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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CARACTERIZAÇÃO DE LIDERANÇA EM EMPREENDIMENTOS AUTOGESTIONÁRIOS: O CASO DE UMA COOPERATIVA DE LIMPEZA Ana Cláudia Gonçalves SÃO CARLOS 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DE LIDERANÇA EM EMPREENDIMENTOS AUTO GESTIONÁRIOS: O CASO DE UMA COOPERATIVA DE LIMPEZA

Ana Cláudia Gonçalves

SÃO CARLOS

2006

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DE LIDERANÇA EM EMPREENDIMENTOS AUTO GESTIONÁRIOS: O CASO DE UMA COOPERATIVA DE LIMPEZA

Ana Cláudia Gonçalves

Monografia para obtenção do Título de Bacharel no curso

de Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos

SÃO CARLOS

2006

_____________________________________________ Orientadora: Prof.ª Ana Lúcia Cortegoso

AGRADECIMENTOS

Á Profª.Drª. Ana Lucia Cortegoso, pela paciência ao me orientar como também pela oportunidade de desenvolver este trabalho no Departamento de Psicologia da UFSCar e conhecer um pouco sobre os Empreendimentos Solidários. As participantes da pesquisa que colaboraram com seus depoimentos para a minha busca por informações sobre a Liderança. As minhas amigas do curso de Psicologia da UFSCar que me incentivaram e compartilhavam todos os momentos de ansiedade e satisfação neste trabalho. As minhas colegas de trabalho que se tornaram amigas, e que cada dia mais, aprendo com elas, tornando para mim, exemplos que quero seguir. Aos meus irmãos e minha família, mesmo longe, posso sempre contar com minhas alegrias, dúvidas e saudades. Aos meus pais Wilson Gonçalves e Ione M. Móra Gonçalves pelo incentivo e palavras de apoio desde o início deste trabalho e de toda minha vida, concretizando meus sonhos de agarrar o mundo.

SUMÁRIO

Liderança em empreendimentos solidários......................................................................................06

I. Divergências conceituais no estudo da liderança...........................................................06

II. Desenvolvimento do líder e desenvolvimento do processo de liderar...........................07

IV. Comportamento de liderar- o que está relacionada a ele e quais são as condições que o favorecem............................................................................................................................09

V. Contextualizando a Econômia Solidária..........................................................................11 V. Papel dos líderes nos empreendimentos solidários..........................................................12

Aspectos metodológicos para caracterização de comportamentos de liderar.................................15

I. Participantes................................................... ....................................................................15

II. Fontes de Informações utilizadas......................................................................................15 III. Tipos de Informações buscadas......................................................................... ...............15

IV. Procedimentos e Instrumentos para coleta de dados......................................................16

V. Análise dos dados................................................................................................................18

Resultados I. Liderança: conceito e percepções em um empreendimento autogestionário de limpeza .....19

Liderança e o funcionamento de empreendimentos autogestionários

I. Líder: divergência de significados......................................................................................28 II. Líder de ontem hoje e amanhã............................................................................................29

III. Percebendo comportamentos de liderar.............................................................................30

IV. Divergências com relação à atuação de lideres no grupo..................................................33

V. Limitações metodológicas e perspectivas para continuidade do estudo..........................33

VI. Contribuições deste trabalho para a compreensão da liderança em empreendimentos solidários.............................................................................................................................34

Referências Bibliográficas...................................................................................................................35 Apêndices .............................................................................................................................................36

Resumo

Muitos pesquisadores têm se dedicado ao estudo do fenômeno da liderança. Mas existem muitas divergências conceituais no estudo do processo de liderar. Alguns autores acreditam que a liderança é um traço da personalidade do indivíduo e, sendo assim, algo inato ou tão próprio de um indivíduo (ou de sua história de vida) que se torna competência exclusiva deste indivíduo. Por outro lado, outros autores sugerem que os comportamentos de liderar podem ser desenvolvidos em todos os seres humanos. Levando em consideração que líder seja aquele indivíduo que apresenta comportamentos de liderar, torna-se importante definir quais são os comportamentos relacionados à liderança. Para um certo grupo de trabalhadores, algumas condições tendem a promover algum comportamento de liderar especifico, enquanto que para outros grupos essas mesmas condições não proporcionam essas mesmas ações. O objetivo deste trabalho foi o de identificar os comportamentos relevantes para a definição de liderar em empreendimentos solidários. Nesse tipo de organização esta análise apresenta relevância especial, pois todos os membros podem ocupar todas as funções e desenvolver todas as atividades, aumentando assim seu repertório. Para a coleta de dados do presente estudo, foram utilizadas as técnicas de observação direta de reuniões, além de entrevistas semi-estruturadas com os membros de empreendimentos solidários que aceitaram participar da pesquisa. Os resultados indicaram que há divergências de conceitos quando se trata da expressão “líder” e as pessoas que foram apontadas como líderes no momento da pesquisa não receberam um número relativamente pequeno de indicações como lideres com potencial para o futuro. Já com relação aos comportamentos relacionados a liderança observou-se que todos estavam presentes no coletivo, isso pode servir para evidenciar que o que pode importar não é a existência de um líder, mas que todos tenham a capacidade de reconhecer esses comportamentos os aproveitando de uma maneira adequada.

Liderança em empreendimentos solidários Divergências conceituais no estudo da liderança

Muitos estudos têm se dedicado ao fenômeno da liderança. Levando em consideração que líder é

aquele indivíduo que apresenta condutas denominadas de liderança, esses têm a possibilidade de exercer

influência sobre outras pessoas de um grupo, ou seja, muitas vezes ele é notado como um referencial ou

como um modelo para as pessoas que estão a sua volta.

Mas quais são os fatores que estão relacionados ao comportamento de um líder? São suas

características individuais ou as situações que promovem os comportamentos de liderar? Essa questão tem

sido debatida no âmbito da Psicologia. Os estudos recentes sobre o tema mostram que tanto as situações

quanto as disposições do indivíduo tem importância nos comportamentos das pessoas, ou seja, esses dois

aspectos, tanto as características individuais como as situações, estão relacionados ao surgimento e

manutenção de comportamentos de liderar.

Segundo Fotti (2003), as características individuais como inteligência, alto grau de

automonitoramento e de auto-eficácia, habilidade cognitiva e dominância influenciam na determinação do

líder. Com isso, essas pessoas podem desenvolver um repertório comportamental para várias situações

complexas que seu papel venha exigir. Para um líder que se encontra em uma organização hierarquizada,

as características individuais têm um grande valor, pois esse consegue desempenhar sua função que já está

estabelecida dentro da organização. Mas em um contexto não hierárquico observa-se que o ambiente tem

um papel muito importante, ele serve como moderador na emergência de um novo líder. Por isso, certos

atributos pessoais de nada servem se não forem utilizados; o contexto, então, tem grande importância e

serve como um facilitador para ter a possibilidade de observar tais atributos sob forma de ações.

Desenvolvimento do líder e desenvolvimento do processo de liderar

As organizações mais tradicionais têm sua estrutura baseada no poder. Algumas pessoas possuem

um cargo de chefia e por isso tem permissão de listar uma certa quantidade de ordens para funcionários

que estão em um nível inferior hierarquicamente; com isso, esses não possuem nenhum tipo de estratégia

que promova uma melhor negociação das tarefas a serem realizadas, para que se minimize a quantidade de

conflitos gerados por essa situação. No entanto, mudanças profundas no mercado vêm ocorrendo, e um

grande exemplo é o avanço da tecnologia que está afetando o modo como as organizações têm preparado

seus funcionários para que esses consigam enfrentar as dificuldades advindas de tais mudanças. Assim, o

ambiente se torna altamente competitivo tanto pra os antigos quanto para os funcionários que pretendem

iniciar a carreira dentro da organização. Então, aqueles indivíduos que apresentam comportamentos de

liderar possuem uma certa vantagem nesse processo desgastante. Ao mesmo tempo, muitos dos gerentes

dessas organizações estão interessados em desenvolver tais comportamentos em todos os trabalhadores de

seu time. Para Fotti (2003), há uma grande diferença entre o desenvolvimento de um líder e o

desenvolvimento do processo de liderança.

O fenômeno da liderança muitas vezes é percebido como uma habilidade individual. Logo,

desenvolvendo e treinando tais habilidades, a organização enriquece seu capital humano, criando, assim,

um modelo individual em que as habilidades interpessoais como auto regulação, automotivação, iniciativa

e otimismo são muito importantes. Já o desenvolvimento da liderança se dá a partir da habilitação de

pessoas de um grupo para trabalharem juntas e de maneira eficiente para que essas aprendam a solucionar

os problemas que possam aparecer. A organização, quando realiza esse tipo de treinamento, está

investindo em seu capital social, aumentando assim a rede de relações entre os indivíduos, promovendo a

cooperação e as relações de troca, criando um valor organizacional. O capital social pode ser traduzido

pelos relacionamentos que são criados nessas trocas interpessoais. Esse desenvolvimento de liderança tem

uma origem mais contemporânea e se baseia num modelo que pode ser entendido como uma integração

das estratégias como: coordenar tarefas de um grupo, construir compromissos além de desenvolver e

estender as relações sociais. A noção de desenvolvimento de liderança está focado na interação entre

ambiente social e organizacional e não somente a características individuais. A pergunta feita por um

funcionário era “Como eu posso ser um líder efetivo?” Agora ela se modificou para “Como eu posso

participar produtivamente do processo de liderança?”. Então, as mudanças desses conceitos não podem ser

ignoradas. Está havendo uma desintegração da estrutura organizacional tradicional, o que prevalece

atualmente é a capacidade que o indivíduo possui em se adaptar ao grupo, a coletividade, em

diversificadas situações. Assim, as organizações têm gastado muitos recursos financeiros em busca de

programas e atividades que tentam instalar e manter alguns desses comportamentos em seus funcionários,

sendo que muitas vezes essa tentativa não é bem sucedida. A chave para implementação efetiva do

processo de liderança está na disciplina, conhecimento e seriedade para introduzir tais conceitos em toda

parte da organização dos níveis hierárquicos mais baixos até os mais específicos (Day 2001).

Comportamentos de liderar – o que está relacionado a ele e quais são as condições que o favorecem

Os lideres podem ser entendidos como aqueles indivíduos que influenciam ou conduzem outros

membros de um grupo social a realizar os objetivos desejados. Mas de que maneira esses indivíduos

conseguem exercer tal influencia? Através de seus comportamentos.

Segundo Botomé (1980), comportamento é o conjunto de múltiplos tipos de relações entre os

aspectos presentes na situação em que o organismo age e atua, as características da ação que apresenta

nessa situação e os aspectos da situação resultante da ação do organismo. Cada um dos elementos do

comportamento (as condições antecedentes, ações e as condições subseqüentes) é importante, pois

caracteriza diferentes tipos de comportamentos que o indivíduo pode apresentar. Por isso, é necessário

observar não somente as ações dos lideres, mas também quais são as condições que estão relacionadas a

estas ações, ou seja, os comportamentos de liderar propriamente ditos, na concepção de Botomé (1980).

Levando em consideração as condições antecedentes, seria importante identificar quais são os

fatores que favorecem tais comportamentos em determinados grupos de trabalho, pois as condições não

são iguais para todos os grupos, ou seja, não há uma regra, há sempre peculiaridades. Para um certo grupo,

algumas condições tendem a promover algum comportamento de liderar especifico, enquanto que para

outros grupos essas mesmas condições não proporcionam tais ações. Dependendo de cada grupo e

consequentemente das redes de relacionamentos interpessoais já existentes, há o aparecimento de

comportamentos específicos de liderar, que normalmente não são classificados dessa forma em outras

ocasiões.

Muitas vezes alguns cursos que dizem desenvolver lideres dão algumas receitas prontas de como

as pessoas devem se comportar para se tornarem grandes lideres, mas não levam em consideração que a

ação de liderar não depende apenas do líder, como também do contexto que esse se insere. De nada

adianta um indivíduo apresentar denominados comportamentos de liderar em uma situação sendo que os

indivíduos que convivem com ele não reforçam tais comportamentos, sendo assim vários conflitos são

gerados e as metas não são alcançadas. Já em outros contextos, o líder tem aprovação da maioria das

pessoas, seus comportamentos são emitidos com sucesso.

O líder é aquele indivíduo que tem a habilidade de influenciar os outros indivíduos para se

posicionarem segundo suas idéias e pensamentos sobre o tema em questão. Essa habilidade pode estar

relacionada ao poder que o indivíduo exerce sobre as pessoas, e esse tem algumas bases, entre elas: poder

através da recompensa, ou seja, o líder do controle das recompensas para influenciar as outras pessoas, no

poder coercitivo o líder utiliza o controle da punição. Há também o poder que tem como base o

conhecimento que o líder possui sobre o trabalho que ele exerce, por exemplo, e ainda o poder com base

na admiração que os outros possuem pelo líder. As relações interpessoais de dentro da organização

também servem para aumentar o poder individual (Goltz, 2003).

A análise do comportamento sugere que o comportamento é uma relação entre três termos que

conhecida como contingência de três termos, estimulo-resposta-consequência, essa relação mostra que

tanto os antecedentes como as conseqüências de sua ação sobre o ambiente são muito importantes. Com

isso, torna necessário para o líder saber identificar quais são os comportamentos que operam sobre o

ambiente de forma que as conseqüências sejam efetivas em seu processo de liderar. As pessoas que são

denominadas como líderes também tem o papel de identificar quais são suas ações que são reforçadas pelo

grupo, para isso elas devem apresentar uma grande capacidade de examinar o ambiente de forma atenta e

minuciosa. Assim, os líderes tem o objetivo de criar contingências favorecedoras de um bom desempenho

do grupo em realizar tarefas, resolver problemas, além de promover a relações interpessoais entre os

indivíduos.

Contextualizando a Economia Solidária

O capitalismo está implantado no mundo há cerca de duzentos anos e sua característica marcante é

a competição selvagem em que as pessoas buscam de qualquer forma a acumulação de bens, não

valorizando as relações humanas, o trabalho em conjunto etc. No entanto, muitas pessoas discordam desse

sistema e vêem na economia solidária como um dos caminhos para uma sociedade mais igualitária.

A proposta cooperativista pode ser entendida como uma dentre outras formas de coexistência com

o capitalismo não se tratando de uma substituição de um sistema pelo outro. As cooperativas tiveram sua

origem especialmente na Inglaterra e Alemanha no século 19 e nessa época foi construído um estatuto que

contem seus princípios norteadores, atualmente, no entanto, deve-se manter uma postura mais critica sobre

seus limites.

- livre acesso e adesão voluntária

- controle, organização e gestão democrática

- participação econômica de seus associados

- autonomia e independência

- educação, capacitação e informação

- cooperação entre as cooperativas

No Brasil, as primeiras cooperativa foram fundadas em 1887, em uma época em que o país era

palco de grandes mudanças como a abolição o socialismo etc. No início do século XXI, observa-se um

avanço na proposta cooperativista, inclusive no âmbito de políticas públicas, com propostas de medidas

que buscam incentivar as organizações auto-gestionárias e, inclusive, a criação de uma Secretaria

Nacional de Economia Solidária, no âmbito do Ministério do Trabalho.

Papel do líder nos empreendimentos solidários

Segundo os princípios da Economia Solidária, todos os membros de uma cooperativa têm direito a

um voto durante os processos de tomada de decisão, não havendo, então, níveis hierárquicos,

diferentemente das organizações capitalistas. Sendo assim, é possível concluir que os lideres possuem

papéis distintos em cada tipo de organização. Nas organizações capitalistas cada um dos indivíduos possui

sua posição, cada um dos funcionários sabe quais tipos de ordens devem ser cumpridas. Muitas vezes

esses indivíduos nem ficam sabendo como as decisões foram tomadas por seus superiores, pois não

participam desse processo, apenas uma minoria que representa os donos e/ou pessoas de alto nível da

escala hierárquica da organização. Já nos empreendimentos solidários reais, todos os membros têm direito

a participar de maneira igualitária durante as reuniões. Mas, mesmo assim, alguns indivíduos têm uma

participação mais efetiva e acabam fazem parte da Diretoria da cooperativa por algum período de tempo,

por exemplo, ou então comparecem com mais freqüência às reuniões expondo suas idéias, auxiliam na

resolução dos problemas, delegam tarefas etc. É nesse contexto que há o surgimento de um líder dentro da

Economia Solidária.

Normalmente os líderes nem precisam estar de forma direta dentro da Diretoria, eles conseguem

expressar seus pensamentos e vontades para o restante do grupo, sempre de maneira não autoritária. Essas

pessoas possuem uma capacidade de unir o grupo para que todos consigam exercer suas atividades de

maneira harmoniosa com o objetivo de realizar suas metas propostas pelo grupo. Uma das características

mais importantes dos lideres é que eles têm o apoio da maioria dos indivíduos do grupo em que trabalha

para realizar suas ações. È esperado que esse apoio seja adquirido de forma democrática e não imposta, ou

seja, esse líder adquiriu o poder de forma diferente do que acontece normalmente nas empresas

capitalistas

Nos empreendimentos solidários todos os membros das cooperativas podem ocupar todas as

funções e desenvolver todas as atividades possíveis, é esperado que todos melhorem suas capacidades para

liderar, em situações diversas e que o liderar seja, inclusive, favorecer que as outras pessoas se

desenvolvam no sentido de ampliar seus repertórios.

Considerando, então a falta de conhecimento sobre como desenvolver comportamentos de

liderança em empreendimentos solidários e sobre que tipo de liderança é desejável nesse tipo de

organização que se justifica a pergunta de pesquisa. O objetivo do estudo foi o de identificar

comportamentos relevantes para a definição de liderar em empreendimentos solidários, levando em

consideração algumas das características do grupo que esses líderes estão inseridos, como: a estrutura das

relações interpessoais dos membros do grupo de trabalho, os tipos de conseqüências dadas pelo grupo para

os comportamentos emitidos pelo líder etc.

No universo em que foi pesquisado, artigos e livros recentes sobre liderança, bancos de dados

dentre eles, IndexPsi, não foram encontrados teses, periódicos ou qualquer outro tipo e documentos que

abordasse o papel do líder nos empreendimentos solidários. Com isso, é relevante uma questão como essa

para que se possa de alguma forma preencher as lacunas existentes.

Para a sociedade, um estudo como esse é necessário, pois ao identificarmos quais são os

comportamentos que os lideres emitem e o contexto que tais comportamentos são observados, deverá ser

facilitado o processo de desenvolvimentos de lideres, havendo então, uma distribuição da prática de

liderança. Retomando a idéia de que qualquer indivíduo que pertence a um grupo de trabalho organizado

de maneira solidária, tem a capacidade de se comportar como um líder, pois todos possuem praticamente a

mesma posição dentro da organização.

Aspectos metodológicos para caracterização de comportamentos de liderar

Participantes

A presente pesquisa contou inicialmente com a participação de 31 pessoas que responderam apenas

o questionário sobre liderança. Em um segundo momento, 15 pessoas foram entrevistadas. Todos os

participantes eram membros de um grupo de trabalho organizado como empreendimento solidário, que

presta serviços em limpeza de ambientes, sediada em uma cidade de médio porte do interior do estado de

São Paulo.

Fontes de informações utilizadas

As fontes utilizadas foram registros das observações diretas e atas das assembléias realizadas e

respostas dadas pelos participantes quando da aplicação de um questionário sobre liderança e de

entrevistas que foram realizadas com os participantes.

Tipos de informações buscadas

- lideres existentes no grupo de trabalho estudado, de acordo com diferentes pontos de vista (de

cada um dos membros, dos eventuais incubadores, do pesquisador...).

- comportamentos considerados como indicativos de liderança pelos vários participantes

- comportamentos que os lideres executam durante as reuniões serão enumerados.

- condições do funcionamento do grupo que podem estar associadas ao surgimento ou manutenção

de condutas de liderança (indicadas pelo grupo ou na literatura): características das reuniões, por exemplo,

como são tomadas as decisões pelo grupo, de que forma as tarefas são divididas pelos indivíduos e qual a

freqüência de cada um dos membros da cooperativa nas reuniões.

- relações interpessoais existentes dentro do grupo a ser estudado.

-reação de membros diante da liderança reconhecida, ou seja, se os comportamentos dos lideres

são entendidos de maneira positiva ou negativa diante do restante do grupo.

Procedimentos e instrumentos para coleta de dados

A coleta de dados teve inicio assim que todos os participantes assinaram o termo de

consentimento livre e esclarecido (Apendice1).

Foram realizadas duas sessões de observação direta de assembléias do grupo cooperado que

ocorrem regularmente, objetivando identificar características das reuniões de interesse para o estudo. Por

meio da observação se buscou identificar alguns comportamentos de pessoas que exerciam (ou eram

indicadas como exercendo) funções de liderança no grupo, bem como reações de membros do

empreendimento a estes comportamentos. Foram produzidos, nestas situações, registros anedóticos destes

tipos de ocorrência observadas.

Durante uma das assembléias do grupo, no ambiente em que esta atividade costuma ocorrer

(refeitório de um centro comunitário situado no bairro em que está sediada a cooperativa) foi aplicado aos

presentes um questionário, que constava de três questões que abordavam itens como: quem eram as

pessoas consideravam lideres no momento, anteriormente e no futuro. As participantes podiam indicar

quantas pessoas achassem necessário. Para aqueles que solicitaram ajuda para responder ao questionário,

em geral em função de analfabetismo ou pouca familiaridade com a escrita, esta foi dada pelo pesquisador

e por um pesquisador auxiliar que estavam presentes, que escreveram aquilo que foi solicitado pelo

respondente. Nestas situações, procurou-se garantir privacidade, utilizando espaços mais isolados da sala e

outras salas adjacentes ao refeitório. Durante a assembléia uma amostra muito pequena de pessoas

respondeu o questionário, por isso houve uma aplicação complementar que ocorreu nos próprios locais de

trabalho das cooperadas, como também em cursos que elas participavam. O instrumento utilizado foi

respondido por 31 pessoas. Ele pode ser visto no Apêndice 2.

Foram também realizadas entrevistas, semi-estruturadas, a um conjunto de 15 membros do

empreendimento, os mais citados como líderes no momento presente, no passado ou potencial pelos

respondentes ao questionário.

O objetivo desta forma de coleta de dados foi identificar dados sobre a concepção que estes

indivíduos expressavam sobre o que seria um líder, quais os comportamentos que eles indicavam como de

liderar, se relatavam a existência de líderes no grupo, quem eram os possíveis lideres, quem eram as

pessoas que tinham capacidade para liderar, se os outros integrantes do grupo as reconheciam como

lideres. Além de questões relativas a estes aspectos, foi solicitado aos entrevistados que indicassem

nomes de pessoas que poderiam ajudar o grupo em uma situação hipotética em que a cooperativa estivesse

passando por um problema financeiro e também um problema de relacionamento entre as pessoas. Foi

solicitado aos entrevistados, ainda, que, diante de sete classes de comportamentos usualmente

considerados como de lideres, indicassem quem, no grupo, era as pessoas que emitiam tal

comportamento, e com que freqüência. Por fim, o entrevistado era solicitado a comentar a liderança

existente no grupo em que está inserido, indicando se considerava bom ou ruim quando os lideres agiam

de determinada maneira, qual o efeito desses comportamentos sobre o grupo e, finalmente, classificar a

condição de liderança do grupo como positiva ou negativa. No Apêndice 3 pode ser visto o roteiro

utilizado nestas entrevistas.

As entrevistas ocorreram em locais que tentaram garantir o máximo da privacidade das

participantes. O local foi pré determinado pelas entrevistadas, tendo sido utilizados sala na própria

cooperativa, sala ao lado da cooperativa, igreja do bairro em que o empreendimento está inserido e local

de trabalho das participantes. Os horários também foram agendados pelas entrevistadas, de acordo com as

condições de maior conforto para elas.

Análise dos dados

Os dados obtidos por meio do questionário permitiram identificar a freqüência de indicação de

cada um dos membros do empreendimento apontados como líderes no grupo nas três categorias

consideradas (atuais, no passado e potenciais). No caso dos dados obtidos por entrevistas, foram

organizados em termos das distribuições de indicações feitas pelos entrevistados, em cada aspecto

considerado.

L iderança: conceito e percepções em um empreendimento autogestionário de limpeza

Serão apresentados, inicialmente, os dados relativos às respostas obtidas por meio do questionário,

junto aos 31 membros que responderam este instrumento. Em seguida, serão apresentados os dados

obtidos em entrevistas com a amostra de participantes do empreendimento que foi selecionada.

Na Figura 1 podem ser observados os dados obtidos a partir da aplicação do questionário, e

relativo às indicações dos respondentes acerca de líderes existentes no grupo.

De acordo com as indicações feitas pelos membros do grupo que responderam ao questionário,

nove pessoas receberam pelo menos quatro indicações como líder, independentemente da categoria em

que as indicações ocorreram (passado, presente, futuro). Duas destas pessoas foram indicadas por um

grande número dos respondentes como líderes no momento em que os dados foram coletados, sendo elas

membros da direção do empreendimento nesta época. A terceira pessoa indicada por um número grande

de membros do empreendimento como líder no momento da coleta dos dados, não é, nem nunca havia

sido parte de diretoria da cooperativa.

0

5

10

15

20

nº d

e in

dica

ções

I R L V D N M I Anome das pessoas citadas

Figura 12.Distribuição das indicações feitas pelos 31 participantes que responderam ao questionário em termos de líderes atuais, do passado e com potencial para o futuro.

No momentoAnteriomenteNo futuro

As duas pessoas que receberam maior número de indicações como líderes no momento, contudo,

receberam um número relativamente pequeno de indicações como líderes com potencial para o futuro.

Serão apresentados, a seguir, os dados relativos às respostas obtidas por meio das entrevistas, junto

aos 15 membros que receberam maior número de indicações no questionário inicial sobre liderança.

Na Tabela 1 podem ser observados os dados obtidos em que oito comportamentos tidos como de

líderes segundo a literatura foram apresentados para cada uma das entrevistadas, sendo que para cada

comportamento a entrevistada deveria citar quais membros da cooperativa se comportam de tal maneira

durante as situações de trabalho.

Tabela 1. Distribuição das indicações feita pelos 15 participantes que responderam a entrevista em relação

a que membros do empreendimento apresentam comportamentos usualmente apontados como de líderes.

É possível observar, a partir da Tabela 1, que 13 pessoas receberam pelo menos três citações. As

pessoas que tiveram os maiores números de indicações foram: R, I, U, L e M sendo que estão incluídas

neste grupo os três membros da diretoria na época da coleta de dados, como também outros membros da

cooperativa.

Observando o número de indicações dos comportamentos, Criar Perspectivas no Trabalho é o

comportamento menos citado (nº indicações igual a oito), ou seja, as entrevistadas manifestavam muita

dificuldade em citar alguém que conseguisse criar algum tipo de perspectiva nas situações de trabalho,

tanto que apenas quatro pessoas foram citadas. Foi possível notar, ainda, que algumas entrevistadas

apresentavam dúvidas quanto à palavra “perspectiva” , sendo que quando a entrevistadora percebia que

haviam dúvidas esclarecia dizendo que eram pessoas que, entre outras coisas, aumentavam as expectativas

do grupo. No entanto, elas afirmavam que não existia ninguém na época, que se comportava com a

função de aumentar as perspectivas no trabalho do grupo. Já os comportamentos com maior número

citações são: Participar Ativamente das Reuniões (21 citações), Tomar Iniciativa (20 citações) e Resolver

Problemas (17 citações). Outro aspecto importante é o fato de nenhuma cooperada ter sido citada em

relação a todos os oito comportamentos. Apenas a cooperada R alcançou um número total maior de

indicações, embora tenham sido mencionados apenas seis dos oito comportamentos considerados. Outro

fato importante é que nenhuma cooperada citou o próprio nome em nenhum momento.

Na Tabela 2 podem ser observados os dados obtidos a partir da apresentação às entrevistadas de

situação hipotética relacionada a problemas que a cooperativa estivesse enfrentando ou pudesse ter que

enfrentar, sendo que esta situação incluía problemas de diferentes ordens (financeiro e de relacionamento

entre pessoas). Foi pedido para cada entrevistada citar nomes de uma ou duas pessoas que poderiam

auxiliar na resolução destes possíveis problemas que cooperativa estivesse encontrando. Às entrevistadas

foi perguntado, ao final, se havia algum outro tipo de problema que o empreendimento poderia estar

enfrentando e, havendo indicação deste tipo, que pessoas seriam indicadas para resolve-lo.

Tabela 2. Distribuição das indicações de pessoas para resolução de diferentes tipos de problemas que a cooperativa estivesse enfrentando

Para o auxilio na resolução de problemas financeiros foram citados nomes de oito pessoas. Apenas

a cooperada D teve duas indicações enquanto que as restantes tiveram apenas uma. Quanto à justificativa

dada pelas entrevistadas quanto à escolha da pessoa para auxilia-las na resolução de problemas desse tipo,

elas disseram que escolheram pessoas que “sabem mexer com dinheiro” ou então pessoas que já tinham

tido experiência anterior com esse tipo de problema. Observou-se que as entrevistadas ficaram pensando e

até mesmo resgatando o nome de algumas pessoas para responder tal questão, durante algum tempo, e

relataram sentir uma certa dificuldade em fazer isso, por acharem que não existiam pessoas capacitadas

para esse tipo de questão na cooperativa.

Com relação aos problemas de relacionamento entre as cooperadas, 11 pessoas foram citadas,

sendo que I teve quatro indicações, U três e R duas, enquanto que todas as outras tiveram apenas uma

NOME FINANCEIRO RELACIONAMENTO CONTRATO DINHEIROCAPACACITAÇÃO DE

NOVAS PESSOASDIVISÃO DE

PODER

SOBRECARGA DE TRABALHO PARA

DIRETORIA

R 2 1 1 0 0 0 1

Q 1 0 0 0 0 0 0

F 1 0 0 0 0 0 0

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Q 0 1 0 0 0 0 0

X 0 1 0 0 0 0 0

K 0 1 0 0 0 0 0

indicação. As três pessoas que receberam mais votos nessa questão formavam a Diretoria da época. Com

relação à justificativa dada pelas entrevistadas para suas escolhas, elas estavam relacionadas com a

habilidade que a pessoa tinha em “ouvir as duas partes e respeitar todos de maneira igual.”

Outros problemas citados pelas entrevistadas foram: Problemas com o contrato de trabalho,

problemas de adiantamento de pagamento, capacitação de novas pessoas, divisão de poder e sobrecarga de

trabalho para Diretoria. Somente para esse ultimo tipo de problema duas pessoas foram citadas para

resolver, sedo que uma delas era a própria entrevistada. Isso mostra que uma cooperada se sente capaz de

resolver alguns tipos de problemas que o empreendimento vem passando.

Na Tabela 3 podem ser observados os dados obtidos a partir da solicitação para que as

entrevistadas citassem de quatro a cinco nomes para compor um grupo de trabalho, bem como que

indicassem, neste grupo hipotético, qual dos membros desse grupo seria um possível líder. Os dados da

Tabela 3 indicam o número de pessoas que convidariam cada uma das pessoas que aparecem na coluna à

esquerda para compor um grupo, bem como quantas indicações de escolha como líder cada uma destas

pessoas citadas recebeu.

Tabela 3. Distribuição do número de indicações recebidas por pessoas que seriam convidadas para compor

um grupo de trabalho, feitas pelas entrevistadas, e de indicações daquelas pessoas como possíveis líderes.

De acordo com os dados da Tabela 3, é possível notar que 18 pessoas foram citadas para compor

grupos de trabalhos, e dentre elas oito foram indicadas como possíveis líderes nesses grupos. Nove

pessoas foram citadas por pelo menos dois entrevistados diferentes. Já G e L receberam três indicações

para compor o grupo de trabalho, no entanto não foram indicadas como líder por ninguém. Durante as

entrevistas foi possível notar que as entrevistadas sentiram certo tipo de dificuldade para compor esse

grupo de trabalho hipotético, e na maioria das vezes elas escolhiam aquelas pessoas que já dividiam suas

atividades no dia a dia ou até pelo fato de existir amizade extra trabalho entre elas, ou seja, elas pareciam

não buscar exemplos que contemplassem a cooperativa como um todo. Uma ilustração disso é o fato de F

ter quatro indicações, pois das 15 entrevistadas 4 eram do seu grupo de trabalho e, ao justificar o porque a

escolheram como líder, disseram que é porque “possui muita experiência no que faz”.

PessoasQuantas indicaram para

compor o grupoComo lider?

I 4 2

M 4 2

G 3

L 3

R 3 1

N 2

J 2

S 2

Z 2 1

EE 1

Y 1

AA 1 1

O 1 1

W 1

H 1

E 1

V 1

T 1 1

B 1

Na Figura 2 podem ser observados os dados obtidos a partir da solicitação para que as

entrevistadas avaliassem a maneira como a liderança é exercida no grupo; para isso o entrevistado deveria

a avaliar de maneira bipolar (positiva ou negativa) a liderança do grupo. Quando a entrevistada não

conseguia classificar a liderança em um desses extremos, outros tipos de respostas foram aceitas, e

classificadas como mais ou menos.

Figura 2. Distribuição da avaliação da liderança do grupo pelos entrevistados.

Os resultados referentes à forma como as entrevistas diziam perceber a liderança no grupo foi a seguinte:

nove pessoas relataram acreditar ser positiva; uma pessoa dizia considerar a liderança de forma negativa;

duas pessoas achavam que é mais ou menos, ou seja, tinham dúvidas e não conseguiam classifica-la de

maneira de dicotômico e consideravam que ora era positiva ora era negativa, por isso classificaram como

mais ou menos. Uma pessoa achava que não existia liderança e duas outras pessoas não responderam essa

questão, pois disseram não ter informações suficientes e, por isso, não conseguiram classificar a liderança

do grupo na época.

Positiva

Negativa

Mais ou menos

Não há

Liderança e o funcionamento de empreendimentos autogestionários

Líder: divergência de significados

Durante a aplicação das entrevistas foi possível notar que as participantes possuíam diferentes

conceitos da expressão líder. Para muitas delas uma pessoa denominada líder é aquela que tem como

objetivo “mandar” no grupo e as conseqüências desses comportamentos de liderar são percebidas como

negativas, pois normalmente as ações de mandar geram fofocas e até brigas no grupo. Uma explicação

possível é o fato das cooperadas possuírem algum tipo de experiência anterior ou predominante no que se

refere a relações no trabalho em que a linguagem utilizada para denominar estas relações aproximam o

líder de chefe.

Como em alguns grupos de trabalho dessa cooperativa há uma escala contendo todas as cooperadas

e obrigatoriamente todos os membros desses grupos específicos se tornam líderes por uma semana,

durante os questionamentos sobre a liderança, muitas entrevistadas citaram os nomes das pessoas que

foram designadas a líder da semana segundo a escala. O papel desse líder semanal, entre outros, é de ficar

responsável pelo seu próprio grupo de trabalho, resolvendo os problemas que possam surgir durante a

semana, assim como também de informar a Diretoria sobre os acontecimentos. Por isso, foi necessário

explicar para as entrevistadas que a pergunta não se referia a esse tipo de nomeação. Ainda nesse mesmo

momento, quando foi solicitado às participantes que mencionassem os líderes atuais, muitas citavam os

três membros da Diretoria. De certo modo, esse tipo de associação é compreensível, e pode ser justificada,

pois aquelas pessoas que compõem a Diretoria dentro de um empreendimento solidário muitas vezes

apresentam comportamentos de liderar e por isso, inclusive, são escolhidas para esta função por meio dos

votos das outras cooperadas. No entanto, não é possível assegurar que os cooperados façam, de fato, uma

distinção entre um papel administrativo formal dentro do empreendimento, e a apresentação de

comportamentos que possam ser considerados como próprios do liderar, de modo que, ao indicar seus

representantes formais estejam, efetivamente, reconhecendo-os como líderes a partir de suas condutas no

grupo.

Segundo a lei 5.764 de 17/12/1971, a igualdade política nos empreendimentos solidários que é

representada pelo voto individual, foi o ganho do movimento cooperativista em sua luta pela

institucionalização de um modelo de sociedade econômica antagônica as sociedades capitalistas (Singer,

2002). No entanto, essa igualdade política advinda do voto pessoal , única e frágil âncora legal das

cooperativas é constantemente ameaçada por um rol de desigualdades políticas que subsistem de formas

diferentes em cada uma das cooperativas (Esteves, 2003).

Devido à um caráter legal, todas as cooperativas possuem um conselho administrativo que

responde as necessidades sociais, comerciais e criminais da empresa cooperativa. Esse tipo de requisito

legal altera a dinâmica desses empreendimentos solidários, pois normalmente os cooperadores elegem um

tipo de hierarquia que estarão submetidos, trocando a “chefia” ou a “coordenação” a cada mandato,

culminando na produção de desigualdades ao afastar os cooperados que fazem parte da Diretoria dos

outros que realizam as atividades produtivas do empreendimento. Parece haver aqui uma explicação

possível para o fato dos membros da Diretoria serem reconhecidas como líderes no momento, pois os

lideres podem ser vistos pelos membros dessa cooperativa como pessoas consideradas “chefes”, ou seja,

pertencentes a uma alto grau dentro de uma escala hierárquica, que existe dentro das organizações

capitalistas.

Outro fator de desigualdade dentro das cooperativas é a divisão etária do trabalho, pois assim como

qualquer empreendimento ou instituição sofrem influências externas que exigem adaptação a qualquer

momento. Um exemplo para esse fato é a contratação de novos funcionários devido à uma maior demanda

de trabalho. E, em qualquer cooperativa há sócio fundadores que participam desde o início. Somente a

presença de pessoas com diferentes períodos de filiação faz com que haja uma diferença espontânea e

desejada, pois faz com que o conhecimento circule.

Líderes de ontem, hoje e amanhã

Com relação aos dados obtidos a partir da aplicação do questionário, e relativo às indicações dos

respondentes acerca de líderes existentes no grupo, as duas pessoas que receberam maior número de

indicações como líderes no momento (e que correspondem às que ocupam as funções estatutárias de

representação do grupo e se destacam, na diretoria, na implementação das atividades administrativas),

contudo, receberam um número relativamente pequeno de indicações como líderes com potencial para o

futuro. Uma hipótese levantada para esse tipo de resultado é que pelo menos uma parte das cooperadas

entrevistadas, estando insatisfeitas com a atuação da Diretoria vigente na época, não acreditavam que

essas mesmas pessoas pudessem continuar por mais um mandato na Diretoria.

Uma outra hipótese levantada para explicar o fato das duas pessoas mais citadas como líderes no

momento não receberem uma grande quantidade de votos para líder no futuro é o fato de que a idéia de

rodízio entre os componentes da Diretoria é apresentada como desejável dento de uma empreendimento

solidário, por isso que as atuais líderes não foram consideradas pelas cooperadas como lideres no futuro.

Parece ter havido, portanto, um descarte das atuais componentes da diretoria (“lideres”) como futuras

dirigentes.

Percebendo comportamentos de liderar

Observando os dados obtidos, em que oito comportamentos tidos como de líderes, segundo a

literatura, foram apresentados para cada uma das entrevistadas, o fato de 13 pessoas receberem pelo

menos três citações é importante porque as cooperadas indicaram não apenas as diretoras, mas também

colegas que estão com elas no dia a dia. É possível supor que, em algum grau, as cooperadas consideram

não apenas o papel formal, mas também os comportamentos apresentados por suas colegas de trabalho,

mesmo durante as atividades cotidianas, e relacionam estes comportamentos ao liderar. Como a

cooperativa de limpeza divide suas atividades por grupos de trabalho, não são todas as cooperadas que

possuem contato entre si durante as atividades de limpeza e sim somente com algumas do seu grupo. A

entrevista contemplou pessoas de diferentes grupos de trabalho, e esta pode ser a razão pela qual pessoas

que não foram citadas com grande número de votos no questionário inicial por exemplo, apareceram

nesse momento com grande número de indicações.

Outro aspecto importante é o fato de nenhuma cooperada ter sido citada em relação a todos os oito

comportamentos. Isso pode servir para evidenciar que o que pode importar não é a existência de um líder,

mas que todos os comportamentos que estão relacionadas à liderança, e que podem auxiliar no

desenvolvimento do grupo, estejam presentes no coletivo, e que o grupo, por sua vez, saiba reconhecer

todos esses comportamentos, aproveitando de uma maneira adequada todos eles, fortalecendo estes

comportamentos em quem os têm, e promovendo em quem não tem.

A existência de diferentes potenciais de contribuição dentro de um grupo, em função da

diversidade de histórias de vida, oportunidades, e até mesmo condições físicas, longe de constituir um

empecilho ao funcionamento autogestionário do grupo, pode constituir uma vantagem para seu sucesso, se

devidamente aproveitado. As experiências da da Escola da Ponte (Alves, 1993) indicam este tipo de

aproveitamento, à medida que, nas áreas de sua maior competência, cada aluno ensina a outros colegas, da

mesma forma como aprende de outros aquilo que estes colegas melhor dominam. Do mesmo modo, ao

invés da existência de um “professor” (ou alguns poucos professores), e muitos aprendizes, o papel de

líder pode – e provavelmente deva – ser desempenhado por diversos membros do grupo, em momentos

diferentes, ou em relação a diferentes atividades ou situações.

Uma sugestão para que esses comportamentos se fortaleçam e se multipliquem dentro do grupo

estudado seria oferecer treinamentos que ensinem as cooperadas a se comportar de maneira adequada no

que se referem a comportamentos de liderar como: resolver problemas, criar perspectivas de trabalho

dentro do grupo, informar etc.

Os dados obtidos evidenciam que nenhuma cooperada citou o próprio nome em nenhum momento.

Uma hipótese para explicar esse fato é que as entrevistadas não tenham se sentido à vontade no momento

da entrevista para citar seu próprio nome, pela perspectiva de que isto parecesse, para a pesquisadora, falta

de modéstia. Uma outra alternativa seria que elas não consigam identificar no seu dia a dia que

apresentam tais comportamentos de liderar. Esta última alternativa é especialmente provável considerando

a maneira como o liderar é tratado, como um traço de personalidade ou então algo que a pessoa tem ou

não tem, não havendo então, possibilidade de alguém torna-se um líder.

Divergências com relação à atuação de líderes no grupo

Os dados obtidos sobre a avaliação da liderança foram, em geral, indicativos de uma valoração

positiva deste aspecto para o grupo, (“uma pessoa achava que não existia liderança, duas disseram que

mais ou menos e duas outras pessoas não responderam essa questão, pois não disseram não ter

informações suficientes e por esse fato não conseguiram classificar a liderança do grupo na época”)

tenham aparecido respostas indicativas de não existência de liderança (eventualmente sugerindo

depreciação do trabalho administrativo da diretoria), alegações de falta de informação para concluir sobre

a existência ou não destas lideranças e também reconhecimento do potencial de liderança não utilizado.

Neste último caso, na foram de indicação da existência de líderes na cooperativa, mas com ressalvas de

que esses não atuavam de maneira adequada e que, o fizessem, a liderança poderia ser vista como positiva,

sendo que para essas pessoas um líder pode então significar alguém que “enfrente” de alguma forma as

decisões tomadas pela Diretoria.

Pode-se concluir que não há consenso sobre o significado da liderança no grupo estudado, ou

seja, existem diferentes conotações para o termo e não há também um ou mais lideres predominantes

nesta cooperativa de trabalho.

Limitações metodológicas e perspectivas para continuidade deste estudo

Durante as entrevistas foi possível notar que as entrevistadas sentiram certo tipo de dificuldade

para responder algumas questões da entrevista. Essas questões poderiam ter sido melhor formuladas, para

que não houvessem enganos e nem mesmo dúvidas das participantes. Observou-se uma maior dificuldade

para responder questões que pediam informações sobre capacidade de liderar, ou até mesmo quando a

entrevistadora pediu para que as participantes citassem o que os líderes faziam para serem consideradas

como tal. Quando se percebia algum tipo de dúvida, a entrevistadora tentava saná-las no mesmo momento,

mas não foi suficiente.

Também houve problemas com o dia escolhido para a aplicação do questionário inicial, pois era a

primeira assembléia que reunia 80 novas cooperadas. Como estava havendo uma votação antes da

apresentação da pesquisadora para o grupo, muitas cooperadas não prestaram atenção, como também não

participaram efetivamente, não tendo sido possível atingir, assim, um número adequado de questionários

preenchidos. Com isso, a pesquisadora teve que contar com a ajuda de outros estudantes de Psicologia que

também desenvolviam outros tipos de trabalho na mesma cooperativa. Esses estudantes utilizaram

oportunidades de contanto que estavam tendo com os cooperados em seu trabalho, para aplicar o

questionário inicial sobre liderança.

Ainda com relação às limitações da metodologia adotada, mais observações diretas poderiam ter

sido feitas antes da execução das entrevistas. Pois, com as informações das observações tanto das

assembléias como também das situações de trabalho, outras cooperadas poderiam ter sido identificadas

como líder e também entrevistadas.

Contribuições deste trabalho para a compreensão da liderança em empreendimentos solidários

Lembrando que o objetivo inicial do estudo era o de identificar quais eram as condições que

estavam relacionadas ao desenvolvimento e manutenção do repertório de pessoas consideradas lideres, em

empreendimentos solidários, pode-se afirmar que o objetivo não foi atingido em sua forma como um todo

e sim parcialmente. No entanto, em obteve-se o mapeamento das pessoas consideradas lideres por 31

integrantes da cooperativa no momento. Foi possível também identificar, a partir das percepções dos

colegas de trabalho, quais pessoas desse empreendimento solidário que manifestava os principais

comportamentos de liderar segundo a literatura. São eles: tomar iniciativa, distribuir atividades, resolver

problemas, criar perspectivas no trabalho, participar ativamente das reuniões, informar, ensinar e

capacidade para liderar. Com esse trabalho foi possível identificar qual a influência da liderança existente

no grupo naquele determinado momento. Finalmente, outra conclusão importante desse estudo é que foi

possível perceber que as cooperadas não possuem um mesmo conceito de líder, o que não permitiu

identificar um ou mais lideres sob o consenso de todas as participantes.

Com relação a perspectivas para continuidade do trabalho, mais pessoas poderiam ser entrevistadas

e que as perguntas abordassem itens sobre as conseqüências dos comportamentos de liderar das

cooperadas, como também das condições que estão relacionadas com o desenvolvimento e manutenção

desses comportamentos. Após essa primeira etapa de entrevistas feitas de uma maneira mais minuciosa,

poderia ser feita outra rodada de entrevistas e observações diretas dos lideres mais citados.

Referências Bibliográficas

Alves, R., A Escola com quem sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir, 1993, 3ª edição.

Papirus Editora. Botomé,S.P.,Noção de comportamento.Objetivos Comportamentais no Ensino: A Contribuição da Análise Experimental do Comportamento. 1980, 25-32. Day,D.V., Leadership Development? A Review in Contex. Lidership Quarterly , 2001,4, 581-613. Egeu, E., Os desafios à igualdade nas cooperativas autogestionárias. Uma outra economia é possível.

2003, 271-287. Foti, R.J., Miner, J.B, Individual differences and organizational forms in the

leadership process. The Lidership Quarterly , 2003,14, 33-112. Golyz, S.M., Toward and Operant Model of Power in organizations. The Behavior Analyst, 2003, 26,

131-150.

APÊNDICES

APÊNDICE 1

Termo de compromisso Livre e Esclarecido para Participação em Pesquisas apresentado aos participantes

do estudo

Termo de consentimento Livre e Esclarecido para a Participação em Pesquisa

Eu, _________________________________________________________ declaro estar ciente dos

objetivos desse estudo, conduzido por Ana Claudia Gonçalves, de identificar quais são as condições que

estão relacionadas ao desenvolvimento e manutenção do repertorio de pessoas consideradas lideres em

Empreendimentos Solidários.

Estou ciente desses objetivos e aceito participar dessa pesquisa, por meio de observações diretas

das reuniões e de entrevistas individuais.

Estou também de acordo com a divulgação cientifica dos dados na área acadêmica, desde que

minha identidade seja preservada.

São Carlos,_________________,_______________ de 2004.

Assinatura________________________________________.

Confirmo ter explicado a natureza, objetivos desse estudo ao voluntário acima.

Nome:.ANA LUCIA CORTEGOSO Assinatura:.................................................. Telefones: (16) 260-8361 (Departamento de Psicologia-UFSCar); (16) 3368-1529 (res)

APÊNDICE 2

Questionário Inicial sobre Liderança

Questionário sobre liderança

1) Pensando na cooperativa, para você, existe líderes no momento?

2) Quem você acha que já foi líder do grupo anteriormente? 3) quem você acha que pode se tornar o líder do grupo, no futuro?

APÊNDICE 3

Entrevista

Roteiro da entrevista

Nome:____________________________________________________________ Data de nascimento:_________________________________________________ Endereço:_________________________________________________________ Telefone:__________________________________________________________ Há quanto tempo participa da cooperativa?_______________________________

1) Pensando na cooperativa, para você, o que é um líder? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2) O que uma pessoa deve fazer para que você a considere como líder? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3) Há líder ou líderes no grupo atualmente? Quem é ou são eles?

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4) Que pessoas no seu grupo apresentam o que você considera como capacidade para liderar? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5) O que elas fazem que leva você considerar que elas tem esta capacidade?

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6) Em relação a que elas tem essa capacidade? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 7) O grupo os reconhece como líderes? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

8) Se você tivesse que escolher algumas pessoas para vocês trabalharem juntas, quem seriam

essas pessoas? Porque? Cite quatro pessoas. E nesse grupo formado, você acha que haveria algum líder? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

9) No caso do grupo estar passando por alguns problemas, quem você indicaria como líder para ajudar a resolver? Por exemplo, se for um problema de relacionamento entre pessoas? Se for um problema financeiro? Tem outros tipos de problemas que fariam vocês pensar em outras pessoas? Quais problemas? Quais pessoas para cada problema?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

10) Quem você acha que realiza os comportamentos abaixo e quem você acha que realiza com mais freqüência?

Freqüência: S (sempre); F (freqüentemente); V (ás vezes); N (nunca) Capacidade: M (muita); MM (mais ou menos); P (pouca); N (nenhuma)

11) Você acha que é bom ou ruim quando a pessoa age dessa forma ? Porque?

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12) Como você acha que as outras pessoas do grupo se sentem quando essa (s) pessoa (s) se

comportam dessa forma? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 13) Como você reage diante desses comportamentos? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

14) Como você acha que as outras pessoas reagem diante desse comportamento? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 15) Você acha que a liderança é exercida de maneira positiva ou negativa dentro do seu grupo de

trabalho? Porque? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________