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Vitória, 2011 Universidade Gama Filho A&P Educação e Desenvolvimento Curso de Pós Graduação em Administração Pública Orçamento Participativo Rural Cariacica/ES: análise da implantação e principais desafios metodológicos

OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

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Estudo sobre processo de implantaçao metodologica OP Rural Cariacica Esp[irito Santo Brasil

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Vitória, 2011

Universidade Gama Filho A&P Educação e Desenvolvimento

Curso de Pós Graduação em Administração Pública

Orçamento Participativo Rural Cariacica/ES: análise da implantação e

principais desafios metodológicos

Page 2: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

A & P EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

UNIVERSIDADE GAMA FILHO

CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Orçamento Participativo Rural Cariacica/ES:

Análise da implantação e principais desafios metodológicos

Trabalho final do curso de Pós Graduação

em Administração Pública, da Aluna

Gabriela Gilles Ferreira

apresentado a A & P Educação e

Desenvolvimento / Universidade Gama

Filho, como requisito para obtenção do

título de Especialista em Administração

Pública.

VITÓRIA, 2011.

Page 3: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 01

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 03

METODOLOGIA ........................................................................................................... 08

CAPÍTULO I – CONSIDERAÇOES INICIAIS

1.1 - SOBRE DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO .................................................... 10

1.2 – SOBRE ORÇAMENTO PARTICIPATIVO ........................................................... 13

1.3 – SOBRE AS DEMOCRACIAS PARTICIPATIVA E REPRESENTATIVA.............. 16

1.4 – SOBRE A INVERSÃO DE PRIORIDADES.......................................................... 18

CAPÍTULO II – O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO (OP)

2.1 – OP NO BRASIL – CONSTRUÇAO DE UMA NOVA INSTITUCIONALIDADE E

CULTURA POLÍTICA ................................................................................................... 20

2.2 – OP EM CARIACICA – RETOMADA DA DEMOCRATIZAÇAO DO ORÇAMENTO

PÚBLICO ...................................................................................................................... 24

2.2.2 – A BASE TERRITORIAL DO OP CARIACICA .................................................. 27

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CAPÍTULO III - ORÇAMENTO PARTICIPATIVO RURAL DE CARIACICA:

NECESSIDADES E POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO DO TERRITÓRIO

RURAL

3.1 - DEMANDAS DA REGIÃO 13 NO ÂMBITO DA METODOLOGIA DO OP DE 2006

A 2010 ........................................................................................................................... 32

3.2 – A CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA DO OP RURAL DE CARIACICA

3.2.1 – PESQUISA DAS EXPERIÊNCIAS DE OP RURAL E A REALIDADE DE

CARIACICA....................................................................................................................37

3.2.2 – A CONSTRUÇAO DA BASE TERRITORIAL DO OP RURAL E SUA

CARACTERIZAÇAO...................................................................................................... 39

3.2.3 – O ESQUEMA REPRESENTATIVO DO OP RURAL E SUAS NECESSIDADES

........................................................................................................................................ 42

3.2.4 – A NECESSIDADE DA TRANSVERSALIDADE DAS AÇÕES NO TERRITÓRIO

RURAL........................................................................................................................... 45

3.3 – ANÁLISE DO CICLO DO OP RURAL E SUAS FUNÇOES: ................................46

3.3.1 – REUNIÕES DE NÚCLEOS RURAIS..................................................................47

3.3.2 – COMITÊ TÉCNICO RURAL................................................................................57

3.3.3 – O FORUM DO OP RURAL.................................................................................60

CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PRESENTATION

In less than two decades, the experiences of Participatory Budgeting (PB) acquired a

significant importance to varying degrees. Since the political class in many countries,

international organizations like the World Bank and the United Nations, the very diverse

sectors of the academy, as well as numerous civil society organizations, the interest

shown by this new democratic experimentalism has grown significantly. That is,

moreover, reflects the astonishing spread of OP by countries from all continents, with

special emphasis on South America and Europe.

Centered on the experience of PB in a municipality of the Metropolitan Region of Vitória

/ ES - Cariacica - this work makes a contextualization of this practice in the city,

especially the adoption of the Rural Participatory Budget in 2010, seeking to better

understand the concepts of PB as a whole, beyond the challenges of creating and

consolidating the experience of OP rural, identifying their strengths and limitations in

building a more participatory democracy at local level, and integrated forms of

development of rural area.

Keywords: Democracy, Participation, Participatory Budgeting (PB), Rural OP.

Page 6: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

LISTA DE SIGLAS

PMC PREFEITURA MUNICIPAL DE CARIACICA

OP ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

OP RURAL ORÇAMENTO PARTICIPATIVO RURAL

SEMPLAN SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO

SEMPLAD SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO URBANO

SEMDUR SECRETARIA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO E HABITAÇAO

SEME SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇAO

SEMAG SECRETARIA MUNICIPAL DE AGRICULTURA

SEMUS SECRETARIA MUNICIPAL DE SAUDE

SEMCIT SECRETARIA MUNICIPAL DE CIDADANIA E TRABALHO

SEMDETUR SECRETARIA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO E TURISMO

SEMSET SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS E TRÂNSITO

SEMMAM SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE

POT PLANO DE ORGANIZAÇAO TERRITORIAL

PDM PLANO DIRETOR MUNICIPAL

IJSN INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES

IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

RMGV REGIAO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

FAMOC FEDERAÇAO DAS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES DE CARIACICA

CEB COMUNIDADE ECLESIAL DE BASE

PT PARTIDO DOS TRABALHADORES

INCAPER INSTITUTO CAPIXABA PESQUISA, ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL

PSF PROGRAMA SAUDE DA FAMÍLIA

SEAG SECRETARIA ESTADUAL DE AGRICULTURA

REBIO RESERVA BIOLÓGICA

CMDRS CONSELHO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL E SUSTENTÁVEL

PMDRS PLANO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL E SUSTENTÁVEL

Page 7: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

APRESENTAÇÃO

Em menos de duas décadas, as experiências de Orçamento Participativo (OP)

adquiriram uma importância significativa a variados níveis. Desde a classe política de

muitos países, a organizações internacionais como o Banco Mundial e as Nações

Unidas, a setores muito diversificados da academia, bem como inúmeras organizações

da sociedade civil, o interesse manifestado por este novo experimentalismo

democrático tem crescido significativamente. Disso é, aliás, reflexo a espantosa

disseminação do OP por países de todos os continentes, com especial destaque para a

América do Sul e Europa.

Centrada na experiência de OP de um município da Região Metropolitana da Grande

Vitória/ES - Cariacica - o presente trabalho efetua uma contextualização desta prática

no município, com destaque para a adoção do Orçamento Participativo Rural no ano de

2010, buscando compreender melhor as concepções sobre o OP como um todo, além

dos desafios da criação e consolidação da experiência de OP Rural, identificando suas

potencialidades e limites na construção de uma democracia mais participativa a nível

local, além de formas integradas de desenvolvimento do território rural

Palavras-chave: Democracia, Participação, Orçamento Participativo (OP), OP Rural.

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APRESENTAÇÃO (em inglês)

Em menos de duas décadas, as experiências de Orçamento Participativo (OP)

adquiriram uma importância significativa a variados níveis. Desde a classe política de

muitos países, a organizações internacionais como o Banco Mundial e as Nações

Unidas, a setores muito diversificados da academia, bem como inúmeras organizações

da sociedade civil, o interesse manifestado por este novo experimentalismo

democrático tem crescido significativamente. Disso é, aliás, reflexo a espantosa

disseminação do OP por países de todos os continentes, com especial destaque para a

América do Sul e Europa.

Centrada na experiência de OP de um município da Região Metropolitana da Grande

Vitória/ES - Cariacica - o presente trabalho efetua uma contextualização desta prática

no município, com destaque para a adoção do Orçamento Participativo Rural no ano de

2010, buscando compreender melhor as concepções sobre o OP como um todo, além

dos desafios da criação e consolidação da experiência de OP Rural, identificando suas

potencialidades e limites na construção de uma democracia mais participativa a nível

local, além de formas integradas de desenvolvimento do território rural

Palavras-chave: Democracia, Participação, Orçamento Participativo (OP), OP Rural.

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INTRODUÇÃO

Da democracia ateniense, à Revolução Francesa, passando pelo derrube do Muro de

Berlim, ao mais recente avanço do militarismo como argumento para a implementação

da democracia em diferentes regiões do Planeta, o debate sobre a democracia

permanece aceso e inconclusivo.

Apesar de um amplo consenso sobre a democracia, encontram-se, na atualidade, dois

focos principais de reflexão sobre esta matéria. Por um lado, dos povos considerados

periféricos, como é o caso da maioria dos países da América Latina, que vivendo em

democracia, não deixam de questionar a eficiência e eficácia do regime como meio de

combate às amplas desigualdades sociais aí existentes. Por outro lado, de movimentos

e outras frentes sociais e políticas que reivindicam o aprofundamento dos mecanismos

democráticos das sociedades atuais, através da criação de espaços de participação

cidadã.

A democracia representativa encontra-se, assim, numa situação paradoxal: o consenso

alcançado na maioria dos países do mundo leva a considerá-la como o único regime

político legítimo, mas também se acumulam os ‘atropelos’ à democracia à escala global,

como os casos de corrupção que afetam a classe política na maioria dos países, a

perda de credibilidade dos partidos, assim como “um déficit de cidadania” que afeta a

maioria da população mundial. Acresce a estes fatos o questionamento que vem sendo

feitos sobre a democratização das instâncias de ‘governança global’, uma vez que é a

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essa escala que cada vez mais se definem as diretrizes que determinam a ação dos

governos dos diferentes países.

O que acaba no foco deste debate são os próprios limites da democracia representativa

e a reivindicação de uma democracia de maior intensidade, que não se resuma ao

método eleitoral e seja capaz de promover novos mecanismos e instrumentos de

promoção da participação cidadã, assim como, de desenvolver abordagens inovadoras

na forma de lidar com a complexidade social e com a diversidade de interesses dos

diferentes atores.

O Brasil tem sido um país de referência nesta matéria, sobretudo a partir do final da

década de 80, quando o município de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul,

decidiu implantar o Orçamento Participativo (OP), apresentado como um instrumento de

aprofundamento da democracia local e de combate à pobreza e à exclusão social.

Depois de Porto Alegre, várias experiências de OP emergiram por todo o país e pelo

mundo.

Embora o Brasil certamente reúna o maior número de experiências e contribuições

práticas e teóricas sobre as experiências de OP, sem dúvida ainda se faz necessária a

reflexão cotidiana considerando a defesa e adoção deste mecanismo de participação,

questionando sobre seus mais profundos impactos na vida, na política local e também

nos movimentos sociais. Isto porque novas formas de experimentalismo democrático

são ainda bastante desafiantes considerando a recente reabertura política que fez

Page 11: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

aflorar o desejo da democracia, criando expectativas de superação das assinaláveis

desigualdades sociais através destes processos participativos, superando também os

traços históricos de uma cultura política marcada pelo autoritarismo, patrimonialismo e

clientelismo.

Contudo, a redemocratização da sociedade brasileira após o fim do período ditatorial

tem evoluído por caminhos muitas vezes contraditórios. A estabilização do sistema

democrático-representativo convive, por um lado com uma classe política

“descredibilizada”, e por outro, com novas formas de efetivar a democracia, assentes

em instrumentos de promoção da com a criação de canais de participação cidadã, onde

se destacam as experiências de OP, os conselhos municipais de políticas, as

audiências públicas entre uma ampla gama de dispositivos legais ancorados na

Constituição de 1988.

No cenário internacional e ainda “engatinhando” na democracia, passamos pela

“inserção” subordinada do país à lógica e aos ditames da reestruturação do Estado e na

redução dos gastos públicos ancorados na destruição do conjunto de direitos sociais,

tão arduamente conquistados após décadas de lutas sociais. Este cenário, além de

causar agravos sociais, também teve seus rebatimentos no aprofundamento da própria

democracia é outra das variáveis com a qual se deparam os processos participativos

como o OP.

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É perante um aparelho estatal burocratizado e organizado sob a lógica liberal que o OP

expande suas experiências e acaba por contrapor uma proposta participativa que

reivindica mais Estado e mais comunidade. A realidade brasileira de hoje é certamente

diferente da que conduziu ao surgimento da experiência pioneira de Porto Alegre. O

país vive um processo de expansão de iniciativas de OP, atuando inclusive em uma

rede de parceria que pretende expandir as experiências, além de debater sobre seus

principais desafios teóricos, políticos e práticos, já que as mesmas estão se

desenvolvendo em governos constituídos tanto por forças partidárias posicionadas à

esquerda do espectro político nacional, quanto por partidos situados fora deste campo

ideológico.

Deste modo é importante ressaltar que não é a existência do processo de OP que o

torna imediatamente democrático, já que a diversidade de experiências existentes

recomenda prudência e cuidados analíticos, uma vez que a disseminação tão acelerada

pode significar uma perda de exigência em relação às dimensões conceituais e

participativa destes processos, tendo impactos diretos na efetividade e na qualidade

democráticas.

Via de regra, o OP almeja alcançar um maior equilíbrio de poderes entre o Estado e a

Sociedade, com eventuais implicações numa possível reestruturação no modus

operandi tecnocrático, no compartilhamento do poder decisório e também no sistema de

representação política.

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Não se deve, portanto, banalizar este tipo de experimentalismo, sobretudo se tiver em

conta que o aprofundamento democrático não se processa apenas pela criação de

novos instrumentos de participação, mas também que o método tem que privilegiar a

consolidação de uma cultura política e democrática, de co-participação e assunção de

responsabilidades mútuas entre representantes e representados.

Nessa construção há que se considerar que cada região e cada município possuem

uma história, uma dinâmica e um conjunto de atores específicos que constroem a

mudança social no território. A própria participação assim como a formação de grupos

sociais, comunitários e políticos possuem uma história e uma estrutura específica em

cada local, sendo este o lócus onde o OP se processa, buscando como resultado a

construção social e política crítica, marcada pelo jogo estratégico de atores, pelos

conflitos entre interesses diversos e pelas alianças entre elementos e grupos que

compõem o tecido social e político local.

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METODOLOGIA:

Esse estudo é um trabalho acadêmico, de nível exploratório, que visa contemplar os

requisitos para conclusão do curso e obtenção do grau de especialista em

administração pública, pela Universidade Gama Filho.

A escolha do tema (OP) se deu a partir da inserção profissional como coordenadora de

Orçamento Participativo nos municípios de Cariacica (2005-2006), de Vitória (2006-

2009) e como Subsecretária de Planejamento de Cariacica (2009 até a presente data).

Já o foco no Orçamento Participativo Rural justifica-se pela implantação do mesmo no

ano de 2010 para execução em 2011 e a percepção que o mesmo traz inúmeros

desafios para uma administração que se propõe justa e democrática.

Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho é contextualizar brevemente o surgimento

e evolução do OP de Cariacica e identificar, especificamente, as necessidades que

levaram à criação do OP Rural nos seguintes aspectos: desenvolvimento de uma

metodologia que atendesse as necessidades dos produtores rurais e moradores da

região, na construção de um esquema representativo que equilibre a participação direta

das diversas comunidades e, principalmente o desenvolvimento daquele território de

forma integrada. Visamos, portanto, destacar as potencialidades na construção de uma

democracia participativa com foco no território o que demanda ações diferenciadas do

poder público para aquela população.

Page 15: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

De acordo com os objetivos citados, a escolha dos métodos utilizados para a coleta e

análise dos dados foi feita a partir de um levantamento bibliográfico, o qual permitiu

chegar à definição de quais seriam as categorias mais apropriadas, para nortear esse

estudo. Além disto, foi realizada pesquisa documental dos regimentos internos, dos

relatórios de reuniões técnicas e dos comitês gestores internos da Prefeitura de

Cariacica, além da utilização de avaliação da metodologia junto aos conselheiros e

delegados do OP Rural. Todo este processo foi permeado por constantes revisões

teóricas para (re) adequar a análise dos dados e das impressões colhidas.

O estudo está dividido em três capítulos: o primeiro, teórico, descreve sobre

democracia, participação e conceitos básicos sobre o Orçamento Participativo. O

capítulo segundo, histórico, contextualiza brevemente sobre o OP Brasileiro e de

Cariacica. O capítulo terceiro traz a análise da prática do OP Rural, seguido de nossas

considerações finais.

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CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1.1 - SOBRE DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO.

Contrariamente à idéia original de democracia (Ateniense), que unificava Estado e

sociedade como um só corpo, a modernidade veio provocar uma substancial mudança de paradigma:

“a democracia tornou-se uma adjetivação do Estado em expressões como «Estado Democrático». É como se a democracia tivesse perdido a sua significação prática de ser o lugar público do processo de identificação da sociedade consigo em proveito de uma nova forma de organização política.” (ROSENFIELD, Apud DIAS. 2006)

Aquilo que se pode depreender é que assistimos e vivenciamos uma democracia que

deixa de ser a organização da pólis e passa a ser uma forma de governo de Estado.

Esta mudança implicou, obviamente, a transferência do centro de poder para uma

esfera supra-social e a conseqüente reestruturação organizacional das relações sociais

e políticas.

Implícita a esta alteração está, portanto, a passagem de uma democracia direta para a

organização de um sistema de representação política, já que a complexificação das

sociedades e a dimensão territorial dos emergentes Estados-Nação tornava inexeqüível

a prática da democracia ateniense.

DIAS (2006) afirma que a estratégia para implantar o sistema representativo foi a de

garantir a pluralidade do debate político deste sistema através da criação de partidos

políticos, capazes de elevar a reflexão e permitir que a constituição de um governo

resultasse de uma ‘coligação representativa e convergente’ de interesses diversos,

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presentes na maioria dos grupos sociais. Conclui-se, portanto que todo e qualquer

sistema, desde que representativo, evoca a democracia a partir de sua existência,

institucionalizando a participação dos atores sociais na mesma proporção que

amadurece o sistema de representação.

Sobre a participação institucionalizada BRUCE (2007) reconhece que há claros limites

estratégicos no desenvolvimento da mesma, uma vez que, em geral esta é feita no

âmbito do Estado, e que este é o lócus histórico das classes dirigentes. Esta afirmação

também foi realizada por Coutinho:

“a estruturação do Estado Brasileiro se viabilizou pela chamada“via não clássica” (ou prussiana), que conserva as características da velha propriedade rural, mantendo não só as formas de coerção sobre os trabalhadores, mas principalmente as oligarquias que estão no poder “ (COUTINHO, 2003. p. 218).

Segundo TEIXEIRA (2002) a participação precisa ser entendida, portanto, como

processo complexo e contraditório entre sociedade civil, Estado e mercado,

principalmente quando há redefinição de papéis de cada um destes atores na tomada

de decisão e mediante o fortalecimento da sociedade civil, pela atuação organizada dos

indivíduos, grupos e associações.

O sentido de participação não pode ser entendido somente através de um sistema de

representação política, mas deve se constituir e conduzir a um processo que aumente

significativamente a democracia, proporcionando rupturas progressivas na correlação

de forças entre as diferentes classes sociais. Trata-se, no fundo, de analisar e procurar

respostas para uma série de dimensões que se prendem com o grande desafio da

Page 18: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

democracia moderna, ou seja, com a ampliação da participação a partir não só de uma

abordagem quantitativa, mas de qualificação do debate público e da reflexão sobre os

territórios, integrando opiniões e olhares diferenciados.

CHAUI (2005) pontua e distingue com propriedade a democracia como regime da lei e

da ordem para a garantia das deliberações individuais, da definição de democracia

liberal - que se apropria do conceito somente de participação como garantia direta de

democratização:

Dizemos, então, que uma sociedade é democrática quando institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como luta social e, politicamente, como um conta-poder social que determina, dirige, controla, limita e modifica a ação estatal e o poder dos governantes. (CHAUÍ, 2005, p. 25)

Assim, toda ampliação de espaços democráticos, dos processos decisórios, toda

participação devem permitir o florescimento de uma “cultura nacional-popular” que

contribua para a construção de um projeto societário mais justo, onde a massa popular

seja verdadeiramente o centro das decisões autônomas e críticas, combatendo o velho

“intimismo a sombra de um poder” que foi assumido pela ideologia “prussiana” que se

deu ao longo da evolução brasileira (COUTINHO, 2000).

1.2 – SOBRE O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO – OP

Page 19: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

O OP, como política pública participativa, é formado por várias etapas que, sem seguir

uma padronização, obedecem à concepção política de democracia e participação de

cada administração pública, se traduzindo num desenho metodológico que se chama

comumente de Ciclo do OP - formado por instâncias de participação direta da

população. A premissa básica referente ao ciclo do OP é que para determiná-lo devem

ser consideradas as características dos municípios, tanto em seus aspectos objetivos,

quanto em seus aspectos subjetivos o que constroem, adéquam e transformam o OP a

cada ano, conforme cada município e sua realidade.

Sobre este aspecto, AVRITZER. NAVARRO (2003) destacam quatro características

básicas que são necessárias para a existência do OP, são elas: vontade política de

implantar a discussão de prioridades de investimento público com a população, o que

pressupõe perda de poder; densidade associativa, ou seja, organização social coletiva,

associações de moradores e/ou grupos organizados; elementos do desenho

institucional, que envolve a estrutura administrativa e do ciclo do OP adotado pelo

governo; capacidade administrativa e financeira para implantar e proposta, condições

de executar as prioridades.

Outros elementos, restritos ao âmbito governamental, também precisam ser

considerados, tais como: conhecimento técnico e conhecimento político sobre a

realidade local; visão integrada de planejamento da cidade e articulação entre as

políticas municipais; capacidade de lidar com a pluralidade/diversidade política interna e

externa (VILLAS-BOAS; TEIXEIRA; apud DIAS. 2006)

Page 20: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Sobre esta diversidade de elementos, como afirmam RIBEIRO; GRAZIA (2003) os

dados relativos ao Ciclo do OP ratificam a afirmação de que o mesmo realmente

exercido não se traduziu, absolutamente, em práticas homogêneas. Todos esses

aspectos influenciam, portanto, na forma como se debate com a população e no

produto que se pretende através do OP.

Partindo da análise de AVRITZER. NAVARRO (2003), que privilegia as relações entre

Estado e Sociedade no desenho metodológico a ser adotado, é importante frisar que

embora a vontade política ainda seja um dos fatores determinantes para a realização do

OP, o mesmo necessita ser compreendido como política de governo e não de

administração ou mandatos e a capacidade de intervenção dos movimentos sociais

para a garantia da manutenção desta política é fundamental.

Com vistas a esta “garantia” alguns municípios instituem o OP através das Leis

Orgânicas Municipais e também o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) que

estabelece diretrizes para política urbana, definindo e detalhando instrumentos de

democratização da gestão por meio da participação popular:

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. (ESTATUTO DA CIDADE)

Contudo, há que ser observar que a realização do OP não significa, diretamente,

implementá-lo de forma democrática. Se a metodologia adotada não prevê, para além

de um instrumento eficaz de planejamento, um canal de participação crítica e autônoma

Page 21: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

da população e dos movimentos sociais na tomada de decisão, o OP pode significar um

instrumento de democratismo e não de democracia.

Embora tenha sido um avanço esse novo arranjo institucional, o OP ate a atualidade

ainda é uma experiência ainda em construção: as propostas metodológicas precisam

avançar em aspectos que não se limitem à capacidade técnica de implementá-lo, mas

uma proposta que supere os limites impostos pela tecnocracia, criando canais que

privilegiem os aspectos pedagógicos da participação alterando, inclusive, o

entendimento da legitimidade da mesma. Deste modo a dimensão da democracia passa

de simples escolha para o compartilhamento do poder de decisão.

Segundo TELLES (1994), estes espaços de debate precisam de constante

requalificação da participação popular nos termos de uma participação cidadã que

interfere, interage e influencia na construção de um senso de ordem pública regida

pelos critérios da equidade e justiça, numa democratização da organização política dos

municípios através da criação de canais de participação direta pelos quais diferentes

setores da população podem defender cotidianamente os seus interesses de forma

autônoma e esclarecida.

Page 22: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

1.3 – SOBRE A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E REPRESENTATIVA

O Orçamento Participativo como um instrumento de gestão democrática mescla de

modo articulado e combinado as Democracias Direta e Representativa. AVRITZER

(2003) afirma de que o OP é uma forma de rebalancear a articulação entre democracia

representativa e a democracia participativa, baseando-se em alguns elementos: o

primeiro deles é a característica que o OP traz de empoderar os participantes mediante

a cessão do poder por parte daqueles que o detém. Em segundo lugar estão os

métodos tradicionais de democracia participativa que estão inseridos dentro do OP,

como as assembléias, fóruns, audiências e os conselhos. Em terceiro está a auto-

regulação do processo, baseada em regras claras e definidas em conjunto com os

participantes que contribui também com a deliberação de prioridades de investimento

público e a fiscalização da execução orçamentária.

No entanto, apesar do inegável potencial de ampliação da democracia participativa do

OP, devemos destacar o que SAMPAIO (2005) denomina de entraves à participação

democrática no Brasil. Para a autora nossa participação está fortemente marcada pelo

passado colonial, ainda não exorcizado, sob a figura do autoritário senhor das terras.

Passado esse que tem como grande aliado a falta de informação da maioria da

população chamada a participar. Informação formal e não-formal, geralmente presa a

uma mídia que distorce a realidade como lhe convém.

Ou seja, o alijamento histórico do processo de participação da população reforça a idéia

de que a Democracia Representativa faz com que, simbólica e concretamente, o

exercício da disputa ideológica e da ocupação de espaços de decisão seja sempre

Page 23: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

delegado a alguém que “representa”. Nesta premissa está baseado todo nosso sistema

político e nossa forma de participação na sociedade, inclusive no OP.

Não queremos negar a importância da instalação de um sistema legítimo de

Democracia Representativa, principalmente se referenciarmos esta importância no

período da reabertura democrática brasileira. A reflexão repousa justamente no fato de

que o sistema de democracia representativa (bem como as formas e formas de exercê-

la) pode ser confundido como a delegação total da responsabilidade de todos na

construção da sociedade apenas nas mãos de representantes/autoridades públicas,

sem quaisquer tipos de controle ou participação direta, etc.

O exercício do OP e de outros canais de participação direta oferecem, portanto, um

novo limite à democracia representativa: o de construir formas de participação de

maneira tal que até o próprio sistema de democracia participativa seja questionado. A

estrutura da participação no processo do OP é que vai determinar a adesão ao

processo, a estratégia política dos diferentes atores, os comportamentos eleitorais,

assim como as diferentes dinâmicas territoriais e políticas presente no município.

De acordo com DIAS (2006) emergem a este nível um conjunto de variáveis e de

relações, muitas vezes conflitantes, que para além da dimensão e da qualidade da

participação, importa compreender a ação estratégica de atores no âmbito de

interesses divergentes e de jogos de poder; a articulação de lógicas políticas orientadas

na representatividade e na conquista do poder com novos modelos de participação

direta que visam o equilíbrio nas relações entre Estado e Sociedade; a proliferação

Page 24: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

acelerada desse instrumento de participação e a necessidade de aprofundar a própria

cultura política e democrática das pessoas e das organizações; a refundação da

legitimidade política e as exigências de transparência governativa; a inversão de

prioridades de investimento e o desenho de novos processos de desenvolvimento dos

territórios.

A amplitude destas iniciativas justifica uma reflexão na atualidade, uma vez que os

desafios que se colocam aos sistemas representativos são, em parte, os mesmos com

que se deparam as experiências participativas: credibilização dos processos, dinâmicas

da participação, formas e conteúdos da democracia.

1.4 – SOBRE A INVERSÃO DE PRIORIDADES:

Segundo AVRITZER (2003) o OP precisa ser um método capaz de privilegiar setores

mais carentes da população, mediante inversão das prioridades de distribuição de

recursos públicos. Para isso é preciso construir critérios consistentes de distribuição de

recursos considerando o território da cidade em sua diversidade e singularidades de

população, renda, escolaridade, etc., bem como fatores a infraestrutura disponível nas

regiões como equipamentos públicos, saneamento básico, tipo de edificações, acesso e

distribuição de água potável, cobertura de pavimentação, e tantos outros que podem

medir o que a experiência de Belo Horizonte/MG denominou de Índice de Qualidade de

Vida Urbana – IQVU.

O conceito de inversão de prioridades é aplicado para que as regiões que tenha mais

população, menos infra-estrutura, menos escolaridade, menos renda, etc. (ou seja,

Page 25: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

menor IQVU), tenha maior quantidade de recursos disponibilizados para implementar as

deliberações da OP.

Atores sociais quando munidos da capacidade de deliberação (o que demanda

capacitações, acesso as informações, transito no linguajar técnico, etc) conseguem

identificar lacunas distributivas na sociedade e agir de forma a corrigi-las; são capazes

de realizar rankings de prioridades e agir altruisticamente privilegiando bairros mais

carentes. A pressão da população sobre a máquina administrativa melhora seu

desempenho, visualiza a necessidade de aumento da capacidade da administração

municipal e de incremento dos recursos tributários para implantar as políticas

participativas.

O que se visa, portanto são as dinâmicas geradas entre os três pilares da regulação

social (o Estado, o Mercado e a Sociedade) por via da proposta participativa e pela

inversão de prioridades - aqui colocados à luz de um conjunto de propostas para a

criação de uma relação positiva entre democracia e desenvolvimento, sendo o OP um

instrumento de construção desta mudança.

Page 26: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

CAPÍTULO II – O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO – OP

2.1 – OP NO BRASIL – CONSTRUÇAO DE UMA NOVA INSTITUCIONALIDADE E

CULTURA POLÍTICA

Em cada época marcante da sua história, a sociedade brasileira tem sido levada a pensar-se novamente. É como se ela se debruçasse sobre si mesma: curiosa, inquieta, atônita, imaginosa. Não só se formulam novas interpretações como se renovam as anteriores. Podem mesmo recriar-se idéias antigas, parecendo novas. Acontece que o presente problemático, difícil ou inovador,desafia o entendimento da sociedade, as explicações conhecidas [...] (IANNI, 2004, p. 7).

Reconhecendo a importância da análise histórica para a elucidação do objeto em

estudo, Coutinho (2000) afirma que a cultura nacional do Brasil é produto de uma série

de transformações históricas realizadas pela alta cúpula da sociedade que tinham como

função principal dificultar a participação popular criadora. Considerar essa categoria nos

faz compreender não só o vínculo dependente que o país mantém com a cultura

universal, mas entender a articulação que houve entre as classes hegemônicas e o

poder político do país na tentativa de esvaziar o sentido popular dos processos de

mudança e modernização do país.

Essa problemática pode ser resumida na idéia de que o processo de modernização econômico-social no Brasil seguiu uma ‘via prussiana’ ou uma ‘revolução passiva’. Recordemos as características centrais do fenômeno: as transformações ocorridas em nossa história não resultaram de autênticas revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o conjunto da população, mas se processaram sempre através de uma conciliação entre os representantes dos grupos opositores economicamente dominantes, conciliação que se expressa sob a figura política de reformas ‘pelo alto’ [...] (COUTINHO, 2000, p. 50).

Page 27: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Como bem pontua Coutinho, o nosso processo de modernização acabou imobilizando a

participação popular:

Por um lado, gradualmente ‘pelo alto’, a grande propriedade latifundiária transformou-se em empresa capitalista agrária; e, por outro, com a internacionalização do mercado interno, a participação do capital estrangeiro contribuiu para reforçar a conversão do Brasil em país industrial moderno, com uma alta taxa de urbanização e uma complexa estrutura social. Ambos os processos foram incrementados pela ação do Estado: ao invés de ser o resultado de movimentos populares, ou seja, de um processo dirigido por uma burguesia revolucionária que arrastasse consigo as massas camponesas e os trabalhadores urbanos, a transformação capitalista teve lugar graças ao acordo entre as frações das classes economicamente dominantes, com a exclusão das forças populares e a utilização permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção econômica do Estado (COUTINHO, 2003, p. 196)

Na segunda metade dos anos 80 o Brasil viveu um período de transição democrática

marcado pela falência do padrão de um Estado intervencionista, após uma longa

história de dominação que foi aprofundada no decorrer de vinte e um anos de Governo

Militar e a emergência de vários movimentos sociais que lutavam pela

redemocratização do país (GOHN, 2004). Ainda vivendo resquícios da cultura política

como destaca Coutinho, o sistema político brasileiro passou por diversas reformas

políticas ao longo do tempo

No ano de 1988 e em fruto da emergência dos movimentos sociais citados por Gohn, se

consolidou a Constituição Federal de 1988. Nela está preconizada o chamado Pacto

Federativo que amplia e fortalece o papel dos municípios, e as possibilidades de

participação democrática dos cidadãos. Outra premissa desta Constituição foi a

descentralização administrativa e orçamentária institucionalizada, inaugurando nos

municípios um modelo de gestão democrática da cidade, fundamentada na forma de

Page 28: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

planejar e governar as cidades com participação popular e controle da sociedade sobre

o Estado. (TEIXEIRA, 2003)

É fato que nesse período os municípios brasileiros passam a experimentar novas

formas de gestão que disputam espaço com as tradicionais formas de exercício do

poder. A sociedade civil passa a ocupar espaços institucionais e a participação popular

é colocada como premissa para elaboração de políticas públicas em diversas áreas.

No processo da autonomia municipal institucionalizada com a Constituição Federal de 1988, à elevação das receitas e à descentralização político-administrativa vêm somarem-se novas práticas de organização do poder no âmbito local, onde passa a ser dado destaque à participação direta das organizações representativas da sociedade na gestão das políticas públicas. É nesse contexto que inovações institucionais como a experiência do Orçamento Participativo (OP) de Porto Alegre, a partir dos anos 80, ganham visibilidade nacional. (SAMPAIO, 2006, p. 155).

Como destaca Sampaio, no período pós-constituinte práticas e canais de participação

popular, principalmente em nível local, adquirem grande destaque. Dentre essas

práticas, o Orçamento Participativo, possui especial relevância, pois oferece condições

reais para a população debater acerca das prioridades dos investimentos públicos.

(RIBEIRO; GRAZIA, 2003).

Este processo foi inovador na medida em que se coloca o autoritarismo, a tecnocracia e

a centralidade de planejamento em cheque em nome do aumento da participação

popular e, obviamente no partilhamento das decisões e do poder. O campo partidário

também se organiza em torno de novas forças políticas, sendo criado o Partido dos

Trabalhadores (PT) em 1980. Nas cidades ganha destaque a expansão dos

movimentos sociais urbanos exigindo melhores condições de vida e novas formas de

Page 29: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

organização e gestão das políticas públicas, especialmente, no que diz respeito às

políticas sociais.

Sampaio (2006) ressalta que as práticas de OP logo se espalharam por diversas

capitais, atingindo tanto as chamadas administrações populares, lideradas pelo Partido

dos Trabalhadores (Vitória, Brasília, Belém, Belo Horizonte) quanto grandes metrópoles

governadas por outros partidos de diferentes tendências, como Salvador e Recife.

(2006, p.155). No período de 1997 a 2000, cerca de 140 municípios brasileiros

estavam envolvidos com processos semelhantes à experiência de Orçamento

Participativo de Porto Alegre. Das experiências em curso 45,6% eram na região

Sudeste e 37,8 % na região Sul, o que pode demonstrar uma distinta manifestação do

fenômeno OP no país. (RIBEIRO; GRAZIA, 2003 apud BINDA, 2009).

Com isto, podemos afirmar que as relações institucionais brasileiras que sempre foram

marcadas pelo “jeitinho” e pela pessoalidade (que acabam por fazer parte de uma

“identidade nacional”) abrem espaço para o verdadeiro exercício da cidadania, cindindo

o trato do público do trato do privado, pessoal.

Os canais possibilitados pelas premissas da Constituição Federal de 1988, inclusive o

OP, tendem a serem espaços onde é possível incorporar a discussão transversal de

políticas públicas em diversas áreas (ex: quais serviços? que tipo de equipamento

público se quer nas comunidades? Qual a demanda real da população? Apresentação

de projetos técnicos? tudo é possível discutir através do OP). De certo que mesmo com

todo avanço, os municípios e a cultura política brasileira podem incorporar o OP num

Page 30: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

emaranhado jogo de negociações, como uma moeda política a favor de interesses não

coletivos, alijando a população de qualquer poder de decisão.

Contudo é ainda necessário entender o OP como uma política de exercício da

impessoalidade nas relações políticas, separando as esferas pública e privada das

negociações dos interesses da população. Como Genro (2002) afirma, o OP surge e se

conslida como “nova democracia representativa”, uma experimentação positiva de

fortalecimento do “poder local” porque combina a representação política tradicional com

a participação direta e voluntária dos cidadãos, gerando decisões cada vez mais

afinadas com os interesses da maioria.

2.2 – OP EM CARIACICA – RETOMADA DA DEMOCRATIZAÇAO DO ORÇAMENTO

PÚBLICO

2.2.1 – CONTEXTUALIZAÇAO HISTÓRICA

Cariacica é o terceiro maior município da Região Metropolitana da Grande Vitória –

RMGV com uma população 348.933 habitantes (IBGE/2010) e uma arrecadação de R$

405 milhões de reais prevista para o ano de 2011(CARIACICA/SEMPLAN, 2010),

significando a menor renda per capta entre os municípios do Espírito Santo (REVISTA

FINANÇAS DO ESPÍRITO SANTO 2010). Situando-se a oeste do canal da Baía de

Vitória fazendo fronteira com Serra e Santa Leopoldina ao Norte, Viana ao Sul, Vitória e

Vila Velha ao Leste e Domingos Martins e Viana ao Oeste, possui extrema importância

Page 31: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

logística, já que está às margens de duas rodovias federais: a BR 101 e a BR 102, da

Rodovia Estadual ES 080, além de duas ferrovias – a Estrada de Ferro Vitória a Minas

e a Estrada de ferro Santa Leopoldina. (REVISTA CARIACICA EM DADOS. 2011)

A trajetória política do município sempre foi marcada por desmandos de políticos que se

alternavam no poder utilizando-se da máquina administrativa para barganhar a parca

capacidade de investimentos com vereadores. BRUCE (2006) afirma que a

“implantação” do Orçamento Participativo – OP surge durante o governo do prefeito

Aloizio Santos (2001-2004), contudo, o processo era marcado por uma postura

clientelista e burocratizada na qual as demandas eram levantadas em assembléias de

bairros realizadas pelas lideranças próximas à administração e encaminhadas à

prefeitura via ofício. A falta de uma metodologia clara ocasionou um enorme descrédito

na população e do movimento social em relação à experiência.

Desde a década de 80 e em conformidade com o movimento de redemocratização

brasileira, o movimento popular de Cariacica, que possuía grande atrelamento às

Comunidades Eclesiais de Bairro – CEB´s, assumia uma postura de enfrentamento e

um caráter reivindicatório sobre as principais necessidades da população junto ao

Executivo municipal (HECKERT. 2006 apud BRUCE. 2006), culminando com a criação

da Federação das Associações de Moradores de Cariacica – FAMOC no ano de 1986,

fato relevante para a organização e unificação das reivindicações do movimento social

no município.

Page 32: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

No ano de 2005, após um acirrado processo eleitoral, o Prefeito Helder Salomão (PT)

assume a prefeitura de Cariacica e tem como uma de suas principais prioridades

aumentar a participação popular na gestão municipal. Esta foi uma premissa importante

e considerada na metodologia a ser adotada, assim como toda trajetória da organização

e lutas dos movimentos sociais que agora eram grandes aliados para definir o destino

dos recursos públicos.

Segundo GILLES (2006) a herança política do município e a confiabilidade no processo

de discussão do OP, eram fatores a serem superados, além da baixa capacidade

orçamentária. À época, a capacidade total de investimento do município era de 6.4%

(11 milhões e 200 mil reais) e, mesmo sendo toda destinada ao OP, ainda assim

representou o maior desafio diante das inúmeras demandas da população.

Sendo assim, a equipe da (época) Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento

Urbano – SEMPLAD - elaborou uma metodologia que buscasse recuperar a

credibilidade da população no processo de debate do OP, que respeitasse a história

dos movimentos organizados, inclusive convocando-o para a elaboração deste projeto,

bem como a sua execução e avaliação. O modelo regionalizado de debate foi adotado

baseando-se na divisão utilizada pelo movimento popular, visando a construção de um

plano de investimentos que fosse concebido através da discussão e envolvimento dos

atores sociais da forma coletiva e cooperada.

Page 33: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

2.2.2 – A BASE TERRITORIAL DO OP CARIACICA

Sobre a regionalização é importante ressaltar que não havia, no ano de 2005, quaisquer

registros dos bairros/regiões administrativas aprovados pela Camara Municipal. Então

foi adotada a quantidade/divisão de bairros/regionalização da cidade com base nos

dados do movimento popular em 13 regiões administrativas, totalizando 287 bairros.

Os aspectos técnicos para considerar a quantidade de pessoas em cada um das

regioes foi balizado pelos dados do Instituto Jones dos Santos Neves - IJSN e dos

setores censitários do IBGE/2000 sobrepostos sobre o mapa do municipio. Apesar de

ter sido uma tarefa bastante “rudimentar”, era necessário e fundamental estabelecer

uma base territorial para o debate do OP sendo que a organizaçao desses dados

acabou servindo de base regional para aplicação de diversas outras políticas setoriais,

tamanha foi a desorganização encontrada.

Atualmente a regionalização do OP (Mapa 01) é referência no municipio, mesmo que

saibamos que a mesma precisa ser revista a partir de um rigor técnico que possibilite a

administração conhecer amplanente os bairros e as regiões em diversos aspectos. Este

ordenamento e revisão já está em andamento sob a coordenação Secretaria Municipal

de Desenvolvimento Urbano e Habitaçao – SEMDUR, que desenvolveu o Plano de

Organização Territorial de Cariacica – POT / Lei 4.772/20101 (Tabela 1). Esta é a

1 Como nunca existiu até o ano de 2010 uma Lei de Bairros Municipal (sendo considerado todo loteamento, localidade, comunidade, um bairro). Deste modo o POT foi elaborado através de etapas que considera aspectos técnicos e também leituras comunitárias. Contém duas etapas: a primeira delimitou os bairros do município, reduzindo de 287 para 100 bairros (incluindo

Page 34: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

primeira lei de bairros de Cariacica e (re)delimita todo território em 100 bairros na área

urbana do município. A área rural é considerada a 13ª Região Administrativa e está

dividida em seis setores, que agregam comunidades e propriedades rurais, (Tabela 01),

contudo este território ainda não passou por um ordenamento que fosse além do Plano

Diretor Municipal – PDM, sendo ainda conhecida conforme as referências do

movimento social e de suas lideranças (Tabela 02):

Mapa 01 – Divisão Administrativa Regional de Cariacica. Fonte SEMDUR/2001

duas áreas não identificadas reservadas para expansão industrial). A segunda etapa prevê a nomenclatura e CEP de logradouros, numeração residencial e, principalmente uma nova regionalização da cidade. Esta segunda etapa alterará significativamente a delimitação da região urbana e também a área rural, já que ocorrem no município diversas ocupações nas áreas rurbanas, pressionando a expansão do tecido urbano para a área rural, o que demanda expansão de infra-estrutura, serviços e equipamentos públicos por parte do Executivo Municipal.

Page 35: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Tabela 1 – Regionalização da Cidade de Cariacica – Conforme Lei 4772/2010 – Fonte SEMDUR/2001

REGIÃO 1 REGIÃO 2 REGIÃO 3 REGIÃO 4 REGIÃO 5 REGIÃO 6 REGIÃO 7 REGIÃO 8 REGIÃO 9 REGIÃO 10 REGIÃO 11 REGIÃO 12

Aparecida Bubu Itacibá Campo Grande

Alto Boa Vista

Bandeirante Alzira Ramos

Nova Esperança

Alice Coutinho

Mucuri Campo Belo

Campina Grande

Flexal I Campo Verde

Itanguá Cruzeiro do Sul

Alto Lage Bela Aurora Bela Vista Nova Rosa da Penha

Antonio Ferreira Borges

Nova Campo Grande

Itapemirim Formate

Flexal II Cangaíba Nova Brasília

Dom Bosco

Expedito Boa Sorte Caçaroca Padre Matias

Areinha Novo Brasil Maracanã Jardim Campo Grande

Nova Canãa

Planeta Nova Valverde

Morada de Santa Fé

Itaquari Jardim América

Castelo Branco

Porto Engenho

Cariacica Sede

Novo Horizonte

Rosa da Penha

Parque Gramado

Porto de Santana

Santana Oriente Santa Cecília

Sotema Sotelândia Chácaras União

Vila Cajueiro

Porto Belo

Operário São Benedito

Santa Bárbara

Porto Novo

Tabajara Rio Branco

São Conrado

Vale Esperança

Jardim Botânico

Area Não Identificada

Porto de Cariacica

Piranema São Geraldo II

Santo André

Presid. Médice

Graúna Tucum São Francisco

Valparaiso Jardim de Alah

Prolar São Gonçalo Vila Isabel Tiradentes

Vila Prudêncio

São Geraldo

Vasco da Gama

Rio Marinho

Santa Luzia

Vale dos Reis Padre Gabriel

Vera Cruz Vista Mar Santa Paula

São João Batista

Vila Independência

Vila Capixaba

Vista Linda

Vila Merlo Vista Dourada

Vila Palestina

Tabela 2 – Região 13 / Região Rural de Cariacica e seus Setores Rurais – Fonte SEMDUR 2011

REGIÃO RURAL 13 (Agrupamento por setor)

Setor 1 Setor 2 Setor 3 Setor 4 Setor 5 Setor 6

Alegre Azeredo Aritoá Cahoeirinha Capoeira Grande Biririca

Boa Vista Boca do Mato Destacamento de Baixo Maricará Ibiapaba II Boqueirão

Encantado Cangaiba Destacamento de Cima Sabão Pau Amarelo

Mumbeca (Quitumgo

Velho) Moxuara Duas Bocas Taquaroçu

Munguba Roças Velhas Morro do Óleo

Roda D'Agua Patioba

Taquaruçu Sertão Velho

Trincheira

* Conforme FAMOC/2005: adotado desde a primeira edição do OP. Não houve alterações desde então, prevista somente para a segunda

fase do POT.

Com a base territorial definida, a metodologia previu diversas etapas de discussão

como plenárias regionais e temáticas, os fóruns de delegados e ainda a instituição de

um conselho municipal do orçamento, que seria responsável pela aprovação dos

Page 36: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

critérios de rateio entre as regiões, pela aprovação da despesa e receita municipais,

pela fiscalização e acompanhamento do processo de execução orçamentária, etc.

Incluía também a publicização das informações ao longo do ciclo, a realização de

capacitações e seminários para as lideranças municipais, delegados e conselheiros

retirados no processo de discussão.

Mesmo diante baixa capacidade de investimentos, a qualidade da organização do

processo se refletia na ampla e organizada participação dos movimentos sociais e da

FAMOC, desde as assembléias regionais até as reuniões do Conselho do Orçamento

Participativo – COP – legitimando e aumentando a credibilidade do processo de

discussão. Um dos elementos que demarcavam a mudança da vontade política do

Executivo, contrariando a tradição clientelística do município, foi o não envolvimento da

Câmara Municipal de Vereadores, salvo raríssimas exceções.

O processo de discussão do OP se consolidou ao longo de sete anos de

implementação, acumulando 283 obras/serviços regionais e da cidade, envolvendo

mais de 42.716 moradores do município (mais de 10% da população total. Fonte:

SEMPLAN 2011), ampliando a transparência das ações de governo através do

Conselho do Orçamento Participativo – COP, incentivando a participação e o

envolvimento de novas lideranças comunitárias, etc.

Neste período a metodologia sofreu alterações que partiram de avaliações dos próprios

delegados e conselheiros do OP, resultando o aprimoramento do debate e do plano de

investimento a que se desejava alcançar. Embora o recurso de investimentos tenha

aumentado de R$ 11 milhões para R$ 16 milhões – o que é bastante pequeno

Page 37: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

comparado aos recursos de investimentos de outros municípios como, por exemplo,

Vitória, que investe cerca de R$ 100 milhões/ano – o processo de discussão continua

mobilizando a população em torno da definição das prioridades da cidade.

Sobre este cenário que viu-se surgir uma demanda até então ‘submersa’ na

metodologia do OP de Cariacica: as demandas da área rural, que possui caracteristicas

totalmente diferentes da área urbana da cidade, sobre a qual debruçaremos nossa

analise a partir de agora.

Page 38: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

CAPÍTULO III - OP RURAL DE CARIACICA: NECESSIDADES E POSSIBILIDADES

DE DESENVOLVIMENTO DO TERRITÓRIO RURAL

3.1 – DEMANDAS DA REIGIÃO 13 NO AMBITO DA METODOLOGIA DO OP DE 2006

A 2010.

Como dito, em todas as edições do OP as discussões e debates que visavam melhorias

para a zona rural eram realizados em plenárias regionais com a mesma dinâmica e com

as mesmas regras que eram adotadas nas regiões urbanas, utilizando, inclusive, os

mesmos critérios de distribuição de recursos baseados no IQVU desenvolvido pela

equipe da SEMPLAN. Considerando isto, a Região 13, como tem a menor população do

município, recebeu a penúltima menor cota orçamentária2, embora seja maior em

extensão territorial que a parte urbana. Vejamos como estes recursos foram priorizados

pela população e a dinâmica que se concretizou ao longo doa anos na plenária da

Região 13, fazendo com que surgisse a necessidade de um método especifico de

debater o OP.

Dentro desta lógica de um OP regionalizado e “homogeneizado” metodologicamente,

foram levantadas diversas demandas que contemplavam as regiões em suas

necessidades. No tocante à Região 13 pode-se observar que nas edições do OP 2006-

2 A cota orçamentária da Região 13 foi de R$ 633.540,00 do valor total de investimentos para o OP/2006 (R$ 11 milhões), primeiro ano de implantação do OP. Este último valor também era o total de recursos para investimento em todo município naquele ano. Ou seja, a área rural ficou com 6,53% do total dos investimentos previstos para toda a cidade.

Page 39: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

2008 foram levantadas demandas que foram consideradas como relevantes para a área

rural como descrito (Tabela 03).

Tabela 03 – Demandas OP Região 13 / Região Rural de Cariacica 2006-2008 – Fonte SEMPLAN/2011

Ano Demanda Local Valor R$ Cota R$

2006 Patrulha Rural Mecanizada3 R 13 633.540,00 633.540,00

2007

Ampliação da Patrulha Rural Mecanizada R 13 442.000,00

633.540,00 Instalação de Câmaras Frias R 13 200.000,00

2008

Construção de Ponte Maricará 120.000,00

915.000,00 Construção de Quadra Poliesportiva Roda D’Água 200.000,00

Pavimentação asfáltica da Avenida Principal Cangaíba 600.000,00

Um primeiro fator a ser observado é que ao longo dos anos o montante destinado as

investimentos e debatido no OP, aumentou de 2006/2007 para 2008. Passou de R$ 11

milhões para R$ 16 milhões de reais. Contudo não houve revisão dos critérios de

distribuição de recursos4, permanecendo a área rural com 6,53% do total de

investimentos. Outra questão é que o valor da orçamentação que ultrapassou a cota

orçamentária no ano de 2007 foi garantido através de recursos de convênios do

Governo do Estado, garantindo o valor para as duas demandas.

3 Conjunto de equipamentos e maquinários que atendem a região rural especialmente na manutenção das vias de acesso 4 O critérios de distribuição do OP Cariacica foram baseados em dados do IBGE 2000 e contem os seguintes itens para aferir o IQVU: Renda – com intervalos de 0 a 5 salários mínimos; Infraestrutura – com esgotamento sanitário e pavimentação de ruas; Escolaridade – com até um ano de estudo e com mais de 12 anos de estudo; População – com intervalos de 0 a 40 mil habitantes e adensamento rural e urbano. Os intervalos não puderam ser muito pequenos pois simulações aferiram que, como a situação de pobreza no município é muito espraiada, não era possível conferir uma diferença muito grande de recursos entre as regiões. Foi adotado, então um sistema de pesos, que colocava a renda e a infraestrutura no topo das “preferências” entr e os critérios. Mesmo assim, no ano 2006 foi possível realizar uma diferenciação entre as cotas de apenas R$ 424 mil reais.

Page 40: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Com relação ao destaque feito na demanda do ano de 2008, pode-se perceber a

primeira influência da pressão do tecido urbano na área rural: a demanda de

pavimentação asfáltica, que não foi contemplada em bairros da região rurbana da

Região 02 - Bairro Cangaíba, Bairro Santo Antônio e Bairro Campo Verde e que eram

beneficiados pelo transporte público, acabou fazendo com que os moradores

participassem da plenária da Região 13, e garantissem o levantamento da demanda

como uma das prioridades da região, através do numero de votos e articulados,

inclusive, com as lideranças da Região 13, que estavam prejudicados com a estrada em

péssimas condições.

Este fato demonstrou que, ao longo do tempo, o que era antes destinado para atender a

Região 13 como um todo (2006/2007), foi ganhando um caráter localizado e que

acabava beneficiando comunidades e bairros da zona rurbana do município. No caso

do município de Cariacica, a Zona Rurbana está toda delimitada no perímetro urbano,

não havendo outro tipo de zoneamento que prevê a expansão urbana (Zonas de

Expansão). Deste modo, a Zona Rurbana mesmo se caracterizando pelo Plano Diretor

Municipal/ PDM como uma zona de transição entre as áreas urbanas e rurais5, está

sendo gradativamente parcelada e sofrendo ocupações irregulares6.

5 Referências encontradas no PDM Cariacica, Lei 18/2007. Artigos 53 a 55. 6 Segundo o PDM, o parcelamento de áreas rurbanas respeita o mínimo, 01 hectar, o que significa lotes de 10.000 m2. Contudo, com a dificuldade de fiscalização municipal, os proprietários estão loteando áreas com referências nos lotes urbanos (300 m2) . A implicação disto para quem compra é a não regularização do imóvel através de escritura (somente de recibo de compra e venda o que não garante a posse). Para o Poder Público, alem do aumento da fiscalização, é necessário destinar serviços e equipamentos públicos para atender à população.

Page 41: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

No tocante específico aos interesses dos produtores rurais, as demandas começavam a

se descaracterizar, era questionada a eficácia da Patrulha Rural, além de

questionamentos dos produtores rurais sobre a legitimidade da participação e controle

do público da plenária do OP da Região 13. Com as edições do OP 2009 e 2010

repetiu-se a estratégia utilizada pelos moradores das áreas urbana/rurbana que não

garantiam suas prioridades nas plenárias de suas respectivas regiões: participar e

solicitar demandas na Região 13.

Agora o destaque é o envolvimento de outra região bastante diferente tanto em

configuração territorial, quanto em localização geográfica – os bairros Novo Brasil, Bubu

e parte mais urbanizada do Bairro Moxuara (que depois da implantação do POT foi

finalmente incorporado ao Bairro Bubu), situados na Região 10, área urbana próximo do

setor rural 2. A demanda de Cangaíba, por sua vez era uma continuidade do trecho

levantado em 2008, só que desta vez sem a adesão das lideranças locais que

identificaram a ‘manobra’ da área urbana em virtude da necessidade de melhoria das

estradas para beneficio da Região 13. Veja (Tabela 04)b:

Tabela 04 – Demandas OP Região 13 / Região Rural de Cariacica 2009-2010 – Fonte SEMPLAN/2011

Ano Demanda Local Valor R$ Cota R$

2009 Pavimentação da Estrada que liga Boca do

Mato/Região 13 a Novo Brasil/Região 10

Novo Brasil e Boca do

Mato (Setor 02)

932.000,00 947.000,00

2010

Pavimentação asfáltica do trecho da Av.

Antônio Teixeira de Almeida

Moxuara 540.000,00

947.000,00

Pavimentação asfáltica da Rua Sítio D'Angeli Cangaiba 330.000,00

Page 42: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Este cenário configurou um desafio técnico para a equipe da SEMPLAN/OP. O controle

dos moradores nas plenárias regionais, ainda hoje, é realizado sem quaisquer

comprovantes de residência. Então como controlar o fluxo de participantes em uma

plenária? Como controlar/direcionar os bairros para não participarem com moradores

que não são da região? Como evitar que os moradores da área rural sejam

prejudicados em função da participação e também da legitimidade das necessidades do

território urbano?

Alem disto, tinham ainda questões voltadas ao desenvolvimento de uma experiência

piloto no município: como se configuram os setores rurais? As necessidades dos

produtores e dos moradores seriam as mesmas? Quais as singularidades que precisam

ser detectadas? Como são as políticas para a área rural?

Percebeu-se que a área rural era ainda um território que não havia sido explorado em

suas características e particularidades pelo OP. Precisava haver uma iniciativa por

parte da Administração Municipal para fomentar o debate e a organização das

demandas especificas daquela população, manter a vontade de participação e a

legitimidade no processo de discussão. Era necessário e urgente articular a área rural à

lógica do município urbano, destacando-a, integrando-a e fortalecendo-a. Diante destes

inúmeros desafios, foi implantado no ano de 2010, para execução das demandas em

2011 o Orçamento Participativo Rural, que veremos a seguir.

Page 43: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

3.2 – A CONSTRUÇAO METODOLÓGICA DO OP RURAL DE CARIACICA.

3.2.1 – PESQUISA DE EXPERIÊNCIAS DE OP RURAL A REALIDADE DE

CARIACICA.

A cidade que serviu de base para referência metodológica foi a de Campo Largo no

Paraná. O contato foi realizado através da Rede Brasileira de OP, onde é possível a

traoca de experiências entre as cidades que desenvolvem OP. No caso de Campo

Largo, a experiência foi implantada no ano de 2009 e, tanto como em Cariacica, a

cidade possui áreas rurais e urbanas em seu território. Dos 112.000 habitantes, 25.110

pessoas nas 80 Plenárias, já no ano de implantação. Já o território rural foi dividido em

5 Núcleos de Interior, sendo que a participação chegou a 2.514 pessoas nas 25

Plenárias Rurais.

Outro destaque que inspirou a experiência de Cariacica foi definição de temas para o

levantamento de demandas. Deste modo, a população rural encontrou nas plenárias do

OP um espaço de diálogo e debate das políticas públicas para o campo, envolvendo os

homens e mulheres na definição dos investimentos para a região rural. A principal

premissa do OP Rural de Campo Largo foi, portanto a “sua concepção de valorização

dos nossos/as agricultores/as e produtores/as, que, incluídos no debate, constroem sua

cidadania a partir da participação legítima e direita”. (CADERNO OP CAMPO LARGO.

2009)

Page 44: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Também como subsidio ao conhecimento da realidade, foi uma Visita Técnica na área

rural, envolvendo servidores das secretarias de planejamento, agricultura, meio

ambiente, desenvolvimento e turismo. O objetivo foi conversar sobre as expectativas

dos moradores e produtores rurais quanto aos investimentos necessários na área rural.

Um apontamento que ficou bastante evidente nesta visita foi a necessidade de uma

política de manutenção das estradas rurais, já que a maioria dos produtores escoava a

produção direto para o consumidor final, não havendo possibilidade de armazenamento

em quaisquer entrepostos. As estradas eram, portanto, a demanda de urgência,

indicando que a Patrulha Rural priorizada no OP ainda não estava em pleno

funcionamento e atendendo de forma eficiente ao produtor rural.

Verificou-se também que da grande maioria dos estabelecimentos agropecuários

existentes (3917 no total), cerca de 83% são de agricultura familiar. Contudo, há uma

grande concentração das terras pertencentes aos produtores de agricultura não familiar

(65 estabelecimentos), concentrando este fator produtivo8. Isto sem somar ao fato de

que a grande maioria da área rural se configura como área de preservação ambiental

(Reserva Biológica de Duas Bocas e Área de Preservação/Parque Natural do Monte

Moxuara, totalizando 21% só do território rural). Ou seja, Se somarmos as áreas de

agricultura não familiar com as áreas de preservação, chegamos a conclusão que há

pouca terra para ser explorada pela agricultura familiar no município, demandando

7 Censo agropecuário 2006. 8 Um estabelecimento não familiar tem em média 53 hectares e um familiar apenas cerca de 7 hectares.

Page 45: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

políticas publicas que sejam capazes de potencializar ao máximo a produção, a

qualidade de vida dos produtores.

As principais fontes de receita tanto dos estabelecimentos de agricultura familiar quanto

dos da não familiar vem dos produtos vegetais e/ou animais e dos produtos destes e,

além disso, é interessante observar que não é uma prática dos produtores do município

a de realizar atividades de maior valor agregado como o turismo rural e a agroindústria,

visto que há uma quantidade pouco significativa dos que estão inseridos nesse meio.

3.2.2 – A CONSTRUÇÃO DA BASE TERRITORIAL DO OP RURAL E SUA

CARACTERIZAÇÃO

O próximo passo era considerar, além do exposto acima, a configuração do território

rural, que em Cariacica possui uma área de mais de 154 km de extensão (55% do

território total) e faz divisa com os municípios de Viana, Santa Leopoldina e Domingos

Martins e possui uma população de 11.111 habitantes (IBGE 2010). Foi necessário

reorganizar este território para que os setores pudessem participar de forma mais

efetiva, respeitando as condições de acesso e diversidade da população rural. Deste

modo foram criados os “Núcleos Rurais”, que serviriam de base territorial para o debate

do OP Rural. Cada núcleo envolve 02 setores em cada um deles, possuindo

características singulares em termos de ocupação, organização popular e também de

“vocação territorial” - tabela 05.

Page 46: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Tabela 05 – Organização Territorial para OP Rural/ Núcleos Rurais. Fonte: SEMPLAN/2011

Núcleos Rurais Localidades / Comunidades

A – Núcleo Roda D’Água Alegre, Azeredo, Biririca, Boa Vista, Boca do Mato, Cangaíba, Encantado, Mochuara, Mumbeca (Quitungo Velho), Munguba, Pau Amarelo, Roda D'Agua, Roças Velhas, Taquaruçú, Trincheira

B – Núcleo Duas Bocas Destacamento de Baixo, Destacamento de Cima ,Duas Bocas, Patioba C – Núcleo Cachoeirinha

Aritoá, Boqueirão, Cachoeira de Fora, Cachoeirinha, Capoeira Grande, Ibiapaba 2, Maricará, Morro do Óleo, Sabão, Sertão Velho

O Núcleo Rural de Roda D’Água é um dos mais tradicionais no município em termos

de desenvolvimento cultural de Cariacica. Foram os negros os responsáveis pela

criação de uma das festas mais populares do município que é o Carnaval de Congo e

Máscaras de Cariacica9. Neste núcleo os produtores são os que possuem o maior grau

de organização, através da Associação de Produtores de Roda D’Água, da qual

diversos membros também fazem parte do Conselho Desenvolvimento Rural. O

principal regime de trabalho é desenvolvido através da agricultura familiar, em

propriedades bastante consolidadas, de maior porte e produçao, sendo a principal

cultura de banana, produtos agroturisticos como banana passa, banana chips, etc.

Este núcleo é um dos que sofrem maior pressão de urbanização da região rurbana e

avanço do tecido urbano sobre o território rural, pois se localiza próximo à Região 10

que possui bairros bastante adensados como Novo Brasil e Operário. Existem, já fora

do perímetro urbano e próximo aos bairros limítrofes, propriedades loteadas sem

obedecer ao mínimo de 01 hectar/lote, sendo que a maioria da população que reside

nesses “loteamentos” é reflexo da ausência de uma política habitacional que conduza

9 O Carnaval de Mascaras e Congo é um festejo popular realizado na data da Festa da Penha, Padroeira do Espírito Santo. Surge do sincretismo religioso e da devoção dos fiéis que, impossibilitados pela distancia de comparecer ao Convento da Penha, realizavam o carnaval em sua homenagem. A principal figura folclórica deste carnaval é o mascarado João Bananeira.

Page 47: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

ao desenvolvimento do território urbano de forma planejada e acabam demandando

para área rural infraestrutura de bairros urbanos.

O Núcleo Rural de Duas Bocas caracteriza-se por ser um dos mais “isolados” em

relação ao perímetro urbano e se localiza próximo à REBIO10 de Duas Bocas e a

Represa de Duas Bocas. A produção também se faz através de agricultura familiar, em

pequenas propriedades, onde é cultivada principalmente a hortaliça e concentrando,

inclusive, a produção de orgânicos no município. É o território rural que não possui

equipamentos como escolas municipais, unidade de saúde, etc., devido ao entorno ser

considerado uma área de preservação.

O Núcleo Rural de Cachoeirinha é a localidade que foi ocupada primeiramente, ainda

no século XIX, pelos Jesuítas, sendo responsáveis pela “colonização”, pela produção

de açúcar e implantação de engenhos - que ao longo do tempo se converteram nos

alambiques ainda hoje existentes na região (CAMPOS JR. 2010). Próximo da de

Cariacica Sede, possui algumas propriedades voltadas para o agroturismo, o que

potencializa a geração de renda para os produtores locais. Embora seja próximo do

perímetro urbano, a zona rurbana ainda não exerce a pressão tão grande como a

identificada no Núcleo Rural de Roda D’Água. Isto por que a ocupação dos bairros já

data de muitos anos preservando características de região mais rural que urbana, além

das propriedades do entorno imediato ao perímetro urbano serem consolidadas e de

famílias tradicionais. Este fato, contudo, não significa ausência da pressão do tecido

10 REBIO – Reserva Biológica de Duas Bocas.

Page 48: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

urbano sobre o território rural, já que alguns bairros da Região 9 foram loteados

irregularmente na década de 80 e possuem adensamento significativo, como os bairros

Prolar e Antonio Ferreira Borges, por exemplo.

3.2.3 – O ESQUEMA REPRESENTATIVO DO OP RURAL E SUAS NECESSIDADES.

Levantados estes aspectos, que foram balizando a construção da metodologia, ainda

era preciso equacionar o problema da participação da população dos bairros da região

rurbana nas plenárias do OP Rural, além da própria diversidade de adensamento dos

setores entre si. Era necessária a montagem de um esquema representativo que

priorizasse: 1. a participação de produtores rurais; 2. o equilíbrio de representantes

entre os setores, independente do número de participantes (já que no OP Urbano o

bairro que mais leva moradores elege maior numero de delegados). Para se ter uma

dimensão da importância deste fator, veja o numero de participação de 2006 a 2010

(sem separação da metodologia0 e em 2011 (Tabela 06).

Tabela 06 – Participação Plenárias Região 13 2006-2011. Fonte SEMPLAN 2011

Participação nas Plenárias OP Região 13 / 2006 -2011

2006 2007 2008 2009 2010 2011

80 98 127 250 321 124

Page 49: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Como podemos perceber a participação de bairros da zona rurbana/urbana provocou

uma “descaracterização” em relação à Região Rural ao longo do tempo, já que é uma

região pouco populosa e com participação proporcional a esta realidade, ocasionando

rebatimentos na representatividade da região nas etapas seguintes do OP.

A partir da adoção do OP Rural, o debate foi realizado nas localidades mais próximas

dos produtores, facilitando o deslocamento da população que deveria ser beneficiada.

Foi uma mudança importante e que reconfigurou a participação no ano de 2011 de

acordo com o que era esperado de mobilização de cada núcleo rural. Do total de 124

produtores, 88 (oitenta e oito) foram do Núcleo Roda D’Água, 14 do núcleo Duas Bocas

e 22 do Núcleo de Cachoeirinha.

Ainda considerando a diversidade do numero de habitantes em cada setor/núcleo rural,

a opção metodológica foi eleger um número fixo de delegados em cada um dos núcleos

Rurais, sendo que os mesmos não poderiam ser membros do Conselho Rural,

privilegiando a participação dos produtores e de moradores que ainda não estavam

inseridos em nenhum espaço representativo. Deste modo, cada Núcleo Rural elegeu 04

delegados, sendo que destes foram eleitos 01 conselheiro titular e 01 suplente para

representar a Região Rural no Conselho do OP, totalizando 12 delegados, 03

conselheiros titulares e 03 conselheiros suplentes em todo processo.

Page 50: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

É importante ressaltar que um ator importante nesta construção foi o Conselho

Municipal de Desenvolvimento Rural e Sustentável11 - CMDRS, posto que este

possibilitou a aproximação do produtor rural com a administração, além de subsidiar

leituras que pudessem ajudar no desenho metodológico adotado. Para afinar ainda

mais esta parceria, foi submetida à análise do Conselho do OP a disposição de mais

duas vagas de conselheiros - além dos conselheiros da Região 13 - que fossem

membros indicados do Conselho Rural, aumentando o peso da representatividade

deste território nas deliberações do Orçamento Participativo.

A proposta foi aceita por unanimidade e a participação do Conselho Rural no COP tem

qualificado e articulado as pautas para a área rural de forma muito qualitativa e

atendendo a um antigo desafio conceitual do OP que é a integralização deste

instrumento de planejamento com outras instâncias de deliberação de políticas, como é

o caso de todo conselho setorial.

11 (Lei 4.431/06) O CMDRS foi criado para ordenar todos os órgãos envolvidos com a área rural para promover e articular as atividades executadas pelo poder público, entidades públicas e privadas voltadas para o desenvolvimento rural e sustentável do município; apreciar e aprovar o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável – PMDRS, emitindo o parecer conclusivo sobre sua viabilidade técnico-financeiro; legitimar as ações propostas pelos agricultores e ajudar a sua execução; acompanhar, fiscalizar, avaliar e exercer permanente vigilância sob as execuções das ações previstas no PMDRS. É atualmente responsável pela interlocução com órgãos municipais, estaduais e federais, pela regulamentação e fiscalização do uso da patrulha rural para atendimento dos agricultores, alem das deliberações sobre o uso do Fundo Municipal Rural.

Page 51: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

3.2.4 – A NECESSIDADE DE TRANSVERSALIDADE DAS AÇOES NO TERRITÓRIO

RURAL

A integração de ações de diversas secretarias para tratar o território rural precisava ser

uma premissa para o alcance de bons resultados. Isto por que, dentro da lógica de

organização administrativa da Prefeitura de Cariacica, este território é de

responsabilidade somente da Secretaria Municipal de Agricultura – SEMAG.

Esta, por sua vez, desenvolve uma série de programas e ações que beneficiam o

produtor rural em diversas áreas como desenvolvimento rural e pesqueiro (com

distribuição de mudas, desenvolvimento de empreendedorismo e capacitação rural,

distribuição de nota fiscal, etc), infraestrutura rural (voz no campo, caminhos do campo,

luz no campo, caixas secas, etc), programas de abastecimento (programa de aquisição

de alimentos, feiras agroecológicas e outros).

Isto significa que, embora a ação da SEMAG seja organizada para o desenvolvimento

rural, sua ação ainda não está integrada com outros aspectos do desenvolvimento e

com necessidades mais amplas, realizadas por outras secretarias e que beneficiariam

os produtores e moradores da região rural, ampliando qualidade de vida dos mesmos e

fixando-os no campo

Deste modo foi criada uma instância de articulação e análise que é o Comitê Técnico

Rural, inicialmente composto pelas Secretarias de Planejamento, Meio Ambiente,

Desenvolvimento e Turismo e Agricultura. Compôs este comitê também o Conselho de

Desenvolvimento Rural e os Conselheiros representantes da Região 13 no Conselho do

Page 52: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

OP. O objetivo era que, a partir de uma interlocução mais afinada entre o Poder

Público, o órgão de fiscalização do OP e de formulação de políticas rurais, fosse mais

viável produzir uma análise técnica que contemplasse não somente o aspecto

orçamentário, mas também as políticas setoriais de forma integrada.

Além disto, a análise deste Comitê Técnico Rural subsidiaria intervenções juntos às

secretarias diversas, através do modelo de gestão municipal12, para que as demandas

levantadas nos Núcleos Rurais, mesmo que não priorizadas pelos delegados e

conselheiros rurais, pudessem ser priorizadas e viabilizadas atendendo com

integralidade a população do campo.

3.3 – ANÁLISES DO CICLO DO OP RURAL E SUAS FUNÇÕES

Tendo em conta todos os desafios e a realidade local, a interlocução com diversos

atores sociais, a necessidade de despertar as diversas secretarias para o tratamento da

área rural de forma transversal, etc., a proposta metodológica foi assim definida em três

etapas principais, conforme figura abaixo:

12 O modelo de gestão da Prefeitura de Cariacica está baseado na existência de Comitês Estratégicos que são divididos em três principais áreas: Área Meio, Infraestrutura e Políticas Sociais. É composto pelos Secretários Municipais e visam a tomada de decisão estratégica para fazer cumprir os programas prioritários de governo e o planejamento estratégico das diversas secretarias. O aspecto mais importante de sua atuação, no caso do OP Rural, é que um dos seus objetivos é articular as ações de forma integralizada e interdisciplinar, o que buscamos também atingir no tratamento das demandas e prioridades levantadas no OP Rural.

Page 53: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Figura 02 – Ciclo de Debates do OP Rural 2010/2011

3.3.1 – REUNIÕES DE NÚCLEOS RURAIS

Com Núcleos Rurais o objetivo de realizar uma leitura da realidade do território rural

integrando temáticas de infra-estrutura, meio ambiente, produção agrícola e turismo,

realizando indicações de prioridades para analises e hierarquização nas etapas

seguintes e elegendo delegados e conselheiros ao COP, o desenvolvimento do debate

já apontou alguns desafios.

Mesmo diante de algumas projeções, a equipe técnica não foi inicialmente capaz de

prever a amplitude das necessidades do território rural. Sendo assim, o tema de

infraestrutura teve que englobar ações que eram do próprio tema, até a necessidade de

escolas, unidades de saúde, além de geração de trabalho e renda. A análise de

REUNIÕES DE NÚCLEOS RURAIS

REUNIÕES COMITÊ

TÉCNICO RURAL

FÓRUM RURAL DELEGADOS E

CONSELHEIROS

Page 54: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

viabilidade das demandas pelo Comitê Técnico Rural teria que incorporar outras

secretarias, inicialmente não previstas. Veja a tabela 06:

Tabela 06 – Demandas levantadas nos Núcleos Rurais por área. Fonte: SEMPLAN/2011

DEMANDAS SISTEMATIZADAS DO O.P RURAL 2011 PARA ANÁLISE DO COMITÊ TÉCNICO RURAL

Área Temática Prioridade Secretarias

Produção Agrícola

Assistência técnica agrícola in loco e extensão rural voltada para a diversificação produtiva

SEMAG

Assistência técnica e ações de apoio ao associativismo para organizar a comercialização

Infraestrutura

Pavimentação da avenida que dá acesso à Roda D’Água

SEMAG

SEMDUR

SEMOB

Manutenção estradas rurais / estradas vicinais – Facilitar o acesso ao circuito do turismo

Reforma da ponte de Destacamento de Baixo

Regularização fundiária

Meio Ambiente

Dessassoreamento do Rio Duas Bocas SEMMAM

SEMSET SEMAG

SEMOB

Realização de campanhas educativas e reflorestamento

Serviço de coleta de lixo

Instalação de sistema fossa-filtro

Turismo

Desapropriação de área para realização de eventos culturais/ turísticos: “Vila do Congo”

SEMDETUR

SEMAG SEMCIT

Revitalização da sede antiga da Banda Unidos de Boa Vista (reforma e reestruturação)

Local para comercialização de produtos

Implantação de uma política de incentivo ao turismo rural (capacitação, assistência,

informações, incentivo ao associativismo, infraestrutura. Ex: Projeto “cama-café).

Educação Implantação no currículo escolar de disciplinas voltadas à produção agrícola

SEME Transporte Escolar para a escola agrícola

Municipalização da escolinha de Roda D’Água com reforma e ampliação até a 8ª série

Trabalho e Renda

Oferecimento de cursos e incentivo a fabricação de produtos caseiros SEMCIT SEMAG

SEMDETUR Ações de incentivo à organizações/iniciativas comunitárias e associativas

Saúde

Implantação de Unidade Móvel de Atendimento à saúde par atender a região 13 com

implantação do serviço de PSF/PAC SEMUS

Do mesmo modo que algumas áreas não puderam ser previstas, outras geraram um

debate muito rico que subsidiou um indicativo problemático para a área rural. Este foi o

caso dos temas de Produção Agrícola e Turismo.

Page 55: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

No caso do primeiro tema, ficou evidente que a precária oferta de assistência técnica

ainda faz com que os produtores tenham algumas dificuldades com relação a técnicas

de manejo de solo, irrigação, produção de orgânicos e, principalmente, com relação à

diversificação produtiva. Em geral as propriedades plantam somente uma cultura, sem

rotatividade e também sem agregar valor à produção, transformando parte do cultivo

em outros produtos agrícolas. Foi constatado também a ausência de planejamento rural

e agrícola, que dependem em grande parte da assistência técnica, potencializando e

articulando alternativas para o aumento da produção, escoamento e venda dos

produtos.

Foi identificado que a atual parceria com a INCAPER disponibiliza para todo território

rural apenas dois técnicos, o que não cobre a demanda. Para agravar a situação, a

SEMAG também não dispõe de técnicos de formação superior como Engenheiros

Agrônomos e Florestais em seu quadro de funcionários, sendo que a estrutura de apoio

se baseia somente nas gerências, geralmente sem coordenações ou equipe que vá a

campo para mapear as necessidades dos produtores em relação à assistência técnica.

Embora esta questão tenha aparecido em todas as reuniões de núcleos, no Núcleo

Rural de Duas Bocas, a declaração de um produtor foi bastante emblemática para

apontar a questão:

“Aqui na roça, até hoje e infelizmente, a gente ainda planta como vovô fazia. Mesmo que a gente goste de fazer outra coisa, não sabemos ou não dá certo. Mesmo que sobre coisa da nossa produção, a gente não sabe transformar. Então eu queria falar que é assim.” (PRODUTOR RURAL)

Page 56: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Relacionado a este tema, foi declarado também que os produtores possuem, em geral,

um baixo grau de associativismo, dificultando a articulação para planejar a produção e a

rotatividade de culturas, a captação de recursos para investir em equipamentos que

agreguem e diversifique produtos, etc. Foi declarado que, em algum momento na

história do município, a criação dessas associações era fomentada através da ação

direta de equipes técnicas - formadas por engenheiros agrônomos e florestais,

assistentes sociais, técnicos de meio ambiente – com atuação direta no território rural,

oferecendo assistência técnica aos produtores, incentivando e orientando quanto à

diversificação produtiva e fomentando as iniciativas de associativismo e cooperativismo

rural. Contudo, mesmo pesquisando internamente na SEMAG, não foi possível

encontrar tais registros desta atuação.

No tocante ao Tema de Turismo, existe no município um “consenso” de que Cariacica

para a área urbana possui uma vocação logística e para a área rural, uma vocação de

agroturismo. Contudo, a realidade verificada foi, sim, esta vocação que ainda depende

de qualificação e diversificação para receber o turista. No tocante ao Turismo Rural13,

os núcleos que possuem estes ramos mais organizados são os de Cachoeirinha e parte

do Núcleo de Duas Bocas (porção mais próxima à área urbana), todos desenvolvidos e

consolidados a partir de iniciativas individuais. Em relação ao geral, foi identificada a

necessidade de capacitação, linhas de financiamento para estruturação dos negócios,

além, claro, da recuperação das estradas de acesso.

13 É o conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometido com a produção, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade.

Page 57: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Já no que diz respeito ao Agroturismo14, ainda falta o desenvolvimento de uma

identidade rural e do “sentimento de ruralidade” no município, já que este sempre

privilegiou o desenvolvimento (desordenado) do espaço urbano. Embora este

“sentimento de ruralidade” agregue aspectos bastante subjetivos, foi verificado que

alguns produtores possuem imóveis rurais, contudo não vivem somente da renda por

ele gerada, tampouco criam e sustentam as gerações seguintes no campo.

Já os que vivem exclusivamente do campo não pensam em adotar o agroturismo e

continuar desenvolver suas atividades no campo, que traduz a principal característica

do agroturismo: a continuidade no campo, com seu modo de vida e sem deixar de

produzir, recebendo os turistas para ter contato com a realidade do campo em seus

aspectos, pois a constante luta pela sobrevivência através da produção (que

geralmente é vendida direto ao consumidor ou para a PMC através do Programa de

Aquisição de Alimentos), não lhes ampliam a perspectiva para que expandam e

diversifiquem suas atividades econômicas, gerando outras rendas.

No Tema Meio Ambiente, a mesma precariedade verificada na estrutura da SEMAG

para desenvolvimento ações, foi encontrada na SEMMAM: o trabalho de conservação

do meio ambiente é algo que na maioria das vezes vem da iniciativa dos próprios

produtores, mas sem quaisquer orientações ou interdisciplinaridade entre as secretarias

como a de Serviços. Foi detectado que os produtores não conhecem a legislação do

meio ambiente e que os órgãos fiscalizadores só atende, não necessariamente agem,

14 É o tipo específico de turismo realizado em casas particulares integradas com a produção agrícola, onde são difundidos valores, modos de vida e de pensar das comunidades rurais, especialmente se baseadas na agricultura familiar, manutenção das manifestações folclóricas, na gastronomia, na história do lugar e da região. A renda e outros benefícios oriundos da prát ica turística são fruídos pela própria comunidade proporcionando bem-estar das famílias rurais, motivando sua organização e participação da comunidade local para gerir a atividade turística de forma inclusiva e ordenada.

Page 58: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

mediante denúncia, sem quaisquer ações preventivas de proteção e envolvimento das

comunidades locais.

O território rural ainda não possui uma rede de saneamento básico e o sistema de

coleta de esgoto é feito através de fossas que podem contaminar os lençóis freáticos.

As localidades próximas da área urbana têm recolhimento de lixo somente uma vez por

semana, o que induz as queimadas ou destinação inapropriada. Já o que diz respeito

ao assoreamento dos rios, não foi verificado nenhuma ação de conservação da mata

(para além do âmbito das reservas e unidades de conservação), e os projetos não são

possíveis de executar com recursos do tesouro, tampouco com a cota orçamentária do

OP Rural.

Esta realidade interfere e compromete a existência da agricultura familiar, do

abastecimento de água, da sustentabilidade da vida no campo. Embora tratados de

forma separada nas reuniões dos núcleos rurais, percebemos a total articulação entre

os temas e verificamos que, sem investimentos na estruturação das secretarias para

que possa ofertar serviços e políticas públicas de qualidade, a tendência é que a área

rural é a cada dia sofrer maiores pressões do tecido urbano e a população que lá reside

engrossar as fileiras dos que deixam o campo para viver na zona urbana das cidades.

Dentro da perspectiva de ampliar e articular as políticas públicas surge a necessidade

de muito bem articular as demandas de saúde, educação, capacitação e geração de

trabalho e renda, identificadas pelos produtores nas reuniões dos núcleos rurais.

Atualmente todo serviço prestados nestas áreas estão localizados no perímetro urbano,

que aliados às dificuldades de deslocamento, à falta de transportes e à precariedade

Page 59: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

das vias rurais (reafirmado tanto no Tema de Infraestrutura, quanto na visita técnica),

faz com que a população da área rural não procure estes serviços ou o fazem de modo

muito pontual. Um exemplo relacionado ao acesso à escolaridade, citado no Núcleo

Rural de Cachoeirinha, também traduz o que os produtores pensam sobre a não

disponibilização de serviços diversos no território rural:

“Nossas crianças para estudar tem que andar alguns quilômetros ate chegar no ponto do ônibus. Quando chegam na escola não aprendem sobre como se manter no campo, como plantar. Eles querem sair daqui e trabalhar na cidade de porteiro, pedreiro, por que a escola não ensina que eles tem que cuidar da terra (PRODUTOR RURAL)

No tocante à saúde, a questão se agrava já que não há nenhuma ação voltada para as

doenças típicas do campo como o câncer de pele, problemas neurológicos causado

pelo uso de agrotóxicos tanto na quantidade, quanto no manuseio, etc., fora a falta de

acompanhamento ginecológico para mulheres de todas as idades, acompanhamento de

equipes de do Programa Saúde da Família – PSF para idosos, crianças. A procura só é

realizada quando os produtores já estão com comprometimentos à saúde que os

impedem de trabalhar. No Núcleo Rural de Duas Bocas, o mais isolado do meio urbano,

foi relatado o seguinte:

“A gente sabe da dificuldade que é um médico formado querer vir trabalhar aqui. Num tem nada, só tem a gente e é pouco. Mas também não dá pra gente não ter nenhum atendimento do PSF. A gente nem quer que o Prefeito ponha um posto de saúde aqui por que ai é o medico, o vigia... mas poderia ter uma alternativa ‘da gente’ saber que duas vezes por semana vai ter um medico pra olhar as mulheres, os idosos e as crianças e que a gente vai ter saúde mesmo tão isolados.” (PRODUTOR RURAL)

Page 60: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

Finalizando a leitura das temáticas inicialmente propostas, o Tema de Infraestrutura

teve um debate bastante diverso nos três núcleos. Iniciando pelo debate da

Regularização Fundiária, foi detectado um problema que está relacionado a uma

questão de âmbito nacional: o território rural e suas terras são regulados pela União

através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, que se baliza

pelo determinado na Constituição Federal para a promoção da Reforma Agrária

Brasileira.

O que se pode perceber no tocante à regularização fundiária no município de Cariacica

é que a maioria dos proprietários tem a ‘posse histórica’ das áreas que cultivam.

Atualmente para conseguir financiamentos para incremento das atividades no campo,

em geral é necessário apresentação da escritura da propriedade, já que esta garante

não somente o retorno do financiamento, mas também a posse da terra para gerações

futuras.

Deste modo os proprietários recorrem à avaliação do imóvel pela prefeitura, que não

possui parâmetro, a não ser os urbanos (com lotes de 300m2), para medir as

propriedades rurais. Isto eleva imensamente o valor da propriedade e inviabiliza os

trâmites cartorários e a legalização do imóvel para a maioria dos produtores. Este

debate ocorreu, mesmo sem maiores aprofundamentos em todos os núcleos rurais e

fica aqui apontado e registrado, já que adentrar neste debate seria superar nossa

capacidade de análise, por pura incapacidade técnica. É ato que o município precisa se

articular com outros espaços de formulação sobre esta demanda em nível nacional,

Page 61: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

posto que ao mesmo tempo em que não regula esta terra, também é pressionado a dar

respostas a população que nela reside e que dela sobrevive.

Ainda no Tema Infraestrutura, o debate sobre as vias rurais ganhou contornos

diferenciados nos três núcleos rurais. Enquanto nos núcleos de Cachoeirinha e de Duas

Bocas (que são em pequena parte cobertos pelo Programa Caminhos do Campo)

destacam a necessidade de manutenção das vias para escoamento da produção

agrícola, acesso às propriedades e aos empreendimentos de turismo rural existentes;

no Núcleo Rural de Roda D’Água a realidade é bastante diversa.

Como foi dito anteriormente, este é o núcleo que tem maior número de moradores que

não vivem da terra e compraram ‘terrenos’ desmembrados de forma inadequada. Vivem

no campo, mas trabalham, consomem, estudam, acessam serviços na cidade. A

parcela destes moradores é tão significativa que existe, além da Associação de

Produtores, uma Associação de Moradores na região e ambas não convergem em

relação ao que é demandado ao Poder Publico para a região. Os moradores, assim

como na Região 02, dependem do transporte publico existente para acessar a área

urbana, e devido às péssimas condições das estradas frequentemente ficam sem

transporte.

Esta demanda foi traduzida pela necessidade de asfaltamento, compreendendo um

trecho de aproximadamente 6 km que parte da área urbana no Bairro Novo Brasil até o

ponto final da linha de ônibus em “Alto Roda D’Água”. Embora este e outros trechos

estejam dentro do planejamento do Governo do Estado para serem beneficiados pelo

Programa Caminhos do Campo – que alem da pavimentação inclui contenções de

Page 62: OP Rural Cariacica ES Gabriela Gilles Ferreira

encostas, construção de caixas secas para minimizar a velocidade das águas da chuva,

etc. - a demora na execução das obras influi diretamente na força da reivindicação não

somente dos moradores, mas também dos produtores rurais. Se somarmos este fato à

falta de manutenção que inviabilizou a manutenção eficaz da vias pela Patrulha Rural,

percebeu-se que a demanda pelas boas condições das vias rurais era realmente algo

urgente e que sem esta política não seria possível o escoamento da produção, o

acesso as propriedades e aos circuitos turísticos e a mobilidade dos moradores.

Contudo, os recursos disponíveis na cota orçamentária da Região Rural – R$

947.000,00 para o ano de 2010/2011 – não são suficientes para atender o trecho como

um todo, tampouco todos os trechos de vias rurais necessários para promover a

mobilidade no território rural. Isto demonstrou a necessidade de ampliação da

interlocução política do município com a Secretaria Estadual de Agricultura – SEAG,

para agilizar a execução dos projetos e das obras dos Caminhos do Campo e por parte

do município, desenvolver uma política mais arrojada de manutenção das vias rurais o

que indica o pleno funcionamento da patrulha rural adquirida no ano de 2006/2007.

Diante dos cenários descritos acima, iniciou-se a segunda etapa do OP Rural,

constituída pela análise de viabilidade técnica, orçamentária e política a ser realizada

pelo Comitê Técnico Rural.

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3.3.2 – COMITÊ TÉCNICO RURAL

No Comitê Técnico Rural foi o espaço no qual os primeiros indicativos da complexidade

das demandas do OP Rural ficaram apontadas. Pela primeira vez foi percebida a

necessidade de executar políticas articuladas no território rural, demanda que somente

a SEMAG não consegue alcançar. Veja análises (Tabela 07):

Tabela 07 – Análise das demandas OP Rural por área. Fonte: SEMPLAN/2011

DEMANDAS SISTEMATIZADAS DO O.P RURAL 2011 PARA ANÁLISE DO COMITÊ TÉCNICO RURAL

Área Temática Prioridade Valor R$

Viabilizado ate

2011

Produção Agrícola

Assistência técnica agrícola in loco e extensão

rural voltada para a diversificação produtiva - Impossibilidade de incorporação de técnicos à folha de

pagamentos - Aumentar parceria com INCAPER

- Parceria não envolve custo financeiro

Não Assistência técnica e ações de apoio ao

associativismo para organizar a comercialização

Infraestrutura

Pavimentação da avenida que dá acesso à Roda D’Água

- custo Roda D’água - R$ 3.307.500,00 parceria com Governo

do Estado através dos Caminhos do Campo - elaborar cronograma de trabalho da patrulha rural própria

- manutenção da patrulha rural existente valor de R$ 249.000,00 – OP anteriores

- Terceirizar serviço/ manutenção R$ 950.000,00

- Sem projetos e/ou orçamento

- regularização fundiária fora do âmbito do município. Via INCRA.

Não

Manutenção estradas rurais / estradas vicinais –

Facilitar o acesso ao circuito do turismo Sim

Reforma da ponte de Destacamento de Baixo Não

Regularização fundiária Não

Meio Ambiente

Desassoreamento do Rio Duas Bocas - Inviável com recurso OP R$20 milhões. Via captação

recursos.

- Projeto viável R$ 500.000,00. Parceria de mudas.

- Elaborar cronograma de serviço

- Depende projetos e captação de recursos. Sem ornamentação

Não

Realização de campanhas educativas e reflorestamento

Não

Serviço de coleta de lixo Sim

Instalação de sistema fossa-filtro Não

Turismo

Desapropriação de área para realização de eventos

culturais/ turísticos: “Vila do Congo”

- Sem projetos para área deste porte. Não apresentado

orçamento.

- Projeto viável R$ 500.000,00. Problemas com manutenção e desenvolvimento de projetos.

- Buscar cessão de área em local próximo a Campo Grande

para viabilizar “Casa do Produtor” - Reforma/ equipar local R$ 1.000.000,00

- Sem orçamentação e/ou análise

Não

Revitalização da sede antiga da Banda Congo Unidos de Boa Vista (reforma e reestruturação)

Não

Local para comercialização de produtos Não

Implantação de uma política de incentivo ao turismo Ex: Projeto “cama-café

Não

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Educação

Implantação no currículo escolar de disciplinas voltadas à produção agrícola

- Ação a ser debatida no conselho Gestor e de Política da

SEME. Longo prazo.

- Viável com recurso vinculado.

- Articulação de longo prazo com Governo do Estado.

Não

Transporte Escolar para a escola agrícola Sim

Municipalização da escolinha de Roda D’Água com

reforma e ampliação até a 8ª série Não

Trabalho e

Renda

Oferecimento de cursos e incentivo a fabricação de produtos caseiros

- Possível através “Qualifique-se” Obra da Cidade. Parceria

com SEBRAE R$ 80.000,00

- Atende a demanda rural a partir de um levantamento de demanda.

Sim

Ações de incentivo à organizações/iniciativas comunitárias e associativas

Não

Saúde

Implantação de Unidade Móvel de Atendimento à

saúde par atender a região 13 com implantação do serviço de PSF/PAC

- Existe linhas de financiamento junto ao Ministério da Saúde. Será desenvolvido o projeto para captação de recursos

Não

Até o OP Rural estas demandas ou eram atendidas conforme a procura espontânea

das lideranças, (como no caso do meio ambiente serviço de coleta e disponibilização de

mudas) e da infraestrutura (construção de pontes e manutenção estradas vicinais), ou

eram atendidos nas áreas urbanas, como no caso da educação (que não possui

conteúdo e calendário compatível com as atividades da agricultura familiar) e da saúde

(que simplesmente não é atendida por equipes de saúde, a não ser no território

urbano).

Para algumas áreas, como no turismo, sequer havia o indicativo de potencializar um

espaço para manifestação cultural que pudesse ser atrelado a disponibilização de

outros serviços como um telecentro/auditório, local para abrigar equipamentos da

patrulha rural, área de lazer para moradores, etc. Um projeto deste porte não

contemplaria somente a denominação como citada - “Desapropriação de área para

eventos culturais e turísticos” – mas poderia ter sido realizada como um equipamento

público integrado à diversas necessidades da área rural e articulando ações de várias

secretarias. O exemplo também se repete em relação ao “Local de comercialização de

produtos” e a “Recuperação da Casa do Congo”, que poderia ser pensada articulando

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as áreas de cultura, geração de trabalho e renda, desenvolvimento e turismo. Isto

aponta para a necessidade de superação de uma análise meramente setorial (da

secretaria) e de compatibilização das demandas em programas e ações. Exige o

desenvolvimento de uma política territorial e intersetorial.

Outro ponto importante está relacionado à potencialização dos recursos do OP

aplicados a outras fontes, funcionando como contrapartidas de recursos captados. Isto

por que os investimentos com recursos do tesouro/secretarias cada vez menos

viabilizam as demandas em sua totalidade, dado o aporte de recursos. Este foi o caso

das demandas “Desassoreamento do Rio Duas Bocas”, da “Implantação da unidade

móvel de Saúde” e da “Instalação de fossas filtro”. Como o recurso do OP Rural não era

suficiente as secretarias acabaram não realizando orçamentação, ou deram

continuidade aos processos para sua viabilização.

Ainda sobre este ponto, outra vez nos deparamos com a necessidade estruturar setores

que desenvolvem os projetos e planos de trabalho para viabilizar estas demandas, já

que esta articulação se torna a cada dia fundamental para uma Administração com

poucos recursos. Com destaque para esta colocação a demanda de “Assistência

Técnica” já que esta é uma demanda fundamental para identificação, mapeamento,

incentivo, diversificação e conscientização a respeito do potencial das atividades

realizadas no campo, além de ser a mais transversal das prioridades, ainda não

alcançada.

Por fim, das 24 demandas levantadas demandas viáveis pela análise do Comitê

Técnico Rural, 06 (seis) foram consideradas viáveis - “Coleta de lixo”, “Transporte

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Escolar”, “Cursos de Capacitação – Qualifique-se”, “Manutenção de vias –

Terceirização da Patrulha Rural”, “Campanhas educativas e reflorestamento”, “Local de

comercialização de produtos – Casa do Produtor” – e enviadas ao Fórum do OP Rural

para deliberação e priorização.

3.3.3 – FÓRUM DO OP RURAL

O Fórum do OP Rural é uma instância paritária de deliberação, composta pelos 12

delegados do OP e por 12 membros do Conselho Rural. O resultado das análises do

Comitê Técnico Rural foi apresentado, incluindo a justificativa daquelas que foram

consideradas inviáveis. Foi destacada as dificuldades encontradas pelas secretarias

para viabilizar as demandas do ponto de vista de sua viabilização no curto prazo, já que

poucas delas haviam sido planejadas com vistas à intersetorialidade do território rural.

Isto por que, mesmo sendo um dos objetivos a análise da política setorial de um lado,

de outro, a ausência de projetos diversos e a falta de um debate articulado Comitês

Gestores, indicaram importantes fragilidades: 1) ainda é preciso investir na estruturação

dos quadros técnicos e na situação orçamentária das secretarias; e 2) se faz urgente

traçar uma “Política de Desenvolvimento Rural” articulada através dos Comitês

Gestores da Prefeitura.

Deste modo, a priorização não incluiu para compatibilização da cota orçamentária

aquelas demandas que podiam ser articuladas pelas secretarias sem utilizar o recurso

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do OP Rural: “Coleta de lixo”, “Transporte Escolar” e os “Cursos de Capacitação –

Qualifique-se”, restando para hierarquização as demandas de “Manutenção de vias –

Terceirização da Patrulha Rural”, as “Campanhas educativas e reflorestamento” e o

“Local de comercialização de produtos – Casa do Produtor”.

Desde o momento da construção da metodologia, o apontamento sobre a necessidade

de estruturação das vias de acesso estava pautado com muita freqüência. Isto por que

a patrulha rural adquirida no ano de 2006 foi utilizada sem qualquer manutenção,

avariando quase todo maquinário e tornando ineficaz o serviço prestado. A este fato

juntou-se a demora na tramitação do processo de manutenção, ocasionando a

paralisação total dos serviços de manutenção das vias, sendo os serviços de

manutenção realizados de forma pontual pela Secretaria de Serviço e Trânsito –

SEMSET. Isto configurou uma insatisfação geral da população rural e a inviabilidade

quase total dos acessos, especialmente em períodos de chuvas.

Os membros do Conselho Rural enfatizaram que este quadro também teve uma

situação de agravamento dado à descontinuidade na condução da SEMAG, provocado

pelas constantes trocas do secretário e da equipe responsável pela pasta. Ressaltou

que era preciso uma política de fiscalização dos serviços e sugeriu que a terceirização

das máquinas seria a melhor solução para atender aos produtores e moradores da

Região Rural.

Embora tenha sido uma discussão muito pontual, o Fórum Rural acabou avançando

num aspecto importante e até então não realizado: a interlocução de diversos atores -

representantes do OP, Conselho Rural e Secretaria de Agricultura - na construção de

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uma política de manutenção das vias rurais. Ficou determinado que a totalidade dos

recursos do OP Rural fosse destinada para a contratação da patrulha terceirizada dada

a precariedade das vias rurais, sendo que este Fórum seria o canal de participação, em

conjunto com o Conselho Rural, para as deliberações sobre as condições de

contratação, a política de fiscalização e medição dos serviços prestados, a

determinação dos trechos prioritários, etc.

É importante ressaltar que não foi perdida de vista a necessidade das outras demandas

levantadas. Contudo, os membros do Fórum Rural destacaram que em virtude da

demanda emergencial, fica difícil articular deliberações de médio prazo como as

“Campanhas educativas e reflorestamento” e o “Local de comercialização de produtos –

Casa do Produtor”, o que teria condições de melhorar a vida dos produtores, ampliando

os horizontes no tocante à geração de renda e à manutenção do meio ambiente.

Este fórum já se reuniu diversas vezes com o Conselho Rural e através desta ação já

foi possível autorizar o inicio da prestação de serviços de manutenção das estradas na

mesma data do inicio da segunda edição do OP Rural 2012. O prazo de viabilização

desta demanda é algo de extrema importância, já que traduz que a partir da

implantação do OP Rural foi possível a abertura de um canal de participação, que

mesmo com todas dificuldades e desafios, conseguiu articular uma ação de relevância

para a população rural como um todo.

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CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Primeiramente, o estudo aponta como ponto positivo a vontade política do governo

municipal para implantação da proposta do OP como um todo. Observou-se que apesar

do OP já existir nas gestões anteriores, foi a partir de uma visão progressista que o OP

se consolidou, tornando-se um Programa Prioritário de Governo. Ana Cláudia Chaves

Teixeira (2003) afirma ainda que há uma comprovada concentração de experiências em

municípios brasileiros governados pelo Partido dos Trabalhadores até os dias atuais.

Destacamos a importância da vontade política porque acreditamos que este é um fator

condicional para a elaboração da metodologia do OP. Sabe-se que o desenho

institucional do OP tem a capacidade de predeterminar as atitudes dos participantes

estimulando ou não, uma participação crítica, já que, é neste momento que se define

“as regras do jogo”. Segundo Luchmann (2005) definir a metodologia previamente,

esclarecendo as normas, as regras e os critérios de participação e distribuição de

recursos é importante porque torna o processo transparente, dando sustentabilidade ao

OP, o que foi observado no desenvolvimento também do OP Rural.

Vimos também que a metodologia do OP sofreu modificações e distorções ao longo do

tempo, como todo canal de discussão inserido em um âmbito contraditório. No caso do

surgimento do OP Rural, estas distorções estavam relacionadas à necessidades não

menos legítimas da população urbana. Contudo, o que precisava prevalecer era a

mobilização da população em torno de interesses comuns, que não significasse o

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prejuízo de nenhum bairro ou região, já que quase todas as regiões de Cariacica são

muito parecidas em termos de carências e potencialidades.

Um ponto positivo também foi a construção da metodologia do OP Rural contando com

a articulação com os movimentos sociais (Associações, Conselhos, lideranças) e a

pronta participação dos mesmos desde a elaboração, execução e até mesmo na fase

de avaliação da metodologia implantada pela primeira vez no município. Convidar os

movimentos sociais é importante porque revela a disponibilidade do Estado em dialogar

com a sociedade civil - uma obrigação, inclusive. Esse diálogo também torna a

implementação do OP, por si só, um elemento pedagógico de participação porque

proporciona aos moradores e técnicos lidarem com a disputa cotidiana entre as suas

demandas e os limites orçamentários e técnicos do município.

Assim, a experiência do OP Rural não indica (bem como em todo país) que o mesmo é

um espaço homogêneo. Observou-se que existem conflitos de todas as ordens: dentro

do próprio governo com as dificuldades de superação dos trâmites burocráticos e na

intersetorialidade entres as secretarias. No âmbito dos movimentos organizados os

interesses de mobilizarem-se fora da sua região em torno, muitas vezes, da promoção

de lideranças com interesses no pleito eleitoral do ano subsequente, predominando os

aspectos mais nocivos de nossa cultura política.

Mesmo com estas nuances, o Orçamento Participativo Rural se revelou um processo de

aprendizado social, onde novas formas de relação estão sendo construídas, incluindo

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de um lado, a constituição dos cidadãos participantes enquanto sujeitos de direitos e,

por outro lado, a necessidade dos governantes mudarem a sua postura diante de

cidadãos que se recusam a permanecer nos locais historicamente definidos para eles.

Certamente alguns desafios precisam ser enfrentados para que a metodologia se

reinvente e continue proporcionando resultados satisfatórios para a população rural. Um

primeiro aspecto é a criação de áreas que possam contemplar as necessidades em

aspectos mais importantes que não foram indicados inicialmente. Este á o caso da

criação de temáticas de saúde, educação, cultura e geração de trabalho e renda –

demandas que surgem desde a primeira edição trazendo desafios técnicos importantes

à equipe do OP.

Este primeiro desafio está relacionado ao segundo desafio: questionar o modelo de

gestão para que o mesmo possa oferecer respostas não pontuais às demandas do

território rural. Os secretários integrantes dos Comitês Gestores precisam ser

sensibilizados da importância da intersetorialidade no direcionamento das ações para a

região rural. Contudo, este é um aspecto que precisa também interagir com a

superação de uma cultura organizacional da fragmentação, muito comum no Poder

Publico.

O terceiro desafio é potencializar a participação dos membros integrantes do Comitê

Técnico Rural, as quais devem ser conferidas autonomia para articular as ações

intersetoriais. Isto é importante para que as secretarias tenham um “agente

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sensibilizador”, que trabalhará não para dar respostas à Secretaria de Planejamento –

SEMPLAN, coordenadora do processo de discussão, e ao Conselho Rural, agente de

controle social. Mas para que as secretarias tomem para si a responsabilidade de agir

em pró do desenvolvimento rural, o que demanda um quarto desafio: estruturar as

secretarias em recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento das ações.

Sobre as potencialidades, destacamos que o OP Rural pode ser um canal que fortificará

principalmente a organização dos produtores rurais em torno de suas demandas.

Somente através de uma atuação organizada e crítica é que o território rural poderá ser

desenvolvido em termos de sustentabilidade, produtividade e qualidade de vida.

Tal desenvolvimento não pode perder de vista a diversidade do território rural de

Cariacica no tocante à cultura, à gastronomia, ao folclore e manifestações culturais, a

riqueza da natureza e das paisagens. O turismo precisa ser entendido como uma

possibilidade real e alternativa na geração de trabalho e renda para as famílias dos

produtores. Isto demanda a ampliação das parcerias e a ampliação dos investimentos

de diversas ordens, fomentando as iniciativas e apoiando sua sustentabilidade.

Outra potencialidade é a integração campo/cidade através da produção e da

distribuição de alimentos, já que o município de Cariacica está estrategicamente

localizado entre montanhas e o litoral. É preciso não perder de vista que sem parcerias

para o desenvolvimento e diversificação da produção gerada pela agricultura familiar, a

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tendência é a não fixação dos homens, mulheres e das gerações futuras no território

rural, gerando ainda mais exclusão e necessidades para a população,

Por fim, citamos que a expectativa é o aprimoramento da metodologia no âmbito

interno, desafiando nossa cultura tecnocrática e setorializada, para atendermos a

população com integralidade. No âmbito externo, a expectativa é interagir ainda mais

com os atores relacionados ao território rural, especialmente o Conselho Rural. Isto por

que acreditamos que o controle social pode proporcionar uma eficaz e transparente

condução da execução das ações definidas pela população, além de solidificar o OP

Rural como instrumento de discussão permanente, independente de que estará a frente

da Administração nos anos seguintes.

Seguindo o que o filósofo italiano Antônio Gramsci um dia disse “Do pessimismo da

razão para o otimismo da vontade”, é sabido que realizar determinadas políticas é,

sobretudo, desafiar o contraditório com inteligência e criatividade. E na condução do OP

Rural pode ser constatar que, embora os desafios sejam grandes, faz-se presente o

otimismo e também a vontade!

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