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    Obras Obrigatrias do Vestibular UFSC 2014- Prof Snia Targa

    1- Amar, verbo intransitivo - Mrio de Andrade2- Orfeu da Conceio, de Vinicius de Moraes3- Gabriela, cravo e canela- Jorge Amado4- A Hora da Estrela- Clarice Lispector5- ltimos Sonetos de Cruz e Souza6- O Detetive de Florianpolis- de Jair Francisco Hamms

    1-Amar, verbo intransitivo - Mrio de Andrade (Editora Agir)Anlise da ObraPublicado em 1927,Amar, Verbo Intransitivo, de Mrio de Andrade, chama a ateno por inmeros aspectos. Oprimeiro a sua linguagem, provavelmente considerada errada na poca, pois se afasta do portugus castio aoimitar (s vezes de forma eficiente, s vezes no) o padro coloquial brasileiro. como se o texto escrito imitasse amaneira de falar do nosso povo. um livro para se fazer de conta que se est ouvindo e, no, lendo.

    H numerosas caractersticas emAmar, Verbo Intransitivo que o enquadram como modernista. Um romancemodernista da primeira frase (1922 1930), impregnado de um esprito de destruio at ao exagero. O esprito daSemana de Arte Moderna: destruir para construir tudo de novo. A mola real de toda a obra do autor a pesquisa,a busca.

    O romance apresenta no prprio ttulo uma contradio gritante, afinal, o verbo "amar" transitivo direto e nointransitivo. Se isto j no bastasse, ainda recebe uma curiosa classificao: apresentado na capa como Idlio. Aperplexidade inevitvel, uma vez que idlio implica numa forma singela de amor em que no pairam dvidasquanto reciprocidade entre dois sujeitos.

    Outro aspecto interessante o constante emprego das digresses, boa parte delas metalingusticas, outra parte

    sociolgicas, que fazem lembrar o estilo machadiano. Mais uma vez, a obra apresenta elementos formais que acolocam frente de seu tempo, caracterizando-a, portanto, como moderna.

    Dentro do aspecto sociolgico, h que se entender uma posio meio ambgua de Mrio de Andrade, como se elemostrasse uma paixo crtica por seu povo, principalmente o paulistano. Note-se que critica valores brasileiros, aomesmo tempo que diz que a nossa forma de comportamento, deixando subentendido um certo ar de no tem

    jeito, somos assim mesmo. Alm disso, ao mesmo tempo em que elogia o estrangeiro, principalmente a fora dosalemes, desmerece-os ao mostr-los como extremamente metdicos, ineptos para o calor latino. Sem mencionarque reconhece que o imigrante est sendo como que simpaticamente absorvido por nossa cultura.

    Mas o que mais chama a ateno a utilizao da teoria freudiana (grande paixo do autor) como embasamento da

    trama.

    O inusitado da profisso de Frulein pode parecer inverossmil numa viso separada da totalidade socioeconmica ehistrica (como tambm seu sonho de retornar Alemanha, depois de feito a Amrica, e o casamento, o vagoamado distante espera de proteo, espcie de redeno wagneriana pelo amor. Professora de amor, profissoque uma fraqueza lhe permitiu exercer, no entanto uma profisso, insistiria Frulein.

    Na Europa, o perodo denominado entre-guerras caracterizou-se por uma profunda crise econmica, social e moralque atingiu os pases capitalistas na dcada de 20. Na Alemanha, particularmente, a situao era pior: havia umclima propcio, como nos demais pases que perderam a guerra, ao nascimento de um violento nacionalismo. Nocaso, sabemos, estava aberta a brecha para a ascenso do nazismo. No Brasil, apesar da guerra, o clima era bem

    outro: havia um relativo otimismo em relao ao futuro. Supervamos o atraso de um pas agrrio num estadomesmo de euforia pelo dinheiro proveniente da plantao e comrcio do caf e vislumbrava-se a possibilidade deunir esta riqueza nova riqueza industrial. Frulein, diante de realidades to opostas, se adapta. Alis, seu poder deadaptao insistentemente enfatizado pelo narrador:

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    tornaram a vida insuportvel na Alemanha. Mesmo antes de 14 a existncia arrastava difcil l, Frulein se adaptou.Veio pro Brasil, Rio de Janeiro. Depois Curitiba onde no teve o que fazer. Rio de Janeiro. So Paulo. Agora tinha queviver com os Souza Costas. Se adaptou.

    A descoberta de Dona Laura sobre o acordo estabelecido entre Frulein e o Senhor Souza Costa, referente iniciao amorosa/sexual de Carlos, provocou explicaes desconcertantes, exibindo a hipocrisia social vigente nametrpole paulista:

    Laura, Frulein tem o meu consentimento. Voc sabe: hoje esses mocinhos... to perigoso! Podem cair nas mos dealguma exploradora! A cidade... uma invaso de aventureiras agora! Como nunca teve!. Como nunca teve, Laura...Depois isso de principiar... to perigoso! Voc compreende: uma pessoa especial evita muitas coisas. E viciadas!No s bebida no! Hoje no tem mulher-da-vida que no seja eternoma, usam morfina... E os moos imitam!Depois as doenas! Voc vive em sua casa, no sabe um horror! Em pouco tempo Carlos estava sifiltico e outrascoisas horrveis, um perdido!

    H de se convir que havia um vasto mercado para a professora de amor, que se fez assim, inclusive, por captar asnecessidades e capacidade desse mercado. Ora, antes de vir para a emergente So Paulo, ela esteve no Rio deJaneiro e em Curitiba, onde no teve o que fazer.

    Foco narrativo

    A narrativa feita na terceira pessoa, por um narrador que no faz parte do romance.

    o narrador tradicional, um narrador onisciente e onipresente. Mas h ainda um outro ponto-de-vista: o autor secoloca dentro do livro para fazer suas numerosas observaes marginais. Para comentar, criticar, expor ideias,concordar ou discordar... uma velha mania do romance tradicional. E os comentrios so feitos na primeira pessoa.Observe:

    Isto no sei se bem se mal, mas a culpa toda de Elza. Isto sei e afirmo...

    Volto a afirmar que o meu livro tem 50 leitores. Comigo 51.

    Linguagem e Estrutura

    A narrativa corre sem divises de captulos. Mrio de Andrade usa as formas conhecidas de discurso. maisfrequente o discurso direto, nos dilogos, mas em algumas vezes, usa tambm o discurso indireto e o discursoindireto livre.

    A narrativa segue, de modo geral, uma linha linear: princpio, meio e fim. Comea com a chegada de Frulein, seestende em episdios e incidentes, acaba com a sada de Frulein. Quando termina o idlio, o autor escreve Fim e,depois, ainda narra um pequeno episdio: um encontro de longe entre Carlos e Frulein, num corso de carnaval.

    Freqentemente a narrativa fica retardada pelos comentrios marginais do autor: algumas vezes exposio de tese.

    Apesar de certos alongamentos em seus comentrios marginais, o autor escreve com rapidez, dinamicamente, emfrases e palavras com jeito cinematogrfico. Mrio de Andrade usa uma linguagem sincopada, cheia de elipses queobrigam o leitor a ligar e completar os pensamentos. Em vez de dizer e de explicar tudo, apenas sugere em frasescurtas, mnimas.

    A pontuao da frase muito liberal. Conscientemente liberal. O ritmo de leitura depende muito da capacidade decada leitor. Abandona a pontuao quando as frases se amontoam, acavalando-se umas sobre as outras, polifnicas,simultneas, fugindo das regrinhas escolares de pontos e vrgulas. preciso lembrar que Mrio de Andrade sempreum experimentador em busca de solues novas para a linguagem. Para alcanar ou tentar suas inovaes ele

    trabalhou suadamente: fazia e refazia suas redaes em verses diferentes. Assim emAmar, Verbo Intransitivo emais ainda em Macunama. Sobre Frulein:Agora primeiro vou deixar o livro descansar uma semana ou mais sem

    pegar nele, depois principiarei a corrigir e a escrever o livro na forma definitiva. Definitiva? No posso garantir nada,no. Frulein teve quatro redaes diferentes! (Carta a Manuel Bandeira, pg. 184).

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    Personagens

    As personagens do livro so, em geral, fabricadas, artificiais, sem muita vida ou substncia humana.

    Os personagens deAmar, Verbo Intransitivo so bem parecidos, e socialmente domesticados. Para ver,praticamente, todos os personagens em ao, com certa espontaneidade, o melhor momento a volta de trem,depois daquela viagem ao Rio de Janeiro. Um dos momentos narrativos mais interessantes em todo o romance. Masa ao principal est em Frulein: seu domnio sexual, com imperturbvel serenidade bem alem, contrasta com a

    espontaneidade sexual, com a impetuosidade bem brasileira do excelente aluno (em sexo), Carlos.

    O narrador gosta de ver os seus personagens. um espectador pirandeliano que acompanha suas criaturas. Quementira, meu Deus!! Dizerem Frulein, personagem inventado por mim e por mim construdo! No constri coisanenhuma. Um dia Elza me apareceu, era uma quarta-feira, sem que eu a procurasse.... E continua a sua pequenateoria o personagem. So os personagens que escolhem os seus autores e no estes que constroem as suas heronas.Virgulam-nas apenas, pra que os homens possam ter delas conhecimento suficiente....

    Felisberto Sousa Costa - pai de Carlos. , possivelmente um doutor em qualquer coisa, mania muito comum e queEa de Queirz criticou numa saborosa carta a Eduardo Prado: todo mundo doutor, todo mundo tem a mania dodiploma e do anel do dedo. o centro, no afetivo, mas administrativo da casa em que mantm, mais ou menos, o

    regime patriarcalista.

    D. Laura - me de Carlos, esposa de Felisberto. Como devia, sempre obedece ao marido. uma senhora bemcomposta, acomodada, burguesa. Uma senhora da sociedade e que mantm todas as aparncias de seriedadereligiosa e familiar. Concorda com os argumentos to convincentes... do marido, na educao do nico filho-homem.

    Carlos Alberto - filho de Felisberto e D. Laura, com idade entre 15 e 16 anos. Uma espcie de enfant gat (umqueridinho da famlia, porque nico) e que, certamente, dever ser o principal herdeiro do nome, da fortuna e dasrealizaes paternas. Como era costume, possivelmente, deveria ser a projeo do pai, a sua continuao. Centralizaa narrativa, personagem do pequeno drama amoroso do livro, ao lado da governanta alem, Elza.

    Elza - Frulein (= senhorita), governanta alem. To importante que ela dava nome ao romance. Como Frulein?Ela a mais humana e real, mais de carne e osso. Talvez arrancada da vida. Ela, sem muito interesse, cuida tambmda educao ou instruo das meninas: principalmente para ensinar alemo e piano. So trs meninas que, apenas,completam a famlia burguesa. So trs meninas que brincam de casinha.

    Maria Lusa - irm de Carlos, tem 12 anos. Ela vai ser o centro de uma narrativa dentro do romance: a sua doena e aviagem ao Rio de Janeiro, para um clima mais saudvel em oposio ao frio paulistano.

    Laurita - irm de Carlos, tem 7 anos.

    Aldina - irm caula de Carlos. Tem 5 anos.

    Enredo

    Souza Costa, homem burgus, bem posto na vida, contrata uma governanta alem, de 35 anos, para a educao dofilho, principalmente para a sua educao sexual.

    No me agradaria ser tomada por aventureira, sou sria, e tenho 35 anos, senhor. Certamente no irei se sua esposano souber o que vou fazer l.

    Elza o nome da moa. Mas vai ficar conhecida e ser chamada sempre pela palavra alem Frulein. Chegou manso de Souza Costa, numa tera-feira. (Ganharia algum dinheiro... Voltaria para a Alemanha... Se casaria com um

    moo comprido, magro, muito alvo, quase transparente...).

    A famlia era formada pelo pai, por D. Laura, o rapazinho Carlos e as meninas: Maria Lusa, com 12 anos; Laurita com7 e Aldinha com 5. Havia tambm na casa um criado japons: Tanaka. A crianada toda comeou logo aprendendoalemo e chamando a governanta de Frulein. Carlos no est muito para o estudo. Frulein logo se ajeitou na

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    famlia, uma famlia imvel mas feliz. Mas o papel principal da governanta ensinar o amor.

    Notas

    1. O problema central do romance a educao sexual de um rapaz de famlia burguesa, em So Paulo. As meninasficam relegadas a um segundo plano. Carlos mais importante. No pode ficar sujeito ganncia e s doenas dasmulheres da vida. Como resolver o problema? Contrata-se Frulein, professora de sexo. mais uma estrangeira queentra para a casa brasileira, onde o copeiro italiano fascista, a arrumadeira belga ou s ua, o encerador polaco

    ou russo. Na casa de Souza Costa o empregado japons e a governanta alem. S as cozinheiras que ainda somulatas ou cafusas.

    2. H uma referncia ao racismo alemo: qued raa mais forte? Nenhuma... O nobre destino do homem seconservar sadio e procurar esposa prodigiosamente sadia. De raa superior, como ela, Frulein. Os negros so deraa inferior. Os ndios tambm. Os portugueses tambm. So as idias de Frulein, principalmente depois que leuum trabalho de Reimer, onde se afirmava a inferioridade da raa latina.

    3. A famlia burguesa patriarcalista: o centro de tudo o homem, o pai e o filho, Carlos. Todos tm que obedecerao pater-familias. A comear de D. Laura que se submete, se adapta, aceita as ideias do marido, se conforma com apresena da Frulein como professora de sexo do filho. E a famlia vai continuar patriarcalista porque j esto

    centralizando todas as atenes no filho varo.

    4. Nessa famlia existe tambm uma religio, certamente velha tradio dos ancestrais. Uma religio de domingo ede tempos de doena. Para que a filha, Maria Lusa, sare, Sousa Costa aceita fazer todos os sacrifcios. Deixar atalgumas aventuras fora de casa. Ora deixemos de imoralidades! Sousa Costa nunca teve aventuras, nunca mais teraventuras, todos os sacrifcios, porm que minha filha sare!... Sousa Costa pensa em Deus.

    5. Carlos bem o retrato ou exemplo da nossa sexualidade latina ou brasileira. Com todas as suas mincias epermisses. Frulein no compreende bem o amor latino. Para manter a sexualidade de Carlos e a pureza de suasade que Frulein foi contratada. Carlos precisava de mulher dentro de casa.

    6. Tudo passa e muda. A famlia burguesa, bem composta, bem construda, mantm sua estabilidade. Um famliaimvel, mas feliz.

    Resumo

    A histria, classificada como idlio pelo prprio autor, sobre a iniciao sexual do protagonista, Carlos Alberto. Seupai, Sousa Costa, preocupado em prepar-lo para a vida, contrata uma profissional para isso, Frulein Elza (o grandemedo de Sousa Costa que, se seu filho tivesse sua iniciao num prostbulo, poderia ser explorado pelas prostitutasou at se tornar toxicmano por influncia delas). Oficialmente, ela entra no lar burgus de Higienpolis para sergovernanta e ensinar alemo aos quatro filhos do casal Sousa Costa, D. Laura.

    Muitos aspectos so dignos de nota aqui. Em primeiro lugar, o tema completamente indito em nossa literatura edeve ter sido motivo de certo escndalo em sua poca. Alm disso, a iniciao sexual tranquila e segura vista comogarantia para uma vida madura e at para o estabelecimento de um lar sagrado. Em suma, sexo a base de tudo.Freud, portanto, mostra-se marcante.

    Pode-se afirmar que a inteno do chefe da famlia fadada ao fracasso, pois Carlos no era virgem. Bem antes deiniciada a histria, ele havia tido sua experincia sexual no Ipiranga, em meio farra de seus amigos, com umaprostituta. Mas fora um ato mecnico, seco, pressionado pelos amigos. No tinha sido, pois, uma iniciao completa.

    Interessante que Frulein (em alemo essa palavra significa senhorita, mas tambm tem o valor e todo o peso dotermo professora) realiza seu servio com dignidade, no enxergando relao com prostituio. Assume estar

    realizando uma misso. um elemento que destoa do olhar de Sousa Costa e at do prprio narrador.

    Alm disso, esse disfarce, meio que hipcrita, de Frulein ser na aparncia governanta e na verdade iniciadora doamor, revela toda a complexidade em que a sexualidade humana est mergulhada (as teorias freudianas). H aquitodo um jogo de querer e esconder, negar e afirmar, que vai perpassar a relao que Elza estabelecer naquela casa.

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    Deve-se notar o comportamento de Sousa Costa. Sua atitude de contratar uma profissional do amor para realizar osservios debaixo do seu prprio teto revela determinados valores da burguesia da poca. Comporta-se como o novorico que acha que o dinheiro pode tomar posse de tudo, at da iniciao sexual. So ricos que ainda no tm, noentender de Mrio de Andrade, estrutura para merecer seu presente status.

    Nesse aspecto o autor mostra-se bastante cruel. Ficaram notrias as suas crticas burguesia paulistana e suamania de tentar ser o que no ou esconder o que no fundo . Observa-se a genialidade do narrador ao descrever

    Sousa Costa usando brilhantina at no bigode. Assemelha-se esposa, que tambm usa produto para alisar o cabelo.Querem esconder que so to mestios quanto o resto do pas.

    O fato que Carlos realmente precisava ser educado. Constantemente ao brincar com suas trs irms mais novasacabava, sem querer, machucando-as. H aqui toda uma conotao freudiana, mas o que mais importa entenderque o protagonista fere porque no sabe controlar sua fora. um desajeitado. Nesse aspecto sua iniciao serimportante, pois servir para domar seus impulsos, sua energia, sua afetividade.

    Frulein tem plena conscincia desse objetivo. Quer ensinar o amor em sua forma tranqila, sem descontroles, sempaixes. O problema que o garoto aluado. Por mais que Elza se apresente sedutora nos momentos em que osdois ficam sozinhos na biblioteca (outra crtica dirigida burguesia paulistana. Os livros da biblioteca so

    comprados por questo de status, muitos nem sequer sendo abertos, chegando alguns at a estarem com as pginascoladas), estudando alemo, o garoto no percebe as intenes dela, o que a deixa em alguns momentos irritada.

    No entanto, o que chega a reforar a tese da professora, com a convivncia brota o interesse do menino pelamestra. algo que no se quer revelar claro de primeira. Comea com o interesse que o garoto tem repentinamentepor tudo o que se refere Alemanha, acelerando at o conhecimento da lngua. Se antes tinha um desempenhosofrvel, agora apreende vocabulrio de forma acelerada.

    Revelando muito bem as caractersticas da sexualidade humana (Freud), a atrao mostra-se mergulhada num jogode avanos e recuos, de desejos e de medos. Os toques de Frulein tornam-se cada vez mais constantes. A tensotorna-se mxima quando o menino masturba-se inspirado na professora ( um episdio descrito de forma

    extremamente indireta, tangencial, dificultando em muito sua percepo. necessrio um malabarismo mental paraentend-lo. Talvez a inteno do narrador , alm de evitar o escndalo de ser claro em aspecto to delicado (vriasvezes diz que no quer produzir obra naturalista), mostrar como a questo est problemtica na cabea de Carlos.Tanto que pouco aps esse episdio, h a meno a anjos lavando com esponja santa o pecado que acabara de sercometido. Essa noo de prazer e pecado, de o instinto desejar algo, mas a educao e a formao religiosamarcarem isso como condenvel, outro elemento muito analisado por Freud). Toma conscincia, portanto, de quea deseja.

    At que, pressionada pelas trapalhadas da famlia Sousa Costa (Sousa Costa havia descumprido o combinado quandocontratara Frulein: deixar claro para D. Laura qual era a funo da professora. A me, alheia ao que estavaacontecendo, estranhara o apego do filho mestra e vai conversar com a alem, ingenuamente preocupada com a

    possibilidade de o menino fazer besteira. Inconformada com a quebra do prometido, Elza fora uma reunio entreela e os pais, na qual tem como inteno deixar todo o acerto claro. O resultado que tudo se complica. Fruleindecepciona-se com a maneira como os latinos tratam aquele assunto e os pais de Carlos no sabem exatamente oque fazer, se querem ou se no querem a governanta), torna-se mais apelativa. O contato corporal mais intenso, oque assusta Carlos. Medo e desejo. Delicadamente Frulein vence. Inicia, ainda que sensualmente, Carlos. Mas empouco tempo a iniciao sexual torna-se efetiva. O garoto passa a freqentar de noite a cama de Elza.

    Os dois acabam assumindo uma cumplicidade gostosa, o que indica o amadurecimento de Carlos. uma situaopreocupante, pois Frulein acaba se envolvendo. Na verdade, o que acontece que isso acirra o conflito entre osdois alemes que o narrador afirma que a governanta carrega dentro dela. O primeiro dedicado ao sonho, fantasia. um coitado que anda sufocado em Elza. O segundo o prtico, que planeja, que metdico. Esse quem

    domina sua personalidade. Carlos, no entanto, vem fortalecer o primeiro, comprometendo o segundo.

    Para complicar sua situao, uma das irms de Carlos fica doente. A governanta passa a cuidar dela. Tudo em suamo funciona perfeitamente. A famlia Sousa Costa cria uma enorme dependncia em relao alem. E ela comeaa se sentir a me de todos. Alis, um papel que ela assumir no final da narrativa.

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    Preocupada em no perder controle da situao, decide acelerar o trmino de sua tarefa. Quer que tudo termine deforma dramtica, pois acredita que a lio sentida no corpo mais efetiva. O trauma amadurece. Acerta com SousaCosta um flagrante.

    Os amantes so surpreendidos no quarto da governanta. Dentro da armao, o pai d uma bronca no filho,ensinando-o a tomar cuidado, pois sempre havia o risco de gravidez, casamento forado e outros problemas.Frulein, recebidos seus oito contos, parte, mergulhando Carlos num luto monstruoso. Faz parte de seu crescimento.

    Aps isso, a narrativa flagra Frulein ensinando um outro garoto da burguesia de Higienpolis, Lus. No sente prazernesse servio agora, talvez por ter em sua mente Carlos, mas o est seduzindo, abrindo-lhe o caminho para o amor. sua profisso. Precisa ser prtica para juntar dinheiro e voltar para a Alemanha.

    Carnaval. Em meio folia de rua, Elza localiza Carlos. Atira-lhe uma serpentina para chamar a sua ateno. O rapaza v e a cumprimenta formalmente. Parecia estar mais ocupado em curtir a garota que lhe faz companhia.

    Frulein tem um misto de emoes. Ao mesmo tempo em que seu lado sonhador sente-se frustrado o rapaz,depois do tanto que ocorreu, mostrou-se frio, sente-se realizada ao lembrar de todos os que iniciou, os queensinou o amar, intransitivamente, ou seja, a amar no importa qual seja o objeto, o alvo. como se quisesse

    ensinar que o mais importante aprender a amar intransitivamente para depois poder amar algum,transitivamente.

    O livro tem uma estrutura incomum: no h captulos em si, apenas espaos em branco que separam passagens; apalavra FIM aparece aps o Idlio, apenas aps isso d-se a concluso da histria.

    2- Orfeu da Conceio- de Vinicius de MoraesORFEU: A REEDIO DO MITO ATRAVS DA PARDIA, DA APROPRIAO E DA INVERSO

    . Considera-se, nesta anlise, o mito sendo projetado para o morro do Rio de Janeiro no tempo presentecomo um Orfeu negro, com seus encantos cariocas, suas crenas, e como o prprio Vincius relata, essa transposio

    do mito grego para o morro, surgiu de uma incurso por favelas, macumbas, clubes e festejos negros no Rio, naqual se sentiu impregnado do esprito da raa negra (MORAES, 1995, p. 47)

    Segundo o autor, todas aquelas festividades tinham de alguma forma algo a ver com a Grcia, como se onegro fosse um negro despojado de cultura e, principalmente, o culto pela beleza, no caso, raa negra sendo Orfeuo mximo do morro, como Apolo e no menos marcado pelo sentimento dionsico, pois Dionsio era a favor dequalquer coisa pela vida, mesmo que para ser vivida passe por situaes esbrnicas, como o carnaval, por exemplo(MORAES, 1995, p. 47-48). Assim, Vinicius resgata o mito, que atravessando geraes reveste-se das caractersticasvigentes naquele perodo histrico: a pea Orfeu da Conceio data de 1956.

    Se na antiguidade clssica o mito surgiu como representao idealizada de deuses, cujos poderestranscendiam capacidade fsica do homem, na modernidade retrata o carter humano, no qual prevalece aambiguidade do ser.

    No texto fonte, Orfeu situado como um ser com poderes sobrenaturais que envolve a todos com suamsica. Em sua trajetria, comprometido pela tragdia da morte de sua amada, Eurdice, picada por uma cobra aotentar escapar do pastor que pretendia violent-la. Orfeu, inconformado, desce ao inferno para resgatar a amada,enfrentado criaturas mitolgicas e apaziguando-as com sua msica.

    Na pea, Vinicius de Moraes retoma esse mito, emprestando-lhe as nominaes e a situao trgica,entretanto, veicula caractersticas adequadas realidade espao-temporal em que a pea escrita e orienta paraque as possveis montagens sigam, especialmente, as variaes a que a lngua est sujeita.

    Segundo Vincius,

    Tratando-se de uma pea onde a gria popular representa um papel muito importante, e como a linguagem do povo extremamente mutvel, em caso de representao deve ser ela adaptada s suas novas condies. (MORAES,

    1954, p. 54)

    A lenda de Orfeu ocorre na Trcia, regio histrica da Europa e hoje parte da Grcia. Vincius, no entanto,transporta-a para um morro carioca, onde desfilam personagens arquetpicos, tomando-se como exemplo o prprioOrfeu, representante da realidade daquela comunidade, uma vez que mostrado como compositor de sambas e que

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    em lugar da lira, toca violo. Ora, de onde vieram alguns dos principais sambistas brasileiros como Noel Rosa eCartola, seno do morro?

    Nessa aproximao do mito de Orfeu dcada de 50, quando a pea foi escrita, Vincius de Moraes incorre noque Raul Filker em Mito e Pardia: entre anarrativa e oargumentodenomina de modalidade temtica direta porescolha deliberada. Para o autor, a escolha de um tema j conhecido objetiva desenvolver atravs de interpretao,modificao ou acrscimo, um dilogo com o tema em questo onde a nova voz se privilegia do espao j ocupadopela antiga, que conta com longa tradio de difuso (FILKER, 2000, p. 70).

    Ou seja, a descida ao inferno para resgatar a amada assume contornos atuais na pea de Vincius. No mito

    original, Orfeu desce s profundezas da terra e enfrenta Erinias, Crbero e o Rei das Sombras enquanto que no textode Vincius ocorre a modificao do ambiente, no qual o inferno representado por um clube, cujo nome Osmaiorais do inferno estabelece dilogo com o anunciado no texto fonte. Crbero aqui representado por um leo-de-chcara, o Rei das Sombras por Pluto que providencialmente encontra-se sentado num trono diablico(MORAES, 1954, p. 83) ao lado de Prosrpina, cujo cenrio sugere, pela presena do fogo e a dana isolada dosfrequentadores do clube, o prprio inferno.

    Ainda no texto original, Orfeu resgata Eurdice, mas acaba perdendo-a novamente por no cumprir o acordofeito com o Rei das Sombras. J no texto de Vinicius, o encontro entre Orfeu e Eurdice ocorre no plano dosfundamentos da Semitica de Pierce, citado por Lcia Santaella em O que semitica. Para o autor fica estabelecidaa relao entre signo, objeto e interpretante, e segundo ele:

    Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que portanto, num certo sentido, a causa oudeterminante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seuobjeto implica que ele afete uma mente de tal modo que, (...) determine naquela mente algo que imediatamentedevido ao objeto (...). (SANTAELLA, 2005, p. 58)

    Na pea de Vincius, tem-se nas mulheres que se apresentam a Orfeu como sendo Eurdice, o signo, umavez que figuram na mente de Orfeu a prpria amada, o objeto, e essa relao produz o que Pierce convencionoucomo interpretante, ou seja a traduo do signo, o que pode ser constatado na fala de Orfeu ao se dirigir smulheres: Vem, Eurdice. Eu te encontrei. Eurdice voc, voc, voc! Tudo Eurdice. Todas as mulheres soEurdice. (MORAES, 1954, p. 92). Essa mesma passagem retomada no filme de Cac Diegues, porm assumecontornos diferentes, conforme ser analisado adiante.

    A questo do amor incondicional e platnico entre Orfeu e Eurdice tambm um caso intersemitico, poistranscende ao mortal. um amor que j existia sem eles saberem e, que no filme, manifesta-se pelo primeiro olharque Eurdice lana a Orfeu quando chega ao morro ou ainda no momento em que Orfeu canta Eurdice seu amor,sem saber que este no demora a chegar, representado na pea de Vincius com a valsa de Eurdice:

    So demais os perigos desta vida/ Para quem tem paixo, principalmente/ Quando uma luz surge de repente/ E sedeixa no cu, como esquecida./ E se ao luar que atua desvairado/ Vem se unir uma msica qualquer/ A ento preciso ter cuidado/ Porque deve andar perto uma mulher./ Deve andar perto uma mulher que feita/ De msica,luar e sentimento/ E que a vida no quer, de to perfeita./ Uma mulher que como a prpria lua:/ To linda que sespalha sofrimento/ To cheia de pudor que vive nua. (MORAES, 1954, p. 56)

    A musicalidade que compe tanto a pea quanto o filme definida por Bertold Brecht em Estudos sobre oteatro como sendo um gesto que determina a linguagem (2005, p. 237-38), pois atravs dessa que observamostodo o amor de Orfeu por Eurdice, assim como mostrada atravs da msica, dos gestos sociais que se aplicam aosmoradores das favelas, no caso o hap, exprimindo a desigualdade social do povo do morro os aqui de cima e osdemais l de baixo, como colocado no filme. A pardia, nesse caso, est justamente a, pois na pea percebe-seuma relao mais restrita ao amor dos personagens principais. J o diretor Cac Diegues teve uma viso da pea umtanto mais realista, havendo um deslocamento maior no que diz respeito ao povo da favela e suas mazelas.

    Observa-se, por exemplo, no caso da pardia, o prprio carnaval, pois esse pode tanto determinar a alegriaque a festividade causa no povo da favela que guarda seu dinheiro o ano todo para viverem um nico momento desuas vidas que mgico, enquanto passam fome o ano todo, mas o que importa o viver, o morrer est logo aolado, ento por que no viver o pouco que resta. Essa situao dionsiaca pode ser conferida no trecho da pea em

    que Pluto, o presidente dos maiorais, exercendo uma espcie de Dionsio, julga a festividade para ser vivida com amaior intensidade: Triste de quem no quer brincar, que fica a labutar ou a pensar o dia inteiro! Triste de quemleva a vida a srio, acaba num cemitrio, trabalhando de coveiro! (MORAES, 1954, p. 84). A pardia caracteriza ainverso de valores que o carnaval, trazendo o luxo e o lixo, associados alegria e, ao mesmo tempo, luxria,

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    poca de maior prostituio, alcoolismo, trfico de drogas, pois os olhares esto voltados para a festa, osgovernantes esto voltados para a festividade.

    A intertextualidade est presente no filme como uma pardia da pea, pois todas as feridas do morro estoali configuradas. Affonso Romano de SantAnna e Shipley discriminam a pardia em trs tipos: verbal, formal etemtica. Pode-se defini-las exemplificando-as com passagens tanto da pea quanto do filme. No caso da pardiaverbal,encontram-se alteraes de uma ou outra palavra do texto. Nesse caso, tem-se Orfeu chamando porEurdice depois de encontrar com a Dama Negra, como sendo a figura da morte, ele tem medo de Eurdice nuncamais voltar e essa ento resolve cair em sua cama : Eurdice? Que sonho tive eu/ Minha Eurdice! ... EURDICE -

    Quer a sua morena tanto assim? ORFEUNo nem mais querer ... coisa ruim/ morte! (MORAES, 1954, p. 77-79). Na pea, a presena da Dama Negra, representa a morte. No filme temos a colocao da sombra de uma asadelta projetada sobre Eurdice, como se chamando para morte e a prpria Eurdice que o chama ao telefonequando pensa que Orfeu no est mais na linha. Existe, ento, uma alterao dos chamados, como uma premonio,que os conduz para o fim trgico.

    No que se refere pardia formal, tem-se na pea de Vincius, no segundo ato, o inferno. O autor usa osefeitos tcnicos do carnaval para zombar, no clube dos Maiorais, da loucura de Orfeu pela perda de Euridce, emmeio luxria, s batucadas do samba de carnaval, conforme o fragmento da pea:

    ORFEU Eu quero Eurdice!/ ... /PLUTO Pra fora! Aqui no tem Eurdice Nenhuma. Tas querendo me acabarcom o baile, pilantra? Aqui mando eu! Pra fora, j disse! PROSRPINA O cara ta cheio. Deixa ele, bem, seno

    capaz de sair estrago. Vem c, d um beijinho./ ... / AS MULHERES (danando) Quem foi que disse que eu no souEurdice? Quem foi que disse que eu no sou Eurdice?/ ... / PLUTO Ningum sai daqui sem ordem do rei! Aqui orei quem manda! Toca a msica! Onde est a msica? Cad o bumbo o tamborim a cuca o pandeiro o agog? Toca oapito! Comea o samba! No acabou o Carnaval ainda no! (MORAES, 1954, p. 89-90).

    No filme, essa cena, que tambm antecede a morte de Orfeu, traz as mulheres sadas do carnaval bbadas,zombando do seu estado de loucura com Eurdice nos braos e repetindo as falas da pea Quem foi que disse queeu no sou Eurdice!, o que provoca a ira de Mira em meio ao resultado da escola de samba vencedora na quartafeira de cinzas. Verifica-se, tambm, uma troca de letras no nome de Eurdice para Eurdoce desenhado no muro dafavela, estabelecendo um trocadilho com seu nome para mostrar toda a sua doura.

    A pardia do tipo temtica vai fazer uma caricatura da forma e do esprito do autor, ou seja, o tema

    escolhido por Vincius reforado por Cac Diegues justamente o carnaval, pois durante a festividade que o povodo morro desce para a cidade. O inferno do Orfeu negro seria o carnaval carioca. Orfeu buscaria Eurdice em meio aoritmo desencadeado das escolas de samba, dos passistas, dos mascarados em travesti, dos negros libertando-se desua pobreza no luxo das fantasias compradas s custas de economias de um ano.

    Quando Cac Diegues coloca no filme a Tia Carmem, amarga e recalcada, quer ironizar, por meio dapardia, seu estado de conformao pela vida que leva, enfatizando sempre os seus finais de fala com meu bemao tratar com sua sobrinha Eurdice. Ela, recm chegada do Acre, recebe um tratamento irnico por parte do diretorque ridiculariza a ignorncia e a falta de cultura das personagens que consideram que Acre e Amazonas so amesma coisa por mais que Eurdice tentasse estabelecer a diferena. Tia Carmem ironiza ao fazer crticas sociais e aotratar de sua prpria vida. Os policiais no filme se auto-ironizam, sabendo que no morro no podem fazer nada, ano ser mostrar servio. Ao chegar l, fazem alarde para que os traficantes fujam e tentam, em vo, peg-los como

    no caso da caa ao traficante Lucinho, afilhado de um dos policiais. A colocao do tema do estupro, da bala perdidano morro, da compra do tnis desejado a qualquer preo, situao essa vivida pelo personagem Maicol, de MichelJackson, figura arquetpica do jovem que quer estar na moda. A situao da sade pblica tambm apresentadacomo pardia na pea quando Vincius coloca a figura do mdico com descaso em meio a loucura de Clio, me deOrfeu: O HOMEM Ta pronto, minha gente!/ Trouxe a maca. A ambulncia est embaixo/ Que caras mais folgados... Adivinha/ O que disse o doutor? ... Vocs so fortes/ Subam e tragam a mulher que eu espero embaixo/ Edepressa que eu tenho um caso urgente/ Me esperando ... (MORAES, 1954, pg. 100).

    O cotidiano revela o sofrimento dirio das pessoas as quais no conseguem ter uma ideologia, algo em queacreditar para ser feliz. Dona Conceio resume a felicidade no filme de uma maneira bem simples felicidade meufilho uma geladeira cheia de feijo e cerveja com o remdio da gripe ao lado do pinguim, pinguim esse quesimboliza o pobre, afinal que pobre no tem um pinguim de geladeira?

    Conforme enunciado anteriormente, o filme Orfeu nada mais do que uma pardia da pea de Vincius comsuas situaes cmicas. Alm disso, o filme parodia o mito do Orfeu grego como um negro. No momento em queEurdice est provando sua fantasia, logo atrs dela h uma televiso em que Grande Otelo, satirizando o mito,aparece vestido de grego sendo negro e danando. Parece ridicularizar a figura do Orfeu, um ser pomposo, um Deus.

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    No que diz respeito parte social do filme, tem-se a presena constante de armas, do comeo ao fim. Desdea queima de fogos que pode virar um tiroteio, o que algo normal para o povo do morro, assim como tentar fazeralgo sem elas, como foi passado no filme, impossvel. Isso pode ser verificado na fala da moa do bando deLucinho, quando Orfeu o intima sem usar uma arma sequer, ela o indaga: Quantas R- 15 voc tem?, pois tudo tratado na base de armas.

    A pardia, alm de ser usada como crtica social, tambm se revela contraditria nas aes e no discurso daspersonagens e pode ser verificado na fala de PC quando diz: se eu tiver um filho drogado, eu quero matar de tantodar porrada o que no se aplica a ele, ou seja, como diz o ditado popular faa o que eu falo mas no faa o que eu

    fao, isso dentro de um contexto to susceptvel ao uso da droga, droga essa que bem retratada pela personagemdo bando de Lucinho: Viver faz mal a sade, o que deveria ser Viver faz bem a sade.

    A paixo de Orfeu e Eurdice, seus encontros e desencontros, assim como suas alegrias e tristezas no so osnicos elementos a serem vistos dentro da obra, pois tanto Vincius quanto Cac quiseram, com a pardia, nomostrar apenas a relao de amor entre eles ou o dio que esse amor projetou para os demais, incitando a inveja eo cime, por exemplo. Ambos, enfatizam o lado social do morro com suas mazelas, a riqueza da cultura negra ou afalta dela, levando em considerao o fator cmico, com suas contradies, enfim , o que o morro representa tendocomo tema base o carnaval. Tudo isso um grande paradoxo pois, sendo a favela uma vergonha social para o pas, oresultado de um regime de excluso que gera misria e injustia, ela tambm um tesouro cultural e de condieshumanas, que precisa ser descoberto, como diz Cac Diegues.

    A verso flmica de Orfeu, de Cac Diegues (1999) apresenta o conjunto das diferenas de pardia e

    apropriao. A pardia incide sobre a pea teatral de Vincius de Moraes, OrfeudaConceio (1953) e a apropriaose faz em relao a mesma pea e tambm sobre o mito de Orfeu mitologia grega. Alm dos conjuntos citados,verifica-se tambm um processo de inverso, dentro da narrativa da verso teatral e da verso cinematogrfica.

    A apropriao ocorre quando a personagem central recebe o mesmo nome do personagem mitolgico e otransporta para nova poca e realidade, fazendo-o transitar por novas experincias provoca o deslocamento detempo e lugar para nova narrativa. Conforme argumenta Afonso Romano de SantAnna (2003, p.45), o fenmeno deapropriao tambm verifica-se em cenas onde objetos esto presentes fora de seu contexto [...] eles re-apresentamos objetos em sua estranhidade.

    A cena, por exemplo, em que a personagem-protagonista desce uma encosta para resgatar sua amadaEurdice mostra um cenrio construdo com vrios artifcios de outras realidades, artifcios esses que colocados emcena representam uma bricolagem e um estorno de seus verdadeiros sentidos, dando uma conotao de uma

    verdadeira viso do inferno que foi descrita de outra forma na pea teatral e tambm na personagem mitolgica;essa articulao nada mais do que mais uma demonstrao de apropriao. Segundo SantAnna (2002, p. 46), [...]na apropriao o autor no escreve, apenas articula, agrupa, faz bricolagem do texto alheio; [...] ele no escreve,trans-creve, colocando os significados de cabea para baixo.

    A verso cinematogrfica de Orfeu, por se apresentar como uma pardia da pea teatral, exprime-se emum conjunto de diferenas e inverso, pois traando-se um paralelo entre as duas peas v-se dados na segundaverso como uma imagem invertida da primeira, ou seja, alguns significados apresentam-se em seu paroxismo.Nessa verso, a histria de Orfeu sofre um processo de apropriao e inverso que so variantes da pardia eapresenta uma conotao crtica dentro de um contexto e a realidade em que vivem os habitantes da favela nosmorros da cidade do Rio de Janeiro.

    Orfeu da Conceio, fruto de anos de trabalho , no dizer do poeta, uma pea em homenagem ao negro

    brasileiro, a quem, de resto, a devo O autor no explica o porqu dessa homenagem, pois certamente escreveriapginas e pginas. O texto lembra um mito, mas na realidade uma pardia, uma crtica, um desabafo, um retratoda poca passada e da atual em que brancos, pardos e negros so discriminados. Parece ser isso o que Vincius quismostrar: a vergonha, a misria e a injustia social do pas.

    Os Orfeus vm e vo, mas sua msica, sua voz ficaro para sempre na memria daqueles que receberam oconforto por meio delas.

    REFERNCIASBRECTH, Bertold. Estudos sobre o teatro. So Paulo: Nova Fronteira, 1978.DIEGUES, Cac. Orfeu, 1999.MORAES, Vinicius de. Teatro em verso. Org. Carlos Augusto Calil. So Paulo: Cia. das Letras.

    __________________. Orfeu da Conceio, 1954.FILKER, Raul. Mito e pardia: entre a narrativa e o argumento. So Paulo: Unesp, 2000.SANTANNA, Affonso R.de Pardia, Parfrase & Cia. Ed. tica, 2003.SANTELLA, Lcia. O que semitica. So Paulo: Brasiliense, 2003.SHIPLEY, Joseph T. Dicionrio de literatura.

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    Orfeu da ConceioTexto da contracapaVinicius de Moraes, 1956Poucas histrias tero excitado mais o esprito criador dos artistas que o mito grego de Orfeu, o divino msico da

    Trcia, cuja lira tinha o poder de tocar o corao dos bichos e criar nos sres a doura e o apaziguamento. ssesentimento da integrao total do homem com a sua arte, num mundo de beleza e harmonia, - que artista no o traz

    dentro de si, confundido com o prprio impulso que o move para a criao?

    Foi por volta de 1942 que eu, uma noite, depois de reler o mito numa velha mitologia grega, senti subitamente nele aestrutura de uma tragdia negra carioca. A lenda do artista que conseguiu, graas ao fascnio de sua msica, desceraos infernos para buscar Eurdice, sua bem-amada morta e que, ao perd-la em definitivo e com ela o gosto de criar ede viver, desencadeou em torno de si a desarmonia, o desespro de que seria le a primeira vtima, - essa lenda

    poderia perfeitamente passar-se num ambiente como o de uma favela carioca, sublimados, claro, os seuselementos naturais de modo a atingir a elevao do mito.Em 1953, instado por meu amigo, o poeta Joo Cabral de Melo Neto, mandei a pea para o concurso de teatro do IVCentenrio de So Paulo, havendo o juri por bem honra-la com uma premiao.Quando em Maio de 1956, atravs de um milagroso conjunto de circunstncias, um amigo propoz-me financiar a

    pea exatamente 24 horas antes de eu tomar meu avio para Paris, onde me encontro em psto, um dos problemasmais srios que me coube resolver foi a escolha do msico, de um compositor que pudesse criar para o Orfeu Negrouma msica que tivesse a elevao do mito, uma msica que unisse a Grcia clssica ao morro carioca, uma msicaque reunisse o erudito e o popular - uma msica "potica" que, mesmo servindo ao texto, tivesse uma qualidaderfica. Numa conversa com meus amigos Lucio Rangel e Haroldo Barbosa foi-me ponderado o nome do jovemmaestro e compositor Antonio Carlos Jobim, com quem eu de raro em raro privara em 1953, nas noites do finadoClube da Chave. Achei a idia excelente e puz-me imediatamente em contacto com Tom, como popularmenteconhecido, resultando da no apenas uma parceria, mas uma amizade que hoje sinto de grande importancia parans ambos. Com a idia de se criar uma ouverture para grande orquestra, que apresentasse os temas principais das

    personagens de maneira a colocar o espectador, ao abrir do pano, no ambiente emocional da pea, entreguei aAntonio Carlos Jobim a minha valsa Eurdice", composta em Strasburgo, e que desde ento passou a representar

    para mim o tema romntico de Eurdice no espao musical da imaginao de Orfeu. Confesso que a excelncia dotrabalho que me foi sendo pouco a pouco apresentado pelo compositor, excedeu tdas as minhas espectativas.Usando com grande habilidade elementos dos modos e cadncias plagais que criam uma ambincia grega

    perceptvel a qualquer pessoa, Antonio Carlos Jobim partiu realmente da Grcia para o morro carioca numdesenvolvimento extremamente homogneo de temas e situaes meldico-dramticas, fazendo, no final, quando acena abre, o samba romper sobre o morro onde se deve processar a tragdia de Orfeu. Os sambas criadosespecialmente para a pea, de parceria nossa, constituiram sem dvida a parte mais agradvel do nosso trabalho. Aoconhecedor de msica no escapar na estrutura meldico-harmnica dos mesmos o aproveitamento dessasmesmas cadncias plagais de que falei, e que combinam, a meu vr, maravilhosamente bem com o ritmo negrobrasileiro. Esses sambas so, do ponto de vista da pea, as criaes populares do sambista Orfeu da Conceio e

    funcionam de maneira dramtica predeterminada comentando a ao e acrescentando-lhe os elementos sem os

    quais a tragdia no funcionaria: os elementos da msica harmonizadora e destruidora que constituiu o privilgio dodivino tocador de lira da antiga Trcia.

    A grande orquestra da Odeon, composta de 35 elementos, sob a regncia do maestro Antonio Carlos Johim,interpretou, parece-me, extremamente bem a partitura. Notvel, sob todos os pontos de vista, o violo de Luiz Bonf.O nosso caro e grande Bonf, como sabido de todos, responsvel pela execuo, na orquestra, do violo de Orfeuda Conceio - o que lhe assegura de sada a excelncia de qualidade que o mito requer.Roberto Paiva, escolhido de comum acordo pela Odeon e por ns para cantar neste LP os sambas de Orfeu daConceio, em nada desmereceu essa confiana. A sua voz de timbre to agradvel, d em todos os nmeros

    justamente a interpretao que eles pediam: uma interpretaco sbria e direta, apoiada sobre a melodia e em justacomposio com os ricos elementos harmnicos que Antonio Carlos Jobim sobe to bem criar em todos os seusarranjos.

    MONLOGO DE ORFEU ( Original da Pea "Orfeu da Conceio")Baseado na Mitologia Grega no Drama de "Orfeu e Eurdice",

    Original da Pea Musical "Orfeu da Conceio",Vinicius de Moraes/Tom Jobim

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    Mulher mais Adorada!

    Agora que no ests, deixa que rompa,O meu peito em soluos!Te enrustisteEm minha vida; e cada hora que passa mais por que te amar, a hora derramaO seu leo de amor, em mim, Amada...

    E sabes de uma coisa?Cada vezQue o sofrimento vem, essa saudadeDe estar perto, se longe, ou estar mais perto,Se perto, Ah...que que eu sei! Essa agoniaDe viver fraco, o peito extravasado,O mel correndo; essa incapacidadeDe me sentir mais eu, Orfeu... tudo issoQue bem capaz de confundir o espritoDe um homem, Ah...nada disso tem importnciaQuando tu chegas com essa charla antiga,Esse contentamento, essa harmonia,Esse corpo! E me dizes essas coisasQue me do essa fora, essa coragem,Esse orgulho de rei.

    Ah..Minha Eurdice...Meu Verso, Meu Silncio, Minha Msica!Nunca fujas de mim!Sem ti sou nada,Sou coisa sem razo, jogado, sou pedra rolada...Orfeu menos Eurdice...

    Coisa incompreensvel! A existnciaSem ti como olhar para um relgio

    http://1.bp.blogspot.com/-1dqcHJDf_QU/Tp90FjfzQSI/AAAAAAAAANw/Fi5JfZ9jvkE/s1600/4d99a7e69e48ca818bf13fc4ff826c34.jpg
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    S com o ponteiro dos minutos.Tu s a hora, s o que d sentidoE direo ao tempo, minha amiga...Mais querida! Qual me, qual pai, qual nada!

    A beleza da vida s tu, Amada!Milhes Amada! Ah...Criatura!Quem

    Poderia pensar que Orfeu:Orfeu, cujo violo a vida da cidade,E cuja fala, como o vento flor...Despetala as mulheres - que ele, Orfeu..Ficasse assim rendido aos teus encantos!Mulata, pele escura, dentes brancos,Vai teu caminho que eu vou te seguindoNo pensamento, e aqui me deixo rente,Quando voltares, pela lua cheia,Para os braos sem fim do teu amigo!

    Vai tua vida, pssaro contente...Vai tua vida, que estarei contigo!

    3- Gabriela, cravo e canela- Jorge Amado

    Gabriela Cravo e CanelaModernismo de segunda fase. Gabriela Cravo e Canela dividido em duas partes, que so em si divididas em outras

    duas. A histria comea em 1925, na cidade de Ilhus. A primeira parte Um Brasileiro das Arbias e sua primeiradiviso O langor de Ofensia. Vai centrando-se a histria nesta parte em dois personagens: Mundinho Falco eNacib. Mundinho um jovem carioca que emigrou para Ilhus e l enriqueceu como exportador e planeja acelerar odesenvolvimento da cidade, melhorar os portos e derrubar Bastos, o inepto governante. Nacib um srio ("turco ame!") dono do bar Vesvio, que se v em meio a uma grande tragdia pessoal: a cozinheira de seu partiu para irmorar com o filho e ele precisa entregar um jantar para 30 pessoas em comemorao a inaugurao de uma linhaautomotiva regular para a cidade de Itabuna.Ele encomenda com um par de gmeas careiras, mas passa toda a parte procurando por uma nova cozinheira. Nofinal desta pequena parte aparece Gabriela, uma retirante que planeja estabelecer-se em Ilhus como cozinheira oudomstica, apesar dos pedidos do amante que planeja ganhar dinheiro plantando cacau. A segunda parte destaprimeira parte A solido de Glria e passa-se apenas em um dia. O dia comea com o amanhecer de dois corpos na

    praia, frutos de um crime passional (todo mundo d razo ao marido trado/assassino), segue com as preparaes dojantar e a contratao de Gabriela por Nacib. No jantar acirram-se as diferenas polticas e, na prtica, declara-se aguerra pelo poder em Ilhus entre Mundinho Falco (oposio) e os Bastos (governo). Quando o jantar acaba (empaz), Nacib volta para casa e, quando ia deixar um presente para Gabriela silenciosa mas no inocentemente, temcom ela a primeira noite de amor/luxria.A segunda parte chama-se propriamente Gabriela Cravo e Canela e sua primeira parte, o captulo terceiro, chama-seO segredo de Malvina, terceiro captulo, passa-se cerca de trs meses aps o fim do outro captulo, e trs problemasexistem: o caso Malvina-Josu-Glria-Rmulo, as complicaes polticas e o cimes de Nacib. Vamos pela ordem.Josu era admirador de Malvina, filha de um coronel com esprito livre. Esta comea a namorar Rmulo, umengenheiro chamado por Mundinho Falco para estudar o caso da barra (que impedia que navios grandesatracassem no porto de Ilhus). Josu se desaponta e se interessa por Glria, amante de um outro coronel. Rmulo

    foge aps um escndalo feito pelo machista (to machista quanto o resto da sociedade ilheense) pai de Malvina,Malvina faz planos de se libertar e Josu comea um caso em segredo com Glria. Na poltica, acirra-se a disputa porvotos ao ponto do coronel Bastos mandar queimar toda uma tiragem do jornal de Mundinho.Mas Mundinho ganha terreno com a chegada do engenheiro. E perde quando esse foge covarde. E ganha com apromessa da chegada de dragas a Ilhus. Nacib enquanto isso desenvolveu um caso com Gabriela. Mas est sendo

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    atacado pelo cimes (todos querem Gabriela, perfume de cravo, cor de canela). Aos poucos ele percebe que amore acaba propondo casamento a Gabriela aps a ltima investida do juiz (alarme falso, ele j havia desistido). Mas foia tempo, j que at roas do poderoso cacau de Ilhus j haviam sido oferecidas a Gabriela.O captulo acaba durante a festa de casamento de Nacib e Gabriela (no civil, j que Nacib muulmano no-praticante), quando chegam as dragas no porto de Ilhus. A quarta e ltima parte chama-se O luar de Gabriela.Nesta resolvem-se todos os casos. Pela ordem: Josu e Glria oficializam a relao e Glria expulsa de sua casa porseu coronel. Na parte da poltica, aps o coronel Ramiro Bastos perder o apoio de Itabuna (e mandar matar, semsucesso, seu ex-aliado; o quase assassino foge com a ajuda de Gabriela, que o conhecia), ele morre placidamente em

    seu sono, seus aliados reconhecem que estavam errados (a lealdade era com o homem, no suas idias) e a guerrapoltica acaba com Mundinho e seus candidatos vencedores. Quanto a Nacib e Gabriela... Gabriela no se adapta de

    jeito nenhum vida de "senhora Saad", para desespero de Nacib.Nacib acaba anulando o casamento ao peg-la na cama com Tonico Bastos, seu padrinho de casamento. Masningum ri de Nacib; pelo contrrio, Tonico humilhado e sai da cidade, o casamento anulado sem complicaes(os papis de Gabriela eram falsos) e Gabriela sai de casa. Nacib fica amargurado e vai se recuperando. As obras nabarra se completam com sucesso e Nacib e Mundinho abrem um restaurante juntos. O cozinheiro chamado pelosdois ... convidado a se retirar da cidade por admiradores de Gabriela, que acaba sendo recontratada por Nacib.Semanas depois, Nacib e ela reiniciam seu caso, to ardente como era no comeo e deixara e ser aps o casamento.Num eplogo, o coronel, assassino dos dois amante da primeira parte, condenado priso. Cheio de uma crtica sociedade ilheense, a prpria linguagem do autor muda quando foca-se a ateno em Gabriela. Torna-se mais

    cantada, mais tpica da regio (como a fala de todos), deixando a leitura cada vez mais saborosa.

    O amor de Gabriela e seu Nacib se desenrola em um cenrio marcado pelas transformaes na poltica.Ilhus, cidade baiana onde acontece a histria, ainda dominada pelos coronis e seus jagunos, porm, com achegada do carismtico Mundo Falco e de suas ideias revolucionrias, a posse do poder pode comear a mudar umpouco. Obviamente, quando li a orelha com esta informao, j criei uma inimizade precoce contra Mundo: mas oque esse enxerido est se metendo nas tradies. No que eu seja tradicionalista, mas gosto das coisas como elasso. Porm, quando a histria comea e mostrada uma Ilhus atrasada, necessitada e sem investimento e MundoFalco aparece com planos para transform-la em uma grande cidade, passei a idolatrar todo o carisma e dedicaodo personagem e adquiri um dio cego contra todos os coronis (que, alm de submeterem toda a populao,

    traiam suas esposas na cara dura! Para mim, traio imperdovel!). O cenrio de conflitos entre a revoluo e otradicionalismo toda conta de Ilhus, enquanto o povo se divide para eleger seu prximo governante.

    Abaixo desta briga toda, est um rabe naturalizado brasileiro chamado Nacib. Ele tem bar muito movimentado nacidade, porm acaba de perder sua cozinheira, o que o exaspera. Por mais que procure, no encontra ningum parasubstitu-la.Do outro lado da cidade, um grupo de migrantes do serto se aproxima de Ilhus para encontrar uma vida melhor eentre eles est uma jovem chamada Gabriela (sabe Deus o resto do nome). Quando chegam cidade, Gabriela ento encontrada por Nacib ao acaso, que a leva para sua casa como cozinheira.Gabriela revela-se ento uma cozinheira de mo cheia e, em pouqussimo tempo, a movimentao no bar de Nacibcresce espetacularmente. Entretanto, um dia, quando Nacib voltava para casa, encontra Gabriela dormindo em uma

    poltrona, que tinha acabado de tomar banho. Lembro at agora das palavras: cheiro de cravo, cor de canela. Eraisto o que Nacib viu no meio de sua sala.No demorou muito a Nacib se apaixonar perdidamente por Gabriela. Porm, esta ltima se revela um poucoinsegura, sem muita opinio prpria, querendo sempre agradar os outros, mas nunca sabe o que quer da vida

    GABRIELA CRAVO E CANELA - Jorge AmadoO livro Gabriela Cravo e Canelade Jorge Amado um dos livros mais legais daobrado escritor baiano, s ficaatrs mesmo deCapites da Areia, alm disso, curiosamente dividido em duas partes, que so em si divididasem mais outras duas. Escrito no ano de 1958, esse romance regionalista, rendeu ao autor cinco importantesprmios e uma excepcional aceitao pelo pblico, tendo tambm grande xito no estrangeiro, tendo sido traduzidoem vinte lnguas.

    A histria comea em 1925, na cidade de Ilhus. A primeira parte do livro chamada deUm Brasileiro dasArbiasque centra nas histrias de dois personagens: Mundinho Falco e Nacib. O primeiro um jovem cariocadesaforado que emigrou para Ilhus e l enriqueceu como exportador e planeja acelerar o desenvolvimento dacidade, melhorar os portos e derrubar Bastos, o inepto governante (*um tipo Jaques Wagner/ACM mais perverso).J Nacib um srio ("turco a me!") dono do bar Vesvio, que se v em meio a uma grande tragdia pessoal: a

    http://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com.br/2012/05/gabriela-cravo-e-canela-jorge-amado.htmlhttp://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com.br/2012/05/gabriela-cravo-e-canela-jorge-amado.htmlhttp://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com.br/2012/05/gabriela-cravo-e-canela-jorge-amado.htmlhttp://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com.br/2012/05/gabriela-cravo-e-canela-jorge-amado.html
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    cozinheira foi embora para ir morar com o filho e ele precisa entregar um jantar para 30 pessoas em comemorao auma inaugurao de uma linha automotiva para Itabuna. E a surge a Gabriela.

    Em 1975, a Rede Globo produziu uma novela que entrou para a histria da teledramaturgia nacional baseada nessaobra de Jorge. E foi atravs dessa novela e do filme de 1983, que a protagonista Snia Braga ficou mundialmenteconhecida, porm, recentemente ela descartou qualquer possibilidade de fazer um personagem ou umaparticipao especial no remake que trs a Juliana Paes no papel principal. Snia disse que estaria rodando um

    longa em Los Angeles e que no poderia participar das gravaes. No entanto, algumas pessoas acreditam que aparticipao de Snia poderia ofuscar a nova-velha Gabriela e fomentar ainda mais as comparaes entre as duas.

    Hora da Estrela, de Clarice Lispector

    se da obra

    a da estrela tambm uma despedida de Clarice Lispector. Lanada pouco antes de sua morte em 1977, a obra conta osentos de criao do escritor Rodrigo S. M. (a prpria Clarice) narrando a histria de Macaba, uma alagoana rf, virgemtria, criada por uma tia tirana, que a leva para o Rio de Janeiro, onde trabalha como datilgrafa.

    os olhos do narrador e atravs de seu domnio da palavra que a existncia e a essncia so expostas como interrogaes.resena masculina retrata um universo de fragmentos, onde o ser humano no respeitado, mas desacreditado nessanstruo de uma realidade mutilada.

    hora da estrela Clarice escreve sabendo que a morte est prxima e pe um pouco de si nas personagens Rodrigo eba. Ele, um escritor espera da morte; ela, uma solitria que gosta de ouvir a Rdio Relgio e que passou a infncia noeste, como Clarice.

    pedida de Clarice uma obra instigante e inovadora. Como diz o personagem Rodrigo, estou escrevendo na hora mesmaue sou lido. Clarice contando uma histria e, ao mesmo tempo, revelando ao leitor seu processo de criao e sua

    stia diante da vida e da morte.

    tura da obra

    a obra composta de trs histrias que se entrelaam e que so marcadas, principalmente, por duas caractersticasamentais da produo da autora: originalidade de estilo e profundidade psicolgica no enfoque de temas aparentementens.

    uagem narrativa de Clarice , s vezes, intensamente lrica, apresentando muitas metforas e outras figuras de estilo.or exemplo, alguns paradoxos e comparaes inslitas, que realmente surpreendem o leitor. E tambm peculiaridadetora a construo de frases inconclusas e outros desvios da sintaxe convencional, alm da criao de alguns

    ogismos.

    narrativo

    to linguagem, o livro a apresenta fartamente, em todos os momentos em que o narrador discute a palavra e o fazertivo. Interessante notar que, antes de iniciar a narrativa e logo aps a 'Dedicatria do autor', aparecem os treze ttuloseriam sido cogitados para o livro.

    urso usado por Clarice Lispector o narrador-personagem, pois conforme nos faz conhecer a protagonista, tambm nosonhec-lo. Ele escreve para se compreender. um marginalizado conforme lemos: "Escrevo por no ter nada a fazer nodo: sobrei e no h lugar pra mim na terra dos homens". Quanto sua relao com Macaba, ele declara am-la e

    reend-la, embora faa contnuas interrogaes sobre ela e embora parea apenas acompanhando a trajetria dela, sem exatamente o que lhe vai acontecer e torcendo para que no lhe acontea o pior.

    ba, a protagonista, uma inveno do narrador com a qual se identifica e com ela morre. A personagem criada dea onisciente (tudo sabe) e onipresente (tudo pode). Faz da vida dela um aprendizado da morte. A morte foi a hora de

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    a.

    redo deA hora da Estrela no segue uma ordem linear: h flashbacks iluminando o passado, h idas e vindas do passadoo presente e vice-versa.

    da alinearidade, h pelo menos trs histrias encaixadas que se revezam diante dos nossos olhos de leitor:

    metanarrativa - Rodrigo S. M. conta a histria de Macaba: Esta a narrativa central da obra: o escritor Rodrigo S.M.

    a histria de Macaba, uma nordestina que ele viu, de relance, na rua.

    dentificao da histria do narrador com a da personagem - Rodrigo S.M. conta a histria dele mesmo: esta narrativa d-b a forma do encaixe, paralela histria de Macaba. Est presente por toda a narrativa sob a forma de comentrios eendamentos do narrador que se mostra, se oculta e se exibe diante dos nossos olhos. Se por um lado, ele v a jovemo algum que merece amor, piedade e at um pouco de raiva, por sua pattica alienao, por outro lado, ele estabeleceela um vnculo mais profundo, que o da comum condio humana. Esta identidade, que ultrapassa as questes dee, de gnero e de conscincia de mundo, um elemento de grande significao no romance, Rodrigo e Macaba seundem.

    vida de Macaba - O narrador conta como tece a narrativa.

    dor e protagonista, inseridos em uma escrita descontnua e imprevisvel, permitem ao leitor a reflexo sobre uma pocaansio, de incoerncia, como um movimento em busca de uma nova estruturao da obra literria similar insegurana,iedade e ao sofrimento. O tema oferecido, socializando a possibilidade de ruptura.

    rador revela seu amor pela personagem principal e sofre com a sua desumanizao, mas, tambm, com a prpriancia em tornar-se insensvel.

    o narrativo escolhido a primeira pessoa. O narrador lana mo, como recurso, das digresses, o que, aspectualmentece dar narrativa uma caracterstica alinear. No se engane: ele foge para o passado a fim de buscar informaes.

    o / Tempo

    de Janeiro o espao. Ocorre que o espao fsico, externo, no importa muito nesta histria. O "lado de dentro dasuras o que interessa aos intimistas.

    indcios que o narrador nos oferece, o tempo poca em que Marylin Monroe j havia morrido - possivelmente ada de 60 em seu fim ou a de 70 em seus comeos - mas faz ainda um grande sucesso como mito que povoa a cabea e osos de Macaba.

    ora a histria de Macabea seja profundamente dramtica, a narrativa toda permeada de muito humor e ironia. Orio nome da protagonista constitui-se numa grande ironia (tragicomdia).

    onagens

    ba: Alagoana, 19 anos e foi criada por uma tia beata que batia nela (sobre a cabea, com fora); completamentesciente, raramente percebe o que h sua volta. A principal caracterstica de Macaba a sua completa alienao. Elaabe nada de nada. Feia, mora numa penso em companhia de 3 moas que so balconistas nas Lojas Americanas (Marianha, Maria da Graa e Maria Jos). Macaba recebe o apelido de Maca e a protagonista da histria. Possivelmente o

    e Macaba seja uma aluso aos macabeus bblicos, sete ao todo, teimosos, criaturas destemidas demais nontamento do mundo; a aluso, no entanto, faz-se pelo lado do avesso, pois Macaba o inverso deles.

    pico: Olmpico se apresentava como Olmpico de Jesus Moreira Chaves. Trabalhava numa metalrgica e no se

    ficava como "operrio": era um "metalrgico". Ambicioso, orgulhoso e matara um homem antes de migrar da Paraba.a ser muito rico, um dia; e um dia queria tambm ser deputado. Um secreto desejo era ser toureiro, gostava de ver

    ue.

    go S. M.: Narrador-personagem da histria. Ele tem domnio absoluto sobre o que escreve. Inclusive sobre a morte de

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    ba, no final.

    a: Filha de um aougueiro, nascida e criada no Rio de Janeiro, Glria rouba Olmpico de Macaba. Tem um qu degem, cheia de corpo, esperta, atenta ao mundo.

    ame Carlota: a mulher de Olaria que por as cartas do baralho para "ler a sorte"de Macaba. Contar que foi prostitutado jovem, que depois montou uma casa de mulheres e ganhou muito dinheiro com isso. Come bombons, diz que f deCristo e impressiona Macaba. Na verdade, Madame Carlota uma enganadora vulgar.

    as personagens: As trs Marias que moram com Macaba no mesmo quarto, o mdico que a atende e diagnostica adade da tuberculose e o chefe, seu Raimundo, que reluta em mand-la embora.

    do

    ba (Maca) foi criada por uma tia beata, aps a morte dos pais quando tinha dois anos de idade. Acumula em seu corpono a herana do serto, ou seja, todas as formas de represso cultural, o que a deixa alheia de si e da sociedade.

    ndo o narrador, ela nunca se deu conta de que vivia numa sociedade tcnica onde ela era um parafuso dispensvel.

    ava at mesmo porque se deslocara de Alagoas at o Rio de Janeiro, onde passou a viver com mais quatro colegas na Rua

    cre. Macaba trabalha como datilgrafa numa firma de representantes de roldanas, que fica na Rua do Lavradio. Tem poro ouvir a Rdio Relgio, especializada em dizer as horas e divulgar anncios, talvez identificando com o apresentador asez de linguagem que a converte num ser totalmente inverossmil no mundo em que procura sobreviver. Tinha como

    de admirao a atriz norte-americana Marilyn Monroe, o smbolo social inculcado pelas superprodues de Hollywood nada de 1950.

    ba recebe de seu chefe, Raimundo Silveira, por quem ela estava secretamente apaixonada, o aviso de que seredida por incompetncia. Como Macaba aceita o fato com enorme humildade, o chefe se compadece e resolve noedi-la imediatamente.

    amorado, Olmpico de Jesus, era nordestino tambm. Por no ter nada que ajudasse Olmpico a progredir, ela o perde

    Glria, que possua atrativos materiais que ele ambicionava.

    a, com certo sentimento de culpa por ter roubado o namorado da colega, sugere a Macaba que v a uma cartomante,onhecida. Para isso, empresta-lhe dinheiro e diz-lhe que a mulher, Madame Carlota, era to boa, que poderia at indicar-jeito de arranjar outro namorado. Macaba vai, ento, cartomante, que, primeiro, lhe faz confidncias sobre seudo de prostituta; depois, aps constatar que a nordestina era muito infeliz, prediz-lhe um futuro maravilhoso, j que ela

    ria casar-se com um belo homem loiro e rico - Hans - que lhe daria muito luxo e amor.

    ba sai da casa de Madame Carlota 'grvida de futuro', encantada com a felicidade que a cartomante lhe garantira e quecomeava a sentir. Ento, logo ao descer a calada para atravessar a rua, atropelada por um luxuoso Mercedes Benz

    elo. Esta a hora da estrela de cinema, onde ela vai ser "to grande como um cavalo morto".

    r atropelada, Macaba descobre a sua essncia: Hoje, pensou ela, hoje o primeiro dia de minha vida: nasci. H umao paradoxal: ela s nasce, ou seja, s chega a ter conscincia de si mesma, na hora de sua morte. Por isso antes deer repete sem cessar:Eu sou, eu sou, eu sou, eu sou.

    er definido a sua existncia que Macaba pronuncia uma frase que nenhum dos transeuntes entende: Quanto aoo. (...) Nesta hora exata Macaba sente um fundo enjoo de estmago e quase vomitou, queria vomitar o que no

    o, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas.

    ela morre tambm o narrador, identificado com a escrita do romance que se acaba.

    LEIA QUE IMPORTANTE.

    ra da Estrela- Clarice Lispector

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    Enquanto eu tiver perguntas e no houver resposta, continuarei a escrever. (...) Pensar um ato. Sentir um fato.

    Comentando a obraExiste a necessidade constante de descobrir-se o princpio, mas o homem, limitado que , noconhece a resposta a todas as perguntas. A personagem narradora no diferente dos outroshomens, porm, mesmo sem saber tais respostas, de uma coisa ela tem certeza e, por isso, elaafirma: "Tudo no mundo comeou com um sim." preciso dizer sim para que algo comece, por isso,ela diz "sim" a Macaba. Algum que forou seu nascimento, sua sada de dentro do narrador,

    tornando-se a nordestina, personagem protagonista de seu romance. o grito do narrador queaparece no corpo de Macaba:Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ningum a quer, ela virgem e incua, nofaz falta a ningum. Alis - descubro eu agora - tambm no fao a menor falta, e at o que euescrevo um outro escreveria. Um outro escritor sim, mas teria que ser homem porque escritoramulher pode lacrimejar piegas. Assim, ela uma entre tantas, pois quem olharia para algum com"corpo cariado", franzino, trajes sujos, ovrios incapazes de reproduzir? Com ela o narradoridentifica-se, pois ele tambm nada fez de especial (qualquer um escreveria o que ele escreve); teriade ser escritor, mas nunca escritora; por outro lado, no se pode esquecer de que quem escreve Clarice Lispector, conforme se afirma na dedicatria. Dessa forma, desencadeia-se, na primeira partedo livro, todo um processo de metalinguagem, que entrecortar a narrativa at o seu desfecho. O

    narrador homem - Rodrigo S. M. - tecer reflexes sobre a posio que o escritor ocupa na sociedade,seu papel diante dela e, principalmente, sobre o processo de elaborao da escritura de sua obra:Escrevo neste instante com prvio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa to exterior eexplcita. De onde, no entanto at sangue arfante de to vivo de vida poder quem sabe escorrer ecoagular em cubos de geleia trmula. Ser essa histria um dia o meu cogulo? Que sei eu. Se hveracidade nela - e claro que a histria verdadeira embora inventada - que cada um reconhea emsi mesmo porque todos ns somos um e quem no tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espritoou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa do que ouro - existe a quem falte o delicado essencial.(...)Proponho-me a que no seja complexo o que escreverei, embora seja obrigado a usar as palavras quevos sustentam. A histria - determino com falso livre arbtrio - vai ter uns sete personagens e eu sou

    um dos mais importantes deles, claro. Eu, Rodrigo S. M. Relato antigo, este, pois no quero sermodernoso e inventar modismos guisa de originalidade. Assim que experimentarei contra osmeus hbitos uma histria com comeo, meio e gran finale seguido de silncio e chuva caindo.Ironizando, repetidas vezes, o desejo que os leitores tm da narrativa tradicional, Clarice Lispector(aqui transfigurada no narrador Rodrigo S. M.), em contrapartida, no abre mo de suascaractersticas mais marcantes, ou seja, a reflexo, o elemento acima do enredo, o "silncio e a chuvacaindo", que marcaro a personagem protagonista. Como contar a vida sem menti-la? Para isso,pondera o narrador, a narrativa h de ser simples, sem arte. O narrador est enjoado de literatura.No usar "termos suculentos", "adjetivos esplendorosos", "carnudos substantivos", verbos "esguiosque atravessam agudos o ar em vias de ao". A linguagem deve ser despojada para ser precisa epara poder alcanar o corpo inteiro e vivo da realidade. Como escreve o narrador?

    Verifico que escrevo de ouvido assim como aprendi ingls e francs de ouvido. Antecedentes meusdo escrever? Sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mimde algum modo um desonesto. (...) Que mais? Sim, no tenho classe social, marginalizado que sou. Aclasse alta me tem como um monstro esquisito, a mdia com desconfiana de que eu possadesequilibr-la, a classe baixa nunca vem a mim. hegamos, aqui, ao ponto mais importante dessetrabalho de metalinguagem: a conscincia do escritor como um marginalizado. aqui que o narradorse funde com sua personagem: ambos so marginalizados, num espao que no os aceita. Tal fusose d em todos os nveis - no apenas no desejo de simplicidade da linguagem despojada; para poderfalar de Macaba, o escritor torna-se um trabalhador braal, faz-se pobre, dorme pouco, adquireolheiras fundas e escuras, deixa a barba por fazer, lidando com uma personagem que insiste, comseus dezenove anos, mesmo tendo "corpo cariado", comparada a uma "cadela vadia", "numa cidade

    toda feita contra ela", em viver. Assim, personagem e narrador do seu grito de resistncia em buscada vida. A resistncia de Macaba pode ser representada, por exemplo, nos momentos em que sorrina rua para pessoas que sequer a veem; a resistncia do narrador, na busca da palavra, cheia desentidos secretos... a "coisa", que, quando no existe, deve ser inventada (o narrador escritor comosenhor da criao). Tanto Macaba como a palavra so pedras brutas a serem trabalhadas. A palavra

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    ser a mediadora entre o narrador e o leitor, e entre o leitor e Macaba, pois por meio dela queconheceremos a histria da personagem, os fatos e, principalmente, o nascimento deles. O narrador,ao contar Macaba, conta a si mesmo, no s pelas sucessivas identificaes com a personagem, masporque ela sai de dentro de si, imanente que a ele ("pois a datilgrafa no quer sair de meusombros.") . Dessa unio, nasce uma nordestina vinda de Alagoas para o Rio de Janeiro. Datilgrafa, "oque lhe dava alguma dignidade", fazendo-a acreditar que tal profisso indicava que "era algum navida" (aqui, no lhe passa pela cabea que uma pssima profissional, semi-analfabeta... ela no temconscincia de nada disso). Algum com aparncia bruta, capaz de enojar suas quatro companheiras

    de quarto (na penso onde morava), trabalhadoras das Lojas Americanas:"... dormia de combinao de brim, com manchas bastante suspeitas de sangue plido (...) Dormia deboca aberta por causa do nariz entupido.(...) Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de no-sei-o-qu com ar de sedesculpar por ocupar espao. No espelho distraidamente examinou as manchas do rosto. Em Alagoaschamavam-se panos, diziam que vinham do fgado. Disfarava os panos com grossa camada de pbranco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento. Ela toda era um pouco encardida poisraramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinao. Uma colega dequarto no sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como no sabia, ficou por issomesmo, pois tinha medo de ofend-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre asmanchas tivesse um leve brilho de opala. Mas no importava. Ningum olhava para ela na rua, ela era

    caf frio. Assoava o nariz na barra da combinao. No tinha aquela coisa delicada que se chamaencanto. S eu a vejo encantadora. S eu, seu autor, a amo. Sofro por ela.

    e percepo fsica acompanha a psicolgica. Comea com o fato de ela ser alvo fcil da sociedadeconsumista e da indstria cultural: gosta de colecionar anncios; seus parcos conhecimentos soextrados da Rdio Relgio (informaes ouvidas, mas nunca entendidas); gosta de cachorro-quente eCoca-Cola. Aceita tudo isso sem questionar, pois teme as concluses a que pode chegar (arrepende-seem Cristo por tudo, mesmo no entendendo o que isso significa; no se vingava porque lhe disseramque isso "coisa infernal"; apaixona-se pelo desconhecido, como no caso da palavra "efemrides", masnunca procurava, efetivamente, conhecer o incognoscvel, pois era mais fcil aceitar aceitar-lhe aexistncia e admir-lo a distncia). Consequentemente, torna-se personagem "torta", de tantoencaixar-se num meio que tanto a repele. O prprio emprego de datilgrafa revelador: ela o era por

    acreditar que este lhe dava alguma dignidade. Buscava a dignidade, como se no tivesse direito a ela.Outro dado revelador seu relacionamento com Olmpico, desculpando-se com ele todo o tempo,chegando a dizer-lhe que no muito gente, que s sabe ser impossvel. Ela no se defende por seusprprios valores, mas tenta adaptar-se aos valores do namorado, nunca discutindo a validade deles.Olmpico representa o contraponto em relao a Macaba. Seus valores em nada se relacionam aosdela: metalrgico, quer ser deputado, afastar-se de Macaba e ficar com Glria, a loira oxigenada,colega de trabalho de Macaba; afinal, o pai dela era aougueiro, o que lhe dava maiores perspectivasde vida. E tudo isso , literalmente, engolido, to deglutido, que ela no admite a ideia de vomitar;afinal, isso seria um desperdcio. Ao mesmo tempo, sensual em seus pensamentos, ou nos momentosde solido, como quando viu o homem bonito no botequim, ou ainda quando ficou em casa - ao invsde ir trabalhar - vivendo a sensao de liberdade. O prazer em Macaba algo que sempre se alia

    dor. Ao ver o homem, por exemplo, apesar do prazer que tal viso lhe d, h o sofrimento por no opossuir e por ter a certeza de que algum assim mesmo s para ser visto. Macaba j haviaexperimentado essas sensaes contraditrias com outra pessoa, a tia, que, ao bater na menina, sentiaprazer ao v-la sofrer: "... e ela era s ela", imune vida, vida que era morte, por tanta aceitao. Oinstinto de vida, que est ligado ao prazer, vem sustenta-la. Diz o narrador: "Penso no sexo deMacaba (...) seu sexo era a nica marca veemente de sua existncia."ais adiante, ligando o prazer morte: "Ela nada podia mas seu sexo exigia, como um nascido girassol

    num tmulo." De que "relao sexual" se pode falar no caso de Macaba? Da relao com a prpriavida, que ela insiste em manter, no seu conceito to particular de beleza: usava batom vermelho,queria ser atriz de cinema com Marylin Monroe, apreciava os rudos, pois eram vida. Essas sensaesse intensificam quando vai cartomante Carlota (por recomendao de Glria), no momento em que

    esta lhe revela: a felicidade viria de fora, do estrangeiro. A cartomante mostra-lhe a tragdia que suavida (coisa de que, at o momento, no havia tomado conscincia), mas, ao mesmo tempo, d-lhe aesperana de acreditar que as coisas poderiam ser diferentes... a possvel felicidade. Quando sai dacasa da cartomante, atropelada por Hans, que dirigia um automvel Mercedes-Benz, momento emque a vida se torna "um soco no estmago": Por enquanto Macaba no passava de um vago

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    sentimento nos paraleleppedos sujos. (...) Tanto estava viva que se mexeu devagar e acomodou ocorpo em posio fetal. Grotesca como sempre fora. Aquela relutncia em ceder, mas aquela vontadedo grande abrao. Ela se abraava a si mesma com vontade do doce nada. Era uma maldita e no sabia.(...) A morte dela o momento em que Eros (Amor) se une a Tanatos (Morte), vida e morte, nummomento doce, e sensual:"Ento - ali deitada - teve uma mida felicidade suprema, pois ela nascera para o abrao da morte. (...)E havia certa sensualidade no modo como se encolhera. Ou como a pr-morte se parece com aintensa nsia sensual?

    que o rosto dela lembrava um esgar de desejo. (...) Se iria morrer, na morte passava de virgem amulher. No, no era morte pois no a quero para a moa: s um atropelamento que no significavasequer um desastre. Seu esforo de viver parecia uma coisa que se nunca experimentara, virgem queera , ao menos intura, pois s agora entendia que mulher nasce mulher desde o primeiro vagido. Odestino de uma mulher ser mulher. Intura o instante quase dolorido e esfuziante do desmaio doamor. Sim, doloroso reflorescimento to difcil que ela empregava nele o corpo e a outra coisa que vschamais de alma. (...)a exata, Macaba sente um fundo enjoo de estmago e quase vomitou, queria vomitar o que no corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas. O que que eu estou vendo agora e que meassusta? Vejo que ela vomitou um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o mago tocando nomago: vitria! Sua boca, agora, vermelha como a de Marylin Monroe, no apogeu orgsmico da morte,

    grita, pela primeira vez, depois de vomitar, vida:ento o sbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a guia voraz erguendo para os altos aresa ovelha tenra, o macio gato estraalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida. Chegamos,afinal, ao momento da epifania do narrador fundido Macaba: a vida que grita por si mesma,independente da opresso e da marginalizao social. O momento, entremeado com silncio, daconscincia a que se chega pelo ato de escrever:ante aquele timo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no cho edepois no toca mais e depois toca de novo. Etc. , etc., etc. No fundo ela no passara de uma caixinhade msica meio desafinada. Eu vos pergunto:- Qual o peso da luz? E agora - agora s me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, sagora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu tambm?!

    No esquecer que por enquanto tempo de morangos.Sim. Enfim, descobrimos, agora, que tudo comea e acaba com um sim. Tambm preciso coragempara morrer, silncio para ouvir o grito da vida.

    5- ltimos Sonetos de Cruz e Souza

    comentrioCruz e Sousa no apenas o inaugurador do Simbolismo Brasileiro, que se efetivou com a publicao em 1893de Missale Broquis. um dos quatro melhores simbolistas da literatura universal, o que j pode ser percebido nolivro em questo, Poesias Completas.Em seu livro "Poesias Completas-Broquis, Faris, ltimos Sonetos" ;h a viso transcendental em que Cruz e Sousa

    consegue traduzir e expressar a dor e a limitada condio na qual o ser humano se condiciona. Dimensiona atravsda musicalidade intensa ,marcante ,e sinestesias, uma forma de transmutar as dificuldades e asperezas da vida,muitas das sua prpria. Sofreu perseguies racistas, no obtendo o devido reconhecimento em vida .Nosso "CisneNegro" foi muito influenciado pela poesia francesa ,principalmente de Baudelaire .Metafisicamente projeta imagensfortes de um sentimentalismo baseado na crtica em como o mundo e as pessoas se portam ante situaes comomorte ,amor e as convenincias sociais.Viveu miseravelmente tendo dois filhos mortos dos quatro que teve ;e vendo sua mulher enlouquecendo, sendointernada em hospitais psiquitricos. O mestre da poesia simbolista morre aos 37 anos de tuberculose na cidade deStio em Minas Gerais .Sua vida foi marcada pela incompreenso da grandeza do estilo desenvolvido por um negro,numa poca em que havia pouco respeito para com a cultura negra ,a abolio da escravatura foi assinada pelaprincesa Isabel em 1888.Que essa fascinante e profunda poesia desse "esteta sofredor" seja um portal a um plano

    da grandiosa arte potica aonde possamos ,e saibamos, apreciar...sem limites.

    Poeta capaz de realizar voos to altos quanto os mestres franceses, considerado at descendente de Baudelaire e deseu satanismo, esteve sempre marcado pelo estigma da dor do emparedamento, o que o fez ansiardesesperadamente por libertao.

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    Esse desejo torna inteligvel sua obsesso por imagens brancas; no mnimo, uma explicao menos simplista doque uma outra, mais antiga, que tenta enxergar um poeta negro rejeitando a sua cor.Acreditar nesta tese esquecer a primeira das trs fases de sua obra, em que tematizou a dor de ser negro, pormeio de poemas sob a influncia do Castro Alves abolicionista.Mas o Cisne Negro, como chamado, busca sempre as alturas, por isso se liberta da fronteira da pele e sente umador mais ampla: a de ser Homem.Raa, religio, ptria so questes insignificantes agora, j que se tornou o vate do gnero humano e de seusofrimento. Essa a fase inaugurada com Broquis. Sua grandiosidade j se v presente no primeiro poema,

    transcrito abaixo.ANTFONA Formas alvas, brancas, Formas clarasDe luares, de neves, de neblinas! Formas vagas, fluidas, cristalinas...Incensos dos turbulos das arasFormas do Amor, constelarmente puras,De Virgens e de Santas vaporosas...Brilhos errantes, mdidas frescurasE dolncias de lrios e de rosas ...Indefinveis msicas supremas,

    Harmonias da Cor e do Perfume...Horas do Ocaso, trmulas, extremas,Rquiem do Sol que a Dor da Luz resume...Vises, salmos e cnticos serenos,Surdinas de rgos flbeis, soluantes...Dormncias de volpicos venenosSutis e suaves, mrbidos, radiantes ...Infinitos espritos dispersos,Inefveis, ednicos, areos,Fecundai o Mistrio destes versosCom a chama ideal de todos os mistrios.

    Do Sonho as mais azuis diafaneidadesQue fuljam, que na Estrofe se levantemE as emoes, todas as castidadesDa alma do Verso, pelos versos cantem.Que o plen de ouro dos mais finos astrosFecunde e inflame a rima clara e ardente...Que brilhe a correo dos alabastrosSonoramente, luminosamente.Foras originais, essncia, graaDe carnes de mulher, delicadezas...Todo esse eflvio que por ondas passa

    Do ter nas rseas e ureas correntezas...Cristais diludos de clares alacres,Desejos, vibraes, nsias, alentosFulvas vitrias, triunfamentos acres,Os mais estranhos estremecimentos...Flores negras do tdio e flores vagasDe amores vos, tantlicos, doentios...Fundas vermelhides de velhas chagasEm sangue, abertas, escorrendo em rios...Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,Nos turbilhes quimricos do Sonho,

    Passe, cantando, ante o perfil medonhoE o tropel cabalstico da Morte...Para fluir esse grandioso poema, o leitor deve deixar de lado qualquer tentativa de entend-lo e apenas liberar oinconsciente exatamente o grande postulado dos simbolistas. Mesmo que teime em entend-lo, no ir conseguirmuito, tal a profuso de imagens hermticas, ou seja, de difcil compreenso, que h nele.

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    O mximo que se obter ser entender Antfona como uma invocao a formas para que fecundem o mistrio dosversos do poeta. , portanto, um manifesto simbolista ou at mesmo uma profisso de f da escola.Mas o que vale notar a musicalidade expressiva, tanto na aliterao do /s/ quanto no predomnio de inmeraspalavras cujas slabas tnicas tenham vogais extensas (formas, alvas, claras, luares).H a recriao de um canto religioso (catlico, budista, hindu, tanto faz, todos alongam vogais), reforando o climado poema anunciado pelo ttulo (antfona um curto versculo recitado ou cantado pelo celebrante, antes e depoisde um salmo, e ao qual respondem alternadamente duas metades do coro) e por vrios vocbulos como santa,virgem, incensos, turbulos, aras, rquiem.

    O mais incrvel que essa religiosidade acaba-se misturando a imagens erticas como volpicos venenos, carnesde mulher. o lado maldito de Cruz e Sousa manifestando-se, tambm visto no poema abaixo.DILACERAES carnes que eu amei sangrentamente, volpias letais e dolorosas,essncias de heliotropos e de rosasde essncia morna, tropical, dolente...Carnes, virgens e tpidas do Orientedo Sonho e das Estrelas fabulosas,carnes acerbas e maravilhosas,tentadoras do sol intensamente...

    Passai, dilaceradas pelos zelos,atravs dos profundos pesadelosque me apunhalam de mortais horrores...Passai, passai, desfeitas em tormentos,em lgrimas, em prantos, em lamentosem ais, em luto, em convulses, em dores...Esse soneto um belo e tpico exemplo do erotismo maldito de Cruz e Sousa. Note que ele faz, na primeira estrofe,uma invocao, ainda que vaga, a carnes que amou sangrentamente.Se unirmos essa ideia ao ttulo do poema e aos sinnimos em gradao da ltima estrofe, descobriremos umamistura entre amor e dor, sofrimento. Estaria o poeta expressando seus impulsos sdicos?Ou estaria relatando a perda da virgindade? Difcil descobrir, j que se assume aqui o tpico tom impreciso, vago dos

    simbolistas.Mais marcante do que esse soneto, no campo amoroso, o exemplo a seguir.LSBIACrton selvagem, tinhoro lascivo,Planta mortal, carnvora, sangrenta,Da tua carne bquica rebenta

    A vermelha exploso de um sangue vivo.Nesse lbio mordente e convulsivo,Rir, ri risadas de expresso violentaO Amor, trgico e triste, e passa, lenta,

    A morte, o espasmo glido, aflitivo...

    Lsbia nervosa, fascinante e doente,Cruel e demonaca serpenteDas flamejantes atraes do gozo.Dos teus seios acdulos, amargos,Fluem capros aromas e os tetargos,Os pios de um luar tuberculoso...Antes de tudo, deve-se explicar que Lsbia mulher que se entrega aos prazeres carnais. O ttulo desse soneto,portanto, j anuncia o erotismo maldito que se ver.Note, pois, a aliterao, na primeira estrofe, de /c/, /t/, /p/, /b/, /l/, somada s imagens ligadas ao vermelho (aassociao de cores e vogais a ideias era o que os simbolistas chamavam de Lei das Correspondncias), tudoformando um conjunto de elementos a sugerir o orgasmo explodindo pela pele da amada, o que aludido tambm

    no verso 5.No entanto, o eu-lrico no perde o flego e continua seu espetculo escandaloso, informando que, no clmax sexual,v na parceira o Amor e a Morte (Eros e Tanatos), para depois cham-la de serpente demonaca e ainda dizer queseus seios exalam capros aromas, tornando-a maligna.

  • 7/27/2019 Obras_UFSC

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    Lembre-se de que capros adjetivo que faz referncia a bode, animal que na mitologia crist representa odemnio.Assim, a amada do eu-lrico mais uma entidade, no caso demonaca, do que uma mulher real, de carne e osso.Alis, um procedimento muito comum em Cruz e Sousa. Em suma, esse poema uma joia rara de nossa literatura.No entanto, o seu fazer literrio envereda-se para questes bem mais amplas, atingindo sua melhor fase, em queexpressa a dor de ser alma. Representativo o poema abaixo:SORRISO INTERIORO ser que ser e que jamais vacila

    Nas guerras imortais entra sem susto,Leva consigo este braso augustoDo grande amor, da grande f tranquila.Os abismos carnais da triste argilaEle os vence sem nsias e sem custo...Fica sereno, num sorriso justo,Enquanto tudo em derredor oscila.Ondas interiores de grandezaDo-lhe esta glria em frente Natureza,Esse esplendor, todo esse largo eflvio.O ser que ser transforma tudo em flores...

    E para ironizar as prprias doresCanta por entre as guas do Dilvio!Note o tom semelhante que se estabelece entre ele e Antero de Quental e Augusto dos Anjos: o eu-lrico ao mesmotempo particular e universal.Veja como nele parece haver a ideia no s de que o sofrimento necessrio para o engrandecimento do ser, mastambm a de que o poeta suplantou tudo. O sofrimento apenas externo; por dentro, h um sorriso.No fundo, parece no haver mais dor, que parece ter sido transformada, transfigurada. Sofrer evoluir. Est, assim,liberto; sua alma est preparada para o