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Em Tempo de Histórias - Publicação do Programa de Pós-Graduação em História PPG-HIS/UnB, n.9, Brasília, 2005 90 Os africanos entre representações: viagens reveladoras, olhares imprecisos e a invenção da África no imaginário Ocidental Anderson Ribeiro Oliva * Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma leitura diacrônica e panorâmica de algumas das principais imagens construídas sobre a África e os africanos em determinados contextos espalhados por um longo recorte espaço-temporal, que tem início na Antigüidade Clássica e termina sua viagem nos dias atuais. As incursões pelas representações formuladas sobre o Outro/Africano permitem que vislumbremos ritmos e formas distintas nas arquiteturas mentais elaboradas para a observação e definição do lugar ocupado pela África no Imaginário Ocidental. Não podemos esquecer, no entanto, que qualquer tentativa de sintetizar as imagens e discursos fabricados sobre os africanos não deve ignorar o fato de que os mesmos não foram homogêneos ao longo do tempo, espelhando as diversas faces dos múltiplos contextos em que foram fabricados. Dessa forma, buscamos com esse exercício destacar seus contornos e dinâmicas específicas e as possíveis relações existentes entre os vários momentos abordados. Palavras-chaves: África, representações dos africanos, imaginário ocidental. Abstract: The present article has as main objective to accomplish a double and panoramic reading of some of the main images built on Africa and the Africans in certain contexts spread by a long cutting space-storm, that has beginning in the Classic Antiquity and it finishes its trip in the current days. The incursions for the representations formulated on Other/African allow that shimmer rhythms and different forms in the mental architectures elaborated for the observation and definition from the position occupied by Africa in the Imaginary Western. We cannot forget, however, that any attempt of synthesizing the images and speeches manufactured on the Africans should not ignore the fact that the same ones were not homogeneous along the time, watching the several faces of the multiple contexts in that were manufactured. In that way, we looked for with that exercise to highlight its contours and specific dynamics and the possible existent relationships among the several approached moments. Keywords: África, representations of the Africans, imaginary western. Entre imaginários e palavras Em viagem realizada no final de 2003 à África, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, demonstrou a preocupação de seu governo em ampliar o número de parceiros políticos e comerciais no chamado eixo Sul-Sul. Para fazer justiça, seria correto afirmar que algumas falas e ações da atual gestão federal têm demonstrado a intenção, pelo menos de forma simbólica, de quebrar o silêncio de algumas décadas nas relações econômicas ou diplomáticas mais vantajosas entre as duas margens do Atlântico 1 .

Os Africanos Entre Representações - OLIVA, Anderson

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    Os africanos entre representaes: viagens reveladoras, olhares imprecisos e a inveno da frica no imaginrio Ocidental

    Anderson Ribeiro Oliva*

    Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma leitura diacrnica e panormica de algumas das principais imagens construdas sobre a frica e os africanos em determinados contextos espalhados por um longo recorte espao-temporal, que tem incio na Antigidade Clssica e termina sua viagem nos dias atuais. As incurses pelas representaes formuladas sobre o Outro/Africano permitem que vislumbremos ritmos e formas distintas nas arquiteturas mentais elaboradas para a observao e definio do lugar ocupado pela frica no Imaginrio Ocidental. No podemos esquecer, no entanto, que qualquer tentativa de sintetizar as imagens e discursos fabricados sobre os africanos no deve ignorar o fato de que os mesmos no foram homogneos ao longo do tempo, espelhando as diversas faces dos mltiplos contextos em que foram fabricados. Dessa forma, buscamos com esse exerccio destacar seus contornos e dinmicas especficas e as possveis relaes existentes entre os vrios momentos abordados. Palavras-chaves: frica, representaes dos africanos, imaginrio ocidental.

    Abstract: The present article has as main objective to accomplish a double and panoramic reading of some of the main images built on Africa and the Africans in certain contexts spread by a long cutting space-storm, that has beginning in the Classic Antiquity and it finishes its trip in the current days. The incursions for the representations formulated on Other/African allow that shimmer rhythms and different forms in the mental architectures elaborated for the observation and definition from the position occupied by Africa in the Imaginary Western. We cannot forget, however, that any attempt of synthesizing the images and speeches manufactured on the Africans should not ignore the fact that the same ones were not homogeneous along the time, watching the several faces of the multiple contexts in that were manufactured. In that way, we looked for with that exercise to highlight its contours and specific dynamics and the possible existent relationships among the several approached moments. Keywords: frica, representations of the Africans, imaginary western.

    Entre imaginrios e palavras Em viagem realizada no final de 2003 frica, o presidente Lus Incio Lula da Silva,

    demonstrou a preocupao de seu governo em ampliar o nmero de parceiros polticos e comerciais no chamado eixo Sul-Sul. Para fazer justia, seria correto afirmar que algumas falas e aes da atual gesto federal tm demonstrado a inteno, pelo menos de forma simblica, de quebrar o silncio de algumas dcadas nas relaes econmicas ou diplomticas mais vantajosas entre as duas margens do Atlntico1.

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    Deixando de lado essas perspectivas do tour pela regio austral do continente So

    Tom e Prncipe, Angola, Moambique, Nambia e frica do Sul o presidente, em seus improvisados, e, portanto, mais reveladores discursos, cometeu o que foi para alguns uma gafe, para outros uma dura ofensa frica. Ao verbalizar sua admirao pela limpeza e organizao de Windhoek, capital da Nambia, Lula, evidenciou a forma como grande parte

    dos brasileiros pensa e trata a frica cotidianamente. No tiremos as palavras do presidente, sua ntegra nos ajuda reflexo sobre nosso imaginrio acerca do continente negro e de suas populaes.

    Estou surpreso porque quem chega a Windhoek, no parece estar num pas africano. Poucas cidades do mundo so to limpas, to bonitas arquitetonicamente e tem um povo to extraordinrio como tem essa cidade (...). A viso que se tem do Brasil e da Amrica do Sul de que somos todos ndios e pobres. A viso que se tem da frica de que tambm um continente s de pobres.2

    Ao mesmo tempo em que sua percepo da urbanstica, sistema de limpeza urbano ou das populaes das cidades africanas demonstrou-se impactada pelas suas rpidas passagens

    por alguns bairros de Luanda, Maputo e So Tom, o presidente se mostrou convencido de que a histria da regio se limita quase sempre s recentes experincias vivenciadas por muitos dos pases visitados.

    Por exemplo, no caso de Angola, no desconhecendo a trajetria das ltimas quatro dcadas da histria, marcada por mais de um milho de mortos nas guerras de independncia e civil (que eclodiu ainda no ano da ruptura poltica com Portugal, em 1975, e chegou ao fim somente em 2002) Lula parece ter apagado da memria ou nunca ter acessado outras imagens e leituras do passado ou do presente angolanos. Em suas palavras, Angola, teria como

    principal contribuio humanidade a lio da guerra. A guerra, os conflitos, os amputados, os mortos. Esses so os exemplos angolanos para o mundo.

    Nenhum pas do mundo tem mais autoridade moral para falar de guerra do que Angola. Primeiro, foi a guerra contra Portugal, depois, uma guerra interna. Qualquer historiador do mundo que aceite escrever alguma coisa sobre guerra ter de escrever sobre Angola (...) Se, durante dcadas, vocs ensinaram o mundo a fazer guerra, eu queria pedir a vocs: ensinem o mundo agora a fazer a paz.3

    No iremos crucificar o presidente como outros fizeram. No que concordemos com tais disparates conclusivos, at porque, tendo oportunidade de se corrigir, nos dias seguintes, Lula, afirmou que apenas constatou o bvio. Parece plausvel que em rpidas passagens por

    algumas ruas das citadas cidades, alguns brasileiros, se impressionem pelo lixo acumulado nas sarjetas ou pelo trnsito catico, eles esto l. O mesmo serve para aqueles que se

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    deparam com as estatsticas e os nmeros de perdas humanas nas guerras, das vtimas de

    malria e dos contaminados pela Aids, eles tambm esto l. Porm, essas realidades no revelam e nem sintetizam o que a frica, nem seus

    centros urbanos. Eles so, evidentemente, muito mais do que isso. Os graves problemas existem, e vo continuar existindo nos prximos anos, mas h, nos passados e presentes

    africanos, muito mais do que fome, guerra, doena e sujeira. Alm disso, certo afirmar que as realidades descritas por Lula muito pouco de distingam de alguns bairros e dados estatsticos que encontramos em nossas cidades. Sujeira e violncia nunca foram exclusividades, muito menos identificadores das cidades africanas, apesar de parecer que elas,

    pelos nossos olhares muito limitados, deveriam se resumir a estas imagens. Por que ento reduzir o outro a isso, enquanto olhamos para os mesmos problemas

    internos e achamos que so realidades passageiras ou de menor importncia na construo de uma identidade positiva sobre ns mesmos. Neste caso muito mais enriquecedor

    analisarmos os pensamentos do nosso chefe de Estado por uma outra dimenso. Independente de Lula ter formao superior ou no, ser presidente ou operrio, carioca

    ou gacho, pobre ou rico, sua postura de admirao com uma cidade limpa na frica surpreendentemente comum. Para ser mais claro - excluindo um seleto grupo de pessoas que

    observam a frica a partir das noes do relativismo cultural -, ns, brasileiros, ou pessoas do Ocidente, tratamos a frica de forma preconceituosa. Reproduzimos em nosso imaginrio as notcias que circulam pela Mdia, e que revelam um continente marcado pelas misrias, guerras tnicas, instabilidade poltica, AIDS, fome e falncia econmica. Ou ainda, um

    mundo selvagem perdido no qual a natureza primitiva assusta aos homens, ou os rene em safris agora de ecoturismo em meio a lees, girafas, hipoptamos e rinocerontes.

    A prpria imprensa que vociferou sobre o presidente cometeu gafes do mesmo tom. Por exemplo, na citada matria da Revista Veja que analisava as intenes da viagem presidencial ao sul da frica, a escolha da imagem, que aparece ilustrando a reportagem, deve ter seguido a lgica dos esteretipos africanos. A foto selecionada mostra Lula ao lado do presidente da Nambia e de um leo. Por que a escolha do leo? Ser que o imaginrio sobre a frica que se confunde com a natureza selvagem se fez presente? Mais inquietante a concluso do jornalista, Diogo Schelp, sobre algumas aes da atual estratgia diplomtica brasileira sobre a frica. Na viso do reprter a abertura de embaixadas em algumas partes da frica s encontraria explicao na tentativa maior do pas em conquistar um lugar

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    permanente no Conselho de Segurana da ONU. Talvez isso seja verdade, mas a leitura do autor evidencia uma sentena ferina e pouco cuidadosa sobre alguns pases africanos.

    Na semana passada, o presidente Lula inaugurou uma embaixada em So Tom e Prncipe, um dos menores pases africanos, com territrio inferior ao municpio do Rio de Janeiro. A explicao oficial para tal gastana num local sem importncia econmica nem poltica a seguinte: tratava-se da nica nao africana de lngua portuguesa que no dispunha de um embaixador brasileiro. o Brasil relanando sua poltica africana.4

    s imagens e informaes que dominam os meios de comunicao, as revistas e livros didticos se incorporam a tradio multissecular que inferioriza o continente, alguns estudos preconceituosos e racistas acerca da Histria da frica e a discriminao pela qual so submetidos os afro-descendentes aqui dentro, e os africanos pelo mundo.

    A frica dessa forma no poderia ter, fazendo uma breve inverso do olhar do presidente Lula, ruas limpas, um povo extraordinrio e bela arquitetura. Ainda seguindo esse raciocnio, a viagem no poderia ter outra dimenso do que a simblica, e o Brasil no poderia ter outra postura do que a de ajuda humanitria frica, j que, por sermos to melhores do que eles, seria ilgico esperar algo bom de l.

    Para alm da educao escolar falha, certo afirmar que as interpretaes racistas e discriminatrias elaboradas sobre a frica, e incorporadas pelos brasileiros, so resultado do casamento de aes e pensamentos do passado e do presente. As teorias e as abordagens que tratavam os africanos como seres inferiores so encontradas nos mais diversos registros dos

    ltimos dois mil e quinhentos anos. Porm, os contatos mais intensos estabelecidos entre europeus e africanos, a partir do sculo XV, acentuaram essas leituras depreciativas. Somos, tambm, herdeiros diretos desse imaginrio.

    Sabemos que as representaes depreciativas sobre o continente africano no so uma exclusividade brasileira dos dias do presidente Lula. As distores, simplificaes e

    generalizaes de sua Histria e de suas populaes, como j citamos, so comuns a vrias partes e tempos do mundo ocidental e oriental. Dessa forma, se continuarmos a reproduzir leituras e falas como as citadas, muito provvel que o imaginrio de nossas futuras geraes sobre a frica no sofra modificaes significativas. Se nossos livros didticos continuarem a reproduzir as pinturas e imagens dos africanos escravizados, brutalizados ou massacrados pela fome e conflitos, sem uma crtica histrica mais pontual, e se no mudarmos os textos explicativos acerca da Histria da frica e da escravido, tal tarefa se tornar praticamente impossvel de ser bem sucedida.

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    Essa postura revela algo que os especialistas em Histria da frica vm alertando h certo tempo: esquecemos de estudar o continente africano. Tal esquecimento fruto, entre outros ingredientes, justamente desse nosso imaginrio sobre a regio e suas populaes. Reduzimos a frica aos esteretipos e ao autoritarismo de nossos olhares, que julgam tudo que diferente dos padres ocidentais como inferior, portanto, menos importante para ser

    estudado. Neste caso, para minimizar nosso descuido com nossa ancestralidade africana devemos

    voltar nossas atenes e olhares no apenas para as regies de onde saram milhes de africanos trazidos pelo trfico ao Brasil, mas, para a frica como um todo, pela sua relevncia incontestvel como palco das aes humanas e pelas profundas relaes que guardamos com aquele continente por meio do mundo chamado Atlntico.

    Portanto, para alm do simples ato de lembrar o porqu de ainda sermos to preconceituosos com a frica, procurar-se- aqui reconstruir a trajetria das representaes elaboradas sobre os africanos ao longo dos sculos de contatos entre as sociedades do continente e povos de outras regies. Comearemos nosso enfoque com as imagens geradas da frica e dos africanos na Antigidade Clssica; passaremos pelo medievo europeu; seguiremos pelas impresses e construes sobre os africanos no litoral atlntico no inicio da

    modernidade; ou ainda, pelos discursos racistas e imperialistas do final do sculo XIX e incio do XX. Por fim dedicaremos ateno tambm s elaboraes imagticas e definidoras da frica fabricadas pelos prprios africanos ao longo do sculo XX. Claro est que, devido ao longussimo recorte temporal empregado, no teremos a inteno de promover uma reflexo

    complexa e intensa acerca da questo, mas somente apresentar ou identificar algumas das principais representaes elaboradas sobre os africanos ao longo dos espaos temporais citados.

    Os africanos entre representaes Nos olhares dos antigos, as vises do presente

    Seria na Antigidade, que o escritor e viajante grego, Herdoto de Halicanarsso (sculo V a.C.) escreveria uma das primeiras obras fazendo vrias referncias s populaes de pele negra. evidente que, o contexto do qual falava Herdoto estabeleceria contingncias sobre suas percepes acerca da regio e de suas populaes. Suas palavras e idias no podem ser confundidas com as que caracterizaram os demais momentos envolvidos nas relaes entre os africanos e no africanos. Mesmo assim suas vises so reveladoras para os nossos objetivos.

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    Em sua lgica explicativa, Herdoto, afirmava que os homens daquelas regies eram

    negros por causa do calor e que os habitantes da Lbia eram entre todos os homens os de cabelos mais crespos5. Chamando a todos de etopes e a regio por eles ocupada de Etipia, o historiador grego acreditava ser aquela a mais remota das regies habitadas (...)6. Alm disso, se comparados a outros povos, como os gregos e egpcios, os etopes seriam inferiores,

    brbaros sem civilizao e identificados como trogloditas. Evidencia-se que os filtros culturais do autor condicionaram sua leitura acerca dos etopes e acabaram por enfatizar de forma negativa os aspectos fsicos e culturais dos africanos, para ele muito distantes dos apresentados pelos gregos.

    interessante perceber, que j naquele momento as tentativas de dominao militar, econmica e cultural eram defendidas ou apontadas como misses civilizadoras, porm, sob encargo dos egpcios. Herdoto afirmava que os soldados das terras dos faras estabelecendo-se na Etipia, contriburam para civilizar os etopes, ensinando-lhes os

    costumes egpcios7.

    Ao descrever uns dos poucos potenciais fsicos dos etopes, seus hbitos alimentares e as formas de comunicao, utilizados por estes, as impresses negativas tambm prevaleceram.

    Esses garamantes saem com seus carros de quatro cavalos caa de trogloditas etopes, pois os trogloditas etopes so os corredores mais rpidos sobre os quais j ouvimos contar histrias. Esses trogloditas se alimentam de serpentes, de lagartos e de rpteis do mesmo gnero; eles no falam uma linguagem parecida com qualquer outra, e emitem gritos agudos como os dos morcegos8.

    Antes do trabalho de Herdoto h passagens sobre os africanos etopes nas obras de

    Homero, Ilada e Odissia9. Porm, as impresses deixadas nessas epopias eram diferentes. Com citaes muito mais econmicas, se comparadas Histria, os etopes so citados oferecendo banquetes aos deuses do Olimpo, que se compraziam com a fartura e variedade encontradas nas terras para alm do Egito. Essa, no entanto, pareceu ser uma das poucas

    menes no depreciativas acerca da frica desde ento10. Ainda na Antigidade as caractersticas geogrficas da Etipia/frica passariam a ser

    utilizadas no estabelecimento de fronteiras fsicas e mentais entre o mundo europeu e os universos africanos. Em certa medida, os maiores responsveis por isso seriam os estudos, realizados no sculo II d.C., do gegrafo alexandrino Cludio Ptolomeu. Baseando-se em

    escritos anteriores, Ptolomeu, conseguiu com sua Geografia a evoluo mxima dos conhecimentos relativos aos contornos da frica11.

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    Em suas leituras, o territrio etope no teria uma extenso maior do que a regio

    referente parte do Deserto do Saara e s reas prximas ao Mediterrneo. A proximidade do Equador teria um efeito devastador na Natureza e nos seres que habitavam a regio. J que o calor intenso seria responsvel pelo desenvolvimento de um meio ambiente primitivo e agressivo e de criaturas animalescas. Pouco se sabia ou acreditava existir abaixo do Equador,

    a no ser guas inavegveis12.

    preciso que se enfatize tambm que, at o incio do sculo XV, seus estudos e elaboraes cartogrficas foram uma das principais referncias utilizadas pelos gegrafos medievais e influenciaram de certa forma, os navegadores europeus no ato de determinar as

    trajetrias, caractersticas e cuidados que deveriam ser tomados na costa africana. Pelo menos, para as primeiras dcadas daquele sculo, isso pode ser afirmado.

    Os africanos e o imaginrio medieval No ano mil, as referncias sobre os africanos j estavam completamente tangidas pelo

    imaginrio da cristandade. A difuso da teoria camita associada transposio da Cosmografia celestial sobre a cartografia de Cludio Ptolomeu, relegou a frica e os africanos s piores regies da Terra.

    Segundo os textos bblicos, Cam, um dos filhos de No, foi punido por flagrar seu pai nu e embriagado. Como pena, seus filhos deveriam se tornar servos dos filhos de seus irmos, habitariam parte dos territrios do Oriente Prximo, do Egito e da Etipia. A queda de Cam e a localizao do local de degredo de seus descendentes serviriam como frmulas explicativas

    para apontar a frica como um local esquecido por Deus ou amaldioado13. J na cartografia medieval as impresses pejorativas sobre os africanos seriam

    reforadas e explicitadas na associao entre os espaos celestiais paraso, purgatrio e inferno e os continentes ento conhecidos. Seguindo um padro mais ou menos comum, as representaes cartogrficas, chamados de T/O, apresentavam a Europa, a sia e a frica distribudas em forma de um T, cercado pelos trs mares - o Mediterrneo, o Helesponto e o Mare Indicum14.

    Distante dos homens, dos trs continentes, em lugar ignorado se localizava o paraso terreal. Jerusalm, local da ascenso do filho de Deus aos cus, aparecia ao centro, e era

    considerada local de passagem para atingir as regies paradisacas na Terra. A Europa, cuja populao descendia de Jafet, primognito de No, ficava oeste ou sul de Jerusalm, e a sia, local dos filhos de Sem, netos de No, ao norte ou a leste. Ao sul aparecia o continente

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    negro e monstruoso, a frica. Suas gentes eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de No15.

    A descrio do Inferno como uma regio de calor insuportvel e habitado por seres monstruosos e demonacos parecia de encaixar perfeitamente sobre a frica. Pelo menos seria o que confirmariam os primeiros viajantes e missionrios europeus que passariam pelo continente durante os sculos XV e XVI. Neste caso mais uma vez o desprestgio iria recobrir suas representaes sobre a frica.

    certo tambm que, a partir do medievo, algumas dessas construes mentais passaram a realizar a associao do mal com a cor negra, e conseqentemente com os africanos. Nestes

    casos evidenciava-se a fuso das teorias camitas que defendiam a descendncia dos filhos de Cam para os africanos com as concepes geogrficas em voga, que acreditavam na existncia de temperaturas insuportveis na regio abaixo do Equador. Dessa forma a diabolizao dos homens do continente foi recorrente em parte do imaginrio europeu.

    Esse mundo maravilhoso era tambm um mundo demonaco com um diabo quase sempre pintado de preto j que, entre os medievais, Sat chamado de Cavaleiro Negro e de Grande Negro.16

    Outra imagem comumente divulgada e relatada era a das imperfeies fsicas causadas pelas infernais condies climticas do continente ou das regies abaixo do Equador. Na realidade essa teoria, defendida desde a Antigidade, seria reforada pelas concepes

    cosmogrficas do cristianismo. A m distribuio do clima acarreta a anomalia, a deformao (e a deformidade), a perverso: estas implicam a feira (...) Do clima em que vivem as criaturas terrestres depende a sua conformao; de sua conformao fsica depende sua conformao moral (...).17

    Porm, neste momento, um elemento novo se acrescentava frmula de enxergar o Outro: os contatos ocorriam agora ao sul do Equador, na regio da frica subsaariana banhada pelo Atlntico e ndico. Os africanos de pele negra, antes chamados de etopes, seriam por certo espao de tempo conhecidos como homens da Guin. Pelo menos at as viagens se estenderem por reas alm do trecho separado pelas fozes do rio Senegal e do rio Niger.

    Contatos mais intensos e o trfico de almas Os dirios, crnicas de viagens e os relatrios oficiais escritos pelos inmeros

    marinheiros, enviados diplomticos, comerciantes, militares e missionrios, que percorreram a

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    costa e o interior africanos, dos sculos XV ao XVIII, so, antes de fontes para a tentativa de

    se conhecer um pouco melhor as sociedades africanas do perodo, elementos reveladores do prprio imaginrio europeu. Mesmo com todas as restries que se acercam de tais relatos, esses textos constituem material fecundo na identificao das representaes elaboradas sobre os africanos.

    Percebe-se que a preocupao maior encontrada nesses escritos estava centrada na descrio dos aspectos geogrficos, dos grupos humanos, dos recursos naturais e de alguns costumes africanos18. As representaes sobre as populaes e o meio ambiente sofreriam a tendncia de relacionar aquele mundo s imagens da devassido, da barbrie, dos sacrifcios

    humanos, do canibalismo e da natureza fantstica. Influenciados pelas vises e concepes europias do incio dos tempos modernos, os

    relatos desses homens foram marcados pela convico de que a Europa era uma civilizao infinitamente superior. Isso se evidenciava pela ausncia da f crist, trocada em frica por cultos pagos e fetichistas, e de Estados organizados aos moldes dos europeus, trocados em frica por grupos sem lei ou chefias desorganizadas. Nem a relao dos portugueses com, o que eles mesmos denominaram Reino do Kongo, do Monomotapa e da Etipia foi suficiente para estabelecer outra idia do que a da inferioridade dos africanos pela ausncia dos Reinos

    centralizados como na Europa19. O convvio com padres urbansticos, estticos, artsticos e cosmolgicos dos africanos

    fez com que as leituras europias pouco mudassem. Os europeus mencionavam as cosmologias africanas com sendo prticas de bruxarias, feitiarias e aes demonacas e os

    relatos sobre os sacrifcios humanos praticados, por exemplo, pelos imbangalas na frica Central Ocidental, tornaram-se eventos dramticos aos leitores e ouvintes europeus pelas narrativas de missionrios que passaram pela regio. O desrespeito aos smbolos do catolicismo, as cenas de sacrifcios humanos, inclusive com os infanticdios, pareciam revelar aos olhares ocidentais que esse hemisfrio o sul seria realmente infernal.

    Entre os viajantes mais conhecidos do perodo, que se estende dos sculos XVI ao XVII, podemos destacar as obras de Antnio Cadornega, Joo Cavazzi, Duarte Pacheco Pereira, Luis de Cadamosto e Gomes Eanes Zurara.

    Por exemplo, em seus relatos, o portugus Gomes Eanes Zurara, deixa claro que, o

    estranhamento com relao cor da pele e feio fsica dos homens e mulheres do continente, no diminuiu com os passar dos sculos. Ele comentava, em sua Crnica dos feitos notveis que se passaram na conquista da Guin por mandado do Infante D. Henrique,

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    que os habitantes da Guin seriam to negros como etipios e desafeioados nas caras como

    nos corpos que quase pareciam (...) as imagens do hemisfrio mais baixo, [de onde vinham] os escravos capturados na costa do Saara20.

    A forma de denominar a terra habitada por aqueles homens e mulheres pretos passaria a se confundir com o prprio nome da regio: Guin, ou Terra dos homens pretos. Para Zurara a

    populao da regio era toda negra (gente desta terra verde Terra dos Negros ou Guin)21 e a composio fsica das populaes encontradas era motivo de nota, tanto pela fora que impressionava como pela feira que assustava. Segundo suas observaes os homens da Guin tinham o corpo [oposto do] corpo pequeno e delgado [do portugus], poderoso touro, foroso. Alm das diferenas com os portugueses, os guinus eram marcados pela ligeireza muito avantajada no correr, por serem muitos fortes e pela fealdade extrema (...). Para o viajante portugus no se podia pintar coisa mais feia22.

    J o italiano Luis de Cadamosto parecia compartilhar grande parte das impresses

    mencionadas por Zurara. Em livro intitulado, Viagens de Luis de Cadamosto e de Pedro de Sintra, ele afirmou que os homens abaixo do Saara eram terrveis de aspecto23 e que todos so negrssimos (para l do rio Senegal)24. Parece tambm que a composio fsica dos africanos chamou a ateno de Cadamosto. De acordo com suas descries todos os Negros

    so grandes e grossos e bem formados de corpo, alm de serem os maiores nadadores que h no mundo25.

    Ambos atribuam ao clima a condio fsica daqueles seres. Zurara dizia que eram negros em color porque jazem sob o opsito do Sol26, e, Cadamosto afirmava que por causa do excessivo calor, apodrece-lhes o sangue em certo tempo do ano; morreriam se no fosse o remdio do sal (...)27.

    Esse imaginrio que inferiorizava aos africanos no se limitou aos olhares europeus. Em

    vrios relatos deixados pelos viajantes rabes ou muulmanos, que percorreram as terras do Sudo entre os sculos XI e XVI, encontram-se idias e descries parecidas. Evidentemente

    no foram todos os relatos e pensadores rabes unnimes nesta postura28. Influenciados por pensadores da Antigidade, eles acreditavam que o calor seria responsvel pelas deformaes fsicas cabelos e barbas crespos - dos africanos. O prprio termo Sudo, de origem rabe, significava a terra dos homens negros. O historiador africano Elikia

    MBokolo, mesmo enfatizando a ambigidade nas leituras rabes com relao desvalorizao dos africanos, cita alguns relatos, nos quais, tal postura evidente.

    A tradio associada desvalorizao dos negros j estava bem formada no sculo X. Encontrmo-la por exemplo no poeta Al-Mutanabbi, cuja pluma, muito

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    freqentemente se revela particularmente atroz. ele que escreve, entre o mais, que a moral do escravo negro se encontra inteirinha nos seus testculos mal cheirosos e nos seus dentes. 29

    Outro conjunto de relatos e imagens comum aos contatos estabelecidos neste perodo faz referncia s prticas antropofgicas. Para os europeus esse fenmeno seria cotidiano e comum a grande parte dos africanos. Algumas pinturas informam at a existncia de mercados onde se vendia carne humana. Os homens que passavam pela frica associavam os esteretipos j existentes sobre o continente com os relatos dos viajantes que percorreram a Amrica, e que encontravam sociedades que praticavam a antropofagia ritualstica. Esse era o centro da questo, os europeus no conseguiam ou no queriam distinguir as prticas chamadas de canibalismo ritual das idias fantsticas da prtica de canibalismo como

    atividade alimentar ou componente da dieta das populaes, o que no existia, ao mesmo tempo em que transferiam das Amricas para a frica os relatos da existncia de povos antropofgicos.

    O interessante nestes relatos antropofgicos a sua durao, que se estendeu pelos

    ltimos quatrocentos anos. Entre os sculos XVI quando comeam a aparecer em maior nmero -, e XVIII, eles estavam associados ao imaginrio cristo, que diabolizava os africanos. J nos sculos XIX e XX eles persistem, s que agora relacionados aos olhares colonialistas, reforando o carter primitivo e selvagem dos povos a serem civilizados. Em

    meados do ltimo sculo, mesmo sabendo que a antropofagia, se restringia aos momentos litrgicos ou ritualsticos e era praticada apenas em algumas regies do mundo, permanecia viva no imaginrio geral a imagem dos grupos devoradores de carne humana nos recnditos do continente.

    De forma ambgua, na Europa, ocorria uma estranha aproximao esttica entre os europeus e os africanos nas representaes iconogrficas, pelo menos at o sculo XVII.

    Pode-se encontrar uma srie de pinturas onde os africanos so retratados com feies, bitipos ou vestimentas europeus, porm com peles negras. Nos sculos XVIII, XIX e XX a realidade

    seria bem diferente. Ainda dentro deste contexto, cada vez caracterizado pelas relaes comerciais atlnticas

    e pela trajetria histrica europia e africana, no podemos esquecer dos impactos causados pela escravido e pelo trfico na construo do imaginrio depreciativo sobre os africanos. No

    sculo XV duas encclicas papais - a Dum Diversas e a Romanus Pontifex deram direito aos Reis de Portugal de despojar e escravizar eternamente os Maometanos, pagos e povos

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    pretos em geral30. A condio de cativos somente potencializaria os preconceitos e

    representaes negativas sobre os africanos. Os relatos elaborados nos trs sculos seguintes seguiriam um ritmo parecido, com

    algumas excees. Os africanos e a frica continuaram a ser desvalorizados, apesar de ganharem uma posio chave nas relaes econmicas estabelecidas pelos europeus com o

    Mundo Atlntico. A transformao dos africanos em simples mercadoria na frica ou no trfico transatlntico -, completava um processo de desumanizao iniciado sculos antes. Homens e mulheres tinham suas vontades e vidas cerceadas pela ao mercantil de outros africanos, europeus e americanos. So vrias as imagens que, alm de evidenciar o tratamento

    desumano nas caravanas de captura ou nos navios negreiros, tentaram reforar a noo de que os africanos escravizados seriam objetos sendo transportados ou estocados nos pores de forma passiva e submissa.

    A grande maioria das pinturas, litografias e relatos elaborados sobre a escravido

    produzidas nas Amricas tentavam reforar a idia de que os africanos poderiam ser reduzidos ao binmio trabalho braal/ castigo corporal. Por estarem vinculados aos diversos setores produtivos das colnias americanas, eles acabavam associados s atividades que segundo a tica dos senhores - exigiam pouca qualificao intelectual e muita fora fsica, ou que se

    cercavam de grande risco e condies subumanas. Os trabalhos agrcolas, como os desenvolvidos nas lavouras canavieiras, de algodo e fumo; as prticas de garimpagem ou escavao em minas, nas zonas de minerao, ou os servios de limpeza, transporte ou pequenos comrcio nos centros urbanos passaram a ser associados aos negros/africanos, que

    nada mais tinham a oferecer a no ser sua capacidade corprea. Tambm relacionado ao trfico de escravos ocorria um processo de redefinio das

    identidades africanas, reprocessadas pelos europeus. Ou prevalecia uma leitura na qual, todos os cativos, fariam parte de um grupo mais ou menos homogneo de negros africanos ou, outras, na qual ocorria a adoo de nomenclaturas ou denominaes das regies de embarque

    dos escravos na costa do continente, para rebatiz-los. No processo de reinveno das identidades africanas os primeiros atos ocorriam nos

    portos de embarque. Alguns historiadores que abordaram a questo do trfico, como Alberto da Costa e Silva, narram a existncia, por exemplo, na regio do Golfo da Guin, em Ajud, da rvore do esquecimento, pela qual os africanos escravizados deveriam dar voltas para romper os vnculos com os ancestrais e suas vidas locais. Um outro ato mais comum era o batismo catlico ainda nos locais de estocagem ou no embarque para os navios. claro que

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    no passavam de atos simblicos. Mas uma clara inteno da reinveno imposta ou no -

    de suas identidades tinha incio a. Complementando o processo de redefinio identitrio, ao chegar na Amrica, os que na frica se associavam sob vrias identidades como Mbundu, Bakongo, Ovibumdo, Iorub, Fon, entre outros, passavam a ser chamados de Cabindas, Congos, Benguelas, Moambiques, Nags e Minas. Trocava-se, portanto, sua identidade

    tnica pelo nome dos portos ou das regies de embarque em frica.

    Racismo, imperialismo e capitalismo A partir do final do sculo XVIII, e principalmente ao longo do XIX, as relaes entre

    os europeus e africanos ganharam novas dimenses. A descoberta do Quinino, remdio usado no tratamento da malria, permitiu que as viagens e expedies cientficas sobre o continente que, anteriormente, se limitavam a rpidas incurses pelos rios ou vias fluviais envolvidos no trfico, pudessem devassar o interior da frica. A essas viagens somaram-se, j nas ltimas dcadas do sculo XIX as aes imperialistas/colonialistas que permitiriam aos europeus o controle de grande parte do continente.

    Os administradores e missionrios fariam relatos importantes - apesar de eurocntricos - para a compreenso da realidade de parcela das populaes africanas e das representaes

    elaboradas sobre elas. Inglaterra, Frana, Blgica, Alemanha, Itlia e Portugal seriam os pases com participao mais ativa na chamada partilha africana, e, por isso, grande parte dos escritos deixados seria produzida por militares, administradores ou pesquisadores desses locais31.

    Os relatos colonialistas reforariam a crena generalizada na incapacidade dos africanos. Eram povos sem civilizao, de raas inferiores, quase sempre sem histria e sem avanos tecnolgicos. A cada momento era preciso reforar a dicotomia de uma Europa superior e de uma frica inferior32.

    Os regimes de explorao variavam de acordo com a regio e as intenes das potncias

    europias. Dentre estes, o caso portugus, segundo parte da historiografia portuguesa mais recente, talvez tenha se constitudo um dos mais rigorosos e sufocantes sistemas de ocupao colonial. Apesar das inmeras resistncias dos grupos locais, tanto em Angola como em Moambique, j nas primeiras dcadas do sculo XX, existia um regime colonialista vigorando em toda a regio ocupada pelos portugueses33.

    interessante notar que, nas discusses tanto da Conferncia de Berlim, 1884/534, como dos anos seguintes, os governantes lusos se sentiam lesados na sua ambio, e no que

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    afirmavam ser um direito histrico, de formar um territrio ultramarino em frica que cortasse o continente do Atlntico ao ndico. Os ingleses no permitiram.

    Alguns historiadores portugueses revelam que o mito de uma ocupao e dominao multissecular de grande parte dos territrios da frica Central, da frica Oriental e Austral persiste ainda hoje. O reforo da idia de que o imprio ultramarino lusitano j existia na regio, inclusive pelos sertes, h sculos, facilmente desconstruda pelas dificuldades iniciais dos portugueses estenderem seus domnios das regies prximas ao litoral para os interiores35.

    Neste momento, da montagem e afirmao do colonialismo europeu, houve uma

    migrao da imagem do africano confundido anteriormente com o escravo para o reforo do estigma do selvagem, primitivo e infantil. Todos esses elementos seriam selos antagnicos s imagens divulgadas sobre os europeus, associadas ao progresso tecnolgico, crena de que suas civilizaes seriam superiores, ou ainda divulgada teoria de que as mentes e estruturas

    europias eram as mais complexas do orbe. Tachados de preguiosos e inbeis ao trabalho sofisticado, os africanos deveriam ser disciplinados e ensinados pelos servios braais, mesmo que compulsrios. Os africanos eram considerados povos que se encontravam ainda na infncia da humanidade36.

    Aos preconceitos anteriores articulam-se, no sculo XIX, as crenas cientficas, oriundas das concepes do Evolucionismo Social e do Determinismo Racial, que alocaram os africanos nos ltimos degraus da evoluo das raas humanas. Infantis, primitivos, tribais, incapazes de aprender ou evoluir, os africanos deveriam receber, portanto, a benfazeja ajuda europia por meio das intervenes imperialistas no continente.

    Naquele momento, a segunda metade do XIX, a Antropologia, que se constitua em uma disciplina acadmica, era palco de intenso debate entre os deterministas, homens ligados aos referenciais biolgicos e raciais, e os evolucionistas, baseados tambm nos traos sociais e culturais.

    Algumas Sociedades Antropolgicas como a London Anthropological Society - reuniam os que defendiam ferrenhamente a teoria de que a diversidade humana era resultado das diferenas raciais, responsveis por tornar os povos superiores ou inferiores intelectual e fisicamente. A hibridao das raas tambm era condenada, j que suas conseqncias levariam a degenerao dos tipos humanos. Para eles as raas eram imutveis e a mestiagem deveria ser evitada. Era quase unnime a idia de que as diferenas entre os grupos seriam insuperveis. Os negros seriam sempre inferiores e os brancos superiores. 37

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    Entre seus principais tericos estavam Herbert Spencer, Hippolyte Taine, E. Renan, G.

    Le Bon e Arthur de Gobineau. Para os darwinistas sociais a capacidade de constituir uma civilizao seria uma qualidade restrita a algumas raas, principalmente a branca, enquanto outras, como a negra africana, estariam impossibilitadas de alcanar o progresso, a civilizao e a perfeio. Seria pautada nesta hiptese que parte da ao imperialista das potncias

    europias sobre a frica se justificaria, assim como conduziriam grande parte das expedies cientficas que passaram pelo continente.

    Para E. Renan (1823-92) existiriam trs grandes raas branca, negra e amarela especficas em sua origem e desenvolvimento. Segundo esse autor, os grupos negros, amarelos e miscigenados seriam povos inferiores no por serem incivilizados, mas por serem incivilizveis, no perfectveis e no suscetveis ao progresso.38

    J de dentro das perspectivas do Evolucionismo Social, abrigavam-se os que defendiam a possibilidade de um aprimoramento evolutivo das raas. Seus postulados transferiam da

    biologia para os padres culturais os elementos explicativos das desigualdades humanas. Cientistas como James Frazer, E. Tylor e Lewis Morgan montaram esquemas baseados na classificao comparativa do desenvolvimento cultural apresentado pelos diversos povos. O caminho da humanidade seria bem claro: a evoluo em direo civilizao e ao progresso.

    Segundo os evolucionistas sociais, em todas as partes do mundo a cultura teria se desenvolvido em estados sucessivos, caracterizados por organizaes econmicas e sociais especficas. Esses estgios, entendidos como nicos e obrigatrios j que toda a humanidade deveria passar por eles -, seguiam determinada direo, que ia sempre do mais simples ao mais complexo e diferenciado.39

    Essas teorias tiveram um efeito norteador nas representaes elaboradas sobre os

    africanos do sculo XIX em diante. A dominao imperial, a imposio da f crist e dos valores europeus estaria justificada pela inferioridade biolgica, mental e espiritual dos povos do continente. Um dos exemplos mais evidentes desse imaginrio se encontra vinculado aos estudos sobre algumas sociedades como os Pigmeus, os Hotentotes ou Bosqumanos. Para os

    cientistas europeus esses povos seriam a prova viva da inferioridade dos africanos, j que possivelmente representariam o chamado elo perdido, ou seja, a ligao evolutiva entre os macacos e os homens. Os africanos, portanto, estariam mais prximos dos grandes smios, do que dos prprios seres humanos.

    Os escritos dos viajantes e aventureiros desse perodo se impregnam desse vis. Entre os mais famosos podemos citar os de Richard Burton, David Livingstone, Gustav Nachtigal, John Speke, John e Richard Lander e Noel Baudin.

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    Destes, os textos de Richard Burton so bastante conhecidos e se tornam reveladores das

    influncias das teorias cientficas no j embaado olhar europeu sobre as sociedades e regies da frica. Em suas expedies sobre o continente a mais famosa foi a pela busca da nascente do rio Nilo -, na segunda metade do sculo XIX, o aventureiro, relata suas impresses sobre algumas populaes africanas. Suas palavras revelam seus filtros de

    observao. Para Burton os homens do continente teriam uma mente rudimentar e seriam figuras decadentes, incapazes para o desenvolvimento tecnolgico ou humano.

    O estudo da psicologia na frica Oriental o estudo da mente do homem rudimentar (...) Ele pareceria mais uma degenerescncia do homem civilizado do que um selvagem(...) no fosse sua incapacidade para o aperfeioamento (...).40

    O viajante, algumas vezes, tambm demonstrou sentir certo incmodo com a pretensa preguia dos africanos, alm de menosprezar as lnguas faladas por aquelas sociedades, percebidas como dialetos inferiores ou expresses animalescas.

    Na estrada uma multido de preguiosos (...) seguiu a caravana por horas; isto um espetculo verdadeiramente ofensivo (...); essas figuras grosseiras (...) e seus gritos lembravam uivos de bestas mais do que qualquer esforo de articulao humana.41

    Sendo um dos criadores da London Anthropological Society, ele estava embebido das teorias deterministas do perodo, acreditando que os africanos eram entre os grupos humanos uns dos mais inferiores.

    O negro puro se coloca na famlia humana abaixo das duas grandes raas, rabe e ariana () e o negro, coletivamente, no progredir alm de um determinado ponto, que no merecer considerao; mentalmente ele permanecer uma criana.42

    Neste mesmo perodo o pensamento histrico passava por (re)adequaes, surgindo uma espcie de Histria cientfica. Porm, os novos estudos histricos apenas acentuariam os olhares negativos acerca da frica. Segundo os pensadores do sculo XIX, os povos africanos subsaarianos, encontravam-se imersos em um estado de quase absoluta imobilidade, seriam

    sociedades sem histria. No caso, preciso que se frise que a Histria, naquele momento, passara a se confundir

    com dois elementos centrais: as trajetrias nacionais entendidas como inventrios cronolgicos dos principais fatos polticos dos Estados europeus, quase sempre

    protagonizados por figuras ilustres ou heris ; e com o movimento retilneo e natural rumo ao progresso tecnolgico e civilizacional. Dessa forma, a idia da transformao, da busca constante pelo novo, pelo moderno, se tornaria uma obsesso. Alm disso, devido os rigores metodolgicos, o passado somente poderia ser acessado com o uso dos documentos escritos.

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    Observados de dentro dessa perspectiva histrica, os povos africanos no possuam

    papel de destaque na histria da humanidade. Primeiro pela ausncia, em grande parte das sociedades abaixo do Saara, de cdigos escritos havia a predominncia da tradio oral. E, segundo, por serem classificadas como sociedades tradicionais43 quando a tradio aparecia no sentido de preservar, como em uma bolha do tempo, o passado , estando fadados a um

    eterno imobilismo. Os pesquisadores que abordam a construo da historiografia africana utilizam

    exemplos, que hoje poderamos chamar de clssicos, para descrever este estado de coisas. O mais citado a categrica afirmao do filsofo Friedrich Hegel, ainda na primeira metade

    do sculo XIX, acerca da inexistncia da Histria em frica, ou de sua insignificncia para a humanidade.

    A frica no uma parte histrica do mundo. No tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos histricos prprios dela. Quer isto dizer que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asitico. Aquilo que entendemos precisamente pela frica o esprito a-histrico, o esprito no desenvolvido, ainda envolto em condies de natural e que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da histria do mundo.44

    Parece que essa idia no ficou limitada aos oitocentos, influenciando trabalhos posteriores. Manuel Difuila lembra que um dos primeiros estudiosos das temticas africanas, H. Schurz, comparou a Histria das raas da Europa vitalidade de um belo dia de sol, e a das raas da frica a um pesadelo que logo se esquece ao acordar45. Ainda nesta direo um renomado professor da Universidade de Oxford, Sir Hugh Trevor-Hoper, demonstrou, em 1963, compartilhar das idias de seus companheiros anteriores.

    Pode ser que, no futuro, haja uma histria da frica para ser ensinada. No presente, porm, ela no existe; o que existe a histria dos europeus na frica. O resto so trevas (...), e as trevas no constituem tema de histria (...) divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tribos brbaras nos confins pitorescos do mundo, mas que no exercem nenhuma influncia em outras regies.46

    Para os historiadores do sculo XIX ou da virada para o XX, a Histria da frica vivenciada ou contada - teria comeado somente no momento em que os europeus passaram a manter relaes com as populaes do continente. No s pela ao de registrar e relatar, feita por viajantes, administradores, missionrios e comerciantes do sculo XV ao XIX, mas principalmente pelas mudanas introduzidas pelos europeus.

    Os africanos seriam incapazes, portanto, de qualquer criao ou inveno que possibilitasse transformaes em suas realidades ou exigissem conhecimentos complexos. Mesmo com a descoberta, nas primeiras dcadas do sculo XX, em frica, de complexas

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    elaboraes nos campos da arte estaturia, da produo agrcola, da arquitetura, das

    organizaes sociais e do pensamento, a afirmativa da inferioridade africana foi preservada. Nestes casos os europeus se esforaram para formular explicaes, muitas vezes mirabolantes, para justificar seus pontos de vista.

    O filsofo africano Valentin Mudimbe chamou a ateno, por exemplo, para as

    argumentaes utilizadas pelos europeus que tentavam explicar as origens da tcnica estaturia usada pelos iorubs, da arte do Benin e da arquitetura do Zimbabwe. Todos esses elementos de destaque da cultura africana seriam frutos de interferncias de outras civilizaes na frica negra, e no criaes africanas47.

    O historiador africano Carlos Lopes, tambm mencionou outras pesquisas neste estilo. A tendncia seria de alguma forma, preservar as afirmaes de que a frica no possuiria histria, e de que, tudo que fosse ali encontrado, no passaria de uma cpia inferior ao produzido em outros lugares.

    Ao estudar os conhecimentos astronmicos dos Dogon nos anos 40, M. Griaule e os seus discpulos ficaram fascinados com o nvel de conhecimentos existente. Recentemente, o conhecido astrnomo Carl Sagan, da Universidade Cornell de Nova Iorque, decidiu avaliar esses mesmos conhecimentos Dogon, e concluiu que os Dogon, em contrate com todas as sociedades pr-cientficas, sabiam que os planetas, incluindo a terra, giram sobre si prprios e volta do Sol(...) Como que se pode explicar este extraordinrio conhecimento cientfico? Sagan no duvidou um segundo que deve ter sido devido a um gauls que atravessou aquelas paragens, e que provavelmente estava mais avanado que a cincia da poca. 48

    Com a presena efetiva dos europeus, em parte considervel do continente foram realizadas as primeiras pesquisas ligadas Histria Colonial na frica, inclusive com a criao de institutos de pesquisa localizados em vrios pases metropolitanos como a Alemanha, Inglaterra, Frana e Blgica49. Esses primeiros trabalhos sobre a Histria da frica, pelo menos da histria das aes coloniais, quase sempre foram escritos pelos colonizadores. De acordo com Bill Freund, essa histria colonial oficial quase sempre

    buscava evidenciar as atividades europias no continente, ignorando as contribuies das sociedades africanas, que continuavam a ser percebidas como primitivas ou brbaras.

    O que mais interessava aos europeus na frica eram eles mesmos: a histria do comrcio e da diplomacia, da invaso e da conquista, fortemente infundidos com suposies sobre a superioridade racial que sustentou a dominao colonial.50

    Ainda dentro do perodo colonialista, a frica foi palco de uma srie de expedies antropolgicas, que buscavam ali respostas para os modelos tericos elaborados na Europa. O esforo em decifrar os padres culturais dos povos daquela regio serviria para, alm da

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    devassa dos aspectos scio-culturais africanos, de base para a compreenso do funcionamento

    das sociedades ditas primitivas. Especificar e desvendar as relaes ou mecanismos de ao de suas instituies sociais ou de seus padres culturais levaria a uma revelao das funes dos elementos constituintes das chamadas sociedades complexas. Neste momento, categorias como primitivos, selvagens e tribais foram utilizadas em larga escala para servir como

    referncia aos africanos. Os antroplogos partiram em busca de sociedades primitivas, de ilhotas culturais, subvertendo as idias ocidentais sobre a civilizao africana. Disto resultaram graves lacunas na documentao relativa s sociedades africanas maiores e mais complexas e, conseqentemente, uma nova contribuio ao mito de uma frica primitiva. Seu esforo para abstrair o presente antropolgico do presente real contribuiu para reforar a convico de que na frica a mudana vinha obrigatoriamente do exterior, desde que suas hipteses pareciam negar qualquer evoluo s sociedades africanas at a chegada dos europeus.51

    Percebe-se, portanto que, entre 1870 e 1950, ocorreu um significativo reforo da carga negativa na maneira como os europeus representavam aos africanos. Os domnios territoriais e polticos ganharam dimenses at ento no imaginadas, sendo a frica subsaariana efetivamente ocupada pelos homens brancos, com a exceo da Libria e da Etipia. As

    vitrias militares e a imposio dos padres tecnolgicos europeus fizeram com que a crena da superioridade europia ganhasse fora.

    Ainda embalados pelas teorias de que eram superiores, os europeus tentaram justificar teoricamente sua dominao sobre os africanos. Ningum se tornou mais clebre nessa tarefa

    do que o prmio Nobel de literatura de 1907, o escritor britnico Rudyard Kipling, que definiu a presena europia em frica como uma prova de altrusmo do homem civilizado. Os europeus, em sua argumentao, apareciam como missionrios que deveriam se sacrificar para levar a civilizao aos africanos brbaros. Em seu poema, The White mans burden (O fardo do homem branco), o literato convocava aos ingleses a enviar os seus melhores homens, para que pudessem servir aos seus cativos52.

    At a primeira metade do sculo XX, e em algumas regies sob dominao portuguesa at os anos 1970, vrias imagens que reforavam a crena de que os africanos eram selvagens e atrasados foram (re)elaboradas e divulgadas.

    A partir da lgica colonialista, os africanos que possuam alguma inteno de superar seus atrasos deveriam aceitar a presena europia e copiar seus modelos de viver. O modo de vestir, a arquitetura das cidades, a estrutura de educao formalizada, a religio crist, as

    lnguas europias, a ideologia do trabalho deveriam ser adotados por todos aqueles que quisessem ascender ou ter algum tipo de direito nas sociedades coloniais.

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    Um dos antagonismos mais citados pelos europeus seria a pretensa disposio africana

    preguia. Era misso europia ensin-los os benefcios e estruturas do trabalho. Se um dos elementos propulsores da expanso europia sobre a frica foi a disputa por mercados e mananciais de riquezas, em meio a concorrncia capitalista do final do XIX e incio do XX, era preciso modelar as sociedades africanas s novas mentalidades do trabalho e da produo.

    claro que nem sempre as coisas seguiram essa linha. Por exemplo, nas colnias portuguesas a adoo do trabalho compulsrio, e a prpria situao da frgil economia da metrpole, limitaram em muito a aplicao do capitalismo na forma como se apresentava na Europa. Porm, de qualquer maneira era preciso submeter s populaes, agora chamadas de

    indgenas, aos modelos de organizao europeus. Outra forma de revelar os benefcios da ocupao europia em frica era evidenciar

    os avanos tecnolgicos implantados, quase todos, no exclusivo sentido de baratear os custos com a explorao colonial e permitir a acomodao de mais colonos brancos. As ferrovias, os

    barcos a vapor e as cidades seriam smbolos dessas aes e da lembrana de que os africanos em seu estado de enselvajamento teriam condies apenas de construir pequenos barcos em troncos de rvores e aldeias de palha53.

    A nfase nas diferenas civilizacionais entre europeus e africanos era o alicerce

    fundamental, tanto para o convencimento interno nos pases metropolitanos como externo para os prprios colonizados, da presena europia em frica. O africano somente teria alguma utilidade se fosse civilizado pelos europeus. No estado selvagem no estaria apto ao trabalho ou a seguir s leis ocidentais.

    Em algumas partes da Europa, a figura ambgua de homens e mulheres negros que se submetiam aos servios e vontades impostas pelos europeus, se confundia com a de grupos primitivos que ainda habitariam os interiores ou regies isoladas em frica. At meados do sculo XX circulavam, em Portugal, imagens que associavam os africanos s prticas de feitiaria ou do canibalismo. Tanto em livros publicados pelos ex-administradores, como em

    histrias em quadrinho, que circulavam nos jornais, esse imaginrio era perpetuado54. Com relao s representaes iconogrficas, as imagens dos africanos estavam sempre

    associadas feira. A esfera do belo se limita esttica e feies europias, brancas. Se nos sculos XVI e XVII era comum encontrar imagens dos africanos que se confundiam com a

    dos europeus, tendo na tonalidade da cor negra da pele a principal diferena, no final do XVIII e nos sculos seguintes, a perspectiva seria a de marcar e potencializar as diferenas. Os africanos seriam o inverso da beleza dos europeus.

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    A inteligncia organiza, a bruteza realiza, tal podia ser um dos paradigmas destas operaes que so amplamente confirmadas pela antropologia fsica, que encontrou nos anatomistas dos sculos XVIII e XIX plena confirmao. O belo no pertence aos africanos (...). 55

    A partir da segunda metade do sculo XX as coisas pareciam seguir um novo rumo. O

    aparecimento dos movimentos de independncia e o aumento das pesquisas histricas sobre o continente, fizeram com que, para os africanos e alguns especialistas ocidentais, a frica passasse a ser vista com outros olhos. O que antes era reconhecido como smbolo da inferioridade a cor da pele agora passava a ser elemento de orgulho e distino positiva.

    Os estudos historiogrficos e arqueolgicos revelavam uma frica com um passado recheado de sociedades ricas e complexas. O continente passava a ser valorizado. Porm, os desvios nas formas de perceber a frica continuavam.

    Parte dessas novas pesquisas, conduzidas por um crescente corpo de historiadores

    africanos e africanistas, que reivindicava o reconhecimento da importncia do papel da frica na histria da humanidade e tentava inverter os olhares preconceituosos e imagens negativas relacionadas aos africanos, acabou por incorrer em uma srie de desacertos. Muitas vezes, influenciados pelas ideologias ou teorias do pan-africanismo e da negritude, assim como pela onda nacionalista que varria o continente, esses estudos seriam marcados por certa dose de desequilbrio e ufanismo acerca das identidades e histrias africanas56.

    De dentro dos referenciais utilizados seria fundamental enfatizar as histrias dos grandes imprios e civilizaes como exemplos da capacidade das sociedades do continente negro de

    se organizarem em estruturas complexas e extensas. Era uma forma de revelar a todos que a frica em nada ficava a dever aos padres europeus. Alm disso, os vestgios materiais deixados no passado como tcnicas de cultivo, padres de esttica da arte estaturia, runas dos mais diversos matizes foram usados para evidenciar as qualidades inegveis de suas

    populaes57.

    Se por um lado, o esforo desses intelectuais era de mostrar ao mundo os grandes feitos africanos, por outro ele acabava por ignorar a histrica de centenas de pequenas sociedades. Ser que elas no teriam valor algum? Da mesma forma, os povos que no utilizaram uma

    formao poltica prxima a dos chamados reinos, eram muitas vezes ignorados. Eles no precisavam ser estudados?

    Para alm da escolha de temticas referenciadas pelos modelos europeus, um dos maiores pecados desse grupo de estudiosos foi sem sombra de dvidas pensar em uma

    frica unida pela positivao da raa negra. Muitos tentaram, apesar dos movimentos

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    nacionalistas, elaborar uma espcie de amlgama negro sobre o continente, a partir da forada

    idia de que haveria uma homogeneidade cultural entre os grupos negro-africanos. Perigosa e equivocada idia, que veio se juntar aos antigos preconceitos de que todos os africanos eram iguais58.

    Se esse conjunto de estudos foi inquestionavelmente fundamental para a (re)significao da Histria da frica, seus deslizes at hoje deixam suas marcas. Da mesma forma, seria precipitado afirmar que seus efeitos na desconstruo dos preconceitos tenham sido suficientes para inverter o imaginrio ocidental. Nem nos meios acadmicos, nem nas escolas ou entre as pessoas em geral - a no ser na prpria frica - a histria do continente passou a figurar como tema de unnime importncia. Algumas portas tinham sido abertas, algumas barreiras derrubadas, mas a longa empreitada tinha apenas sido iniciada. De uma forma geral, mesmo com as novas leituras sobre a histria africana, os esteretipos e preconceitos sobreviviam, agora alimentados por outros combustveis.

    Aps os processos de independncia ocorridos entre os anos 1950 e 1970, a frica passou a ser sacudida por uma srie de conflitos internos, principalmente a partir da dcada de 1980. A situao econmica do continente que no era muito favorvel tendeu a piorar. A repetio dos golpes polticos, o aparecimento de surtos epidmicos, os focos de fome aguda,

    as rivalidades inter-tnicas, passaram a ser apresentadas e divulgadas no apenas nos textos dos tericos e nos discursos dos polticos locais, preocupados com a soluo de seus problemas, mas, tambm em alguns dos mais potentes meios de comunicao de massa que a humanidade j se deparou: a Televiso, o cinema e os jornais.

    Esses problemas, frutos das disporas da escravido, das presenas colonialistas e das contingncias internas da prpria frica aps a Segunda Guerra, transformaram-se em imagens que inundam nossas mentes de forma cotidiana. Quase sempre elas se limitam a representar os esteretipos e deixam de revelar tanto suas histrias como outras faces do continente. a frica da fome, das misrias, das guerras, das epidemias, dos massacres, da Aids, da desesperana. Como se no existissem outras imagens, nas quais a fome, as guerras e a instabilidade poltica no fossem regras.

    No Ocidente, a televiso, com seu noticirio centrado no eixo Nova York Londres -Paris - Tquio, apenas abre espao para a frica para divulgar suas misrias e epidemias. claro que no estamos desconsiderando as emissoras africanas que concentram sua programao nos eventos locais, e nem os programas especiais como a CNN Africa e emissoras especficas como a portuguesa RTP frica. Porm de uma forma geral, nos

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    jornais impressos essa realidade se repete. Tornam-se elementos comuns no imaginrio elaborado sobre a frica, as imagens de sociedades tribais em conflito permanente; cidades desorganizadas e sujas; natureza selvagem e incontrolvel; padres culturais ritualizados e folclorizados; doenas misteriosas e temidas como o vrus ebola ; e comportamentos primitivos, como a crena de alguns grupos sul-africanos de que a violncia sexual

    praticada contra meninas virgens possibilitaria a cura da Aids, ou ainda de algumas sociedades islamizadas do norte da frica que praticam a clitoridectomia59.

    O incmodo no est em se divulgar os problemas enfrentados pelos pases africanos, mas sim de somente fazer referncia frica a partir desses problemas. Por exemplo, no cinema, personagens como Tarzan, imortalizaram a perspectiva de um heri branco entre as matas e habitantes primitivos do continente, alm da idia de uma natureza indomvel e misteriosa. E de certa forma, essa, a introduo Histria da frica que grande parte de nossos alunos, inclusive muitos africanos, experimentam. Dessa experincia, quase sempre,

    eles passam para outra, nas escolas: a do silncio ou da manuteno dessas imagens. Fica evidente, portanto, que preciso mudar a forma e tratar a frica. De sua atual abordagem simplista e superficial nos manuais escolares e escolas para um exerccio de desconstruo desse imaginrio e para a elaborao de um conhecimento mais apropriado e abrangente

    acerca da frica.

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    * Professor de Histria da frica da Universidade Federal do Recncavo da Bahia UFRB. Doutorando em

    Histria pela UnB. 1 Temos conscincia de que o relato e as reflexes que introduzem o captulo no explicam ou dimensionam as

    diversas perspectivas imaginrias acerca da frica, no Mundo Atlntico. Muito menos sintetizam os olhares lanados pelos africanos sobre suas realidades. Porm, servem como ponto de apoio para a apresentao de uma argumentao mais ampla em torno da questo, e so sem sombra de dvidas, reflexos de uma mentalidade, em parte, conjugada pelos no africanos acerca daquele continente. 2 A ltima do Lula, in Correio Braziliense, 8 de novembro de 2003, p. 2, e, Lula viu a frica, in Revista

    Veja, edio 1828, ano 36, n 45, 12 de novembro de 2003, p. 52. 3 A ltima do Lula, In Correio Braziliense, 8 de novembro de 2003, p. 2.

    4 Lula viu a frica, in Revista Veja, edio 1828, ano 36, n 45, 12 de novembro de 2003. p. 53.

    5 HERDOTO. Histria. Braslia, EdUnB, 1988, p. 95 e 361.

    6 Idem, Ibidem, p. 185-6.

    7 Idem, p. 98.

    8 Idem, p. 250.

    9 Acerca das citaes de Homero sobre os aethiops, ver MUDIMBE, Valentim. The idea of Africa. Bloomington;

    Indianapolis, Indiana University Press, 1994, pp. 21-27. 10

    No desconhecemos o grande nmero de relatos e escritos gerados sobre os africanos ao longo da trajetria enfocada que possuem um forte sentido de ambigidade,ao mesmo tempo desqualificando aos africanos e elogiando determinadas caractersticas das sociedades africanas observadas. Sobre a questo ver FAGE, John. A evoluo da historiografia africana. In: Histria Geral da frica: metodologia e Pr-Histria da frica. vol. I. So Paulo, tica; Paris, Unesco, 1982, pp. 43-59, e HORTA, Jos da Silva. A representao do africano na literatura de viagens, do Senegal a Serra Leoa (1453-1508). In Mare Liberum, n 2, pp. 209-339, 1991. 11

    DJAIT, H. As fontes escritas anteriores ao sculo XV. In: Histria Geral da frica: metodologia e Pr-Histria da frica. vol. I. So Paulo, tica; Paris, Unesco, 1982, p. 119. 12

    SANTOS, Gislene Aparecida dos. Idias e Imagens de uma gente de cor preta: selvagens, exticos, demonacos. Estudos Afro-Asiticos, ano 24, n 2, p. 278-9, 2002. 13

    Gnesis, 9: 18-27, In: Bblia Sagrada. So Paulo: edio Clarentina, 2001. 14

    KAPPLER, Claude. Monstros, demnios e encantamentos no fim da Idade Mdia. So Paulo, Martins Fontes, 1994, p. 24. 15

    NORONHA, Isabel. A corografia medieval e a cartografia renascentista: testemunhos iconogrficos de duas vises de mundo. Histria, Cincias, Sade-Manguinhos, vol.6, n.3, p.681-687, nov. 1999/fev. 2000. 16

    SANTOS, Gislene Aparecida dos. Idias e Imagens de uma gente de cor preta: selvagens, exticos, demonacos, op. cit., p. 278. 17

    KAPPLER, Claude. Cosmografia e Imaginrio. In: Op. cit, pp. 48-9. 18

    Ver COSTA E SILVA, Alberto. Os Estudos de Histria da frica e sua importncia para o Brasil. In: A Dimenso Atlntica da frica. II reunio Internacional de Histria de frica. So Paulo: CEA-USP/SDG-Marinha/ CAPES, 1997, p. 14, e, FAGE, John. A evoluo da historiografia africana. In: op. cit., p. 46-7. 19

    HENRIQUES, Isabel Castro. Construo da Histria: Sedimentao das culturas coloniais. In: Os pilares da diferena: as relaes Portugal-frica entre os sculos XV-XX. Lisboa, Caleidoscpio, 2004, p. 15-32. 20

    ZURARA, Gomes Eanes. Crnica dos feitos notveis que se passaram na conquista da Guin por mandado do Infante D. Henrique. Lisboa, Academia Portuguesa de Histria, 1981, p. 108. 21

    Idem, Ibidem, pp. 225-230. 22

    Idem, p. 230, 269 e 350. 23

    CADAMOSTO, Luis. Viagens de Luis de Cadamosto e de Pedro de Sintra. Lisboa, Academia Portuguesa de Histria, 1988, p. 111-112. 24

    Idem, Ibidem, pp. 115-124. 25

    Idem, p. 26-33. 26

    ZURARA, Gomes Eanes. Crnica dos feitos notveis que se passaram na conquista da Guin por mandado do Infante D. Henrique, op. cit., p. 20. 27

    CADAMOSTO, Luis. Viagens de Luis de Cadamosto e de Pedro de Sintra, op. cit., p. 23. 28

    Um dos principais viajantes e historiadores rabes do perodo, Ibn Khaldun, que entre os sculos XIV e XV percorreu o norte africano deixando conceituada obra Prolegmenos - sobre algumas sociedades da regio e questionando as leituras depreciativas elaboradas sobre alguns dos conjuntos socioculturais da rea, criticava abertamente a teoria que ligava clima cor da pele ou compleies fsicas. 29

    M BOKOLO, Elikia. frica Negra Histria e Civilizaes. At ao Sculo XVIII. Lisboa, Vulgata, 2003, p. 232. 30

    LOPES, Carlos. A Pirmide Invertida - historiografia africana feita por africanos. In: Actas do Colquio Construo e Ensino da Histria da frica. Lisboa, Linopazas, 1995, p. 22.

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    31 Ver DIFUILA, Manuel Maria. Historiografia da Histria de frica. In: Actas do Colquio Construo e

    Ensino da Histria da frica. Lisboa, Linopazas, 1995, p. 54, e, FAGE, John. A evoluo da historiografia africana, op. cit., p. 57. 32

    FAGE, J. D. A evoluo da historiografia africana, op. cit., pp. 49-55. 33

    HENRIQUES, Isabel Castro. Virtudes brancas, pecados negros, In: op. cit., p. 299-320. 34

    Sabemos que a Conferncia de Berlim, foi recoberta por uma srie de mitos e falsas interpretaes pela historiografia tradicional. Porm, estamos considerando acima de tudo os debates imperialistas e a disputa entre Portugal e Inglaterra acerca da frica Austral. Sobre os debates acerca da Conferncia de Berlim ver o trabalho de DPCKE, Wolfgang. A vinda longa das linhas retas: cinco mitos sobre as fronteiras na frica Negra. Revista Brasileira de Poltica Internacional, 42 (1): pp. 81-85, 1999. 35

    HENRIQUES, Isabel Castro. Virtudes brancas, pecados negros, In: op. cit., p. 304. 36

    Idem. A (falsa) passagem do escravo a indgena, In: op. cit., p. 285-318. 37

    SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetculo das Raas. So Paulo, Companhia das Letras, 2000, pp. 47-66. 38

    Idem, Ibidem, p. 62. 39

    Idem, p. 58. 40

    BURTON, Richard Francis. The Lake Regions of Central Africa, New York, Dover Publications, 1995, p. 489. 41

    Idem, Ibidem, p. 496. 42

    BURTON, Richard Francis. Mission to Gelede, King of Dahomey. Apud FAGE, John. A evoluo da historiografia africana, In: op. cit., p. 50. 43

    O conceito de tradicional hoje utilizado deve ser relativizado. Trabalhamos com a perspectiva de que as sociedades tradicionais se encontram abertas e, em grande parte das vezes, absorvem os impactos causados pelas mudanas sem maiores transtornos. Porm, naqueles anos a idia recorrente era suposta ausncia de mudanas. Sobre a temtica ver a obra de APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997, p. 155-192. 44

    HEGEL, Friedrich. Filosofia da Histria. Braslia, Editora da UnB, 1995, p.174. 45

    DIFUILA, Manuel Maria. Historiografia da Histria de frica. In: op. cit., p.52. 46

    Estas idias foram expostas numa srie de cursos apresentados pelo professor intitulada The Rise of Christian Europe, ver Fage, John. A evoluo da historiografia africana, op. cit., pp. 43-59. 47

    MUDIMBE, V. The invention of Africa,. Bloomington; Indianpolis, Indiana University Press, 1988, p. 45. 48

    LOPES, Carlos. A Pirmide Invertida - historiografia africana feita por africanos. In: Actas do Colquio Construo e Ensino da Histria da frica. Lisboa, Linopazas, 1995, p. 23. 49

    DIFUILA, Manuel Maria. Historiografia da Histria de frica, op. cit., pp. 54-5. 50

    FREUND, Bill. Africanist History and the History of Africa. In: The Making of Contemporany Africa: The development of African Society since 1800. Bloomington, Indiana University Press, 1984, p. 2. 51

    CURTIN, Philip. Tendncias recentes das pesquisas histricas africanas e contribuio histria em geral. In: Histria Geral da frica: metodologia e Pr-Histria da frica. vol. I. So Paulo, tica; Paris, Unesco, 1982, p. 80. 52

    HOBSBAWN, Eric. A Era dos Imprios. So Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 82 53

    HENRIQUES, Isabel Castro. Artifcios da Histria. In: op. cit., p. 51. 54

    Idem. A inveno da Antropofagia Africana, In: op. cit., p. 241. 55

    Idem. Construo da Histria: Sedimentao das culturas coloniais, In: op. cit., p. 20. 56

    Acerca do tema, ver, entre outros trabalhos, os seguintes: LOPES, Carlos. A Pirmide Invertida - historiografia africana feita por africanos., op. cit., e, WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas bases para o Ensino da Histria da frica no Brasil. In: Educao Anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/03. Braslia, MEC; Secad, 2005, pp. 133-166. 57

    APPIAH, Kwame. In: op. cit., pp. 19-52 e 111-126. 58

    Idem, op. cit., pp. 241-251. 59

    Os recortes de jornal e reflexes abaixo expostos no servem como explicao ou confirmao das imagens que circulam nos meios de impressa nos pases em anlise. So na realidade abordagens locais e no podem ser tomadas como elemento de generalizao. No entanto, elas podem ser pensadas como reflexos ou efeitos de um imaginrio depreciativo de longo alcance, anteriormente comentando.