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O POTENCIAL TRANSFORMADOR DOS DIREITOS “PRIVADOS” NO CONSTITUCIONALISMO PÓS-88 THE PRIVATE RIGHTS POTENTIAL FOR CHANGE IN THE CONSTITUCIONALISM POST- 88 Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia Mestre e Doutor em Direito Constitucional – UFMG Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Batista de Minas Gerais Professor na Faculdade de Direito do Sul de Minas Endereço para correspondência: Rua São João Evangelista, 786/403. B. Sto. Antônio. CEP: 30330140. Belo Horizonte (MG). Fone: (31)87848288. Resumo: O artigo questiona a afirmação de que os direitos “privados” (também conhecidos como direitos individuais) sejam, atualmente, concebidos apenas como direitos negativos, oponíveis contra o Estado. Mostra mudanças que estes direitos tiveram ao longo da Modernidade, passando por concepções substantivas até uma compreensão discursiva no Estado Democrático de Direito. Exemplifica esse processo com as mudanças no tratamento do direito de igualdade e, especificamente, com políticas de igualação quanto a diferenças de gênero. Ainda, mostra o potencial democrático contido nos direitos privados frente às necessidades do Estado atual de lidar com o risco e a crise. Palavras-chave: Direitos Privados; Estado de Direito; Estado Democrático de Direito; Cidadania; Feminismo. Abstract: This essay questions the statement that says private rights (also known as individual rights) are, currently, conceived just as negative rights, opposable to State. It shows changes these rights have had over the Modernity, going throught substantive conceptions until a discoursive comprehension in the Democratic Rule of Law. It instances these processes with the changes in the deal with equality right and, specifically, with equalization policies regarding gender differences. Moreover, this essay shows the democratic potencial present in private rights before the necessities of the current State to deal whith risks and crises. 1

Os direitos individuais podem ser hoje considerados direitos negativos

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O POTENCIAL TRANSFORMADOR DOS DIREITOS “PRIVADOS” NO

CONSTITUCIONALISMO PÓS-88

THE PRIVATE RIGHTS POTENTIAL FOR CHANGE IN THE CONSTITUCIONALISM POST-

88

Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia Mestre e Doutor em Direito Constitucional – UFMG Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Batista de Minas Gerais Professor na Faculdade de Direito do Sul de Minas Endereço para correspondência: Rua São João Evangelista, 786/403. B. Sto. Antônio. CEP: 30330140. Belo Horizonte (MG). Fone: (31)87848288.

Resumo: O artigo questiona a afirmação de que os direitos “privados” (também conhecidos como

direitos individuais) sejam, atualmente, concebidos apenas como direitos negativos, oponíveis contra o

Estado. Mostra mudanças que estes direitos tiveram ao longo da Modernidade, passando por

concepções substantivas até uma compreensão discursiva no Estado Democrático de Direito.

Exemplifica esse processo com as mudanças no tratamento do direito de igualdade e, especificamente,

com políticas de igualação quanto a diferenças de gênero. Ainda, mostra o potencial democrático

contido nos direitos privados frente às necessidades do Estado atual de lidar com o risco e a crise.

Palavras-chave: Direitos Privados; Estado de Direito; Estado Democrático de Direito; Cidadania;

Feminismo.

Abstract: This essay questions the statement that says private rights (also known as individual rights)

are, currently, conceived just as negative rights, opposable to State. It shows changes these rights have

had over the Modernity, going throught substantive conceptions until a discoursive comprehension in

the Democratic Rule of Law. It instances these processes with the changes in the deal with equality

right and, specifically, with equalization policies regarding gender differences. Moreover, this essay

shows the democratic potencial present in private rights before the necessities of the current State to

deal whith risks and crises.

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Key-words: Private Rights; Rule of Law;Equality; Democratic Rule of Law; citizenship; feminism.

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Sumário: Introdução – Direitos Individuais: concepções formais e substantivas. A diferenciação no

tratamento do direito de igualdade ao longo do tempo. Direitos Individuais e as Reivindicações

Feministas. Direitos Individuais e Risco. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

Introdução – Direitos Individuais: concepções formais e substantivas

Os Direitos Fundamentais, nascidos na consagração de liberdade e igualdade, possuem, desde o

nascedouro, um caráter de universalidade: baseados no caráter inclusivo da "razão" – pois que se todos

os homens são racionais, logo há um critério certo para erigirmos um "todos": "Todos os homens são

iguais por natureza e diante da lei", como proclama o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789.

No entanto, tradicionalmente os direitos individuais foram forjados desde uma leitura “negativa”, típica

do paradigma do Estado Liberal: Direitos Privados. Isso significava, então, que liberdade, igualdade e

propriedade eram asseguradas aos cidadãos contra o Estado. O temor frente à intervenção autoritária

do Estado (ou da Igreja) fez com que se desse prevalência a direitos relativos à autonomia privada, ou

seja, direitos que garantissem o indivíduo contra a intervenção estatal: liberdade, igualdade e

propriedade1.

Em um nível pós-tradicional de justificação, exige-se que as decisões coativas do Estado tenham a

forma do Direito e que este esteja legitimado por sua aceitabilidade racional (cf. HABERMAS, 1998,

p. 202), de forma que as normas tenham nos Direitos Individuais seu limite e, co-originalmente, sua

gênese. Mesmo assim, nesse primeiro momento, a atuação do Estado deveria se restringir àquele

mínimo necessário a garantir os direitos conquistados, isto é, garantir a maior liberdade possível. Essa

era a função da Constituição, desde o paradigma liberal, manter a separação entre indivíduos que

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buscavam livremente seus próprios interesses e o Estado, que visava o bem comum (cf. HABERMAS,

1998, p. 318).

Isso se deu pelo próprio pano de fundo subjacente à noção que os liberais possuíam de Estado. As

Revoluções burguesas do século XVIII colocam em xeque a estrutura absolutista dos Estados

Nacionais, não apenas ao derrubar efetivamente seus déspotas (ainda que esclarecidos), mas também

— e quiçá com maior força — ao pregar princípios como liberdade, igualdade e propriedade, e

conseqüentemente, laissez-faire, laissez-passer.

Ao lado destes havia também os direitos “positivos”, constituídos pelos direitos de participação

política, ainda que, num primeiro momento, esta se circunscrevesse apenas à “melhor sociedade”, nas

palavras de Menelick de Carvalho Netto (2003, p. 14). É dizer, apesar de pregar a liberdade e a

igualdade e de defender a democracia, apenas podiam votar aqueles que preenchessem requisitos

relativos à fortuna pessoal, isto é, o Parlamento, provavelmente um dos maiores símbolos institucionais

dessa nova fase, não apenas era formado quase que somente por grandes burgueses, mas também estes

eram escolhidos praticamente apenas por seus pares. Numa tal conjuntura, decorreu logicamente que as

leis, bem como toda a estrutura estatal, estavam a serviço dessa nova elite; o grande campo “privado”

significava não apenas liberdade de ação mas, de fato, significava exclusão de participação política e de

quaisquer benefícios públicos. “O Direito é a limitação da liberdade de cada um à condição da sua

consonância com a liberdade de todos, enquanto esta é possível segundo uma lei universal” (KANT,

apud CATTONI DE OLIVEIRA, 2002, p. 58).

Na tradição liberal há uma supervalorização da dimensão privada. Aqui o homem, livre das amarras

estatais e eclesiásticas, se realiza no mercado, nas relações privadas com outros homens livres e iguais

(ao contrário da realização republicana a partir da autonomia pública), o Estado, por isso, deve garantir

a maior liberdade aos indivíduos, legislando o mínimo possível.

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Como observa Kühnl (1979), a supremacia do Parlamento liberal burguês significava menos uma

propensão à juridificação da vida privada do que um meio de conter o Executivo (ainda representado,

na maioria dos casos, pelo rei, até então “absoluto”), “para evitar ingerências arbitrárias no âmbito

social e a perturbação da vida econômica, deixadas em mãos dos interesses lucrativos privados do

indivíduo” (KÜHNL, 1979, p. 243). Assim, ainda que houvesse grande ênfase na lei, geral e abstrata,

como expressão da vontade geral e que a todos atingia, indistintamente, a tônica era no sentido de que a

possibilidade do "povo" se dar leis era mais uma garantia contra despotismos/privilégios de classe do

que uma atitude "positiva". A mencionada Declaração Universal de Direitos é muito esclarecedora

nesse sentido. Em seu artigo 4º prescreve: “A lei é a expressão livre e solene da vontade geral; ela é a

mesma para todos, quer proteja, quer castigue; [no entanto] ela só pode ordenar o que é justo e útil à

sociedade; ela só pode proibir o que lhe é prejudicial”.

Numa tal conjuntura o grande campo “privado” significa não apenas liberdade de ação, mas, de fato,

como observa Habermas (1984, p. 30-31), desinteresse pela participação política (em latim, privatus =

excluído). A autonomia privada para os liberais refere-se basicamente a direitos negativos frente ao

Estado e a outros cidadãos, isto é, como dito, direitos fundamentais individuais (liberdade, igualdade e

propriedade). Não se esperava do Estado que “provesse” direitos, exceto talvez segurança, para que as

relações de mercado pudessem se dar livremente.

Na passagem para o Estado Social (após a crise do primeiro paradigma citado, em razão da grande

exploração econômica e à desregulamentação do Mercado, causando pobreza em massa) há uma

releitura de igualdade e liberdade que agora devem ser materializadas em ações positivas do Estado.

Houve aí as grandes intervenções econômico-empresariais do Estado, além da burocratização e

alargamento da prestação de serviços públicos.

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No entanto, a grande promessa do Estado de Bem-Estar – qual seja, materializar os direitos a fim de

criar condições para gerar cidadania – não se efetivou. Ao invés, o que se viu, inclusive nos países onde

ele aparentemente funcionou “melhor” foi a formação de uma clientela dependente do Estado-

Providência; donde se falar em “opressão burocrática e administrativa” (DIAS, 2003, p. 144; cf.

também RABOTNIKOF, 1997, p. 39-40).

O que se percebe é que Direitos individuais não podem ser "bens" a serem "distribuídos" pelo Estado,

pois que assim deixam de ser direitos. Nesse sentido Habermas (1997, p. 99) defende que uma

“liberdade assegurada paternalisticamente significa ao mesmo tempo subtração de liberdade” (sem

itálico no original). E, noutro lugar:

“[A] outra face de um Estado Social mais ou menos bem sucedido, é aquela democracia de massas que toma traços de um

processo de legitimação orientado administrativamente. A isso corresponde, no plano programático, a resignação — tanto o

conformar-se com o escândalo de um destino naturalmente infligido pelo mercado de trabalho quanto a renúncia à

democratização da sociedade” (HABERMAS, 1990, p. 106).

Uma lição muito relevante em países como o Brasil, onde muitos há que ainda insistem em políticas

assistencialistas ou em sua versão mais sofisticada: o tratamento dos Direitos Fundamentais como

“valores”, como “bens” que podem ser “maximizados”, o que reflete uma atitude debitária ainda do

Estado de Bem-Estar, já que este supunha uma homogeneidade social (que lhe possibilitava a

implantação burocrática de políticas) que nunca existiu na Modernidade2.

As críticas ao Estado de Bem-Estar, vindas justamente daqueles países mais bem “sucedidos” quanto já

mostram sua incapacidade de promover a cidadania. Ao lado disso as mudanças econômico-sociais e

tecnológicas do final do século passado tornaram insustentável a operacionalidade da grande máquina

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burocrática. O paradigma estava se dissolvendo e, com ele, a crença nessa posição privilegiada do

Estado (associado com o “público”) sobre os indivíduos (“privado”).

A diferenciação no tratamento do direito de igualdade ao longo do tempo

Michel Rosenfeld (1995, p. 1092-1093) acompanha a mudança de perspectiva no tratamento que o

constitucionalismo dá à “igualdade” (ao longo do que temos chamado de mudança paradigmática). O

Direito Individual da Igualdade, basilar para o constitucionalismo (e para o Direito Moderno) como

temos dito, teria passado por três "estágios". Num primeiro estágio há ênfase na correlação entre

desigualdade e as diferenças, é dizer, à época do feudalismo (bem como, em geral, em toda

Antigüidade Clássica), tinha-se por "natural" diferenças de classes.

Com o as Revoluções burguesas, o Liberalismo e as grandes Declarações de Direitos, consagra-se a

igualdade como identidade. Assim, resguarda-se a igualdade quando todos são considerados como

iguais (formalmente) perante a lei. Há um grande salto aqui, pois é a primeira vez na história da

humanidade que todos são tratados como iguais, pois que dotados de razão.

Essa igualdade formal, no entanto, não resistiu às críticas (como dito acima). A "libertação" das

amarras tradicionais de castas que, em tese, possibilitaria a máxima autonomia da vontade do

indivíduo, acaba apenas por lhe gerar o "direito" de ser explorado em nome dessa mesma liberdade. O

Estado de Bem-Estar Social surge com a meta de "materializar" a igualdade (e a liberdade), livrando-as

de roupagens privatísticas, com o objetivo maior de gerar cidadania – finalidade esta que, como vimos,

também restou frustrado em boa medida. Criar condições materiais de "vida boa" deixa de ser um meio

e passa a ser um fim a ser perseguido pelo Estado.

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Some-se a isso o fato de que a definição de quais ações deveriam ser consideradas – bem como de

quais diferenças deveriam igualmente ser tomadas (para a definição das políticas) –, eram feitas de

forma paternalista, burocrática, em uma palavra: unilateral.

Somente num terceiro estágio avança-se para superar os dois anteriores e redefinir uma igualdade que

reconhece as diferenças, que não as explora por padrões de dominação ou subordinação (cf. SANTOS,

2007:11).

Direitos Individuais e as Reivindicações Feministas

Um exemplo dessa mudança paradigmática sobre o Direito de Igualdade – e que mostra como políticas

unilaterais de bem-estar podem gerar mais exclusão que inclusão – nos é lembrado por Habermas

(2002, p. 235), que apresenta a mudança da pauta de reivindicações do movimento feminista .

Representantes deste reivindicavam “igualdade formal”, à época do Estado Liberal, o que, como

mostramos acima nos referindo ao direito de igualdade em geral, se gerou homogeneização jurídico-

formal, não impediu ou minimizou a desigualdade material, limitando-se a um "nivelamento abstrato

de diferenças" (HABERMAS, 2002, p. 237).

Este é também o diagnóstico que Habermas (2002, p. 236) faz das conquistas do movimento feminista:

"A igualdade formal parcialmente alcançada (...) só fez evidenciar a desigualdade de tratamento factual

a que as mulheres estavam submetidas".

Como dissemos, nos tempos do Welfare State buscava-se que o Estado “materializasse” a igualdade

através de políticas positivas, com leis especificamente criadas para "proteger" a mulher, tomada

pressupostamente como hipossuficiente. Porém, nas últimas décadas do século XX, considerando

fenômenos como a “feminilização da pobreza” devido às medidas protecionistas do Estado, segmentos

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do movimento feminista passaram a reivindicar uma variação das políticas: entende-se agora que a

garantia dos direitos da mulher não deve, como antes, tomar o status masculino (padrão) como um

ideal a que se deve chegar a todo custo. Ou seja, equiparações factuais desse tipo não devem "resultar

em intervenções padronizadoras, a ponto de os pretensos beneficiários verem-se limitados em sua

liberdade de conformar autonomamente a própria vida" (HABERMAS, 2002, p. 235-236).

Habermas (2002, p. 236) mostra que classificações sobregeneralizantes feitas pelo Estado, que não

levavam em consideração situações particulares – nem reivindicações específicas–, pressupunham

"normalidades" que não existiam, o que acabou por "converter as almejadas compensações de perdas

em novas discriminações, ou seja, permitem converter garantia de liberdade em privação de liberdade".

Ao invés de superar padrões sexistas, as burocracias estatais acabavam por reforçá-las. Especificamente

quanto às reivindicações do movimento feminista, políticas tecnocraticamente estabelecidas, por vezes,

produziram o contrário do que se almejava. É o que nos mostra Delamar Dutra:

“os direitos ligados à gestação e à maternidade ao mesmo tempo que protegiam as mulheres, agravavam a dificuldade de

conseguir empregos, devido aos custos desses direitos para o setor de produção. Para que aquilo que é igual seja tratado de

modo igual e o que for diferente de modo diferente, será preciso operacionalizar os aspectos relevantes para instituir

diferenças, sem ferir a igualdade. Para uma compreensão procedimentalista, ‘a concretização de direitos fundamentais

constitui um processo que garante a autonomia privada de sujeitos privados iguais em direitos, porém em harmonia com a

ativação de sua autonomia enquanto cidadãos’” (DUTRA, 2004, p. 79, em itálico no original).

Hoje, em um Estado Democrático de Direito, podemos compreender que as políticas governamentais

devem ser o resultado da problematização discursiva de homens e mulheres, de forma que ações

governamentais referentes a direitos de igualdade por questões de gênero não podem “supor”

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desigualdades fáticas, mas sim considerar discursivamente as condições sob as quais deve haver

igualação e diferenciação: são os afetados pelas decisões que devem definir não apenas as políticas,

mas, antes disso, inclusive definir a linha divisória que será parâmetro para aquelas. Nesse sentido o

movimento feminista percebeu, como nos mostra Nancy Fraser, que "[s]ólo los participantes mismos

pueden decidir qué es uns preocupación común para ellos"3.

Assim é que o paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito percebe que tanto as

posições liberais quanto as socializadoras são "míopes", como esclarece Habermas (2002:237):

“Enquanto se restringir o olhar sobre o asseguramento da autonomia privada, e enquanto isso obscurecer a concatenação

interna entre os direitos subjetivos das pessoas em particular e a autonomia pública dos cidadãos do Estado envolvidos no

estabelecimento dos direitos, então a política concernente ao direito oscilará, desamparada, entre os pólos de dois

paradigmas jurídicos: um liberal, (...) e outro socioestatal, igualmente míope”.

Direitos Individuais e Risco

No paradigma do Estado Democrático de Direito percebe-se que as regularidades construídas

anteriormente eram apenas contingentes (cf. DE GIORGI, 1998:189); ou seja, que as crises e os riscos

que tanto se tentou debelar eram, não só a normalidade, mas também propulsores de novas

mentalidades (cf. KOSELECK, 1999) e da própria democracia.

Não apenas sobregeneralizações, como as apontadas no exemplo de políticas de gênero, mas

complementarmente, supostos de “normalidade” se tornaram igualmente problemáticos nos paradigmas

de Estado Liberal e Social. Isto porque o suposto de “normalidade” toma o risco e a crise como

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elementos episódicos e distorcidos do sistema; entretanto, o que aprendemos é que o risco e a crise são

parte da normalidade do processo de dinâmica social e não epifenômenos.

A condição “aberta” da Constituição brasileira se mostra de forma lapidar no art. 5º, §2º que dispõe que

o — já extenso — elenco de direitos não impossibilita que outros venham a ser incorporados. A

formação da “identidade constitucional” apresenta-se não como um dado, mas como um processo,

como defende M. Rosenfeld (1995), para quem a configuração da identidade da Constituição de uma

comunidade política é um contínuo processo de construção e reconstrução em torno dos princípios

fundamentais do constitucionalismo: liberdade e igualdade. Estes, para poderem ser lidos/relidos (ao

longo da história do constitucionalismo), foram formulados de modo a não terem “nenhuma

consistência semântica: são vazios de conteúdo” (CORSI, 2001, p. 177). Chantal Mouffe (1994) mostra

que a condição básica para a permanência da democracia está justamente em se enxergar a mesma

como um processo que jamais pode chegar a uma conclusão; aliás, alcançar plenamente a democracia

(inclusão e participação de todos numa sociedade formada por cidadãos plenos de direitos e garantias)

é não apenas impossível, mas também representaria justamente trair os ideais próprios da mesma.

“Entre a visão de uma completa equivalência e de uma pura diferença, a experiência da democracia moderna reside no

reconhecimento dessas lógicas contraditórias, bem como na necessidade de sua articulação. (...) [A] democracia será sempre

um devir, um à venir (...). Qualquer crença em uma eventual solução definitiva dos conflitos, assim como no

desaparecimento da tensão inerente à divisão do sujeito com ele mesmo, longe de fornecer o horizonte necessário ao projeto

democrático, efetivamente o coloca em risco. Pois, paradoxalmente, a realização plena da democracia seria precisamente o

momento de sua própria destruição” (MOUFFE, 1994)4.

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Percebe-se que o risco da democracia é permanecer permanentemente aberta à tematização pública, sob

pena de que um fechamento cognitivo — dadas as atuais circunstâncias de acelerada evolução social —

torne suas estruturas obsoletas. Como se questiona Menelick de Carvalho Netto (2004, p. 282): qual

época na modernidade não foi de crise? “A crise, para esse tipo de sociedade, para essa móvel

estrutura societária, é a normalidade” (sem itálico o original).

O pluralismo das sociedades pós-tradicionais torna o risco e a crise componentes normais de suas

estruturas em permanente mudança. Após um primeiro momento em que o risco fora tratado em

oposição à segurança, percebeu-se que a alternativa ao risco não era a segurança, mas graus de

tolerância do mesmo; isto é, aprender a conviver com a normalidade do risco (cf. SANTOS, 1997, p.

277). Esse é um conceito muito importante para nossas sociedades complexas onde coexistem

contrapostas concepções de bem; particularmente quando se pensa no temor do dissenso evidenciado

na constante tentativa de uniformidade da interpretação judicial em nome de uma pretensa segurança

jurídica baseada, em última instância, num conceito ultrapassado de razão, pois que, após Auschwitz,

não há mais lugar para qualquer "confiança essencialista na razão" (HABERMAS, 1998, p. 59)5.

Nesse paradigma uma nova leitura de igualdade e liberdade foi feita, passando-se a conceber a idéia de

direitos “difusos” para além dos tradicionais direitos individuais, políticos, sociais e coletivos.

Não obstante, é bom deixar claro aqui que não estamos falando em uma “terceira geração” de direitos

(assim como não consideramos os anteriores como direitos de “primeira” e “segunda” gerações), como

se tivéssemos um acúmulo de novos direitos que vão se somando. Como mostra Menelick de Carvalho

Netto (2000, p. 480 e 2001, p. 16), na verdade, não é que simplesmente se tenham aglomerado direitos

de segunda geração aos de primeira, o que há é uma “mudança de paradigma que redefine o conceito

de liberdade e igualdade”. Marcelo A. Cattoni de Oliveira (2002, p. 105), também esclarece que “a

cada nova geração, o certo seria que os direitos não são simplesmente alargados, mas, sim, redefinidos

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a cada novo paradigma"; e ainda, que a consideração de uma pretensão como sendo um direito

“individual”, “social” ou “difuso” dependerá da argumentação desenvolvida e pelo contexto de

aplicação.

Dessa forma, os Direitos Individuais aparecem agora sob uma nova roupagem. Sem aquelas notas

características de abstenção e negação de atuação do Estado, nem também o inverso, isto é, sua

releitura socializante, mas igualmente incapaz de encarar o risco ou lidar com a diversidade de

pretensões da sociedade atual.

Os Direitos individuais exurgem sob um complexo sistema de direitos capaz de estar aberto a novas

inclusões (e perceber que, cada nova inclusão é apenas o começo de um processo que apenas tornará

visível novos excluídos também reivindicando por inclusão). Este sistema de direitos garante aos

indivíduos certas liberdades subjetivas de ação segundo as quais eles podem agir em conformidade com

seus interesses. Essas liberdades compreendem a autonomia privada, isto é, “la libertad negativa de

abandonar la zona pública de obligaciones ilocucionárias recíprocas y retraerse a una posición de

observación mutua y de mutuo ejercicio de influencias empíricas” (HABERMAS, 1998, p. 186). Os

indivíduos ficam liberados da pressão inerente à ação comunicativa. O Direito não pode pretender

obrigar os cidadãos a permanecerem todo o tempo na esfera pública de discussão. Os indivíduos têm de

poder escolher quando (e até se) querem fazer uso de sua liberdade comunicativa (cf. HABERMAS,

2000, p. 527)6.

Nesse diapasão, considerando a gênese democrática dos Direitos e a co-originalidade as autonomias

pública e privada, público e privado têm de ser revistos. Como dissemos, o “público” não se resume

mais ao “estatal” e nem o “privado” a “egoísmo individualista”. Assim, entende-se hoje que o exercício

de liberdade e igualdade não mais se opõem somente ao Estado, mas também às grandes corporações

que têm ganhado peso nas decisões sobre os rumos dos Estados Nacionais. E mais, que os direitos

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“individuais” de liberdade e igualdade, se são contrárias entre si (e aos demais direitos) não são

contraditórias. O exercício de uma tem de implicar, complementariamente, o exercício da outra e dos

demais direitos (de forma que, quando utilizada para agredir o direito de outrem, tem-se, na verdade,

um abuso e não o exercício de um direito). Por exemplo, a liberdade pode se promovida pelo exercício

do direito à educação, não no sentido paternalista de que haja pré-requisitos para a cidadania, mas co-

implicação dos direitos (até porque essa educação terá de ser regida, desde o início, pelo princípio da

liberdade).

Somente assim se pode conceber a pretensão de coerência do Ordenamento Jurídico. Uma coerência

que implica também “abertura”, pois os Direitos Fundamentais que compõem nossa Identidade

Constitucional (cf. ROSENFELD, 1995 e PRATES, 2003) apenas poderão continuar a ser o que são

caso essa Identidade estiver sempre aberta a novos elementos, como prescreve o parágrafo 2º do artigo

5º da Constituição.

A idéia de co-originalidade entre as autonomias pública e privada nos é extremamente importante

quando pensamos nos direitos individuais como mecanismo de inclusão de minorias.

Em uma democracia, minorias lutam formulando insumos para o debate público de formação da

opinião. Estes, deixando arenas não institucionalizadas, podem ser filtrados e chegar a arenas formais

de formação da vontade política. Se as decisões vinculantes do Estado são regidas por fluxos

comunicativos vindos da periferia (passando pelas “eclusas” dos procedimentos democráticos

regulados pelo Direito), há que se garantir que esta seja capaz de — e tenha oportunidade para —

rastrear e detectar os problemas latentes de integração social subjacentes no meio social para então

tematizá-los e, procedimentalmente, introduzi-los no sistema político (cf. HABERMAS, 1998, p. 438).

É o que Habermas chama de “modelo de eclusa” da democracia, isto é,

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“para que os cidadãos possam exercer influência sobre o centro, isto é, parlamento, tribunais e administração, os influxos

comunicativos vindos da periferia têm que ultrapassar as eclusas dos procedimentos democráticos e do Estado

Constitucional” (HABERMAS, 1997:87)7.

O entendimento sobre controvérsias publicamente expostas dependerá, segundo a proposta

procedimental-democrática de Habermas, da elaboração “mais ou menos” racional das propostas,

informações e razões e não por imperativos de poder ou imperativos de mercado. No entanto, a

transformação da opinião pública em “vontade” pública (isto é, em decisão vinculante), dependerá de

procedimentos institucionalizados (HABERMAS, 1998, p. 443) do centro (de decisões do poder), num

processo em que a opinião pública poderá influenciar a formação da vontade.

Do entrelaçamento entre o espaço da opinião pública (na sociedade civil) e a formação da vontade

política (no complexo parlamentar e tribunais) surge o que se costuma chamar de política deliberativa.

As diferentes formas de comunicação devem de ser institucionalizadas (procedimentalizadas)

juridicamente para que os cidadãos possam atuar politicamente. É o processo legislativo que reunirá as

diversas formas de comunicação em uma complexa rede de processos de entendimento e de

negociação: ponderação de interesses, auto-entendimento ético e fundamentação moral das regulações.

Tal processo de formação da opinião e da vontade pública deverá

“allende la cuestión pragmática de qué es lo que podemos hacer en orden a realizar tareas concretas, habrá de aclarar en

primera línea tres cuestiones: la cuestión subyacente en la formación de compromisos de cómo poner en consonancia, o

concertar, preferencias que compiten entre sí, la cuestión ético-política de quiénes somos y quiénes queremos de verdad ser

y la cuestión práctico-moral de cómo debemos actuar, es decir, de cómo actuar con justicia” (HABERMAS, 1998, p. 249).

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O procedimento legislativo deve estar sensível ao torvelinho das discussões travadas nos meios não

institucionalizados de formação da opinião pública (Poder Comunicativo). O procedimento judicial,

por sua vez, protege, decide e estrutura os espaços onde se dá a argumentação (sem, contudo, interferir

no conteúdo da argumentação mesma). Assim, esse procedimento une dois outros tipos de

procedimento: jurídicos e argumentativos, abrindo com isso o espaço do discurso de aplicação a razões

éticas, pragmáticas e morais, sem, contudo, quebrar o código do Direito.

Ora, se um certo movimento conseguiu tal feito, ele tem o direito constitucionalmente garantido de

fazer com que o Parlamento "perca tempo" (sic) com seu tema. Isso é democracia!

Qualquer tentativa de fechamento, sob argumentos como “segurança jurídica” ou “governabilidade”

representam o fim dos direitos e não sua proteção, haja vista, como apontamos, a complexidade das

sociedades atuais e o pluralismo a elas inerente. Como mostramos com Chantal Mouffe (acima), numa

sociedade onde o pluralismo se tornou legítimo, não há mais como defender a legitimidade de uma

(pretensa) “vontade geral”. A Constituição é um processo não imune a quedas e que tem de incorporar

a complexidade inerente à normalidade do risco e do dissenso se quiser se perpetuar.

Considerações Finais

A Constituição de 1988 deixa muito claro, na perspectiva mesmo do atual paradigma, que os Direitos

Fundamentais em geral (dentro dos quais estão os direitos individuais, nosso tema aqui) têm aplicação

imediata (art. 5º, parágrafo 1º), provendo o cidadão de uma série de garantias (ações constitucionais e

meios extrajudiciais) visando a proteção daqueles direitos.

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Assim, por um lado, os Direitos Individuais não podem mais ser concebidos como direitos negativos

oponíveis contra o Estado. A uma porque não se constituem apenas em direitos negativos (não atuação

do Estado), mas, ao contrário, podem implicar em exigir-se atuações positivas. A duas, porque o

público não mais se confunde com o estatal, daí que as reivindicações por direitos, por vezes, não se

dirigem contra o Estado, mas contra grandes corporações privadas – reivindicações estas que sequer

dependem do Estado para serem movidas, já que há organismos não-governamentais atuando na defesa

e promoção de direitos.

Por outro lado, os direitos individuais também não são bens, dádivas do Estado paternalista. Direitos

são “trunfos”, como defende Dworkin (2001:107ss.), para quem há uma diferença entre questões de

política (acerca do que é bom para a coletividade), própria de discursos legislativos ou administrativos

e questões de princípio, estes sim, propriamente de Direito, utilizados como “trunfos” na defesa de

direitos fundamentais contra argumentos como “prevalência do bem público” ou razões de Estado (por

exemplo, se não seria melhor poupar o dinheiro público com processos muito longos, sacrificando,

assim, alguns em benefício de um maior número), etc. Direitos Fundamentais não são meras

concessões, mas, exigências públicas: a pretensão de um não pode significar o afastamento do outro,

mas a co-realização de ambos.

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1 É, pois, uma sociedade que rejeita qualquer fundamento religioso que venha querer ditar normas morais ou jurídicas e que possui uma profunda desconfiança para com o Estado e suas instituições (principalmente na Europa recém exorcizada do absolutismo). Como resumiu Tocqueville (1993, p. 164), descrevendo a sociedade americana de sua época: “concebo então uma sociedade onde todos, encarando a lei como sua obra, a amariam e a ela se submeteriam sem constrangimento, onde, ao respeitar a autoridade do governo como necessária, e não divina, o amor dedicado ao chefe de Estado não fosse absolutamente uma paixão, mas um sentimento racional e tranqüilo”. 2 Esta diferença está na base de uma má compreensão dos princípios como comandos otimizáveis, isto é, funcionando sob a mesma lógica que os valores: no caso de conflito, podem ser harmonizados de forma a aplicar cada um “na medida do possível”. Sobre uma defesa da “Jurisprudência dos Valores”, cf. Robert Alexy (2001); para uma crítica, cf. Habermas (2002, p. 355ss. e 1998, p. 328), Marcelo Andrade Cattoni De Oliveira (2002, p. 90) e Alexandre G. Melo Franco Bahia (2005 e 2006). 3 Citado por Habermas (1998, p. 390). Noutro texto acresce: “desde uma perspectiva procedimental de Estado Democrático de Direito: “os direitos subjetivos, cuja função é garantir às mulheres uma organização particular e autônoma da própria vida, não podem ser formulados de maneira adequada sem que antes os próprios atingidos possam articular e fundamentar, em discussões públicas, os aspectos relevantes para o tratamento igualitário ou desigual de casos típicos. É apenas pari passu com a ativação de sua autonomia enquanto cidadãos do Estado que se pode assegurar, a cidadãos de direitos iguais, sua autonomia privada” (HABERMAS, 2002, p. 237). 4 Ver também C. Mouffe (1999:76ss), R. De Giorgi (1998:58), M. Carvalho Netto (2003:154) e Ana P. Repolês Torres (2005:33ss.). 5 Ainda, quanto à globalização, argumenta Habermas (2001, p. 72), “fica cada vez mais evidente a estreiteza dos teatros sociais, o caráter público dos riscos e o enredamento dos destinos coletivos”. Sobre uma redefinição do poder estatal de regulação ou predeterminação do futuro e a questão do risco há vários trabalhos que poderiam ser citados, entre eles podemos lembrar (ainda que com supostos e propostas diversos): Menelick de Carvalho Netto (2004), Anthony Giddens (1991), Niklas Luhmann (1998), M-A. Hermitte (2005), J. J. Gomes Canotilho (2001, p. V-XXX), Jacinto N. de Miranda Coutinho (2003) e Christian G. Caubet (2005). 6 Ao contrário, a liberdade comunicativa é a possibilidade dos indivíduos tomarem posição frente a uma pretensão de validade levantada por outrem, destinada ao entendimento intersubjetivo. Essa liberdade pressupõe uma atitude performativa (obrigação ilocucionária) dos participantes, que querem se entender sobre algo e pressupõem uma tomada de posição do outro. O Princípio Democrático toma a autonomia pública para proporcionar legitimidade ao procedimento legislativo, de forma que o reconhecimento que os cidadãos cobram frente às leis não deve se dar a posteriori, como um “convencimento” (cf. HABERMAS, 1998, p. 192ss.), mas (a priori) durante o procedimento de formação da opinião e da vontade políticas, tanto nos órgãos legislativos, mas também em âmbitos não institucionalizados. Como já dissemos, os sujeitos de direito têm de se reconhecer como autores (autonomia pública) das normas às quais se submetem (autonomia privada). “The public autonomy of the citizen is not conceivable without private autonomy and vice versa; both reciprocally presuppose one another” (HABERMAS, 2000, p. 523). É dizer, o processo de formação da opinião e da vontade política pressupõe o meio que representam os direitos individuais (liberdade e igualdade) para poder se dar, enquanto que, ao mesmo tempo, estes, para existirem, necessitam de um processo legítimo de produção legislativa. Os cidadãos, ao constituírem seu sistema de direitos, devem considerar, pois, a co-originalidade entre as autonomias pública e privada. Assim, se querem regular sua convivência pelo Direito, têm que criar uma “ordem”, que preveja a qualquer membro (atual ou futuro) desta comunidade uma série de direitos subjetivos. Para a feitura de tal “ordem”, Habermas (2003, p. 169) inicialmente apresenta três categorias de direitos que devem ser reconhecidos: “(i) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do direito, que prevê a maior medida possível de liberdades subjetivas de ação para cada um; (ii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do status de membro de uma associação livre de parceiros do direito; (iii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do igual direito de proteção individual, portanto da reclamabilidade de direitos subjetivos”. Mas, se além de se reconhecerem direitos, os membros dessa comunidade também pretendem ser autores dos mesmos (autonomia pública), eles precisam de uma quarta categoria: “(iv) Direitos fundamentais (de conteúdo variável), que resultam da configuração autônoma do direito para uma participação, em igualdade de condições, na legislação política” (HABERMAS, 2003, p. 169). Para que os membros de uma comunidade se atribuam legitimamente direitos subjetivos, necessitam da institucionalização de formas procedimentais de produção desse Direito. No entanto, para que se essa produção se dê de forma legítima, eles devem se reconhecer como pessoas livres e iguais.

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7 Cf. também Habermas (1998, p. 437ss.) e J. Vieira (1997, p. 221-222). Ver ainda J. Faria (1978, p. 107): “a efetiva participação dos diversos grupos nos destinos da sociedade, o desenvolvimento das instituições e o equilíbrio dos sistemas políticos e de seus ordenamentos constitucionais dependem, essencialmente, tanto do fluxo de informações transmitidas e recebidas, como dos mecanismos de aprendizagem e percepção que permitem a captação das necessidades de modernização e entreabrem a dimensão social, política e jurídica das mudanças exigidas”. Os espaços da opinião pública constituem-se numa rede de comunicações intersubjetivas, filtradas para a formação da opinião e da vontade pública. Esses espaços não institucionalizados necessitam, para influir no centro, de pressupostos próprios a uma cultura política (e de socialização) liberal (cf. HABERMAS, 1998, p. 439; ver também p. 197 e 2000, p. 524), até porque são espaços autônomos, em que a formação da opinião e da vontade se dá de forma mais ou menos espontânea — por se darem, por vezes, nos “microdomínios da comunicação cotidiana, apenas de vez em quando condensam-se em discursos públicos e em intersubjetividades de nível mais alto” (HABERMAS, 1987:113). Por sua autonomia e espontaneidade, a estrutura dos espaços públicos pode até ser estimulada, mas escapa em boa medida à regulação jurídica, à intervenção administrativa ou à regulação política. Partindo de interações simples (face a face), os indivíduos têm a possibilidade de tomar postura frente a uma questão, assumindo com isso obrigações ilocucionárias.