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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA LABORATÓRIO VIDA Oficina de Contos de Fadas como recurso para a organização psíquica: uma possibilidade de desenvolvimento da empatia em meninos de rua. Iara Araujo Miorim São Carlos / 2005

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE …bdsepsi/101a.pdf · desenvolvida uma oficina literária na Casa da Criança, instituição filantrópica, que abriga e dá assistência

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA LABORATÓRIO VIDA

Oficina de Contos de Fadas como recurso para a organização psíquica: uma

possibilidade de desenvolvimento da empatia em meninos de rua.

Iara Araujo Miorim

São Carlos / 2005

2

SUMÁRIO

Resumo...................................................................................................................................3

Introdução ..............................................................................................................................4

Metodologia..........................................................................................................................15

Participantes..............................................................................................................15

Materiais...................................................................................................................15

Procedimento............................................................................................................16

Resultados............................................................................................................................19

Discussão..............................................................................................................................23

Agradecimentos....................................................................................................................24

Referências...........................................................................................................................25

3

RESUMO

Este trabalho insere-se na linha de pesquisa “Avaliação e intervenção com crianças

em risco biopsicossocial” da orientadora Dóris Lieth Nunes Peçanha, bem como integra

atividades de extensão universitária no projeto “Prevenção de distúrbios afetivos e atenção

secundária a crianças com doença crônica” (Dpsi/PROEX), vigente desde 1997. Foi

desenvolvida uma oficina literária na Casa da Criança, instituição filantrópica, que abriga e

dá assistência a meninos de rua da cidade de São Carlos, utilizando contos de fadas como

instrumento para o desenvolvimento sócio-afetivo dessas crianças e adolescentes que vivem

em situação de risco psicossocial. O contato com esses contos foi uma oportunidade de

trabalhar os conteúdos inconscientes dessas crianças e adolescentes, harmonizando-os, e,

possibilitando então, o desenvolvimento da empatia. Utilizou-se como instrumento de

avaliação a Escala de Empatia (Ribeiro, Koller, & Camino, 2001) e o Teste de Fábulas

(Cunha, & Nunes, 1993), que proporcionaram dados, quantitativos e qualitativos. A análise

dos resultados revelou que o nível de engajamento nas atividades e o grau de empatia dos

participantes aumentaram, gradativamente, após as sessões de intervenção. 81,8% dos

participantes apresentaram, no pós-teste da Escala de Empatia, uma pontuação maior que

50% dos pontos possíveis da escala para determinar uma postura empática.

Palavras-chave: Crianças e adolescentes; situação de risco; empatia e organização psíquica.

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Fatores que colaboram para o desenvolvimento psíquico

O desenvolvimento infantil pode ser descrito a partir das mudanças, biológicas,

psicológicas e sociais, que as crianças passam ao longo de seus primeiros anos, e a forma

com que elas assimilam e elaboram tais experiências. Esse processo tem um impacto

profundo na constituição do indivíduo adulto.

A criança durante o percurso do seu desenvolvimento constitui uma série de laços

reais, imaginários e simbólicos que organizam seu psiquismo e oferecem subsídios para ela

entender o que passa dentro de si mesma e dominar seus possíveis dilemas. A organização

psíquica, portanto, é algo que se apóia em dados da realidade concreta, mas também, e

principalmente, na vivência subjetiva, na capacidade de fantasiar e simbolizar (Menezes &

Brasil, 1998), uma vez que na infância há dificuldade de compreender as experiências,

pensamentos e sentimentos somente por meio da racionalidade.

A constituição psíquica é também fruto social, pois desde cedo, na vida da criança,

operam influências culturais que determinam a linguagem, os valores morais, e as posições

sociais dos indivíduos dentro da sociedade. Logo, são os fatores ambientais, em interação

com fatores maturacionais e de personalidade, que determinam, em grande parte, como será a

interação do indivíduo com sua sociedade, e quais serão os efeitos psicológicos dessa

experiência (Hutz & Koller, 1996).

Nesse sentido é necessário preocupar-se com o processo de desenvolvimento

psicológico e social do indivíduo, para que este se torne um cidadão sadio, que consiga

trabalhar com suas emoções e conviver habilmente na sociedade.

Os primeiros vínculos sociais e simbólicos que a criança estabelece são com a família

(Menezes & Brasil, 1998). Ela é o principal agente de socialização, pois reproduz padrões

culturais nos indivíduos e permite que as primeiras identificações ocorram. Um sistema

familiar integrado e funcional é aquele que garante a comunicação, o manejo da

agressividade e dos conflitos, a liderança, o desempenho de papéis e a individuação de todos

os membros da família (Peçanha & Pérez-Ramos, 1999).

A comunicação refere-se ao estilo comunicacional, a transmissão objetiva de

informações apresentada pelo grupo familiar. Ela precisa ser congruente e clara, além de ter

um conteúdo emocional adequado com o conteúdo expresso na fala. A agressividade e os

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conflitos que surgem no âmbito familiar precisam ser explicitados, valorizados e trabalhados

para que soluções satisfatórias para o grupo sejam encontradas. A liderança deve ser

atribuída à um ou mais membros da família, de acordo com a situação e capacidade do

indivíduo, para que o grupo familiar seja conduzido para um objetivo comum. Os papéis

devem ser estabelecidos levando em conta a liderança, o que não quer dizer que outros

membros não possam expressar sua opiniões ou devam ser coagidos a obedecer. A

individuação é caracterizada pela capacidade de expressão clara de seus pensamentos, de

assumir responsabilidades por seus atos e de respeitar as “diferenças” dos outros ( Peçanha &

Pérez-Ramos, 1999). Quando todas essas dimensões são contempladas pela família o

desenvolvimento emocional de seus integrantes e a inserção desses indivíduos na sociedade é

favorecida.

Os meninos de rua e sua organização psico-social

O processo de modernização da sociedade vem enfraquecendo o tecido social

tradicional (como a família extensa e a comunidade integrada) criando desajustes sociais

graves (DeSouza, 1998). Nesse contexto, muitas famílias não conseguem manter-se

enquanto apoio material e psíquico para seus membros, tendo como resultado o

desenvolvimento emocional inadequado e a ida da criança e/ou adolescente para as ruas.

Geralmente essas famílias encontram-se nas áreas periféricas dos centros urbanos,

vivendo na maioria das vezes em condições precárias de subsistência, sem condições de

garantir o sustento de seus membros (Menezes & Brasil, 1998). Os filhos acabam

desempenhando outros papéis dentro do núcleo familiar, tornando-se provedores e não mais

receptores de cuidados e educação (Amazonas et al., 2003). Tais carências, aliadas aos

problemas de relacionamento familiar, abuso físico ou sexual, e o desejo de “liberdade”

levam crianças e adolescentes a migrarem para as ruas (Hutz & Koller, 1996).

Essas experiências que acarretam na ida dos jovens para as ruas fazem com que

ocorra uma valorização da liberdade conquistada e imaginária por parte dessa população.

Esses meninos e meninas vivem nas ruas sob a máxima da cultura globalizada, segundo

Justos (2003), fixados no Princípio do prazer, pois buscam satisfação imediata, possuem

baixa tolerância à frustração, se submetem à lei do menor custo econômico de energia afetiva

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e mínimo esforço psíquico, além de apresentarem onipotência de pensamentos e negação da

realidade. Nesse sentido pode-se supor que, uma criança ou adolescente que não se relaciona

bem em casa, diante de qualquer estremecimento ou frustração tenderá a sair para as ruas em

busca de satisfação imediata. Isso não reduz a responsabilidade da família dessas crianças

que não conseguiram manter-se como sistema social e afetivo, permitindo e perpetuando,

muitas vezes, esse modelo social que rompe com a estabilidade e valoriza a facilidade.

Percebe-se então que o processo de desqualificação e desvalorização social da família

desses indivíduos leva a ruptura com esse sistema. Apesar da violência e exclusão da rua, as

crianças optam em manter-se nela, fugindo da família e de instituições.

Pesquisas ressaltam que crescer na pobreza, com ausência de laços afetivos e sociais

consiste em uma ameaça ao bem-estar da criança e numa limitação de suas oportunidades de

desenvolvimento. Nesse sentido, muitas crianças no Brasil nascem, crescem e se

desenvolvem em contextos e situações que constituem ameaças à sua saúde biopsicossocial,

tornando-se então, crianças de risco.

O risco pode ser definido como sendo físico, social ou psicológico, originado por

causas externas ou internas. Os comportamentos de risco referem-se a ações ou atividades

realizadas por indivíduos que aumentam a probabilidade de conseqüências adversas para seu

desenvolvimento ou funcionamento psicológico ou social, ou ainda, que favorecem o

desencadeamento ou agravamento de doenças. Nesse sentido, as crianças e adolescentes de

rua são um segmento especial e não representativo de toda a população de risco (Hutz &

Koller, 1996).

As experiências que os meninos e meninas vivenciam nas ruas, por serem estressantes

e de risco, possibilitam o aparecimento de distúrbios emocionais e problemas de conduta,

tornando-os mais vulneráveis (Cecconello & Koller, 2000). Os atos delinqüentes podem ser

avaliados como formas de se inserirem novamente na sociedade, fazerem parte dela, mesmo

que reconhecidos como marginais (Rosa, 1999). Ou como mais uma forma de buscar

gratificação imediata e sem esforços, compartilhando então com o sistema social vigente,

capitalista, que propõe “máximo de lucros com o mínino de custos” (Justo, 2003).

As dificuldades dessas crianças de rua impulsionam estudos que buscam soluções

para tantos problemas. Pesquisadores concordam que as características individuais e

estratégias de adaptação, interagindo com recursos disponíveis no ambiente, como apoio

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familiar ou social, contribuem para que a pessoa possa obter um resultado satisfatório na luta

contra as adversidades (Cecconello & Koller, 2000).

Instituições de atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua

Historicamente, as sociedades buscam se organizar através de instituições, sendo que

as características e objetivos institucionais variam de acordo com as concepções sociais

vigentes e as pessoas a quem destinam (Santana; Doninelli; Frosi & Koller, 2004).

Em relação às crianças e adolescentes em situação de rua, uma das soluções

encontradas foi a criação de instituições para essa população. Tais locais acompanharam, ao

longo do tempo, as mudanças conceituais referentes ao desenvolvimento infantil e ao papel

governamental e não governamental no cuidado com essas crianças, mas mantiveram o

objetivo de atender essa população, principalmente, para que não ficassem expostas à visão

das pessoas que passam pelas ruas (Santana; Doninelli; Frosi & Koller, 2004).

No Brasil Colônia o trabalho desenvolvido com as crianças órfãos ou abandonadas

era realizado pela Igreja, com a proposta de catequizá-los. As Santas Casas de Misericórdia,

responsáveis pelas “Rodas dos expostos”, formaram a rede de assistência à infância durante

os quatro primeiros séculos da história do país. No século XIX o Brasil República, pautado

no modelo da medicina higienista, passa a ver a criança de rua como um problema social, que

deveria ser resolvido através da intervenção policial. A partir dos anos 1860, surgiram

inúmeras instituições de abrigo e educação para “menores” desvalidos. A filantropia veio

substituir, como modelo assistencial, a caridade (Justo, 2003).

Foi no final do século XX que a figura do “menor” foi contraposta à imagem da

criança ou adolescente. O termo possuía uma conotação pejorativa, sendo sinônimo de

delinqüente. O Código de Menores entrou em vigor a partir de 1927, trazendo leis e ações, de

cunho médico-jurídicas, para lidar com o “menor” doente e marginal. Após o golpe militar de

1964 o problema do “menor” passou a ser considerado um problema de segurança nacional,

onde o caráter policial e punitivo vigorava. Foi essa filosofia que norteou o Plano Nacional

do Bem-Estar do Menor (PNBEM) e suas fundações, Fundação Nacional do Bem-Estar do

Menor (Funabem) de âmbito federal, e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

(Febem) (Justo, 2003).

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Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 13 de julho

de 1990, observou-se uma mudança tanto na função como nas características das instituições

assistenciais para crianças e adolescentes (Santana; Doninelli; Frosi & Koller, 2004). Ações

governamentais aliadas as mobilizações de ONGs e de setores da sociedade civil procuraram

efetivamente instalar os Conselhos Tutelares e os Conselhos Municipais de Direitos, visando

à formulação de políticas de assistência social especialmente destinadas à melhoria da

qualidade de vida de crianças e adolescentes denominados, a partir de então, de meninos e

meninas que se encontram em situação de vulnerabilidade à violência ou risco pessoal e

social (Justo, 2003).

Muitas instituições de atendimento à criança e adolescente em situação de rua são

ainda hoje discriminatórias e compensatórias, mas não se pode negar a extrema relevância

social que possuem, por representarem uma oportunidade de reintegração para a população

atendida. Estudos mostram que os próprios meninos e meninas que freqüentam esses locais

ressaltam sua importância para um desenvolvimento social e afetivo mais sadio (Santana;

Doninelli; Frosi & Koller, 2004).

Em todo o Brasil há tentativas de atender de forma integral as crianças e adolescentes

de rua, unificando esforços governamentais e ações da sociedade civil organizada. O objetivo

é, além de suprir necessidades básicas, promover a cidadania.

Os programas especializados e as instituições dedicadas ao atendimento de crianças e

adolescentes em situação de rua devem se preocupar com algumas questões que podem

interferir na participação efetiva dessa população nos projetos a ela destinados. É importante

reconhecer os ganhos econômicos que a rua oferece, que concorrem com as bolsas oferecidas

por programas de assistência e com as atividades das instituições. A influência do grupo

também deve ser ressaltada como um fator que pode dificultar a entrada desses meninos e

meninas nas instituições, por isso ele deve ser incluído nas tentativas de inserção. A

compreensão das particularidades do vocabulário dessa população é fundamental para

estabelecer um contato inicial e um vínculo futuro (Santana; Doninelli; Frosi & Koller,

2003).

Um estudo desenvolvido com adolescentes em situação de rua buscou identificar os

significados que esses jovens atribuíam as instituições de atendimento a eles destinados. Os

resultados mostraram que eles reconhecem a importância da alimentação oferecida, da

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possibilidade de realizar a higiene pessoal, as atividades pedagógicas, as atividades de lazer,

de descansar, de estar em contato com pessoas (funcionários) que se preocupam com eles, de

ter acesso a cuidados com a saúde, de obter vestimentas, de realizar cursos

profissionalizantes como forma de garantir recursos financeiros e auxiliar na inserção no

mundo do trabalho e de serem encaminhados para outros locais que possam complementar os

trabalhos desenvolvidos com eles. Ou seja, esses jovens confirmam o papel significativo das

instituições e seus funcionários na rede social e afetiva dessa população (Santana; Doninelli;

Frosi & Koller, 2003).

Os contos de fadas como recurso para um desenvolvimento psíquico sadio

Muitos estudiosos apontaram que a brincadeira é a principal forma de comunicação e

expressão utilizada pela criança. O exercício do brincar e do devaneio são necessários para o

desenvolvimento psicológico, social e para o processo de construção da identidade das

crianças.

Sabe-se da importância que as brincadeiras infantis possuem, pois é por meio delas

que a criança interage com as demais pessoas, constrói significados, elabora a dor do

crescimento, das perdas afetivas, desenvolvendo sua imaginação e sua capacidade de

resolver, criativamente, os problemas que a vida vão lhe impondo (Justo, 2003).

Os contos de fadas podem ser vistos como mais um recurso que as crianças possuem,

nessa luta por um desenvolvimento adequado. Através deles pode-se aprender mais sobre os

problemas interiores dos seres humanos e sobre as possíveis soluções, em qualquer

sociedade, de maneira assimilável à consciência infantil em formação.

A história dos contos de fadas e de sua investigação científica é longa. Pelos escritos

de Platão sabemos que as mulheres mais velhas contavam às suas crianças histórias

simbólicas. Há ainda a informação de se ter encontrado contos mais antigos, nas colunas e

papiros egípcios. O interesse científico por eles começou no século 18, com Winckelmann,

Haman e J. G. Herder. A partir de então os aspectos literários, filosóficos, arqueológicos,

antropológicos e psicológicos dos contos começaram a ser analisadas (von Franz, 1981).

Bettelheim (1980) observou crianças normais e com necessidades especiais, em

diferentes níveis de inteligência, e percebeu que todas elas achavam os contos de fadas mais

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satisfatórios do que as demais estórias infantis. A partir disto, esse autor passou a estudar e

interpretar os contos, buscando compreender a forma como eles trabalhavam com o

inconsciente. Para isso comparou os contos com as estórias modernas escritas para as

crianças e observou que essas últimas evitam os problemas existenciais que ocorrem com

todos os seres humanos, enquanto os contos trazem essas questões de forma paralela ao

momento psicológico e emocional das crianças.

Em seus estudos, Bettelheim concluiu que os contos dão sugestões, suas mensagens

podem implicar soluções, embora não taxativas, deixando a criança fantasiar o modo de

aplicar a ela mesma o que a estória revela sobre a vida e a natureza humana. As imaginações

e projeções que decorrem dos contos de fadas são feitas em segurança, o que permite a

criança desenvolver um sentimento de confiança na vida, do qual ela necessita para crer em si

mesma - uma confiança necessária para que aprenda a resolver os problemas da vida através

das suas próprias e crescentes habilidades racionais (Bettelheim, 1980).

Os contos de fadas mostraram-se então, como a expressão mais pura e simples dos

agrupamentos definidos de caracteres arcaicos, que possuem padrões de funcionamento

específicos e que são de natureza coletiva, denominados por Jung como arquétipos, e dos

processos psíquicos de uma estrutura presente em todos os indivíduos que traz consigo

elementos e informações pertencentes à humanidade, o inconsciente coletivo (Jung, 1985).

Dessa forma, seu valor científico para investigação do inconsciente é superior a qualquer

outro material (von Franz, 1981).

Os diferentes contos de fadas fornecem quadros de diferentes fases da experiência

humana. Algumas vezes eles se atêm mais aos primeiros estágios que lidam com a

experiência de tudo o que está reprimido, escondido de si e da sociedade; outros enfatizam a

experiência de animus e anima, expressões arquetípicos que possuem conteúdos masculinos

e femininos respectivamente, e das imagens de pai e mãe por trás deles. Há ainda, aqueles

que se centram no tema do tesouro inacessível ou inalcançável, e das experiências centrais.

Em termos de valor não há diferenças entre esses contos porque não há hierarquia de valores

nos diferentes modelos de funcionamento (von Franz, 1981).

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Empatia

Com toda a organização psíquica que os contos de fadas podem oferecer às crianças,

a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir o que ele sente, ou seja, a empatia,

poderia ser desenvolvida, possibilitando assim que eles pensem e se coloquem no lugar das

pessoas.

A empatia, de acordo com alguns autores, é integrante de um grupo de valores

essenciais para o bem viver em sociedade. Teoricamente, esses valores (que incluem ainda o

respeito, a auto-determinação, diversidade humana, colaboração e participação democrática

e justiça distributiva), quando usados de uma maneira emancipatória e comunitária, podem

promover a autonomia individual e um senso de comunidade em cada indivíduo, em uma

sociedade cada vez mais multicultural (DeSouza, 1998).

Dessa forma, a postura empática poderia auxiliar na diminuição de atos delinqüentes

realizados por crianças e adolescentes de rua e, por conseqüência, na reintegração dos

meninos e meninas em situação de rua na sociedade.

A empatia, definida primordialmente por Carl R. Rogers, foi descrita por esse mesmo

autor da seguinte maneira:

“um processo de penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente

à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças

que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à

raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele/ela esteja vivenciando.

Significa viver temporariamente sua vida [...] Sem julgar [...] Implica em transmitir

a maneira como você sente o mundo dele/dela à medida que examina sem viés e sem

medo os aspectos que a pessoa teme.”

(Rogers, 1977, p. 73)

Atualmente a empatia é alvo do interesse de diversos pesquisadores e teóricos do

campo da psicologia do desenvolvimento e da personalidade. São várias as definições acerca

desse constructo, muitos estudos enfatizam os aspectos afetivos da empatia, especialmente

aqueles relacionados ao altruísmo. Outros enfatizam os aspectos cognitivos da empatia,

definindo-a como uma capacidade de tomada de perspectiva do outro. Alguns estudos têm

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apoiado a idéia de que empatia é um aspecto afetivo e cognitivo do desenvolvimento humano

relacionado com a moralidade. Outras pesquisas têm integrado estes componentes a um

componente comportamental, especialmente aquelas relacionadas a desenvolvimento moral

pró-social (Ribeiro, Koller & Camino, 2001).

Uma definição que procura contemplar todos os aspectos da empatia é a que defini

esse constructo como uma ação ou reação adotada diante de um evento, que pode causar

mobilização afetiva, compreensão e interpretação cognitiva, e que direciona a pessoa para

uma tomada de atitude, seja esta passiva ou ativa (Eisenberg & Strayer, 1987, citado por

Ribeiro, Koller & Camino, 2001).

A empatia inicia com a percepção e a compreensão do sofrimento do outro, eliciando

uma resposta afetiva congruente com a situação do outro. A postura empática pode ser

desenvolvida através de treino, sua aprendizagem, aumenta nitidamente, se o indivíduo

estiver em contato com pessoas empáticas (Rogers & Rosenberg, 1977). Porém,

características individuais, momento de vida, humor e análise de condições pessoais podem

conduzir indivíduos a expressar ou não comportamentos de ajuda (Ribeiro, Koller &

Camino, 2001).

Justificativa e objetivos do estudo

Devido à escassez material, afetiva e social que muitas crianças e adolescentes de rua

do Brasil estão expostas é necessário destinar uma parcela dos estudos científicos à

identificação dos problemas dessa população e elaboração de projetos que possam prevenir e

reparar tais problemas. Alguns estudos, como o de DeSouza (1998), apontaram para essa

necessidade, colocando que a psicologia comunitária no Brasil precisa engajar-se, de forma

mais ativa, no processo de mudança da realidade social do país.

A literatura demonstra que os problemas sócio-econômicos aliados à desestruturação

das famílias favorecem a ida dessas crianças e adolescentes para as ruas e dificultam o

processo de compreensão e organização psíquica dos mesmos.

De acordo com um levantamento bibliográfico realizado para este estudo, durante o

ano de 2004, na literatura científica, em sites de revistas científicas e de grupos de estudos

com meninos e meninas de rua, disponíveis na Internet, como: www.scielo.com.br,

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www.capes.org.br, e www.msmidia.com.br/ceprua, respectivamente, foi verificado que

existem pesquisas (Tabela 1), brasileiras e internacionais, que estudam o fenômeno das

crianças de rua e os prováveis riscos e prejuízos que essa situação pode trazer para o

desenvolvimento desses indivíduos. Porém poucos trabalhos que estudem procedimentos

para intervenções com crianças e adolescentes em risco psico-social foram encontrados. Essa

linha de pesquisa é de grande interesse por sugerir caminhos a serem seguidos, que possam

minimizar ou até reparar, os déficits psicológicos e sociais dessa população.

Esse trabalho visou reconhecer as possíveis falhas do desenvolvimento psicológico

de crianças e adolescentes em situação de risco psico-social e colaborar com intervenções

que auxiliem na organização das experiências vividas, dos pensamentos e sentimentos dessa

parte da população.

O objetivo desse estudo foi o de verificar se uma oficina de contos de fadas

possibilitou o desenvolvimento psicológico mais sadio em crianças e adolescentes em

situação de risco sócio-afetivo, auxiliando-os na organização psíquica e aumentando o nível

de empatia dos participantes.

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Tabela 1. Lista de estudos sobre crianças de rua.

Título Autor ano Revista de publicação The street and its image Riccardo Lucchini 1996 Childhood – a global journal of child

research, vol 3, n2. A vida escorrendo pelo ralo: as

alternativas de existência dos meninos de rua

Maria Dilma Siqueira 1997 Estudos de Psicologia, vol 2, n1.

The working child and the street child: effect on future child development

A. Damodaran 1997 Bulletin of the New York academy of medicine, vol 74, n1.

Poverty: the main cause of ill health in urban children

X. de la Barra 1998 Health education e behavior, vol25, n1.

O impacto da vivência de rua nas amizades de crianças em idade escolar

Luís A. Rohde; Maria Helena M. Ferreira; Andréa Zomer; Letícia Foster & Heloisa Zimmermann

1998 Revista de saúde Pública, vol 32, n3.

Dimensões psíquicas e sociais da criança e do adolescente em situação de

rua

Deise Matos A. Menezes & Kátia Cristina T. Brasil

1998 Psicologia: Reflexão e Crítica vol 11, n2.

Psychological characteristics of South African street children

J. L Rousc & C. S. Smith 1998 Adolescence, vol 33, n132

Causes and characteristics of the street child phenomenon: A global

perspective

Johann le Roux & Sylvia C. Smith

1998 Adolescence, vol 33, 131

So wath’s so wrong with being a street child?

Arnon O. Bar 1998 Child and youth care forum, vol 27,n3.

O discurso e o laço social dos meninos de rua

Miriam Debieux Rosa 1999 Psicologia USP, v10, n2.

Children and the politics of violence in Haitian context- statist violence,

scarcity and street child agency in Port-na-Prince

J. C. Bernat 1999 Critique of anthropology, vol 19,n2.

Competência social e empatia: um estudo sobre resiliência com crianças

em situação de pobreza

Alessandra Marques Cecconello & Sílvia Helena Koller

2000 Estudos de Psicologia, vol 5,n1.

The South African black adolescent street child as problematic education

situation

Johanna L Geldenhuys 2001 International journal of adolescence and youth vol 9 n2-3.

An investigation into possibile development problems of African street

adolescents in South Africa

J. L. Geldenhuys 2001 Journal of psychology us Africa, vol 11, n2

Street children, human rights, and public health: a critique and future

directions

Catherine Panter-Brick 2002 Annual review of anthropology, v31

The health of the street child: the whole says more. A synergy of research

Linda Van-Roubem & Cycil Hartell

2002 International journal of adolescence and youth, vol 10,n4

Constructing indigenous childhoods – Colonialism, vocational education and

the working child

S Balagopalan 2002 Childhood- A global journal of child research, vol 9,n1

A família narrada por crianças e adolescentes de rua: a ficção como o

suporte do desejo

Leda V. Tfouni & Juliana Moraes

2003 Psicologia USP, vol 14,n1

Ações de prevenção dos acidentes e violências em crianças e adolescentes, desenvolvidas pelo setor público de saúde de Fortaleza, Ceará, Brasil

Augediva M. J. Pordeus; Maria N. O. Fraga & Thaís P. P. Facó

2003 Caderno de saúde pública, vol 19, n4.

Atitudes de adolescentes frente à delinquência como representação social

Maria S. S. Menin 2003 Psicologia reflexão e crítica, vol 16, n1.

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METODOLOGIA

Participantes e Local

Os participantes do estudo foram 11 crianças e adolescentes com idades entre 7 e 14

anos, de ambos os sexos, que freqüentam no período da manhã, a Casa da Criança.

A Casa da Criança, instituição filantrópica, em funcionamento há 9 anos na cidade de

São Carlos - SP, é vinculada a Missão Evangélica e ao Conselho Tutelar desta cidade,

atendendo cerca de 40 crianças e adolescentes em situação de risco psicossocial, evitando

que permaneçam nas ruas. Essas crianças para usufruírem do atendimento em saúde e

educação dispensados pela Casa, necessitam matricular-se em escolas da rede de ensino da

cidade de São Carlos.

Materiais

Os contos de fadas foram selecionados para a realização da Oficina de Leitura por

expressarem os conteúdos do inconsciente coletivo, oferecendo sugestões de como lidar com

as experiências vividas. As estórias trabalhadas na Oficina de Contos de Fadas foram

analisadas e selecionadas pelo grupo de estagiários que realizou a oficina literária, de acordo

com os temas que trabalhavam, delimitando-se assim quais conteúdos psíquicos elas

estariam desenvolvendo nos participantes.

Alguns instrumentos de avaliação foram utilizados para verificar a eficiência da

Oficina no desenvolvimento psicológico dos participantes.

A Escala de Empatia adaptada para a utilização no Brasil com crianças de nível

sócio-econômico baixo (Ribeiro, Koller, & Camino, 2001) auxiliou na visualização das

mudanças no grau de empatia das crianças participantes após a realização das atividades

planejadas. Bryant (1982) definiu empatia como “uma resposta emocional vicária às

experiências emocionais dos outros, percebidas pelo sujeito” (p. 414). Baseada nesta

definição construiu a Escala de Empatia para Crianças e Adolescentes, avaliando,

principalmente, aspectos emocionais, e, embora com menor ênfase, aspectos cognitivos

relacionados ao reconhecimento cognitivo e à tomada de perspectiva do outro.

O Teste de Fábulas (Cunha, & Nunes, 1993), técnica projetiva adequada para detectar

crises situacionais e de desenvolvimento e para o entendimento da psicodinâmica da criança,

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auxiliou na observação do desenvolvimento emocional dos participantes e colaborou para a

análise dos resultados oriundos da escala de empatia.

Materiais como lápis, canetas, giz de cera, papéis, massa de modelar, tintas, argila e

cartolina foram utilizados para as avaliações e para as técnicas de imaginação ativa

(realizadas no término de cada leitura).

Procedimento

Cinco estagiários, sendo alguns bolsistas de Iniciação Científica e de Projeto de

Extensão, participaram do projeto da Oficina de Contos de Fadas, selecionando as estórias

que foram utilizadas, planejando e implementando as atividades, e, analisando os resultados

obtidos através dos instrumentos de avaliação. Esses estagiários eram alunos do curso de

graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos e estavam sob orientação da

docente Dóris Lieth Nunes Peçanha.

As sessões de avaliação e de atividades (Tabela 2) foram realizadas às quartas-feiras,

das 9:00 às 10:30, em salas da instituição Casa da Criança. Os planejamentos, supervisões e

análise de dados foram realizados nas dependências da UFSCar, especificamente, no

Laboratório VIDA.

Os participantes foram divididos em 2 grupos, de acordo com as idades. O primeiro

grupo contava, inicialmente, com 9 crianças, de 7 a 10 anos, e 3 estagiários, enquanto o

segundo grupo com 8 crianças e adolescentes, de 11 à 14 anos, e 2 estagiários. Porém alguns

participantes mudaram de turno durante o procedimento e outros saíram da instituição,

permanecendo somente 11 crianças e adolescentes por todo o período do estudo.

Num primeiro momento, foi realizado um encontro inicial com a instituição e com os

participantes para esclarecimentos sobre as atividades que seriam realizadas e os grupos que

seriam formados.

Nos encontros seguintes foram realizadas avaliações, com os instrumentos

selecionados, que serviram de dados para um pré-teste que, posteriormente, foram utilizados

para verificação dos resultados das sessões de atividades.

As sessões de atividades ocorreram semanalmente e se iniciaram logo que foram

concluídas as avaliações. Cada sessão foi compostas por três passos. O primeiro referia-se a

uma atividade psico-motora, o segundo a leitura dos contos de fadas, e o terceiro a “técnica

17

Tabela 2. Sessões de avaliação e de atividades realizadas. Sessão Data Atividade

1 14/04/2004 Atividades recreativas para apresentação dos estagiários e dos participantes

2 28/04/2004 Pré-teste

3 05/05/2004 Pré-teste

4 12/05/2004 Pré-teste

5 19/05/2004 Separação dos grupos, discussão de regras e atividades recreativas

6 26/05/2004 Atividades recreativas e contrato psicológico

7 02/06/2004 Conto “Palha, carvão e caroço de feijão”, desenho com lápis de cor e teatro

8 09/06/2004 Conto “O patinho feio”, atividade psico-motora e desenho com lápis de cor

9 17/06/2004 Conto “A rainha das abelhas”, atividade com guache e brincadeiras

10 23/06/2004 Conto “A casa da floresta”, relaxamento e desenho com lápis de cor

11 30/06/2004 Filme “Procurando Nemo”

12 11/08/2004 Atividades recreativas

13 18/08/2004 Conto “O pequeno Polegar”, relaxamento e desenho com lápis de cor

14 25/08/2004 Conto “Chapeuzinho Vermelho” e teatro

15 01/09/2004 Conto “João e Maria” , relaxamento e uso de massinha

16 08/09/2004 Construção de pipas

17 15/09/2004 Atividades recreativas

18 22/09/2004 Conto “O lobo e os 7 cabritinhos” e desenho com lápis de cor

19 29/09/2004 Conto “ As 3 penas” e desenho com lápis de cor

20 06/10/2004 Conto “O pássaro de ouro” e atividade com guache

21 20/10/2004 Conto “Os 6 criados do príncipe” e atividade recreativa

22 10/11/2004 Contos Folclóricos

23 17/11/2004 Desenho em grupo

24 24/11/2004 Pós-teste

25 25/11/2004 Pós-teste

26 01/12/2004 Festa de Encerramento

18

de imaginação ativa”, expressão, através de palavras e meios plásticos, das

impressões geradas pela estória ouvida.

Os estagiários conduziram todas as sessões indicando as atividades planejadas,

realizando a leitura das estórias para o grupo e observando as reações de cada participante.

Todas as sessões foram registradas através das observações dos estagiários e de

gravações em fita cassete, que foram transcritas e entregues à supervisora que, a partir desse

material e dos relatos dos estagiários, apresentou a orientação necessária para garantir a

qualidade e adequação das intervenções.

Ao término da Oficina de Contos de Fadas os instrumentos de avaliação foram

novamente aplicados e serviram como pós-teste da intervenção realizada.

Em seguida, foram realizadas as análises dos pré e pós-testes de cada participante,

bem como das atividades implementadas. Os resultados foram discutidos e avaliados pelo

grupo de estagiários e pela orientadora do trabalho.

19

RESULTADOS

Pode-se perceber através da análise dos registros das sessões e dos instrumentos de

avaliação que a oficina de contos de fadas auxiliou no desenvolvimento e organização

psíquica dos participantes, resultando no engajamento, cada vez maior, nas atividades

propostas pelos estagiários, e no aumento da empatia dessas crianças e adolescentes.

Estão presentes alguns trechos dos registros das sessões que foram selecionados para

apresentar as mudanças, graduais, no comportamento dos participantes que conseguiram, aos

poucos, se engajar nas atividades propostas e se colocar mais no lugar dos colegas evitando,

a partir disso, agredi-los, chamá-los por apelidos que não eram bem aceitos, ridicularizar

aqueles que tinham algum problema ou que se encontravam em uma situação delicada

(como, por exemplo, estar cheirando mal ou ter sofrido alguma perda afetiva).

“ 28/04/2004 - Durante a avaliação inicial (pré-teste):

Participante 1: E a outra como é que é o nome? (perguntando para o colega

como era o nome da estagiária).

Participante 2: Testão Royal. Testão. (outra criança que estava fora da

conversa provoca o participante 1, chamando- o pela apelido)

Participante 3: Maria Fernanda! (responde a pergunta do participante 1)

Participante 3: Iara! (fala o nome da outra estagiária para o participante 1)

Participante 2: Testão de amolar facão!

Participante 1: Indioca! Indioca! Indioca!

Participante 2: Sarna pulguenta, sarna pulguenta, sarna, sarna!!”

“ 28/04/2004 - Durante a avaliação inicial (pré-teste):

Estagiário: Tenho vontade de bater nos meus colegas sem razão. (lendo uma

afirmação de um teste que estava sendo aplicado)

Participante 1: Quase sempre!

Participante 2: Eu não tenho.

Participante 3: Ai, eu não.

Estagiário: Você tem vontade de bater nos seus colegas? Quem tem?

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Participante 1: Eu tenho, manda vir.

Participante 2: Eu não tenho, que ela puxa meu cabelo.”

“ 19/05/2004 - Separação dos grupos e discussão das regras:

Estagiário 1: Gente, vamos ouvir um minuto. G. vamos deixar a tia falar?

Estagiário 2: J.P., vamos parar um pouquinho, senta aqui do lado da tia.

As crianças continuam falando.

Estagiário 1: Vamos todo mundo ouvir.

As crianças continuam falando e dispersando.

Participante 1: Ah, vamos sentar, mano. Para com isso ô, vamos sentar o

caramba!

Participante 2: Para!

Participante 1: Vamo sentar o viado!”

“18/08/2004 - Sessão de Conto de Fadas:

Algumas crianças pegam as carteiras empilhadas para desenhar. O Participante 1

chega ao lado da caixa de lápis e pergunta para a Estagiária

Participante 1: Tia tem cor azul?

Estagiária: Tem que procurar (e começa a procurar na caixa). Tem esse!.

Participante 1: Ah... Mas e azul-claro?.

Participante 2: Tó. (pega o azul claro que esta com ele e entrega para

participante 1).”

“ 01/09/2004 - Sessão de Conto de Fadas:

Participante 1 subiu em Participante 2 para brincar de cavalinho, mas pulava

tanto que derrubou e deixou o Participante 2 sem fôlego, mas não parava.

Estagiária: Você esta machucando ele !

Participante 1: Não tá!.

Participante 3 vê a cena e chega batendo no Participante 1, mandando ele sair de

cima do Participante 2.”

21

“ 01/09/2004 - Sessão de Conto de Fadas:

Participante 1: Olha o pouquitinho de massa que eu tenho...(sentado em um

canto, chorando, estende suas mãos, com um bolo de massa em cada uma).

Um dos bolos de massa que estava na mão do Participante 1 foi dado pelo

Participante 2 que deu toda a sua massinha para ver se o colega parava de

chorar.”

“ 06/10/2004 - Sessão de Conto de Fadas:

Estagiária 1 começa a contar a história O pássaro de ouro. As crianças estão

muito participativas. Todas estão em absoluto silêncio e permanecem em volta

dela ouvindo atentamente a história. No final da sessão o Estagiário 2 chama dois

participantes, que sempre bagunçaram nas sessões, em um canto da sala e diz:

Estagiário 2: Os tios ficaram muito contentes com vocês porque vocês

brincaram junto com a gente em todas as brincadeiras e porque vocês ajudaram

em tudo! Estamos muito felizes com vocês!.

As crianças sorriram.”

“ 17/11/2004 - Atividade de desenho em grupo:

Participante 1 teve dificuldade em dividir o espaço e as canetinhas. Queria tudo

para si. Expressou maior dificuldade em relação ao Participante 2.

Estagiária: Participante 3 empresta o seu para ele? (O participante 3 resiste um

pouco, depois empresta).

Participante 3: Me devolve depois, hein?

Participante 1: Tá.”

A análise comparativa realizada com os pré e pós testes, resultantes da avaliação com

a Escala de Empatia, também indicou uma melhora no nível de empatia da maior parte dos

participantes. Dentre os 11 participantes que realizaram integralmente o pré e o pós teste com

essa escala 45,45% (5 crianças) aumentaram o grau de empatia apresentado, 18,18% (2

crianças) mantiveram os níveis de empatia iguais, e 36,36% (4 crianças) diminuíram o grau

de empatia.

As avaliações de empatia realizadas no término da Oficina de Canto de Fadas se

22

mostraram positivas, uma vez que 81,8% dos participantes (9 crianças) obtiveram mais que

50% dos pontos possíveis da escala, ou seja, dos 22 itens avaliados na escala, pontuaram de

forma empática 11 ou mais itens.

Quatro, das 11 crianças avaliadas pela Escala de Empatia, realizaram os pré e pós

testes com o Teste de Fábulas. De forma geral, elas apresentaram respostas que refletem a

situação de desamparo social na qual estão inseridas. Todas deram respostas com padrão

exploratório para a fábula 1, que aborda a questão da dependência e da relação de apego. Isso

pode significar que elas agem, de forma independente, frente as situações adversas que a vida

pode oferecer, uma vez que não possuem, a disposição, adultos que possam auxiliá-las na

superação de obstáculos.

Nas fábulas 3 e 7 do instrumento, que podem sugerir o nível de empatia dos

participantes, uma vez que trabalham com a questão da rivalidade fraterna e da conformidade

social, ambivalência ou possessividade, respectivamente, os dados analisados evidenciaram

que as 4 crianças avaliadas apresentaram padrões empáticos em suas respostas para essas

fábulas, após o desenvolvimento da Oficina de Contos de Fadas. Elas alteraram as respostas

que demonstravam reações onipotentes, de tristeza e perda, no pré-teste, para respostas de

aceitação e doação espontânea no pós-teste. Essa alteração no padrão de resposta dos

participantes pode sugerir que o procedimento de intervenção adotado auxiliou no

desenvolvimento psíquico das crianças participantes, aumentando assim, o grau de empatia

das mesmas.

Todo o processo de análise dos dados ratificou a validade da Oficina de Contos de

Fadas enquanto recurso no processo de desenvolvimento psicológico e social dos

participantes.

23

DISCUSSÃO

O estudo revelou que é possível desenvolver um procedimento de intervenção que

auxilie no desenvolvimento psico-social de crianças e adolescentes em situação de risco. A

utilização de Contos de Fadas, aliada a atividades recreativas e de expressão se mostrou

eficaz para ser trabalhada num processo terapêutico em grupo que tem por objetivo

possibilitar um desenvolvimento psicológico mais adequado e um aumento no grau de

empatia de crianças e adolescentes em situação de risco sócio-afetivo.

Porém, os dados apresentados não podem, por si só, garantir que o procedimento

implementado neste estudo trará benefícios em outros contextos e com outras populações,

uma vez que, para isso, seria necessário realizar o procedimento com um número maior de

crianças e com uma diversidade maior de instituições.

Alguns fatores prejudicaram o processo de intervenção e análise dos resultados e por

isso podem ter interferido nos dados. Dentre eles pode-se citar o fato de que o número de

participantes se alterou durante todo o processo de avaliação e intervenção, devido ao fato da

instituição receber, durante todo o ano, novas crianças e adolescentes para participar das suas

atividades. Além disso, alguns participantes saíram da instituição ou trocaram o período que

permaneciam nela, se desligando então do grupo da Oficina de Conto de Fadas e não

completando todo o procedimento planejado.

Outro fator que pode ter influenciado o resultado referente ao nível de empatia dos

participantes é a própria escala de empatia que foi utilizada. Tal escala passou por um

processo de adaptação para a utilização no Brasil, com uma amostra de adolescentes de 14 á

16 anos, das cidades de Porto Alegre/RS e João Pessoa/PB. Porém, a população participante

do presente estudo difere um pouco da utilizada no procedimento de adaptação da escala, por

serem de uma região do país diferente (São Carlos/SP) e por terem uma idade inferior (de 7 à

14 anos).

De uma forma geral esse estudo pode contribuir para a compreensão do processo de

desenvolvimento de crianças e adolescentes em situação de risco sócio-afetivo, e para a

elaboração de projetos que possam prevenir e reparar as necessidades psicológicas e sociais

que estão defasadas nessa parte da população.

24

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer algumas pessoas que me auxiliaram no decorrer do estudo, com

a escolha dos materiais a serem utilizados, com a implantação do procedimento adotado, com

a análise dos resultados e com orientações para superar os obstáculos. À professora Dóris

Lieth Nunes Peçanha que orientou todo o processo de construção do trabalho, supervisionou

as atividades planejadas e realizadas e ofereceu apoio frente as dificuldades encontradas. Ás

pesquisadoras Alessandra Cecconello e Silvia Koller, do grupo CEP-RUA do Instituto de

Psicologia da UFRGS, e ao próprio CEP-RUA, pela contribuição com diversas pesquisas

acerca do tema e com materiais de avaliação, incluindo a Escala de Empatia utilizada. Aos

estagiários, Murilo, Laila, Maria Fernanda e Marcela, que participaram da elaboração e

implantação do projeto de intervenção da Oficina de Conto de Fadas e da análise de

resultados. E à Instituição Casa da Criança que permitiu e cedeu espaço para a realização do

trabalho com as crianças e adolescentes que à freqüentam.

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