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OAB / DF 40 ANOS
UMA HISTÓRIA DE LUTAS E AFIRMAÇÃO
Rui Barbosa, paladino do direito e um dos fundadores da republica do Brasil
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ÍNDICE
OAB-DF, 40 anos- uma historia de lutas e afirmação.
Primeira parte
1.- O Advogado, a advocacia e a Ordem
2.- “Humanismo e técnica do advogado
no desenvolvimento brasileiro” – tese
a IV Conferencia Nacional dos Advogados,
realizada em são Paulo no ano de 1980, de
autoria do advogado e ex-batônnier da OAB-DF,
Antonio Carlos Osorio 08-27
3.- OAB-DF: sua criação e instalação na capital federal 27-34
3.1- A construção da sede 34-40
4.- A Resistência Democrática 40-46
4.1- A Ordem é uma “entidade equilibrada”-
depoimento do presidente nacional da OAB,
Eduardo Seabra Fagundes, prestada a CPI
do Senado sobre “violência urbana” 46-52
Segunda parte
A contribuição da Ordem na construção do Estado de Direito
1.- A autonomia da Ordem – pelo advogado
H. F. Sobral Pinto 56-63
2.- A anistia – parecer do então Conselheiro
Federal José Paulo Sepúlveda Pertence 63-69
3.- A OAB e a constituinte de 1986, parecer
do Conselho Federal da OAB de autoria do
advogado Francisco Ferreira de Castro 69-92
4
4.- Direitos Humanos – Declaração de Brasília, 1997 97-100
5.- Justiça Social e Sociedade Justa – tese do
advogado Inezil Penna Marinho à IX
Conferência Nacional da OAB 100-113
Terceira parte
Desafios para o futuro
1.- Perfil do advogado brasileiro – presente
e futuro 114-117
2.- Ensino Jurídico 117-119
3.- Ética e Advocacia 119-123
4.- Comemoração aos 40 anos da OAB-DF
4.1- “A história da OAB-DF está
entregada à vida da Cidade”, de
autoria do Doutor J.J.Safe Carneiro,
presidente da OAB-DF
5.- À guisa de mensagem: “agenda de
prioridades dos advogados brasileiros”
pelo Doutor Reginaldo Oscar de
Castro, Presidente nacional da Ordem
dos Advogados do Brasil
5
PRIMEIRA PARTE
O advogado, a advocacia e a Ordem
Breves notícias
1.- Advogado, segundo os léxicos é uma palavra que vem do latim (
ad=junto de, e avocatu, chamado) significando a pessoa que defende, intercede, v.g.
fazer-se advogado dos excluídos ou necessitados; defender com o mesmo denodo
humildes e poderosos.
Ninguém pode ser advogado sem prestar o curso de direito e obter o diploma
por faculdade devidamente reconhecida, e não pode exercer a profissão senão
depois de inscrito na respectiva Ordem.
De acordo com o Estatuto da Advocacia e da OAB ( art. 2° ) , a presença do
Advogado é indispensável à administração da Justiça , com exceção da impetração
de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal
.
1.2- A advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses nasceu
no terceiro milênio antes de Cristo, sendo, portanto, uma atividade muito antiga na
história da humanidade. E segundo consta de fragmentos do Código de Manu,
sábios em leis podiam ministrar argumentos e os fundamentos para quem
necessitasse defender-se perante autoridades e tribunais. Porém, é na Grécia antiga
especialmente em Atenas, que se localiza o berço da advocacia, quando se
generalizou a defesa dos interesses das partes por grandes oradores populares e
políticos, como Péricles, Demóstenes, Isócrates, Tucídides, Górgias, Licurgo e
Ésquines, dentre outros. É relevante salientar que a maioria desses nomes ilustres
figura entre “os dez oradores áticos”, os quais elevaram a retórica, isto é, a arte de
falar e escrever com graça e fluência a um desenvolvimento semelhante ao da
filosofia.
6
O nosso saudoso colega Inezil Penna Marinho, no livro “ Os Grandes
Julgamentos da Grécia Antiga – Aspásia- Sócrates- Frinéia ( Edição Horizonte -
Brasília) demonstrou a verdade desse registro histórico em precioso trabalho de
pesquisa e reflexão, o qual constitui excelente serviço prestado à cultura clássica e
jurídica brasileira, em estudo feito por advogado pioneiro no DF que prestigiou a
classe, mantendo a tradição humanista inseparável da profissão que abraçou.
Até então, não existia uma atividade profissional permanente e reconhecida
constituindo a profissão de advogado. Só mais tarde ela apareceria.
Em Roma, onde brilhou o gênio político e da eloqüência oratória de Marco
Túlio Cícero, inicialmente, a advocacia forense era tarefa cometida apenas aos
Patrícios, que a desempenhavam como patronos de seus pares e clientes (patronus),
porque somente eles tinham acesso ao direito. Após a lei das XII Tábuas, mais ou
menos no ano de 450 antes de Cristo, com a vitória política da plebe, cessa tal
monopólio do direito e aumenta o número de advogados leigos e plebeus postulando
em Juízo (advocatus).
1.3- Escreveu o advogado Paulo Luís Netto Lobo, em “Comentários ao
Estatuto de advocacia e da OAB” (pág.14 e 15) que “ com base em variadas fontes
históricas, pode se afirmar que a advocacia converte-se em profissão organizada
quando o imperador Justino, antecessor de Justiniano, constituiu no século VI, a
primeira Ordem dos Advogados no Império Romano do Oriente, obrigando o
registro a quantos fossem advogar no foro e à observância de rigorosas condições de
eficiência e preparo, aprovação jurisprudência, ter boa reputação, não ter mancha de
infâmia, comprometer-se a defender quem o Pretor designar-se em caso de
necessidade, e não abandonar a defesa, uma vez aceita”.
Outros autores, no entanto, indicam o século 13 com a Ordenânça francesa do
Rei São Luiz, onde claramente são indicados os requisitos para o exercício da
profissão, como o marco inicial da regulamentação legal da advocacia.
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Ainda no século XIII, a advocacia se identificou com a nobreza de caráter e
comportamento ético de Santo Ivo, o qual se tornou patrono dos juristas festejados a
19 de maio.
É oportuno salientar que apesar de ser a advocacia uma das mais antigas e
respeitadas profissões, sempre se mostrou polêmica ao longo dos tempos, ora
enaltecida, ora execrada, variando conforme a época e as circunstâncias. De Santo
Ivo, patrono ilustre da classe, dedicado às causas dos mais humildes, a quem
defendia sem cobrar, já se dizia: “Santo Ivo era bretão, Advogado honesto, não
ladrão, coisa de admiração”.
Em Portugal, desde o século XIII, alguns forais já faziam referências aos
advogados, mas foi com as Ordenações Filipinas (Livro I, Titulo XLVIII) que se
tentou a primeira organização da advocacia com reflexos no Brasil.
Em nosso país, após a Independência, a advocacia (e as profissões jurídicas
em geral) identifica como ponto de partida a criação dos cursos jurídicos e sociais
do Brasil, em 11 de agosto de 1827, em São Paulo e Olinda.
Em excelente trabalho comemorativo do Sesquicentenário, a Subsecretaria de
Edições Técnicas do Senado Federal publicou sob o título “O Poder Legislativo e a
Criação dos Cursos Jurídicos”, os debates sobre esse relevante capítulo da História
das Instituições Legislativas do Império, transmitindo às gerações futuras e aos
estudiosos da matéria, na íntegra, os discursos proferidos pelos membros da
Constituinte e da Assembléia Geral sobre a criação dos Cursos Jurídicos no Brasil,
com a aprovação do Rei Dom Pedro II. O Visconde de São Leopoldo, ministro que
referendou a lei, mandada sancionar pelo Imperador, mais tarde escreveria em suas
memórias:
“Ao tempo deste meu ministério pertence o ato, que reputo o
mais glorioso de minha carreira política e que penetrou-me do mais
íntimo júbilo que pode sentir o homem público no desempenho de suas
funções. Refiro-me à instalação dos cursos jurídicos de São Paulo e
8
Olinda, consagração definitiva da idéia, que eu aventara na Assembléia
Constituinte na sessão de 14 de junho.”
A história encarregar-se-ia de lhe dar razão, tal foi o papel que passou a
desempenhar o advogado e os profissionais em direito na história do país. Pois das
Arcados do Largo de São Francisco, em São Paulo, e da antiga Escola do Mosteiro
de São Bento, em Olinda, e depois, de Recife bem como de outros centros de cultura
jurídica que se foram organizando, sairiam os homens e mulheres, conforme
vaticinara o Visconde de São Leopoldo, que, “ depositários algum dia de maior ou
menor porção de autoridade, constituíssem pela sua capacidade e pela suas luzes, a
força dos Estados”, e da Nação, propiciando-lhe a organização de instituições livres
e democráticas de acordo com as melhores tradições da nossa civilização Euro-
tropical.
Em 21 de agosto de 1843, criou-se o Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros, associação civil, com a finalidade de congregar os profissionais da
advocacia. Contudo, somente em 18 de novembro de 1930, foi criada a Ordem dos
Advogados do Brasil, órgão de disciplina e seleção dos advogados. (grifo nosso)
consoante dispôs o artigo 17 do decreto número 19.408, do Governo Provisório
chefiado pelo presidente Getúlio Vargas. O Instituto desdobrou-se então em duas
entidades: a Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto dos Advogados
Brasileiros, este (e seus filiados) com finalidade de promoção da cultura e da ciência
do direito, entre os advogados.
Aos 14 dias do mês de dezembro de 1931, foi aprovado o regulamento da
Ordem dos Advogados do Brasil, conforme autorizava o precitado decreto nº
19.408/30, devendo-se a redação a Levi Fernandes Carneiro, primeiro Presidente da
entidade no país. O modelo adotado foi o do Barreau de Paris, tanto para a
organização da entidade quanto para o paradigma liberal da profissão de advogado.
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Em 27 de abril de 1963 foi sancionada a Lei nº.4.215, pelo presidente João
Goulart, entrando em vigor no dia 10 de novembro do mesmo ano o novo Estatuto
da OAB.
Praticamente durante toda a década de 60, dedicou-se a OAB à sua
implantação nos estados e no Distrito Federal, e a atuar institucionalmente, em todo
o país. Foi quando a OAB dedicou os seus esforços também e de modo crescente à
defesa dos direitos humanos violados pelo regime militar que se instalou no Brasil a
partir de 31 de março de 1964. Foram esses realmente tempos difíceis para os
advogados e para o seu órgão de classe, a OAB, pois exigiram de todos os seus
membros por à prova sua dedicação à causa do direito, além da demonstração de
coragem e zelo na luta pela liberdade.
As etapas da evolução histórica da advocacia brasileira se encontram agora
sintetizadas no diploma legal que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da OAB -
Lei número 8.906, de 4 de julho de 1994, ao qual seguiu, complementando-o, o
Código de Ética e Disciplina instituído pelo Conselho Federal da Ordem, em 1° de
março de 1995, contendo 66 artigos, dentre os quais os que cuidam do processo
disciplinar do advogado.
Com respeito às atividades privativas da advocacia, estabelece o artigo 1º do
Estatuto, que ela se constitui, I - na postulação a qualquer órgão do poder judiciário
e aos juizados especiais e, II - das atividades de consultoria, assessoria e direção
jurídicas, além de outras em que a presença do advogado é indispensável para o
registro de atos e contratos, bem como na defesa dos acusados por crimes sobre os
quais a justiça se deva pronunciar.
À sua vez, a CF de 1988, no artigo 136 estabeleceu: “O advogado é
indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. E o Estatuto da
Advocacia e da OAB, aprovado segundo determina a Lei n.8,906, de julho de 1994,
10
em seu artigo 2º,§1º, acrescenta que o advogado, no seu ministério privado, presta
serviço público e exerce função social.
Registre-se, por oportuno, que o exercício da advocacia é pressuposto básico
para o ingresso na Magistratura, no Ministério Público e em outras carreiras
jurídicas da administração pública ou de cargos de direção e assessoria jurídica de
empresas públicas e privadas.
É indiscutível a posição de prestígio conquistada pelo Advogado, no âmbito
da administração da justiça, por força da regra aprovada pelo legislador constituinte
da Carta Política de 1988. De outra parte, é de se ver que aumentaram os seus
deveres com a sociedade, sobretudo no plano ético-profissional. Daí porque, a
advocacia não é somente uma profissão. É também um múnus público do
Advogado, como técnico do direito e profissional da advocacia posto a serviço da
Justiça e da sociedade.
Roberto Aguiar, citado por José Antonio Batochio, em Anais da OAB | l.994,
assinalou com rara oportunidade, que:
“A advocacia é uma atividade pública, é uma função da Polis.
Assim, a advocacia é uma das formas de se exercer a cidadania ...
.Por definição, a advocacia é uma atividade cidadã. Separar a
advocacia do exercício da cidadania é deformar sua natureza, é
desvesti-la daquilo que ela tem de mais significativo: os valores
da cidadania e da democracia. O exercício dessa profissão dá voz
a quem não a tem”.
Com respeito a OAB, o artigo 44 da Lei 8.906 de 04.07.1994 – Estatuto da
Advocacia e da OAB - dispõe, textualmente:
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“Art.44 - A Ordem dos Advogados do Brasil-OAB-, serviço
público, dotado de personalidade jurídica e forma federativa, tem
por finalidade:
I- Defender a Constituição, a Ordem Jurídica do Estado
democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça
social, e pugnar pela boa aplicação das leis, e pelo
aperfeiçoamento da cultura e das instituições
jurídicas;
II- Promover, com exclusividade, a representação, a
defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em
toda a República Federativa do Brasil;
§1º- A OAB não mantém com órgão da
Administração Pública qualquer vínculo funcional ou
hierárquico.”
Sem qualquer dúvida, o deferimento de tão relevantes finalidades a uma
Entidade de classe, a OAB, constitui fato político da maior importância para os
advogados, tanto a nível profissional como, e principalmente, no exercício da
cidadania. Decorreu de uma avaliação positiva feita pelo legislador constituinte de
1988, a respeito dos serviços prestados pela Ordem, atuando sempre com equilíbrio,
isenção partidária e independência ao interpretar e repercutir os legítimos anseios da
sociedade civil e na defesa da Constituição e das leis do país.
Por outro lado, parece claro que, sem essas garantias legais decorrentes de
preceito constitucional, e inseridas no Estatuto da Ordem, seria praticamente
impossível que a OAB pudesse adotar posições políticas de vanguarda, corajosas e
patrióticas, como o fez recentemente quando protagonizou pedido de impeachment
ao Congresso Nacional contra o presidente Fernando Collor, interpretando o clamor
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nacional e a opinião pública colhida nas ruas exigindo moralidade no trato da coisa
pública. E, ao adotar tais posições, a Ordem e os advogados o fizeram sem qualquer
interesse partidário ou vinculação ideológica, pois agiam somente em defesa de um
melhor padrão ético na conduta dos governantes e com rigorosa observância das
regras do Estado Democrático de Direito.
Perguntar-se-á: como foi possível aos Advogados, assim como aos demais
membros das carreiras jurídicas em nosso país conquistarem tão grande espaço
político e de atuação profissional na vida brasileira? A resposta é simples. Tem
raízes históricas profundas que remontam ao período de formação da nossa
identidade nacional. Foi um espaço de atuação conquistado com luta e dedicação à
causa pública, tanto no Império como na República, nestes 500 anos de vida
nacional, o que ultrapassa de muito as atividades ligadas ao exercício da profissão
de Direito e da advocacia. Atuando no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, o
profissional do Direito foi o principal artífice e modelador das nossas instituições
políticas e jurídicas, assim como o grande defensor das liberdades civis e públicas
dos cidadãos, propiciando as condições ideais para o progresso econômico e social
do Brasil.
Ontem, como hoje, é muito visível a presença do advogado, bem como de
outras carreiras jurídicas no dia a dia da sociedade em que vivemos, pugnando não
só pelo respeito à Constituição e às leis do país, como pela moralidade na gestão dos
bens públicos e pelas mudanças necessárias e urgentes reclamadas pelo povo,
visando superar a injustiça e a exclusão social.
Até porque, os advogados brasileiros entendem muito bem o sentido da
advertência feita por Rui Barbosa, um dos fundadores da República no Brasil, em
momento de grave crise nacional e de impaciência revolucionária na solução dos
nossos problemas políticos, econômicos e sociais, quando bradou em tom profético
aos seus concidadãos: “fora da lei, não há salvação”.
13
2-“HUMANISMO E TÉCNICA DO ADVOGADO NO
DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO”.
Tema exposto pelo advogado Antônio Carlos Osório em tese à IV
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em São Paulo,
no ano de 1980.
Pela importância e atualidade do tema desse trabalho, especialmente para as
novas gerações de profissionais em Direito e, em particular, os Advogados,
reproduzimos trechos tirados do livro “Brasília Diálogo com o futuro”- Thesaurus
Editora- Brasília, 1978, a seguir:
2.1- O TEMA:
A idéia matriz desta exposição consiste em descobrir e analisar, na natureza
da atividade do advogado, um elemento que chamamos de “humanista”, em
contraposição e tensão com o indispensável elemento técnico. Em seguida, valorar
esse elemento humanista como aquele mais característico da advocacia, do qual
deve ela tomar plena consciência, para acentua-lo e desenvolve-lo, em resistência
ativa às tendências e pressões para torna-la atividade simplesmente técnica.
Dentro dessas idéias centrais, sublinhar que a mais autêntica e efetiva
colaboração do advogado para o desenvolvimento nacional deve consistir na
manutenção e ampliação desse caráter de humanismo, sem prejuízo da colaboração
puramente técnica, isso porque o processo de desenvolvimento não se esgota em
medidas econômicas e materiais, mas exige a conscientização de valores humanos e
a mobilização social para sua integração e respeito.
2.2- APROXIMAÇÃO TERMINOLÓGICA
14
Importa preliminarmente, senão definir, buscar precisar a noção dos termos,
como condição básica de interlocução e entendimento.
Usamos a palavra “HUMANISMO” para os fins deste trabalho, sem
compromisso com nenhum dos variados conteúdos filosóficos dos diversos
“humanismos”. Muitos sistemas reivindicam a exclusividade da palavra, e
historicamente teve ele também sentidos múltiplos.
Do Humanismo renascentista, movimento de retorno à cultura clássica grego-
romana, surgiu – talvez por não autorizada extrapolação histórica (G.Fraile) - , o
humanismo naturalista moderno, excluindo do homem o elemento sobrenatural.
Esse humanismo naturalista abrange as mais diversas correntes, desde aquelas
organizadas para cooperação mútua, na “América Humanist Association” sob a
bandeira comum de uma metafísica naturalista (Vd. Corlis Lamont, The philosophy
of humanism, N. York,1949), até o controvertido “humanismo” marxista, e mesmo
o existencialismo já se afirmou humanismo. Em oposição a esses humanismos
naturalistas, antropocêntricos, existem os humanismos teocêntricos que pretendem,
situando o homem na sua verdadeira posição em face da sociedade e em face de
Deus, serem o verdadeiro humanismo. Destes, o mais conhecido e mais
sistematicamente exposto é o denominado “humanismo integral” de Jacques
Maritain, em sua conhecida obra.
Todos esses “humanismos” são concepções do homem, e via de
conseqüência, sistemas do mundo e da vida. Existem ainda outras acepções da
palavra, em sentido mais limitado, mas sempre como doutrina a respeito de
determinado setor da cultura.
Empregamos aqui o termo humanismo mais do que na linha de
PROTÁGORAS, no seu famoso aforismo “O homem é a medida de todas as
coisas”, já implicando em situar o homem no sistema do mundo, e definí-lo, como a
este, antes da linha de TERENCIO, na célebre réplica HOMO SUM ET HUMANI
NIHIL A ME ALIENUM PUTO, apenas manifestando um “grito da natureza”.
15
(Santo Agostinho), uma atitude, uma tendência, uma vontade. Antes um
“humanismo como iniciativa” e “estado de espírito” de Curtius ou “la volonté d´être
humme em perféction” de Eugène Masure (L´humanisme chrétien).
Indica antes uma direção de pensamento, uma temperatura e uma qualidade
da ação, no sentido de valores humanos, é verdade que pressuposta nessa atitude
uma posição ético-espiritual de valorização do Homem, sem exigência no entanto de
um conteúdo filosófico determinado.
Por TÉCNICA não indigitamos nem o seu sentido subjetivo de arte ou
habilidade, nem aquele, objetivo, de tecnologia, como conjunto de processos,
aparelhos e produtos materiais da atividade humana, embora às vezes a acepção
empregada possa inclinar para um ou outro sentido. Designamos antes a forma de
agir típica da chamada atividade técnica, um determinado caráter do pensamento e
da ação, oposto ao caráter que chamamos de humanista.
O contraste entre um e outro caráter colocará em relevo as diferenças e
precisará os conceitos.
No saber e no agir humanístico, o homem se preocupa e se sente responsável
por fins. Ao saber e agir técnicos, os fins são alheios e estranhos. No “fazer”
humanístico, o agente se indaga dos resultados finais da ação. O “fazer” técnico
ignora os fins a que serve, não se interroga senão dos resultados materiais imediatos,
só buscando racionalidade instrumental e eficácia. A posição humanista é
teleológica, se dirige a fins. A técnica, é, por essência, meio.
O pensamento humanista tende à observação do conjunto, da integralidade, do
geral, atua por síntese. O pensamento técnico cuida e se inclina sobre o tópico, o
particular, a unidade, o fato concreto imediato, é fundamentalmente analítico.
Na ação humanística, o humanismo está tanto no sujeito, como no objeto da
ação. No sujeito, porque o agente participa e se envolve como totalidade pessoal. No
objeto, porque o destinatário da ação é , em exame último, o homem e seu bem. Em
contraste, na atividade técnica o agente não participa como pessoa, ocorrendo uma
subdemanda humana, e, quanto ao objeto, o agente está limitado ao resultado
16
material próximo, não se interrogando, nem sendo responsável, pelos fins mediatos
para os quais os produtos de sua atividade irão servir.
Deve observar-se que essas lindes conceptuais tendem a esfumar-se, e a
tecnicidade tende à tecnocracia. A técnica, por definição e essência, “meio”, busca
tornar-se “fim”, tudo subordinando ao valor básico da eficácia. Por outro lado, os
chamados “técnicos” rebelando-se contra suas limitações – esquecidos, contra seus
próprios princípios, da divisão racional de atribuições e da própria especialização
que apregoam – tendem a definir os fins a que servirão os processos e instrumentos
que criam, invadindo a área das decisões políticas, sociais e até religiosas. Essa
tendência, que é recente, nasce de exigências íntimas respeitáveis mas é perigosa,
porque os técnicos, como especialistas em setores limitados, não se encontram aptos
à direção da sociedade, direção essa para a qual não se prepararam. Tanto mais
perigosa porque grande é o prestígio de que gozam, dado o caráter mítico que tem a
técnica no mundo contemporâneo. O mito da técnica e a própria magia da palavra
induzem a pensar que o “especialista” porque é proficiente em sua especialidade,
será capaz de melhor do que outros, de decidir as grandes opções sociais e políticas,
marcando rumos, legislando e administrando.
A subordinação social a critérios e valores técnicos – sem exame global das
situações, desrespeitando os valores humanos, só com interesse na rápida eficácia - ,
representa um dos maiores riscos do futuro. A respeito, o Prof. Cesarino Júnior, no
seu discurso de paraninfo da Turma de 1968 da Universidade de São Paulo, fez
excelente análise, mostrando os perigos da tecnocracia e a responsabilidade do
jurista.
2.3-O HUMANISMO DO ADVOGADO
Tanto o exame da tradição da advocacia, como a sua atual forma de exercício
em todos os países cultos, e bem ainda principalmente a análise íntima da natureza
17
do “fazer” advocatício, estão a demonstrar que a advocacia não é redutível a uma
atividade técnica.
Diz-se às vezes – já o ouvimos de eminentes advogados – que a advocacia se
justifica por ser uma atividade técnica. Falam-no por certo para frisar a necessidade
do aperfeiçoamento profissional, e têm razão se significam que o advogado deve
estar apto a veicular adequadamente a pretensão do patrocinado. Há, no entanto,
analisando-se a afirmação – que é também uma tendência em certos setores –
confusão grave e perigosa. Certamente que é imprescindível uma preparação
técnica, tanto remota como direta conforme o caso. Isso não significa, no entanto,
que a advocacia seja e se restrinja a uma atividade técnica, em terminologia precisa.
A técnica constitui um mero suporte para a realização de um trabalho que desborda
e supera o trabalho técnico. A técnica representa apenas um apoio para o agir
principal, com caráter que a envolve e ultrapassa.
Historicamente, os advogados no mundo ocidental pelo menos, nunca se
adstringiram e se deixaram limitar a um trabalho subordinado, de assistência neutra
a interesses de terceiros, tal se, por encomenda, produzissem e distribuíssem uma
mercancia. O próprio colorido da literatura sobre a profissão – ora um panegírico
condoreiro, ora uma crítica ferina - , já mostra que o advogado, sobre não poder ser
neutro, não deixa neutra a sociedade a seu respeito. E o acento de identificação
pessoal e de bravura que tem marcado sua atividade multissecular já está a indicar o
conteúdo humano e de responsabilidade social a que não têm os advogados fugido.
Seria longo e ocioso referir exemplos de que está repleta a história da advocacia.
Por outro lado, a participação ativa na vida da sociedade tem caracterizado
sempre os advogados, ainda em trabalhos estritamente profissionais. Inúmeras
figuras exemplares estão aí na história, a atestar a presença atuante do advogado na
vida pública. Desde Demóstenes, do qual mesmo os Discursos Judiciários estão
prenhes de preocupações públicas, e Cícero, ora debatendo no Senado, ora no
Fórum, os angustiosos problemas de sua época, até os advogados americanos que
construíram o admirável edifício das liberdades públicas do grande país e até hoje
18
detêm participação substancial na vida política. No Brasil, foi das faculdades de
Direito e dos pretórios que saíram os preparadores e fautores da Independência, os
luminares do Senado do Império, os líderes do Abolicionismo e da República,
cabendo-lhes sempre parcela substancial na direção da coisa pública. Paradigma
admirável é Ruy Barbosa cujo trabalho profissional se harmonizou tão intimamente
com as suas preocupações públicas.
E esse destaque na vida brasileira não se verifica somente no campo das
grandes e largas opções, como também no estudo pioneiro, em bases objetivas, dos
problemas nacionais, com Tavares Bastos no Império e Alberto Torres na
República. E a visão ampla do estadista, a habilidade na pacificação, as inspirações
básicas, no exemplo recente de Getúlio Vargas, é inegável que se embeberam em
sua formação de jurista e advogado.
A formação do advogado, e a vida profissional, o inclinam irresistivelmente
para essa responsabilidade pública, pois se a matéria do jurista já é, em redução
final, o homem, tanto mais sê-la-á a do advogado, em contato diário com toda a
gama de seus mais agudos problemas. O Papa Paulo VI, em alocução que dirigiu
aos membros do Conselho da Union Internationale des Avocats, assim se
manifestou:
“Ninguém, talvez, a não ser o sacerdote, conheça melhor do que ele (o
advogado) a vida humana sob os seus aspectos mais variados, mais dramáticos, mais
dolorosos, por vezes os mais defeituosos, mas não raro também os melhores. Não é
portanto de admirar tenha sido o advogado, desde a antiguidade, o candidato
naturalmente indicado para as funções políticas ou encargos públicos, por ser o mais
capaz de exerce-los : homenagem prestada espontaneamente a seu valor humano, às
suas capacidades, á sua experiência” (L´Osservatore romano de 15 de maio de
1965).
Seja no exame do direito brasileiro ou estrangeiro, seja principalmente na
meditação do comportamento profissional em sua prática, percebe-se na atividade
do advogado um elemento superior ao técnico, e que constitui o seu núcleo central,
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o seu dado mais característico e diferenciador. A esse elemento é que chamamos
“humanístico”.
A dificuldade em penetrar na íntima natureza da atividade advocatícia,
procurando no mesmo passo os fatores comuns a todos os atos profissionais, radica
na diversidade destes, e o paradoxo que é a própria atividade do advogado.
Dizemo-la paradoxal porque ao mesmo tempo que participa ativamente do
método competitivo para aplicação do direito representando ou aconselhando
interesses em conflito, o advogado retém, e agrava, os seus deveres para com a
comunidade, a boa administração da Justiça, o progresso da ordem jurídica, e até
para com a paz social e política. No próprio ato de, no “adversary system” que é o
processo ainda que inquisitório, assistir ou representar uma das partes, não perde o
advogado a sua responsabilidade pública, e conciliar os dois deveres, às vezes em
choques, é tarefa particularmente difícil. Surgem aí os imperativos de conciliação,
ou opção entre um ou outro dever, em forma e momento não previstos por nenhuma
regra, a exigirem decisão fundamente pessoal e criadora.
A advocacia exige e supõe uma técnica, tanto mais necessária e difícil quanto
a complexidade da vida social e o progressivo intervencionismo do Estado
moderno, têm multiplicado as normas jurídicas, às vezes sem sistema e sem
maturação social. E ainda porque a expansão da atividade profissional no terreno
extra-forense traz consigo uma demanda de melhoramento constante no
instrumental do advogado.
A natureza nuclear do “fazer” advocatício ultrapassa, no entanto, as lindes de
uma forma técnica de ação, ao mesmo tempo que a exige como suporte. O confronto
dos conceitos de atividade humanística e atividade técnica, tais antes os colocamos,
mostram de logo que a advocacia não é redutível a uma ação técnica.
Por formação e exigência profissional, o advogado se afasta já inicialmente do
técnico no ponto em que este vê apenas, e é apenas responsável, por um
determinado aspecto da realidade. Ora, os dados com os quais trabalha o advogado
20
envolvem todo o Homem, na sua dimensão material, espiritual e social. É preciso
então uma visão abrangente e totalizadora.
José Maria Martinez Val, no seu belo livro “El abogado – Alma y Figura de la
Toga” entende que “la abogacia es, ante todo, uma actividad humanística” porque:
“Aquello más característico Del hombre, el debate moral de su conducta y el
resultado de su libre determinación; su amor y sus interesses; la dignidad
intransferible de sua alma, y el compromisso eminente y naturalmente relativo de la
actividad social, eso es, y no otra cosa, el campo de acción del Abogado. Cuida e
médico del cuerpo; el educador de la formación; el sacerdote de la vida sobrenatural
del hombre. Pero el hombre queda, entero y verdadero, con sus totales dimensiones,
bajo la mirada del Abogado. Nadie intente, pues, ser Abogado, sin conocer al
hombre”.
E o serviço do advogado, além de não ser encomendável previamente, sob
medida e determinação, não consiste numa análise acadêmica do direito. Não pode
ser uma tese e menos uma monografia. É um trabalho intelectual, certo, mas com
exigências específicas e sob inspiração de valores humanos. É uma adequação do
interesse da parte ao conjunto jurídico-social, de forma hábil a melhor atende-la, em
harmonia o quanto possível com outros interesses legítimos em jogo.
Na atividade principal do advogado que é o Conselho – ou ao poder público,
ou particulares e mesmo quando a questão se torna em litígio - , não basta a
informação do direito vigente, e menos ainda aquela do direito especificamente
aplicável. Nessa atividade de conselho, que além de ser a principal
quantitativamente, é também predominante quanto ao seu valor real, embora às
vezes oculto, é que o advogado mais precisa da atitude humanista, amplificador e
harmonizadora. É onde também exerce a sua mais importante função social:
propiciar o “conhecimento” do direito, realizá-lo na vida prática dando-lhe sentido e
concretude, possibilitar a paz jurídica sem lide. A insuficiência do tecnicismo é aí
flagrante. O cliente não quer um estudo doutrinário, mas uma orientação prática
adequada, sob múltiplos aspectos, à concreta circunstância. Há a análise de outros
21
interesses seus, indiretamente envolvidos; há juízos de valor meta-jurídicos a emitir;
há interesses públicos por vezes atingidos ou atingíveis; há a prospecção do
interesse familiar e social; há juízos de conveniência e oportunidade a demandarem
sentido humano e aguda sensibilidade.
Aí, principalmente, se torna verdadeiro que “ce que le cliente demande, cést
um secours humain, et non pás um service matériel” (Savatier) e para esse humano
socorro a retidão de consciência é mil vezes mais importante do que o tesouro dos
conhecimentos (Ossorio y Gallardo).
Para obter e transmitir essa visão totalizadora da situação deve o advogado
não só empregar o seu conhecimento técnico-jurídico, mas a sua experiência
humana pessoal, sob a direção de uma consciência moral bem formada.
O recente CODE PROFESSIONAL RESPONSABILITY, da American Bar
Association, que entrou em vigor no corrente ano de 1970, e constitui uma peça
extraordinária de sabedoria e experiência, aconselha:
“Advice of a lawyer to his client need not be confined to purely legal
considerations. A lawyer should advise his client of the possible effect of each legal
alternative. A lawyer should bring upon this decision-making process the fulness of
his experience as well as his objective viewpoint” (Ec 7-8).
Entre nós, embora sem norma expressa de ordem ou conselho ético, o acento
que se coloca na independência profissional do advogado, mesmo em face do
cliente, e a menção enérgica à sua responsabilidade pública (art. 87,I, da Lei 4215),
são manifestações desse imperativo. Os franceses, embora sem sublinhar tanto esse
caráter, e ainda como no Brasil, com legislação quase que exclusivamente centrada
sobre a atividade forense, ensinam também “l‟avocat a le devoir de demeurer
indépendant à l´égard de tous et notamment à l´égard de son client” e que “il est
maitre de l´argumentation qu´il présente devant lês tribunaux, et peut même avoir de
la défense des intérêts de son client une conception quelque peu différente de celle
que celui-ci en a”, tendo então o dever de preveni-lo desse desacordo (6-A).
22
A tônica de independência profissional se compreende e justifica
precisamente em função de um comportamento humanista e não apenas técnico.
Não se trata de uma vaidade intelectual a defender, mas de uma obrigação com
raízes ético-sociais, dadas as implicações amplas que tem nas sociedades a atividade
do advogado. É de observar que a obrigação de independência ampla, como
imprescindível à profissão, é firmemente marcada no mencionado Code of
Professional Responsability: “the legal profession must insure changing that
circumstances do not result in loss of the professional independence of the lawyer”
(Ec 5-24).
Essa função do conselho, de tão ingente e delicada, a tanto exigir do
advogado – ,por vezes o sacrifício de seu interesse pessoal – não se pode realizar
sem uma dimensão de humanismo, aqui também no sentido de zelo por valores
humanos. Esse zelo deve atingir tal plano que o insigne CALAMANDREI chama a
advocacia “profissão de caridade” (Elogio) e o Papa Paulo VI, no citado discurso
não hesita em intitula-la “verdadeiro e autêntico ministério de caridade”. Não por
outra razão terá dito SANTO TOMÁS que “ad effectum dilectionis pertinet quod
aliquis advocatus causae alicujus patrocinetur” ( por efeito do amor é que o
advogado patrocina a causa de outrem).
Em contraste com a ação técnica, na atividade do advogado não pode e não
deve haver subdemanda pessoal ou alienação no trabalho. Pelo contrário, a par de
ter como objeto último de sua ação o homem, a atividade advocatícia “absorve toda
a existência de quem a abraça, todas as faculdades e energias, todo o espírito e todo
o vigor corporal”. Além de assistir ao Homem inteiro, o advogado se emprega como
homem inteiro. Humanismo no destinatário da ação e humanismo no agente, a
tornarem impossível qualquer orientação mecanicista, em fórmula feita ou de pleno
previsível, o que constitui uma conotação básica a diferencia-la da atividade técnica,
de regra delimitável com antecipação.
ORTEGA Y GASSET, no estudo sobre as profissões liberais, pensará por
certo no advogado quando escreve que “em la profesión liberal el hombre actúa
23
formalmente como indivíduo concreto, com sus condiciones personalíssimas. Su
actividad tiene siempre uma dimensión de creación. No consiste en repetir un
corportamiento standard. Se exige de ella que sea siempre, más o menos, invención,
que el profesional reacione en cada caso de un modo original”, e mais adiante, só
julga inteligível a atividade por “un entusiasmo y una complacencia de toda su
persona por aquela ocupación que hace de ésta, por decirlo asi, la sustancia de la
persona. Nos hallamos, pues, con el caso opuesto al del obrero cuyo trabajo es
ajeno, extrinseco a la individualidad. En la profesión liberal la ocupacón pertenece a
lo más personal de la persona. Esta es, en principio, inesperable de aquélla”.
Por isso, porque age como homem total, o advogado, embora como tal não
crie objetivamente valores humanos e sociais novos, não pode estar passivo e neutro
diante dos valores, é um condutor destes, de forma ativa e responsável. Não pode
quedar-se estranho e indiferente aos fins e efeitos, ainda que não imediatos, de sua
ação profissional. Pelo contrário, se lhe exige em sentido constante de participação e
responsabilidade.
Dissemos que ORTEGA devia pensar no advogado ao escrever os tópicos
citados sobre o profissional liberal. De todas as profissões liberais, a advocacia é a
mais abrangente sobre o homem, a que mais exige de quem a pratica, e a qual
implica em mais larga e profunda responsabilidade social. Por isso mesmo, mas do
que as outras atividades chamadas liberais, a advocacia tem a regulamentação a seu
exercício permeada de normas de direito cogente, e mais rigorosa deve ser a sua
disciplina.
Infundada assim a sua queixa de muitos advogados quanto às
incompatibilidades e aos impedimentos, que inexistem nas outras profissões liberais,
salvo como embaraços éticos. Para o advogado, o regime de incompatibilidades e
impedimentos é uma marca de nobreza, um signo da gravidade e importância de seu
trabalho, que se quer livre, isento, soberano a qualquer influência estranha ao
patrocínio assumido e à Justiça.
24
Porque são profundas as repercussões de seu trabalho, acima e além do
destinatário direto da prestação , é que o advogado tem e deve manter uma nítida
responsabilidade pública. Sua atividade constitui um “serviço público” (art.68 da
Lei 4.215), e tem como dever primeiro inscrito na lei a defesa da “ordem jurídica e a
Constituição da República, pugnar pela boa aplicação das leis, rápida administração
da Justiça, contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas” (art.87, I, do
Estatuto).
Essa responsabilidade é da própria natureza da advocacia, e tem raízes em
constante tradição. Já os romanos consignavam no aforismo IN ADVOCATORUM
TUTELA NON PRIVATORUM DUNTAXAT SED ETE REIPUBLICAE SALUS
CONTINETUR (10), o que a nossa lei firmemente assenta, e consta também em
outras regulamentações profissionais. A lei da Alemanha Ocidental, de 1952,
determina que “a atividade do advogado, acima do estrito interesse do cliente, deve
projetar-se sobre o espaço amplo da comunidade” ( §1º, primeira parte) e o já
aludido Code of Professional Responsability dita no Canon 8 que “a lawyer should
assist in improving the legal system” e deve agir sempre “as a member of a learned
profession, one dedicated to public service” (EC 9-6).
Desse sentido de integração na vida pública – como homem e como
profissional, condições quase inseparáveis - , decorre o dever para o advogado de
permanecer atento ao processo social, procurando coordenar o seu trabalho, por
modesto que seja , com o esforço para a consecução do bem comum. E a sua
gloriosa tradição o levará a contribuir, evitando e resistindo à marginalização, para a
edificação de uma cidade futura onde o Homem se realize plenamente.
2.4- O EQUILÍBRIO SOB TENSÃO
25
O trabalho do advogado – lastreado numa técnica, mas inspirado por um
humanismo - contém, na sua ampla variedade, ora momentos predominantemente
técnicos, ora momentos imperativamente humanísticos.
Se a hora for apenas de informar a norma incidente, de interpretar um texto,
de pesquisar com seriedade, de organizar-se eficazmente, de veicular com precisão o
interesse patrocinado, de obter a colaboração especializada etc., nessa hora o
advogado deve ser o técnico mais exigente e seguro.
Na hora, porém, do conselho pessoal harmonizador e adequado à humana
circunstância; na hora de renunciar à causa ou ao cliente; na hora de adverti-lo e
aconselha-lo contra a sua inclinação primeira quando a consciência profissional o
demande; na hora de resistir às pressões, aos comodismos e aos temores; na hora da
bravura defendendo a liberdade, a honra, ou o patrimônio legítimo; na hora de
sustentar o fraco contra a tropelia do poderoso; na hora de lutar com o pobre contra
a tentação do rico; na hora de se recusar a coonestar ou acobertar a fraude; na hora
de afirmar-se, contra a força, tendo como únicos escudos o seu saber e a sua
consciência – essa a hora e esse o momento do indispensável Humanismo.
O elemento humanístico deve ser o dominante, sem no entanto ter
preponderância absoluta.
Atuará ele como imantador, atraindo as partículas da técnica, porém sem
absorve-las ou destruí-las. Atuará como um limite matemático, cuja aproximação se
busca constantemente sem que se possa alcança-lo.
As colunas que sobem, tensionadas para o alto, são de humanismo, mas o
estaqueamento é de saber técnico. E sem as estacas as colunas não subiriam, e nem
poderia o edifício se definir a ser.
Assim também na advocacia. O necessário humanismo que se firme em
técnica segura, com ela mantendo um equilíbrio sob tensão, ora marcando um, ora
outra, a temperatura dominante, e um com a outra em permanente intercâmbio, e
recíproco e vivo entre-choque.
26
A exclusividade ou predomínio do aspecto técnico conduzem a uma
indiferença social e humana incompatível com a profissão, que a diminui e
desnatura.
Mas também não se coaduna com a natureza da advocacia a exacerbação do
elemento humanístico, que conduz à perda das características definidoras da
profissão do advogado.
Se é imprescindível o humanismo, como preocupação responsável por valores
e fins humanos, é desnaturante da advocacia uma projeção dominadora dos
valores pessoais do advogado na situação em que atua ou deve atuar. Não há
esquecer que o advogado é patrono ou conselheiro, e jamais parte. Se não pode ser
indiferente quanto ao objeto de sua ação como quem constrói ou conserta uma
máquina – porque o homem e a sociedade não são máquinas – ,não há também de
assumir a situação, substituindo-se ao bem patrocinado ou julgando a hipótese,
positiva ou negativamente.
O julgamento negativo conduzirá a uma má consciência no trabalho,
inadequação grave que o tornará improdutivo, ou levará à recusa do serviço. O juízo
negativo, pessoal ou por coerção social, levando à recusa da defesa, tem produzido
candentes análises condenatórias. Exemplo maior no Brasil é a famosa carta de Ruy
Barbosa a Evaristo de Morais, publicada sob o título “O dever do advogado”, e há
pouco um editorial do American Bar Association Journal, condenando a posição de
um advogado que dizia somente defender aqueles cujos objetivos compartilhava,
acentuou que “as a profession and individually we know that our ideal is to provide
competent counsel for any person with a legitimate cause” .
Falso também, e sedutoramente enganoso, o prisma sob o qual o grande
MAHATMA GANDHI viu e exerceu a advocacia, a qual, a pretexto de
“espiritualização” queria recusasse defesa aos clientes sabidamente culpados ou às
“causas injustas”.
A perspectiva e o papel próprios do advogado, apesar do imprescindível
humanismo (que se não pode confundir com “espiritualização” de Gandhi), não
27
podem conduzi-lo a “julgar” o cliente, especialmente para recusar o patrocínio que
for indispensável. Pelo contrário, todo interesse e toda culpa devem ter a
oportunidade de veiculação ou defesa hábeis, por um profissional competente que
ressalvará, se for o caso, o seu juízo moral íntimo. A não ser em circunstâncias
excepcionais, de frontal choque de consciência, e mesmo assim quando haja
alternativas para o interessado, o advogado não deve, por julgar segundo valores
próprios a situação, recusar o patrocínio. Permaneça no seu papel de intérprete e
defensor, e não se torne inquisidor e juiz.
O julgamento positivo sobre a causa é condenável quando for excessiva o que
chamamos de “projeção” de valores pessoais na situação. Dessa projeção pode
resultar que o advogado utilize o trabalho profissional como forma de atuação não-
profissional, como veículo de ação pessoal. O trabalho profissional desnaturado,
passará então a ser meio e pretexto, funcionando por outra como escudo.
No entanto, uma relativa harmonia entre os valores em causas e as íntimas
convicções do advogado não desnatura a advocacia. Pelo contrário, pode até
propiciar a plena coordenação e o ajustado equilíbrio entre a técnica e o humanismo.
Essa harmonia será útil à proficiência do trabalho, enchendo-o de calor e
entusiasmo, desde que preservada sempre a posição própria do advogado que,
substancialmente, não se inserirá na situação em jogo.
É de observar que o crescente relevo da atividade extra-forense – e a classe
deve lutar por tornar a assessoria e consultoria jurídicas privativas dos advogados –
implica num proporcional aumento da exigência humanística, como plena
conscientização ético-social. Isso porque, além de expandir-se a sua órbita de
atuação, aumentando a influência e conseqüente responsabilidade do advogado, a
sua atuação no conselho ocorre normalmente de forma discreta e velada, sem
ciência e controle estranhos.
Por outra, queremos crer que o sentido do humanismo está se acentuando,
apesar de algumas aparências enganosas.
28
O amadurecimento das normas relativas às prerrogativas e deveres
profissionais, realizado através dos organismos de classe, tem feito expandir-se a
noção das graves responsabilidades do advogado. E não há entender-se humanismo
e participação, sem base no cumprimento sério dos deveres profissionais,
cumprimento esse que deve ser firmemente exigido pelos órgãos disciplinares.
A matéria da deontologia profissional, ora repartida entre o Código de Ética
Profissional, e os arts.87 e 103 do Estatuto, parece-nos que está a necessitar de uma
reformulação legislativa, para se lhe retirar o caráter exclusivamente casuístico que
tem e dar-lhe caráter sistemático ao mesmo que adaptando-a às novas exigências e
novas modalidades de exercício profissional.
As exigências ético-sociais de nosso tempo, particularmente na juventude, a
que não estão por certo alheios os novos bacharéis e os estudantes de Direito, estão
se aprofundando e se tornando mais autênticos. Os futuros advogados serão, mais do
que nós, sensíveis aos imperativos humanísticos da profissão, porque se integram
ativamente num quadro em que a inquietação e preocupação sociais generalizadas, o
aguçamento do conflito de gerações, a recusa dos moços às receitas prontas, a busca
angustiosa de novos valores ou da raiz legitimados dos antigos, tudo nos parece
indicar que estamos emergindo para um “moral aberta no sentido bergsoniano. A
colocação em causa dos antigos valores e o desvelar-se de novos, produz fundas
conseqüências no Direito, que sob certa perspectiva pode ser definido como um
“mínimo ético” exigido coercitivamente pela sociedade (Jellinek).
2.5- A CONTRIBUIÇÃO DO ADVOGADO - CONCLUSÃO
Num movimento com essa ampla problemática e essa ambiciosa perspectiva,
é fundamental a contribuição do jurista e em particular do advogado. Das profissões
jurídicas é a advocacia aquela de mais larga esfera de ação, e aquela, portanto, que
de mais perto sente as aspirações coletivas, os anseios sociais, as necessidades e os
interesses individuais a reclamarem proteção.
29
E essa contribuição deverá estar presente tanto na construção do Direito
futuro, como na administração da Justiça e da coisa pública, e no processo de
reconhecimento e aplicação espontânea do Direito, sempre com o seu conteúdo de
preocupação por valores autenticamente humanos.
O processo de edição do Direito não deverá nunca – é estranho seja possível
dize-lo – ,prescindir da colaboração do jurista. A norma legal não deve ser
preparada apenas pelo técnico conhecedor do campo que se vai disciplinar. É
preciso, após o fornecimento por esse, dos dados da situação, o trabalho do jurista
para organiza-los, hierarquiza-los, harmoniza-los com os relativos a outras
situações, e lançar as normas e maneira segura, clara e sistemática.
São conhecidos os defeitos, muitas vezes apontados, da legislação multifária e
abundante dos períodos de crise político-social. Explicam-nos o crescente
intervencionismo do Estado e a complexidade da vida moderna, a exigirem rápida
proliferação das regras jurídicas. A maior explicação, no entanto, está na ausência
do jurista n elaboração legislativa. A preparação dos textos é feita muitas vezes
apenas por técnicos, sem a visão do conjunto social e legislativo em que as normas
vão incidir e se integrar. Ora, o técnico atomiza a sociedade, vendo-a em partículas,
numa impossível divisão, e desconhece o sistema do Direito, resultando que as
novas regras se acumulam e amontoam, contradizendo-se e entrechocando-se. Só o
jurista depura os dados, harmoniza os interesses sociais em contraste, formula uma
adequada hierarquização de valores a proteger, pode obter uma integração do novo
comando no sistema existente.
No embasamento jurídico necessário para sustentar o desenvolvimento
brasileiro, atualmente em segura arrancada, é especialmente imprescindível a
colaboração do jurista-advogado. E colaborando para uma construção equilibrada,
manifestará ele principalmente a presença dos valores humano-jurídicos que têm
inspirado sempre sua atuação e constituem pilares da nossa civilização: o respeito à
pessoa, a justiça igual para todos, o direito de defesa ampla, a garantia das
liberdades asseguradas, a proteção dos direitos individuais, tudo sem prejuízo da
30
disciplina social necessária aos grandes esforços coletivos, disciplina essa no
entanto a ser realizada dentro do conforto da norma jurídica.
Se é indispensável a colaboração do jurista para a edificação de um direito
“qui ne soit ni inerte ni affolé” e se somente os juristas podem fornecer “uma norma
à aceleração da história”, não fujam os advogados à sua responsabilidade básica,
bem firmada nas palavras do Ministro FERNADO NÓBREGA:
“A grandeza moral do bacharelismo – vocábulo tão mal compreendido e
interpretado – consiste na missão, que é do bacharel e só do bacharel – a missão de
erguer o edifício jurídico alicerçado no respeito à dignidade humana, na preservação
do primado da lei, na distribuição constante da Justiça. “Soldado desde ideal,
apóstolo, e, às vezes mártir dessa fé, o advogado opõe à tecnologia desumanizante
uma tecnologia mais alta – a que defende o homem como se livre portador de um
destino e de um sonho, em sua função social e política”.
O advogado, tomando plena consciência da natureza e alcance de suas
responsabilidades, sem renúncias servis antes com altaneria, sem avanços equívocos
antes com séria adesão à realidade, não se deve omitir nem tolerar ser marginalizado
no processo do desenvolvimento brasileiro. E tanto contribui para a marginalização
a docilidade que leva à condição do técnico limitado e subordinado, como a
inadequação à realidade presente, com alienação à verdade histórica em benefício às
vezes de princípios que mais não são do que mortas palavras. A vitalidade da
mensagem que trazem os advogados por herança multissecular se manifestará tanto
mais eficazmente quanto souberem captar as forças vivas do presente, sentir-lhes as
virtualidades futuras embora de momento ocultas, perceber-lhes a direção
verdadeira por vezes escondida sob palavras equívocas ou incompreendidas. As
forças históricas não trazem rótulos definitivos, e engajar-se nelas para lhes marcar
o rumo definitivo, atualizar seus valores latentes e até corrigir-lhes o curso
eventualmente desviado, essa é a tarefa atual de um autêntico humanismo.
Tanto participando do processo de normatização jurídica que não é linear e
demarcado, mas comporta forma vária de atuação – ,como na administração da
31
Justiça de cujo aparelho faz parte inseparável, e na tarefa quotidiana de aplicação do
Direito, aja o advogado interrogando-se e buscando sempre atingir os valores sociais
e humanos que legitimam a norma.
Não deslembre que no processo judiciário não participa como peça num
movimento de forças lúdico e gratuito, mas como instrumento consciente de
realização dos fins do Direito e consecução do ideal de Justiça.
Como conselheiro de partes ou conselheiro do Poder, não abdique à sua nobre
tradição, não se submeta a justificar a fraude e o abuso, não admita chancelar ou
preparar a burla e o atropelo, não permaneça à margem e inciente dos motivos e
alvos dos atos que instrumenta.
Nessa direção e com esse espírito a tarefa fundamental do advogado no
momento presente – e também aí sua mais valiosa colaboração ao desenvolvimento
brasileiro – consistem em, resistindo às tendências internas e pressões externas para
reduzi-lo à situação de mero técnico do direito constituído, preservar a posição que
sempre foi sua, de condutor vigoroso e intérprete ativo dos mais altos valores
humanos”.
3- OAB-DF: SUA CRIAÇÃO E INSTALAÇÃO
Com a inauguração da nova capital da República no quadrilátero do Planalto
Central, onde se localiza o Distrito Federal, deu-se a criação da Ordem dos
Advogados do Brasil, sessão do Distrito Federal, pelo Conselho da Entidade, então
presidido pelo professor Alcino de Paula Salazar e a sua implantação verificou-se
logo a seguir, com a nomeação de uma Diretoria Provisória, assim constituída:
Presidente, Professor Nehemias Gueiros; Vice-Presidente, Professor Colemar Natal
e Silva; 1º Secretário, Dr. Leopoldo César de Miranda Lima Filho; 2º Secretário, Dr.
Jaime Pereira Landim; 3º Secretário, Dr. Renato Ribeiro.
Consta da ata da sessão solene, conforme documento histórico reproduzido na
íntegra, por cópia, ao final deste trabalho os registros que se seguem: A reunião de
32
posse da Diretoria Provisória nomeada de acordo com deliberação do Conselho
Federal da OAB, foi realizada aos vinte e cinco dias do mês de maio de 1960, pelas
17 horas, nesta cidade de Brasília, capital federal, no 7 andar do edifício número 6,
situado na Esplanada dos Ministérios, cedido especialmente para este fim pelo
Excelentíssimo Senhor Ministro Nelson Hungria Hoffbauer, digníssimo presidente
do Egrégio Superior Tribunal Eleitoral.
Referida sessão foi prestigiada com a presença de altas autoridades do
Judiciário, assim como de autoridades civis e militares. Estavam presentes as
seguintes personalidades: Ministros Nelson Hungria, Candido Mota Filho, do
Supremo Tribunal Federal; Ministros Candido Cunha Lobo e Djalma Tavares da
Cunha Melo, do Tribunal Federal de Recursos; Ministros Ildefonso Mascarenhas e
Plínio Travassos, do Superior Tribunal Eleitoral; Dr Carlos Medeiros Silva,
Procurador Geral da República; Dr.Victor Nunes Leal, consultor Geral da
República; General Osmar soares Dutra, Chefe de polícia do Distrito Federal;
Desembargadores, Jorge Morais Jardim, Maximiano da Mota Teixeira e Elísio
Taveira, do Tribunal de Justiça de Goiás; Prof. Hernani Cabral, da Faculdade de
Direito de Goiás; Drs. Geraldo Irinêo Joffily e Joaquim de Souza Neto, Juízes do
Distrito Federal; e Dr. Inezil Penna Marinho, presidente do Instituto dos Advogados
de Brasília. Abrindo os trabalhos, o Presidente, esclareceu que, com a transferência
da capital federal para esta cidade de Brasília, antiga Seção do Distrito Federal,
passara a constituir a atual Seção do estado da Guanabara, e, assim, declarando
empossada a Diretoria acima referida, dava como instalada a Ordem dos Advogados
do Brasil em a nova Capital, afim de que, organizado, pela secretaria, o quadro
social dos advogados que promoveram as suas inscrições – seja estas principais,
secundárias ou por transferências – possa, em breve tempo, a assembléia geral, que
será convocada no devido tempo, eleger o Conselho Secional respectivo, que
dirigirá em definitivo, os destinos da Seção do Distrito Federal.
Congratulou-se o senhor Presidente com todos os presentes pelo auspicioso
acontecimento encarecendo e agradecendo a cooperação que recebera do Exmo.
33
Senhor Ministro Nelson Hungria para a instalação da OAB-DF que no momento se
realizava, dirigindo uma palavra de saudação ao núcleo de advogados pioneiros,
que, antes ainda da transferência da capital federal, já assistiam profissionalmente
com a flama e o espírito de renúncia de verdadeiros bandeirantes, às partes que
demandavam justiça nestas longínquas paragens do território nacional. Com a
palavra o Dr Inezil Penna Marinho, presidente do Instituto dos Advogados de
Brasília, agradeceu, em nome do corpo de advogados aqui residentes a saudação do
Senhor Presidente, historiando as vicissitudes das tarefas profissionais neste período
de pioneirismo, entregando ao ministro Nelson Hungria, em nome da instituição a
que presidia, o diploma de sócio honorário, com os agradecimentos pela sua
prestante colaboração em ceder, igualmente, ao Instituto dos Advogados de Brasília,
sede para as suas instalações naquele mesmo local, e solicitou ao Presidente que
fizesse entrega ao Dr.Francisco Luis de Bessa Leite Filho do diploma de advogado
pioneiro de Brasília, outorgado pelo mesmo Instituto, por ser aquele causídico o
primeiro que se instalou e postulou judicialmente nesta região. Falaram em
agradecimento, o ministro Nelson Hungria e o Dr Francisco Luis de Bessa Leite
Filho. . O primeiro, para frisar que a sua colaboração aos advogados resultava de
uma afinidade de espírito que se exprimia na sua própria vocação, pois, mesmo
magistrado sentia-se, pelo temperamento e pelo próprio espírito polêmico, o
advogado que sempre foi, desde o começo da sua carreira. Para ele, servindo-se de
uma imagem que já evocara em outra oportunidade, a magistratura era a justiça
sentada, em contraste com a advocacia, que era a justiça de pé militante e dinâmica
na defesa e no combate em prol dos direitos ameaçados ou postergados.
Á margem desta bela e significativa solenidade de implantação da Seccional
da OAB do Distrito Federal, os primeiros Advogados e pioneiros ali presentes, que
postulavam em juízo nessa região interiorana do Estado de Goiás, tinham no córrego
Vicente Pires o limite entre as comarcas de Luziânia e Planaltina, onde advogavam.
Na margem esquerda do Vicente Pires, situava-se a comarca de Planaltina, a mais
freqüentada e onde era Juiz o Dr. Lúcio Batista Arantes, o qual depois transferindo-
34
se para o Distrito Federal, após brilhante carreira na magistratura da nova capital,
ocupou o cargo de desembargador e presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios.
Depois da Sessão inaugural e em cumprimento á determinação do Egrégio
Conselho Federal foi convocada, a primeira assembléia geral dos advogados
pertencentes à Seccional do Distrito Federal, para o dia 31 do mês de outubro de
1960, tendo comparecido e votado 33 advogados inscritos em Brasília.
Como membros do Conselho Seccional foram eleitos e empossados os
seguintes advogados: Leopoldo César de Miranda Lima Filho, Flávio Laboriou
Barroso, Irinêo Joffili Neto, Oswaldo França de Almeida, Moacir Veloso Cardoso
de Oliveira, Clóvis Wanderley Pás Barreto, Newton Antunes de Oliveira, Sully
Alves de Souza, Laert José de Paiva, Francisco Gurgel do Amaral Valente, Anôr
Butler Maciel, Custódio Toscano, Hélio Bueno Brandão, Sérgio Gonzaga Dutra.
A primeira Diretoria da OAB-DF, foi eleita logo em seguida, a 2 de dezembro
de 1960, sob a presidência do Conselheiro Anôr Butler Maciel, o de inscrição mais
antiga na Ordem. Após abrir os trabalhos da Sessão convocada especialmente para
eleição da nova Diretoria, o Presidente solicitou que os presentes organizassem as
suas chapas de votação, para o que suspendeu a Sessão por dez minutos. Findo esse
prazo, reiniciaram-se os trabalhos passando-se à votação e em seguida, a apuração
dos votos, cujo resultado foi o seguinte: para Presidente, Leopoldo Cezar de
Miranda Filho, 13 votos; Vice-Presidente -Francisco Gurgel do Amaral Valente, 13
votos; 1º Secretário - José Eduardo Bulcão de Moraes, 14 votos; 2º Secretário -
Laerte José de Paiva, 13 votos; Tesoureiro - Oswaldo França de Almeida, 13 votos.
Após o anúncio dos resultados e declarar empossados os eleitos, o Presidente
enfatizou que os distinguidos com a confiança dos colegas compreendessem a
importância e a seriedade das tarefas que lhes competiria executar,
satisfatoriamente, para o crescimento e consolidação da OAB no Distrito Federal,
esperando que não lhes faltassem, como certamente não faltaria, o apoio dos
senhores conselheiros e de toda classe dos advogados do Distrito Federal.
35
Fiel à vocação histórica da classe a OAB expandiu-se e consolidou-se no
Distrito Federal, assim como em todo o país, afirmando-se nacionalmente como
uma instituição da sociedade civil de índole democrática e “equilibrada”, conforme
assinalou o eminente batonnier Eduardo Seabra Fagundes em depoimento prestado
na CPI do Senado Federal que investigou as causas da “Violência Urbana”, em
1976, e inteiramente dedicada à defesa da cidadania, da justiça, das prerrogativas da
classe e da ética profissional do advogado.
Como parte integrante de um sistema federativo na sua organização interna, a
Seção do distrito Federal é o órgão local da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo
dotada de personalidade jurídica própria, de autonomia administrativa e financeira,
incumbindo à Seção exercer, no âmbito de seu território, as atribuições da OAB,
respeitando, nos limites da lei, os provimentos do Conselho Federal.
Destarte, como parte integrante da OAB nacional, a seccional do DF sempre
colaborou, no âmbito de suas atribuições, com os órgãos superiores da Entidade de
classe no cumprimento das finalidades estabelecidas no seu Estatuto básico, com
lealdade e elevado espírito de cooperação.
Foram essas atitudes que marcaram, indelevelmente, a presença da OAB-DF,
no momento em que se comemora os seus 40 anos de vida em Brasília. Daí porque,
com um sentimento de justificado orgulho podemos dizer hoje, à semelhança dos
antigos Cavaleiros , os quais tinham como ponto de honra o cumprimento do dever e
lealdade na ação: “ missão cumprida. Combatemos o bom combate e não perdemos
a nossa fé”. Citamos com emoção e reconhecimento, os nomes daqueles que
dirigiram os destinos da OAB-DF desde a sua implantação na capital da República,
os quais são merecedores da nossa admiração e respeito pela forma digna com que
se portaram à frente da sua administração e dos trabalhos de suas respectivas
diretorias , conselhos seccionais e subseções da Ordem, contando com a
indispensável colaboração de dedicados servidores e funcionários.
São os seguintes:
36
PRESIDENTES:
NEHEMIAS GUEIROS – 1960 (PROVISÓRIO)
LEOPOLDO CÉSAR DE MIRANDA LIMA FILHO – 1960-61
DÉCIO MEIRELLES DE MIRANDA - 1961-63
ESDRAS DA SILVA GUEIROS – 1963-65
FERNANDO FIGUEIREDO DE ABRANCHES – 1965-67
FRANCISCO FERREIRA DE CASTRO – 1967-69
ANTÔNIO CARLOS ELIZALDE OSÓRIO – 1969-71
MOACYR FELCHIOR – 1971-73
ANTÔNIO CARLOS SIGMARINGA SEIXAS – 1973-75
HAMILTON DE ARAÚJO E SOUZA – 1975-77
ASSÚ GUIMARÃES – 1977-79
MAURÍCIO CORRÊA – 1979-87
AMAURI SERRALVO – 1987-89
FRANCISCO CARNEIRO LACERDA NETO – 1989-91
ESDRAS DANTAS DE SOUZA – 1991-94
LUIZ FILIPE RIBEIRO COELHO – 1994-97
JOAQUIM JOSÉ SAFE CARNEIRO – 1997...
Como registro histórico, cito com emoção e saudade os nomes dos presidentes
da Ordem no Distrito Federal que já deixaram o nosso convívio, com uma
homenagem amiga e respeitosa de gratidão pelo muito que fizeram por todos nós.
São eles: Esdras da Silva Gueiros, Fernando Figueiredo de Abranches, Hamilton de
Araújo e Souza e Décio Meirelles de Miranda.
De acordo com seu Regimento interno, a OAB-DF tem como órgãos (artigo 4
do R.I.): I- a Assembléia Geral; II- o Conselho Seccional; III- a Diretoria; IV- as
Subseções; V- a Caixa de Assistência; VI- o Tribunal de ética e Disciplina; VII- a
37
Conferência dos Advogados; VIII- a Escola Superior de Advocacia. Estes órgãos
são assessorados pelas seguintes comissões criadas pelo Conselho Seccional: I-
Comissão de Seleção e Prerrogativas; II- Comissão de Direitos Humanos; III-
Comissão de Orçamento e Contas; IV- Comissão de Estágio e Exame de Ordem; V-
Comissão de Direito Ambiental; VI- Comissão de Relações Internacionais; VII-
Comissão de Recreação, Esporte e Lazer; VIII- Comissão de Assuntos
Parlamentares; IX- Comissão de Defesa e Assistência; X- Comissão do Advogado
Empregado; XI- Comissão de Assuntos Constitucionais.
A multiplicidade dos órgãos que constituem a Seccional, bem como a
variedade de suas funções revela a extensa gama de interesses e de atuação da OAB
no Distrito Federal, conforme estabelece o seu Regimento, a fim de bem servir “os
advogados membros da Seção e os estagiários regularmente inscritos em seus
quadros” .
Ao completar 40 anos a Ordem no Distrito Federal tem um total acumulado
de 17.090 advogados inscritos, sendo: 13.213 com inscrição originária; 1.555 de
inscrição suplementar; 866 como estagiários; 208 de inscrições provisórias; e
transferidos, 1.248, o que constitui um universo de grande magnitude para a
Seccional do DF.
Dentre os serviços prestados pela Ordem ao seu quadro de associados, devem
ser destacados: a Caixa de Assistência aos Advogados, com serviços instalados para
atendimento nas modalidades de medicina, odontologia e farmácia, além de serviço
hospitalar próprio – hospital Santo Ivo – e convênios firmados com vários hospitais
da capital federal, cidades satélites do DF e São Paulo, cujos serviços são prestados
através do PLASAD; a Escola Superior de Advocacia criada para a melhoria,
aperfeiçoamento e capacitação do quadro de advogados inscritos na Seccional, com
atendimento superior a 1000 interessados por ano, através de cursos ministrados por
professores e profissionais do maior gabarito e experiência em cada ramo do
Direito; a Assistência Judiciária, um serviço prestado pela OAB, o qual alcança as
38
Cidades Satélites do DF e atende grande numero de pessoas carentes que necessitam
da assistência judiciária gratuita; aos advogados inscritos na Seccional e Subseções,
são colocados à disposição uma moderna estrutura informatizada de serviços, para
acompanhamento de processos no foro, bibliotecas de apoio, transporte inteligente,
além de outros serviços nos campos de assistência ao jovem advogado e às
atividades desportivas e culturais.
3.1-A CONSTRUÇÃO DA SEDE
No ano 1978, quando a Chapa Afirmação, encabeçada pelo advogado
Maurício Corrêa, colocou em sua plataforma eleitoral a construção da sede da
Seccional e criação de um jornal, houve tentativas de ridicularização, dizendo os
adversários que se tratava de promessa de “lunáticos”, feita em véspera de eleição
da Ordem.
Empossada a Diretoria eleita pela “Chapa Afirmação”, em abril de 1979,
circulou o primeiro número do jornal “Voz do Advogado”, que se tornou daí em
diante o porta-voz da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal.
Naquele período da ditadura militar, todos sabíamos das dificuldades a serem
enfrentadas e dos riscos assumidos com a publicação de um jornal independente ,
livre na documentação dos fatos e no questionamento dos assuntos de interesse da
classe dos advogados e da sociedade a que se ligavam. Sobretudo no momento em
que a OAB levantou bem alto no país a bandeira da Liberdade, da Democracia e da
defesa dos Direitos Humanos, valores básicos na formação política e cultural do
país, negada pelo regime militar instalado no Brasil.
Por outro lado, a construção da sede da Ordem no Distrito Federal
transformou-se não só em slogan de marketing político-eleitoral, mas constituiu-se,
em verdade, numa verdadeira idéia-força que mobilizou o apoio da classe dos
advogados brasilienses em sucessivos pleitos eleitorais, reelegendo a administração
chefiada por Maurício Corrêa até a conclusão da obra. Sobre o assunto, o discurso
39
pronunciado pelo então presidente da OAB-DF, na ocasião da assinatura do contrato
de empréstimo no valor de 144 milhões de cruzeiros com a CEF, destinados às obras
programadas, constitui-se num relato histórico de grande importância para a
compreensão do esforço destinado à realização desse objetivo de interesse de toda a
classe. Assim falou o presidente Maurício Corrêa, conforme transcrição feita, de
trechos publicados no jornal “Voz do Advogado”, edição de setembro/80, páginas.
13 e seguintes:
A LUTA
“Com a liberação do empréstimo pela Caixa Econômica Federal no dia 9 de
abril, tornou-se praticamente irreversível a concretização de uma antiga aspiração
dos advogados brasilienses, ainda mais porque a efetiva edificação da Sede da
Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal se dá no mês de abril, a
poucos dias do aniversário da cidade em seus 21 anos de existência como Capital da
República.
Para que a gestão de Maurício Corrêa concretizasse o desejo manifesto na
construção de sua sede própria, foram enfrentadas inúmeras dificuldades, quer
administrativas, quer políticas e as de ordem econômica e financeira.
A partir de 1965, quando Brasília venceu, como cidade e sede administrativa
da Nação, as inúmeras batalhas políticas visando o retorno da Capital da República
para o Rio de Janeiro, os advogados brasilienses iniciaram a longa caminhada a se
completar com a inauguração do edifício-sede.
O primeiro passo foi a compra do terreno para a edificação.
Data da gestão de Francisco Ferreira de Castro a compra de um terreno no
Setor de Autarquias Sul.
Entretanto, em razão da falta de recursos da OAB-DF, e em face da exigência
e dos padrões exigidos para as construções no Setor de Autarquias Sul, a Secional
estava na eminência de perder o lote.
Eleita a “Chapa Afirmação”, em 1979, encabeçada por Maurício Corrêa, a
primeira preocupação foi a de encontrar uma solução imediata para o problema, já
40
que dentro de poucos meses (à época) o Governo do Distrito Federal poderia
retomar o terreno, em face de dispositivo contratual que constava na escritura de
doação.
A solução encontrada para assegurar os primeiros passos na edificação da
sede, foi conseguir a permuta do lote no Setor de Autarquias Sul por um outro lote
em local apropriado para comportar a futura “Casa do Advogado”.
No dia 30 de abril de 1979 os advogados brasilienses, atenderam em peso à
convocação de Maurício Corrêa e compareceram a uma Assembléia Geral
Extraordinária para deliberar sobre o assunto.
A Assembléia Geral Extraordinária autorizou aos dirigentes da OAB-DF que
promovessem a permuta, o que foi feito, passando a entidade a ser proprietária do
Lote no. 07 da Quadra 516, do Setor de Utilidade Pública Norte.
Estava, portanto, dado o primeiro passo no sentido de ser concretizada a velha
aspiração da classe.
OS RECURSOS
Assegurada a posse do lote junto à TERRACAP, iniciava-se uma das mais
difíceis etapas: a de conseguir recursos para a efetiva construção da sede.
Assim que o Presidente da República, João Baptista de Figueiredo, constituiu
seu ministério, o presidente da OAB-DF, Maurício Corrêa, iniciou gestões junto ao
falecido Ministro da Justiça, Petrônio Portella, no sentido de que a Taxa Judiciária
inicialmente criada para auxiliar a edificação do Palácio da Justiça do Distrito
Federal, já que cumprida sua finalidade, fosse destinada à Ordem dos Advogados do
Brasil – Seção do Distrito Federal.
Com o falecimento do Ministro Petrônio Portella, assumiu o Ministério da
Justiça o deputado federal Ibrahim Abi-Ackel, que, a par de suas atividades
políticas, sempre foi um ativo advogado na Justiça de seu Estado natal, portanto
41
conhecedor do dispositivo de Lei que obriga o Governo Federal a prover recursos
para a instalação do prédio da OAB.
Sem jamais ter abdicado da postura retilínea em defesa do direito e das
liberdades democráticas, o presidente Maurício Corrêa retomou as gestões para
conseguir a transferência de Taxa Judiciária. O Ministro Ibrahim Abi-Ackel,
mostrou-se receptivo e procurou sensibilizar o Presidente da República para a
questão.
No dia 02 de maio de 1980, enviava o Presidente João Baptista Figueiredo ao
Senado Federal a seguinte mensagem: “Excelentíssimos Senhores Membros do
Senado Federal .
Nos termos do artigo 51, combinado com o artigo 42, ítem V, da
Constituição, tenho a honra de submeter a elevada deliberação de Vossas
Excelências, acompanhado de Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado
da Justiça, o anexo projeto de lei que “dispõe sobre a destinação da taxa judiciária
de que trata o artigo 20 do Decreto-Lei no. 115, de 1967”. Brasília, 02 de Maio de
1980. João Figueiredo.
No dia 8 de junho de 1980 o Presidente da República promulgou a Lei no.
8.611, que estipula a taxa de 2% (dois por cento) sobre todas as ações postuladas na
Justiça Comum, até o valor de um salário referência vigente no Distrito Federal,
incidente sobre o valor atribuído às causas, destinando seu recolhimento à
construção da sede OAB.
AS PEDRAS NO CAMINHO
Ao discursar no dia 9 de abril no gabinete do Gerente Geral da Agência
Central da Caixa Econômica Federal, o presidente Maurício Corrêa aludiu em seu
discurso “as pedras do caminho” que enfrentou até a liberação do empréstimo pela
CEF.
42
Na realidade, a determinação, o arrojo e a coragem histórica do presidente
Maurício Corrêa em sua férrea determinação de edificar a “Casa do Advogado”, e
de criar as condições efetivas para a transferência do Conselho Federal para Brasília,
enfrentaram pressões e ações políticas de toda ordem, que afinal valorizaram os
esforços da Diretoria e do Conselho Seccional em respaldar as ações e iniciativas de
seu líder.
Para que se tenha idéia dessas pressões, vale lembrar que foi movida uma
intensa campanha visando convencer os advogados brasilienses a negarem
autorização à Diretoria e ao Conselho Secional para cumprir a exigência documental
e administrativa da Caixa Econômica Federal, que exigia o gravame do terreno da
entidade para concessão do empréstimo ora liberado.
A despeito dessa campanha, no dia 7 de outubro de 1980 os advogados
inscritos na Secional acorriam maciçamente ao chamamento de seus líderes e o
resultado da votação da Assembléia Geral Extraordinária atestou essa confiança,
verificando-se um índice de mais 80% a favor do gravame do terreno junto à CEF.
AINDA “AS PEDRAS”
Assim que foi promulgada a apuração dos votos da Assembléia Geral
Extraordinária às 20:45 horas do dia 7 de outubro de 1980, o presidente Maurício
Corrêa, em conciso e emocionado discurso, agradeceu a confiança da classe e
anunciou que iniciara imediatamente a primeira etapa da construção, ordenando o
início das escavações.
A promessa do presidente da OAB-DF, teve entretanto que ser adiada por
quatorze dias, face à petição interposta pelo presidente da Associação do Ministério
Público do Distrito Federal e do presidente da Associação dos Magistrados do
Distrito Federal ao desembargador Valdir Meuren, Corregedor de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, na qual se pretendia que “a taxa judiciária seja recolhida
na base de 2% (dois por cento) sobre o valor da casa, respeitado o limite de Cr$
43
300,00 (trezentos cruzeiros), conforme redação dada no artigo 20 do Decreto-Lei
no. 115/67 e pelo Decreto-Lei no. 246/67, e que “a mesma taxa seja recolhida à
União Federal”, pedindo ainda “que seja restituída pela OAB_DF a parte da taxa
judiciária que já lhe teria sido entregue em decorrência da lei nova”.
Em consubstanciada decisão datada do dia 20 de outubro, o Corregedor
Waldir Meuren indeferiu o pedido, alegando que “à Corregedoria não cabe o
controle do destino dado à taxa judiciária. Como autoridade administrativa, entende
faltar ao Corregedor competência para decidir quanto à aplicação da taxa judiciária,
não lhe cabendo, portanto, discutir a constitucionalidade da Lei no. 8.611, de 08 de
Junho de 1980. Falece às associações requerentes competência para, na esfera
administrativa e nos limites da alçada da Corregedoria, discutirem o valor da taxa
judiciária, valor alterado no curso do exercício financeiro.
Embora com a certeza da improcedência do pedido dos presidentes da
Associação dos Magistrados do Distrito Federal e da Associação do Ministério
Público do Distrito Federal, souberam a Diretoria e o Conselho Seccional aguardar e
respeitar o pronunciamento do Corregedor da Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios, iniciando as escavações para a edificação de sua sede três dias após o
pronunciamento do desembargador Waldir Meuren.
INÍCIO DA OBRA
Com a presença do presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal,
de ex-conselheiros, líderes sindicais de Brasília, presidentes de associações
profissionais e de empresários, foram iniciadas as escavações, com recursos
próprios da OAB-DF, às 10 horas do dia 24 de outubro de 1980.
Ao agradecer, os cumprimentos na ocasião, o presidente Maurício Corrêa
considerou a data como “um dia histórico para a classe dos advogados”. Hoje,
quando se inicia a escavação para a edificação da futura sede da Ordem dos
Advogados do Brasil, cabe lembrar os obstáculos que foram opostos a que
44
chegássemos a essa grande realização, não só por causa da própria posição da
Ordem dos Advogados do Brasil, senão até mesmo por certos colegas, mal
informados da verdadeira finalidade, de valorização da profissão e dos advogados.
Entre esses, que se posicionaram contrários à realização dessa antiga aspiração da
classe, alguns aludiram ao caráter visionário que poderia ter esse sonho, ei-lo a se
transformar em realidade. As dificuldades foram muitas ao correr dos tempos,
entretanto, a classe unida dita-nos a tarefa a ser cumprida nos próximos 18 meses, a
partir da concessão do financiamento.
Haveremos de instalar aqui neste local nossa sede. Instalaremos a Caixa de
Assistência aos Advogados, aqui faremos funcionar um departamento de estágio
para os estudantes de Direito, daremos condições de ser instalado o Instituto dos
Advogados do Distrito Federal, cinema, teatro, auditório, salão social e uma vasta
biblioteca jurídica à disposição de todos os advogados brasilienses.
Agradeço em nome dos advogados de Brasília aos ex-presidentes da
Seccional pela contribuição dada.
Agradeço à maioria dos colegas que acreditaram em nossa administração, e,
de maneira inconteste, sufragaram por imensa maioria a autorização na assembléia
do dia 7. Agradecemos até mesmo àqueles que se opuseram, pois, de sua posição,
fortalecemos a convicção de que trilhávamos o caminho correto em defesa de toda a
classe.”
4- A RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA
Fiel à sua vocação histórica e em cumprimento das finalidades que lhe
foram atribuídas pelo Estatuto, a OAB sempre dedicou-se, como órgão
representativo da sociedade civil e refletindo com isenção partidária tão somente os
anseios do povo e da consciência jurídica nacional, à defesa da Constituição e da
ordem jurídica democrática, colocando-se contra as manifestações de arbitrariedade
do poder do Estado e dos governantes.
45
Foi assim que procedemos durante o período da revolução de 1964, embora
cientes de que, para os militares, a defesa dos direitos humanos contra os atos
arbitrários praticados tivesse para eles o significado de opor-se à revolução. Mesmo
assim, jamais a Ordem abriu mão desse dever legal, a despeito dos riscos a que
estávamos expostos, de fato. Utilizando dos meios legais e da força do Direito,
opusemo-nos tenazmente à invasão da Universidade de Brasília, à prisão de
estudantes, de lideranças sindicais e à demissão de professores. Após a edição do
Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968, deu-se o recrudescimento
da fase de repressão revolucionaria, ocasião em que foi decretado o recesso do
Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas Estaduais e Câmara de
Vereadores, e cassados os mandatos de parlamentares, com suspensão de direitos
políticos por dez anos; foram compulsoriamente aposentados, em 16 de janeiro de
1969, três ministros do Supremo Tribunal Federal – Victor Nunes Leal, Evandro
Lins e Silva e Hermes Lima, seguindo-se a inativação voluntária dos ministros
Gonçalves de Oliveira, Presidente, e do Decano do STF, Ministro Lafaiete de
Andrada. Por haver se solidarizado com o Congresso Nacional em não autorizar a
licença para que o deputado federal Márcio Moreira Alves fosse processado, por
alegado crime de opinião cometido da tribuna da Câmara dos Deputados contra os
militares, foi preso arbitrariamente em Goiânia e trazido para Brasília o advogado
Sobral Pinto, então representante da OAB-DF no Conselho Federal da Entidade, um
homem em idade provecta, com setenta e cinco anos de idade.
Para o doutor Sobral Pinto, um dos maiores advogados brasileiros em todos
os tempos, a Ordem do Distrito Federal, correndo todos os perigos, ofereceu o
benefício da custódia da Entidade, o que foi aceito pelo Comando Militar de
Brasília, mantida a prisão domiciliar, a ser cumprida na residência do presidente da
OAB-DF, o que de fato ocorreu durante os cinco dias de sua duração. Relembro
agora esse momento de grande tensão e expectativa dos dirigentes da OAB em
Brasília: juntamente com o doutor Miranda Lima, ex-presidente da OAB-DF, e os
46
membros da Diretoria, fomos até o gabinete do Senhor Ministro da Guerra, na
Esplanada dos Ministérios, levar o ofício em que oferecíamos a custódia da Ordem
para o doutor Sobral Pinto, preso no quartel do Comando Militar de Brasília. Ali
fomos recebidos por um Oficial do gabinete e introduzidos na sala de despachos do
Senhor Ministro. Após os cumprimentos, sua excelência nos adiantou que
procurássemos no dia seguinte, no Comando Militar de Brasília, o Coronel Epitácio
Brito, a resposta ao nosso pedido. No dia seguinte, os mesmos colegas membros da
diretoria e o presidente da OAB-DF, fomos até o comando militar situado Setor
Militar Urbano de Brasília, a fim de tratar do assunto – a custódia ao doutor Sobral
Pinto. Logo ao chegarmos, fomos encaminhados pelo Oficial de guarda até o
Comando, onde o coronel Epitácio já tinha a resposta desejada. Enquanto mandara
um oficial trazer à nossa presença o doutor Sobral Pinto, conversou cortezmente
com os integrantes da diretoria.da OAB. Nesse momento, - era numa manhã
ensolarada - vimos passando de volta do pátio interno do quartel um grupo de
detentos, em fila indiana, à frente deles o nosso amigo e colega jornalista Carlos
Castelo Branco, o que deixou todos nós muito chocados com a cena presenciada.
Solicitamos a extensão do pedido de custódia também a Carlos Castelo Branco, o
que foi negado em face de o mesmo não estar inscrito na OAB-DF. Chegando o
doutor Sobral Pinto, este emocionado disse que não aceitaria um pedido de hábeas
corpus se esta fosse a solicitação, de vez que não se considerava preso por haver
praticado um ato ilícito, mas vítima da violência perpetradas pelos detentores do
poder militar contra a liberdade de um cidadão como ele, incapaz de praticar
qualquer ato condenável ou impatriótico de que o acusavam.. Mas aceitava, sim,
ficar sob a custódia da Ordem, o seu órgão de classe ,a fim de responder às
acusações que lhe eram feitas, declarando ao presidente da OAB-DF: “aqui estou,
senhor presidente, sou seu prisioneiro”. O coronel Epitácio Brito acrescentou que o
doutor Sobral Pinto ficaria sob a custódia da Ordem, na casa de seu presidente, à
disposição do Comando Militar, até o fim das investigações em andamento. Durante
os cinco dias seguintes, entre levar o doutor Sobral Pinto à missa todos os dias e ao
47
quartel, a nossa casa era permanentemente procurada pelas mais representativas
figuras da advocacia, membros do judiciário e amigos em visita ao ilustre preso, até
á sua soltura.
Para o Ministro Victor Nunes Leal, face à inconstitucionalidade e violência do
ato revolucionário que decretou a sua aposentadoria e dos seus colegas do Supremo,
o Conselho da Ordem dos Advogados do DF, numa atitude corajosa e digna,
concedeu-lhe a inscrição para o exercício pleno e imediato da advocacia, cuja
inscrição, originária, foi concedida no dia 21 de março de 1969 e tomou o número
729, o que foi tido como um gesto de reconhecimento ao mérito intelectual e
honradez de um dos maiores juízes do Supremo Tribunal Federal e, depois, um dos
mais brilhantes advogados do país.
No período em que presidiu esta Seccional da Ordem o advogado Moacir
Belchior ( l97l- l973), foi, segundo ele afirma, “o mais duro da ditadura militar.
Advogados foram presos e torturados, sem pelo menos responder a um processo.Foi
preso e desapareceu o advogado Paulo de Tarso Celestino, detido pela Policia
Federal no Rio de Janeiro e morto mediante tortura.”
Nos estertores da revolução de 1964, a bomba que estourou no prédio onde
funcionava o Conselho Federal da OAB no Rio de Janeiro, ocasionando a morte de
uma funcionária da Casa, dona Lida Monteiro, assim como a insólita e
despropositada invasão da sede da OAB-DF, após a realização da Primeira
Conferência dos Advogados em Brasília, foram sem dúvida atitudes com sabor de
provocação e revide por parte do esquema de repressão instalado no país. Em
Brasília, tudo indicava tratar-se de revide por parte do então comandante militar do
Planalto, ocasionando reação à altura do presidente Maurício Corrêa e dos
membros da Diretoria da OAB-DF presentes ao ato, reveladora da coragem cívica
que consagrou de forma indelével a sua biografia de cidadão e homem público de
escol, e engrandeceu a classe dos advogados em todo o país.
A noite de 24 de outubro de 1983 está na memória na maioria dos advogados
do Distrito Federal como o “Símbolo de Resistência” ao arbítrio do poder militar e à
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violência policial desencadeada contra a Ordem. Os mais antigos,relembram hoje as
imagens marcantes daquele dia em que se deu a invasão do prédio da OAB por
policiais encapuzados, dispostos à pratica da violência contra cidadãos indefesos.. O
veterano advogado Antonio Carlos Sigmaringa, ex-presidente desta Seccional,
recorda os fatos daquela noite e analisa o que ocorreu como segue, transcrito de
entrevista concedida ao jornal “ Voz do Advogado” no dia 20 de agosto de 1999:
“Acho que a Ordem cresce, ao meu ver, nos momentos em que é
preciso defender a cidadania e a sociedade. Em que é preciso opor-se
àqueles que tentam oprimir e criar embaraços. Como foi o caso, por
exemplo, daquele ... eu nem menciono o nome dele, que é para não
macular esta entrevista... mas nós fizemos o nosso I Encontro dos
Advogados.
Naquele dia se decretou, contra Brasília, medida que impedia que
nós fizéssemos o encontro. Houve pressão para que o encontro não se
realizasse. E até alguns colegas, timidamente queriam desistir. Mas nós,
um grupo de colegas, insistimos e realizamos o Encontro dos
Advogados. Foi o primeiro de 1983. e nós realizamos o Encontro a
despeito de tudo. Queríam que nós entregássemos a Ordem e nós nos
recusamos. Saímos praticamente expulsos da Ordem, mas não
entregamos as chaves”.
Marcelo Lavenére, ex-Presidente Nacional da OAB, relembra aqueles fatos e
avalia o acontecido, nas seguintes palavras:
“ Para dar uma dimensão daquele momento, nada melhor do que
aquela foto dos advogados saindo e cantando o Hino Nacional. E eu
estava em Maceió nesta época. Era vice-Presidente da Seccional da
Ordem em Maceió.
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Penso que nós aprendemos muito naquele episódio. Fomos
desafiados pela força bruta. Aquela primeira conferência, pela
resistência dos advogados, serviu de emblema para o Brasil inteiro e
contribuiu muito para o processo de abertura e democratização do
nosso país”.
As fotos estampadas em outro local deste trabalho, trazem as imagens desse
momento sombrio da vida nacional, que tinha a Ordem dos Advogado como o
objetivo maior da repressão militar.
Ultrapassados esses momentos de luta pela restauração da Liberdade, da
Democracia e dos Direitos Humanos, a Ordem retornou às suas funções
institucionais como entidade da sociedade civil, buscando por todos os meios ao
seu alcance, a melhoria do ensino jurídico no país, a capacitação profissional
adequada aos advogados e o revigoramento da ética no exercício da advocacia, sem
esquecer, é claro, das motivações que fazem parte da sua vocação histórica.
Para se ter uma idéia da excelência do quadro de profissionais que formam a
Ordem dos Advogados no Distrito Federal, basta dizer que, com apenas 40 anos de
existência, poucas Seccionais poderão apresentar um número tão expressivo pela
qualidade dos seus membros aproveitados nos serviços da judicatura no Brasil,
dentre outras importantes funções, como: o de membros do Ministério Público,
Procuradoria da Fazenda Nacional, Advocacia Geral da União, diretores e chefes de
serviços jurídicos, diretores de serviços jurídicos de empresas privadas e públicas,
reitores de universidades e professores do ensino superior, e outros. Citamos
exemplos: no STF – Victor Nunes Leal, Décio Meirelles de Miranda, Francisco
Manuel Xavier de Albuquerque, Firmino Ferreira Paz, José Paulo Sepúlveda
Pertence, Maurício Corrêa; no STJ – Esdras da Silva Gueiros, Geraldo Andrade
Fonteles, Washington Bolívar de Brito, Luiz Vicente Cernicchiaro, Humberto
Gomes de Barros, José Arnaldo da Fonseca; no TSE – Joaquim Lustosa Sobrinho,
Hélio Proença Doyle, Sérgio Gonzaga Dutra, Pedro de Freitas Gordilho, Roberto
50
Ferreira Rosas, Henrique Augusto Diniz Andrada, Walter Ramos Costa Porto, José
Guilherme Vilella, Antônio Villas Boas Teixeira de Carvalho, Célio Silva, José
Eduardo Alckmin, Fernando Neves da Silva; no TST – Leopoldo César de Miranda
Lima Filho, Ursulino Santos Filho; TCU e STM – José Pereira Lira, Paulo Afonso
Martins de Oliveira e José Luiz Barbosa Clerot; no TJDF – Geraldo Irinêo Joffily,
Valtênio Mendes Cardoso, Luiz Cláudio Abreu, José Dilermando Meirelles, Dácio
Vieira, José de Campos Amaral e Wellington Medeiros.
É de ressaltar, que pertence aos quadros da OAB-DF o atual presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil, Conselheiro Federal, Reginaldo Oscar de Castro.
4.1-Seabra Fagundes afirma: “a Ordem é uma entidade equilibrada”
O presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, ao
depor no dia 9, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre
Violência Urbana , disse acreditar – referindo-se aos últimos atentados terroristas –
que “as origens dessa violência estão nos quintais do regime.” O depoimento durou
mais de duas horas, e Seabra Fagundes, respondeu a todas às perguntas formuladas
pelos parlamentares, pedindo ressalva somente para as últimas informações que
recebera da Polícia/Federal, “para não ser acusado de estar prejudicando as
investigações”.
Considerou o presidente da OAB que os materiais usados no atentado
terrorista que matou D. Lydia Monteiro da Silva “são de uso muito restrito, não
sendo encontrados em prateleiras de supermercado e, pela origem da fabricação,
controlada pelo Exército, poder-se-á facilmente se chegar aos terroristas”, Seabra
Fagundes alinhou também as recentes medidas da Ordem que teriam despertado a
ira dos terroristas de direita. Segundo ele, a imperiosa necessidade em se descobrir
os seqüestradores do jurista Dalmo Dallari e o descobrimento dos cadáveres de
51
militantes esquerdistas assassinados em Goiás pelos órgãos de segurança, seriam os
detonadores do atentado à sede da Ordem.
O que é a Ordem
O presidente Seabra Fagundes iniciou seu depoimento, lembrando que
anteriormente depusera na CPI sobre a origem da criminalidade comum “que tem na
miséria, na pobreza, e numa estrutura social e econômica já muito analisada, as suas
causas principais. Agora – continuou - esse fenômeno sobre o qual a douta
comissão pretende ouvir-me é inteiramente diverso, porque aqui, muito ao contrário,
a violência surge, exatamente, numa camada social distanciada da pobreza, e os seus
objetivos, de cunho nitidamente políticos, são exatamente, a manutenção de alguns
privilégios que foram confiscados ao longo desses últimos anos, por esses grupos
que se dedicam a essa forma de ação política.
A violência sobre a qual nos detivemos na reunião anterior é uma violência
mais rudimentar nos seus métodos; essa que nos atingiu é altamente sofisticada,
inclusive, do ponto de vista tecnológico. O artefato que atingiu a Ordem dos
Advogados do Brasil não pode ser fabricado senão por umas poucas pessoas,
altamente especializadas em explosivos. Segundo pude ver, depois que o artefato foi
remontado, refeito, reconstituído pelos técnicos, é algo de extremamente sofisticado
na sua preparação. E o explosivo, como tenho tido ocasião de dizer, não se encontra
em supermercados, é um explosivo também raríssimo.
Então, nesse ponto, é preciso uma primeira reflexão. Essa bomba que
explodiu na Ordem dos Advogados do Brasil, como aquela que explodiu na Câmara
dos Vereadores do Rio de Janeiro, que é bem semelhante, senão, absolutamente
igual à da Ordem, é um instrumento de destruição que pouquíssimas pessoas, no
Brasil , estão em condições de fazer, não só pela dificuldade da obtenção da
matéria-prima como para seu manuseio.
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Ninguém comete a injúria de atribuir a autoridades responsáveis do Governo
sequer a idéia da autoria de um atentado desses, mas também ninguém pode afastar
a hipótese que a origem dessa violência esteja nos quintais do regime. Diria que há
setores inconformados com a evolução do País no plano político-institucional e
nesse ponto, não precisamos indagar qual das duas correntes tem razão, se aquela
que afirma que a evolução que se observa no país é uma concessão espontânea dos
detentores do poder, ou é uma conquista da sociedade. O fato é inegável, o Brasil se
encontra hoje numa posição muito distante daquela em que se achava há alguns
anos. Evidentemente, há setores extremamente comprometidos com atos e fatos
ocorridos anos atrás e que se sentem, possivelmente, ameaçados pelos novos ventos
que sopram no País e se dispõem, por esses métodos a travar a caminhada e obter,
quem sabe, um retrocesso que os coloque novamente ao abrigo de um sistema mais
complacente e adequado ao tipo de atuação que eles tiveram.
Diria que essa onda de terror que agora presenciamos, na verdade foi se
avolumando. Se consultarmos a imprensa, nos últimos anos veremos que são
dezenas e dezenas de atentados, todos muito semelhantes em todo o Brasil; todos
eles dirigidos num determinado sentido, com um ranso ideológico e completamente
impunes. Eu diria que essa impunidade é, sem nenhuma dúvida, um fato de
realimentação do terror. Evidentemente, o terror não tem origem oficial, mas é
nitidamente alimentado pela incapacidade do sistema de segurança de coibir a sua
prática. Não é fácil identificar o autor de certos atentados, mas em certos casos os
órgãos de segurança se mostraram, desatentos e displicentes, deixando escapar
algumas pistas que poderiam ser valiosas.
Há poucos dias, numa manifestação em São Paulo, uma pessoa foi detida
quando procurava perturbá-la com a utilização de substâncias químicas.
Naquela ocasião alguns advogados que se encontravam nessa reunião,
inclusive Dr. José Carlos Dias, praticamente protegeram de maneira decisiva essa
pessoa, impedindo que fosse alvo da represália dos que participaram da reunião. Foi
preciso muito esforço para manter essa pessoa a salvo enquanto chegava a Polícia.
53
Quando a Polícia chegou, a pessoa foi entregue e libertada sem que se saiba seu
nome. Ninguém sabe o seu nome. Eu me pergunto se não existe aí um caso muito
claro de completa irresponsabilidade, aproximando-se mesmo da conivência ,
porque essa pessoa precisava pelo menos ter sido investigada no que concerne a
suas implicações, às suas atividades . E como esse fato ocorreram outros . No Rio de
Janeiro houve uma pessoa que se dispôs a perturbar uma reunião de adeptos da
esquerda, digamos assim, que foi detida e cujo nome não se sabe.
A imprensa tem noticiado casos. Há pouco revelou-se que em atentados em
São Paulo, de uns tempos para cá, chegou-se a identificar, pelo menos muito
proximamente a origem dos atentados e criou-se simplesmente uma ordem para eles
parassem .
Um pouco antes houve um fenômeno pouco diferente em São Paulo, mas em
que houve violência de cunho político, que deu margens exclusivamente a
substituições no comando Militar, sem que houvesse uma investigação mais
profunda para se saber quem eram as pessoas envolvidas com um tipo de ação
política que se caracterizava pela violência.
Então, a violência foi crescendo.
Os grupos extremistas, que usam esses métodos, sentiram-se encorajados, e a
cada dia, sentem-se mais encorajados quando as autoridades responsáveis pelos
cargos que ocupam jogam sobre as próprias vítimas a autoria desses atentados.
A minha impressão pessoal é que o autor de um ato terrorista que vê uma
autoridade pública, de maior responsabilidade, acusar a vítima de farsa de
montagem de fato, quando ela quase perdeu uma vista, como o Prof. Dalmo Dallari,
sente-se encorajado; realmente os autores do atentado sentem-se extremamente
encorajados a continuar a sua atuação , até porque interpretam essas declarações
como um sinal de que dificilmente a sua própria responsabilidade será apurada.
Recentemente a vítima mais notória da violência política, foi a OAB.
Pergunto-me porque; a OAB que é tradicionalmente equilibrada, entidade
apartidária, que se situa bem ao centro da sociedade brasileira.
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Logo após o ocorrido procurei fazer uma reflexão sobre a atuação da OAB
nos últimos tempos, tentando verificar o que mudara em relação a ela . Verifiquei
que a postura da OAB está no mesmo em que estava de muitos anos para cá. Seu
posicionamento frontal contra violência, em defesa dos direitos fundamentais da
pessoa humana não sofreu a menor mudança. Anos atrás, no período mais sombrio
da repressão, o Presidente José Cavalcanti Neves, participando do mesmo Conselho
de Defesa da Pessoa Humana, levava às últimas conseqüências a posição da OAB
no sentido de exigir a apuração do desaparecimento do Deputado Rubem Paiva,
levando mesmo a uma situação de impasse, que terminou por provocar um impasse
na votação do Conselho, sendo o desempate decidido pelo então Ministro Alfredo
Buzaid. Em decorrência disso a composição do Conselho foi modificada e passou a
OAB a ter um peso muito menor naquele colegiado, porque o seu número quase foi
triplicado na sua composição, e as reuniões tornadas secretas. Logo depois, o
Presidente José Ribeiro de Castro Filho realizava no Rio de Janeiro, um Congresso
sobre Direitos Humanos e denunciava sistematicamente todas as violências
cometidas, inclusive, naquela ocasião, contra alguns advogados da maior
respeitabilidade e do melhor conceito na Classe, com o Dr. Heleno Fragoso, Dr.
Augusto Sussekind de Morais Rego, Dr. Jorge Tavares, que chegaram a ser
sequestrados, e encapuzados e mantidos clandestinamente detidos sem qualquer
razão legítima. Logo a seguir o Presidente Raimundo Faoro mantinha também uma
postura muito semelhante: exigia que fosse usada a expressão no seu sentido
técnico, que todos compreendem uma reformulação da ordem jurídica, com
restabelecimento do Habeas Corpus, o respeito aos direitos elementares das pessoas
humanas, a devolução da garantia da Magistradura. Então, nada mudou no
procedimento da OAB; o que mudou, creio eu, foi o terreno onde ela se move. O
terreno agora é fértil: a apuração de responsabilidade dos violadores dos direitos
humanos. A sociedade humana já se dispõe a cobrar alguns atos praticados. Não é a
OAB que cobra, mas a sociedade.
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Muito recentemente a OAB voltou-se para dois episódios que talvez possam
ser identificados como o estopim próximo da bomba lançada em nossa sede:
primeiro, o atentado contra o Prof. Dalmo Dallari; segundo, a investigação de dois
desaparecimentos no interior de Goiás, entre Rio Verde e Jataí.
No caso do Professor Dalmo Dallari, havia um advogado, um ilustre
advogado envolvido, como vítima de um atentado em que foi seqüestrado na sua
casa e seriamente agredido, a ponto de ficar com uma das vistas muito atingida.
Então, a Ordem pediu, já desde o primeiro momento, em São Paulo, que houvesse
uma investigação séria para apurar o autor desse atentado.
Pois bem: foi um pouco após a atuação, também nesse caso do inquérito do
Professor Dalmo Dallari, que a Ordem sofreu o seu atentado. O atentado foi dirigido
então à sua própria sede, de uma maneira realmente violenta, de uma maneira que se
permite classificar os seus autores como pessoas inteiramente sem escrúpulos e sem
princípios, porque a violência da explosão foi realmente uma coisa impressionante.
O Presidente Maurício Corrêa chegou lá no dia seguinte e teve a ocasião de
ver tecidos humanos espalhados por toda a sala. Não foi possível sequer fazer o
sepultamento integral dos restos mortais da nossa funcionária, pois uma parte do
corpo dela foi cair no segundo andar. A sala do lado foi profundamente atingida,
apesar de separada por uma parede, e um funcionário que se encontrava na ante-
sala, em relativa distância, também terminou sendo ferido, tal a violência da
explosão.
Então, aquele atentado não era um simples aviso; era, evidentemente, uma
represália contra alguma coisa, que só pode ser identificada na atuação da Ordem
em torno desses casos mais recentes. Não consigo vislumbrar outro móvel para essa
atitude de represália, principalmente uma represália tão violenta, tão desumana. E,
como já disse, a atuação da Ordem, salvo nesses dois casos, não se afastou do que
vinha ocorrendo ao longo de muitos anos. Quer dizer, a luta que a Ordem trava na
defesa da liberdade não aumentou e nem diminuiu; a defesa dos postulados
democráticos não aumentou e nem diminuiu; a defesa dos direitos humanos não
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aumentou e nem diminuiu. Então, os únicos dados novos nesse processo de
confrontação da Ordem com os inimigos da lei, do Direito, enfim, da dignidade da
pessoa humana, foram esses dois casos que acabei de relatar ao Senado e nos quais,
como acabei de enfatizar, a atuação da Ordem foi serena, foi inatacável sob o ponto
de vista do seu posicionamento institucional. De sorte que não creio que se possa
enfrentar essa escalada de terror sem que haja uma atuação enérgica no sentido de
identificar os, autores do atentado, não com espírito de vindita, mas com o objetivo
de demonstrar a trama que, evidentemente, existe e com fartos recursos, porque,
evidentemente, a tecnologia empregada no atentado, como já disse, não se encontra
em qualquer recanto do País .
Fora isso, diria que a posição da Ordem continua a mesma, especialmente
contra a idéia de uma lei anti-terror, que armasse o Poder Executivo de poderes
ainda maiores do que ele já detém. Como todos sabem, a Ordem é adepta até mesmo
de uma reformulação da Lei de Segurança Nacional, para que esse instrumento
jurídico tenha um caráter mais democrático e que não possa ser utilizado – como
aliás não vem sendo no momento, salvo em abril, por ocasião da greve do ABC,
mas que não vem sendo rotineiramente utilizado – como instrumento de pressão
sobre a sociedade civil e os opositores do regime. Na verdade, é um sistema, é um
instrumental jurídico que existe e que precisa ser eliminado para que as suas
distorções sejam corrigidas. Pois bem , se a Ordem acha que mesmo a Lei de
Segurança Nacional já é excessiva, não é porque as bombas começam a cair dentro
de nossa casa que vamos ser favoráveis a uma lei antiterror que pode vir a contribuir
para intranqüilizar ainda mais a Nação, mormente porque as pessoas que teriam
talvez acesso aos novos instrumentos que a lei anterior traria, poderiam não estar tão
distantes da origem desses atentados. No momento em que não se sabe de onde eles
provém, a sociedade tem justos receios de que a lei antiterror seja voltada para ela e
não contra os terroristas.
São estas, Sr. Presidente, as considerações que tenho a tecer nesta douta
Comissão do Senado, pedindo também vênia pelo desalinhavado das idéias. V.Exa.,
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Sr. Presidente, sabe que o convite para comparecer a esta Comissão foi formulado
há poucos dias e eu, realmente, não tive oportunidade de preparar um texto escrito
que me permitisse corresponder à expectativa dos Srs. Senadores.
SEGUNDA PARTE
A CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO
1- A AUTONOMIA DA ORDEM
A autonomia da Ordem dos Advogados do Brasil, caracteriza-se, de acordo
com o novo Estatuto de Advocacia e da Ordem – Lei nº8.906, de 04/07/1994, dentre
outros motivos, por sua independência face aos órgãos da administração pública. Da
mesma forma, foi estabelecida a “inviolabilidade” do advogado por seus atos e
manifestações no exercício da profissão (art. 133 da CF). Tais prerrogativas não
devem ser vistas como uma dádiva do poder do Estado, mas sim, como uma
conquista da sociedade civil reconhecida pelo legislador constituinte quando
atribuiu ao advogado uma função social indispensável à administração da justiça. E
à OAB, atribuiu-lhe com exclusividade, além da representação, defesa, seleção e a
disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil, outras funções
de grande magnitude, como: “defender a constituição, a Ordem jurídica do Estado
Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social,”...
Consoante prescreve o artigo l03, VII da Carta Política de l.988, cabe “ao
Conselho Federal a legitimidade para propor ação de inconstitucionalidade” perante
o Supremo Tribunal Federal, o que é. não há dúvida, um poderoso instrumento
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colocado à disposição da OAB em defesa sociedade, da moralidade pública e do
Estado de Direito.
No período da Revolução de 1964, como já ocorrera antes, foram várias as
tentativas feitas para subordinar a Ordem à fiscalização do Tribunal de Contas da
União, na condição de órgão vinculado quer ao Ministério do Trabalho, quer ao
Ministério da Justiça.
A reação dos advogados e da Ordem foi imediata, pronta e decisiva contra os
argumentos daqueles obstinados críticos que, embora reconhecendo a utilidade dos
serviços prestados nos momentos de crise, pretenderam transformar a advocacia
numa atividade para qual seria necessário tão somente a habilidade de um mero
técnico do direito constituído. E a Ordem, exerceria apenas uma atividade
corporativa, dissociada da sua vocação natural e histórica de sustentar a cada
instante a cidadania, a liberdade e a justiça social.
Afinal, não seria possível admitir-se que o Brasil, diferentemente do que
ocorre nos demais países do mundo, fosse aquele em que a Ordem era subordinada
ao Poder Público, contra cujos abusos tem o dever de lutar.
A subordinação da Ordem é tão somente á lei e ao direito, pois se cometer
qualquer abuso no exercício de suas funções, aí estará o Judiciário para corrigi-la.
A esse propósito, é- nos grato reviver os fatos hoje pertencentes à história da
nossa instituição e do país na releitura do documento assinado pelo grande
advogado H.F. Sobral Pinto, uma das figuras tutelares e glória da advocacia
brasileira, onde trata da autonomia da Ordem em carta dirigida às autoridades
governamentais no período revolucionário, adiante transcrita:.
Rio,7 de junho de 1976.
Exmo. Sr. Ministro
Gilberto Monteiro Pessoa
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Consinta em receber com agrado os meus cumprimentos respeitosos, com
votos de feliz êxito no cargo de que acaba de tomar posse.
Venho me desobrigar do compromisso que assumi para com V. Exa. Este é
o primeiro dia de trabalho aqui no Rio de Janeiro, desde que regressei de Brasília na
noite de Sexta-feira. Ponho, assim, nas mãos de V. Exa. cópia das cartas que
escrevi, em 23 de abril deste ano e em 13 e 15 de maio próximo findo, ao Exmo. Sr.
Ministro Ewald Sizenando Pinheiro, a propósito da Representação do Procurador-
Geral, em substituição, Sebastião Baptista Affonso, no sentido de obter do Tribunal
de Contas da União impor à Ordem dos Advogados do Brasil a obrigação de lhe
prestar contas.
Alimento a pretensão de haver demonstrado, nas cartas acima mencionadas,
que a Ordem dos Advogados do Brasil não deve e, por isto, não pode prestar as
contas que lhe querem exigir, sem perder a sua independência, que é indispensável à
nobre e superior finalidade de sua criação. Alimento, igualmente, a superior
pretensão de haver refutado, vitoriosamente, a argumentação do Procurador-Geral,
em substituição, do Tribunal de Contas da União.
Junto segue, também, o livro intitulado As Razões da Autonomia de Ordem
dos Advogados do Brasil, que foi remetido a Sua Excelência, Sr. Presidente da
República, General Ernesto Geisel pelo Dr. José Ribeiro de Castro Filho, então
Presidente do Conselho Federal da Ordem. Nesse livro terá V. Exa. a oportunidade
de ler Pareceres de Adroaldo Mesquita da Costa, na condição de Consultor Geral da
República, de Dario de Almeida Magalhães, Carlos Medeiros Silva, Prado Kelly,
Seabra Fagundes e demais outros juristas de notável saber, sendo que alguns deles
atuaram com brilho na vida pública do País, tendo até desempenhado o alto cargo de
Ministro da Justiça.
Peço, encarecidamente, a V. Exa., que se digne de ler todos estes trabalhos,
principalmente o de Adroaldo Mesquita da Costa, por duas circunstâncias valiosas:
uma, porque foi aprovado por despacho do Presidente da República, na ocasião, e
concluía pela nulidade do Decreto no. 60.900, de 1967, que ordenara que a Ordem
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prestasse contas ao Tribunal de Contas da União e que ficasse subordinada ao
Ministério do Trabalho; outra, porque nesse parecer é examinado o Decreto-Lei no.
200 de 25 de fevereiro de 1967, para concluir que tal Decreto-Lei não se aplica à
Ordem. Esta última circunstância é de grande importância, porque o Procurador-
Geral, em substituição, Sebastião Baptista Affonso, fundamenta a sua
Representação precisamente em dispositivos do aludido Decreto-Lei.
Permito-me, ainda, remeter a V. Exa. o no. 8 da Revista da Ordem dos
Advogados do Brasil, que retrata a Sessão Solene do Conselho Federal da Ordem,
realizada em 5 de novembro de 1971, na qual me foi entregue o Prêmio Medalha de
Rui Barbosa, e o folheto em que estão discursos meu e de Dario de Almeida
Magalhães, pronunciados em 19 de dezembro do ano passado, na Sessão Solene do
Conselho Federal da Ordem, na qual foi dado igual Prêmio ao grande advogado
Dario de Almeida Magalhães, acima nomeado.
Nesses discursos encontrará V. Exa. razões nobres e elevadas, que justi-
ficam o empenho dos advogados em se manterem independentes em face do Poder
Executivo Federal.
No rápido encontro que tivemos aí em Brasília, V. Exa. estranhou que não
quiséssemos prestar contas dos dinheiros que manipulamos. Retifiquei,
imediatamente, a sua ponderação, informando que os responsáveis pela manipulação
dos dinheiros da Ordem prestavam contas aos seus Órgãos de Classe. O que não
queremos, porque não devemos, é prestar contas ao Poder Executivo Federal, a fim
de não perdermos a nossa independência profissional.
A lei no. 4.215, de 27 de abril de 1963, que aprovou o Estatuto da Ordem
dos Advogados, preceitua no art. 28: "Compete ao Conselho Seccional...; XIII -
apreciar o relatório anual, o balanço e contas da sua Diretoria e da Diretoria das
Subseções, antes de submetê-los à Assembléia Geral (arts. 18, inc. XIX e 39, mc.
I)".
Como vê V. Exa. as Diretorias dos Conselhos Seccionais e das Subseções de
cada Conselho prestam contas, anualmente, ao Conselho Seccional, contas estas que
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são, em seguida, remetidas à Assembléia Geral de cada Conselho Seccional, para
um segundo exame, o qual é ordenado pelo art. 39, nº.1, que diz: “Compete à
Assembléia Geral:
I - apreciar o relatório anual, o balanço e as contas das Diretorias das Seções e
das Subseções, com recurso necessário para o Conselho Federal;"
Não se contenta, pois, o Estatuto da Ordem, promulgado pela Lei no.
4.215, de 27 de abril de 1963, em ordenar que a Assembléia Geral de cada Conselho
Seccional examine, por sua vez, as contas das Diretorias da Seções e das Subseções.
Vai além, no seu escrúpulo. Ordena, como vimos, que o Conselho Federal
reexamine estas contas, já examinadas duas vezes. Eis, na verdade, o que preceitua o
art. 18, nº. XIX: “homologar, mandar suprir ou cassar os atos de Assembléia Geral
referentes ao relatório anual, balanço e contas das Diretorias das Seções e Subseções
,...)".
Os preceitos que transcrevi se referem às contas das Seções Estaduais e das
Subseções de cada Seção Estadual.
Sabe V. Exa. que a Ordem dos Advogados do Brasil está organizada em
sistema federativo. Cada Estado, como cada território e, ainda, o Distrito Federal,
tem a sua Seção, a qual é administrada por um Conselho Seccional, eleito pela
Assembléia Geral do Estado. Como não é possível, em cada Estado, ser a advocacia
fiscalizada pela Diretoria da Seção, o Estatuto permite a organização de Subseções,
dirigidas por uma Diretoria. Todos estes Órgãos estão obrigados a prestar contas ao
Conselho Seccional, que é um só, para cada Estado, como uma só é a Assembléia
Geral, a qual é integrada por todos os advogados do mesmo Estado.
As contas que mencionei até aqui se referem às Seções Estaduais e às suas
respectivas Subseções. Umas e outras estão sujeitas, como mostrei, a um terceiro
exame, feito pelo Conselho Federal.
Cumpre, agora, informar V. Exa. que a Diretoria do Conselho Federal está,
por sua vez, obrigada a prestar contas. Realmente, ao disciplinar as atividades do
Tesoureiro, o Estatuto, no art. 12, inc. VI, declara: "0 Tesoureiro tem sob sua guarda
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e responsabilidade todos os bens e valores do Conselho Federal, competindo-lhe:...;
VI - apresentar, anualmente, o balanço geral, que instruirá o relatório e a prestação
de contas da Diretoria;".
Aí tem V. Exa. a verdade certa e indiscutível: a Diretoria do Conselho Federal
está, ela também, obrigada a prestar contas, anualmente.
Quem toma estas contas, examinando-as, para aprová-las ou impugná-las? É
o Conselho Federal, nos termos do art. 18, inc. XVIII. Eis as palavras da Lei:
"Compete ao Conselho Federal:...; - apreciar o relatório anual, o balanço e contas da
sua Diretoria;".
Não nos furtamos, portanto, a prestar contas dos dinheiros que recebemos
dos advogados, e não do Tesouro Nacional. Temos o maior empenho em prestar
contas dos dinheiros recebidos dos nossos Colegas. O que não queremos,
Excelência, é concordar com a subordinação da Ordem dos Advogados do Brasil
aos diferentes Órgãos do Poder Executivo, tais como o Tribunal de Contas da União
e o Ministério do Trabalho. A Ordem dos Advogados do Brasil, como todas as
Ordens de todos os Países do mundo, não podem ser subordinadas ao Poder Público,
contra cujos abusos tem o dever de lutar. A subordinação da Ordem é tão-somente à
lei. Quando ela, fugindo ao seu dever legal, incidir em abusos, incumbe ao Poder
Executivo bater às portas do Poder Judiciário, para fazê-la retrilhar o caminho do
dever.
Nesta luta em que estamos empenhados, Sr. Ministro, não há sombra de
interesse pessoal subalterno. Estamos todos preocupados tão-somente em resguardar
a independência da advocacia, para que ela possa acudir às necessidades imperiosas
da dignidade da pessoa humana, garantindo-lhe o exercício ordeiro dos direitos
inerentes à sua condição de pessoa livre e independente.
Estou certo de que V. Exa. apreenderá, com facilidade, que este não é um
documento de natureza privada, pelo que me será permitido entregar cópia dele aos
seus ilustres Colegas de Tribunal e aos meus Colegas de profissão.
Aceite, Sr. Ministro, as homenagens leais e sinceras devidas tanto à sua
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pessoa, quanto ao cargo em que está investido.
Respeitosamente,
P.S. - Animado do mais elevado propósito, envio a V. Exa. cópia da carta que
escrevi, em 7 de novembro do ano passado a Sua Excelência, General Ernesto
Geisel, na condição de Chefe de Estado do País.
Esta carta, como quase todas que dirijo aos homens públicos e às auto-
ridades civis e militares da Nação, ficam sem resposta. Não acusam, nem ao menos,
o seu recebimento.
Devo esclarecer a V. Exa. que tal carta, conforme o método que adoto para
a correspondência desta natureza, foi remetida a Sua Excelência em envelope
fechado, com a nota de "Sigiloso e Pessoal", colocada ao alto da parte destinada ao
nome e ao endereço.
Coloquei também nessa mesma parte, este requerimento: “Peço ao Chefe da
Casa Civil, ao Chefe da Casa Militar, ao Secretário Particular do Destinatário, ao
seu Ajudante de Ordens, ao seu Oficial de Gabinete, enfim, àquela pessoa que está
ao serviço da Presidência, que se digne de entregar este envelope, tal como está, ao
mencionado Destinatário, agradecendo o serviço que me presta e pedindo desculpas
do incomodo que causo".
Após estas palavras, pus a minha assinatura, o endereço da minha residência
e o do meu escritório, com os respectivos telefones.
Este envelope eu o coloquei em outro, com o nome do Destinatário o
endereço do Palácio do Planalto, pondo ao alto a indicação de "Registrado".
Liberdade e independência idênticas, muitas vezes postas em prática pela
Ordem dos Advogados do Brasil, é que estou pleiteando seja mantida pelo órgão
Supremo da Advocacia Brasileira.
Parece-me conveniente informar V. Exa. que, excetuando o pranteado
General Castelo Branco, que nunca deixou sem resposta uma carta e um telegrama
meus, todos os demais Generais que exerceram a Chefia do Estado, nunca se
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dignaram sequer acusar o recebimento da minha correspondência. Na Presidência do
General Medici foi devolvida uma carta minha, com um cartão anônimo escrito a
mão, tendo eu remetido outra vez a referida carta, acompanhada de nova, as quais,
desta vez, não me foram devolvidas.
Receba, Excelência, nesta oportunidade, o testemunho do meu apreço e da
minha consideração.
Seu concidadão e servidor,
H. Sobral Pinto”
2- PARECER DA OAB-DF SOBRE ANISTIA
Aprovado por unanimidade pelo Conselho da OAB-DF e adotado como
fundamentação do substitutivo oposicionista ao projeto de anistia do Governo, o
parecer do conselheiro José Paulo Sepúlveda Pertence sobre o projeto de anistia do
Governo afirma que a iniciativa tem um pecado substancial, “que é a sua frontal
incompatibilidade com o próprio conceito de anistia”. Para o conselheiro, o projeto
oficial está muito mais próximo de um indulto coletivo.
A seguir, trechos do parecer, transcrito do jornal “Voz do Advogado”,
setembro/79, pág. 07:
“Quem venha testemunhando a coerência da Ordem dos Advogados do
Brasil, no desdobramento do seu compromisso com a aspiração de um Estado de
Direito Democrático, não pode ter dúvidas quanto à posição do Conselho Federal,
em face do projeto de lei de anistia que o Governo encaminhou ao Congresso. O
pronunciamento que nos cabe, em nome dos advogados brasileiros, haverá de
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somar-se ao das críticas logo endereçadas à mesquinharia das discriminações e
ressalvas que apequenam, desfiguram e desqualificam a proposição governamental.
De resto, passado quase um mês da revelação da proposta, não é temerário
afirmar que, à falta de contestação, válida dos intérpretes do Poder, já se
conscientizou a opinião pública da procedência das objeções suscitadas pela
vanguarda da sociedade civil contra as restrições que o Governo pretende impor à
conquista da anistia.
O exame global do projeto desvela de imediato o seu pecado substancial: é a
sua frontal incompatibilidade com um dado elementar do próprio conceito de
anistia,ou seja, o seu caráter objetivo. Em outras palavras: o que o Governo está
propondo, com o nome da anistia, tem antes o espírito de um indulto coletivo que o
de uma verdadeira anistia. Esta distorção básica está subjacente aos pontos mais
criticáveis do projeto: da odiosa e arbitrária discriminação dirigida exclusivamente
aos já condenados por determinados crimes políticos (art. 1º § 2
º), ao
condicionamento do retorno ou reversão dos servidores públicos à existência de
vaga e ao interesse da Administração (art. 3º), e à exclusão desse benefício “quando
o afastamento tiver sido motivado por improbalidade do servidor” (art. 3º § 4
º).
Mais que a forma da lei (que decorre de sua essência , mas com ela não se
confunde), o que caracteriza a anistia é a sua objetividade. Isso sabidamente
significa, como se lê, por exemplo, em Anibal Bruno (Distrito Penal, III/201), que
“a anistia não se destina propriamente a beneficiar alguém; o que ela faz é apagar
o crime, e, em conseqüência, ficam excluídos de punição os que o cometeram”. A
idéia já estava presente no célebre arrazoado de Rui Barbosa (in Comentários à
Constituição, 2/441), quando se mostrava que, pela anistia, “remontando-se ao
delito , se lhe elimina o caráter criminoso, suprimindo-se a própria infração”. Por
isso, a observação de Pontes de Miranda (Comentários à Const. de 1946, I/343-344),
de que “a finalidade da anistia é a mesma da lei criminal com sinais trocados”; e
acrescenta: com ela, “olvida-se o ato criminal, com a conseqüência de se lhe não
poderem atribuir efeitos de direito material ou processual. Aconteceu o ato; agora,
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indo-se ao passado, mesmo onde ele está, acontece juridicamente desaparecer,
deixar de ser, não ser”. Na mesma linha, Raimundo Macedo, a enfatizar que a
anistia “é como a lei nova que deixou de considerar o fato como crime”.
A recordação dessa verdade elementar basta para ver como não se pode
sustentar a sério a legitimidade jurídica ou moral de pretender engalanar-se com a
grandeza da anistia – que está, por definição, na generalidade objetiva da
determinação do seu alcance – um projeto que discrimina entre autores não
condenados e autores já condenados pelos mesmos crimes políticos, para excluir
estes dos benefícios da anistia que se estenderão àqueles.
Não se desconhece que a tradição histórica – fonte necessária de identificação
conceitual do instituto, onde, como ocorre entre nós, a Constituição não o define –
tem legitimado a anistia parcial, que exclua da sua incidência discriminante
determinadas categorias de partícipes do fato anistiado. Mas, para que tais exclusões
sejam legítimas, devem elas basear-se em fatos atribuíveis às pessoas excluídas da
anistia. São exemplos freqüentes a reincidência, a recusa à deposição de armas no
prazo estabelecido e outras tantas circunstâncias objetivas, às quais – porque
imputáveis ao agente – se tem considerado que o legislador pode atribuir a força
negativa de impedir que sobre a sua conduta criminosa, em particular, se estenda a
eficácia da anistia.
Por isso, em linha de princípio, até se poderia admitir (é claro que sem apoiá-
lo, no caso concreto), que se viesse a propor o inverso do pretendido no projeto. O
que, entretanto, não só é inédito em nossa tradição histórica – que é generosamente
rica na matéria -mas também é juridicamente inaceitável, porque irracional e
arbitrário, é discriminar, entre os autores do mesmo fato, contra os que já tenham
sido condenados, para negar apenas a estes a anistia concedida aos autores
foragidos dos mesmos delitos políticos.
A esse argumento mais que a outros aos quais tem sido dirigida, de certo se
aplicaria a única resposta que o Sr. Ministro da Justiça tem utilizado contra todas as
67
críticas à inexplicável discriminação do projeto: a anistia seria medida
eminentemente política, à qual não seriam pertinentes objeções de ordem jurídica.
Sem que isso implique em aplaudir qualquer forma de violência política, a
verdade é que, aos condenados políticos, a que, presumidamente, se aporá a
equívoca qualificação de terroristas, para negar-lhes os efeitos da anistia proposta,
só os desvarios do arbítrio poderiam enquadrar na tipologia dos criminosos contra a
humanidade, objeto de repulsa universal. Não é legítimo desconhecer a evidência –
que a imprensa tem recordado nos últimos dias – de que a grande maioria dos
condenados pelas ações políticas armadas ocorridas há cerca de uma década foi
recrutada nos extratos mais jovens do movimento estudantil, e levada à prática de
tais fatos sob o clima de terror repressivo do Ato Institucional no. 5, da empolgação
ostensiva do poder pela Junta Militar e de tantos outros episódios de arbítrio e de
violência estatal, que então faziam impossível qualquer forma de contestação
pacífica à ditadura.
De qualquer sorte, o apelo à universal condenação ética do terrorismo, como
justificativa de exclusão questionada, não resiste ao próprio contexto do projeto. É
que, além de nada ter a ver com o § 2º do art. 1
º - pois a exclusão atinge
precisamente aos que, já condenados, purgam, há cerca de dez anos, a culpa que
tenham tido – o pretexto moral de que se lança mão pode coexistir seriamente com o
§ 1º do mesmo dispositivo do projeto.
Ora, não há objeção retórica que possa obscurecer que a amplitude, com a
qual o mencionado § 1º definiu, como conexos aos crimes políticos, os crimes de
qualquer natureza com eles relacionados, tem o único sentido de prodigalizar a
anistia aos homicídios, violências e arbitrariedades policiais de toda a sorte,
perpetrados nos desvãos da repressão política.
Aliás, não é sem propósito indagar se não será a preocupação de anistiar as
violências do regime o que explica que, do benefício, se tenham excluído apenas os
já condenados pelos crimes de oposição violenta. Com a relativa liberdade de
imprensa que já se alcançou, não há dúvida, como acentua a justificação do projeto,
68
que, se tivessem continuidade, os processos contra os não condenados iriam
“traumatizar a sociedade com o conhecimento de eventos que devem ser sepultados
em nome da paz”: entre eles, em primeiro lugar, os relativos à institucionalização da
tortura aos presos políticos.
Note-se que, sob esse prisma, o projeto rompe duplamente com a tradição
brasileira. Restringe-se de um lado, contra os precedentes , o alcance da anistia com
relação à criminalidade política, para dela excluir – à vista da circunstância fortuita
da existência de condenação – parte dos autores de alguns delitos
caracterizadamente políticos, objetiva e subjetivamente. E, de outro lado, amplia-se
ineditamente o conceito de crime comum conexo a crimes políticos, para beneficiar
com a anistia, não apenas os delitos comuns de motivação política (o que encontra
respaldo nos precedentes), mas também, com o sentido já mencionado, os que
tenham, com os políticos, qualquer tipo de relação.
Nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a
amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro de nossa
História poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável como passo adiante
no caminho da democracia.
De outro lado, de tal modo a violência da repressão política foi tolerada –
quando não estimulada em certos períodos pelos altos escalões do Poder – que uma
eventual persecução penal dos seus executores materiais poderia vir a ganhar certo
colorido de farisaísmo.
Ampla e irrestrita só a anistia, segundo o projeto, no que tange às suspensões
revolucionárias de direitos políticos. Nenhuma ressalva se impôs no particular, de
tal modo que, vigente a lei da anistia, os efeitos da suspensão desaparecerão por
completo, como se a sanção jamais tivesse sido imposta, independentemente da
exaustão do seu prazo.
No que diz, porém com “os servidores civis e militares demitidos, postos em
disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados”, a anistia
projetada terá apenas o limitado efeito de converter em aposentadoria, transferência
69
para a reserva ou reforma as outras sanções aplicadas, e de fazer computar, em
qualquer caso, o tempo ocorrido desde o afastamento para o cálculo dos proventos
da inatividade ou da pensão (art. 4º ).
No mais, o que se programou não é anistia verdadeira. Por esta, já o ensinou Rui
(op. loc. Cit), “além de se extinguir o próprio delito, se repõem as coisas ao mesmo
estado em que estariam, se a infração nunca se tivesse cometido”.
Transposta para o âmbito dos direitos do servidor público privado do seu
emprego ou cargo público pela sanção revolucionária, só merecia as galas da anistia
o ato que lhe assegurasse, como direito, pelo menos, a restauração da situação
funcional anterior.
O projeto, ao contrário, não assegura qualquer direito nesse campo. Limita-se
a afastar o óbice da sanção revolucionária, para que, a requerimento do interessado ,
e havendo vaga, possa a autoridade competente, discricionariamente ( “no interesse
da administração”, art. 2º), admitir a sua volta ao serviço ativo. Ademais, o retorno,
quando deferido, se fará “para o mesmo cargo ou emprego, posto ou graduação que
o servidor (...) ocupava na data de seu afastamento”, negando-se-lhe até as
promoções, do direito às quais o tenha privado a sanção.
Tudo isso impunha que a reparação se fizesse por meio de autêntica anistia, e
não pela simples outorga à administração do poder de cooptar livremente aqueles
cuja volta possa interessar ao sistema de poder dominante, após a prova de
humildade de requerimento de perdão.
Pomo-nos, assim, pela inversão radical do procedimento engendrado no
projeto: salvo impossibilidade constitucional ou legal, o retorno aos cargos, postos
ou empregos se faria através de simples representação do servidor, regulando-se
ademais, fórmula adequada para o reajuste da sua situação funcional à que lhe
tocaria na carreira, se não fora o afastamento arbitrário.
A própria existência da vaga é manifestamente inconciliável com a idéia de
verdadeira anistia.
70
A situação dos magistrados atingidos pelos atos institucionais já mereceu
consideração especial deste Conselho que, então se manifestou pela imediata e
incondicional reintegração de todos eles. O projeto evidentemente não atende a essa
postulação. De início, não se deixa claro, na proposição governamental , se se
poderia reputar os juízes, que são órgãos do Poder Judiciário, beneficiários da
anistia da sanção revolucionária, concedida aos seus servidores. De outro lado –
além do condicionamento à existência de vaga (cuja superação, no caso de vários
Tribunais, exigiria emenda constitucional) – também a discricionariedade, a que
ficou sujeita a volta dos anistiados ao serviço ativo, é com relação aos magistrados,
ainda menos admissível que com referência aos funcionários.
Cremos, por fim, que o pronunciamento da Ordem dos Advogados, a respeito
desse projeto não pode terminar sem que a entidade repise, uma vez mais, a
advertência, já reiterada, sobretudo através do eminente ex-presidente Raymundo
Faoro: no processo de construção o Estado de Direito, a anistia “é uma passo
necessário, mas não o suficiente”. Ainda que se tornasse ampla, geral e irrestrita, ela
deixaria subsistir, para o futuro, empecilhos institucionais decisivos contra o
estabelecimento, no País, dos pressupostos necessários a uma autêntica convivência
democrática.
Entre eles, este momento de reflexão sobre a anistia induz a realçar duas
questões, cuja solução constitui desafios imediatos ao pensamento democrático. O
primeiro é a subsistência, malgrado a recente diminuição das penas cominadas, que
não atinge a substância do problema de uma lei de segurança nacional fundada em
doutrina marcadamente totalitária. A outra, no mesmo contexto, é a sobrevivência,
na administração pública da chamada “comunidade de informação”, em moldes de
todo inconciliáveis com a construção de um regime democrático.
3- A OAB E A CONSTITUINTE DE 1986
71
Sobre a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para
reconstruir a ordem democrática no país, em atenção aos mais legítimos anseios da
população e da consciência jurídica brasileira, a Ordem dos Advogados do Brasil,
interpretando e repercutindo a opinião pública nacional, antecipou-se no estudo
jurídico da questão colocada ao Governo e, em decisão unânime do Conselho
Federal da Entidade, aprovou a convocação de uma Assembléia Constituinte,
conforme o parecer que vai transcrito, a seguir:
PROCESSO CP N°. 2.163/79
ASSUNTO: Proposta de Emenda à Constituição, convocando
uma Assembléia Constituinte a ser eleita no dia 15 de novembro de 1982
AUTOR: Senador Orestes Quércia
RELATOR: Conselheiro Francisco Ferreira de Castro
Senhor Presidente e Senhores Conselheiros.
I – Introdução
1 - Honrou-nos V. Exa. com a designação para relatar o Processo n°.
2.163/79 perante o Eg. Conselho Federal da Ordem, não só pela alta significação e
importância de que se reveste o assunto, como porque, sem embargo de
reconhecermos espinhosa e complexa a tarefa, é-nos gratificante contribuir de
alguma forma, ainda que a mais modesta, para o grandioso debate que conduzirá o
País à elaboração de um novo pacto social representativo do pensamento e da
vontade dos segmentos mais expressivos da sociedade brasileira.
72
2 - A idéia consubstanciada no anteprojeto de emenda à Constituição,
coincide, nos seus pontos essenciais, com o que vem defendendo a Ordem dos
Advogados, em várias oportunidades, ao sustentar que a convocação de uma
Assembléia Constituinte é o caminho indicado para superar o impasse criado com a
ilegitimidade institucional do Poder e votar uma nova Constituição que propicie o
reencontro histórico da Nação com o Estado de Direito, sob a égide de um
instrumento democrático de governo. Uma nova Constituição com força e
autoridade suficientes para mobilizar o interesse e as energias necessárias à
realização de um projeto nacional de vida que reflita o consenso do povo brasileiro.
De certo, não poderia a Ordem dos Advogados adotar outro posicionamento
senão este, após criteriosa avaliação dos fatos sócio-econômicos, político-
institucionais e jurídicos com que se defronta o País, sem a quebra de fidelidade aos
princípios da Liberdade e Democracia norteadores da sua atuação como órgão da
classe isento de interesses particulares ou de paixões partidárias.
Destarte, temos como justificada a iniciativa do anteprojeto, o qual,
apresentado sob a forma de emenda à Constituição, é de competência: I, de membro
da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; ou, II, do Presidente da República,
com as limitações contidas no § 1° do artigo 47 da Emenda Constitucional n° 1, de
1969, que veda proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República.
3 - Sem dúvida, a contribuição da Ordem nesse terreno poderá ser
significativa, mercê da visão abrangente que o advogado possui do universo social e
político onde exerce sua atividade profissional, bem como em razão do valor
cultural, cívico e moral dos que compõem os seus quadros, dignificados com a
presença das figuras mais expressivas da inteligência e do saber jurídico, qualidades
estas, em muitos deles, enriquecidas com a experiência adquirida no trato da coisa
pública no País.
II – a Ordem e o problema político-institucional
73
4 - Preliminarmente, dada a relevância da matéria em exame, afigura-se-
nos oportuno trazer à consideração do Eg. Conselho Federal uma objeção
comumente feita, à propósito da postura da Ordem face à discussão e manifestação
sobre temas de conteúdo político, de modo especial este – a convocação de uma
Assembléia Constituinte -, inegavelmente, de transcendente importância na Teoria
da Constituição e na história do Estado Brasileiro. É que, insistem alguns, deveria
prevalecer no caso a vedação contida no artigo 145 do Estatuto, quando estabeleceu
que: “Nenhum órgão da Ordem discutirá nem se pronunciará sobre assuntos de
natureza pessoal, política, ou religiosos ou estranhos, de qualquer modo, aos
interesses da classe dos advogados”.
5 - A despeito da clareza aparente do enunciado legal citado, entende-se
que: primeiro, a palavra “política” tem várias acepções encontradas nos léxicos,
assim como entre os politicólogos; segundo, não havendo o legislador conceituado o
vocábulo para os fins previstos na lei, caberá ao intérprete fazê-lo,
compatibilizando-o com o entendimento da melhor doutrina e com outros textos do
mesmo diploma legal, especialmente o artigo 18, I, do Estatuto.
Ao nosso ver, a proibição só terá cabimento se emprestar à palavra “política”
o sentido comum encontrado nos léxicos, como “ação” ou “exercício” da política de
natureza partidária, ou de atuação dirigida com este objetivo. Esta, sim, seria uma
atividade não permitida à Ordem, por constituir um “serviço público” instituído para
a “seleção, disciplina e defesa da classe dos advogados em toda a República” (arts.
1° e 139, do Estatuto da Ordem).
Tal fato, obviamente, não interfere com o direito de cidadania que tem o
advogado de, individualmente, exercer com liberdade a política sem distinção de
credo filosófico, ideológico ou político.
74
6 - A palavra “política”, no entanto, tem conceituação mais abrangente,
quando relacionada com a Filosofia, as Ciências Sociais ou com o Direito, dentre
outras ciências afins. Por exemplo: quando o seu emprego se fizer com o sentido de
uma teleologia estatal, em que a ênfase é colocada, como na “polis” grega, na
existência da Ordem, da Justiça, ou de Liberdade, como condições necessárias para
o homem alcançar a boa vida; ou na doutrina do Bem Comum, da filosofia tomista;
ou da preservação do princípio da Liberdade, do Estado liberal; ou na realização do
princípio da Igualdade, do Estado socialista.
Na realidade, a política tem sido identificada com o Estado. Para os
politicólogos, no entanto, o Estado é insuficiente como critério do que seja a
política. “Essa deficiência”, afirma o Prof. Peter Nicholson, “pode ser remediada
dizendo-se que a política é o Estado “e tudo o que tem a ver com ele”, incluindo,
conseqüentemente, todos os processos políticos que giram em torno do Estado ou
nele centram” (Cfr. Peter Nicholson, in Cadernos da Unb. – Política e Ciência
Política, n° 2, p. 24. Têm opinião semelhante : Burdeau, De Jouvenal, Marcel
Prélot, Duverger, Catlin, Robert Dahl, Harold Làsswell, David Easton, Paulo
Bonavides, Prado Kelly, Helio Jaguaribe, dentre outros).
7 - A esse propósito, manifestou-se o eminente cientista político, Prof.
Philippe C. Schmitter, em recente conferência pronunciada na Universidade de
Brasília, sob o título “Reflexões sobre o Conceito de Política”, ao registrar que a
difinição que predomina nos dicionários e em muitas faculdades é a da política
como a ärte e a ciência do Estado ou Governo”. E, disse que, segundo uma
tipologia geral por ele utilizada, corresponderiam definições específicas do campo
de investigação, tendo em vista: I – a Instituição – Estado ou Governo; II – os
Recursos disponíveis – o Poder, Influência ou Autoridade; III – os Processos
utilizados – “Decision-making”ou Policy-formation” (formulações de decisões
sobre linhas de conduta coletiva), e IV – a “Resolução não violenta dos conflitos”.
(In Cadernos, op. Cit. p. 44).
75
Há uma vasta bibliografia sobre o assunto, de origem estrangeira e nacional,
que seria impertinente citá-la, para não alongar demasiadamente esta digressão.
Contudo, existe um pouco em comum entre os politicólogos, neste particular,
que é importante focalizar. É quando o Prof. Peter Nicholson nos adverte, à respeito
da conceituação da política, ao dizer: “Não existe “a” definição delimitadora do que
é a política. Mas é possível dar “uma” definição, e muitas definições diferentes
existem. Nesta situação, é importante que o cientista político esteja cônscio das
questões envolvidas e se dê conta de que buscar uma só definição de “política” não
é apenas escolher entre muitas definições concorrentes, mas também optar por um
modo de estruturar a ciência política que seria muito diferente do atual” ( In
Cadernos, op. Cit. p.38).
8 - Carl Schmitt, na sua obra Teoria da Constituição, dá um novo sentido
ao estudo do Direito público, quando, ao superar o normativismo Kelseniano na
dogmática jurídico-constitucional, valorizou o Poder como indispensável à decisão
política de criação do moderno Estado de Direito, enquanto exaltava o mérito dos
elementos político, econômico e social caracterizadores das constituições do após 1ª
Grande Guerra, notadamente a de Weimar. (Sobre o assunto: cfr. Hermann Heller,
Teoria del Estado, Fondo de Cultura Economica, México, 3ª ed.; Karl Loewenstein,
Teoria de la Constitucion, Ediciones Ariel, Barcelona, 1970, 2ª ed.; Brogan X
Verney, Political Patterns in Today’s World, London, 1963; Biscaretti de Ruffià,
Introduzione al Diritto Constituzionalle Comparato, Milano, 2ª ed.; 1970; C.F.
Strong, Modern Political Constitutions, London, 6ª ed., 1963; Manuel Garcia
Pelayo, Derecho Constitucional Comparado, Madrid, 4ª ed., 1957; Pinto Ferreira,
Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno, ed. Saraiva, São Paulo, 2
vols. 1962; Oliveira Baracho, J.A, Teoria da Constituição, R.B.E.P. – MG, no. 47,
p. 7 –47; julho/78).
Estes fatos do constitucionalismo europeu, é inegável, tiveram repercussão
inclusive no Brasil, onde encontrariam ambiente favorável porque aqui se iniciara,
76
em 1922, com a Semana da Arte Moderna, em São Paulo, um movimento cultural
de grande expressão, que conduziria ao estudo da nossa realidade social e ao qual se
seguiram os movimentos revolucionários da década dos vinte, com interregno, até o
presente. Aos profissionais da advocacia e aos estudiosos do Direito estes fatos
possibilitariam uma visão mais objetiva da evolução social brasileira, de par com o
material informativo necessário ao adequado ordenamento político-institucional do
País, em atitude diferente do tratamento jurídico-formal do passado, cujos efeitos no
Direito Constitucional brasileiro foram assinalados com propriedade por Oliveira
Vianna, dentre outros publicistas pátrios.
9 - Com base neste novo enfoque das questões políticas e sociais e da
organização do Estado, faz sentido que o Órgão de Classe dos Advogados,
desincumbindo-se do dever legal de “contribuir para o aperfeiçoamento das
instituições jurídicas”, defenda, desde a VIIa. Conferência Nacional da Ordem,
realizada em Curitiba sob a presidência do notável ex-batonnier Raymundo Faoro, a
elaboração de “um novo pacto social” para o Brasil, a cuja tese os insignes juristas
Pontes de Miranda, M.Seabra Fagundes e Sobral Pinto, dentre outros muitos,
emprestaram o seu decidido e valioso apoio. Mais recentemente, em nome da
Ordem dos Advogados, pronunciou-se sobre o assunto o nosso Presidente, Dr.
Eduardo Seabra Fagundes, na sessão de abertura do 26º Encontro de Seccionais da
OAB, reunido em Florianópolis. Ao reiterar ali o compromisso histórico da Ordem,
afirmou S. Exa. que “os advogados brasileiros tomaram a si, desde os primórdios da
nacionalidade, a luta pelo aprimoramento do nosso Direito, não como mero
instrumento regulador de convivência entre os homens e da distribuição dos bens
materiais, mas sim como instrumento de busca da Justiça e preservação da
Liberdade”.
A formalização desse compromisso histórico se deu com a “Declaração de
Florianópolis”, e, por último, com a “Carta de Belém”, vigorosas expressões do
pensamento dominante na Ordem dos Advogados em favor da convocação de uma
77
Assembléia Constituinte, capaz de criar instituições firmes para a Liberdade e a
evolução social do País.
10 - Esse entendimento, aliás, encontra suporte legal no que preceitua o
artigo 18, I, da Lei n°. 4.215, de 1963 ( Estatuto da OAB), verbis: “Compete ao
Conselho Federal: I – Defender a ordem jurídica e a Constituição da República, ... e
contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas”.
Ao optar pela convocação de uma Assembléia Constituinte, seguramente, a
Ordem está convencida de que é este não só o procedimento técnico-jurídico
adequado ao reordenamento das nossas instituições políticas como porque ele
corresponde à grandeza do momento histórico que vivemos, com projeção para o
futuro do País, e, em particular, de todos os brasileiros.
11 - Uma tomada de posição significa assumir riscos, é certo. Aliás, isto tem
ocorrido em várias ocasiões em que a Ordem adotou uma „atitude cívica‟ como diria
o grande Milton Campos. De modo especial, quando se manifestou contra o
chamado “pacote de abril” e a exacerbação do poder de arbítrio, pleiteando a
suspensão da censura à imprensa, a revogação do AI-5, a liberação da tutela sobre a
vida sindical e a anistia, como providências tendentes a suprimir o Estado autoritário
implantado em 1968 por um processo político institucionalizado, capaz de garantir e
ampliar as fronteiras do Estado de Direito. Na ocasião, a Ordem expressou a
inconformidade reinante dentro de uma parcela expressiva da sociedade civil
brasileira, juntamente com a C.N.B.B., A.B.I., sindicatos e estudantes, enquanto
clamava pela conciliação nacional e o respeito aos Direitos Humanos.
Sem dúvida, existem riscos quando alguém se expõe á ira dos deuses do
Olimpo. No caso, houve compreensão das partes envolvidas, ingressando o País em
tempo de abertura política, rumo à Democracia.
Isto demonstra que assumir riscos é preciso...
78
III – Constituição. Poder Constituinte. Legitimidade de uma Constituição
12 - A noção de Constituição varia em dimensão e alcance, de acordo com o
enfoque doutrinário adotado. Num sentido geral, Constituição é a organização de
alguma coisa, de um grupo , sociedade ou do próprio Estado.
Destarte, o vocábulo Constituição não pertence apenas ao estudo do Direito
Público. É necessário, portanto, limitar o seu alcance ao Estado, como ente
particular e concreto da unidade política e ordenação social, quer do ponto de vista
estritamente jurídico, quer aproveitando a lição da sociologia e da ciência política
para melhor compreensão dos problemas que lhe estão afetos (Cfr. Cláudio Pacheco,
Tratado das Constituições Brasileiras, Freitas Bastos, Rio, 1958, Vol. 1º, p. 34).
Como a Constituição é o fundamento da ordem jurídica e a base da sua
validade, a idéia da supremacia da Constituição decorre da sua origem, do Poder que
a instituiu e dos demais poderes do Estado e não é instituído por qualquer outro.
Deve-se, em consequência, reconhecer a existência de um Poder Constituinte,
definido, por Carl Schmitt, como “a vontade política cuja força ou autoridade é
capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre o modo e a forma da própria
existência política” (Cfr. Carl Schmitt, Teoria de la Constitución, Madrid, p. 86).
Cabendo ao Poder Constituinte tomar as decisões políticas ao nível de
soberania nacional, é de sua atribuição estabelecer:
- a forma do Estado e de Governo;
- os poderes da União, sua divisão, organização, funcionamento e
relações entre eles;
- os princípios da organização federativa;
- a segurança nacional;
- os direitos e garantias individuais;
- a ordem econômica e social;
- outros assuntos de mérito Constitucional.
79
13 - De acordo com a doutrina democrática da origem da soberania da
Nação, o povo é o sujeito do Poder Constituinte e o depositário dos poderes da
soberania nacional, cujo Poder, segundo Burdeau, tem como características
principais ser Inicial, Autônomo e Incondicional; porém, não ilimitado. (Cfr.
Burdeau, Traité de Science Politique, Paris, 1950, tomo III, p. 174; Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, São Paulo,
6ª ed. P.34).
Esse Poder é ORIGINÁRIO quando edita Constituição nova substituindo a
anterior; é DERIVADO ou INSTITUÍDO, quando procede à reforma ou
modificações parciais ou à revisão de um texto constitucional existente.
14 - Diz-se de uma Constituição que ela é legítima quando tem origem
numa Assembléia Constituinte, representativa da vontade da Nação. A mesma coisa
em relação ao Governo. É um princípio da doutrina democrática de que “todo poder
emana do povo e em seu nome é exercido”, que é o mesmo do direito público
constitucional brasileiro, constante do art. 1º § 1
º da Carta Política vigente, de onde
emana o poder de mando dentro da sociedade e o direito de exigir obediência do
cidadão sob pena de coerção material dos governantes.
São palavras do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “ De fato, a
legitimidade do governo está em haver sido estabelecido de conformidade com a
opinião predominante na sociedade sobre a quem cabe o poder, ou como se confere
o poder (consensus). A legitimidade não se confunde com a mera LEGALIDADE,
ou seja, com o fato de haver sido o governo estabelecido de acordo com as leis
vigentes, pois essas leis podem ser ilegítimas, em face do consensus”. E acrescentou
o ilustre Mestre da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da
Universidade de São Paulo: “Cumpre reconhecer, porém, que o poder só se
estabiliza quando fundado na aceitação dos que vão ser por ele governados. O poder
decorrente da mera força bruta é instável, pois varia, com a variação da relação de
forças. Ele somente cria raízes, ao se tornar legítimo. Assim, com rapidez se dá a
80
consolidação dos governos resultantes de simples quebra da legalidade, contudo é
dificil a dos que importam em rompimento com a legitimidade” ( In Curso, op. Cit.
p. 31 e32).
IV –Breves notas sobre a História Constitucional do Brasil
15 - Aqui, repetimos o que se encontra também à disposição de consulentes
ou eventuais leitores, nos seguintes trabalhos: “Senado Federal – Atas do Conselho
de Estado, direção de José Honório Rodrigues, editado pelo Serviço Gráfico do
Senado – Brasília, 1973; O Parlamento e a Evolução Nacional – Introdução
Histórica, por José Honório Rodrigues, Brasília, 1972; A Constituinte de 1823, por
Barbosa Lima Sobrinho et alii, Senado Federal, Brasília, 1973; Anais, do Senado
Federal, 4 vols. (Todas estas obras foram editadas em comemoração ao
“Sesquicentenário da Instituição Parlamentar”); Aurelino Leal, História
Constitucional do Brasil, editada pelo Dep. de Imprensa Nacional, Rio, 1915;
Hamilton Leal, História das Instituições Políticas do Brasil, ed. DIN, Rio, 1962.
15.1 – A Constituinte e a Constituição de março de 1824.
(antecedentes e cronologia de leis e fatos principais).
A 16 de fevereiro de 1822 foi criado o Conselho de Procuradores Gerais das
Províncias do Brasil;
A 3 de junho de 1822, D. Pedro I, atendendo representação dos “Procuradores
Gerais de algumas Províncias do Brasil já reunidas na Corte, e diferentes Câmaras e
Povo de outras o quanto era necessário e urgente a mantença da integridade da
Monarquia Portuguesa, e justo Decoro do Brasil a Convocação de uma Assembléia
Luso-Brasiliense, que investida daquela porção de Soberania que essencialmente
reside no Povo deste grande riquíssimo Continente, constitua as bases sobre que se
devam erigir sua Independência, ... “Hei por bem e com o parecer do Meu Conselho
81
de Estado mandar Convocar uma Assembléia Geral Constituinte, e Legislativa
composta de Deputados das Províncias do Brasil novamente eleitos na forma das
instruções, que em Conselho se acordaram, e que serão publicadas com maior
brevidade”(Senado Federal – Atas do Conselho de Estado – vol. 1, p. 9):
- A Constituinte foi instalada a 3 de maio de 1823, em sessão solene a
que compareceu o Imperador. O projeto que saiu da Assembléia, redigido por
Antonio Carlos, como relator, e assinado por José Bonifácio, Pereira da Cunha,
Bittencourt e Sá, Araújo Lima (este com restrições), Aguiar de Andrade e Muniz
Tavares, prova que era justo o renome do primeiro.
- D. Pedro I, no entanto, por dissenções políticas agravadas,
dissolveu o Parlamento a 12 de Novembro de 1823. No Decreto de 12, o Príncipe,
de par com a dissolução, “houve por bem convocar já uma outra (Assembléia), a
qual deveria trabalhar no ... “projeto de Constituição que em breve lhe havia de
apresentar, e que seria duplicadamente mais liberal do que a que a extinta
Assembléia acabava de fazer”. (Anais do Senado, 1829, vol. I, p. 96).
D.Pedro designou uma Comissão para redigir o documento.
- Diz Moreira de Azevedo que a Constituição de 1824 foi feita em 15
dias. “O projeto de Constituição que o Imperador apresentou à discussão, refere
Drumond, ele o achou feito no Apostolado, onde tinha sido apresentado por Martim
Francisco, para aquele fim. A comissão ajuntou-lhe os Conselhos provinciais, que o
projeto originário não tinha”... E o “Poder Moderador”, como a “chave de toda a
organização política”. (Aurelino Leal, op. cit. p. 106).
- Quanto ao mais, Antonio Carlos, no seu discurso de 1840, dá como
fontes da Carta de 1824 (e, portanto, do projeto), “a Constituição francesa em
grande parte e a da Noruega, em outras”. Diz Aurelino Leal, ser “incontestável que
as fontes foram buscadas com sabedoria. A Constituição da Noruega”, afirma
Dareste, “é, em data, a primeira de todas as constituições monárquicas que
sucederam às constituições do período revolucionário e imperial”. Seignobos
82
também declara a constituição norueguesa de 1814 “a mais democrática da Europa”.
(id.ib.p.114).
- A psicologia desse primeiro Parlamento nacional tem sido
diferentemente julgada. Diz Rodrigo Octavio Filho: “Não nos parece justo o
conceito de Armitage, quando conclui que na Assembléia Constituinte, à exceção
dos três Andradas, poucos indivíduos havia acima da mediocridade, opinião em que,
aliás, o acompanhava Drumond. É sem dúvida mais verdadeiro o que pensam
Valladão, Homem de Mello, José de Alencar, Pereira da Silva e Rodrigo Óctavio,
que rebateram com justiça, a má impressão do historiador inglês” (in A Constituinte
de 1823,p. 171).
- A Lei de 12 de outubro de 1832, “Ordena, que os eleitores dos
Deputados para a seguinte legislatura, lhes confiram nas procurações, faculdade pra
reformarem alguns artigos da Constituição”, os quais são enumerados e dizendo
qual o fim da reforma pretendida.
- Lei nº. 16, de 12 de agosto de 1834, “Faz algumas alterações e
adições à Constituição Política do Império de 1832. O Senado não participou desta
votação e argüiu sua constitucionalidade. Sua influência deletéria na coesão das
Províncias; a reação dos conservadores e a oposição dos liberais, teve como
conseqüência a Lei de Interpretação.
- Lei nº. 105, de 12 de maio de 1840, “Interpreta alguns artigos da
Reforma Constitucional”. D. Pedro I renunciou a 7 de abril de 1831. Era a Regência.
Não poucos viram no Ato Adicional; o germe da anarquia e da ruína da unidade
brasileira. Justiniano da Rocha, sustentou que “a primeira necessidade que se fez
sentir foi a de acudir à unidade do Império, ameaçada pela extensão dada às
atribuições das Assembléias provinciais”.
15.2 – A Constituinte e a Constituição de 1891;
(cronologia de leis e fatos principais).
83
- O Decreto nº. 1, de 15 de novembro de 1889, proclamou o novo
regime e no artigo 4º , “Ordenava que a nação brasileira fosse regida pelo Governo
Provisório, enquanto não se procedesse à eleição do Congresso Constituinte;
- O de 19 de novembro estabeleceu o sufrágio universal; o de 14 de
dezembro concedeu a grande naturalização; o decreto nº. 78-B, designou o dia 15 de
setembro de 1890 para a eleição geral da Assembléia Constituinte, fato julgado uma
vitória dos que almejavam a pronta organização constitucional da República;
- Pelo Decreto nº. 29 de 3 de dezembro de 1889, foi nomeada uma
Comissão, para elaborar o projeto de Constituição;
- Decreto nº. 510, de 22 de junho de 1890, convocou o Congresso
Constituinte para 15 de novembro do mesmo ano, o qual devia “trazer poderes
especiais do eleitorado para julgar a Constituição”,que se publicava com o referido
decreto, e “seria o primeiro objeto de suas deliberações. Esse decreto no. 510
mandava vigorar projeto de Constituição no que fosse tocante à dualidade das
Câmaras do Congresso;
- Pelo Decreto nº. 511, de 1890, o Governo decretou o sistema
eleitoral, nº 802, de 4 de outubro de 1890, seguiu a mesma orientação relativamente
aos Estados, mandando eleger as suas assembléias constituintes. Com o Decreto no.
914-A, de 23 de outubro de 1890, o Governo publicou de novo o Dec. 511, com as
alterações feitas e a serem submetidas ao Congresso Constituinte.
- O Decreto no. 510, referido, dizia no artigo 2º que o Congresso traria
“poderes especiais para julgar a Constituição que neste ato se publica”. Duas coisas
se percebem neste decreto que interessou à história: a primeira é a referência “à
suprema urgência de acelerar a organização definitiva da República ” : a segunda é a
insistência com que o ato se referiu à “Constituição” e não ao “projeto”. Observa
Aurelino Leal, que “a imprensa, pelos mais autorizados órgãos, pleiteou a idéia da
sua pronta adoção. Parece que houve receio de que o Congresso se desviasse dos
seus naturais intuitos e descambasse para os mesmos erros que as cortes
Constituintes Portuguesas cometeram e a nossa Constituinte, em 1823, pretendeu
84
mais de uma vez imitar, intervindo em matéria da competência do Poder
Executivo....”Já em plena Constituinte o Sr. Rui Barbosa precisou o fato, aludindo à
depressão cambial como uma resultante do temor ou das incertezas de conduta do
Congresso”(id. Ib. p. 220/21).
- O Diário de Notícias, em artigo citado pelo Autor, notava a 22 de
novembro: “Pelo decreto de convocação, vê-se claramente que o Congresso tem
apenas poder Constituinte, e que só depois de aprovada a Constituição e separado
em Câmara e Senado é que tem poder legislativo”.
- Embora funcionando o Congresso Constituinte, o Governo não abriu
mão do poder legislativo que então exercia, no que aproveitava as lições das Cortes
Constituintes Portuguesas e da nossa primeira Assembléia Constituinte.
Sobre as fontes que inspiraram a nossa Constituição, assim se exprimiu
Amaro Cavalcanti, que foi membro da Comissão dos 21, em discurso pronunciado
na sessão de 13 de dezembro de 1890: "Senhores o projeto que se discute, todos
sabemos, não é uma obra original. Elaboração de política experimental, ele nos
apresenta o texto da Constituição federal da República Norte-Americana,
completado com as Constituições suiça e argentina e incidentemente modificados, a
juízo dos seus autores, afim de ser acomodado às nossas circunstâncias” (Anais da
Const. V. I, p. 160).
- Quanto ao nível cultural das constituintes de 1891, contrariando
Ubaldino do Amaral, diz Aureliano Leal: "Se havia no Congresso grandes
reputações intelectuais e culturais é certo que o número dos primeiros - dos intelec-
tuais não especificamente cultos - era superior. O grande colégio se completava
com os medíocres, que os há em todos os corpos, máxime nos que se recomendam
pelo número” (id. ib. p- 271);
- Nos Anais da Constituinte encontram-se duas grandes explicações para
a votação rápida do projeto de Constituição: a energia de Prudente de Moraes,
presidente do Congresso Constituinte, e a “rolha” parlamentar;
85
- A promulgação da Constituição Republicana se deu no dia 24 de
fevereiro de 1891. Três meses e poucos dias foram suficientes para a feitura do
grande monumento político, sem dúvida um atestado magnífico da nossa cultura e
uma síntese admirável dos ideais que vinham sendo pregados, tendo em Rui
Barbosa um dos seus inspiradores e principais artífices.
- Em 7 de setembro de 1926, foi publicada a reforma à Constituição de
24 de fevereiro de 1891, com base no artigo 90, parágrafo 7º, por iniciativa do
Congresso Nacional. Contra essa Emenda, argüiu-se, sem êxito, a sua in-
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de ter sido
feita com o País em estado de sítio.
15.3-A Constituinte e a Constituição de 16 de julho de 1934.
(antecedentes, cronologia de leis e fatos principais).
A Revolução de 30 foi, sem dúvida, o desaguadouro dos antagonismos que se
acumulavam na década dos vinte, da qual o movimento cultural de 22, os sócio-
econômicos e os de impaciência revolucionária foram os antecedentes mais
próximos.
Vitoriosa, editou o Decreto no. 19.398, de 11 de novembro de 1930,
estabelecendo no seu artigo. 19, o seguinte: "O Governo Provisório exercerá
discricionariamente em toda sua plenitude as funções e atribuições, não só do Poder
Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia
Constituinte, estabeleça a reorganização Constitucional do País".
- Após a Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932, por
convocação governamental, inaugurou-se a 2a. Assembléia Constituinte Repu-
blicana no dia 15 de novembro de 1933. Antes dessa data, houve cinco sessões
preparatórias, sendo a primeira a 10 de novembro, dirigida pelo presidente do
T.S.E., quando foi eleito e assumiu a presidência da Assembléia o Deputado
86
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada.
- O Governo elaborou um Regimento (Decreto nº 22.621, de 5 de
abril de 1933), disciplinando os trabalhos da Constituinte. Getúlio Vargas en-
tregou um projeto de Constituição elaborado por Comissão designada pelo Go-
verno, ao comparecer à sessão inaugural de Constituinte.
- "Por indicação do Dep. Medeiros Neto", narra Hamilton Leal, (op. cit.
p. 482), "a Assembléia Constituinte atribuiu ao Chefe do Governo Provisório,
Getúlio Vargas, os poderes contidos no Dec. No. 19.398, de 11/11/1930. A idéia de
semelhante indicação, naturalmente, foi inspirada no gesto idêntico da Constituinte
de 1890-91. Sob o ponto de vista doutrinário oposicionistas e governistas viam, na
indicação, uma demonstração de autoridade e soberania, ao mesmo tempo que a
subordinação do Governo de fato à lei".
- Após a elaboração do Regimento próprio para a Assembléia, que entrou
em vigor a 29 de novembro, a 5 de março estava em poder da mesa o substituto e o
respectivo parecer, sendo relator geral o Deputado Raul Fernandes.
- Submetida à votação, os fatos porém chamaram à razão os principais
líderes da Constituinte: não era possível, sem um entendimento geral, votar-se uma
Constituição. Dentre os fatos apontados, Hamilton Leal (op. cit. p. 474/5), recolheu
o seguinte: "Eis por que, não admira, tenha a Constituinte de 1933-34 sido o
que realmente foi: um mosaico de partidos estaduais. Todos eles, sem exceção,
nascidos e desenvolvidos dentro dos processos e normas usadas naquilo que então
se convencionou chamar - República Velha. Era o Chefe do Governo Provisório
nomeando os Interventores e estes (com raríssimas exceções) organizando os
partidos oficiais - que de partidos só tinham o nome - , usufruindo os cargos
públicos, distribuindo outros pelas suas clientelas. Eram os cofres públicos
alimentando e mantendo toda a máquina, com o único fim – conservar o poder”.
- No que diz respeito aos valores espirituais e culturais da Assembléia
Constituinte de 1934, pode-se dizer que, em todos os setores, encontrar-se-ia um
grande número de homens de méritos assinalados, alguns até, expoentes culturais do
87
País. Se o Constituinte de 34 entregou-se à faina, tanto quanto possível, de proteger
as grandes conquistas liberais até ali alcançadas, por outro lado, terá sido tímido nas
conquistas sociais que agitavam o mundo do após 1a. Grande Guerra. Refletiu as
dúvidas e os sobressaltos que avassalavam a Europa, e, internamente, as lideranças
políticas do Brasil.
- A promulgação da Constituição de 1934 se deu no dia 14 de julho, em
sessão solene, decorridos quase oito meses da instalação dos trabalhos da
Constituinte.
15.4 - A Constituinte e a Constituição de 18 de setembro de 1946.
(antecedentes, cronologia de leis e fatos principais).
Á Constituição de 34 teve vida efêmera, e, na prática se desfigurou pela má
vontade de Vargas na sua aplicação. De outro lado, a exacerbação da luta entre as
força da direita e da esquerda, representadas pela "Ação Integralista" e o Partido
Comunista Brasileiro, respectivamente, no plano político interno, preparou o
caminho para o "golpe" de Estado com a outorga da Constituição de 10 de
novembro de 1937, a qual deveria ser aprovada mediante plebiscito, na forma do seu
art. 187, o que não se deu. Com a Constituição de 37, Vargas governou o País
durante a 2a. Grande Guerra, da qual o Brasil participou com o contingente da
F.E.B., nos campos de batalha da Europa. A vitória das forças aliadas na Guerra
contra o nazi-fascismo e a volta do contingente das Forças Armadas ao Brasil
tiveram efeito catalisador na redemocratização do País. Com a edição da Lei
Constitucional no. 9, de 28 de fevereiro de 1945, o Presidente Vargas convocava,
para dentro de 90 dias, as eleições para o 2º período presidencial e Governadores
dos Estados, assim como as primeiras eleições para o Parlamento e Assembléias
Legislativas. Era o chamado "Ato Adicional". Complementando o "Ato". o Governo
baixou o Dec. No. 7.586, de 28 de maio de 1945, regulando em todo o País o
alistamento eleitoral e marcando a data das eleições.
88
Com a deposição de Vargas, sucedeu-o o Presidente do Supremo Tribunal
Federal, Ministro José Linhares, que cuidou da reorganização constitucional do País.
Lei Constitucional no. 13, de 12 de novembro de 1945, "dispõe sobre os
poderes constituintes do Parlamento que será eleito a 2 de dezembro de 1945”;
Lei Constitucional no. 15, de 26 de novembro de 1945, "dispõe sobre os
poderes da Assembléia Constituinte e do Presidente da República". Atribui ao
Congresso Constituinte poderes ilimitados para elaborar e promulgar a Constituição
do país, ressaltada a legitimidade da eleição do Presidente da República, cabendo ao
Presidente exercer todos os poderes de legislatura ordinária e de administração que
couberem à União.
- No dia 5 de fevereiro de 1946, instalou-se a Assembléia Constituinte,
no Palácio Tiradentes. O Constituinte de 1946, ao contrário do que se verificou em
1890-91 e 1933-34, não recebeu projeto de Constituição. Portanto, a Constituinte
iria elaborar o seu próprio projeto, tal como ocorreu com a Constituinte Imperial.
- Tomado em suas linhas gerais, não há dúvida, o projeto suplantava a
Constituição de 1934 e, sob certo sentido, a própria de 1891. No seu conjunto, a
obra não podia ser nem seria deste ou daquele grupo, nem desta ou daquela corrente
ideológica. Teria que ser, isto sim, como em regra todas Constituições o são, obra de
mediação e equilíbrio, meio termo de vontades, denominador comum.
- No dia 18 de setembro de 1946, sete meses e treze dias após a ins-
talação da Constituinte sob a presidência do Senador Mello Vianna, foi promulgada
a 3a. Constituição.
- À Constituição de 46 foram feitas várias emendas pelo Congresso
Nacional. Com o advento da Revolução de 31 de março de 1964, emendas foram
feitas através de Atos Institucionais, que a mantiveram, com as alterações propostas.
- A Constituição de 24 de janeiro de 1967, votada pelo Congresso
Nacional, sob a égide do AI-4, teve como base projeto elaborado por Comissão de
juristas composta por: M. Seabra Fagundes, Orozimbo Nonato e Temístocles
Cavalcanti, e revista pelo Ministro da Justiça Carlos Medeiros, conforme
89
"Exposição de Motivos" que acompanhou a Mensagem presidencial.
- À Emenda no. 1, de 1969, à Carta Política de 1967, outorgada pela
Junta Militar, seguiram-se outras, quer do Congresso, quer do Poder revolucionário,
dentre elas sobressaindo a do chamado "pacote de abril" e a de no. 11, que
possibilitou a atual abertura política no País, com a revogação do AI-5.
V –A convocação de uma Assembléia Constituinte
16 - Duas conferências pronunciadas recentemente na Comissão de Consti-
tuição e Justiça da Câmara dos Deputados, tendo como expositores os renomados
constitucionalistas, Professores Afonso Arinos de Mello Franco e Paulo Bonavides,
focalizaram os principais temas em torno dos quais se formam duas vertentes de
uma corrente de opinião pública sobre a reorganização constitucional do País, a
saber: uma; a que adere o eminente Prof. Afonso Arinos sustenta que "a solução
política para o caso brasileiro não pode ser outra, senão a mais moderada, ou seja, a
convergência das forças da situação e de oposição no Congresso, no sentido ou da
feitura de um projeto global de Constituição, ou da revisão de um projeto que lhe
venha do Governo".
A esta conclusão chegou S. Exa. depois de recordar o Poder Constituinte na
feitura das Constituições brasileiras, tendo em vista duas coisas: "A primeira, é que
o Poder Constituinte em 1823, 1891, 1934 e 1946 foi sempre convocado pelo Poder
Político preexistente, que traçou os lineamentos do futuro texto. A segunda, é que,
como poder instituído e não originário ele sempre funcionou com incumbências
derivadas, procedendo à revisão de textos anteriores".
Outra, a que se filia o Prof. Paulo Bonavides, assevera que: "como soluções
mediatas, tomadas em nome da legitimidade democrática, com o objetivo de
extinguir a crise político-institucional, não poderão alternativamente ser outras
senão estas: a) - conferir poderes constituintes ao futuro Congresso Nacional; b) -
convocar mais adiante uma Constituinte soberana que, em nome do povo ou da
90
nação, exercite o seu poder de criação jurídica fundamental, e, c) - convocar uma
Constituinte não soberana, de poderes limitados, cuja obra ficaria sujeita ao
"referendum" popular".
Dentre as três soluções, o Prof. Bonavides aponta: "a primeira, visto ser mais
branda e representar um desdobramento consideravelmente atenuado da segunda,
passa a ser sem dúvida aquela que, nas circunstâncias atuais do processo político
brasileiro, melhor se recomenda à reconciliação do poder com a legitimidade, da
Revolução de ontem cora a democracia de amanhã. De qualquer maneira, uma
conclusão logo se impõe: não há saída legítima com a Constituição em vigor".
17 - Como se vê, divergem os eminentes Mestres quanto ao
procedimento técnico-jurídico ou ao modo de alcançar o objetivo comum de
redemocratização do País.
Dentre os obstáculos apontados pelo Prof. Afonso Arinos que, de certa
maneira, se antepõem ao exercício amplo dos poderes constituintes pelo atual
Congresso, ele indica os seguintes: "O primeiro é a tese oposicionista da reunião de
uma Assembléia Constituinte. O segundo é a possível hostilidade do Poder
Executivo e de setores militares à elaboração de uma nova Constituição, o que
levaria a maioria governista do Congresso a se opor à iniciativa".
18 - No item 14 deste trabalho, procuramos evidenciar que o problema
atual das nossas instituições políticas é o da legitimidade, rompida com a edição do
AI-5 e da Emenda Constitucional no. 1, de 1969, à Constituição de 1967. Revogado
o AI-5, o problema continua porque a legitimidade institucional decorre não só de
um preceito de direito positivo constitucional, consubstanciado no artigo 1º § 1º, de
que “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido" como de uma
representação coletiva, a qual faz da idéia de legitimidade, consoante a lição de
Duverger, uma "síntese, uma crença, que depende estreitamente das ideologias e dos
mitos difundidos em uma sociedade. Cada ideologia busca definir a imagem de um
91
governo ideal. Ele considera como legítimos os governos que se aproximam desta
imagem, como ilegítimos os demais”.
"Ele determina assim um tipo de legitimidade: há uma legitimidade
monárquica, uma legitimidade democrática, uma legitimidade comunista, etc" (in
Sociologia Política, Forense, Rio, 1968, p. 148). Sustenta, a esse propósito, o
Mestre gaulês: "Pouco importa, na prática, que estas representações coletivas
correspondam ou não à realidade, que sejam ilusórias ou não: o essencial, é a adesão
a elas por parte do grupo social". -. "O grau de valorização é variável, segundo as
instituições. E em geral bastante elevado em relação às instituições políticas. A
política é mais ou menos 'sacralizada': o que quer dizer que está mais ou menos
relacionada com o sistema de valores supremos da sociedade".
"A noção de legitimidade decorre disso" (id. ib. p. 106).
19 - Em síntese: tendo a Constituição de 24 de fevereiro de 1967, na
forma da Emenda no. 1, de 17 de outubro de 1967, emanado de órgão destituido de
legitimidade de outorga constitucional, o caminho certo para superar o impasse
institucional brasileiro, ao nosso ver, será ou a eleição de um Congresso investido de
plenos poderes para a revisão da Carta Política de 24 de fevereiro de 1967, ou então,
conferir poderes constituintes ao Congresso Nacional, a ser eleito a 15 de novembro
de 1982.
Em ambas as hipóteses, tudo se faria atendendo à vontade "daquela porção
de Soberania que essencialmente reside no Povo", a que aludiu D. Pedro I, ao
convocar o Poder Constituinte de 1823, daí em diante, as Constituintes de 1891,
1934 e 1946.
Em parecer emitido no Instituto dos Advogados do Brasil, sobre o cha-
mado "Ato Adicional", editado por Vargas,já nos estertores da ditadura, o eminente
advogado Odilon Braga concluiu do mesmo modo, em solene reafirmação dos
Advogados brasileiros aos princípios básicos da consciência cívica e jurídica da
nacionalidade.
92
VI - O ante-projeto de Emenda, em exame, na íntegra.
20 - Art. 1º - Incluam-se nas Disposições Gerais e Transitórias da Consti-
tuição Federal (Título V) seguintes artigos:
"Art. - É convocada a Assembléia Nacional Constituinte a ser
eleita em 15 de novembro de 1982.
§ 1º - Votada a nova Constituição, a Assembléia Constituinte dará por
terminada a sua missão, separando-se a Câmara dos Deputados e Senado Federal,
que passarão ao exercício da função legislativa.
§ 2º - São preservados os mandatos dos Senadores eleitos pelo voto
popular direto e secreto, que poderão participar dos trabalhos da Assembléia
Constituinte. Todavia, só poderão votar se receberem mandato expresso do corpo
eleitoral para tal fim, manifestado nas eleições de 15 de novembro de 1982, na
forma das instruções que forem baixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
§ 39 - Os mandatos dos Senadores eleitos pelo voto indireto terminarão
com a instalação da Assembléia Constituinte, quando serão substituidos pelos
eleitos em 15 de novembro de 1982. Cada Senador será eleito com o respectivo
suplente
Art. - São preservados os mandatos dos atuais Presidente e Vice-
Presidente da República.
Art. - A eleição de Governadores e Vice Governadores a se realizar em
15 de novembro de 1982 será feita por sufrágio universal e voto direto e secreto,
pelo período de quatro anos".
Art. 2º - Os inciso II e III do § 29 do art. 152 da Constituição Federal
passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 152 -...............................................................................................
§ 2.º .
......................................................................................................
93
II - Apoio, expresso em votos, de cinco por cento (5%) do eleitorado que votar na
primeira eleição para a Câmara dos Deputados que se seguir ao registro dos estatutos,
distribuídos, pelo menos, em nove Estados, com o minimo de três por cento (3%) em
cada um deles.
III - Atuação permanente, dentro do programa, assegurada ampla liberdade de
propaganda, inclusive a gratuita, através das empresas concessionárias dos serviços
de radiodifusão, na forma da lei e das instruções baixadas pelo Tribunal Superior
Eleitoral".
21 - Na hipótese da convocação de uma Assembléia Constituinte, o ante-
projeto atende ao objetivo proposto, e de resto, está conforme com a legislação
adotada para a reunião de outras Constituintes no Brasil.
Outros artigos a serem reformados: com referência à outorga de poderes
constituintes expressos aos atuais Senadores de eleição direta e a limitação do
mandato do Senador de eleição indireta: no primeiro caso, trata-se de providência
oportuna e cabível, na espécie; no segundo, a revogação do mandato indireto seria
conseqüência lógico-jurídica da prevalência do princípio da Soberania do povo,
básico na doutrina democrática e no direito positivo constitucional brasileiro (art. 1º §
1º da C.F.), sem uma razão superior, ou de prudência política ou de natureza
institucional que o justifique, após a reorganização constitucional do País.
Pelas razões expostas acima, parte final, justifica-se a preservação aos
rnandatos aos atuais Presidente e Vice-Presidente da República.
A eleição por sufrágio universal e voto direto e secreto dos Governadores e
Vice-Governadores de Estado a se realizar em 1982 é um dos princípios cardeais não
só do sistema democrático de Governo como da Federação, cujo restabelecimento se
justifica em proveito da autonomia dos Estados.
Embora se encontre em tramitação no Congresso Nacional um projeto de
lei visando à reformulação de Lei Orgânica dos Partidos Políticos, quer-nos parecer
que a emenda proposta não colide com os seus propósitos. Ao contrário disso, daria
94
maior alcance ao objetivo de se organizarem em partido político as tendências e as
correntes de opinião mais expressivas da sociedade brasileira.
As providências condizentes com a lei eleitoral ou organização de partidos
políticos, como se vê dos textos legais relacionados acima, neste trabalho, sempre
precederam a reunião de Assembléias Constituintes no Brasil, em 1823, 1891, 1934 e
1946.
22 - Por fim, se algum aditamento fosse sugerido á idéia consubstanciada
no anteprojeto de emenda à Constituição, em exame, seriam dois; o primeiro, fixando
em 180 dias o prazo da reunião do Congresso Nacional como Constituinte,
continuando as duas Câmaras, a seguir, suas tarefas legislativas normais.
Isto porque: o prazo gasto pelas nossas Constituintes, foram: 1823, 189
dias; 1 891, 99 dias; 1934, 239 dias; 1946, 223 dias, com a média de 162.
Outra sugestão: durante a Constituinte caberia ao Poder Executivo a
legislação ordinária em matéria financeira e administrativa, como ocorreu nas
Constituintes de 1891, 1934, 1946 e no período em que o Congresso Nacional votou a
Constituição de 1967, com base no AI-4. A Constituinte de 1823 tinha também
poderes legislativos ordinários, experimentando dificuldades por isso, a exemplo das
Cortes Portuguesas.
VII - Conclusão
23 - Sem dúvida, atravessamos uma época histórica de excitantes e
perigosos desafios, os quais vão se tornando mais dramáticos na medida em que a
afirmação da identidade nacional se faz num contexto de "aldeia global"
característico do Mundo em que vivemos, onde os interesses é que ditam o rumo das
amizades, felizmente. não em todos casos.
Se a conjuntura econômico-social pesa na avaliação dos rumos a seguir,
a Política é que dará os meios e o modo de absorver os conflitos internos e externos,
95
integrando a sociedade brasileira sob a égide de um estatuto político básico, que
favoreça a criação de instituições firmes para a Liberdade e o Desenvolvimento com
justiça social.
VIl-Recomendações ao Eg. Conselho:
1 - As restrições contidas no artigo 145, do Estatuto da Ordem, em tema de
natureza política, não atingem os pronunciamentos do Conselho Federal, ex vi do
disposto pelo artigo 18, I, do Estatuto, desde que visem contribuir para o
aperfeiçoamento das instituições jurídicas;
2 - de conformidade com o exposto neste parecer, entendemos que a solução
para o problema institucional brasileiro será ou a eleição de um Congresso investido
de plenos poderes para a revisão da Carta Política de 1967, ou então, conferir
poderes constituintes ao Congresso Nacional, a ser eleito a 15 de novembro de 1982.
3 - Nosso parecer é pela aprovação do anteprojeto de emenda à Cons-
tituição, de autoria do Senador Orestes Quércia:
Sala das Sessões, Rio de Janeiro, 14 de novembro de 1979.
Francisco Ferreira de Castro, Conselheiro- relator.
NOTA DO CONSELHO FEDERAL
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, reunido em sessão
Plenária, após debater anteprojeto de emenda à Constituição (Processo CP. NP
2.163/79 - rel. Cons. Ferreira de Castro), convocando uma Assembléia Nacional
Constituinte, em 1982, coincidente com a renovação de mandatos dos representantes
do povo no Congresso Nacional, torna público o seguinte:
1 - Os advogados brasileiros reafirmam o compromisso histórico,
tomado desde os primórdios da nacionalidade, em defesa do Estado de Direito como
96
instituição necessária à realização dos objetivos nacionais nos campos político,
econômico e social. Ontem como hoje, mantêm a crença de que a Liberdade,a
Democracia e a Igualdade constituem princípios básicos indispensáveis à
organização de uma sociedade moderna, livre, democrática e justa, sob a égide de
uma Constituição representativa da vontade soberana do povo.
2. Cônscios da gravidade dos problemas econômicos a serem
enfrentados pelo País, estão certos, por motivação cívica, de que os sacrifícios
exigidos do povo em nome da salvação pública serão igualmente repartidos, sem
distinção de classes sociais ou outros privilégios de qualquer natureza. - Temem, no
entanto, que as crescentes dificuldades advindas do setor externo possam trazer o
desequilíbrio interno, intensificando as disparidades regionais, as tensões sociais e a
violência nas ruas, se as correções necessárias e adequadas não forem feitas com
clarividência e espírito público.
3. Observam que as medidas adotadas nas áreas econômica e social,
visando conter a inflação e atenuar os seus efeitos devastadores, especialmente para
as classes assalariadas e equilibrar o balanço de pagamentos, contrastam com o forte
apelo ao clientelismo eleitoral verificado no campo político, onde se identifica a
tendência de uma regressão histórica à chamada "Política dos Estados", em
detrimento dos superiores interesses da Nação.
4. Solidários com as preocupações das camadas populares e dos demais
segmentos da sociedade civil brasileira, da qual fazem parte, porém, confiantes em
que os atuais desafios serão vencidos, os Advogados defendem para a superação da
crise:
- nos setores econômico e social, o desenvolvimento equilibrado de par
com uma distribuição mais justa dos ganhos sociais e a melhoria da qualidade de
vida para todos os brasileiros; - no setor político, participação do povo nas decisões
nacionais, através de eleições livres e diretas para os cargos executivos e os man-
datos legislativos; e a elaboração de um novo pacto social, que propicie o reencontro
da Nação com o Estado de Direito Democrático.
97
5. Sustentam que na raiz dos problemas brasileiros se encontram a não
observância de um preceito da Constituição vigente, quando diz que “todo poder
emana do povo e em seu nome é exercido", cujo preceito é, ao mesmo tempo, fonte
permanente de inspiração da soberania nacional e garantia da legitimidade do Poder
de mando dos governantes, dentro da sociedade política.
Em razão disso, o Conselho Federal da OAB, colocando-se em sintonia com
os anseios populares e atento ao dever legal de "contribuir para o aperfeiçoamento
da ordem jurídica", indica às Autoridades, como solução para os atuais problemas
político-institucionais e sócio-econômicos brasileiros, a eleição de um Congresso
investido de plenos poderes para a revisão de Carta Política de 1967, ou então,
conferir poderes constituintes ao Congresso Nacional, a ser eleito a 15 de novembro
de 1982.”
A tomada de posição em favor da convocação de uma Assembléia Nacional
Constituinte para reorganizar a vida jurídica e legitimar os poderes dos governantes
no Brasil, teve um significado especial naquele momento, como salientou o ex-
batonnier Maurício Corrêa, “ao lembrar que Ferreira de Castro é o autor da
proposição no Conselho Federal que pede a convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte. E o reflexo de seu trabalho vimos coroado na VIII
Conferência Nacional dos Advogados realizada em Manaus, que de pé aprovou a
moção pedindo essa convocação que virá devolver à Pátria os caminhos da
igualdade, justiça e direito, através da eleição de representantes que realmente
representem a vontade soberana do povo”. (“Voz do Advogado”, julho/80, pág.07).
Após a VIII Conferência Nacional da OAB realizada em Manaus, ao fim da
qual , de pé, numa cena de rara unanimidade, os advogados decidiram-se pela
convocação da Assembléia Nacional Constituinte, em entrevista ao jornal Voz do
Advogado (junho/80 p.03), o presidente do Conselho Federal Eduardo Seabra
Fagundes comentou aquele extraordinário fato que se tornou histórico na vida da
Ordem: “ Tivemos desde o velho Sobral Pinto, os veteranos Victor Nunes Leal,
98
Evandro Lins e Silva e Miguel Seabra Fagundes até as gerações mais novas. Seria
injusto distinguir teses. Achei de um modo geral as teses de uma qualidade
excepcional.
Foi um belo exemplo de como as várias gerações de advogados trasnsmitem
umas às outras os mesmos ideais e conseguem manter o mesmo espírito, a mesma
unidade ao longo dos tempos e das gerações”
Convocada pelo presidente José Sarney e eleita a Assembléia Constituinte em
1986, teve o país a oportunidade de por dois anos debater os seus problemas,
contando com a participação de todos os segmentos da sociedade civil organizada,
tendo a Ordem contribuído de maneira efetiva para esse fim no Congresso
Constituinte.
Por oportuno, é relevante salientar que o Relator - geral da constituinte foi o
ex-presidente da OAB, Deputado Bernardo Cabral, um dos mais ilustres Advogados
brasileiros, que honrou as tradições e os sentimentos da classe como relator da
chamada “Constituição Cidadã”, conforme a chamou o pranteado Deputado Ulysses
Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte de 1986.
4- DIREITOS HUMANOS
Historicamente, os direitos humanos gozam de uma tradição cultivada ao
longo do tempo pela filosofia política e axiologia jurídica, como um dos valores
fundamentais da pessoa humana a serem respeitados pelo Estado onipotente. É a
tradição humanista que, vinda da filosofia greco-romana e cristã, inseriu-se no
pensamento político e no Direito, fazendo parte da chamada civilização Ocidental.
Os seus ideais, após muitas lutas, concretizaram-se no Bill of Right, na
Inglaterra; na Declaração de Diretos Americana, de 1776; na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, França, em 1789; e depois da Segunda Grande
99
Guerra Mundial, na definição das 4 liberdades formulada por Franklin D. Roosevelt,
como “freedom of” e “freedom from” em discurso proferido em 6 de janeiro de
1941; na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na
cidade de Bogotá, em maio de 1948; na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, aprovada pela ONU, a 10 de dezembro de 1948, quando foram
internacionalizados os Direitos do Homem e mandados observar pelos Estados
Nacionais que aderissem àquele Pacto.
Consoante o artigo XXV. I da Declaração Universal editada pela ONU, “todo
homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família,
saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, os
serviços sociais indispensáveis e direito a segurança em caso de desemprego,
doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.
Essa regra a que aderiu a Constituição Federal de 1988, não é somente uma
declaração de intenção, nem apenas uma programação, mas constitui um direito
subjetivo do cidadão brasileiro que pode ser reclamado ao Estado perante o poder
Judiciário. Fazem parte da categoria de direitos do cidadão,- os assim chamados
direitos individuais, civis, sociais, coletivos ou difusos –os quais são: uns,
concebidos como oponíveis ou contra o Estado; outros, os que se realizam no
Estado; e os terceiros, são aqueles direitos cuja realização se dá pela ou através da
ação do Estado em beneficio de todos os membros da comunidade.
Na verdade, a fruição desses direitos é um assunto de natureza complexa,
especialmente quando se trata da elaboração de um Direito justo. Na origem do
problema está a questão de saber se o Direito e o Estado são para o homem, ou se
pelo contrário, o homem é para o Direito e o Estado. São concepções de vida
divergentes, antitéticas e irreconciliáveis em seus princípios, chamadas de:
personalismo ou humanismo e transpersonalismo, de acordo com o ensinamento do
100
jusfilósofo Luiz Recasens Siches no seu Tratado General de Filosofia Del Derecho .
( Porrua, México, l965-497).
A tese personalista ou humanista, que sufragamos, não nega que na cultura,
no Direito e na coletividade se encarnam valores muito importantes; porém, o que
sustenta sem hesitação é que esses valores que plasmam a cultura e o Estado, ainda
que sejam grandemente elevados, são inferiores aos valores que se realizam na
consciência do homem ao longo da história.
Com a participação maciça dos Advogados de Brasília, de outros Estados e até
do exterior, realizou-se no Distrito Federal a I Conferência Internacional de Direitos
Humanos em 1997. No encerramento dos trabalhos daquele grandioso encontro, no
qual esteve presente o argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de
1990, citando o sociólogo brasileiro Josué de Castro para mostrar o quadro de
violência da América Latina, enfatizou: “os pobres não dormem porque tem fome,
os ricos não dormem porque tem medo dos que tem fome”, como uma triste
realidade do nosso tempo contra qual é necessária uma luta sem tréguas. Leu, sob
aplausos, a “Declaração de Brasília”, integrante de um documento assinado pelo
presidente nacional da OAB – Ernando Uchoa Lima, o qual vai transcrito na íntegra,
a seguir:
DECLARAÇÃO DE BRASÍLIA
“Ao final do século XX, há mais de duzentos anos de Declaração
francesa e há quase cinqüenta da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, discutir direitos humanos é sinal da nossa tragédia.
Direitos humanos são direitos de todos, sem distinção de cor,
sexo e idade, de credo e condição social: direito à alimentação, ao
trabalho, à educação, à saúde, à habitação, à oportunidade de viver
feliz.
101
Os próprios animais, quando saciados, sabem pôr limites à
competição. A ética (não a força), o direito (não o mercado) são meios
humanos de superar-se a barbárie.
A educação para os direitos humanos é um dos elementos
indispensáveis à construção de uma sociedade fraterna e solidária.
Mais importante do que a divulgação das violações é que se
conscientize o povo de seus direitos.
Não nos intimidemos diante desse desafio: o de fazer triunfar a
inteligência sobre os mecanismos de discriminação e de exclusão. Não
existe fatalidade para o homem, senão a da sua própria liberdade. Pior
do que a exclusão seria nos conformarmos com ele. E o pior do que a
resignação, seria assumi-la com a indiferença ou a justificação. Não
acrescentemos á crueldade das condições sociais injustas, o fel da
rejeição, da intolerância, da presunção arrogante. A ser assim, não
haverá polícia ou blindagem que nos proteja.
Em face da globalização, afirmamos a universalidade da
dignidade da pessoa humana. Busquemos os meios de sujeitar a técnica,
de estender a todos os benefícios do sistema produtivo, de distinguir na
unidade as nossas diferenças, e, na multiplicidade, as marcas do destino
comum da humanidade.”
5 - JUSTIÇA SOCIAL
Há quem entenda, não sem parcial razão que o Direito serve de freio à
aceleração da história, e que considerada como um todo, a classe dos juristas
constitui um segmento conservador dos valores dominantes numa sociedade.
A observação, de certo, não soa como elogio, de modo particular em uma
sociedade carente de urgentes e fundamentais transformações como é a nossa. “Se é
certo que ao advogado não cabe, enquanto profissional do direito e cidadão, um
102
papel de atuação direta na decisão política das transformações reclamadas em
caráter de urgência, a acusação de frear a dinâmica histórica em nome da
estabilidade não pode ser admitida passivamente”, escreveu o advogado Antonio
Carlos Osório, ex-presidente da OAB/DF.
A acusação, justa ou injusta, conforme as circunstâncias históricas, funda-se
no pressuposto da neutralidade axiológica do advogado em relação à norma jurídica,
no seu comportamento de mero instrumento técnico para a incidência da norma a ser
aplicada.
Os advogados, no entanto, não podem aceitar essa limitação, essa redução de
suas funções sociais ao mero tecnicismo jurídico, de aplicação mecânica de um
direito a cujos fins seriam alheios, e de cuja formação estejam ausentes, como se a
função do advogado não tivesse como objetivo precípuo a justiça, objetivo maior do
bem comum na sociedade.
Sem dúvida que a Ordem dos Advogados e aos seus filiados incumbe no
presente momento histórico nacional, a par de continuar sua firme defesa das
liberdades públicas, um dever ainda maior, um passo além. De par com a luta pela
construção do Estado Democrático de Direito, um outro combate maior e mais
difícil se lhe apresenta: o combate pela Justiça Social, em todos os níveis, como
parte de um processo em que a baliza orientadora é atingir a igualdade e a
solidariedade entre os Homens.
Como contribuição valiosa sobre o tema, transcrevemos trechos do magnífico
estudo feito por um dos colegas da OAB-DF de saudosa memória, o advogado
Inezil Penna Marinho, sob o título JUSTIÇA SOCIAL E SOCIEDADE JUSTA, em
tese apresentada à IX Conferência Nacional dos Advogados do Brasil, realizada em
Florianópolis, 1982, a seguir:
PROLEGÔMENOS
“Embora a JUSTIÇA SOCIAL e a SOCIEDADE JUSTA se encontrem nos
103
seus fundamentos filosóficos, no Direito Natural, que inspirou a questão dos
"direitos humanos", há entre elas diferenças fundamentais, sobretudo quanto às
áreas do pensamento humano de que se originam e nos processos pertinentes a cada
qual.
A JUSTIÇA SOCIAL caracteriza-se por pretender corrigir as grandes
distorções ocorridas numa sociedade, diminuindo as distâncias e diferenças entre as
diversas classes que a constituem. Trata-se de expressão originariamente criada
pelos economistas, que une a moral à distribuição das riquezas, em conseqüência do
que resulta ser a miséria imoral.
A SOCIEDADE JUSTA repousa sobre pressupostos jurídicos, alicerçados no
Direito Natural, que consideram o homem como o centro de seu estudo e
desenvolvimento, nele reconhecendo os direitos milenares de que é repositório, a
dignidade a que faz jus e o respeito que deve merecer.
No presente trabalho, procuramos contribuir para a concepção de uma Teoria
do jus justum, sobre a qual há de repousar a SOCIEDADE JUSTA, apreciando os
três estádios por que passa o Direito Justo: divino, clássico e racional. Sobre tais
fundamentos, levantamos os pressupostos que julgamos indispensáveis, para o
estabelecimento de uma SOCIEDADE JUSTA.
Para chegar à análise da experiência soviética, baseada no marxismo-
leninismo, apreciamos sucintamente a evolução do estoicismo ao marxismo, tendo
por traço de união o cristianismo. E, a seguir, estudamos a estrutura do Estado
Soviético, analisando pontos de maior realce insertos em sua última Constituição.
Finalmente, agora, quando se sugere uma ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE,
para a elaboração de nova CONSTITUIÇAO BRASILEIRA, oportuno se nos parece
nela inserir os pressupostos de uma SOCIEDADE JUSTA, inspirada no Cristianismo,
a única capaz de fazer o povo brasileiro realmente feliz.
E esta é a razão pela qual resolvemos submeter o presente trabalho à
apreciação da 9º CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL, para sofrer críticas e o necessário acrisolamento.
104
DIFERENÇA ENTRE NOÇÃO DO JUSTO
E O SENTIMENTO DO JUSTO
O sentimento do justo e do injusto, fulcro do Direito Natural, sempre existiu
no homem desde priscas eras. Leon Duguit, embora faça restrições ao Direito
Natural, reconhece essa existência:
"A noção do justo e do injusto é infinitamente variável... Mas o sentimento do
justo e do injusto é um elemento permanente da natureza humana. Encontra-se ele
em todas as épocas e em todos os graus de civilização, na alma de todos os homens,
os mais sábios e os mais ignorantes. Este sentimento de justiça é variável nas suas
modalidades e nas suas aplicações, mas é geral e constante no seu fundo, que é ao
mesmo tempo proporção e igualdade. Ele é de tal modo inerente à natureza social e
individual do homem, que é, por assim dizer, uma forma da nossa inteligência
social... O homem não pode representar as coisas senão sob o ângulo da justiça
comutativa e distributiva. Esta representação, em alguns obscura, incompleta,
balbuciante, noutros clara, a se exprimir forte e nitidamente, existe em todo homem
e em todos os tempos".
A distinção entre a noção do justo e o sentimento do justo é fundamental, pois
é possível ter o sentimento do justo sem ter a noção do justo. Assim, Duguit tem
razão nas considerações que a respeito suscita e que devem servir como um convite
à meditação. O sentimento do justo é inato, enquanto o conhecimento do justo pode
ser adquirido, variando em extensão e profundidade segundo o interesse de cada
qual. Por mais simples e humilde que um homem possa ser, nada impede que tenha
um elevado sentimento do justo.
ESTÁGIOS DO DIREITO JUSTO
O justo representa o elo entre o Direito Natural e o Direito Positivo, pois o
105
Direito Positivo, quando justo, realiza o Direito Natural na sociedade. Em última
análise, o Direito Positivo justo é Direito Natural
Por intermédio do justo, poderemos, conseqüentemente, encontrar um
denominador comum entre jusnaturalismo e o historicismo.
O Direito justo sofre um processo de acrisolamento através dos tempos,
passando por três estádios característicos:
1 - Teológico (divino), que se inicia com a mitologia e que tem nos grandes livros ou
antigos códigos a sua cristalização, consagrando-se com o Deuteronômio e o
Corão, vigentes até hoje.
2 - Filosófico (clássico), que principia com Sócrates, aperfeiçoa-se com Platão e
Aristóteles e coroa-se com Epicuro e Cícero.
3 - Jurídico (racional), que começa com Grócio e tem em Stammler a sua máxima
expressão.
CONTRIBUIÇÃO PARA UMA TEORIA DO IUS IUSTUM
Ao apresentarmos a possibilidade de uma Teoria do Ius lustum, teremos de
admitir necessariamente o Direito Natural como seu fundamento.
A concepção de forma e matéria de Aristóteles permite-nos admitir, em
Direito, a existência de uma forma pura (ideal imutável) e da matéria (conteúdo
variável ). Para nós, o Direito Natural seria a forma pura do Direito e, por isso,
eterno e imutável; inerente ao homem e dele imanente. Direito Positivo seria a
matéria do Direito, representado pelas leis e, por isso, variável no tempo e no
espaço. A forma é ó princípio (fundamento) e o fim (objetivo), que se aspira
alcançar. A matéria é o meio (leis), que se elege para alcançar aquele fim. E nem
sempre o meio escolhido é o mais adequado à consecução do fim. se as leis são jus-
106
tas, há uma adequação do meio ao fim e ambos se harmonizam, o que significa dizer
que a lei positiva, por seu conteúdo natural, interpreta o Direito Natural.
O Justo ultrapassa os limites do Direito porque envolve a Moral e outros
setores da vida social, como, por exemplo, a Economia e a Política. Assim, Direito
Justo é a parte do Justo pertinente ao Direito.
Para Stammler, "o direito justo é um direito natural de conteúdo
variável".Para nós, o Direito justo é eterno, e imutável, perene, invariável, porque se
baseia no sentimento do justo, que é intrínseca à natureza do homem.
Preciso se torna distinguir, como já o fazia Aristóteles, o direito por natureza
do direito por lei. Divide ele o Direito válido no Estado em duas partes. Esta última
parte não é Direito em virtude da lei positiva, senão pela natureza e por isto vale
igualmente em todas as partes, independentemente da opinião dos homens. O
Direito natural é universal, não escrito. Há duas classes de leis, uma das quais é pe-
culiar a cada povo, enquanto a outra é universal e existe pela natureza mesma, pois
há coisas que, em todos os povos, valem naturalmente como justas ou injustas, ainda
quando não haja medido nenhuma inteligência, nem se haja celebrado nenhum
contrato sobre isto. E cita como exemplo a célebre passagem de Antigona, evidência
de que, entre os gregos, na época de Sófocles, o Direito natural tinha o valor de um
direito propriamente divino, contra o qual de nada valia a declaração do homem A
lei natural está por cima da lei positiva e serve, às vezes, para suprir as faltas desta.
A existência do Estado é indispensável para que a justiça seja suficientemente
cumprida.
Cremos que poderíamos ordenar as idéias, a respeito, da seguinte forma:
justo, jurídico, legal. A idéia suprema é a do justo à qual está subordinada o
juridico. É jurídico o que for justo. Assim, jurídico é a manifestação do justo numa
norma destinada a obrigar coercitivamente. Se a norma obrigatória não é justa, não
pode ser jurídica. Ela poderá ser imposta de forma legal, mas isto não a transforma
em justa. E esta é a razão por que o legal poderá ser justo, mas nem tudo que é legal
é justo.
107
O ius justum é imutável no tempo e no espaço, porque a sua fonte é o homem;
o legal é de conteúdo variável no tempo e no espaço porque a sua fonte é o Estado.
O primeiro pertence ao Direito natural e o segundo ao Direito positivo. Os conflitos
entre o justo e o legal são, conseqüentemente, as divergências entre o Direito
Natural e o Direito Positivo, ou seja, a natureza do homem e a natureza do Estado.
Mas, como já admitia Aristóteles, o Estado é indispensável para que o homem possa
fruir o justo. A "Carta Universal dos Direitos do Homem" e uma tentativa no sentido
de fazer com que os Estados respeitem os direitos fundamentais do homem; isto é, o
jus justum.
O jus justum desdobra-se em dois aspectos: o justo individual e o justo social.
O primeiro procura assegurar ao homem o indispensável à sua sobrevivência,
satisfazendo às suas necessidades fundamentais e primárias que, no Direito positivo,
se caracteriza pelo chamado estado de necessidade, constituindo uma das exclu-
dentes de criminalidade. O justo social contempla a integração do indivíduo na
sociedade, assegurando-lhe os direitos que emanam do contrato social de que é
parte, uma vez que confia ao Estado a sua liberdade individual, a sua força de
trabalho, a produtividade de seus bens, esperando merecer, em troca, a Justiça
Social, capaz de lhe propiciar viver com segurança, dignidade e liberdade
compatível esta com a dos demais membros da comunidade.
O ius justum funde o divino, o racional e o jurídico, que constituem apenas
estádios de sua evolução, através do espaço e do tempo. O tus justum é uma porta
aberta à compreensão mundial porque ele sempre existiu, existe e existirá na alma
de todos os povos.
DIFERENÇA ENTRE JUSTIÇA SOCIAL
E SOCIEDADE JUSTA
A idéia simplista do Direito Justo ou a requintada Teoria do Direito Justo,
tanto aquela como esta encontram no Direito Natural os seus fundamentos
108
filosóficos. O sentimento do justo e depois a noção do justo transcendem do campo
jurídico, sobretudo no século XIX quando do surto da industrialização, para
impregnar o espírito dos economistas. E é assim que nasce a expressão JUSTIÇA
SOCIAL, adotada pelos economistas, que consideram a ciência econômica como
tendo por objetivo descrever os fenômenos referentes à distribuição das riquezas de
acordo com critérios morais. O relacionamento riqueza-moral torna-se muitíssimo
importante e serve para caracterizar a miséria como imoral.
A JUSTIÇA SOCIAL, conseqüentemente, pretende corrigir as grandes
distorções ocorridas numa sociedade, diminuindo as distâncias e diferenças entre as
diversas classes, que a constituem. Evitar que os ricos se tornem cada vez mais ricos
e os pobres cada vez mais pobres, oferecer idênticas oportunidades a todos,
perseguir a igualdade de direitos entre os cidadãos, abolir os privilégios de alguns,
pregar a fraternidade e a solidariedade humanas, assegurar remuneração condigna ao
trabalho - evitando a sua espoliação pelo capital -, distribuir equitativamente e pro-
porcionalmente os favores e riquezas do Estado, tais são alguns dos objetivos
colimados pela JUSTIÇA SOCIAL.
Há que considerar ainda que a expressão JUSTIÇA SOCIAL ficou
impregnada de sabor político, quando os ditadores - Vargas, no Brasil, e Perón, na
Argentina - dela fizeram o seu instrumento, para, demagogicamente, inebriar o povo
com promessas nas quais se alçavam como o seu supremo e único distribuidor.
A SOCIEDADE JUSTA implica uma estrutura jurídica fundamental, na qual
repousam seus pressupostos, inspirados no Direito Natural, o que facilitaria a sua
assimilação por todos os povos, uma vez que consideram o homem como o centro
de seu estudo e desenvolvimento, nele reconhecendo os direitos milenares de que é
repositório, a dignidade a que faz jus e o respeito que deve merecer. E poderíamos
repetir com Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas".
Concluindo, a JUSTIÇA SOCIAL encontra as suas origens e fundamentos nas
doutrinas econômicas, enquanto a SOCIEDADE JUSTA repousa seus alicerces na
Teoria do Direito Justo, eminentemente jurídica.
109
OS PRESSUPOSTOS DE UMA
SOCIEDADE JUSTA
Uma Teoria do Direito Justo (jus justum) seria meramente especulativa, se
não oferecesse ensejo para que, sobre seus princípios e fundamentos, pudesse
repousar a Sociedade Justa, com que os homens, sobretudo os filósofos, sonharam.
Banir para sempre a violência da face da Terra, como queria Hesiodo,
conseguir a igualdade e a fraternidade dos homens, como pregava Cristo, apagar
nos corações humanos a chama multimilenar de ódios irracionais, como desejamos
nós e tantos outros, para que a humanidade encontre o seu grande destino e a sua
própria finalidade.
Para isso, necessário se torna lançarmos as bases estruturais de uma
SOCIEDADE JUSTA, resultado da aplicação de uma Teoria do Direito Justo, isto é,
a prática da teoria ou a teoria na prática.
A Sociedade Justa caracteriza-se por estar estruturada para assegurar a cada
membro o mínimo de que ele carece, individual e socialmente, não apenas para
sobreviver, mas para viver condignamente. Como o homem integra o mundo e este
o universo, os pressupostos naturais precisam contemplar esse tríplice aspecto -
HOMEM, MUNDO, UNIVERSO - e demonstrar a interdependência que entre eles
existe. De um lado a lei eterna que expressa a ordem do mundo e de outro a lei
natural, que permite ao homem julgar o bom e o mau, segundo a sua natureza de
animal racional.
Esquematicamente, assim poderemos apresentar os pressupostos naturais da
Sociedade Justa.
Direito à vida
Direito à alimentação
Como ser lndividual Direito à liberdade
Direito à habitação
110
PRESSUPOSTOS
Direito ao trabalho e lazer
Como ser Social Direito à educação
NATURAIS Direito à eleição
Direito à segurança
Do Meio Ambiente Ecologia terráquea
(equilíbrio interno)
Ecologia universal
(equilíbrio cósmico)
Em uma Sociedade Justa, o Homem, como ser individual, deve possuir os
seguintes direitos:
a) Direito à vida - Ninguém poderá matar ninguém, admitida, no entanto, a legítima
defesa. Não existirá pena de morte, nem qualquer forma de tortura, assegurando-se
a todos a sua integridade física.
b) Direito à liberdade - Não apenas o direito de ir e vir está aqui compreendido, mas,
e sobretudo, o direito de expressão do pensamento pela palavra escrita ou falada.
c) Direito à alimentação - Ninguém morrerá de fome ou sede e os carentes de recursos
terão sua subsistência assegurada pelos demais membros da comunidade, enquanto
durar a carência.
d) Direito à habitação - O homem da cidade terá direito a teto e o homem do campo à
terra, conforme seja operário ou camponês, de modo tal que a família fique sa-
tisfatoriamente protegida das intempéries. O instituto do usucapião deverá ser
reapreciado.
Como ser social, serão assegurados ao Homem estes direitos.:
111
a) Direito à educação - A educação de 1º grau será obrigatória e gratuita para todos; a
educação de 2.º grau e a superior não terão caráter obrigatório, mas serão fa-
cultadas a todos sem discriminação de qualquer espécie.
O analfabetismo será combatido compulsoriamente.
b) Direito ao trabalho e ao lazer - O trabalho é obrigatório, mas não compulsório,
sendo as profissões de livre escolha e respeitado o seu exercício. O trabalho
heurístico merecerá proteção especial. O direito ao lazer está legalmente protegido.
c) Direito à eleição - O direito de eleger e ser eleito será assegurado a todos os
membros da comunidade.
d) Direito à segurança - Os governantes assegurarão aos governados a necessária
segurança, que os preservará de qualquer violência ou espoliação. A família e a
propriedade serão preservadas e garantidas como instituições indispensáveis ao
equilíbrio social.
Caberá ao Estado exercer a sua autoridade para garantir aos membros da
Sociedade Justa o que a Constituição lhes assegura e esta só deverá ser modificada por
plebiscito.
A preservação do meio ambiente é indispensável à sobrevivência do homem,
razão pela qual se inclui entre os pressupostos de uma Sociedade Justa. A ecologia
terráquea deve preservar o homem sobretudo da poluição atmosférica, da
contaminação dos rios, mares e oceanos, das devastações florestais, do excesso de
ruídos (poluição sonora) e de outras incidências capazes de sobre ele atuar
funestamente. O homem não deve matar o ambiente em que vive (ecotanásia).
O equilíbrio cósmico é indispensável à preservação da Terra e ao respeito às
leis universais, às quais o sistema está subordinado. A saturação de satélites e outros
112
corpos orbitais caracteriza uma forma de poluição cósmica, que poderá ter efeitos
catastróficos sobre o globo terráqueo.
E tais são os pressupostos de uma sociedade justa na qual o homem se poderá
sentir feliz.
EVOLUÇAO DO ESTOICISMO AO MARXISMO
Estoicismo
O estoicismo - conjunto de doutrinas filosóficas, modo de vida e concepção
do mundo - é uma escola filosófica greco-romana e, ao mesmo tempo, uma
constante na história do pensamento ocidental.
Do ponto de vista ético, apresenta-se superior às idéias socrático-platónico-
aristotélicas, pois prega a igualdade natural dos homens, repudiando a tese da
desigualdade natural dos homens, até então admitida pelos filósofos clássicos da
Grécia. Ao propagar a igualdade natural entre os homens, o estoicismo antecipa-se
ao Cristianismo ao desfraldar a bandeira da fraternidade universal.
Cristianismo
O Cristianismo aceitou como verdade o que a razão natural exige, mas trouxe
fontes novas de conhecimento que, aplicadas à esfera do Direito, derramaram
abundante luz. Segundo a doutrina de São Paulo, também os pagãos, aos quais falta
a lei escrita mosaica, têm uma lei escrita em seu coração; Deus mesmo a escreveu e
conforme ela serão julgados no dia da recompensa. Esta doutrina foi desenvolvida e
profundamente explicada em muitas passagens pelos Padres da Igreja. O
Cristianismo pode ser definido como a síntese das normas, princípios, idéias, con-
vicções, que constituem o ideário de fé, de esperança e de ética pregadas por JESUS
113
CRISTO.
Renan, em sua obra "Vie de Jesus", faz urna critica na qual pretende expurgar
da vida de Jesus os milagres que lhe são atribuídos, apresentando-o simplesmente
como homem, como pregador de uma nova forma de vida, representada pela
fraternidade universal. Reunindo escravos e senhores, gregos e romanos, pobres e
ricos, brancos e negros, o Cristianismo abre-lhes os braços e acolhe todos como
irmãos, sem qualquer distinção, realizando o sonho da igualdade dos homens sobre
a terra.
Comunismo e Marxismo
Em princípio, o comunismo caracteriza toda organização econômica e social
cuja base é a propriedade comum, em oposição à propriedade privada, individual, e
a intervenção ativa da sociedade na vida dos indivíduos. Assim são as concepções
de Platão e de Thomas Morus.
Segundo o Manifesto Comunista de KARL MARX e FRlEDRICH ENGELS
(1848), o comunismo representa a doutrina expressa pela abolição dos bens
individuais de raiz (propriedade individual) e de herança, pela coletivização dos
meios de transporte e de produção, pela educação pública, pela organização do
crédito por parte do Estado e pelo alistamento dos trabalhadores sob sua direção.
O comunismo não é apenas uma doutrina política, mas muito mais do que
isto, uma vez que integra todo um sistema filosófico, construído por EngeIs e
atualmente adotado por todos os paises do leste europeu, sob a liderança da União
Soviética, e que serve de catecismo aos Partidos Comunistas espalhados por quase
todos os países do mundo, da qual o materialismo histórico ~ é uma aplicação
particular; estabelece ele a subordinação de todos os fenômenos humanos aos da
vida biológica. Assim concebido, "Dialético" nesta fórmula, opõe-se a "Metafísico",
como o dinâmico ao estático. A segunda limitação específica deste materialismo (o
do século XVIII) consistia em considerar o mundo como processo, como matéria
114
incluída em um desenvolvimento histórico. Isto correspondia ao nível que tinham
alcançado nessa época as ciências naturais e a maneira metafísica, isto é, antidialé-
tica de filosofar, que resultava disso.
Michel Villey, professor da Universidade de Paris, afirma com muita
propriedade: "O marxismo contém um vestígio de messianismo cristão: a idéia de
um paraíso que seria de perfeita fraternidade, a fusão de uns com outros, os homens
achando-se liberados de toda diferenciação social".
Em última análise, o comunismo seria um processo de realização de uma
verdadeira utopia em que todos os homens seriam iguais não apenas perante a lei,
mas, e sobretudo, para o suprimento de suas necessidades vitais, ou seja do ponto de
vista de suas necessidades primárias, dentre as quais habitação, alimentação,
vestuário, educação e trabalho. É neste aspecto que se estabelece uma relação entre
o Direito Natural e a Filosofia comunista, apresentando esta pontos básicos sobre os
quais repousa a filosofia do humanismo social cristão.
Kelsen, analisando o "princípio de justiça comunista formulado por Marx",
tece as seguintes considerações: "Como uma ordem social comunista é, em primeira
linha, necessidade de alimentação, de vestuário, de habitação etc., o ideal comunista
de justiça é, antes de tudo, o ideal de segurança econômica de todos os membros da
comunidade, o qual apenas pode ser realizado através da economia planejada e não
por meio da economia livre do sistema capitalista. Também o ideal de justiça
comunista pressupõe, como a norma de justiça que manda dar "a cada um o seu",
uma ordem social sem a qual não pode ser aplicada. Todavia, sobre o conteúdo das
suas determinações, sem as quais nem o postulado "cada um segundo as suas
capacidades" pode obter satisfação, este princípio de justiça diz-nos tanto como a
fórmula "a cada um o seu" nos diz sobre o que deve ser havido como o "seu" de um
nada nos diz.
Do ponto de vista filosófico, sustenta Marx: que não basta interpretar o
mundo, é preciso modificá-lo.
Se para Protágoras o homem é a medida de todas as coisas para Marx "o
115
homem ultrapassa infinitamente o homem”.
TERCEIRA PARTE
DESAFIOS PARA O FUTURO
1 - Perfil do advogado brasileiro: presente e futuro
Uma pesquisa nacional determinada pelo Conselho Federal da OAB,
conduzida pelo Instituto de Opinião Vox Populi, durante o mês de abril de 1996,
considerados os quesitos aprovados pelo CEJ do Conselho Federal da OAB, e a
Portaria nº 526, de 09 de abril de 1997, do Ministério da Educação e do Desporto,
aprovou e divulgou o perfil delineado para o graduando do curso de Direito, pela
comissão do exame nacional do curso de Direito, que serve de subsidio para o perfil
do profissional que se pretende alcançar:
a) - formação humanística, técnico-jurídica e prática indispensável à
adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico e das
transformações sociais;
b) - censo ético profissional, associado à responsabilidade social, com a
compreensão da causalidade e finalidade das normas jurídicas e da busca
constante da libertação do homem e do aprimoramento da sociedade;
c) - capacidade para equacionar problemas e buscar soluções harmônicas
com as exigências sociais;
d) - capacidade de desenvolver formas extra-judiciais de prevenção e solução
de conflitos individuais e coletivos;
e) - visão atualizada do mundo e, em particular, consciência dos problemas
116
nacionais.
Com relação à atividade profissional do advogado, verifica-se que se trata na
grande maioria dos casos de uma atividade autônoma e individual, sem embargo das
exigências do mercado indicarem, como mais adequado para o momento a atuação
em firmas de advogados - law firms - organizadas, atendendo às diversas
especialidades dos ramos de Direito.
A atuação do advogado de modo geral prende-se aos ramos do Direito civil,
comercial, trabalho, tributário, comercial, administrativo e previdenciário. Há, sem
dúvida, novas exigências mercadológicas que indicam a inclusão dos ramos do
Direito constitucional, agrário, financeiro, internacional, eleitoral, ambiental e
outros, que surgem como opção profissional de grande importância, especialmente
tendo em vista o fenômeno da globalização e da formação do Mercosul, os quais
trazem muitas e variadas oportunidades para a advocacia. É de se registrar que o eg.
Conselho Federal da OAB, ao editar o Provimento n. 9l / 2000, restringiu a atuação
de escritórios estrangeiros de advocacia no País, os quais têm aumentado
proporcionalmente à inserção da economia nacional no modelo globalizado. De
acordo com o citado Provimento n. 91, ficou restrita a atividade dos advogados
estrangeiros ao serviço de consultoria sobre a legislação do país em que atuam
originalmente, sendo vedadas as atividades características do advogado brasileiro.
Deve ser considerado ainda o mercado de trabalho criado com as
privatizações, levadas a efeito pelo Governo, assim como as parcerias organizada no
setor produtivo e de serviços, as quais se desenvolvem rapidamente com a entrada
do capital estrangeiro na compra de empresas privadas nacionais, assim como com a
atuação na bolsa de valores.
Sem dúvida este campo de trabalho tem grande futuro e é compensador.
Porém exige formação adequada e qualificação profissional, domínio de línguas
estrangeiras e o conhecimento de leis e práticas do comércio internacional. .
Como dificuldades para o exercício da profissão, o que toca mais de perto ao
advogado é a morosidade da justiça, sem embargo do bom aparelhamento de uma
117
infra-estrutura informatizada capaz de oferecer maior celeridade à tramitação dos
processos e, em conseqüência, na prestação da justiça. Apesar disso, os advogados,
se dizem satisfeitos com a profissão, embora seja necessário pugnar
permanentemente não só pela melhoria do atendimento e da infra-estrutura física do
Judiciário, como e principalmente pela qualificação do nível intelectual e ético dos
advogados.
No que diz respeito aos ganhos que o profissional do direito pode obter no
exercício da profissão, é interessante consignar aqui o resultado de uma pesquisa
nacional feita pela revista Veja, edição nº 1.657, de 12/07/2000, pág.104, que
encontrou entre os ricos no país com renda superior a meio milhão de reais anuais
declarada à Receita Federal, por profissão, os seguintes resultados: diretor de
empresa, 697; tabelião, 237; serventuário de justiça, 205; advogado, 193;
engenheiro,177; proprietário de imóvel, 110; administrador, 98; economista,83;
comerciante, 81; membro do poder legislativo,76; funcionário público aposentado,
61; industrial, 57; bancário e economiário, 55; médico, 53; jornalista, 20; procurador
e assemelhados,6; analista de sistema, 3; odontólogo, 3; delegado de polícia,1.
Dentre os de formação jurídica, que fazem política a nível nacional no
Congresso (Senado Federal e Câmara dos Deputados), cada uma das casas do
Legislativo, por profissão, apresenta este perfil na atual legislatura, SENADO
FEDERAL: empresário, 23; advogado, 16; geólogo, 2; professor, 6; economista, 9;
engenheiro, 7; médico, 7; bancário, 2; delegado de polícia, 1; sociólogo, 1;
veterinário, 1; radialista, 1; jornalista, 1; metroviário,1; sem dados, 2; total, 81.
CÂMARA DOS DEPUTADOS: empresário, 143; advogado, 92; médico, 58;
engenheiro, 44; professor, 34; economista, 27; jornalista, 16; administrador, 11;
servidor público, 11; pastor, 11; metalúrgico, 6; militar, 4; bancário, 5; contador, 3;
sociólogo, 3; assistente social, 3; trabalhador rural, 3; radialista, 2; diplomata, 2;
técnico agrônomo, 2; arquiteto, 2; estudante, 2; comerciário, 2; delegado de polícia,
2; músico, 1; farmacêutico, 1; técnico industrial, 1; técnico telecomunicações, 1;
padre, 1; aposentado,1; odontólogo,1; rodoviário, 1; ferroviário,1; eletrotécnico, 1;
118
juiz de paz, 1; corretor de imóveis, 1; geólogo, 1; gráfico,1; sem dados, 11; total,
513.
Como se evidencia dos quadros expostos acima, tanto o advogado que se
dedica ao exercício diuturno e permanente da profissão como aquele que segue
outros caminhos, como: o da política, ministério público, magistratura, magistério,
etc, dependendo do seu esforço, qualificação e sorte, pode alcançar sucesso e
fortuna.
Outros há, entretanto, que afirmam: o advogado do futuro terá que ter sua
especialidade focada em um ramo de direito específico e ser conhecedor profundo
dele, pois esse é o caminho para o sucesso na profissão de agora em diante. A
definição foi dada pelo advogado paulista Carlos Ary Sundseld, que fez uma
advertência: “o advogado(a) generalista terá de se contentar, no futuro, com uma
clientela de pessoas físicas em cidades do interior”.
Carlos Sundseld apresentou o painél “Agências Regulatórias: Novo Espaço de
Solução de Conflitos”, durante a XVII Conferência Nacional dos Advogados,
realizada no Rio de Janeiro em Setembro de 1999, e é especialista em Direito
Administrativo e professor da PUC/SP, e acompanha o setor de telecomunicações
desde antes da privatização. Ao defender a necessidade de uma organização urgente
para o estudo desse setor, onde hoje atuam, criando um novo Direito, as Agências
Reguladoras no Brasil, como a Anatel, Aneel e outras que estão sendo criadas. A
urgência neste setor se explica porque: “não é possível um advogado generalista
tratar de questões de Direito de Telecomunicações sem se aprofundar nessa área, ou
mesmo atuar como assessor de um desses órgãos reguladores”.
Como este setor de telecomunicações e eletricidade, muitos outros estão a
exigir para o advogado do futuro, profissionais qualificados e portadores de
formação ética inatacável.
Com as novas exigências do mercado de trabalho, surgem os questionamentos
quanto ao ensino jurídico das Faculdades de Direito, da boa formação do
profissional da advocacia, assim como do Advogado- cidadão.
119
2- Ensino Jurídico
De acordo com que prescreve o artigo 54 número XV do Estatuto da
Advocacia e da OAB, compete ao Conselho Federal: “Colaborar com o
aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar, previamente, nos pedidos
apresentados aos órgãos competentes para a criação, reconhecimento ou
credenciamento desses cursos, o que é feito com a imprescindível cooperação das
Seccionais da OAB em todo o país.
Em várias conferências da OAB (IV- São Paulo 1970, VI- Salvador-
Bahia,1976; VII- Curitiba, 1978; VIII- Manaus, 1980) e, dentre outras, na XVII
Conferência Nacional dos Advogados, realizada no Rio de Janeiro no ano 1999,
entre 29 de agosto e 02 de setembro, assim como em outros encontros nacionais de
presidentes da OAB, tem-se, sempre, de alguma forma debatido o tema do ensino
jurídico diretamente ou como aspecto de outras questões agendadas naquelas
conferências. Como acontece em quase todas as vezes, o assunto deságua na
formação profissional do bacharel em direito, na qualidade do ensino oferecido
pelas faculdades em todo o país e o que não é menos importante, para o excessivo
número de escolas existentes no país – cerca de quatrocentas – nem sempre bem
equipadas, oferecendo currículos desatualizados e com professores carentes de uma
melhor formação e mal remunerados. O resultado não poderia ser outro, salvo as
exceções conhecidas, desaguando na prestação de um serviço aos alunos com
qualidade que deixa a desejar.
Dentro da Ordem, onde esses assuntos são debatidos, eles foram dirigidos
para a formação da Comissão de ensino do Conselho Federal, exatamente para
viabilizar uma sistematização que agora se desenvolve com as demais ações
institucionais da OAB, a nível nacional e local, nas Seccionais.
No Distrito Federal este assunto tem merecido a atenção que era de esperar
com a criação da Escola Superior de Advocacia, como órgão da Seccional de
120
Brasília, a qual tem como finalidade a melhoria da qualidade dos serviços
profissionais prestados pelos advogados inscritos na OAB-DF.
Como adverte Flávio Galdino, autor da monografia sob o título “A Ordem dos
Advogados do Brasil no ensino jurídico”, publicada pelo Conselho Federal da OAB
(primeira edição- Brasília,1997, p.185). “É despiciendo discutir se o ensino jurídico
se encontra em decadência ou não. Mas o senso comum informa que está próximo
ao seu paroxismo, principalmente pela sua repercussão na falta de legitimidade do
aparelho judiciário. Imperioso lembrar que as faculdades de Direito formam com
exclusividade os membros de um dos poderes da nação. O professor Falcão toca a
questão em síntese significativa, quando observa que „dizer que a crise do ensino de
hoje difere de 20/30 anos atrás, não implica dizer que se tenha resolvido as
inadequações (...). Se me perguntassem diria que, nos anos 60, a leitura
conservadora do famoso texto de San Tiago Dantas, identificou, mas reduziu a crise
do ensino à crise da metodologia didática. E de fato a metodologia era inadequada.
Os anos 70 e 80 identificaram a crise do ensino Kelseniano acrítico diante da
legalidade autoritária. Este formalismo acrítico era também inadequado. Hoje
colhemos os frutos de não termos resolvido com sucesso nenhuma nem outra crise,
o que fez aparecer uma nova dimensão, seja responsável pela ineficiência de
instituições jurídicas fundamentais‟ ”.
O estudo demonstra que inexiste uma panacéia capaz de resolver a um só
golpe os problemas do Direito.
A reforma consistiria em dotar o bacharel, futuro operador do Direito,
arquiteto social, de instrumentos capazes de permitir sua colaboração no longo
caminho de transformação da sociedade. Com uma perspectiva multidisciplinar,
num processo dialético de aprendizado, que é construído e não dado, e voltado para
a solução dos problemas que a vida apresenta, o ensino jurídico poderá colaborar
com a emancipação da sociedade.
121
Este deve ser o compromisso dos advogados e da Ordem dos Advogados do
Brasil, como órgão de classe, a começar pela indução, através do Exame de Ordem,
da melhoria da qualidade do ensino do Direito.
3- Ética e a advocacia
Como uma atividade ligada à ação e à praxis humana, o exercício da
advocacia exige do profissional em direito que ele tenha uma conduta compatível
com os princípios da moral individual, social e profissional, a fim de que possa
empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte
o amparo do Direito e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos
interesses. Deste modo, torna-se indispensável ao advogado não só o senso
profissional, mas também desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho
material sobreleve à finalidade social do seu trabalho. O aprimoramento no culto
dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica é um dos requisitos dentre
outros que o tornam merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um
todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal.
Agir, em suma, com a dignidade das pessoas de bem e a correção dos
profissionais que honram e engrandecem a sua classe.
Para esse fim, o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do
Brasil, aprovado e editado pelo Conselho Federal da Entidade, ao tratar das regras
deontológicas fundamentais para o exercício da advocacia, exige do advogado
“conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regimento
Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral e do Direito” (art.I).
E, ao estabelecer, consoante o artigo primeiro do referido Estatuto, que o
“advogado é indispensável à administração da Justiça”, reafirma que ele é
“defensor do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública,
122
da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à
elevada função pública que exerce” (grifo nosso).
Como padrão de conduta do advogado no exercício profissional, o Código de
Ética estabelece no seu artigo segundo, parágrafo único, que “são deveres do
advogado: I- preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da
profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade; II- atuar
com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade
e boa fé; III- velar por sua reputação pessoal e profissional; IV- empenhar-se,
permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional; V- contribuir
para o aprimoramento das instituições do Direito e das leis; VI- estimular a
conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível a instauração de
litígios; VII- aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial; VIII- ...; IX-
pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos
individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade”.
Estes deveres com a comunidade, enumerados não exaustivamente,
completam-se com outros relativos às relações do advogado com o cliente, a guarda
do sigilo profissional inerente à profissão, a cautela com a forma e os modos de
publicidade sobre os seus serviços profissionais, exigência de contrato escrito,
qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do serviço profissional pelo
advogado, contendo todas as especificações e forma de pagamento, e o dever de
tratar “o público, os colegas, as autoridades e os funcionários do Juízo com respeito,
discrição e independência, exigindo igual tratamento e zelando pelas prerrogativas
que tem direito” (artigo 44 do C.E.).
Como assinalamos acima, há na advocacia, assim como na política, dois
campos diferentes em que trabalha o profissional em cada uma dessas áreas de
atuação humana. Constitui um universo da ação em que se movem os personagens
no âmbito de dois sistemas éticos diferentes e até opostos, quando se relacionam os
fins perseguidos e os meios adotados para a consecução desses mesmos fins. Para a
123
moral, o que vale é a pureza de intenções e a coerência da ação com a intenção; para
o segundo, o que importa é a certeza e a fecundidade dos resultados.
Seguindo caminhos diferentes, de um lado está o homem de fé, o profeta, o
professor, o sábio que tem os olhos postos nos altos valores e nas verdades eternas;
do outro pode estar o advogado ou outro profissional do direito, o político ou
homem de Estado, cada um com tipos de “virtude” diferentes. Consoante a análise
de Max Weber, que sintetizou os dois tipos de ação correspondentes como “ética da
convicção” e “ética da responsabilidade”, foi a melhor resposta possível a essas
indagações sobre o tema; embora não o esgote, o enriquece, abrindo-lhe largas
veredas ao pensamento especulativo.
De certo, todos os caminhos seriam suaves se nos bastasse pautar a ação por
nossas convicções, crendo serem elas, as melhores, para alcançarmos um elevado
propósito. Agir inspirado só pelas convicções não é trilha que leva necessariamente
ao melhor resultado, e a sabedoria popular já intuiu essa realidade. Isto, no entanto,
não abre ensejo a opção pelo extremo oposto, onde encontramos a justificação de
quaisquer meios em função de fins havidos como elevado.
A ética tem que levar em conta as conseqüências produzidas pela ação, seja
na política ou numa atividade profissional, tem responsabilidade com relação a elas.
O álibi das boas intenções não apaga os resultados indesejáveis produzidos pela
ação humana.
O homem, como assinala Weber, tem de ser responsável pelos consectários de
sua conduta, concluindo que “ética da convicção” e “ética da responsabilidade”
podem se complementar e, em harmonia, formar um homem autêntico, isto é,
aquele que pode aspirar a vocação política ou exercer a advocacia como um
vocacionado para ela. Na profissão de advogado, são inúmeros os exemplos
grandiosos desta conduta, bastando assinalar entre os de maior notoriedade Rui
Barbosa, o patrono dos advogados, e Sobral Pinto, a quem o ministro Victor Nunes
Leal reconheceu, em Oração pronunciada em Vitória (ES) em 11/08 de 1980 que
“como advogado, só tem paralelo no grande paladino das causas públicas, das
124
liberdades, da democracia, Rui Barbosa”. Pois Sobral Pinto era um homem “diante
de quem se ajoelha, como ante um santo, marcado pelo sofrimento e pela glória”.
A esse propósito, têm um significado especial as palavras de abertura da XVI
Conferencia Nacional dos Advogados realizada em Fortaleza em setembro de 1996,
dirigidas aos colegas Advogados por Ernando Uchoa Lima, presidente nacional da
OAB, as quais são representativas de um ideário de ação a nível profissional e de
cidadania, transcritas a seguir:
- “Restabelecido o regime democrático em nosso País, difícil etapa já
transposta e para a qual a OAB tanto contribuiu, estamos diante de
novos desafios, quase ao final do século XX.
- É tempo de entender a democracia, aprendendo a exercitá-la.
- É tempo de continuar lutando pelo aprimoramento da ordem jurídica,
missão institucional que a cada Advogado compete.
- É tempo de uma séria e profunda reflexão sobre o que é a Advocacia,
nos dias que correm, e o que espera a profissão , no futuro.
- É tempo de exigir-se que todas as atividades, públicas ou privadas, sejam
norteadas por um valor absolutamente indispensável: a Ética.”
4- COMEMORAÇÃO AOS 40 ANOS DA OAB-DF
Ultrapassados os primeiros 40 anos de sua instalação no Distrito Federal, no
auge da maturidade, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal,
pelo que já fez e está disposta a fazer no futuro, é exemplo nacional e orgulho para a
classe, conforme definiu com precisão o presidente do Conselho Federal, Reginaldo
de Castro, na avaliação feita naquele momento festivo dos advogados brasilienses: “
a criação da OAB-DF representou a consolidação de Brasília como a nova capital do
país, para a evolução da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como a projeção de
125
sua visibilidade em todo o território nacional, como guardiã da Ordem jurídica,
como defensora dos direitos humanos e como intérprete maior dos anseios e da
inquietude da cidadania”.
A data foi comemorada em um evento, dia 31 de maio, na sede da Ordem, na
516 Norte, e contou com a presença de praticamente todos os advogados que a
presidiram, além de um grande número de advogados filiados à Ordem, que lotaram
completamente o auditório. O acontecimento foi marcado por discursos,
apresentação da história da Ordem em vídeo e coquetel. O evento conseguiu
espelhar o que o seu presidente, Doutor Safe Carneiro, considerou como uma
trajetória de sucessos e vitórias. Inclusive, neste ano, a OAB-DF recebeu a sua
primeira comenda, como instituição – a Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho.
Ao comemorar 40 anos de sua instalação na Capital Federal, a OAB-DF e os
Advogados têm uma grande responsabilidade para o futuro, não somente com a
sociedade civil, da qual são parte integrantes e interprete das suas reivindicações
mais sentidas, mas também no cumprimento das finalidades institucionais da sua
Entidade de classe, como: - defender as prerrogativas do Advogado e uma
preparação adequada dos mesmos para o exercício da profissão no mundo em que
vivemos; pugnar pela ética na vida privada, profissional e pública, pelos direitos
humanos e pela boa administração da Justiça.
Embora muitos fatos relembrados neste trabalho digam respeito a épocas
passadas, portanto, diferentes dos que vivemos na atualidade, o relato da nossa
experiência no trato dessas questões de algum modo poderá ser útil e iluminar o
caminho dos dirigentes da Ordem, agora e no futuro, pelo menos porque emprestará
um sentido de coerência histórica e racionalidade à nossa ação ao longo do tempo.
Se tal ocorrer, estamos certos, as gerações futuras de advogados poderão nos ver
com alguma simpatia.
Os quadros que compõem a direção da OAB-DF, no ano 2.000, são os
seguintes:
126
DIRETORIA
Presidente: J. J. Safe Carneiro
Vice-Presidente: Félix Ângelo Palaci
Secretário-Geral: Carlos Mario da Silva Velloso Filho
Secretário-Geral Adjunto: José Cruz Macedo
Tesoureira: Ana Maria Ribas Magno
CONSELHEIROS SECCIONAIS
Antonio Luiz Barbosa
Auro Vidigal de Oliveira
César Rodrigues Alves
Djalma Nogueira dos Santos Filho
Dourimar Nunes de Moura
Edmilson Francisco de Menezes
Fernando Neves da Silva
Flávio Renato Jaquet Rostirola
Francisco José de Campos Amaral
Geraldo Magela Carvalho Rodrigues
Hélio Dolher
Iaris Ramalho Cortês
João Estênio Campelo Bezerra
João Rodrigues Neto
Jomar Alves Moreno
Jonas Filho Fontenele de Carvalho
José Gomes de Matos Filho
José Luiz da Cunha Filho
José Messias de Souza
127
Lincoln de Oliveira
Marcelo Rocha de Mello Martins
Maria do Carmo Cardoso
Milza D‟assunção Guidi
Ney Moura Teles
Paulo Machado Guimarães
Paulo Roberto Moglia Thompson Flores
Racib Elias Ticly
Raul Livino Ventim de Azevedo
Roberto Jorge Dino
Rutílio Torres Augusto
Sandra Ferreira Moreira
Severino de Sousa Oliveira
Simone Teresa Amorim Nogueira
Virgínia Solino Moraes
Vitório Augusto de Fernandes Melo
DIRETORIA DA CAIXA DE ASSISTÊNCIA
Presidente: Luiz Eduardo Sá Roriz
Vice-Presidente: João Berchmans C. Serra
Secretario-Geral: Cassiano Pereira Viana
Secretário-Geral Adjunto: Regina Célia Santos Alves
Tesoureiro: Luiz Lucas da Conceição
SUBSEÇÃO TAGUATINGA
Presidente: Waldir Santiago Gomes
Vice-Presidente: Francisco Fontenele Carvalho
128
Secretário-Geral: Ailton Coelho Alves
Secretário-Geral Adjunto: Sérgio Antonino Fonseca
Tesoureira: Letília de Miranda Pereira
SUBSEÇÃO SOBRADINHO
Presidente: Vicente de Paulo Torres Penha
Vice-Presidente: Sebastião Augusto de A. Filho
Secretário-Geral: João Jacob Gonçalves
Secretário- Geral Adjunto: Moacir Severino Carlos
Tesoureiro: José Vidal Machado
SUBSEÇÃO GAMA
Presidente: Nader Franco de Oliveira
Vice-Presidente: Aurélio Enes Patrão
Secretário-Geral: Willian de Faria
Secretário-Geral Adjunto: Antônio de Sá Bezerra
Tesoureiro: Jair Pereira dos Santos
SUBSEÇÃO CEILÂNDIA
Presidente: Rafael Alexandre da Silva
Vice-Presidente: Ananias Vicente de Brito
Secretária-Geral: Guizélia Dunice Brito
Secretário-Geral Adjunto: José de Menezes Formiga
Tesoureira: Aldemir Costa Santos
CONSELHEIROS FEDERAIS
129
Esdras Dantas de Souza
Luiz Filipe Ribeiro Coelho
Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira
Paulo Érico Silva Castelo Branco
Francisco C. N. de Lacerda Neto
Sobre as comemorações realizadas, o presidente da OAB-DF, doutor Safe
Carneiro, escreveu no jornal “Voz do Advogado”, nº 158, Brasília | junho de 2000,
página 2, estas reflexões oportunas dirigidas à classe dos Advogados e à sociedade
brasiliense, como segue:
4.1 - HISTÓRIA DA OAB-DF ESTÁ INTEGRADA À VIDA DA
CIDADE
“No último mês de maio a OAB-DF completou 40 anos – uma história de
lutas, de superação de dificuldades, mas, sobretudo, uma trajetória vitoriosa,
marcada pela permanente defesa da cidadania e do Estado de Direito. A coerência
que sempre norteou nossas ações institucionais, a nossa postura apartidária, sem
qualquer espécie de vínculo ou dependência com entidades políticas e governos, nos
propiciou um papel exclusivo junto à sociedade.
Podemos assegurar, sem o temor da generosidade excessiva, que não há no
país nenhuma outra instituição de classe que desfrute do respeito e reconhecimento
social usufruídos pela Ordem dos Advogados. A obtenção destes significativos
lauréis, entretanto, se faz justiça à determinação que sempre nos motivou,
representa, concomitantemente e talvez de forma ainda mais intensa, uma grande
responsabilidade.
O momento, pois, se nos remete às memórias onde está inscrita a trajetória de
sucesso que percorremos e que deve nos servir permanentemente como referencia,
130
também nos conduz à reflexão sobre o papel que devemos desempenhar junto à
categoria e à sociedade.
Algumas certezas já possuímos, como a manutenção do nosso posicionamento
independente. Esta conduta nos garante a necessária legitimidade para interferirmos
na realidade, tanto na defesa do livre exercício profissional quanto nas ações
relativas ao aperfeiçoamento democrático. E assim estamos fazendo. Não houve,
durante a atual gestão, um único caso de desrespeito às prerrogativas profissionais
que não foi devidamente enfrentado pela diretoria da OAB-DF, com a utilização de
todos os mecanismos legais ao nosso alcance.
No campo institucional, temos invariavelmente adotado posturas em defesa
dos interesses da sociedade, mesmo que isto signifique a adoção de posicionamentos
contrários aos de grupos econômicos ou políticos. Tudo isso somente é possível,
reafirmo, porque a Ordem dos Advogados não mantém vínculos, muito menos
compromissos, com quaisquer segmentos financeiros ou políticos – à esquerda, à
direita ou ao centro.
Assim, ao atingirmos a maturidade conferida por nossa atuação isenta ao
longo deste quase meio século, adquirimos a segurança dos que sabem estar no
caminho certo. Continuaremos, dessa forma, a atuar com o mesmo rigor na defesa
das prerrogativas profissionais, que são a nossa sustentação pessoal e institucional.
Ao mesmo tempo, continuaremos a aperfeiçoar e ampliar o elenco de serviços que a
Ordem já presta aos advogados – como a crescente implantação e melhoria das salas
dos advogados – sem esquecer, é claro, de empregar a densidade corporativa que
dispomos em prol da categoria e, por conseqüência, do melhor funcionamento do
sistema judiciário.
Neste particular, temos empreendido significativos esforços junto ao TJDF,
logrando êxito em uma série de reivindicações, como a implantação e
aperfeiçoamento do serviço drive-thru, que agora também já recebe processos, além
das petições previstas inicialmente. Também conseguimos a garantia da direção
deste Tribunal da instalação dos novos balcões de atendimento, de acordo com
131
design apresentado pela OAB-DF, que vão propiciar maior agilização à rotina de
trabalho dos advogados.
No campo da assistência jurídica, estamos implantando o mais ambicioso
projeto do país. A partir do segundo semestre a FAJ contará com postos de
atendimento em diversas cidades do Distrito Federal, a começar pelo Gama, com o
objetivo de dobrar a atenção – para mais de 20 mil pessoas/ano – àquelas famílias
que, por sua precária condição social e econômica, não podem contratar um
advogado.
Agindo dessa forma, temos certeza, estamos dignificando a história
construída com a determinação e desprendimento dos milhares de advogados que
participaram e participam, de forma direta ou indireta, da construção da Ordem dos
Advogados do Distrito Federal – uma referencia segura, que subsiste intocada nestes
tempos de desagregação moral e social em que vivemos ”.
5 - Á Guisa de Mensagem
Após a realização da XVII Conferência Nacional da OAB, no Rio de Janeiro,
durante a qual o Brasil foi “passado a limpo”, no dizer dos seus organizadores, as
principais conclusões daquele conclave foram resumidas na “Carta do Rio de
Janeiro”, e interpretadas pelo ilustre presidente nacional da OAB, doutor
Reginaldo Oscar de Castro, sob a forma de uma “Agenda de Prioridades” dos
Advogados brasileiros para o próximo século, cujo texto é o seguinte:
“A XVII Conferencia Nacional dos Advogados, realizada no campus da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, entre 29 de agosto e 2 de setembro
passados, cumpriu plenamente sua finalidade. Colocou em discussão temas vitais ao
aperfeiçoamento da ordem jurídica, das instituições políticas do Estado e da
cidadania.
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Mais: obteve expressiva participação da advocacia e do meio jurídico
brasileiro, contando com a colaboração de diversas personalidades nacionais e
internacionais, nas palestras e mesas-redondas que enriqueceram os painéis de
debates.
Foi, de fato, a primeira grande discussão pública em torno de uma agenda de
prioridades nacionais para o próximo século.
O êxito da Conferência mede-se, no entanto, menos por esses aspectos e mais
pela repercussão de suas teses e debates. Nesse sentido, há ainda mais razões para
celebrar o evento. Suas discussões tiveram ampla repercussão na imprensa e na
opinião pública e já influenciam vivamente o debate político-institucional.
A “Carta do Rio de Janeiro”, documento que resume algumas das conclusões
da Conferencia, pede mudanças no Poder Judiciário, em bases mais profundas e
abrangentes que as previstas no relatório a ser votado em breve pela Câmara dos
Deputados.
A “Carta” defende um pacto político que restabeleça a confiança da sociedade
nas instituições do Estado. E diagnostica como drama institucional básico do País “a
crise avassaladora que compromete os Poderes da República e, mais grave ainda, o
próprio Direito no Brasil, o que gera novos problemas, que infelicitam a nação nas
áreas social, política, econômica e ética”.
Outro problema abordado com rigor foi o das medidas provisórias, editadas
abusivamente pelo governo federal. Os números dão a medida do abuso: enquanto
na legislatura passada o Congresso aprovou 642 leis, o Executivo, no mesmo
período, editou e reeditou o triplo de medidas provisórias –1.971.
A “Carta do Rio” sustenta que são os governos que devem adaptar seus
programas à Constituição – e não o contrário, como tem acontecido
sistematicamente no Brasil dos últimos anos. O desrespeito a esses princípios
elementares do Estado Democrático de Direito dificulta a governabilidade e
aprofunda o caos institucional.
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O tema da Conferência – “Justiça: Realidade e Utopia” – prestou-se à
abordagem dos assuntos mais diversos, que englobam desde os já mencionados,
relacionados às questões institucionais de sempre, até os novos campos do Direito,
decorrentes dos avanços tecnológicos e da globalização. A Conferência, sob
diversos aspectos, estabeleceu avanços importantes. Criou, por exemplo, uma
comissão que reúne as Ordens de Advogados dos países de língua portuguesa,
iniciativa pioneira e de grande importância para a aproximação da comunidade
lusófona, que hoje envolve 250 milhões de pessoas.
A Conferência aprofundou também as discussões em relação ao Mercosul e
ao Direito Comunitário. A abertura econômica amplia os campos de ação para o
direito, exigindo maior apuro profissional e constante reciclagem. Isso torna ainda
mais dramática a questão da proliferação dos cursos jurídicos de má qualidade no
Brasil, preocupação antiga da OAB. O tema mereceu exames na Conferência e foi
mencionado em seu documento final, a “Carta do Rio de Janeiro”, tal a prioridade
que lhe conferimos.
Apesar de seu tom crítico, a Conferência sustentou sempre expectativas
otimistas em relação ao futuro do País. A OAB crê na capacidade historicamente
demonstrada pelo povo brasileiro de vencer desafios e de encontrar saídas criativas.
A dificuldade maior está em submeter as elites governamentais ao fiel
cumprimento da Constituição e das leis, garantindo ambiente de estabilidade
jurídica para que o País reorganize sua economia e se reencontre com o progresso e
o desenvolvimento.
A Ordem, nesta XVII Conferência, reiterou sua confiança na construção de
um país que, sem radicalismos de qualquer natureza, se integre ao mundo
preservando os interesses fundamentais de seu povo. Essa, aliás, é a única forma
sadia e efetiva de integração”.
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Sobre o autor:
Francisco Ferreira de Castro, nasceu em Floriano, Estado do Piauí, onde
cursou o primário, fazendo curso ginasial no Colégio Marista em Fortaleza.
É advogado, político, jornalista e escritor. Doutor em Direito. Ex-Presidente
da OAB-DF e membro honorário vitalício do Conselho Seccional da OAB, e ex-
Presidente do Instituto dos Advogados-DF. Professor aposentado da Universidade
de Brasília, onde lecionou Direito Constitucional e Ciência Política. É aposentado
como sub-Procurador Geral do DF. Foi eleito deputado estadual, 1950-1954, tendo
sido líder da bancada da UDN e PTB, na Assembléia Legislativa, eleito vice-
governador do Estado, 1954-1958, exerceu o governo do Piauí, e posteriormente o
mandato na Câmara Federal, 1958-1962. Ex- assessor da Presidência da Republica
para assuntos jurídicos no governo do presidente João Goulart.
Ferreira de Castro tem vários trabalhos publicados e outros inéditos, sobre
temas diversos de direito e de ciência política, alem de artigos em jornais e
periódicos, razões e pareceres. Destacam-se: “Entradas e Caminhos da Civilização
no Piauí”, Teresina, 1956, “Dos Fins do Estado: principais doutrinas”, Teresina,
1956, “A campanha eleitoral de 1958 no Piauí, in Rev. Bras. de Estudos Políticos,
UMG-BH, 1959, “Democracia Social”, imp. Univ. do Ceará, 1960, “Modernização
e Democracia: o desafio brasileiro”, ed. EBRASA, BSB, 1969, “A política dos
objetivos Nacionais na Constituição Brasileira”, in Not. do Dir. Brás., UnB, 1971,
“Aspectos do Controle de Constitucionalidade das Leis pelo Judiciário”.
Conferência, Itapetininga, São Paulo, 1972, “Terras do Distrito Federal: titularidade
e discriminação do domínio pela União Federal. Dec-Lei nº 203/67”, conferencia,
OAB-DF, 1968, “O Visconde de São Leopoldo e a criação dos Cursos Jurídicos do
Brasil”; in Rev.do IADF, 1977, “Prof. Cláudio Pacheco Brasil: advogado brilhante,
jornalista polêmico e renomado constitucionalista”, saudação feita no IADF, 1980.
“A Constituinte e o Novo Pacto Social: historia e doutrina”. UnB, 1987, “O
Processo Constituinte de 1987: sua singularidade”. UnB, 1987, “Emendas
Populares: uma fecunda inovação legislativa”, UnB, 1987, “Solução Pacifica de
135
Controvérsias Internacionais. Estudo de caso. Canal de Beagle”. UnB,
1988,”Sistema Interamericano – novos desafios à integração regional face à
crescente globalização”, UnB, 1988, “Gilberto Freyre – o Mestre de Apipucos –
intérprete incomparável da nossa formação histórica, social e antropológica”, UnB,
1989, “Monarquia x República, Parlamentarismo x Presidencialismo: a grande
opção”, Jornal do Advogado, OAB-DF, 1993, “Cristino Castro empresário pioneiro
em Floriano e na região do Gurguéia”, ed. Verano, Brasília, 1997.
Foi incluído no Who‟s Who in Brazil, São Paulo, 1972 e Who‟s Who in the
World, Millennium Edition, 2000. “Deputados Brasileiros” – 1964-67, ed. Câmara
dos Deputados, 1972, “Os Pioneiros da Construção de Brasília”, de José Adirson
Vasconcellos, Brasília, 1982, “Dicionário de Escritores de Brasília”, de Napoleão
Valadares, 1994, “Dicionário histórico e geográfico do Estado do Piauí”, de Cláudio
Bastos, Teresina, 1994, “Dicionário Biográfico Escritores Piauienses de Todos os
Tempos”, 2a. ed.., de Adrião Neto, Teresina 1994, pioneiro na Advocacia do Distrito
Federal”,OAB-DF, 1991, Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito
Federal, 1995, Membro efetivo da “The Planetary Society” com sede em Pasadena,
Califórnia, USA, AGRACIADO com o “Mérito jurídico”, do Governo Brasileiro
comenda comemorativa do Centenário de nascimento de Clovis Bevilaqua, 1959,
“Mérito Buriti”,do Governo do Distrito Federal, 1970, “Sesquicentenário da criação
do Poder Legislativo do Piauí, Teresina, 1985, “Mérito do Município de Cristino
Castro”, 1991, “Mérito Agrônomo Parentes”, do Município de Floriano, por ocasião
do 1º Centenário da Cidade, 1997, Grã Cruz da Ordem Estadual do Mérito
Renascença do Piauí, 1997.
Admitido como membro do American Biographical Institute, 1998 e membro
da International Order of merit como representante do Brasil por decisão unânime
do Board do International Biographical Centre, Inglaterra, ano 2000.