Upload
greghouse48
View
321
Download
3
Embed Size (px)
Citation preview
Conceitos
· Texto: é um elemento do processo comunicativo. É uma palavra derivada do latim textus, -us
que significa tecer, enlaçar ou entrelaçar. Portanto, trata-se de um entrelaçamento de ideias, as
quais são costuradas através de palavras. Todo texto é portador de um sentido, de um significado
próprio, singular. Pode ser falado ou escrito.
· Denotação: é a linguagem informativa, comum a todos. Objetiva um conhecimento prático,
científico. É a palavra empregada no seu sentido real.
· Conotação: é a linguagem afetiva, individual e subjetiva. Objetiva uma apreciação estética. É a
palavra empregada no seu sentido figurado, poético.
· Discurso: é um elemento que compõe o processo comunicativo. É uma articulação de palavras
que comportam uma intenção. Quando lemos um texto e percebemos as intenções do autor, é
sinal de que compreendemos o seu discurso, ou melhor, é sinal de que o discurso está se
realizando. Quando o receptor decifra o que está por trás do escrito ou do dito, o texto se
transforma em discurso. Trata-se de algo dinâmico, pois um texto pode ser lido em diferentes
épocas, por diferentes pessoas e estar sujeito a uma plurissignificação. O discurso que trafega
entre emissor e receptor põe em jogo as vivências de cada um. No momento de leitura, entram
em jogo as vivências reais ou imaginárias, isto é, experiências que podem ter sido vividas ou
adquiridas através de outras leituras.
· Discurso Literário: elaborado como criação artística, funciona através de duas operações
essenciais: seleção e combinação. Neste processo de escolha, as opções assumidas, os valores
expostos delineiam a ideologia que preside sua produção. A ideologia do meio que o gerou. É
fundamental o leitor perceber no texto quem fala e para quem fala. É um ponto de encontro de
diversos fenômenos de linguagem, diversos procedimentos linguísticos e diversas influências
histórico-sociais da sociedade que o produz.
· Literatura: é considerada a arte da palavra. É um tipo de discurso que conta a história. É uma
das formas de escrever a nossa história. Seu processo de produção é movido por uma consciência
estética.
· Relações Dialógicas: nascem do confronto estabelecido entre posições assumidas por
diferentes sujeitos e expressas na linguagem. A palavra é sempre dialógica, pois a vida social é
uma discussão permanente. O discurso só se realiza no contexto social, estando sempre
direcionado ao outro. Em todo texto, é possível ser ouvida a voz do seu autor. As relações
dialógicas só existem quando se escuta a voz do outro.
“Homem disfarçado de Papai Noel tenta matar publicitária em SP.”
(Caderno Cotidiano - Folha de S. Paulo)
Primeira coisa que ele fez, ao chegar à casa, foi tirar a roupa de Papai Noel: estava muito quente,
suava em bicas. Também se queixou de dor na coluna. Isso é por causa do saco que você carrega,
observou a mulher. De fato pesava bastante, o tal saco. A razão ficou óbvia quando ele esvaziou
o conteúdo sobre a mesa: revólveres, granadas, submetralhadoras, vários pentes de munição. Já
não dá para sair de casa sem um arsenal, resmungou. O seu mau humor era tão óbvio que ela
tentou amenizá-lo, puxando conversa. Como foi o seu dia, perguntou.
- Um desastre foi a azeda resposta. - Mais uma vez errei a pontaria. Já é a segunda vez nesta
semana.
- Isto é o cansaço - disse ela.
- Você precisa de um repouso. Amanhã você vai ficar em casa, não vai?
- De que jeito? Tenho trabalho.
- Amanhã? No dia de Natal?
- O que é que você quer? É a minha última chance de usar a fantasia de Papai Noel Tenho de
aproveitar.
Suspirou:
- Vida de pistoleiro de aluguel é assim mesmo, mulher. Natal, Ano Novo, essas coisas para nós
não existem. Primeiro a obrigação. Depois a celebração.
Ela ficou pensando um instante. - Neste caso - disse -, vamos antecipar a nossa festinha de Natal.
Vou lhe dar o seu presente.
Abriu um armário e de lá tirou um caprichado embrulho. Surpreso, o homem o abriu com mãos
trêmulas. E aí o seu rosto se iluminou:
- Um colete à prova de balas! Exatamente o que eu queria! Como é que você adivinhou?
- Ora - disse ela, modesta, afinal de contas eu conheço você há um bocado de tempo.
Ele examinava o colete, maravilhado. E aí notou que ele era todo enfeitado com minúsculos
desenhos.
- O que é isto? Perguntou intrigado.
Ela explicou: eram pequenas árvores de Natal e desenhos do Papai Noel, trabalho de uma
habilidosa bordadeira nordestina:
- Para você lembrar de mim quando estiver trabalhando.
Ele começou a chorar baixinho. Em silêncio, ela o abraçou. Compreendia perfeitamente o que se
passava com ele. Ninguém é imune ao espírito natalino. (Moacyr Sciliar)
Como é possível notar, o texto acima foi escrito a partir de uma notícia de jornal, notícia que,
inclusive, lhe serve de epígrafe: "Homem disfarçado de Papai Noel tenta matar publicitária em
SP". Publicados num mesmo jornal, de grande circulação em São Paulo, embora ambos os textos
sejam narrativos, cada um tem características específicas, bem como propósitos distintos.
A notícia da Folha de S. Paulo, que se resume a uma única linha, é uma narrativa, também
conhecida como relato, que não tem função literária. Sua finalidade é apenas informar.
Texto literário
Todavia, apenas a crônica "Espírito natalino", de Moacyr Scliar, se presta aos interesses estético-
literários. Partindo do texto jornalístico (que é um simples relato), tem-se a criação, por Moacyr
Scliar, de uma narrativa ficcional, na qual se encontram certos elementos estéticos que a
compõem e a distinguem do relato.
Como exemplo, tem-se o recurso da descrição quase cinematográfica das personagens. Outra
grande "sacada" do autor é, digamos, mostrar (criando de forma imaginativa) como os fatos
poderiam ter ocorrido, pela ótica do matador de aluguel, disfarçado de Papai Noel.
A cana-de-açúcar
Originária da Ásia, a cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses
no século XVI. A região que durante séculos foi a grande produtora de cana-de-açúcar no Brasil
é a Zona da Mata nordestina, onde os férteis solos de massapé, além da menor distância em
relação ao mercado europeu, propiciaram condições favoráveis a esse cultivo. Atualmente, o
maior produtor nacional de cana-de-açúcar é São Paulo, seguido de Pernambuco, Alagoas, Rio
de Janeiro e Minas Gerais. Além de produzir o açúcar, que em parte é exportado e em parte
abastece o mercado interno, a cana serve também para a produção de álcool, importante nos dias
atuais como fonte de energia e de bebidas. A imensa expansão dos canaviais no Brasil,
especialmente em São Paulo, está ligada ao uso do álcool como combustível.
"O açúcar" (Ferreira Gullar. Toda poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980, pp.227-
228)
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
"A cana-de-açúcar" (Vesentini, J.W. Brasil, sociedade e espaço. São Paulo, Ática, 1992, p.106)
O texto "O açúcar" parte de uma palavra do domínio comum - açúcar - e vai ampliando seu
potencial significativo, explorando recursos formais para estabelecer um paralelo entre o açúcar -
branco, doce, puro - e a vida do trabalhador que o produz - dura, amarga, triste.
a) associações lexicais entre vocábulos do mesmo campo semântico:
açúcar açucareiro adoçar
dissolver
cana
canavial
plantar
colher
mercearia
comprar
vender
b) relações antitéticas: vida amarga e dura x açúcar branco e puro.
c) comparações: a comparação é o confronto de idéias por meio de conectivos, de palavras que
explicitam o que está sendo comparado. Na comparação, um termo se define em função do que
sabemos de outro:
"Vejo-o [o açúcar] puro e afável como beijo de moça
(como) água na pele
(como) flor que se dissolve na boca
No texto "A cana-de-açúcar", de expressão não-literária, o autor informa o leitor sobre a origem
da cana-de-açúcar, os lugares onde é produzida, como tiveram início seu cultivo no Brasil, etc.
Conceitos
· Cultura: complexo de normas, símbolos, mitos e imagens absorvido pelo homem. Tal
complexo determina os seus instintos e move as suas emoções. Segundo o pensamento
católico, é tudo aquilo que aperfeiçoa e desenvolve a alma e o corpo, tornando a vida social
mais humana. De acordo com a antropologia, é o conjunto e a integração dos modos de
pensar, sentir e fazer de uma comunidade, na tentativa de solucionar os problemas
vivenciados no seu interior.
· Mimésis: termo grego traduzido como imitação. Trata-se de um conceito filosófico para
explicar a arte. É imitação, mas não cópia. É uma relação do signo com o real. Para os
pitagóricos, é a representação de estados de alma. Para Platão, é a imitação da aparência da
realidade, ou seja, imagem de imagem ou simulacro da realidade. Para Aristóteles, é imitação
das essências. É o conhecimento da natureza profunda do ser humano e do mundo. É a
revelação da plenitude do real. É a imitação da natureza no que ela tem de capacidade
criadora.
· Catársis: termo grego que significa purgação. Na linguagem religiosa, era sinônimo de
expiação ou purificação. Em sentido psíquico, está relacionado à purgação das paixões ou
tensões da alma. Faz parte do fenômeno literário. É a libertação promovida pela criação
artística. Toda arte opera a catársis, pois desperta no homem prazer, plenitude.
· Universalidade: Trata-se de um redimensionamento de fatos ou situações através da
literatura.
· Linguagem: pode ser considerada como uma das formas de apreensão do real. É, também,
qualquer sistema de comunicação que utiliza signos organizados de maneira particular. É, ainda,
a capacidade que o homem tem de expressar seus estados mentais por meio da língua,
representando o mundo interior e exterior.
O Cortiço, de Aluísio de Azevedo
O Cortiço foi publicado em 1890, e nesse livro Aluísio pôs em prática os princípios naturalistas,
em que acreditava, e toda a sua capacidade artística.
Narrado em 3ª pessoa, a obra tem um narrador onisciente que se situa fora do mundo narrado
e/ou descrito. Há um total distanciamento entre o narrador e o mundo ficcional. Há o predomínio
na narrativa do discurso indireto livre, o que permite ao autor revelar o pensamento das
personagens. A visão do narrador é fatalista, pois as camadas populares são vistas como animais
condenados ao meio social que habitam, homens fadados a viverem como animais selvagens.
O cenário é descrito com ambiente e os caracteres em toda a sua sujeira, podridão e
promiscuidade, com uma intenção crítica - mostrar a miséria do proletariado urbano - sem
esconder a náusea que o narrador sente diante da realidade que revela, mas posicionando-se de
maneira solidária junto ao povo do cortiço: "Sentia-se naquela fermentação sangüínea, naquela
gula viçosa de plantas rasteiras... o prazer animal de existir,... E naquela terra... naquela umidade
quente e lodosa, começou a minhoca a esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que
parecia espontânea,... multiplicar-se como larvas no esterco."
Uma história envolvente e sombria de uma habitação coletiva no Rio de Janeiro do Segundo
Império que tem como tema a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem. De um
lado, João Romão, que aspira à riqueza, e Miranda, já rico, que aspira à nobreza. Do outro lado, a
"gentalha", caracterizada como um conjunto de animais, movidos pelo instinto e pela fome.
Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. O cortiço é o núcleo gerador
de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João
Romão.
No século XIX, os cortiços eram galpões de madeira habitados por trabalhadores não-
qualificados. Esses galpões eram subdivididos internamente. O proprietário era geralmente
português, dono de armazém próximo. Mas havia outros interessados: o Conde D'Eu, marido da
princesa Isabel, foi dono de um imenso cortiço, o "Cabeça-de-porco", onde viviam mais de 4 mil
pessoas.
O romance é de nítido recorte sociológico, representando as relações entre o elemento português,
que explora o Brasil em sua ânsia de enriquecimento, e o elemento brasileiro, apresentado como
inferior e vilmente explorado pelo português. A obra revela a aceitação de idéias filosóficas e
científicas do tempo: a redução das criaturas ao nível animal (zoomorfismo) é característica do
Naturalismo e revela a influência das teorias da Biologia do século XIX (darwinismo,
lamarquismo) e o Determinismo (raça, meio, momento).
O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do
sexo, típica de determinismo biológico e do naturalismo, conduz Aluísio a focalizar diversas
formas de "patologia" sexual: "acanalhamento" das relações matrimoniais, adultério,
prostituição, lesbianismo etc.
Na elaboração de O Cortiço, Aluísio Azevedo seguiu a técnica naturalista de Zola. Visitou
inúmeras habitações coletivas do Rio, interrogou lavadeiras, sapoeiras, vendedores,
cavouqueiros; observou-lhes a linguagem; escutou atento os ruídos coletivos dos cortiços, sentiu-
lhes o cheiro (como na obra de Zola, as imagens olfativas têm importância na fixação do
ambiente, segundo um processo criado pelos naturalistas), viu-lhes a promiscuidade e notou que
as coletividades, apesar de divergirem, são ligadas por um estranho sentimento de classe que as
une, nos momentos mais críticos, quando são esquecidos os ódios e as divergências. Com toda
essa “documentação”, criou o enredo em torno de um problema social que se tomava mais e mais
grave, com a formação de massas urbanas proletárias, constituídas em boa parte pelos operários
dos primórdios da industrialização do país.
Duas grandes qualidades devem ser observadas no estilo de O Cortiço: uma é a grande
capacidade de representação visual do autor, e que faz que tenhamos freqüentemente, ao ler o
romance, a impressão de estarmos assistindo a um filme; a outra é a sua formidável habilidade
para dar vida à multidão, ao grande grupo humano dos moradores do cortiço. De fato, vemos, no
romance, essa coletividade pulsar, reagir, legando-se, deprimindo-se ou irando-se — e ocupando
o lugar de personagem central da obra. Desse grupo variado e animado destacamse alguns tipos,
a que o romancista soube atribuir urna individualidade marcante. Entre estes últimos, é
inesquecível a figura de Rita Baiana, a bela, sensual, generosa e graciosa mulata, que se tornou
uma das personagens mais notáveis da literatura brasileira. Deve se notar que no romance, as
mulheres são reduzidas a três condições: de objeto, usadas e aviltadas pelo homem: Bertoleza e
Piedade; de objeto e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; e de sujeito, são as que se
independem do homem, prostituindo-se: Leonie e Pombinha.
Veja exemplos de descrição realista e objetiva dos tipos humanos na obra:
João Romão: E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e
vinha da pedreira para a venda, da venda hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa,
tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça apoderando-se,
com os olhos, de tudo aquilo de que ele não pode apoderar-se logo com as unhas.
...possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava, resignado as mais duras privações.
Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco
estopa cheio de palha.
Albino: Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de
aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caia, numa só linha, até
o pescocinho mole e fino.
Botelho: Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e
duro como escova, barba e bigode do mesmo teor; muito macilento, com uns óculos redondos
que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre,
perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-lhe ainda
todos os dentes mas, tão gastos, que pareciam 1imados até ao meio. (...) Atirou-se muito às
especulações; durante a guerra do Paraguai ainda ganhara forte, chegando a ser bem rico; mas a
roda desandou e, de malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave
de rapina.
Enredo
O Cortiço conta principalmente duas histórias: a de João Romão e Miranda, dois comerciantes, o
primeiro, o avarento dono do cortiço, que vive com uma escrava a qual ele mente liberdade. Com
o tempo sua inveja de Miranda, menos rico, mas mais fino, com um casamento de fachada, leva-
o a querer se casar com sua filha (e tornar-se Barão no futuro, tal qual Miranda se torna no meio
da história). Isto faz com que ele se refine e mais tarde tente devolver Bertoleza, a escrava, a seu
antigo dono (ela se mata antes de perder a liberdade). A outra história é a de Jerônimo e Rita
Baiana, o primeiro, um trabalhador português que é seduzido pela Baiana e vai se abrasileirando.
Acaba por abandonar a mulher, pára de pagar a escola da filha e mata o ex-amante de Rita
Baiana. No pano de fundo existem várias histórias secundárias, notavelmente as de Pombinha,
Leocádia e Machona, assim como a do próprio cortiço, que parece adquirir vida própria como
personagem. Vejamos.
A área suburbana do Rio de Janeiro do século XIX é o cenário da história de um esperto e pão-
duro comerciante português chamado João Romão. Comprando um pequeno estabelecimento
comercial, este consegue se aliar a uma negra escrava fugida de nome Bertoleza, proprietária de
uma pequena quitanda. Para agradá-la, falsifica uma carta de alforria que asseguraria à negra a
tão desejada liberdade. O pequeno estabelecimento, mantido pela esperteza de João Romão e o
trabalho árduo de Bertoleza, começa a crescer. Aos poucos o português começa a construir e
alugar pequenas casas, o que leva a edificação de um grande cortiço: a "Estalagem São Romão."
Logo se ergueriam novas pendências, como a pedreira (que servia emprego aos moradores) e o
armazém (onde os mesmos compravam seus artigos de necessidade). O crescimento só não
agrada ao Senhor Miranda, dono de um sobrado vizinho.
Nas casas do cortiço, figuras das mais variadas caracterizações podem ser vistas e apreciadas:
entre eles o negro Alexandre, a lavadeira Machona, a moça Pombinha, Jerônimo e Piedade (casal
de portugueses), e a sensual Rita Baiana, que desfilava toda a sua sensualidade dançando nas
festas. Num desses encontros feitos de música e gritos, Jerônimo se encanta com a dança de Rita
Baiana, o que provoca ciúmes em Firmo, amante da moça. Há uma violenta briga, e Firmo fere o
jovem português com uma navalha, fugindo logo depois. Jerônimo vai parar num hospital.
Forma-se um novo cortiço perto dali, recebendo o apelido de "Cabeça-de-gato" pelos moradores
do cortiço de João Romão. Estes, por sua vez, os apelidam de "Carapicus", o que já indica a
competição e a rincha entre eles. Enquanto isso, Jerônimo volta do hospital e, numa emboscada,
mata Firmo, agora morador do cortiço rival. Enquanto o jovem português abandona a mulher
para viver com Rita Baiana, o pessoal do "Cabeça-de-gato" entra em guerra com os moradores
do cortiço de João Romão para vingar a morte de Firmo. Um incêndio misterioso acaba com o
conflito e destrói grande parte do cortiço do velho comerciante português.
João Romão reconstrói sua estalagem, que fica ainda mais próspera, e se alia a Miranda, com a
intenção de freqüentar rodas mais finas e elegantes e se casar com uma moça de boa educação. O
verdadeiro intento do esperto comerciante é a mão de Zulmira, filha do novo amigo.
Concretizando seu sonho, só resta agora se livrar do incômodo de sua companheira Bertoleza.
Isso se dá através de uma carta enviada aos proprietários da negra fugida, revelando seu
esconderijo. Estes não demoram a aparecer no cortiço com o intuito de levá-la de volta.
Bertoleza, percebendo a traição, suicida-se com a mesma faca de limpar peixes que usou a vida
inteira para preparar as refeições de João Romão e os clientes do seu armazém.
Personagens
As personagens em O Cortiço não podem ser tratadas como entidades independentes, podendo
ser vistas preferencialmente como partes de uma rede intrincada de influências e interações.
Alguns podem ser separados em grupos de forma mais clara em grupos de relacionamento,
esquema no qual serão apresentados a seguir.
O cortiço e o sobrado: personagem principal; sofre processo de zoomorfização; é o núcleo
gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma
com João Romão. Apesar de seu crescimento, desenvolvimento e transformação acompanharem
os mesmos estágios na pessoas de João Romão, é, na verdade, o estabelecimento que muda o
dono, não o contrário. Vê-se na evolução do cortiço um processo que não se pode evitar ou
reverter, determinado desde o início da história, tendo João Romão apenas feito o que estava em
seu instinto de homem desprovido de livre-arbítrio fazer. O sobrado representa para o cortiço o
mesmo que Miranda representa para Romão, criando-se entre eles a mesma tensão que existe
entre os dois homens.
João Romão, Miranda, Bertoleza e secundariamente, Zulmira, Botelho e D.Estela: de acordo
com o crítico literário Rui Mourão, os elementos conflitantes na obra "não se isolam em planos
equidistantes. Ao contrário, o que existe [...] é um estado de permanente tensão e mútua
agressão". Afirma, em outra ocasião, que dessas lutas ninguém sairá vencedor ou vencido.
Miranda e João Romão, apesar de aparentarem ser diferentes frente à sociedade, são
essencialmente influenciados pelos mesmos elementos, tendo que ter, portanto, o mesmo destino.
Seus rumos se tornam entrelaçados similarmente aos laços existentes entre sobrado e cortiço:
vizinhos, porém distantes; diferentes, porém iguais sob olhar mais minucioso, Romão e Miranda
são complementares. Bertoleza e D. Estela são, sob todas as óticas, o oposto uma da outra: a
negra escrava, pobre e fiel, e a mulher branca, nobre e adúltera. Não há relação de
complementação nesse caso, apenas uma forma de acentuação do abismo de inveja que une João
e Miranda. Enquanto um deseja a independência, a prosperidade e a fidelidade conjugal do outro,
o outro almeja os contatos, a nobreza e a capacidade de esbanjamento do um. Zulmira e Botelho
têm aqui papéis de meros instrumentos do autor para dar andamento à história.
Jerônimo, Rita, Firmo e Piedade: nas relações entre essas personagens é demonstrado mais
claramente o princípio naturalista que rege a obra de Azevedo. Suas interações são baseadas
puramente no instinto, no desejo sexual, no ciúme, na ira. Jerônimo e Firmo são, como Romão e
Miranda, complementos um do outro. Um era "a força tranquila, o pulso de chumbo, em
constante tensão com a força nervosa (...) o arrebatamento que tudo desbarata no sobressalto do
primeiro instante". Mas, nas palavras de Azevedo, ambos corajosos. O autor deixa claro que
nenhum deles pode fugir ao que lhes está destinado. Jerônimo, desde o dia em que viu Rita
dançar pela primeira vez, estava fadado à perdição, arrastando Firmo e Piedade para o caminho
do ciúme e da destruição a morte, no caso de Firmo, e a miséria e a quase-loucura, no caso de
Piedade. A metamorfose de Jerônimo se dá como tentativa de se tornar Firmo antes de tirar o que
lhe pertence não só Rita, mas tudo o que ela implicava: a beleza, os encantos da terra, a vida feliz
do malandro sem preocupações. Cada um reage mais ou menos de acordo como suas
características pessoais, notoriamente a raça (a submissão da portuguesa e a belicosidade do
mulato capoeira), mas se faz presente em todos a conformação, a inércia. Com a morte de Firmo,
Jerônimo assimila o papel de seu rival, mantendo um fantasma do que era no passado, que a
bebida e a Rita contribuem para esmaecer. Os elementos naturais e as circunstâncias estão
sempre a sufocar qualquer manifestação psicológica independente, carregando os personagens
numa correnteza inevitável e irreversível.
Pombinha, Leónie e Senhorinha: desde o momento em que é apresentada, a prostituta Leónie,
madrinha de uma das filhas de Augusta, representa a independência financeira que aqueles que
têm vida honesta não conseguem alcançar. Vende seu corpo, mas o que faz não é crime aos olhos
dos moradores do cortiço, que não tem as cínicas restrições sexuais da burguesia brasileira.
Pombinha, filha de D. Isabel, era uma garota de 18 anos que ainda não havia se tornado mulher.
Após anos esperando o momento de se casar, irá se separar do marido após pouco tempo para
seguir num relacionamento homossexual com Leónie, que havia lhe iniciado no prazer sexual.
Ao atiçar a sexualidade de Pombinha, fazendo com que ela atinja a puberdade, Leónie põe em
funcionamento uma dinâmica de acontecimentos que passam a independer da vontade dos
personagens. Pombinha possuía um desenvolvimento intelectual maior que a maioria dos
personagens do cortiço, talvez por não se ter visto envolvida tão cedo nas tramas de sexo e ciúme
que os consumiam. Ao ter que começar uma vida como mulher casada, não conseguiu se adaptar
à falta de liberdade e foi viver com Leónie, aprendendo seu ofício. Ironicamente, a
comercialização do sexo protagonizada por Leónie e Pombinha se contrapõe à vulgarização do
sexo pelos moradores do Cortiço enquanto esses são escravos de seus impulsos, Leónie e
Pombinha se tornam mais senhoras de si através do desejo alheio. Nesse quadro, Senhorinha, a
filha de Jerônimo se insere para provar que ninguém foge ao meio: tendo sido criada num
cortiço, substituindo Pombinha para seus moradores, com os pais separados e vendo homens tirar
proveito da mãe de forma constante, termina tendo o mesmo destino de Pombinha, apesar da
educação que teve.
A homossexualidade retratada em O Cortiço
No naturalismo brasileiro o homem é visto como produto do meio e biológico. A questão da
homossexualidade é tratada como desvio de conduta, anormal, patológico, animalesca. Assim as
personagens apresentam desvios. O naturalismo é material, é do corpo não humano. Retratando a
realidade de forma objetiva, descrevendo grupos marginalizados.
O autor retrata a vivência e o comportamento da sociedade sobre uma ótica estética, rica em
detalhes, com teor denunciativo, rompimento com o romance convencional.
Na época em que foi publicado o romance causava choque aos leitores, por seus temas que
mostrava através do ficcional o factual, como, por exemplo, a homossexualidade de Léonie e
Pombinha. Léonie configura-se como a pervertida, que desvia Pombinha do caminho, havendo
apelos carnais. O autor descreve as personagens com instinto animal, patente o depreciativo,
relações de interesse, sedução, desejo, poder, culminados nos processos deterministas do
cientificismo/ evolucionismo. Os furtos, estupros, homicídios ocorrem sem justificativa.
A mulher no naturalismo era tratada como objeto sexual, e tudo sobre os desvios na sexualidade
estavam relacionados a fatores internos e externos. O autor caracteriza Léonie como mulher de
procedência francesa que possuía um sobrado na cidade, o que demonstrava status. A busca por
relação sexual para satisfazer-se:
(...) Os seus lábios pintados de carmim, sua pálpebras tingidas de violeta; o seu cabelo
artificialmente loiro.
Utiliza faceta para seduzir, abocanhar sua presa, um jogo de interesse, dava-lhe presente,
premiando-a constantemente:
O troco ficou esquecido, de propósito, sobre a cômoda (...).
Leónie entregou á Pombinha uma medalha de prata (...).
(...) tomou a mão de Pombinha e meteu-lhe um anel cercado de pérolas.
Quando sua presa caía na armadilha, ela saciava sua sede, devorando-a ferozmente toda.
-Vem cá, minha flor!... Disse-lhe, puxando-a contra si (...). Sabes? Eu te quero cada vez
mais!...Estou louca por ti
No jogo do homoerotismo, essa mulher subjuga as vontades da afilhada utilizando discurso
sedutor:
Léonie saltava para junto dela e pôs-se a beijar-lhe, á força, os ouvidos e o pescoço, fazendo-se
muito humilde, adulando-a, comprometendo-se a ser sua escrava e obedecer-lhe como um
cachorrinho.
Pombinha - Na segunda análise da personagem vale ressaltar seu estereótipo de fraca, nervosa,
doente, enfermiça, doente, loira, muito pálida, sua sensualidade associada a doses de inocência,
pureza, boa família, asseada.
A relação homossexual entre Pombina e sua madrinha Léonie se dá em consequência de um
estupro. Pombinha rompe drasticamente com os padrões impostos por sociedade preconceituosa,
desigual, desumana. A moral cristã do naturalismo aniquila com os padrões qualquer
possibilidade do "patólogico", defeituoso, se dar bem.
A personagem tem a figura da mãe, que a protege e a figura do pai, um homem que fracassa e
comete suicídio. Talvez essa figura do pai seja substituída pelas carícias e mimos de sua
madrinha Léonie. O que conta muito para a formação da personalidade de Pombinha.
Léonie perverteu Pombinha desviando-a para uma vida de prostituição, sexo e embriagues.
Pombinha toma Léonie como espelho, modelo de vida a ser seguido.
Observemos à afilhada, antes da relação homoérotica:
"A folha era a flor do cortiço (...)".
"As mãos ocupadas com o livro de rezas, o lenço e a sombrinha(...) é mesmo uma
flor(...)orçando pelos dezoito anos, não tinha pagado à natureza o cruento tributo da puberdade".
Este assunto não era segredo para ninguém, porém quando mênstruo, todos ficaram sabendo,
houve comemoração, é como se as janelas da liberdade fossem abertas e pássaro pudesse
finalmente voar.
"E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que sufocavam a menina, enchendo de
espanto e de um instinto temor (...)"
A ruptura acontece quando Pombinha se separa do seu marido, após adultério. Atirou-se as
coisas mundanas e foi morar com Léonie, mais sustentava a mãe com o dinheiro da prostituição,
a qual se tornou perita e com sua sagacidade, conquistava todos os homens.
Pombinha tinha uma afilhada e a tratava com a mesma simpatia que fora tratada por Léonie.
"A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova
prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher"
Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/o_cortico.