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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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1 – Formação em Letras: Português-Literatura pela FAFIG. Especialização em Língua Portuguesa: Ação e Reflexão pela UNICENTRO – Professora do Quadro Próprio do Magistério-SEED-Pr e participante do PDE 2013. E-mail [email protected] 2 - Mestre em Linguística Aplicada-UEM e professora do Departamento de Letras-UEPG E-mail [email protected]

AS ERVAS MEDICINAIS E OS GÊNEROS DO DISCURSO

Claudia Maria de Melo Venske¹

Eliane Santos Raupp2

RESUMO

A ênfase desta pesquisa está voltada para o entendimento dos gêneros textuais e gêneros discursivos e para a valorização do conhecimento trazido pelo aluno como ponto de partida para o ensino-aprendizagem da língua. Nessa direção abordou-se o uso das ervas medicinais como suporte para a produção escrita. Os pressupostos teóricos de Bakhtin, Meurer e Roth, entre outros autores, fundamentaram as concepções de gêneros textuais/discursivos abordadas nesta pesquisa, a qual consiste em uma metodologia de cunho qualitativo. A pretensão foi a de contribuir para o desenvolvimento do ato de ler, compreender e escrever com proficiência, subsidiar a interação entre professores e alunos ao optarem por temáticas e gêneros que compõem suas produções e, ainda, valer-se da apropriação do conhecimento prévio para a expressão das ideias. O material didático-pedagógico sugere práticas de depoimentos, leitura, pesquisa, compreensão e produção escrita. Por meio da implementação deste material percebeu-se que o tema possibilitou o resgate de um conhecimento acumulado pelas gerações e transmitido de pai para filho, o que consistiu em uma prática de grande importância para a evolução e afirmação do ser humano como alguém que busca e é capaz de produzir conhecimento. A familiaridade com os diversos gêneros do discurso pode ser considerada ferramenta fundamental para a competência discursiva dos alunos. A experiência com alunos do 8º ano revelou resultados significativos de desempenho na leitura e escrita dos sujeitos envolvidos, no que tange ao aprimoramento de suas produções, pois permitiu que estes se apropriassem da fala para expressar suas ideias e seu conhecimento prévio, lendo, compreendendo e produzindo textos escritos nos diversos gêneros do discurso e em diferentes contextos. Palavras-chave: Gêneros textuais. Ervas medicinais. Conhecimento prévio.

INTRODUÇÃO

O trabalho com gêneros textuais na educação básica constitui ação

fundamental nas escolas brasileiras, pois ao se analisar atividades de

interpretação e produção escrita dos alunos é visível a dificuldade por eles

apresentada. Este artigo científico objetiva mostrar aos professores elementos

que podem nortear a prática pedagógica a fim de promover a competência

discursiva do aprendiz no que diz respeito à leitura, compreensão e produção de

diversos gêneros textuais.

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Educar é uma tarefa que cabe à família, à comunidade, aos meios de

comunicação e à escola, muito embora seja esta que se institui como sendo a

grande responsável pela transmissão e sistematização do conhecimento, uma vez

que proporciona ao aluno não só o seu acesso, mas fomenta também o

desenvolvimento intelectual e crítico diante das variadas situações que ocorrem

no meio social, possibilitando a esses alunos agirem de forma conscienciosa,

produtiva e crítica.

A escola enfrenta, atualmente, problemas gigantescos, tais como drogas,

alcoolismo, violência, família desintegrada e alheia às dificuldades de seus filhos,

falta de estímulo, inversão de valores, princípios morais, éticos, religiosos e

sociais relegados, entre tantos outros. Isto tudo vem sobrecarregar as funções da

escola e promover um desencantamento em professores e alunos. O aprendiz,

então, desmotivado e sem perspectivas apresenta graves dificuldades, entre elas,

no momento de escrever, demonstra que não gosta de fazê-lo e que esta constitui

uma árdua e angustiante tarefa.

Na tentativa de reverter este quadro e atendendo ao que salientam as

DCEs (2008, p.15) de Língua Portuguesa ao afirmar que a escola deve incentivar

a prática pedagógica fundamentada em diferentes metodologias, trabalhou-se a

Língua Portuguesa de uma forma mais concreta e reflexiva, por meio do contato

direto do aluno com o objeto de estudo, ou seja, a língua diretamente relacionada

com o que está ao seu redor. Tal ação serve de apoio para o desenvolvimento da

competência discursiva do aprendiz, uma vez que está amparada na

fundamentação teórica de Bakhtin e de seus seguidores, a qual aponta para as

necessidades reais do uso da língua.

Visando a valorização do conhecimento prévio do aluno e de sua família

buscou-se um tema que fosse presente em seu meio. Assim, optou-se pelo tema

“ervas medicinais”, acreditando-se ser este um conhecimento milenar e comum

em seu cotidiano, possibilitando contato entre escola e família.

Este artigo científico apresenta práticas de depoimentos, leitura, pesquisa,

compreensão e produção escrita, a fim de auxiliar o professor no que diz respeito

a um ensino de língua portuguesa em consonância com as concepções de texto e

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de gêneros textuais, e, aos alunos o desenvolvimento da competência linguística

e discursiva no que tange à leitura, reconhecimento, compreensão e produção de

diferentes textos sendo, assim, capazes de utilizá-los nos diversos contextos de

ensino e aprendizagem e ainda como subsídio em seu ambiente de trabalho e em

sua vida pessoal e social.

Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. (BRASIL, 1998, p.23)

Tal como definem as DCEs (2008, p.56) as condições em que a produção

acontece determinam o texto. Assim, entende-se que para que haja o

desenvolvimento da competência discursiva deve haver uma prática de escrita

que considere o leitor, ou seja, que o aluno escreva para alguém e encontre

finalidade ao produzir seu texto.

Dessa forma, a proposta, levando-se em conta essa problemática,

concentrou-se em inserir o aluno como produtor ou interlocutor no circuito cultural

de sua comunidade ou além dela, buscando um trabalho contextualizado capaz

de fornecer subsídios para a identificação das características básicas dos

diversos gêneros discursivos; capaz de contribuir para o aprimoramento da

competência escrita e interpretativa, frente aos diversos gêneros textuais, tanto na

compreensão quanto na produção dos mesmos e ainda sugerir a produção de

diferentes textos sobre o mesmo tema, como encaminhamento para que o aluno

sistematize as características de tais gêneros no momento da produção escrita.

Para efetuar as ações idealizadas nesta prática, optou-se pelo 8º ano E, do

Colégio Estadual Santo Antonio, de Imbituva – Paraná, turma composta por 23

alunos, advindos em sua maioria de localidades do interior deste município, no

período vespertino.

A implementação deste material contou com 60 aulas, desenvolvidas nos

meses de março, abril, maio e encerradas em outubro com a MostraCultural de

2014, realizada pelo coletivo da escola.

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Por meio de uma abordagem interacionista dos gêneros discursivos, no

decorrer do desenvolvimento, buscou-se uma metodologia que primasse pela

concretização do ato de ler, compreender e escrever com proficiência e ainda

subsidiasse a interação entre professores e alunos ao optarem por temáticas e

gêneros que comporiam suas produções.

Paulo Freire (1987) afirma que o homem precisa resgatar sua condição de

sujeito, de “Ser Mais” e isso acontecerá por meio de uma educação que torne

primordial a libertação do homem de sua condição de oprimido e possibilite sua

autonomia. Somente estas condições podem fortalecer o ser humano para que

deixe de ser mero objeto de manipulação.

Durante esta implementação procurou-se garantir condições para que o

aluno aprendesse num contexto em que atuassem pais, equipe escolar,

professor, comunidade e administração pública. O indivíduo precisa se

desenvolver, ser autônomo, como defende Paulo Freire (1987, p.59) “O respeito à

autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que

podemos ou não conceder uns aos outros.”, porém com um complemento

importante: as condições minimamente necessárias para que se ensine este

indivíduo a ter autonomia.

A concepção pedagógica adotada pelos profissionais envolvidos em toda

esta prática é a concepção histórico-crítica, a qual valoriza o método, a forma, o

conteúdo já produzido, a socialização e a elaboração do saber. Fica, então, a

valorização do conhecimento do aluno e de sua família, em particular o trato com

o uso das ervas medicinais, pautado nesta pesquisa educacional. A concepção

histórico-crítica parte de uma abordagem dialética da educação que contribui com

a prática educativa elevada à práxis e privilegia a humanização do homem.

Com o passar do tempo e a partir de estudos sobre a linguagem e a

competência linguística revelou-se grande interesse pelas teorias do discurso. Os

Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) permitiram que, no Brasil, se

realizassem pesquisas a respeito de gênero textual. Assim, essa discussão foi

além do âmbito dos estudiosos e atingiu as escolas.

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Segundo Bakhtin (1997) cada uma das produções traz características

específicas, o que constitui os gêneros do discurso e a partir dessa definição

constata-se que as pessoas adéquam suas produções às situações de uso e às

suas necessidades. Assim considera-se o que, quem e a finalidade daquilo que

se diz para então definir o gênero a se dispor. Pautados nesta teoria deu-se

ciência ao aluno de que os diversos gêneros textuais existem e estão ao seu

dispor para que deles façam uso sempre que necessitem. Bakthin amplia esta

premissa afirmando que “quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais

livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles

nossa individualidade [...]” (BAKHTIN, apud DCEs, 2009, p.53). Marcuschi (2008,

p.154), ancorado em Bakhtin, afirma que os gêneros são inúmeros e que os

indivíduos se submetem a toda sua variedade para realizarem seus propósitos.

Devido a esta gama de situações sócio-discursivas surgem os inumeráveis

gêneros do discurso.

A vida social exige que os indivíduos se comuniquem com competência e

que sejam claros ao expor suas ideias, que saibam adequar a forma comunicativa

às situações diferentes que cada contexto solicita e, principalmente que usem a

forma comunicativa mais sensata em cada situação.

Tais formas constituem os gêneros, isto é, “tipos relativamente estáveis de

enunciados”, marcados sócio-historicamente, visto que estão diretamente

relacionados às diferentes situações sociais. É cada uma dessas situações que

determina o gênero, com características temáticas, composicionais e estilísticas

próprias. Sendo as esferas de utilização da língua extremamente heterogêneas,

também os gêneros apresentam grande heterogeneidade, incluindo desde o

diálogo cotidiano à tese científica. (KOCH, 2013, p.7)

Ao deparar-se com os inúmeros gêneros do discurso constata-se que é

necessário entendê-los. O professor de língua portuguesa deve estar ciente

dessa necessidade e possibilitar as condições necessárias para que seu aluno

conheça e desenvolva a escrita nas várias formas que estão ao seu dispor. E é

partindo dessa convicção que o professor deve repensar a sua prática. Partilham

desse pensamento Meurer e Roth (2002).

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A vida social contemporânea exige que cada um de nós desenvolva

habilidades comunicativas que possibilitem a interação participativa e crítica no

mundo de forma a interferir positivamente na dinâmica social. (MEURER e ROTH,

2002, p.10)

Meurer e Roth, também de acordo com os pressupostos bakhtinianos,

afirmam que as atividades recorrentes nos meios sociais que se valem da

linguagem são determinantes na formação dos gêneros discursivos, de forma

que, ao materializar o discurso, exprimem os anseios e representam a esfera

responsável pela sua constituição. Sendo assim, por meio da linguagem, os seres

humanos efetuam suas ações, valendo-se do ambiente sócio-histórico a que

pertencem e consequentemente criam e recriam os gêneros.

Para entender como se dá a comunicação em uma esfera social, é preciso

investigar os gêneros discursivos usados na interação entre os participantes

dessa esfera, considerando aspectos linguísticos e discursivos que podem ser

percebidos tanto em uma análise microestrutural quanto macroestrutural. Essa

perspectiva pressupõe a existência de uma relação inseparável entre o gênero e

a esfera social em que foi construído, ou seja, entre o texto e o contexto, uma vez

que o texto é a materialização da linguagem de um determinado ambiente social,

no qual essa linguagem desempenha uma função específica. (MEURER e ROTH,

2002, p.117-118)

Para Meurer e Roth (2002, p.41) o uso dos gêneros como instrumento na

sala de aula pode ampliar a qualidade do ensino-aprendizagem tanto para

professores quanto para alunos e defendem o conhecimento de gêneros

específicos para práticas sociais específicas.

Embora haja tipos específicos de textos com características próprias, os

gêneros são diversos e recaem sobre os indivíduos a todo instante. O mundo vive

a era da informação, diariamente as pessoas se deparam com um incalculável

número delas que podem ser transmitidas pela internet, televisão, rádio, celulares,

jornais, revistas, livros, comunicação oral ou visual, etc. Estas informações cada

vez mais fazem parte da vida de modo fascinante, mas também preocupante,

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como supõem Meurer e Roth, pois é necessário avaliar a ideologia contida nos

textos.

Desde muito cedo, somos expostos à leitura dos mais variados tipos de

textos, encontrados em livros, revistas, jornais, ou nas ruas, como avisos,

cartazes informativos e outros. A quantidade de informações que se pode obter

através da leitura é grandiosa e contribui para que essa prática se torne

indispensável para a formação do indivíduo. No entanto, um texto pode ser lido

tanto de uma forma crítica como de uma não-crítica. Ler um texto de uma forma

não-crítica consiste em extrair a informação oferecida sem que se realize uma

reflexão sobre ela. Contudo, ler um texto de uma forma crítica implica uma

conscientização por parte do leitor de que as ideologias nas quais um texto é

baseado podem vir a moldar o comportamento das pessoas. (MEURER e ROTH,

2002, p.177-178)

É importante que cada pessoa desenvolva seu potencial comunicativo, pois

é este o meio de que ela irá se valer para lutar pelos seus direitos e exercer sua

capacidade crítica. Além disso, o indivíduo deve ser capaz de analisar os

conteúdos textuais, reconhecendo e avaliando toda e qualquer forma ideológica

ou relações de poder presentes neles, bem como demonstrar sua posição frente

aos acontecimentos sociais de sua época. É neste momento que surge a

importância dos gêneros do discurso, de conhecê-los e utilizá-los da forma mais

adequada ao que cada ocasião requer.

Muitos educadores se propõem a ensinar a escrever por meio dos gêneros,

afirmando que este método engrandece, valoriza, diversifica o contato e as

possibilidades de se construir bom textos. O aluno tem a oportunidade de

apresentar o que conhece, interpreta, lê e escreve, o que condiz com o método

recepcional referenciado nas Diretrizes Curriculares Estaduais. A partir desse

contato com a diversidade textual, o aprendiz faz inferências, produz, compara,

busca outros textos numa complexa relação de intertextualidade.

A produção de discursos não acontece no vazio. Ao contrário, todo discurso se relaciona, de alguma forma, com os que já foram produzidos. Nesse sentido, os textos, como resultantes da atividade discursiva, estão em constante e contínua relação uns com os outros, ainda que, em sua

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linearidade, isso não se explicite. A esta relação entre o texto produzido e os outros textos é que se tem chamado intertextualidade. (BRASIL, 1998, p.21)

Para Schneuwrly (apud Cereja, 2009, p.15) o gênero textual é uma

ferramenta que permite exercer uma ação sobre a realidade, pois amplia a

capacidade da pessoa e o seu conhecimento a respeito do tema abordado. Os

resultados obtidos a partir da realização deste Projeto de Implementação, entre

eles, a familiaridade com que os alunos leram, interpretaram os diversos gêneros

do discurso mostraram que a produção de textos partindo-se de abordagens

específicas, tais como o trabalho com plantas medicinais, sugerido nesta

pesquisa e vivenciado nesta implementação, tornou o ato de escrever mais

próximo do indivíduo, pois além de escrever com mais eficiência também permitiu

que se conhecesse melhor novas temáticas, neste caso as plantas e o seu uso

cotidiano. A Língua Portuguesa faz parte da vida de todos, é responsável pelas

interações e socializações do indivíduo e está presente em todas as áreas do

conhecimento, por este motivo, fez-se essencial a abordagem de suas relações

interdisciplinares, em especial com Ciências.

Assim, o envolvimento do tema “ervas medicinais com os gêneros textuais”

e o trabalho conjunto com a disciplina de Ciências foi muito propício tendo em

vista a pretensão de envolver a leitura e a produção de textos com algo que

fizesse parte da vida do aluno, ou seja, que estivesse bem próximo e presente no

seu dia a dia. Além disso, este tema possibilitou o resgate de um conhecimento

acumulado pelas gerações e transmitido de pai para filho, o que consistiu em uma

prática de grande importância para a evolução e afirmação do ser humano como

alguém que busca e é capaz de produzir conhecimento. “Cada geração começa,

portanto, a sua vida num mundo de objetos e de fenômenos criados pelas

gerações precedentes”. (LEONTIEV, 1978, p. 265-266).

Para dar continuidade à existência dos indivíduos como seres humanos é

preciso que se valorize o conhecimento já produzido pelos antepassados e, ainda

que se amplie, inove, melhore, adéque tal conhecimento às exigências da vida

contemporânea. Caso contrário este conhecimento se perde e é necessário

recomeçar do zero.

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Para Marx e Engels a história resulta da sucessão de diferentes gerações,

e cada uma dessas gerações se desenvolve a partir das objetivações transmitidas

pelas gerações anteriores.

“A criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do

mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de

comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada”.

(LEONTIEV, 1978, p.272). Desta afirmação entende-se que para se apropriar dos

resultados já produzidos - a leitura, por exemplo - é preciso que estes façam parte

da individualidade e o ser humano passe a fazer parte do mundo circundante

através de outros homens. A educação só existe na relação com o outro, jamais

se dará num processo isolado. Cabe ao adulto (e ao professor), orientar a criança

a compreender e transformar o conhecimento acumulado pela humanidade. Esta

premissa foi grandemente valorizada nesta implementação, tendo em vista que o

aluno investigou junto aos seus familiares, em especial seus avós, a respeito dos

usos dos chás medicinais e de outros remédios para curar machucados e

intoxicações alimentares, acalmar, aliviar dores, e ainda histórias que envolviam

as plantas. Os resultados foram muito significativos tanto do ponto de vista do

conhecimento transmitido por seus antepassados quanto na compreensão e

produção de textos dos gêneros abordados.

A metodologia aplicada a este material procurou aliar o conhecimento do

tema “ervas medicinais” ao trabalho com a língua portuguesa, pois se entende

que este tema está presente no cotidiano do nosso aluno e, portanto, valoriza o

conhecimento prévio trazido por ele como ponto de partida para o ensino e

aprendizagem da língua. Da mesma forma permitiu sua ampliação de forma

progressiva durante todo o período de implementação.

Para tanto, os procedimentos didático-pedagógicos contaram com o auxílio

de tecnologias eletrônicas disponíveis na escola e outras de posse dos alunos,

até mesmo telefones celulares, tendo em vista que tais aparelhos são uma

constante na vida do aluno e devem ser aproveitados pela escola, sendo esta

uma forma de tornar o ensino menos tradicional.

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Cabe, nos próximos parágrafos, descrever a prática didático-pedagógica

que garantiu a práxis, permitiu a articulação entre as disciplinas e efetivou a

aprendizagem do educando.

PRÁTICA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

O material didático-pedagógico implementado, composto por 9 gêneros

textuais, distribuídos em 11 seções, todos apresentados aos alunos, permitiu que

os mesmos lessem, interpretassem, discutissem, analisassem e produzissem

textos dos gêneros estudados.

Atividade que merece destaque nesta proposta de ensino-aprendizagem é

a reescrita, algumas vezes em grupo, realizadas no quadro com a professora e

com muito envolvimento dos alunos, pois eles sugeriam palavras para serem

colocadas ou substituídas no texto, verificavam falhas ortográficas, palavras

repetidas, necessidade de paragrafação, concordâncias e muito mais. Em outros

momentos reescreviam individualmente, para que o próprio aluno percebesse as

possíveis falhas de sua produção e a aprimorasse.

A seguir alguns apontamentos e descrição das atividades no decorrer da

implementação:

- Seção 1 – apresentou-se uma investigação sobre o conhecimento prévio dos

alunos sobre as plantas por meio de conversação, buscando a expressão oral do

educando, sem neste momento sugerir a escrita. Os alunos já demonstraram

familiaridade com o tema, pois conheciam algumas plantas e sabiam para que

serviam, mesmo sem ainda terem, neste momento, conversado com os familiares;

- Seção 2 – Gênero crônica – Fez-se leitura dramatizada, coloriram desenhos e

teceram muitos comentários sobre as personagens e afinidades dos alunos com o

personagem principal da crônica; interpretação, pesquisa, leitura de crônicas,

verificação das características, produção escrita e reescrita;

- Seção 3 - Gênero biografia – pesquisaram biografia dos autores das crônicas e

escreveram a biografia de uma pessoa da família. Atividade muito importante, que

buscou a valorização de um familiar mais velho;

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- Seção 4 – Gênero questionário –os alunos realizaram perguntas aos seus

familiares a respeito de costumes ao usarem plantas medicinais, como também

sobre possíveis histórias que envolvessem as plantas;

- Seção 5 – Gênero entrevista – entrevistas com familiares sobre os costumes em

relação à planta, realizadas pelos alunos; também perguntaram a respeito de

contação de histórias na formação do entrevistado;

- Seção 6 – Gênero relato - alunos e professora trouxeram algumas plantas

medicinais para a escola e contaram como elas são usadas em sua casa, os

alunos relataram todo o processo de busca pela planta até trazê-la para a escola

já plantada em um vasinho. Precisaram também contar o nome e para que servia

a planta, o que exigiu uma pesquisa prévia junto aos familiares. Nesta seção

realizou-se uma reescrita com o envolvimento de todos. Esta atividade deve ser

constante com a produção de texto e é essencial para o aluno perceber erros que

a maioria comente quando escreve;

- Seção 7 - Gênero instrucional – os estudantes trouxeram textos instrucionais de

casa, pesquisaram na internet, produziram textos;

- Seção 8 - Gênero quadrinhos – foi realizada a criação de história em quadrinhos

envolvendo a planta. Este foi um momento de grande descontração, aprenderam

bastante sobre como criar uma HQ, sua estrutura e produziram bons textos. O

desenvolvimento da interdisciplinaridade é indispensável também no gênero

História em Quadrinhos. Trabalhar HQs é muito gratificante, os alunos gostaram

de criar, colorir, divertiram-se. Foi bom ouvir a opinião das crianças, elas mesmas

valorizaram o trabalho.

- Seção 9 - Gênero música – foi grande a empolgação com a música “Alecrim

Dourado”. Aprenderam facilmente a letra, construíram um conceito de música e

segundo diziam: “essa música ficou na minha cabeça”, os alunos ficaram assim,

mais alguns dias cantarolando esta canção que resgata a nossa tradição. A seção

foi muito importante e divertida;

- Seção 10 – Gênero poema – esta atividade exigiu muita atenção e raciocínio

para que o aluno conseguisse montar o poema que recebeu recortado. A leitura

poética e a produção de 18 alunos foram muito satisfatórias. Entende-se que a

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produção de poemas não deve ser imposta, mas deve ocorrer de forma lúdica e

prazerosa. Nesta atividade só produziram os alunos que o fizeram por iniciativa

própria. Os demais ficaram envolvidos com a leitura e a confecção de painéis com

poesias escritas e lidas por eles;

- seção 11- nesta etapa final eles precisaram colocar o conhecimento construído à

prova. Sortearem um gênero a ser lido e identificado e demonstraram muito

interesse e euforia, pois todos queriam responder para testar seu próprio

conhecimento. Assim surgiu a ideia de fazer a mesma avaliação com os visitantes

da Mostra Cultural, realizada com a supervisão dos alunos, os quais premiariam

aqueles que acertassem e dariam explicações sobre os gêneros àqueles que não

identificassem o gênero do texto sorteado. Por fim realizou-se a socialização do

conhecimento e das produções dos alunos do 8ºE com os demais alunos da

escola e com toda a comunidade escolar, por meio de exposição dos trabalhos na

Mostra Cultural.

No decorrer de todo o trabalho descrito neste artigo buscou-se favorecer

meios que permitissem ao aluno ser sujeito, “ser mais”, como preconiza Paulo

Freire. Considerou-se a oportunidade dada ao aluno para exercitar a criatividade

em suas produções, especialmente nos gêneros narrativos. É importante frisar

que o aluno escritor, para obter um bom desempenho nos gêneros que produziu,

esteve ciente de que a produção deveria privilegiar a escrita formal, salvo em

momentos de falas de personagens nos textos narrativos. Precisou também

cultivar algumas habilidades da escrita culta como concordância, ortografia e

pontuação; planejamento e organização do que seria dito ou escrito por

intermédio de esquemas, falas de HQs, roteiros, resumos, reescrita, etc.

Assim, a intimidade com os diversos gêneros do discurso, em diferentes

níveis de complexidade pode ser considerada ferramenta fundamental para a

competência discursiva dos alunos, tanto na modalidade oral quanto na escrita,

em diferentes situações de comunicação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos os procedimentos mencionados nesta implementação visaram à

leitura, identificação, compreensão e produção de diversos gêneros textuais de

forma eficaz pelo estudante. A unidade temática objetivou esclarecer para o aluno

a noção de gêneros textuais e levar o professor a refletir sobre o que priorizar e

verificar se está oferecendo atividades que valorizam também o ouvir e o falar

para desenvolver a habilidade de expressão. Mostrou ainda a relevância de se

oportunizar leitura significativa e contexto de produção escrita estimulante que

levem o aprendiz a transitar entre as diferentes estruturas dos textos como

leitores, críticos e escritores.

Os objetivos desta pesquisa se consolidaram com a implantação de

oportunidades oferecidas ao aluno para que este falasse a respeito do saber

trazido de casa, de sua experiência própria de práticas de leitura e de escrita

priorizando textos relacionados ao tema em questão – ervas medicinais - para

que lesse e escrevesse com interesse, objetividade e compromisso.

Considerando-se o problema da dificuldade com o trato textual

apresentado pelos alunos da Educação Básica, acredita-se na validade de um

trabalho contextualizado e sistematizado, que além de valorizar o conhecimento

prévio do aluno, possibilite um desempenho satisfatório na compreensão e

produção de diversos gêneros textuais. A experiência com alunos do 8º ano

revelou resultados significativos de desempenho na leitura e escrita dos sujeitos

envolvidos, no que tange ao aprimoramento de suas produções e no

envolvimento demonstrado por eles em todas as atividades.

Em síntese, chama-se a atenção de professores de Língua Portuguesa

para a necessidade de se elaborar práticas, troca de experiências, ajustes,

materiais didático-pedagógicos que envolvam o aluno, valorizem o seu saber,

busquem o envolvimento da família, da comunidade e socializem a produção do

aluno em seu meio, visando a desinibição, a elevação da autoestima, o aumento

da autonomia, o entrosamento, o respeito a serviço da interação social

significativa no ambiente escolar e além dele.

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Tal unidade temática permitiu ressaltar o valor dos textos e a função

comunicativa que qualifica cada gênero. Permitiu ainda que o aluno se

apropriasse da fala para expressar suas ideias e seu conhecimento prévio no

decorrer da implementação do material didático-pedagógico, que lesse,

compreendesse e produzisse textos escritos nos diversos gêneros do discurso e

que a partir desta prática se tornasse capaz de concentrar esforços para dar

continuidade à pesquisa e à novas práticas de utilização adequada de cada

gênero em diferentes contextos.

Desta forma, conclui-se que a produção de textos com ênfase nos gêneros

que circulam no meio em que o aluno vive, promove a ampliação de seu

conhecimento através da pesquisa junto aos seus antepassados e desenvolve

sua potencialidade discursiva, além de inseri-lo na comunidade como cidadão

participativo e bem-sucedido do ponto de vista linguístico e discursivo.

Esta produção pode servir de subsídio para o trabalho de qualquer

profissional da educação, pode ser ampliada e adaptada para diversas realidades

educacionais e a diferentes contextos, desde que seja sempre significativa para

aquele que precisa aprender o funcionamento da língua e compreender o poder

do uso discursivo em variados momentos de sua vida social.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da linguagem, São Paulo: Hucitec, 1979. _________. Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Manual do professor. In: Português: Linguagens. 5 ed. São Paulo, 2009. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 9 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

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