Mediação de conflitos laborais

o O reforço do sindicato

Planificação

Recrutamento de membros

Desenvolvimento de líderes

Comunicação interna e externa

Construção de alianças

Estratégias de financiamento do sindicato

o A elaboração de campanhas:

Análise socioeconômica do país

Análise de poder

Formação em definição de campanhas, por exemplo:

Campanhas públicas para pressionar o Estado a: o Ratificar da Convenção 189

o Introduzir de um salário mínimo

o Reforçar o Decreto nº 40/2008 reintegrar os trabalhadores na Lei

o Reforçar das intuições de implementação

o Sensibilizar a sociedade, incluindo os empregadores

Integração das organizações dos trabalhadores domésticos nos corpos executivos

do movimento sindical e feminista.

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