ONTOLOGIA, METAFÍSICA E HISTORICIDADE - dbd.puc · PDF file3. CAPÍTULO II - ONTOLOGIA, METAFÍSICA E HISTORICIDADE 3.1. Abordagem ontológica e crítica à metafísica Benedito Nunes

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  • 3. CAPTULO II - ONTOLOGIA, METAFSICA E

    HISTORICIDADE

    3.1. Abordagem ontolgica e crtica metafsica

    Benedito Nunes afirma: A filosofia teve o seu ato de nascimento,

    que a ligaria para sempre cultura e lngua gregas, quando se perguntou

    pela primeira vez o que o ente (t to n).30 por isso que Heidegger em

    Que isto a filosofia? nos explica que a pergunta que isto? (do

    grego, ti estn?) uma forma de questionar desenvolvida por Scrates,

    Plato e Aristteles, e aquilo que o que significa se designa como quid

    es, t quid: a quidditas, a qididade.31 Isto quer dizer que a pergunta

    que isto? refere-se qididade de uma coisa, aquilo que constitui a

    sua natureza mais prpria, ou seja, a sua essncia, o que nos garante

    perceber que estamos tratando de uma questo que tem seus fundamentos

    nos postulados metafsicos.

    De um modo geral, essncia o que faz com que uma coisa seja

    aquilo que , independentemente dos seus acidentes, ou seja, das

    modificaes que a atingem superficialmente ou temporariamente. Neste

    caso, a essncia se ope existncia32 (embora Heidegger dar outro

    rumo para tal discusso)33. Trata-se da natureza interna ou princpio e est

    relacionada intimamente constituio do ser. O problema da essncia,

    como sabemos, o cerne da prpria prtica filosfica.

    30 NUNES, Benedito. Passagem para o potico: filosofia e poesia em Heidegger. p. 217. 31 HEIDEGGER, Martin. Que isto a filosofia? p. 15. 32A palavra latina essentia invariavelmente contrasta com existentia: elas referem-se respectivamente ao ser-o-que e ao ser-como de algo. 33 Em Heidegger, a essncia a existncia. Cf. A essncia da pre-sena est fundada em sua existncia. Para que possa ser uma constituio essencial da pre-sena, o eu deve ser interpretado existencialmente. (Ser e tempo, Vol. 01, p. 168).

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    E, sem dvida, foi a interrogao pela essncia que possibilitou o

    surgimento da filosofia como metafsica, fato iniciado a partir dos

    dilogos platnicos e que teve o seu pice em Aristteles, quando este

    denominou o conjunto de problematizaes em torno do Ser de filosofia

    primeira. Os pr-socrticos no haviam em seu tempo formulado a

    mesma espcie de interrogao, tendo os mesmos se destacado como os

    descobridores jnicos do cosmos, tornando-se os investigadores legtimos

    da physis (os physiolgoi).

    Atravs da observao e da explorao de determinados

    fenmenos, eles buscavam refletir acerca da origem (arkh) do mundo e

    do seu movimento. Ao agirem assim, estavam entrando intrinsecamente

    no problema ontolgico que se prolongou nas pocas posteriores.

    Vale lembrar para esta questo que o significado da palavra grega

    physis no possui nenhuma relao com a moderna concepo de fsica.

    Werner Jaeger discute que o interesse da physis encontra-se muito mais

    associado ao que em nossa linguagem corrente denominamos de

    metafsica34. Isto nos possibilita perceber que, de acordo com Jaeger, os

    pensadores naturalistas ao se preocuparem com o problema da origem

    tomavam a palavra physis em seu sentido originrio, ou seja, enquanto

    nascimento, causa primeira.35

    No seu escrito intitulado Introduo metafsica (Einfhrung in

    die metaphysik), de 1935, Heidegger apresenta uma reflexo importante

    quanto compreenso do significado da physis. Ele diz que os gregos

    denominavam o ente de physis cuja traduo latina significa natura,

    nascer, nascimento, o que simboliza uma distoro do seu contedo

    originrio. Physis (lexicalmente, phyein, ou seja, crescer, fazer crescer)

    nos esclarece Heidegger, o desabrochar, que se abre, o que nesse

    34 JAEGER, Werner. Paidia: a formao do homem grego. p. 196. 35 Na Paidia Jaeger discute que era ao problema da origem que se subordinavam o conhecimento e a observao fsica. No h dvida que foi deste movimento que surgiu a cincia racional da natureza, porm, no comeo, a mesma encontrava-se envolta em especulao metafsica, e s gradualmente, foi se libertando dela.

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    despregar-se se manifesta e nele se retm e permanece36; , em outras

    palavras, o vigor dominante daquilo que brota, e permanece,37 o prprio

    Ser.

    E indo ao encontro do que afirmou Jaeger, ele ressalta: Todavia

    essa restrio da physis na direo do fsico no se deu do modo que

    hoje imaginamos38, uma vez que ao fsico, opomos o psquico, o

    anmico, o vivente e, tudo isso, mesmo para os gregos posteriores, ainda

    pertencia physis.39 A metafsica, porm, acabou por promover a

    essencializao da physis e do Logos, convertendo-os em idia e

    enunciado, respectivamente.

    Tales de Mileto (sc. VII a sc. VI) foi um dos primeiros a se

    deparar com a necessidade da busca pelo fundamento de todas as coisas.

    De que tudo feito? uma pergunta que soa aos nossos ouvidos como

    um grande convite para demorarmos na filosofia como sugere

    Heidegger.

    Ao espantar-se com o mundo em sua realidade e admirar-se com a

    sua dinmica, os primeiros gregos elegeram para si a tarefa de ir em busca

    de respostas e fez da questo do ser o ponto-chave do seu pensamento. E

    justamente no territrio desse pensar originrio que Heidegger fixa a sua

    ateno, atendo-se especialmente s reflexes de Herclito e Parmnides.

    Em Que isto a filosofia? Heidegger ressalta que a j citada

    forma de questionar desenvolvida por Scrates40, Plato e Aristteles (por

    exemplo, quando estes se perguntam que isto a natureza?, que

    isto o movimento?, que isto o belo? ), na busca da formulao

    daquilo que os mesmos entendiam equivocadamente corresponder-se ao

    36 HEIDEGGER, Martin. Introduo metafsica. p. 44 37 Ibidem. 38 Ibidem., p. 46 39 Ibidem. 40 Temos em Scrates o exemplo de um filsofo que insistiu na tese de que a pergunta o que move o filosofar. O seu mtodo consiste em fazer perguntas, desenvolvendo assim as opinies originais dos interlocutores ironia e maiutica sendo que isto configurou-se como uma tcnica refutativa. Muitos dos dilogos de Plato reproduzem esta tcnica como forma de se chegar definio de determinados conceitos. Porm, Heidegger ressalta que tal atitude, ao invs de revelar o ser, acaba por causar o seu esquecimento, deixando-o oculto.

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    Logos, se estendeu para outras pocas seguido por diferentes maneiras de

    explicao no que diz respeito sua essncia, desdobrada em ratio, como

    o que se pensa a partir das idias.41

    Isto quer dizer que com estas perguntas no se procura apenas

    uma delimitao mais exata do que natureza, movimento, beleza42,

    sendo necessrio ater-se maneira pela qual cada filsofo, em seu devido

    sistema de conhecimento, concebe a idia.

    Recorda-nos Heidegger que:

    O modo em que Plato pensa a idia distinto daquele em que Santo Agostinho apreende a idia. Descartes, Leibniz, Hume, Kant, Hegel, Nietzsche e a moderna conscincia do mundo pensam a idia, cada um sua maneira. Nessa diversidade, contudo, pensa-se o mesmo. Na moderna conscincia de mundo que ns, consciente ou inconscientemente, comportamos e cumprimos, esto presentes tanto toda histria das idias e sua transformao quanto a histria do Logos e de sua transformao. S quando representamos historiograficamente a histria das idias e do Logos que nomes como Plato, Agostinho, Descartes, Leibniz, Kant e outros soam como simples nomes passados, aos quais ainda nos atemos e dependuramos, enquanto passado. Mas, se no pensarmos o passado historiograficamente e sim naquilo que , ento o que pensaram Plato e os pensadores que lhe seguiram torna-se imediatamente atual, e no indiferentemente atual. Torna-se o que na hodierna histria mundial o destino que se envia de maneira velada.43

    Notamos que Heidegger menciona que o ti (o que) da pergunta

    ti estin? significa precisamente a ida; o quid a ida. Porm, expressa de

    diversos modos. A ida ou eidos, do grego, corresponde ao vocbulo

    idia. Antes de Plato, esses dois termos eram empregados sobretudo

    para designar a forma visvel das coisas, a forma exterior e a figura que se

    capta com o olhar, aquilo que visto, que sensvel. Com a metafsica 41 importante mencionar que o desdobramento de Logos do enunciado para a razo que corresponde transformao da essncia das idias, advm de uma determinao da lgica tradicional. 42 HEIDEGGER, Martin. Que isto a filosofia? p. 15. 43 HEIDEGGER, Martin. Herclito. p. 285-286.

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    platnica passaram a ser concebidos como forma interior, a natureza

    especfica da coisa, ou seja, a sua essncia.

    Em Plato temos a afirmao de que o mundo das essncias ou das

    idias o mundo do Ser e, sendo una, eterna e imutvel, a idia se difere

    de todas as outras devido ao conjunto de suas propriedades internas que

    faz com que ela seja uma essncia determinada e separada do mundo das

    coisas sensveis. Para esse filsofo, a idia constitui o objeto do

    pensamento, para o qual o pensamento est voltado de maneira pura.

    Aristteles, por sua vez, concebe a essncia ( o quid, a idea) como

    algo realmente fundamental s coisas sensveis, sendo que podemos

    analis-la do ponto de vista do passado, o que era ser (to ti em einai), ou

    seja, o que