3
Animais e a Peste Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas. - Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós. - Qual? – perguntou o leão. - O mais carregado de crimes. O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor: - Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum. A raposa adiantou-se e disse: - Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão. Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício. Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência. E o mesmo aconteceu com todas as outras feras. Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz: - A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário. Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra: - Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário. Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimemente eleito para o sacrifício. Moral da Estória: Aos poderosos, tudo se desculpa…Aos miseráveis, nada se perdoa. (Monteiro Lobato)

Os Animais e a Peste

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Os Animais e a Peste

Animais e a Peste

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.

- Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.

- Qual? – perguntou o leão.

- O mais carregado de crimes.

O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:

- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.

A raposa adiantou-se e disse:

- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.

Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.

Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.

E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.

Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:

- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.

Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:

- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.

Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimemente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória: Aos poderosos, tudo se desculpa…Aos miseráveis, nada se perdoa. (Monteiro Lobato)

Sobre o Texto:1. Por que está sendo realizado um julgamento?

2. O leão apresenta-se e confessa seus crimes, mas a raposa defende-o veementemente.a) Que argumentos ela utiliza?

b) Que palavra foi utilizada para caracterizar a raposa?

3. Depois do leão, outros animais se apresentaram. Num certo momento, o narrador utiliza uma ironia para referir-se a uma das feras. Indique a passagem me que isso ocorre.

4. Na confissão do burro, o autor da fábula usou uma palavra que nos transmite, antecipadamente, a noção de que ele é sincero e inocente. Que palavra é essa?

Page 2: Os Animais e a Peste

5. Em relação à confissão do burro:a) Qual é a reação dos animais?

b) Qual é o significado dessa reação?

6. Em relação à raposa:a) Que argumento ela usa para considerar o burro um grande criminoso?

b) Releia com atenção a última fala da raposa e responda: que palavra ela usa para realçar o “crime” do burro e condená-lo definitivamente?

7. Os animais concordaram, unanimemente, com o sacrifício do burro. Como você classificaria essa atitude? Justifique sua resposta.

8. Que tipos humanos os animais representam nessa fábula? Cite o papel de cada um.

9. Analise a frase final, que resume a moralidade da história. Qual é a questão tão central ali exposta?

10. Você diria que essa fábula é atual? Justifique sua resposta. Para ilustrá-la, cite alguns exemplos extraídos do dia-a-dia.

Os Tipos de Discurso

Como você já deve ter notado, na fábula “Os animais e a peste” também temos um narrador onisciente, que relata os fatos já acontecidos (repare no emprego do pretérito perfeito na narrativa e do presente na moralidade, para exprimir uma verdade permanente). Em alguns momentos, porém, esse narrador dá lugar aos animais, e parece-nos que eles estão presentes, falando de viva voz.

Para examinar melhor esses fatos, responda às questões seguintes:

1. “Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:-A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve na horta do senhor vigário.”

a. Indique a parte referente ao narrador e à fala do burro.b. Como você explica o uso dos dois-pontos nesse trecho?c. Que sinal de pontuação é utilizado para indicar a fala do personagem?

2. “-Esta peste é um castigo do céu – respondeu o mono, e o remédio é aplacarmos a cóora divina sacrificando aos deuses um de nós.”

a. Indique a parte referente ao narrador e à fala do personagem.b. Que diferença formal há entre esta passagem e a reproduzida na questão 1?

3. Quando o narrador dá lugar ao personagem, para que este faça uso da palavra, temos o discurso direto. Qual o efeito do discurso direto na narração?

4. A partir das observações acima, defina com suas próprias palavras o que é discurso direto.

O discurso direto

É comum aparecerem declarações de personalidades nos jornais. Nessas situações, é freqüente a utilização do discurso direto, ou seja, o jornal costuma transcrever as palavras dessas pessoas exatamente como elas foram ditas. Veja, por exemplo, esta notícia extraída do jornal Folha de S. Paulo:“Não acredito ainda”, diz Fernanda“Não acredito ainda. Parece que uma outra pessoa está passando por tudo isso, não eu.” Essa foi a reação da atriz brasileira Fernanda Montenegro ao saber de sua indicação ao Oscar de melhor atriz pela sua interpretação em “Central do Brasil” (10/2/99)

Page 3: Os Animais e a Peste