Os Sentidos de Educação Nas Crônicas de Cecília Meireles

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    CENTRO DE HUMANIDADES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA APLICADA

    ELISIANY LEITE LOPES DE SOUZA

    OS SENTIDOS DE EDUCAO NAS CRNICAS DE

    CECLIA MEIRELES A PARTIR DOS CONCEITOS DE

    TEMA E SIGNIFICAO

    Fortaleza- Cear

    2013

  • ELISIANY LEITE LOPES DE SOUZA

    OS SENTIDOS DE EDUCAO NAS CRNICAS DE CECLIA MEIRELES A

    PARTIR DOS CONCEITOS DE TEMA E SIGNIFICAO

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em

    Lingustica Aplicada (Posla) do Centro de Humanidades da

    Universidade Estadual do Cear (UECE), como requisito parcial

    para obteno do ttulo de grau de mestre.

    rea de Concentrao: Linguagem e Interao

    Orientador: Dr.Joo Batista Costa Gonalves

    FORTALEZA CEAR 2013

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    Universidade Estadual do Cear

    Biblioteca Central Prof. Antnio Martins Filho

    Bibliotecrio Responsvel Dris Day Eliano Frana CRB-3/726

    S729i Souza, Elisiany Leite Lopes

    Os sentidos de educao nas crnicas de Ceclia Meireles a partir

    dos conceitos de tema e significao / Elisiany Leite Lopes Souza. 2013.

    CD-ROM. 178 f. ; il. (algumas color.) : 4 pol.

    CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7

    mm). Dissertao (mestrado) Universidade Estadual do Cear, Centro

    de Humanidades, Ps-Graduao em Lingustica Aplicada, Fortaleza,

    2013.

    rea de Concentrao: Linguagem e Interao.

    Orientao: Prof. Dr. Joo Batista Costa Gonalves.

    1. Tema e significao. 2. Acento de valor. 3. Educao. 4.

    Crnicas Cecilianas. 5. Sentido. I. Ttulo.

    CDD: 418

  • ELISIANY LEITE LOPES DE SOUZA

    OS SENTIDOS DE EDUCAO NAS CRNICAS DE CECLIA MEIRELES A

    PARTIR DOS CONCEITOS DE TEMA E SIGNIFICAO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Lingustica Aplicada do Centro de

    Humanidades da Universidade Estadual do Cear,

    como requisito parcial para obteno do grau de

    Mestre.

    rea de Concentrao: Linguagem e Interao

    Orientador: Prof. Dr. Joo Batista Costa Gonalves

    Aprovada em: 08/04/2013

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Joo Batista Costa Gonalves (Orientador)

    Universidade Estadual do Cear- IES/UECE

    Prof. Dr. Maria Valdenia da Silva (1 examinadora)

    Universidade Estadual do Cear- IES/UECE

    Prof. Dr. Antnio Luciano Pontes (2 examinador)

    Universidade Estadual do Cear e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-

    IES/UECE e UERN

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, eu agradeo a Deus o dom da vida e a sabedoria na produo deste

    trabalho acadmico, como tambm minha sade mental e fsica, o que me fez sentir apta

    a faz-lo.

    A minha me, Maria Socorro Leite Lopes de Souza, porque soube entender a minha

    ausncia ora estava na universidade ora em alguma conferncia em outro estado; e pela

    compreenso nos momentos mais difceis deste processo. Alm de agradecer ao

    investimento na minha educao e o carinho que me dava nas horas certas.

    Ao meu pai (in memoriam), Jos Lopes de Sousa, por me conceder a vida e os

    ensinamentos, apesar de pouco tempo de convivncia aqui na terra.

    Ao meu professor e orientador Joo Batista Costa Gonalves, por suas sugestes,

    crticas e conselhos muito pertinentes sobre o meu objeto de pesquisa, alm de todas as

    discusses feitas nos nossos encontros e nas leituras orientadas. Se este trabalho

    conseguiu algum mrito, foi tambm por meio do seu olhar bakhtiniano e dialgico que

    me ajudou, acolhendo-me e defendendo-me como um verdadeiro protetor.

    s professoras Sarah Diva e Claudiana Nogueira por suas contribuies e sugestes

    feitas na qualificao.

    A todos os meus professores do Programa em Lingustica Aplicada (Posla) que

    passaram importantes conceitos e apresentaram uma srie de teorias e autores que foram

    fundamentais para a minha formao.

    A todos os meus professores tanto da graduao em Letras/Ingls na UECE como os da

    graduao em Comunicao Social/ Jornalismo, pois devo agradecer sempre a quem me

    ajudou de alguma forma a chegar at este momento.

    Aos grupos de pesquisa dos quais fao parte: NIPRA e GEBACE. Ambos contriburam

    com discusses, palestras, encontros e, principalmente, como poderia esquecer-me do

    Colquio Bakhtiniano (I COCEB) do qual fiz parte do comit de apoio e apresentei a

    minha primeira palestra sobre a minha pesquisa no dia 9 de maio de 2012.

    A Capes, Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior, ao apoio

    financeiro como bolsista. Por causa do financiamento, eu pude me dedicar inteiramente

    pesquisa e participar de vrios congressos, simpsios, encontros e conhecer pessoas

    influentes na minha rea.

    Universidade Estadual do Cear, onde estudei e estudo at o presente momento, por

    ter me oferecido um vasto conhecimento e ter aberto os meus olhos para um mundo

    antes desconhecido.

    As minhas colegas e companheiras de orientao Rafaelle Oliveira e rica de Abreu,

    juntas, formamos o trio da Bakhtin Girls, que depois se ampliou e agregou as ento

  • bolsistas da graduao a Laryssa e a Indira, hoje mestrandas, que trabalharam conosco

    no I COCEB e tambm a Benedita.

    Sem querer esquecer ningum, aos meus colegas e amigos do Posla, sem exceo, para

    que no fiquem magoados, mais especialmente ao Tibrio(UECE) e Dulce (UECE),

    inclusive a secretria Keilliane e o estagirio Pablo, a quem tanto perturbei nesse perodo.

    A todas as pessoas que conheci e me ajudaram de alguma forma na minha pesquisa,

    como o Ailton Srgio (RN), a Andra Costa (OP), a Mayra (UNB), Ana Carolina vulgo

    Carol (USP), Poly (UECE), Emanoel (UECE), Cladia (UFC), a Laura, que amiga da

    Carol e me deu vrias dicas de bibliografias, a Professora e Doutora Dina Maria Martins

    (UECE), que, em vrios momentos, nos fez aprender com risos e de uma maneira

    prazerosa.

    Ceclia Meireles (in memoriam) que, apesar de no t-la conhecido fisicamente, por

    meio de suas crnicas, conheci-a melhor e pude viajar na leitura fascinante de seus

    textos que acabaram me levando a escolh-la como meu objeto de anlise na pesquisa

    que agora apresento.

    Aos membros da banca da dissertao: ao Professor Luciano Pontes, que, em meio a

    tantos trabalhos acadmicos, gentilmente aceitou o convite; e a Professora Valdenia,

    que, com sua tese de doutorado sobre as crnicas cecilianas, ajudou-me a enxergar

    melhor os sentidos construdos neste material literrio, e ainda consentiu em participar

    deste momento to significativo na minha carreira acadmica.

    Enfim, eu sou extremamente agradecida a essas pessoas que atravessaram o meu

    caminho, por transformar a minha ideia em um projeto, e depois neste trabalho de

    dissertao.

  • Dilogo

    Minhas palavras so a metade de um dilogo

    Obscuro continuando atravs de sculos impossveis.

    Agora compreendo o sentido e a ressonncia

    Que tambm trazes de to longe em tua voz.

    Nossas perguntas e resposta se reconhecem

    Como os olhos dentro dos espelhos.

    Olhos que choraram. Conversamos dos dois extremos da noite,

    Como de praias opostas. Mas com uma voz que no se importa...

    E um mar de estrelas se balana entre o meu pensamento e o teu.

    Mas um mar sem viagens.

    Ceclia Meireles

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 ---------------------------------------------------------------------------------- 25

    Figura 2 ---------------------------------------------------------------------------------- 52

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 ------------------------------------------------------------------------------------- 64-65

    Tabela 2-----------------------------------------------------------------------------------105-106

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1---------------------------------------------------------------------------------- 111

    Grfico 2---------------------------------------------------------------------------------- 148

    Grfico 3 --------------------------------------------------------------------------------- 148

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1---------------------------------------------------------------------------------- 107

    Quadro 2 --------------------------------------------------------------------------------- 120

    Quadro 3 -------------------------------------------------------------------------------- 121

    Quadro 4--------------------------------------------------------------------------------- 122

    Quadro 5 -------------------------------------------------------------------------------- 150

  • RESUMO

    Esta dissertao pretende mostrar, a partir dos conceitos de tema e significao

    postulados por Bakhtin/Volochnov (2010), os diversos sentidos que a palavra/signo

    educao assume nas Crnicas de Educao (v.1) de Ceclia Meireles (2001), conforme os acentos apreciativos e ideolgicos a presentes. Para dar conta teoricamente

    da anlise deste material, temos, portanto, como referencial maior os pressupostos de

    Bakhtin/Volochnov (2010), em Marxismo e Filosofia da Linguagem (MFL), bem como

    outras obras do Crculo Bakhtiniano. No intuito de verificarmos as mudanas de sentido

    nas diversas (re)significaes da palavra educao construdas por Ceclia

    Meireles(2001), elaboramos o nosso corpus de anlise com base em dez crnicas do

    livro Crnicas de Educao, textos que tiveram, na dcada de 30, sua publicao no

    jornal Dirio de Notcias em sua coluna diria Pgina da Educao, e posteriormente,

    compiladas em uma srie de livros de cinco volumes. De todo este arquivo de textos,

    escolhemos para nossa pesquisa apenas o primeiro volume em razo de percebermos

    que nesta obra a definio de educao exposta com maior nfase e clareza.

    Observamos na anlise das crnicas de Ceclia Meireles (2001) que a palavra/discurso

    educao definida a partir de uma concepo baseada na filosofia humanstica que

    lidava com os fundamentos do movimento educacional Escola Nova a que a autora

    estava vinculada, o qual, por sua vez, estava em franca oposio ao modelo de educao

    tradicional predominante na dcada de 30. Assim, da anlise feita, constatamos algumas

    definies-tema e significaes mais recorrentes gerados pela entonao do uso da

    palavra educao nas crnicas cecilianas construdos a partir da viso humanstica

    educacional, a saber: educao reconhecer a autonomia humana, que apresenta o sentido de liberdade e autonomia para a educao; educao conhecer a dimenso afetiva do homem, que mostra a palavra educao sendo (re)significada como aprender amar o outro e a si mesmo; educao transformar e adaptar o homem a sua realidade, que redefine a educao como uma soluo ou um remdio para acabar com uma enfermidade e transformar o aluno numa pessoa melhor; educao dar condies para a formao do aluno, em que a educao adquire uma significao de formar o carter e o intelecto do aluno para o mundo, isto , despertar o interesse pelo

    conhecimento; e, por fim, educao a unio entre pais e professores para a cooperao e o equilbrio da escola, que caracteriza a educao pelo trabalho conjunto destes integrantes para transformar o modo de se educar.

    Palavras-Chave: tema e significao; acento de valor; educao; crnicas cecilianas;

    sentido.

  • ABSTRACT

    This paper aims to show, based on the concepts of theme and meaning postulates by

    Bakhtin / Volochnov (2010), the various meanings that the word / sign "education"

    takes on the Crnicas de Educao (v.1) by Cecilia Meireles (2001), according to

    evaluative and ideological accents present there. To account theoretically analysis of

    this material, we have, therefore, as the most referential assumptions Bakhtin /

    Volochnov (2010), in Marxism and the Philosophy of Language (MFL), as well as

    other works of the Bakhtinian Circle. In order to verify the effects of changes in the

    various (re) signification of the word education built by Cecilia Meireles(2001), we

    prepared our corpus of analysis based on ten chronicles of the book Crnicas de

    Educao, these texts had, in the 30s, its publication on the newspaper Dirio de

    Notcias in her daily column Pgina de Educao, and after they compiled into a book

    of five volumes. Of all these texts, we chose for our research only the first volume

    because we realize that in this work the definition of education is exposed with greater

    emphasis and clarity. We observed in the analysis of the chronicles of Cecilia Meireles

    (2001) that the word / discourse education is defined from a concept based on

    humanistic philosophy that dealt with the fundamentals of the New School an

    educational movement that the author was a member, which, on the other hand, this

    method was in open opposition to the traditional model of education prevalent in the

    30s.Thus, in the analysis, we found some definitions-themes most recurring generated

    by intonation of using the word education in Cecilia Meireless chronicles built from the humanistic vision of education, namely: Education is recognizing human autonomy, which presents the sense of freedom and autonomy for education; "Education is

    knowing the emotional side of man", which shows the word education and your

    meaning how to learn to love each other and themselves; "Education is transforming

    and adapting a man to his reality," which redefines education as a solution or a remedy

    to end with a disease and make the student a better person; "Education gives conditions

    to student education" in that education acquires a meaning to form the character and

    intellect of students to the world, that is awake the interest for knowledge; and, finally,

    "Education is the union between parents and teachers for their cooperation and balance

    of school," which education characterized by the work of these members together to

    transform the way to educate.

    Key-words: theme and meaning; evaluative accent; education; Cecilia Meireless chronicles; sense.

  • SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................14

    CAPTULO 1: A PALAVRA SEGUNDO MLTIPLAS PERSPECTIVAS TERICAS

    AVALIADAS SOB O PRISMA BAKHTINIANO

    ....................................................................................................................................19

    1.1 ABORDAGEM DA MORFOLOGIA.............................................................................19

    1.2 ABORDAGEM DA LEXICOLOGIA............................................................................23

    1.3 ABORDAGEM DA SOCIOLINGUSTICA ....................................................................27

    1.4 ABORDAGEM DA LINGUSTICA TEXTUAL .............................................................30

    1.5 ABORDAGEM DA ANLISE DO DISCURSO .............................................................35

    1.6 ABORDAGEM DO DIALOGISMO BAKHTINIANO: PREPARANDO-SE PARA UMA VISO

    DISCURSIVA DA PALAVRA ..........................................................................................39

    CAPTULO 2: OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA VISO BAKHTINIANA ................45

    2.1 A NOO DE SENTIDO............................................................................................46

    2.2 A QUESTO DO TEMA E DA SIGNIFICAO ............................................................54

    2.2.1 SIGNIFICAO....................................................................................................55

    2.2.2 TEMA ................................................................................................................59

    2.3 ACENTO DE VALOR/ APRECIATIVO OU ENTONAO...............................................65

    2.4 PALAVRA E CONTRAPALAVRA..............................................................................72

    2.5 O CONCEITO DE GNERO EM BAKHTIN ................................................................80

    CAPTULO 3: A VISO HUMANSTICA DA EDUCAO PELOS ESCOLANOVISTAS......86

    3.1 O CONTEXTO DA EDUCAO TRADICIONAL..........................................................86

    3.2 A VISO HUMANSTICA DA EDUCAO .................................................................90

    3.3 O MOVIMENTO ESCOLA NOVA ............................................................... .............95

    3.4 ESCOLA NOVA: SEU SURGIMENTO E SUA CONSOLIDAO NO BRASIL ...................100

  • CAPTULO 4: A (RE) SIGNIFICAO DA PALAVRA EDUCAO NAS CRNICAS

    CECILIANAS ...............................................................................................................107

    4.1 CONTEXTUALIZANDO O CORPUS DE PESQUISA......................................107

    4.1.1 Universo da pesquisa exploratria....................................................................107

    4.1.2 Amostra..............................................................................................................108

    4.1.3 Procedimentos de coleta ...................................................................................110

    4.2 UM BREVE RELATO SOBRE A VIDA DE CECLIA MEIRELES ......................................112

    4.2.1 AS CRNICAS DE EDUCAO: UMA RELAO ENTRE A POESIA E A PROSA ...........114

    4.3 ALGUNS SENTIDOS GERADOS PELA ENTONAO NO USO DA PALAVRA

    EDUCAO NAS CRNICAS CECILIANAS PELA VISO HUMANSTICA .......................119

    4.3.1 EDUCAO RECONHECER A AUTONOMIA HUMANA ..........................................123

    4.3.2 EDUCAO CONHECER A DIMENSO AFETIVA DO HOMEM ...............................128

    4.3.3 EDUCAO TRANSFORMAR E ADAPTAR O HOMEM A SUA REALIDADE ..............133

    4.3.4 EDUCAO DAR CONDIES PARA A FORMAO DO ALUNO ...........................138

    4.3.5 EDUCAO A UNIO ENTRE PAIS E PROFESSORES PARA A COOPERAO E O

    EQUILBRIO DA ESCOLA ..............................................................................................142

    CONSIDERAES FINAIS .................................................................................151

    REFERNCIAS .....................................................................................................155

    ANEXOS..................................................................................................................164

  • 14

    INTRODUO

    Ai, palavras, ai palavras,

    que estranha potncia, a vossa!

    Ai, palavras, ai palavras,

    sois o vento, ides no vento,

    e, em to rpida existncia,

    tudo se forma e transforma!

    Ceclia Meireles

    A Lingustica Aplicada, por se caracterizar como um modo de investigao

    transdisciplinar, permite uma anlise da linguagem produzida nas condies reais de uso em

    uma perspectiva interdisciplinar. Nossa pesquisa de dissertao, inserida nesta perspectiva,

    pretende compreender como Ceclia Meireles (2001) organiza seu discurso em um contexto

    histrico-discursivo de modo a verificar sua relao no que se refere ao tema e significao,

    conceitos sugeridos por Bakhtin/Volochnov (2010). Desta forma, partindo do pressuposto

    dialgico bakhtiniano de que todo enunciado, e toda palavra se dirige para o outro,

    compreendemos que os sentidos da palavra, no nosso caso a educao, so construdos na

    relao dialgica que poder nos apresentar os diversos sentidos gerados pelo tema (como

    veremos nos captulos que se seguem).

    Uma vez escolhido o percurso terico que referencia a pesquisa, parte-se para

    saber como a palavra pode ser um objeto de estudo e dar suporte para construir um trabalho

    pautado na teoria bakhtiniana.

    Com respeito palavra, categoria que constitui o material de nossa pesquisa,

    precisamos dizer, inicialmente que, desde que o mundo surgiu, ela veio agregada de um valor,

    diga-se mgico, pois, na Bblia, Deus ao cri-lo disse: No princpio existia o Verbo..., porque

    a palavra o Verbo, e o Verbo Deus" (Joo, 1:1). O homem a utilizou para se expressar e

    comunicar entre a sua gente e com outras pessoas de naes distintas. Com o passar dos anos,

    as palavras foram mudando, se mesclando, se transformando, dando origem a novas palavras,

    consequentemente, a outros significados.

    Fruto deste movimento semntico, a palavra educao acumulou diversos

    significados que ganhou ao longo do tempo. Em qualquer dicionrio de uso comum, por

    exemplo, podemos encontrar o verbete educao cuja acepo, entre outras, traz o conceito

    de transmitir algo a algum, ou ensinar, instruir e educar jovens e crianas. Da se infere

    como a palavra educao, se formos nos basear somente no registro do dicionrio, tem se

    modificado sempre, com o tempo e o meio.

  • 15

    Se, por outro lado, formos examinar a concepo de educao nas teorias

    pedaggicas, perceberamos como esta palavra recebeu diversos sentidos. Um exemplo disso

    a proposta que vigorou por muitos anos e at hoje sobrevive, que a chamada Educao

    Tradicional. Nessa concepo, o professor responsvel pela transmisso dos

    conhecimentos. Ele detm o saber e a autoridade e dirige o processo sem nenhuma interao

    com os alunos. Outra proposta, contrria anterior, a educao humanstica que enxerga a

    educao como algo que tende a proporcionar as condies necessrias para a formao

    humanstica do homem, assegurando-lhe o crescimento ou a adequao de vida;

    desenvolvendo um processo coletivo essencialmente social em que transmite valores,

    conhecimentos, costumes e mtodos com teoria associada prtica na vida do cidado ou da

    cidad; indicando uma diferente viso de mundo e de cultura. o tipo de educao centrada

    no aluno, no qual ele deve participar e interagir tanto na aula quanto no processo de escolhas

    de mtodos, contedos e outros aspectos em comum acordo com o professor.

    Esta ltima concepo foi adotada por Ceclia Meireles (2001) nas suas crnicas

    sobre o assunto. Em vista disso, este trabalho pretende mostrar a definio de educao na

    perspectiva humanstica das crnicas cecilianas e como elas so (re)significadas, gerando

    diferentes efeitos de sentidos.

    No intuito de mostrar a pertinncia da presente pesquisa, podemos afirmar o

    seguinte: em primeiro lugar, como professora e estudiosa da linguagem, percebi o campo

    fecundo entre a educao e os conceitos de dialogismo, de tema e de significao, de

    palavra/contrapalavra e de sentido postulados por Bakhtin/Volochnov (2010) em Marxismo

    e Filosofia da Linguagem, doravante MFL. Assim, tendo como base os fundamentos tericos

    da obra bakhtiniana, buscamos direcionar o foco para a forma como se constri os sentidos da

    palavra educao nas Crnicas de Educao (v.1) de Ceclia Meireles (2001), pautada nos

    conceitos relativos s categorias mencionadas pelos autores acima: tema e significao.

    O interesse pelo tema surgiu, na verdade, desde a minha graduao em

    Jornalismo, quando descobri minha curiosidade sobre a relao entre o tema da educao, a

    comunicao e a literatura, tanto que minha monografia de concluso de curso teve como

    ttulo: A educao como a transformao do indivduo no estudo de caso do filme My Fair

    Lady. Desde essa poca, quis dar continuidade aos estudos nessa perspectiva e, aps a

    concluso do curso em Letras/ Ingls, como pensava em fazer um mestrado acadmico, para

  • 16

    dar continuidade temtica, utilizando-me da teoria do Bakhtin e seu Crculo, a qual

    contemplasse a experincia e as leituras j apreendidas.

    Em segundo lugar, a relevncia desta pesquisa se mostra por ter escolhido um tipo

    de abordagem terica capaz de dar conta da anlise da construo de sentidos nos mais

    diversificados textos, discursos e gneros. De maneira especial, elegemos os elementos da

    obra de Bakhtin/Volochnov (2010) em que observamos o tema e a significao para analisar

    quais sentidos a palavra educao pode assumir nas crnicas escritas por Ceclia Meireles

    (2001).

    Apesar de existirem vrias pesquisas no campo da linguagem com as teorias de

    Bakhtin/Volochnov, poucas enfatizam com maior fora os tpicos tema e significao. Entre

    algumas pesquisas feitas, encontramos algumas dissertaes com temtica similar, como, por

    exemplo: Os mltiplos sentidos do ldico em documentos oficiais do ensino sob uma

    perspectiva das idias bakhtinianas, de Benedito Francisco Alves (2010), Meu destino t

    traado. Vou ser marginal: A construo de sentidos-e-significados sobre a violncia em

    escola pblica, de Miriam Mrcia de Souza Martins (2010) e O Discurso Poltico e o Tema

    Corrupo: Construes Discursivo-Ideolgicas na Relao entre a Vida Pblica e a Vida

    Privada de Michele Viana da Silva (2009). Todavia, nossa pesquisa investiga pontos tericos

    diferentes das pesquisas acima citadas, bem como toma o objeto de anlise material diferente

    dos analisados nos trabalhos apresentados acima. Por exemplo, na dissertao de Alves

    (2010), embora se adote como suporte terico as ideias bakhtinianas, investiga-se a palavra

    "ldico" em documentos oficiais; diferentemente, este trabalho aborda a palavra educao em

    crnicas. A dissertao de Martins (2010), por sua vez, tambm elege o enfoque bakhtiniano

    para a sua pesquisa, mas analisa os sentidos e significados sobre violncia em escolas

    pblicas; como se v, assim como a nossa pesquisa, tambm a construo de sentidos foco

    desta pesquisa, porm, no nosso caso, d-se nfase aos efeitos de sentidos que sero gerados

    pela entonao.

    Em relao constituio do corpus de pesquisa, que so as crnicas de

    educao, de Ceclia Meireles (op.cit.), tivemos contato com a vasta obra literria neste

    gnero, resultado de uma intensa publicao de textos de sua autoria sobre a educao no

    Dirio de Notcias, do Rio de Janeiro, de 1930 a 1933, no qual manteve uma pgina diria

    com entrevistas, noticirios, artigos e uma coluna denominada Comentrio. S nesta coluna,

    h, aproximadamente, 960 textos que foram selecionados e distribudos em ncleos temticos,

  • 17

    os quais foram compilados nos livros Crnicas da Educao em cinco volumes, alm de

    escrever algumas crnicas na coluna Professores e estudantes do jornal A Manh, de 1941 a

    1943. Para esta pesquisa, preferiu-se optar pelo primeiro livro em que a autora conceitua e

    define, nas suas crnicas, o que educao dentro dos dois primeiros ncleos temticos da

    obra, totalizando um corpus de dez crnicas. Na busca por material terico e analtico que nos

    ajudasse a olhar para as crnicas de Ceclia, encontramos a tese As Crnicas De Ceclia

    Meireles: Um Projeto Esttico e Pedaggico, de Maria Valdenia da Silva (2008), que tenta

    averiguar a recepo das crnicas de Ceclia Meireles pelos leitores de hoje, considerando os

    efeitos desencadeados pela experincia de leitura em dois grupos distintos de leitores: os

    alunos de uma escola pblica e os navegadores de um blog, especialmente construdo com as

    crnicas da mesma autora. Para o meu trabalho, especificamente, valho-me do segundo

    captulo de sua tese.

    Sobre a organizao da nossa dissertao, organizamo-la tentando discutir e

    levantar algumas questes, como: I- Como as categorias de tema e significao propostas por

    Bakhtin/Volochnov, em MFL, podem ajudar a entender a construo dos vrios sentidos da

    palavra-discurso educao nas crnicas de Ceclia Meireles? II- Que efeitos de sentido so

    gerados pela entonao ou acento apreciativo no uso do signo educao nas crnicas

    cecilianas? III- Como as crnicas cecilianas ressignificam o conceito de educao a partir de

    uma viso humanstica?

    Com as perguntas traadas, buscamos as respostas que, consequentemente,

    geraram esta dissertao cuja diviso contempla quatro captulos, excetuando a introduo, a

    concluso e os anexos. No primeiro captulo, pautamos a palavra sob mltiplas abordagens,

    tais como: a morfolgica, a lexicolgica, a sociolingustica, a da lingustica textual e a da

    anlise do discurso, submetendo-as todas ao crivo da teoria bakhtiniana. Para s depois,

    adentrar no tpico que mais interessa este trabalho, a viso dialgica da palavra bakhtiniana.

    Para nortear este debate terico, utilizamos alguns autores, como, por exemplo, Bakhtin

    (2010, 2011) e Brait (2010, 2008), Barbosa (1991), Baslio (1989), Biderman (1998), Calvet

    (2002), Faraco (2010), Fiorin (2006), Koch (1997), Monteiro (1991, 2000), Mathews (1993)

    e Pontes (2009).

    No segundo captulo, abordamos sobre os estudos da linguagem luz dos

    conceitos bakhtinianos, em MFL, como o sentido, o tema e a significao, o acento

    apreciativo ou de valor, a palavra/contrapalavra e o gnero do discurso. Para dialogar com

  • 18

    Bakhtin/Volochnov, apresentamos outros autores que seguem o mesmo fluxo de ideias,

    como o prprio Medvidev (2012), membro do crculo bakhtiniano, Clark e Holquist (1998),

    Cereja (2010), Colussi (2008), Dias (2008) e Mari (2008).

    No terceiro captulo, fazemos um breve panorama da educao vigente no comeo

    do sculo XX e pe-se, em evidncia, a nova teoria moderna da educao que teve como base

    criadora as ideias de pensadores como John Dewey (1978) e Claparde (1958) e tantos

    outros. Com a apropriao dessas ideias renovadoras, Ceclia Meireles, Fernando de

    Azevedo, Ansio Teixeira e Loureno Filho e outros pensadores, que assinaram o Manifesto

    dos Pioneiros da Educao, tentavam implantar essa educao no Brasil. Neste captulo,

    fazemos um contraponto entre a educao tradicional e a educao da Escola Nova,

    ressaltando as caractersticas principais da educao humanstica e a origem e a consolidao

    dessa teoria no Pas. Alguns tericos que abrangem essas teorias so: Cunha (1994),

    Claparde (1958), Dewey (1978), Loureno Filho (1974), Libneo (1986), Mizukami (1986),

    Saviani (1991) e Teixeira (1955,1984).

    No quarto captulo, contextualizamos o corpus da pesquisa e seus passos

    metodolgicos, em seguida, retratamos de forma breve a vida e a obra da autora Ceclia

    Meireles (2001), especificamente, o livro Crnicas de Educao (v.1). A partir desse

    momento, conceituamos o gnero crnica traando uma relao com as crnicas cecilianas.

    Depois, partimos para a anlise das dez crnicas da autora escolhidas para constituir o nosso

    corpus, momento em que expomos como a cronista define a palavra educao, gerando

    muitos sentidos e (re)significando esta palavra/educao a partir dos temas que conseguimos

    apreender das caractersticas principais do movimento Escola Nova. Neste momento, nos

    ancoramos nos seguintes autores: Machado (2010), Magaldi (2001), Lbo (2001), Moiss

    (2003), Silva (2008), Todorov (1980) etc.

    Na concluso, expomos os resultados a que chegou nossa pesquisa a partir do

    arcabouo terico adotado. Destarte, levando-se em considerao os conceitos bakhtinianos

    de tema e da significao, pudemos trabalhar a produo e a construo de sentidos da

    palavra educao nas crnicas cecilianas, mostrando como esta palavra/discurso foi se

    modificando em contraposio a uma viso tradicional e gerando outros sentidos, os quais

    foram (re)significados de acordo com a perspectiva filosfico-educacional adotada por

    Ceclia Meireles (2001).

  • 19

    Captulo 1: A palavra segundo mltiplas perspectivas tericas

    avaliadas sob o prisma bakhtiniano

    A Word is dead when it is said, some say. I say it just begins to live that day 1

    Emily Dickison

    Antes de discutirmos sobre a concepo da palavra na viso dialgica da

    linguagem, conceituaremos como a palavra vista por diferentes abordagens nos estudos

    lingusticos, como, por exemplo, na morfologia, na lexicologia, na sociolingustica, na

    lingustica textual, na anlise do discurso, e por ltimo, na perspectiva dialgica do Crculo de

    Bakhtin, na qual nos basearemos para fazer uma apreciao desses pressupostos tericos.

    1.1 Abordagem Morfolgica

    Ao se pensar em palavras, pode-se dizer, com fundamento em Baslio (1989), que

    elas constituem uma srie de unidades menores e que se apresentam em frases e enunciados2.

    H aquelas que se conhecem e se utilizam, e, tambm, as que se sabem que existem, conhece-

    se o seu significado, mas no se utiliza no dia a dia.

    De acordo com Baslio (1989), a palavra uma dessas unidades lingusticas que

    so muito fceis de reconhecer, mas bastante difceis de definir, se tomarmos como base a

    definio na lngua falada. Entretanto, na escrita, no acontece esse problema, pois se pode

    definir como qualquer sequncia que ocorra entre espaos ou sinais de pontuao. As palavras

    eram consideradas como elementos indivisveis, embora pudessem apresentar variaes de

    forma, tais como as flexes nominais e verbais. Quando se comea a formar palavras a partir

    de outras, percebe-se a sua complexidade.

    Segundo o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), no verbete

    morfologia, esse o ramo que estuda a estrutura da palavra. As palavras tm uma estrutura

    interna e, em particular, so constitudas por unidades menores chamadas morfemas3.

    Tradicionalmente, a morfologia divide-se em duas reas principais: a flexo, isto , a variao

    na forma para fins gramaticais de uma nica palavra, e a formao de palavras, a construo

    1 Uma palavra morre quando dita, alguns dizem. Eu digo que ela comea a viver naquele dia.

    2 Enunciados so as unidades reais de comunicao.

    3 Alguns chamam de lexema e outros, de morfema. Morfema qualquer unidade lingustica dotada de forma e

    significao. Os morfemas existem em dois tipos: afixo e raiz. Esta um morfema que pode constituir a base de

    uma palavra. Os elementos que se acrescentam raiz para formar uma palavra so chamados de afixos. Os

    afixos se subdividem em dois tipos, de acordo com a posio de ocorrncia. Alm do prefixo, que se acrescenta

    antes da base para formar uma palavra, e o sufixo, que se acrescenta depois.

  • 20

    de novos verbetes com base nos j existentes. Para dar nfase a essa afirmao, Matthews

    (1993, p. 1) explica que a morfologia :

    [...] morphology as the study of forms of words. Morphology in antiquity, and in nineteenth century: flectional, isolating agglutinating languages.

    Morphology in structural linguistics: fusion of morphology with syntax

    (Bloomfield, Chomsky); and with generative phonolgy4.

    Deste modo, morfologia, para Matthews (1993), um termo simples para o ramo

    da lingustica, que diz respeito s formas das palavras nos diferentes usos e construes. Na

    viso tradicional da linguagem, as palavras so colocadas juntas para formar sentenas. Elas

    diferem umas das outras pelo som e pelo significado. Entretanto, no s as palavras, mas a

    construo e as formas delas variam de uma sentena a outra. Resumindo, a morfologia o

    ramo da gramtica que trata das estruturas internas dos verbetes. Apesar de a palavra ser uma

    unidade at familiar, a noo de sua estrutura interna no o tanto. Para colocar a definio

    num contexto, apresenta-se de uma maneira mais geral em diferentes nveis da lingustica. O

    morfema a unidade, o mnimo, o indivisvel ou o primitivo; a gramtica o estudo dos

    regimes de morfemas dentro de declaraes; e a palavra a melhor parte de uma hierarquia de

    unidades complexas ou no-mnimo, que tambm inclui a frase e a orao.

    O autor acima explica que uma das razes para se estudar a morfologia

    simplesmente esta: a faceta da linguagem que tem de ser descrita e a pesquisa de absorver

    os problemas prticos. Mas os linguistas no esto somente concentrados com descries

    prticas. Todos tambm devem se perguntar quo longe a teoria da morfologia possvel

    chegar.

    Portanto, para se saber o que estuda a morfologia e qual o conceito de palavra

    nessa rea, cita-se Sandmann (1997, p. 15), que, baseado no pensamento de Huddleston,

    assevera:

    As duas unidades bsicas da sintaxe so a sentena e a palavra. A sentena

    a unidade maior da sintaxe: quando nos movemos para cima, alm da

    sentena, passamos da sintaxe para a anlise do discurso; a palavra a

    unidade menor da sintaxe: movendo-nos para baixo, alm da palavra,

    passamos da sintaxe para a morfologia.

    Conforme o trecho acima, a morfologia estuda a estrutura interna das palavras e

    suas relaes com outras palavras dentro do paradigma. Seu objeto de estudo formado nas

    relaes que se podem estabelecer entre elementos que no esto todos presentes ao mesmo

    tempo na frase ou no texto. Diferentemente, Bakhtin e o seu Crculo de Estudos constituram

    4 Morfologia como o estudo das formas da palavra. Morfologia na antiguidade e no sculo XIX: flexionada,

    isolando as lnguas aglutinadas. Morfologia na lingustica estrutural: fuso da morfologia com a sintaxe

    (Bloomfield, Chomsky); e com a fonologia generativa (Traduo livre).

  • 21

    o dialogismo como uma viso de mundo construda com a linguagem por meio dos sistemas

    de signos. Trocando em midos, o dialogismo pode ser considerado a cincia das relaes e

    importante para compreender as representaes como construo do sentido, sendo a palavra

    a governante dessas relaes. A palavra5 no pode ser vista como uma srie de combinaes

    para formar novos verbetes; pelo contrrio, ela deve ser entendida como transbordada de

    ideologias presentes com palavras alheias que se misturam ao contexto histrico, social e

    cultural de uma determinada poca.

    Monteiro (1991) afirma que as palavras so formas livres e no podem existir

    sozinhas em uma comunicao, seno estariam fora de um contexto e no teriam uma

    possibilidade de significados. Toma-se como exemplo a palavra educao dissociada do

    contexto para mostrar como esse tipo de proposta faz a anlise da palavra.

    Por exemplo:

    Educao a) educao (tema)

    b) educ- (raiz)

    c) a- (vogal temtica)

    d) o- (desinncia de gnero)

    Com o exemplo acima, Baslio (1989) assegura que as palavras no so formadas

    apenas por uma simples sequncia de elementos constitutivos; elas so tambm estruturas em

    camadas que podem atingir vrios nveis. O verbete, na viso morfolgica, no formado por

    uma sequncia de morfemas, mas constitudo estruturalmente de uma base acrescida de um

    afixo. A base da construo chamada de radical. D-se o nome de tema ao radical seguido

    por uma vogal temtica, porm este termo s utilizado na estruturao de formas

    flexionadas, como no exemplo acima. A palavra dissociada do seu contexto no pode ser

    analisada dialogicamente como o pensamento bakhtiniano tanto apregoou. Desse modo, ela

    estaria livre de uma interpretao dentro do texto e, possivelmente, no seria utilizada em

    5 Em certos tericos que adotam essa perspectiva para o estudo da palavra, como Monteiro (1991), vemos a

    noo de palavra e de vocbulo ao mesmo tempo e muitas vezes confundimos o que cada um significa. H uma

    mxima que diz assim: Toda palavra vocbulo, mas nem todo vocbulo palavra (MONTEIRO, 1991, p.10). Para alguns tericos da linguagem citados acima, h a distino de que o vocbulo a palavra encarada como

    um conjunto de fonemas, sem se levar em conta a significao ou a funo. Dessa maneira, a palavra seria o

    vocbulo escrito. As palavras representam ideias e contm significado lexical. Alm de serem formas livres, por

    exemplo, nomes, pronomes e verbos.

  • 22

    algum gnero especfico. Pode-se dizer que a morfologia o estudo da estrutura da palavra

    fora do contexto ou do uso.

    Se, por exemplo, pegarmos uma gramtica normativa, veremos que os processos

    de formao de palavras so tratados apenas pelo lado da caracterizao de classes de

    palavras ou categorias lexicais excludas do seu uso em contextos reais de comunicao.

    Geralmente, as palavras evoluem semanticamente juntas como em um todo, porm continuam

    morfologicamente inalteradas. Segundo o que Fiorin (2006) expe, o pensamento de Bakhtin

    sobre a lngua, em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, incluindo a a palavra, tem a

    propriedade de ser dialgica, concluindo que todos os enunciados so dialgicos.

    Como exemplo, a palavra educao, que vem do latim educatione, pode formar

    um conjunto de outras palavras, tais como:

    Grupo da palavra educao {educacional, educar, educacionismo, educador, educandrio,

    educando, educativo...}.

    Por essa teoria, deve-se perceber que em todas as palavras aparece o elemento

    educ-. Os vocbulos desse conjunto so mantidos por um vnculo comum de forma e de

    sentido. possvel notar que as palavras, se esto associadas por esse vnculo de significao,

    no so sinnimas por conterem a raiz e outros elementos que as distinguem umas das outras.

    Esses elementos so afixos, podendo ser ou prefixos ou sufixos.

    Na teoria bakhtiniana, como enfatizamos, as unidades da lngua so completas,

    porm no apresentam um acabamento que permita uma resposta. A palavra, a orao, o

    perodo tm uma completude. Entretanto, isso no viabiliza uma resposta. Quem ir

    responder palavra educao? Mesmo o perodo sendo completo, o enunciado, como uma

    rplica, possui um acabamento especfico que permite uma resposta.

    Logo, a anlise morfolgica consiste na depreenso dos morfemas e de suas

    possveis combinaes na formao de palavras. Essa viso estruturalista, pois estabelece

    formulaes muito gerais que correspondem s formaes j existentes na lngua, sem dar

    importncia ao aspecto usual e dialgico. O morfema definido em relao ao significado,

    criando um problema srio de anlise, pois, no lxico, as palavras apresentam um significado

    global, que no necessariamente uma funo exclusiva do significado das partes.

    Consequentemente, no se pode isolar o significado das partes do significado global, isto ,

  • 23

    muitas vezes tm-se elementos constituintes de palavras que no podem ser definidos em

    termos de significado. O aspecto morfolgico da palavra difere, portanto, do conceito

    dialgico e ideolgico da palavra vista pelo Crculo bakhtiniano, em que a palavra dialoga

    com outras e no pertence somente a si, mas tambm ao outro. Alm disso, nessa perspectiva,

    a lngua, em sua totalidade, concreta, viva e tem a propriedade de ser dialgica.

    1.2 Abordagem lexicolgica

    A lexicologia um ramo da lingustica que estuda as palavras do ponto de vista de

    sua origem, de sua formao, de suas relaes combinatrias, do significado dos sons e

    tambm do sentido. Para Barbosa (1991), a lexicologia6 o estudo do lxico que abrange

    todas as palavras de uma lngua, vistas em sua estruturao, funcionamento e mudana,

    cabendo-lhe, entre outras tarefas: definir conjuntos e subconjuntos lexicais; examinar as

    relaes do lxico de uma lngua com os universos naturais, sociais e culturais; conceituar e

    delimitar a unidade lexical de base a lexia , bem como elaborar os modelos tericos

    subjacentes s suas diferentes denominaes; abordar a palavra como um instrumento de

    construo e deteco de uma viso de mundo, de uma ideologia, de um sistema de valores,

    gerador e reflexo de sistemas culturais; analisar e descrever as relaes entre a expresso e o

    contedo das palavras e os fenmenos decorrentes.

    Diferentemente da abordagem anterior, a partir dessa definio da lexicologia,

    podem-se ver certas caractersticas em comum com as ideias bakhtinianas, por exemplo: a

    palavra vista como instrumento de construo, provavelmente, do sentido e tambm

    portadora de uma ideologia, podendo ser dominante ou do cotidiano. Entretanto, a lexicologia

    no investe com muita fora no aspecto ideolgico que a palavra veicula. Por meio desse

    sistema de valores, podem-se refletir ou refratar essas relaes sociais, o significado das

    palavras e os fenmenos que delas surgem. A principal diferena, possivelmente, que, em

    um verbete do dicionrio, quase impossvel trazer toda a gama de significados reais de

    qualquer palavra, pois a palavra dialoga com outras palavras/contrapalavras ou discursos em

    diversos contextos histricos, sociais e culturais.

    6Esta disciplina estuda o lxico, mas h vrias perspectivas de se estudar o lxico, como, por exemplo, a

    Lexicografia Terica, a Lexicografia Prtica, a Lexicografia Discursiva, a Lexicografia Computacional, a

    Lexicografia Pedaggica e outras. A nossa proposta no nos debruarmos com tanto afinco nessas subdivises

    dessa cincia, mas apenas esclarecer o que, de fato, ela estuda e suas semelhanas e diferenas com a abordagem

    dialgica.

  • 24

    O lxico7 se define como um conjunto de palavras, vistas em suas propriedades,

    como: as sintticas, morfossintticas, pragmticas, informaes etimolgicas, conforme

    Pontes (2009). Entretanto, no se constitui somente de palavras, mas tambm de unidades

    menores que servem para formar novos verbetes, como, por exemplo, radicais, prefixos e

    sufixos.

    A lexicologia, atualmente, ocupa-se dos vocbulos e vocabulrios das diferentes

    normas lingusticas. Com o objetivo de produzir um dicionrio8, a produo lexicogrfica tem

    por finalidade obras terminolgicas/terminogrficas9. Segundo o Dicionrio de Linguagem e

    de Lingustica (2004), na abordagem lexicogrfica, as palavras so agrupadas conforme o

    sentido palavras que diziam respeito s atividades da fazenda, aos nomes de frutas, etc.

    A cincia da lexicologia tem estudo conectado a outras reas, tais como a

    morfologia lexical e a semntica lexical, uma vez que o lxico no somente uma lista de

    palavras, mas se organiza a partir de dois planos: o do sentido e o da forma, conforme Pontes

    (2009).

    Com esse mesmo ponto de vista, Krieger e Finatto explicam que:

    Considerando que a constituio da palavra reside em essncia, na dualidade

    forma/contedo, o que pressupe ainda a funcionalidade das unidades

    lexicais, a Lexicologia relaciona-se intimamente com a gramtica, em

    especial com a Morfologia, envolvendo a problemtica da composio e

    derivao das palavras, da categorizao lxico-gramatical; bem como se

    7 De acordo com Biderman (1978), os estudos lexicogrficos datam da Idade Mdia no mundo Ocidental. Indo

    mais longe, remontam aos gregos e romanos, se considerarmos os trabalhos de fillogos dos clssicos gregos.

    Com o sculo XX, apareceram mais trabalhos lexicolgicos. 8 Conforme o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), no verbete de lexicologia geralmente o dicionrio

    apresenta um repertrio de palavras organizadas por ordem alfabtica para ajudar na consulta. Dentro dele h

    informaes gramaticais, semnticas, pragmticas e outras. 9 Afinal, qual seria a diferena entre a lexicologia, a lexicografia e a terminologia? A lexicografia parte de uma

    lista de palavras pra constituir uma obra lexicogrfica no caso, os dicionrios e as descreve por meio de definies. Na terminologia, tem-se uma lista de conceitos e procura-se a denominao para cada um. A

    lexicologia tem por fim definir um vocbulo com a funo de decodificar. Em Castillo (1995), h dois elementos

    que formam a estrutura da obra terminogrfica: a macroestrutura e a microestrutura. A primeira se divide em

    parte introdutria, corpo da obra e anexos. J a microestrutura o conjunto de elementos e a disposio interna

    que apresenta cada um dos artigos que compem a obra lexicogrfica. Devem compreender o dicionrio

    terminolgico monolngue os seguintes pontos: lema, informao gramatical, definio e notas. Ou tambm

    informaes nominais ou outra especificao verbal. Para a melhor estrutura na microestrutura do dicionrio

    seria: ter o nmero de ordem consecutivo, o lema, informao gramatical, ndice de confiabilidade, definio,

    vocbulos relacionados, equivalentes e algumas observaes.

  • 25

    vincula aos enfoques sobre a estruturao dos sintagmas, alm das relaes

    com a Semntica (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 45).

    De acordo com a citao acima, a palavra possui uma forma e transmite um

    contedo, ou seja, possui um sentido. No momento, no se exige que esse sentido seja algo

    mutvel, mas pelo menos a palavra j apresenta um carter semntico. O campo da

    lexicologia pode ampliar ainda mais, por exemplo: [...] uma disciplina que combina em si

    elementos de etimologia, histria das palavras, gramtica histrica, semntica, formao de

    palavras [...] (HAENSCH; OMEACA, 2004, p.34). Os estudos do lxico passaram a ser

    analisados em anncios, notcias, textos (bate-papos) publicados em vrios segmentos. Desse

    material de anlise, surgem sentidos e se revelam aspectos nunca antes estudados. Ao

    contrrio da abordagem morfolgica, com a lexicologia, a palavra comea a ser vista

    contextualmente, modificando os significados por carregar as ideologias de quem a utiliza por

    intermdio dos gneros citados.

    A lexicografia expressa em outras palavras da mesma lngua o contedo

    significativo ou conceitual do definido. Resumindo, o objetivo da definio lingustica

    distinguir de maneira clara as noes diferentes. Referente a esse tema, segue abaixo um

    exemplo do verbete da palavra educao10

    do primeiro dicionrio do Brasil, o Vocabulrio

    Portuguez e Latino 11 de Bluteau, publicado entre 1712 e 1728, que abrangia 10 volumes

    digitalizados pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de So Paulo (USP):

    Figura1: definio da palavra educacam.

    10

    Optou-se por colocar uma acepo da palavra educao mais antiga, pois no captulo de anlise h a acepo

    da educao mais atualizada. 11

    O dicionrio foi digitalizado pelo IEB e pelo site da USP e nele conseguiu-se acessar o verbete educacam. Essa era a forma escrita do primeiro dicionrio brasileiro e, para dar mais originalidade, optou-se por deixar no

    modo arcaico.

  • 26

    Como se pode notar, o dicionrio obsoleto e, mesmo digitalizado, h algumas

    palavras que no se conseguem entender por conta da escrita antiga. Ele dividido em duas

    partes: uma definio em portugus e a outra em latim. A educao, para esse dicionrio,

    cuidar de outra pessoa e educ-la, isto , d-lhe uma boa educao, tanto a do corpo como a

    do esprito. Bluteau faz uma referncia ao poeta Turco ao afirmar que as crianas so como as

    pedras tortas e precisam ser lapidadas para brilharem como sol. O autor cita o exemplo da

    educao de um prncipe. Ele coloca referncias a outros termos e tambm respectiva

    pgina. Da se infere que no existe dicionrio neutro, assim como no existe palavra neutra,

    como diria Bakhtin/Volochnov (2010), pois quem produz possui uma ideologia. Apesar de

    hoje serem as tecnologias que auxiliam no processo de construo dos dicionrios, o homem

    ainda comanda esse processo, e se inscreve ideologicamente nessa construo.

    Na avaliao das palavras do dicionrio, Castillo (1995) explica que a anlise do

    contexto tem como objetivo fundamental estabelecer o conceito expressado por uma unidade

    de denominao. Agora, com essa afirmao, podemos traar uma relao com a viso

    dialgica da palavra bakhtiniana, pois o contexto/texto serve para se verem alguns dos

    mltiplos significados por exemplo, o da palavra educao.

    No que diz respeito acepo de um verbete lexicogrfico, ele pode ser simples

    (monossmico), constitudo por uma s acepo (uma definio); e complexo (ou

    polissmico), com mais de uma acepo (vrias definies). Para Pontes (2009), a acepo12

    o sentido que adquirem as palavras, ou seja, no se catalogam todos os sentidos existentes,

    somente aqueles fixados pelo uso.

    Como aponta Biderman (1998), o vocabulrio exerce um papel crucial na

    veiculao do significado. A informao veiculada pela mensagem faz-se por meio do lxico,

    das palavras lexicais que fazem parte do enunciado. Assim, o lxico o lugar do

    conhecimento sob o rtulo de palavras. Porm, como diria a viso bakhtiniana e de seu

    Crculo russo da linguagem, as palavras dialogam umas com as outras. Para a construo do

    sentido, as palavras precisam de um contexto para significar.

    Pontes (2009, p. 214) comenta esse fato:

    12

    A acepo no definio. Esta pode ser enunciada como a verbalizao de cada uma das acepes mais

    usuais da palavra-entrada, seguida dos princpios estabelecidos pela lexicografia tradicional, sendo os mais

    conhecidos e o da identidade funcional e o da sinonmia.

  • 27

    Com efeito, as palavras de uma lngua no podem ser consideradas como

    isoladas, descontextualizadas, por isso hoje existe um consenso em torno da

    necessidade de que apaream exemplos de uso nos dicionrios e, inclusive,

    amplie-se o nmero de combinaes lxicas, compreendendo a as locues,

    colocaes, frases-feitas etc.

    Por fim, termina-se este tpico tentando-se mostrar que os significados das

    palavras do dicionrio soltas sem nenhum texto/contexto, no so capazes de, de fato, mostrar

    os sentidos construdos contextualmente e, por isso mesmo, tal abordagem segue na

    contramo da teoria dialgica da linguagem, em que o enunciado tocado pela conscincia

    dialgica em torno de um objeto de enunciao, no podendo deixar de ser participante ativo

    do dilogo social. Com a concepo dialgica, a anlise histrica dos textos deixa de ser a

    descrio de uma poca (como os exemplos dos dicionrios antigos) para se transformar numa

    grande anlise semntica, que vai mostrando todo o percurso.

    1.3 Abordagem da sociolingustica

    Para Robin (1973), a sociolingustica13

    o estudo das relaes entre a lngua e a

    cultura (o pensamento bakhtiniano tambm considera o aspecto da cultura) no sentido mais

    largo do termo ou a cincia que estuda a lngua em seu uso real, levando em conta as relaes

    entre a estrutura lingustica e os aspectos sociais e culturais da produo lingustica, como

    apontam Cezario e Votre (2008). Essa abordagem trata a lngua como uma instituio social e

    deve ser analisada dentro do contexto situacional, cultural e histrico.

    A sociolingustica tem como funo primordial o carter da covariao das

    estruturas lingusticas e sociais e eventualmente estabelecer uma relao de causa e efeito,

    partindo do princpio base de que a variao e a mudana so inerentes lngua. O estudioso

    dessa cincia se interessa pelas manifestaes e as variedades da lngua. Robin (1973, p. 56)

    salienta que: A sociolingustica tem um sentido: o de um acesso radicalmente

    intralingustico s mediaes da vida social.

    Faraco (2010) conta que, na dcada de 60, a criao da sociolingustica14

    veio

    acrescentar uma relao mtua e sistemtica entre as formas gramaticais e a estrutura social.

    13

    O termo sociolingustica foi cunhado em 1950 para especificar as ideias que os linguistas e socilogos

    mantinham em relao s questes da linguagem e da sociedade e sobre o contexto da diversidade lingustica,

    segundo Monteiro (2000). 14

    Anteriormente criao da sociolingustica, o Crculo de Bakhtin, na dcada de 20, apontava para uma

    estratificao no simplesmente e somente de formas gramaticais, mas para uma estratificao dada por

    diferentes axiologias, dada pelo processo scio-histrico de saturar a linguagem de ndices sociais de valor, de

  • 28

    Como resultado, h um grau maior de percepo da complexidade das lnguas, isto , elas

    passam a ser vistas como um complexo emaranhado das diferentes estratificaes,

    emaranhado em que se correlacionam as variaes geogrficas, sociais e temporais. Ela se

    estabeleceu nos Estados Unidos devido ao mais conhecido terico William Labov.

    Essa teoria da variao consiste em coleta e codificao de dados para observar as

    variaes que ocorrem durante certo perodo em um determinado lugar. Quais palavras so

    usadas em um povo e quais no so usadas ou certas expresses, grias, regionalismos etc.

    Desse modo, a sociolingustica consegue medir o nmero de ocorrncias de usos da variante e

    saber como ela continuar ou no num futuro prximo. Entretanto, mais importante que

    analisar palavras e expresses isoladas compreend-las no contexto ou na comunicao do

    dia a dia, saber quais ideologias esto imbricadas nelas e se so utilizadas em algum gnero.

    O estudo dos processos de variao e mudana permite estabelecer trs tipos

    bsicos de variao lingustica, conforme Cezario e Votre (2008, p. 144-145):

    I) Variao regional: associada a distncias espaciais entre cidades, estados,

    regies ou pases diferentes; a varivel geogrfica permite opor, por

    exemplo, Brasil e Portugal; II) variao social: associada a diferenas entre

    grupos socioeconmicos, compreende variveis j citadas, como faixa etria,

    grau de escolaridade, procedncia etc.; III) variao de registro: tem como

    variantes o grau de formalidade do contexto interacional ou do meio usado

    para a comunicao, como a prpria fala, o e-mail, o jornal, a carta etc.

    Na parte social esto as diferenas lingusticas verificadas com a comparao

    entre o dialeto padro o correto, superior e os dialetos no padres incorretos, inferiores.

    A variante padro transmitida pela sociedade e ensinada na escola, tanto pelos que a

    utilizam como pelos que gostariam de utiliz-la. Entretanto, dependendo da situao, o falante

    deve usar a linguagem adequada ao contexto em que se encontra. Por exemplo, em uma

    palestra, deve-se utilizar a linguagem formal (portugus culto), escolher as palavras certas

    para que a mensagem seja passada com eficcia. Mas, ao escrever um e-mail, pode-se utilizar

    a linguagem informal com palavras simples, reduzidas e ou grias, dependendo de com quem

    se fala, especialmente se for uma pessoa amiga ou conhecida. Em uma mesma comunidade

    lingustica, existem usos diferentes, no havendo um padro de linguagem que possa ser

    considerado melhor do que outro. O que determina a escolha de uma variao ou outra a

    acordo com Faraco (2010). Todo esse universo de variedades formais est atravessado por outra estratificao,

    que dada pelos ndices sociais de valor oriundos da diversificada experincia scio-histrica dos grupos

    sociais.

  • 29

    situao real da comunicao e a possibilidade de a lngua expressar a variedade cultural

    existente em qualquer grupo.

    Partindo do mundo real para a fico, na obra Pigmalio de Bernard Shaw, tem-se

    uma jovem que fala o ingls incorreto e um professor de fontica que tenta ensin-la a falar

    correto. Seus mtodos so bem tradicionais e consistem na repetio e na memorizao de

    palavras difceis, frases e sentenas relacionadas ao clima e poltica. Para Calvet (2002), a

    hipercorreo mostra a insegurana lingustica, pois se considera a sua fala como pouco

    desprestigiosa e tenta imitar a forma mais prestigiosa. Dessa maneira, percebe-se o discurso

    da sociedade inglesa do comeo do sculo XX, que considera errado falar algum outro

    dialeto em vez de usar o ingls padro. No embate, h o conflito entre a linguagem da

    populao e a linguagem da elite, sobrepondo a lngua padro, a mais correta, lngua

    desprestigiada. No que diz respeito ao dialogismo, h um permanente dilogo que nem

    sempre harmonioso, pois retrata os diversos discursos de uma comunidade, de uma cultura e

    de uma sociedade. Brait (2008) toma o dialogismo como relao entre o eu e o outro nos

    processos discursivos instaurados na histria pelos prprios sujeitos e tambm instaurados

    por esses discursos.

    Calvet (2002) explica que a sociolingustica parte da ideia de que a lngua reflete a

    sociedade. Entretanto, ele tambm questiona em uma pergunta como possvel essa relao:

    Mas como a lngua, uma lngua, poderia refletir a sociedade quando ela plurilngue?

    (CALVET, 2002, p. 119). A soluo apresentada por ele sair da lngua e partir da realidade

    social. Marcellesi e Gardin (1974) afirmam que a lngua e a palavra so interdependentes e

    que poderia se falar de uma lingustica da palavra. A palavra um ato de vontade e de

    inteligncia, isto , a manifestao do indivduo como tal. Monteiro (2000) mostra que a

    lngua estabelece contatos sociais e o papel social por ela desempenhado de transmitir

    informaes sobre o falante constitui uma prova de que existe uma relao entre lngua e

    sociedade.

    Algumas palavras podem ter sua prpria histria, o que comprovado por

    pesquisas labovianas, em que a mudana afeta as classes de palavras e tambm os fonemas. A

    palavra tem o poder de modificar muitas coisas, influenciar decises, ferir e inclusive matar

    uma pessoa. Por exemplo: Hitler utilizou a hiptese da influncia racial sobre o modo de

    como as pessoas falam, afirmando que o povo alemo era mais inteligente e superior.

    Defendeu-se a ideia da superioridade da raa ariana e de conservar-se das impurezas ou

  • 30

    ameaas inclusive lingusticas surgidas dos emprstimos de palavras pertencentes a outras

    lnguas no puras. Por causa desse tipo de pensamento os judeus foram perseguidos,

    exilados e executados por muitos anos.

    H um outro exemplo: nos Estados Unidos, existe uma segregao lingustica que

    tambm est relacionada a um apartheid social. Os negros vivem em bairros isolados dos

    brancos e so discriminados no somente pela cor da pele ou por baixos salrios ou por

    morarem em bairros (guetos) considerados perigosos, mas por falarem de modo truncado e

    abrupto, com expresses e grias, como se fossem dialetos ou socioletos. Por causa disso, os

    americanos brancos desconsideram esse tipo de linguagem por usarem novos verbetes ou

    combinaes de palavras para criarem outras, alegando que esse no o ingls real. No

    Brasil, o portugus diferente do portugus de Portugal, talvez pela mistura com outras

    lnguas, como a dos indgenas e dos negros africanos. Apesar de toda essa mescla, em cada

    regio h falares distintos com regionalismos e sotaques. Uma pessoa que mora no interior

    fala diferente de quem mora na capital.

    Com base nesses estudos sociolingusticos, as pesquisas labovianas mostraram as

    desigualdades lingusticas. Para Monteiro (2000), dizer para a criana que sua linguagem

    inferior tambm dizer que ela e todas as pessoas de seu meio so inferiores. Para que todos

    falassem da mesma maneira, na sociedade no deveriam existir as diversidades dialetais.

    claro que isso praticamente impossvel.

    1.4 Abordagem da lingustica textual

    Muitos gramticos tentaram estabelecer uma definio para o que palavra, mas

    at hoje no entraram em acordo, afinal, o que pensar de uma rea que aborda o texto15

    ? Essa

    corrente no tratar em nenhum momento a palavra; pelo contrrio, para se falar de texto,

    necessita-se antes conhecer alguns aspectos que o constituem. claro que no se fala em

    palavras soltas e isoladas, mas de como elas se organizam em estruturas que variam, por

    consequncia, o sistema lingustico da lngua utilizada, o qual responsvel pelo significado

    de uma palavra.

    15

    A palavra texto tem sua origem no latim textum , que significa tecido. H elementos que conferem corpo, estrutura ao texto, que o sentido. Este s ser processado atravs da relao e da interao entre

    autor/texto/leitor.

  • 31

    Segundo o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), a lingustica textual16

    concentra-se nos diversos textos e na identificao explcita das propriedades lingusticas

    formais que distinguem um tipo de texto do outro; essas propriedades so consideradas como

    os fatores que definem a textualidade de um texto. Bakhtin tambm abordou a questo do

    texto17

    em um manuscrito inacabado chamado Problema do Texto. Isso alm de tratar de

    gneros textuais, de literatura e de tantas outras coisas que o instigavam, segundo Faraco

    (2010).

    Uma falha na gramtica padro fez surgir a necessidade de uma gramtica textual,

    mas logo se questionou se o contexto deveria ser levado em conta na construo dessa

    gramtica, pois um texto no uma sequncia de frases isoladas, e sim uma unidade

    lingustica com suas propriedades especficas. A palavra, aqui, deve ser o elemento

    instaurador dos elementos textuais, como a referncia, a coeso e a coerncia. Koch e

    Travaglia (2002, p. 71) explicam que apreender o sentido de um texto com base apenas nas

    palavras que o compem e na sua estrutura sinttica indiscutvel para a importncia dos

    elementos lingusticos do texto e para o estabelecimento da coerncia. E sugerem que

    necessrio construir o universo textual dentro do qual as palavras e expresses do texto

    ganham sentido.

    Fvero e Koch (1988) abordam trs momentos fundamentais na passagem da

    teoria da frase teoria do texto. O primeiro deles seria a anlise transfrstica, o segundo o

    da construo das gramticas textuais e o terceiro o da construo das teorias do texto. Neste

    primeiro momento, trabalha-se com enunciados ou sequncia de enunciados e parte-se para o

    texto. Seu objetivo principal estudar os tipos de relaes que se podem estabelecer entre os

    diversos enunciados que compem uma sequncia significativa.

    Para Fvero e Koch (1988), no segundo momento da lingustica textual havia

    algumas causas pertinentes ao surgimento do referido momento, tais quais as lacunas das

    gramticas de frase no tratamento de fenmenos como a correferncia, a pronominalizao, a

    16

    A lingustica textual uma subrea da lingustica e se desenvolveu na dcada de 60, na Europa. Sua teoria tem

    como unidade bsica o texto e no mais a palavra, por acreditar que ele a manifestao da linguagem. Abaixo

    do texto, ou por trs dele, existem muitos processos, como o cognitivo, o social, o ideolgico etc. 17

    Fiorin (2006) mostra que, para Bakhtin, o texto como uma manifestao do enunciado, uma realidade

    imediata, dotada de materialidade, que advm do fato de ser um conjunto de signos. O enunciado da ordem do

    sentido; o texto, do domnio da manifestao. O enunciado no manifestado apenas verbalmente, isto quer

    dizer que o texto no exclusivamente verbal, pois qualquer conjunto coerente de signos, seja qual for a

    expresso (pictrica, gestual e outros).

  • 32

    ordem das palavras no enunciado, a relao tpico-comentrio, a entoao18

    e vrios outros

    que s podem ser devidamente explicados em termos de texto ou com referncia a um

    contexto situacional (referncia ao contexto usado pelo Bakhtin e seu Crculo).

    No terceiro momento, o tratamento dos textos vem no aspecto pragmtico:

    primeiro, investiga-se o texto, o contexto e suas condies de produo, recepo e

    interpretao de um texto. Assim sendo, a palavra analisada pelo contexto, levando em

    conta as ideologias de quem a utiliza e tambm o gnero especfico. O texto pode ser oral ou

    escrito com recursos de dois signos lingusticos, que podem ser supridos pela ocasio por

    exemplo, um texto de uma s palavra, como Fogo!, que se compreende muito bem o

    significado. O texto pode ser concebido como resultado parcial de atividade comunicativa,

    que compreende os processos, as operaes e as estratgias que esto na mente e so

    colocadas em situaes concretas. Na verdade, o sentido no est no texto, mas se constri a

    partir dele, no curso de uma interao. E o texto formado por palavras, frases, oraes e

    perodos.

    Paladino e Luz et al. (2006, p.3) afirmam que o texto precisa apresentar

    textualidade, isto , ser bem estruturado, ter palavras, frases e ideias articuladas entre si.

    Palavras relacionando-se com palavras, frases com outras frases, pargrafos com outros

    pargrafos. Essa conexo garantida pela coerncia e pela coeso textual19. As autoras

    explicam: Numa palavra, elementos lexicais que integram as mesmas reas vocabulares

    tendem a gerar fora coesiva quando ocorrem em frases do mesmo texto (PALADINO; LUZ

    ET AL., 2006, p. 27). Assim, para a Lingustica Textual (LT), o texto necessita estar coeso e

    coerente. Para isso utiliza as palavras, frases e oraes que formem um todo organizado.

    Na viso bakhtiniana, porm, preciso ressaltar e a LT compartilha desta ideia

    que a palavra que tece o texto determinada tanto pelo fato de que procede de algum como

    pelo fato de que se dirige a algum. Nessa relao de autor e leitor, tambm so possveis a

    interao e o surgimento de novas significaes de palavras. Nesta perspectiva, a palavra no

    passiva e nem reflete ou reproduz novos conceitos, tanto sociais como culturais ou

    histricos; pelo contrrio, exprime a conscincia que se tem da prpria palavra.

    18

    Aqui a entoao foi s citada, mas no captulo dois se dar mais ateno a este termo. 19

    Segundo Koch (1997), a coeso um fenmeno que diz respeito ao modo como os elementos lingusticos

    presentes na superfcie textual se encontram interligados, por meio de recursos tambm lingusticos, formando

    sequncias veiculadoras de sentidos. A coerncia diz respeito ao modo como os elementos subjacentes

    superfcie textual vm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configurao veiculadora de sentidos.

  • 33

    A LT, tambm como a proposta dialgica bakhtiniana, parte do pressuposto de

    que a lngua no funciona e nem se d em unidades isoladas, tais como os fonemas, os

    morfemas, as palavras ou as frases soltas, mas sim em unidades de sentido chamadas de texto,

    pois por meio do texto que ela funciona. De fato, a LT passou de estudar a palavra, frases

    soltas, depois a gramtica do texto, para, posteriormente, chegar ao estudo do texto no

    contexto. O que seria do texto sem as palavras ideolgicas que trazem um sentido para ele?

    Provavelmente, seria uma intercalao de palavras soltas em frases que no teriam nenhum

    significado, por exemplo: Eu estou com sede. Essa mesma frase, de uma maneira

    desordenada, ficaria assim: Sede estou com eu. Pelo menos para falantes nativos e tambm

    no nativos de portugus esse enunciado no faz sentido. No pode ser reconhecido como

    texto20

    , a no ser que existisse algum cdigo ou dialeto em que as pessoas falassem tudo ao

    contrrio.

    Agora, mostram-se trechos da crnica Triste Cena21

    , de Ceclia Meireles (2001, p.

    109-110), objeto de estudo, e faz-se uma anlise como a lingustica textual trataria a palavra

    neste gnero:

    A cena passa-se na escola, naqueles dias de maro em que se efetua a

    matrcula das crianas. Uma senhora de boa aparncia aproxima-se da mesa

    da professora e d todas as informaes exigidas para que seu filho possa

    frequentar a escola. Depois dessa formalidade, ensaiando um sorriso

    expressivo, de quem deseja fazer boas relaes com a professora, faz a

    seguinte observao:

    - Minha senhora, o meu pequeno muito malcriado. Muito vadio. No gosta

    de estudar. No imagina o tormento que passo para o fazer vir escola. Fica

    pelo caminho. Perde os livros. J h dois anos que est na mesma classe.

    Primeiro, pensamos que era da professora. Ento, mudamo-lo de escola. Mas

    na outra foi a mesma coisa. A senhora sabe que ns, as mes, sempre temos

    mais pacincia. Mas o pai, que no gosta de graas, prometeu dar cabo do

    pequeno, se este ano ele no for para outra classe. Ele um garoto

    20

    Beaugrande e Dressler (1981), em Introduction to text linguistics, apresentam sete critrios de construo

    textual: coeso, coerncia, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade e intertextualidade.

    A coeso e a coerncia tratam de aspectos formais. Tendo como pressuposto que o texto no aquela pilha de

    ideias nem uma interligao de palavras sem sentido, a coeso impede essa ausncia de sentido no texto. A

    intencionalidade refere-se aos diversos modos como os sujeitos usam os textos para perseguir e realizar suas

    intenes comunicativas. A aceitabilidade trata da concordncia do parceiro em entrar num jogo de atuao

    comunicativa e agir de acordo com suas regras, fazendo o possvel para lev-lo a um bom termo. A

    informatividade a distribuio da informao no texto e tambm ao grau de previsibilidade/redundncia com

    que a informao nele contida veiculada. A situacionalidade remete ao conjunto de fatores que tornam o texto

    relevante para uma situao comunicativa em curso ou possvel de ser reconstruda. Por fim, a intertextualidade

    compreende as diversas maneiras pelas quais a produo/recepo de um texto depende do conhecimento de

    outros textos por parte dos interlocutores. 21

    O texto foi deixado no original. No se faz, portanto, nenhuma alterao ao texto de Ceclia Meireles (2001).

  • 34

    insubordinado. Todos se queixam dele. Por isso, eu lhe queria pedir um

    favor...

    O texto de Ceclia Meireles (2001) uma crnica, mas, apesar de ela, nesse

    caso, retratar uma histria que aconteceu de fato, assemelha-se ao conto, ou a uma narrativa.

    O texto muito bem escrito (coeso), de forma clara e sucinta. Qualquer leitor do jornal pode

    compreender de que trata o assunto (tem coerncia). Por exemplo: a autora utiliza alguns

    elementos, como dessa formalidade, para se referir obrigatoriedade de ir escola; primeiro

    e ento para continuar a coerncia no texto. Naquela poca, no havia tantos leitores de

    jornais no comeo do sculo XX, poucas pessoas sabiam ler e escrever, as escolas no eram

    pblicas, ou seja, s as classes mais altas tinham acesso educao. Deve-se levar em conta a

    questo da produo, da circulao e da recepo do jornal. Por conta de sua coluna no jornal

    e por ser professora, ela tinha certo domnio sobre o assunto. Esse texto faz referncia aos

    ideais da Escola Nova corrente da qual Ceclia Meireles (op. cit.) fazia parte e que defendia

    uma transformao na escola em que o aluno fosse o centro da aprendizagem e tem uma

    intertextualidade com outras crnicas dela e com outros textos da Escola.

    Apesar de ter proposto fazer uma anlise luz da LT, quase impossvel analisar

    algo sem trazer tona outras teorias, como a da Anlise do Discurso (a seguir ser

    explicitada) e a teoria do dialogismo, pois, para ser compreendido, esse texto dependeu dela

    por completo. Se fossem retiradas algumas frases ou sentenas soltas fora do contexto, talvez

    a mensagem no fosse transmitida com eficcia. Neste caso, a conversa, o entendimento face

    a face com a criana para educ-lo seria a melhor postura a se ter. Enfim, Koch (2002, p. 22)

    diz que as palavras e as sentenas no tm sentido em si mesmas, fora de seus contextos de

    uso.

    Em referncia ao trecho citado por Koch (op.cit.), quando se fala ou se escreve um

    enunciado, este tem um comeo e um fim: as palavras do outro e, por seguinte, o enunciado

    responsivo do outro. Do mesmo jeito, o texto tem um comeo e um fim: primeiro, o texto do

    outro; depois da finalizao, um texto responsivo do outro. Os sujeitos/leitores esto, quase

    sempre, internalizando e revozeando esses enunciados. Na outra seo, trata-se da abordagem

    da Anlise do Discurso, na qual, em alguns momentos, conferem-se algumas semelhanas

    com a LT.

  • 35

    1.5 A abordagem da Anlise do Discurso

    Nesta abordagem, tratamos das duas vises, mesmo que sinteticamente, da

    Anlise do Discurso, a Anlise do Discurso Francesa e a Anlise do Discurso Crtica, e de

    como essas cincias abordam a palavra. Conforme visto, a palavra, nos dois primeiros tpicos,

    era tratada de uma forma mais abstrata, desvinculada de circulao e colocada como um

    centro imanente de significados captados pelo olhar e ouvido fixo do outro. Durante o sculo

    XIX e XX, os estudos da linguagem tinham na palavra o centro de observao dos fenmenos

    lingusticos.

    Stella (2005) relata que a gramtica seccionava a palavra e organizava suas partes

    em paradigmas de flexo e declinao. Por sua vez, a Filologia descrevia a evoluo

    histrico-fontica dos verbetes com a observao de documentos. Naquele mesmo perodo, a

    lingustica passava por duas fases de estudo da palavra: uma organizava as lnguas em suas

    famlias e respectivas ramificaes de acordo com suas origens, estudando as palavras em

    documentos, e a outra, percebendo o funcionamento sistemtico da linguagem, descrevia as

    relaes estruturais em vrios nveis a partir da palavra.

    A Anlise do Discurso22

    (AD) preencheu a necessidade indispensvel de uma

    teoria que visse o texto de uma maneira mais ampla, trabalhando a opacidade dele e vendo

    nela a presena do poltico, do simblico, do ideolgico e o prprio funcionamento da

    linguagem. Ela se apresenta como objeto de reflexo e com uma teoria de interpretao de

    sentido forte. Na Anlise do Discurso, a interpretao fonte de sentido. O indivduo

    sujeito da interpretao e exposto interpretao de outro, de modo que, para que as palavras

    apresentem sentido, preciso que elas estejam num espao de interao. O sentido

    determinado pela histria e pela ideologia, ou seja, todos os sujeitos so afetados pela histria,

    pela ideologia e pelo inconsciente. Entretanto, a palavra discurso tinha sido utilizada na

    antiguidade por Aristteles e com significado equivalente palavra. As palavras podem

    mudar de sentido segundo as posies determinadas por aqueles que as empregam.

    Maingueneau (1997) mostra que as palavras do discurso possuem uma funo

    ao mesmo tempo interativa (estruturao das relaes entre interlocutores) e argumentativa

    22

    Com o contexto desestruturado e afetado por duas rupturas, a Anlise do Discurso Francesa surge nos anos 60.

    A anlise do discurso no visa entender o que o texto quer dizer isso seria anlise de contedo- e sim como o texto realmente funciona. Orlandi (2001) retrata que os trabalhos de Althusser, de Lacan, de Foucault e de

    Barthes reforaram o status da anlise do discurso como disciplina.

  • 36

    (estruturao de enunciados destinados a influenciar terceiros). Esses tipos de palavras so as

    da primeira fase da AD que estavam polarizadas sobre lexemas de contedo ideolgico

    imediato. O autor aborda a palavra-piv ou termo-piv como era tratada no comeo da AD. A

    sua funo consistia em cristalizar a maioria das redes de sentidos de um universo textual. Ele

    diz que uma unidade s definida como tal atravs de uma grade explcita de anlise de

    vocabulrio que leva em conta, a um s tempo, o funcionamento da formao discursiva e o

    valor da unidade em lngua (MAINGUENEAU, 1997, p. 151).

    Tomando a perspectiva assumida por Pcheux em sua Teoria do Discurso,

    observa-se que se aproxima bastante da concepo dialgica de discurso postulada por

    Bakhtin. Alm do mais, Borges e Jesus (2010) focam que o conceito bakhtiniano se aproxima

    tambm de toda a produo terica sobre o discurso que lhe seguiu e que o toma como objeto

    de estudo. Entretanto, deve-se considerar que, nesses trabalhos, concebe-se, diferentemente da

    abordagem bakhtiniana, uma perspectiva no subjetiva da enunciao, em que o sujeito no

    o centro do discurso por ter sido descentrado tanto pela interpelao ideolgica (j afetado

    por uma formao ideolgica) como pelo fato de ser um sujeito dotado de inconsciente, isto ,

    um sujeito interpelado ideologicamente e pensa que o dono de suas palavras. Assim, o

    sentido em si mesmo no existe, pela AD, e seria determinado pelas posies ideolgicas

    colocadas no jogo da conversao em um processo scio-histrico em que as palavras so

    produzidas.

    Robin (1973) cita um artigo coletivo de Ch. Haroche, P. Henry e M. Pcheux em

    que as palavras mudam de sentido dependendo do sujeito que as emprega. Cada verbete tem o

    seu lugar e o seu sentido, concluindo que as palavras mudam de sentido ao passarem de uma

    formao discursiva para outra. A partir desse pressuposto, pode-se inferir que as palavras no

    so analisadas somente em funo das combinaes e das construes nas quais so

    empregadas.

    Semelhante ao enfoque bakhtiniano, a AD leva em conta o homem e a lngua em

    suas concretudes, no como sistemas abstratos. Ela busca apreender como a ideologia se

    materializa no discurso e como o discurso se materializa na lngua, de modo a entender como

    o sujeito, atravessado pela ideologia de seu tempo, de seu lugar social, lana mo da lngua

    para se significar. Nessa perspectiva discursiva, as palavras falam com outras palavras. Toda

    palavra faz parte do discurso. Desse modo, um texto, ou discurso pleno, uma instncia de

    um processo discursivo do qual fazem parte memrias discursivas e condies de produo.

  • 37

    Robin (1973) explica que as palavras so um ndice do comportamento poltico, ou seja, que o

    estatuto da palavra no discurso muito complexo. No se podem estudar as palavras soltas, e

    sim dentro de um texto/contexto. A autora esclarece que no so as palavras que implicam um

    modelo ideolgico, e sim a repartio delas no texto. Como resultado, seria uma iluso

    estudar e analisar a palavra fora do seu contexto.

    Maingueneau (1997) diz que necessrio no reproduzir o erro que cometem as

    anlises lexicais fora de contexto. No discurso, no s a palavra que importa, mas a maneira

    como explorada; da mesma forma, em um debate, um tema no poderia ser separado do

    modo como esse debate tecido. Neste sentido, h um paralelo com a teoria bakhtiniana, que

    considera a produo histrica e sociocultural em que o discurso foi produzido, os sujeitos,

    o momento especfico e outros. Assim como, na fase inicial da AD, os tericos atriburam um

    interesse s palavras, agora tambm no preciso esquec-las por completo.

    A concepo bakhtiniana est assentada no princpio de que toda palavra

    dialgica por natureza, porque pressupe sempre o outro, mas o outro ainda o outro discurso

    ou os outros discursos que atravessam toda fala numa relao interdiscursiva, alm da

    influncia da ideologia, segundo a qual a linguagem usada de maneira ideolgica. Com isso,

    a palavra est sempre carregada de um contedo ou de um sentido ideolgico, dialgico ou

    vivencial.

    No primeiro momento deste tpico, tentou-se mostrar a concepo da abordagem

    da Anlise do Discurso Francesa, relacionando-a com a viso dialgica da palavra. A seguir,

    expe-se acerca de uma outra perspectiva discursiva de como tratar a palavra: a Anlise do

    Discurso Crtica.

    Conforme o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), a Anlise do Discurso

    Crtica23

    (ADC) analisa os textos em seu contexto social. Examina o texto de um ponto

    estrutural, o vocabulrio e as construes s quais ele emprega os mecanismos lingusticos

    que usa para ligar uma parte outra. Tomando o texto/crnica de Ceclia Meireles (2001),

    Triste Cena, citado na seo anterior para falar da LT, pode-se utiliz-lo para fazer uma

    23

    Para Chouliaraki (2005), a ADC prope, com um dos seus membros e fundadores, Norman Fairclough, um

    corpo terico da linguagem na modernidade que, alimentada na cincia social crtica, apresenta um foco mais

    especfico nos modos como a linguagem figura na vida social, e um conjunto de mtodos para a anlise

    lingustica de dados empricos, entendendo o texto em sentido amplo: escrito, oral, visual etc.

  • 38

    anlise do discurso24

    . Como seria essa anlise? Enfim, antes de tudo, deve-se questionar: Por

    que o texto foi escrito? A quem era dirigido e por qu? O escritor ou orador tm objetivos

    ocultos e, nesse caso, quais so esses objetivos? Que assunes no declaradas e que vieses

    subjazem ao texto? (TRASK, 2004, p.31). Somente com essas questes respondidas se pode

    partir para uma anlise verdadeiramente discursiva.

    Fairclough (2001), principal terico da ADC, explana que essa abordagem possui

    um carter transdisciplinar. Ela no apenas se utiliza de conhecimentos de outras reas, mas

    tambm produz conhecimento a partir dessa interdisciplinaridade. Assim, a Anlise Crtica do

    Discurso produz teorias prprias, que sintetizam outras teorias na mediao entre o social e o

    lingustico (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Essa cincia se baseia em alguns

    pressupostos, como o do Marxismo Ocidental, a concepo de discurso de Michel Foucault e

    da ideia de linguagem e a palavra ideolgica de Mikhail Bakhtin. Outros conceitos deste autor

    tambm influenciaram a ADC, como a viso do dialogismo e a questo dos gneros, pois

    qualquer texto deve seguir um molde estabelecido culturalmente, mesmo que surjam novos

    gneros a partir das mudanas que ocorrem com o tempo.

    Por outro lado, nos trabalhos de Bakhtin e seu crculo, no apenas a palavra, mas a

    linguagem, de forma geral, concebida e tratada de outra forma, levando-se em conta sua

    histria aqui se assemelha AD , sua historicidade, especialmente a linguagem em uso.

    Isso quer dizer que a palavra se reposiciona em relao s concepes tradicionais, passando a

    ser encarada como um elemento concreto e ideolgico. Todo discurso por meio das palavras

    possui um carter dialgico. Volochnov25

    (1926), no texto Discurso na vida e discurso na

    arte, mostra que a palavra aparece relacionada vida, arte, como parte de um processo de

    interao entre um falante e um interlocutor, concentrando em si as entoaes do falante,

    entendidas e socialmente partilhadas pelo interlocutor. A seguir, trataremos da abordage