O Uso Racional de Medicamentos Na Atenção Farmacêutica Em Pacientes Com Insuficiência Hepática

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Uso de medicamento paciente com ICC

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    A seguir, apresenta-se o projeto de atualizao do Programa de Educao

    Continuada Conselho Federal de Farmcia (PEC-CFF) executado por meio do

    sistema E-learning para estudo.

    Realizado pelo Conselho Federal de Farmcia (CFF) em parceria com a Revista

    K@iros e apoio da Boehringer Ingelheim, durante todo o ano de 2013.

    Desenvolvido pela Universidade de So Paulo (USP), o curso traz informaes

    atuais e essenciais para os farmacuticos se conectarem aos ltimos

    acontecimentos em sua rea de atuao.

    Ser publicado mensalmente, on-line, o material sobre o tema Ateno

    Farmacutica e o Uso Racional de Medicamentos que ter como finalizao de

    cada mdulo um questionrio em que cada pergunta respondida corretamente

    contar pontos para que a cer tificao do Programa seja realizada na

    concluso do curso.

    Alm disso, os textos tambm estaro disponveis impressos, todos os meses

    na Revista Farmacutica K@iros.

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    Acesse: www.peccff.com.br

    PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADACONSELHO FEDERAL DE FARMCIA N 11

    2 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA2 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA

    2013

    ArmazenagemSntese

    DetoxificaoSecreo de bile

    Exemplos: -Gorduras -Protenas (albumina, globulinas, enzimas) -Colesterol -Glicose

    Fgado

    Hepatcito

    -Digesto de gorduras e eliminao de compostos

    Exemplos: -Glicognio -Ferro -Vitaminas

    Exemplos: -lcool -Frmacos

    HEPATCITO E A FUNO HEPTICA

    INTRODUO

    O fgado um rgo cuja atividade afeta todos os sistemas fisio-lgicos, realizando funes que mantm a integridade do organismo humano. Dentre suas principais atividades destacam-se:

    sntese proteica, por exemplo, fatores de coagulao (fibrinognio e protrombina); protenas plasmticas (albumina e alfaglicopro-tena); protenas transportadoras (protena de ligao do retinol, transferrinas e lipoprotenas);

    armazenagem e metabolismo de aminocidos, protenas, vitaminas, carboidratos, hormnios, gorduras e ons como zinco e ferro;

    captao de glicose e armazenagem na forma de glicognio;glicogenlise e gliconeognese;catabolismo de aminocidos;sntese de ureia a partir da amnia;sntese de cidos biliares;conjugao da bilirrubina e excreo na bile;

    ATENO FARMACUTICA PARA O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS EM PACIENTES COM INSUFICINCIA HEPTICA

    reduo e conjugao de hormnios adrenocorticais e esteroides gonadais;

    sntese do 25-hidroxicolecalciferol;metabolismo do colesterol;metabolismo de xenobiticos.

  • 3PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA 3PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA

    1 - quantidade do frmaco ligado aos componentes do sangue, por exemplo, a albumina;

    2 - fluxo sanguneo local que se origina em parte (20%) da artria heptica e o restante (80%) da circulao porta. O fluxo sanguneo heptico corresponde aproximadamente a 20%-25% do volume cardaco;

    3 - atividade metablica do hepatcito.

    O Clearance (Cl) heptico pode ser calculado pela frmula: Cl = Q x E.

    Q = Fluxo sanguneo local.E = Eficincia do rgo em extrair o frmaco da corrente circulatria,

    que matematicamente expresso pelo quociente da diferena entre as concentraes do frmaco antes (Fe) e depois (Fs) de sua passagem pelo fgado sobre sua concentrao inicial (Fe).

    Eficincia (E) = [ Fe Fs ]/Fe

    Veja o exemplo de clculo do Cl heptico de um frmaco hipottico:

    Fluxo sanguneo local (Q) = 1.500 mL/min. Concentrao antes (Fe) = 20 ug/ml Concentrao depois (Fs) =15 ug/ml

    E = 20 ug/mL 15 ug/mL/20 ug/mL = 0.25 ou 25% Cl = 1.500 mL/min x 0.25 = 375 mL/min.

    Entre os exemplos de frmacos com alta extrao hepticas se incluem: antidepressivos, bloqueadores de canal de clcio, morfina, haloperidol, clorpromazina, levodopa e propranolol. Entre aqueles de baixa extrao: diazepam, carbamazepina, varfarina, fenitona e os anti-inflamatrios no esteroidais (AINEs).

    Assim, o metabolismo de inmeros frmacos vai depender de uma funo heptica adequada e frmacos de baixo ndice teraputico (aqueles em que a dose txica esta prxima da dose teraputica) correm o risco de, em pacientes portadores de doena heptica, acumular no organismo causando toxicidade.

    Nesta situao faz-se necessrio avaliar a funo heptica para o correto ajuste de dose de medicamentos em pacientes portadores de alteraes hepticas.

    IMPLICAES DA INSUFICINCIA HEPTICA NO METABOLISMO DE FRMACOS

    As toxinas, agentes infecciosos, mediadores inflamatrios e frmacos podem ocasionar processos lesivos ao fgado ocasionando perda da sua citoarquitetura reduzindo a massa celular e prejudicando o fluxo sanguneo com consequente perda da funo heptica.

    Como visto, o clearance heptico de frmacos depende do fluxo san-guneo, da extrao heptica e da atividade enzimtica, assim a ocorrncia de insuficincia heptica poder alterar significativamente a concentrao de frmacos na circulao sistmica, se no forem observados alguns cuidados na prescrio.

    As concentraes plasmticas de frmacos com baixa extrao hep-tica sofrem poucas alteraes com mudanas no fluxo sanguneo. Como a frao destes frmacos removida do sangue durante a passagem pelo fgado, ou seja, a taxa de extrao pequena, o clearance heptico no praticamente alterado quando ocorrem mudanas neste fluxo.

    CLEARANCE HEPTICO

    O fgado o principal rgo de metabolismo dos frmacos, embora outros locais como intestino, rins e pulmes tambm participem em menor grau deste processo. O hepatcito constitui mais de 90% das clulas hepticas, possuindo no retculo endoplasmtico liso enzimas responsveis pela oxidao, reduo e hidrlise, participando das reaes de Fase I dos frmacos. As enzimas responsveis pelos processos de hidrlise e conjugao de frmacos (reaes de Fase II) encontram-se tanto no citosol quanto no retculo endoplasmtico liso dos hepatcitos.

    As enzimas do sistema P450 constituem-se em uma superfamlia de enzimas, formadas por uma molcula de heme ligada a uma cadeia polipeptdica, e so as principais responsveis pelas reaes de Fase I. As principais reaes do sistema P450 so: N-desalquilao, O-desal-quilao, hidroxilao aromtica, N-oxidao, S-oxidao, deaminao e de-halogenao.

    As reaes da Fase I podem transformar compostos ativos em inativos (sem atividade biolgica); transformar compostos inativos (pr-frmacos) em ativos ou raramente modificar a atividade biolgica dos frmacos formando substncias txicas.

    Os produtos resultantes da Fase I passam por um processo de con-jugao no qual ocorre a introduo de grupos funcionais (reaes de Fase 2) que aumentam significativamente a hidrossolubilidade facilitando a sua eliminao do organismo. As principais enzimas que participam das reaes de Fase II so as metiltransferases, glicuroniltransferases, glutationatransferases, sulfotransferases e acetiltransferases.

    Aps o metabolismo heptico os compostos so eliminados direta-mente na bile ou voltam para a circulao sistmica e so eliminados, como substncias polares, pelos rins.

    Quando eliminados pela bile, geralmente na forma de glicurondeos, so secretados no intestino e podem ser reabsorvidos e transportados de volta ao fgado pela circulao porta, na chamada circulao entero--heptica. Frmacos que so submetidos intensamente a este processo incluem: fenitona, colchicina e tetraciclina.

    Esta circulao pr-sistmica tambm chamada de eliminao de primeira passagem.

    O clearance heptico ou capacidade de extrao do frmaco da circu-lao (remoo do frmaco da corrente circulatria e seu metabolismo), depende de trs fatores:

    Fgado Hepatcito

    Ncleo celular

    Retculo endoplasmtico liso

    O hepatcito constitui mais de 90% das clulas hepticas, possuindo no retculo endoplasmtico liso enzimas responsveis pela oxidao, reduo e hidrlise dos frmacos.

  • 4 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA4 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA4 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA4 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA

    Em pacientes com insuficincia heptica, frmacos com alta extrao heptica podem apresentar aumento dos nveis plasmticos e da meia-vida (t). Alm disso, devido a menor sntese de protenas no fgado, pode ocorrer, tambm, diminuio da ligao do frmaco com protenas plasm-ticas o que aumenta o risco da ocorrncia de efeitos adversos e possveis intoxicaes.

    Vrios frmacos, aps administrao oral, sofrem metabolismo heptico de primeira passagem, causando diminuio na disponibilidade plasmtica do frmaco. Com a possvel reduo do fluxo sanguneo decorrente das alteraes hepticas, pode ocorrer um shunt espontneo ou cirrgico da ligao da veia porta com a cava inferior, e consequente passagem do frmaco para a circulao sistmica sem a ocorrncia de metabolismo heptico, o que causa aumento da sua biodisponibilidade.

    Quanto s variaes no metabolismo, vale lembrar que as principais enzimas metabolizadoras de frmacos localizam-se na frao lisa dos microssomos hepticos (CYP 450) e se constitui em diferentes isoformas. Mais de 50 isoformas j foram identificadas no ser humano e so designadas com a sigla CYPs. Vrios fatores podem interferir na atividade enzimtica dessas isoformas, por exemplo, diferenas genticas da expresso individual destas enzimas, induo ou inibio enzimtica e insuficincia heptica.

    As enzimas de oxidao (CYPs) que participam das reaes de Fase 1 so mais sensveis aos efeitos da leso heptica quando comparadas com as enzimas de conjugao (glicurondeos) da Fase 2. Assim em pacientes com insuficincia heptica deve-se evitar o uso de frmacos que sofrem reaes de oxidao substituindo-os pelos que sofrem reaes de glicuronizao. Caso se necessite utilizar os primeiros, a dose deve ser geralmente reduzida a metade.

    No caso de insuficincia heptica observa-se principalmente dimi-nuio da atividade de algumas isoformas, entre elas CYP1A, CYP2A, CYP2C, CYP3A, diminuindo, por exemplo, o metabolismo da cafena, cumarina, tolbutamida e lidocana, respectivamente.

    INSUFICINCIA HEPTICA

    As doenas hepticas podem reduzir o fluxo sanguneo heptico, diminuir a produo de albumina e alfaglicoprotena, alterar enzimas de biotransformao e o fluxo biliar. Assim, a alterao da funo he-ptica tem consequncias marcantes nas concentraes plasmticas dos frmacos o que pode reduzir a eficcia ou aumentar a toxicidade dos mesmos.

    A doena heptica pode ser aguda ou crnica. A doena aguda caracteriza-se por inflamao ou dano do hepatcito e na maioria dos casos um episdio autolimitado sem sequelas clnicas. A insuficincia heptica aguda pode evoluir para a doena crnica. Essa se caracteriza por alteraes estruturais permanentes, secundrias ao dano celular prolongado com perda da citoarquitetura e cirrose. As principais cau-sas de doenas hepticas so: hepatite viral (A, B, C, D, E), exposio prolongada e excessiva ao etanol, doenas autoimunes, doenas parasitrias, anormalidades vasculares (obstruo de veias hepticas), alteraes genticas e doenas biliares resultantes de colstase, ou seja, obstruo do fluxo de bile devido presena de clculos ou tumores.

    Alguns frmacos podem provocar alteraes hepticas que por sua vez iro prejudicar a funo deste rgo. Os principais frmacos hepatotxicos e os mecanismos da hepatotoxicidade sero discutidos mais adiante nesse captulo.

    Os principais sinais e sintomas de pacientes com doena heptica so: anorexia, perda de peso, dores abdominais, fadiga, hipertenso portal, ascite, sangramentos, ictercia, prurido, perda de cabelo, unhas claras (por falta de albumina) ginecomastia e encefalopatia.

    TESTES PARA AVALIAO DO COMPROMETIMENTO HEPTICO

    Para o uso racional de medicamentos necessrio avaliar as

    condies hepticas do paciente e assim estabelecer o tratamento adequado. No entanto, at o presente no existem testes precisos que possam relacionar o grau da leso heptica com possveis alteraes na distribuio e eliminao de frmacos. Entre os testes mais utilizados para diagnstico de possveis alteraes na funo heptica temos:

    - sorolgicos para descartar hepatite viral;- funo bioqumica para deteco e acompanhamento da evoluo

    embora de pouco valor diagnstico.

    Os principais testes de funo heptica so:

    (a) dosagem de bilirrubina: pode indicar ocorrncia de colstase, hemlise e leso do hepatcito;

    (b) dosagem de transaminase: pode sugerir leso do hepatcito; (c) dosagem de fosfatase alcalina: pode sugerir colstase e cirrose; (d) dosagem de albumina: pode indicar alteraes na sntese proteica

    e tempo de protrombina.

    Hepatites virais

    Alteraes metablicas

    Fe

    Hemocromatose Insuficincia heptica aguda

    Hepatotxicos

  • 5PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA 5PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA

    Vrios esquemas de classificao clnica e mesmo testes labo-ratoriais foram propostos para servir como orientao para o ajuste necessrio de doses em pacientes com doena heptica. Embora no exista um teste preciso, como seria o teste da creatinina no caso de insuficincia renal, autores sugerem a utilizao do teste de Pugh (Tabela 1) indicado para pacientes com alteraes leves e moderadas e no para aqueles com leses graves. A pontuao emprega cinco critrios clnicos para a doena heptica. Cada critrio pontuado entre 1-3, sendo a pontuao 3 a que indica a condio clnica mais grave.

    Tabela 1: Tabela de Pugh modificada para avaliao da gravidade da leso heptica.

    Parmetros escore 1 escore 2 escore 3 Grau de encefalopatia

    0 1 ou 2 3 ou 4

    Ascite ausente fraca moderadaBilirrubina (mg/dL) 1-2 2-3 >3Albumina (mg/dL) >3,5 2,8-3,5 10

    Com base na tabela anterior se atribui o escore aos respectivos parmetros, sendo que a somatria dos escores (Tabela 2) indica a gra-vidade da leso heptica e as medidas a serem adotadas na prescrio.

    Tabela 2. Gravidade Clnica relacionada somatria dos escores da tabela de Pugh.

    Gravidade clnica Somatria dos escoresMdia 5 - 6

    Moderada 7 - 9Grave > 9

    Outra forma de avaliar a funo heptica por meio da determi-nao da atividade de isoenzimas do sistema P450. Como nenhuma substncia isoladamente pode avaliar a atividade das principais enzimas metabolizadoras de frmacos, Atkinson props calcular o clearance heptico de pelo menos cinco frmacos metabolizados pelas enzimas CYP1A2, CYP2E1, CYP3A, CYP2D6, CYP2C19. Mesmo excluindo a possibilidade de interao entre as substncias teste, a avaliao dos resultados se torna extremamente complexa devido s variaes farmacogenticas dos pacientes.

    Tendo em vista as dificuldades para avaliao da induo e exten-so da leso heptica, a histria clnica do paciente se constitui em instrumento muito valioso para este objetivo.

    Uma boa anamnese e um protocolo em que se acompanhe o paciente, por exemplo, sobre hbitos de nutrio, uso de substncias de abuso, intoxicaes ocupacionais, uso de medicina alternativa, infeces virais, assim como a realizao frequente de testes rotinei-ros de atividade enzimtica, dosagem de protenas sricas e tempo de protrombina, no devem ser negligenciados quando da prescrio medicamentosa.

    MODIFICAES NO PLANO TERAPUTICO EM PACIENTES COM DOENA HEPTICA

    A implicao clnica da insuficincia heptica ocasionando alteraes farmacocinticas e farmacodinmicas tm seus efeitos mais graves nos tratamentos crnicos. Outros fatores de risco so: fumo, lcool, polimorfismo e polifarmcia.

    As principais alteraes em pacientes com cirrose, tm sido obser-vadas no aumento dos efeitos de frmacos psicoativos sobre o SNC, assim como os efeitos txicos renais dos aminoglicosdeos. Tambm tem ocorrido interferncia nos processos adaptativos do sistema renina--angiotensina, resultantes da insuficincia heptica, na administrao de inibidores da ECA e AINEs. Assim todos estes frmacos devem ser evitados em pacientes com insuficincia renal.

    Outros exemplos de frmacos que merecem cuidados especiais (alguns relacionados na Tabela 3) so:

    Os inibidores da bomba de prtons: omeprazol, lansoprazol e pantoprazol, todos metabolizados pelas mesmas enzimas (CYP3A4 e CYP2C19) tm o clearance diminudo, e como consequncia pacientes com insuficincia renal devem receber doses menores, pois o grau de inibio da secreo cida dose dependente. A cimetidina e em menor grau a ranitidina tem, em alguns pacientes com insuficincia heptica, provocado confuso mental, pois so capazes de cruzar a barreira-hematoenceflica com maior facilidade nesta situao clnica.

    Entre os agentes cardiovasculares, alguns so pr-frmacos que aps biotransformao formam princpios ativos. A doena heptica diminui esta formao sendo, portanto necessrio aumento da dose. Como exemplo, em hepatopatas a diminuio do metabolismo do pr-frmaco inibidor da ECA quinalapril e consequente menor formao do metablito ativo quinalaprilato ocasiona diminuio na sua concentrao plasmtica (rea sob a Curva normal de 744 g/L diminuindo para aproximadamente 257 g/L) e t (meia-vida diminuindo de 1.4 h para 0.7h). Neste caso necessrio aumentar a dose, ou substituir esse frmaco por inibidores da ECA que no so pr-frmacos, por exemplo, lisinopril.

    Os antagonistas de receptores de angiotensina: losartana e valsartana so principalmente metabolizados no fgado pelas CYP2C9 e CYP3A4. Em pacientes com insuficincia heptica moderada a concentrao plasmtica pode aumentar de 2 a 3 vezes quando comparada a indivduos normais, e a dose diria nestes pacientes no deve ultrapassar metade da dose. Mais aconselhado nestes pacientes o uso de irbesartana que metabolizado principalmente pela CYP2C9 (e no pela CYP3A4) menos sensvel aos efeitos da leso heptica.

    Quanto aos inibidores de canais de clcio: felodipino e nifedipino so metabolizados pela CYP3A4 e apresentam acentuado efeito de primeira passagem, sendo portanto sensveis a variaes nos seus nveis sricos em pacientes com insuficincia heptica. Recomenda-se reduo da dose pela metade.

    Entre os agentes hipolipidmicos a fluvastatina sofre intenso me-tabolismo de primeira passagem. Em pacientes cirrticos apresenta rea sob a curva (ASC) e tempo de concentrao mxima (Tmx) duas vezes superior comparada a pacientes normais, embora no ocorra diferena no tempo de meia-vida (t). Recomendam-se menores doses em hepatopatas. A pravastatina sofre tambm intenso metabolismo

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    de primeira passagem, e apresenta eliminao heptica e renal. metabolizada pela CYP3A4 formando dois metablitos ativos. Pacientes com cirrose apresentaram concentraes plasmticas 33% superiores a de pacientes normais, e necessitam ter sua funo heptica e renal avaliadas. Nestes, o tratamento deve se iniciar com doses mximas de 10 mg dirias.

    O diurtico torasemida metabolizado pela CYP2C9 e 20% elimina-do pelos rins in natura. Pacientes com cirrose apresentam geralmente resistncia aos diurticos de ala, decorrente de alteraes farmacodi-nmicas. Todavia, na doena heptica a diminuio no metabolismo da torasemida leva a um aumento da concentrao renal deste diurtico, 70% maior da que ocorre em pacientes normais, mantendo sua ao local e compensando as anormalidades farmacodinmicas. Assim no

    h necessidade de alterar a dose de torasemida em pacientes com insuficincia heptica se no houver simultaneamente um prejuzo da funo renal.

    Dentre os frmacos psicoativos, pacientes com insuficincia heptica devem evitar o uso de benzodiazepnicos que sofrem reaes de oxidao (por exemplo, alprazolam e midazolam) substituindo-os pelos que sofrem reaes de glicuronizao (por exemplo, oxazepam, lorazepam). Caso se necessite utilizar os primeiros, a dose deve ser geralmente reduzida a metade. Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptura de sero-tonina (ISRS), embora tenham diferentes estruturas qumicas, so todos metabolizados pela CYP2D6. Em pacientes com insuficincia heptica devem ser utilizados sempre no limite inferior das menores doses recomendadas, e ter os intervalos entre as administraes prolongado.

    Tabela 3 - Exemplos de frmacos que necessitam de cuidados especiais quanto a sua administrao em pacientes com doena heptica.

    Frmaco Uso teraputico Ocorrncia Cuidados

    Flecainida AntiarrtmicoDiminuio do metabolismo pela CYP2D6

    Iniciar com doses baixas

    Fluvastatina HipolipidmicoDiminuio do metabolismo pela CYP2C9

    Iniciar com doses baixas

    Losartana Anti-hipertensivoDiminuio do metabolismo pela CYP2C9 e CYP3A

    Reduzir dose em 50%

    Nifedipino Anti-hipertensivoDiminuio do metabolismo pela CYP3A

    Reduzir dose

    Midazolam Ansioltico/hipnticoDiminuio do metabolismo pela CYP3A

    Reduzir dose em 50%

    Fluoxetina AntidepressivoDiminuio do metabolismo pela CYP2D6

    Reduzir dose em 50%

    Tiagabina AnticonvulsivanteDiminuio do metabolismo pela CYP3A e ligao com albumina plasmtica

    Administrao desaconselhada

    Ondansetrona AntiemticoDiminuio do metabolismo pela CYP2D6

    Reduzir dose em 50%

    Omeprazol AnticidoDiminuio do metabolismo pela CYP2C19

    No exceder dose diria de 30 mg

    Fluoroquinolonas AntimicrobianoDiminuio do metabolismo pela CYP1A2

    Desaconselhvel o uso

    Ciclosporina e Tacrolimus ImunossupressorDiminuio do metabolismo pela CYP3A

    Ajuste cuidadoso de dose. Baixo ndice teraputico

    Amprenavir AntirretroviralDiminuio do metabolismo pela CYP3A4

    Desaconselhvel o uso

    Ritonavir e Efavirenz AntirretroviralDiminuio do metabolismo pela CYP3A4

    Reduzir dose

    Como no existem testes quantitativos precisos, para se evitar a

    ocorrncia de efeitos adversos de frmacos em pacientes com doena hepticas, algumas medidas teraputicas devem ser adotadas. As medidas gerais incluem:

    diminuir a dose do frmaco ou os intervalos de administrao (com exceo dos pr-frmacos que devem receber tratamento inverso);

    avaliar cuidadosamente informaes sobre o frmaco quanto a extrao heptica e ligao s protenas plasmticas;

    verificar a relao PK/PD (farmacocintica/farmacodinmica) quanto a eficcia e segurana do frmaco, para avaliao do risco/benefcio do tratamento.

    CUIDADOS ESPECIAIS QUE DEVEM SER DEDICADOS AOS PACIENTES COM SNDROME HEPATORRENAL

    A presena de doena heptica grave pode modificar a excreo renal de frmacos o que caracteriza a sndrome hepatorrenal (SHR). Esta sndrome ocorre em pacientes com doena heptica avanada e hipertenso porta significativa. A SHR pode decorrer tanto da diminuio do fluxo sanguneo renal quanto do volume de filtrao glomerular (VFG), devido intensa vasoconstrio nos vasos corticais. O tratamento de escolha o transplante heptico que, todavia, nem sempre estar dis-ponvel em tempo hbil. A reduo do suprimento sanguneo aos rins provoca intensa reteno de sdio e oligria mesmo na inexistncia

  • 7PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA 7PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA

    de quaisquer outras causas. Recentemente tem sido proposta medida teraputica atravs do uso de frmacos vasoconstritores sistmicos, at que o transplante, quando indicado, possa ser realizado.

    Para o diagnstico da SHR a determinao do clearance da creatinina no um bom parmetro, pois este permanece constante devido a dimi-nuio da sua sntese e diminuio da sua excreo. J a avaliao do VFG atravs do clearance da inulina (substncia filtrada livremente nos glomrulos e que no reabsorvida) se constitui em um bom parmetro para o diagnstico.

    Certos medicamentos devem ser evitados em pacientes com SHR, por exemplo, os inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), e os anti-inflamatrios no esteroidais (AINEs), pois ambos possuem alto potencial em diminuir o fluxo sanguneo renal por alterarem a he-modinmica local.

    Na doena heptica, geralmente os processos de coagulao sangu-nea esto alterados. Os fatores de coagulao dependentes da vitamina K, incluindo o fator VII esto diminudos, assim como a formao de plaquetas. Aproximadamente 40% dos pacientes cirrticos tm grave aumento no tempo de sangramento e diminuio na contagem de pla-quetas. Frmacos que interferem nestes processos devem ser evitados.

    FRMACOS QUE PODEM INDUZIR DOENAS HEPTICAS

    As principais leses hepticas causadas por frmacos podem ser:

    - Falncia heptica aguda uma reao adversa rara, grave e muitas vezes letal. Tem sido responsvel por medidas regulatrias res-tringindo o uso do medicamento, responsvel ou mesmo sua retirada do mercado. Entre os anos de 1987 e 2006 foram realizados nos EUA 661 transplantes de fgado em decorrncia destes efeitos adversos. Entre os principais responsveis encontram-se o acetaminofeno (40% dos casos); a isoniazida (8%), a fenitona e o cido valproico ( 7%), nitrofurantona e cetoconazol (6%).

    - Reaes de idiossincrasia: no tem relao com aumento no nvel plasmtico do frmaco e so decorrentes de reaes individuais em um nmero pequeno de pacientes, e pouco compreendidas. So tambm conhecidas como reaes de hipersensibilidade heptica aos frmacos. Alguns casos raros dessas reaes foram observados com sulfonilureia e ciprofloxacino e levaram os pacientes a necessitar de transplante heptico. Casos menos graves podem ser causados por diferentes frmacos resultando em diferentes danos ao fgado. Alguns antibiticos (penicilinas, macroldeos e fluoroquinolonas), foram asso-ciados a estes danos. As reaes, geralmente ocorrem aps o primeiro ms de tratamento com a presena de febre, prurido, eosinofilia e artrite, e se revertem com a retirada do frmaco.

    - Hepatite txica: so reaes geralmente previsveis e relacionam-se aos efeitos de altas doses de um frmaco. Um caso bem conhecido o da toxicidade causada por acetoaminofeno que produz o intermedirio N-acetil-p-benzoquinona-imina (NAPQI) bastante reativa e que deto-xificada do organismo pela conjugao com a glutationa. Condies nas quais ocorre reduo da reao de conjugao podem ocasionar acmulo do intermedirio txico e leso dos hepatcitos. A hepatite txica ocorre tambm durante a sndrome de Reyes, uma doena po-tencialmente fatal associada ao uso de cido acetilsaliclico em crianas, que provoca um acmulo de cidos graxos, impede a gliconeognese, e

    altera o ciclo da ureia. Intoxicao pelo cido valproico pode tambm produzir estas alteraes hepticas.

    - Hepatite txica crnica: decorre de reaes autoimunes no fgado. J foram descritas para os seguintes frmacos: dantroleno, isoniazida, nitrofurantona, fenitona e trazodona. Aparece de forma cclica com perodos sintomticos e perodos de convalescena. uma doena progressiva que pode levar ao bito.

    - Cirrose txica: alguns frmacos podem causar hepatite moderada assintomtica, que no caso de uso contnuo pode evoluir para cirrose txica. A leso resulta da atividade de metablitos txicos formados pela ao de enzimas do CYP450. Foram notados casos em pacientes tratados com metotrexato, com melhoras aps a reduo da dose e administrao concomitante de cido flico.

    - Hepatite alrgica: aparece aps um perodo de aproximadamente quatro semanas do uso do medicamento e se caracteriza pela ocorrn-cia de febre, erupes cutneas, eosinofilia e artrite. Sua ocorrncia rara e causada principalmente por administraes de penicilina e fluoroquinolona, que desaparecem aps a retirada do frmaco.

    - Alteraes vasculares: so decorrentes de obstrues nas veias e vnulas hepticas; podem ocorrer com: antineoplsicos citotxicos, hormnios sexuais e alcaloides do confrei. Embora raras, podem evoluir para cirrose.

    SINAIS E SINTOMAS DOS PACIENTES COM LESO HEPTICA E SEU TRATAMENTO

    Pacientes com insuficincia heptica apresentam vrios sinais e sintomas que necessitam tratamento adequado. Por exemplo:

    a) prurido, que ocorre provavelmente em decorrncia do aumento de sais biliares consequentes a ictercia colesttica. Os seguintes frmacos provocam alvio:

    colestiramina: sequestrante de sais biliares;anti-histamnicos: alvio sintomtico;ondansetrona: alvio pela via i.v.; fenobarbital e rifampicina: indutores enzimticos;antagonistas opioides: alvio sintomtico.

  • 8 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA8 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA8 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA8 PROGRAMA DE EDUCAO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMCIA

    Prof. Dr. Moacyr Luiz Aizenstein Professor Doutor do Departamento de Farmacologia do Instituto de

    Cincias Biomdicas da Universidade de So Paulo Campus Capital.

    Ps-Doc na Universidade da Califrnia (USA)e autor do Livro Fundamentos para o Uso Racional de

    Medicamentos editado em 2010 pela Editora Artmed.

    b) alteraes da coagulao sangunea, por ser o fgado o princi-pal local de sntese de fatores da cascata de coagulao, recomenda-se nestes casos:

    administrao de vitamina K;evitar o uso de: cido acetilsaliclico, AINEs e anticoagulantes.

    c) ascite, devido acmulo de fluido intra-abdominal, recomenda-se:

    repouso; reduo da ingesto de lquidos e de Na;diurticos evitar a diurese em excesso e verificar o clearance da

    creatinina;paracentese para retirada do excesso de lquido;antibiticos 20% dos pacientes desenvolvem peritonite bacteriana.

    d) encefalopatia, decorrente do aumento de amnia cerebral que ocasiona confuso mental, sonolncia, alteraes do humor, recomenda-se:

    lactulose: impede a absoro de amnia;neomicina ou metronidazol: reduz produo de amnia pela

    flora intestinal.

    CONCLUSES

    A integridade da funo heptica, fundamental para o metabo-lismo de frmacos, deve se constituir em uma grande preocupao da equipe de sade ao prescrever e dispensar medicamentos. Alm da necessidade de se evitar o uso de certos medicamentos, ajustes de dose so quase sempre necessrios para manter os frmacos dentro da janela teraputica impedindo a ocorrncia de efeitos txicos. A administrao de frmacos em pacientes portadores de doenas hepticas, como os exemplos apresentados na tabela 3, envolve uma avaliao cuidadosa da sua relao risco/benefcio.

    Alguns frmacos, descritos anteriormente, podem ser utilizados para aliviar os sintomas da insuficincia heptica e melhorar a qualidade de vida do paciente. Frmacos nefrotxicos devem tambm serem evitados para no agravar as condies gerais do paciente.

    Impossibilidade deeliminao

    renal

    Insuficincia heptica

    Aumento deamnia no sangue

    Encefalopatia heptica