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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL OSWALDO TRIGUEIRO DE ALBUQUERQUE MELLO Discursos proferidos no STF, a 29 de novembro de 1989, em homenagem póstuma BRASÍLIA 1990

OSWALDO TRIGUEIRO DE ALBUQUERQUE MELLO · livre de dois flagelos da região - as secas e as correrias do cangaço" - filho do matrimônio de um dos coronéis da terra, Francisco Luiz

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

OSWALDO TRIGUEIRO DE ALBUQUERQUE MELLO

Discursos proferidos no STF, a 29 de novembro de 1989,

em homenagem póstuma

BRASÍLIA 1990

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

OSWALDO TRIGUEIRO DE ALBUQUERQUE MELLO

Discursos proferidos no STF, a 29 de novembro de 1989,

em homenagem póstuma

BRASILIA 1990

Palavras do Senhor Ministro NÉRI DA SILVEIRA,

Presidente

A primeira parte da sessão de hoje é destinada à homenagem póstuma que o Tribunal presta ao saudoso Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquer­que Mello.

Registro a presença de S. Exa. o Sr. Ministro Washington Bolívar de Brito, Presidente do Superior Tribunal de Justiça e membros daquela Corte; de S. Exa. o Sr. Ministro Alte. Esq. Raphael de Azevedo Branco, Presidente do Superior Tribunal Militar; do Sr. Desembargador Raphael Carneiro Ar­naud, representando o Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Pa­raíba; do Sr. Desembargador Elmano Cavalcanti Farias, ex-assessor de Sua Excelência nesta Corte; dos Srs. Ministros Leitão de Abreu, Clóvis Rama-Ihete, Xavier de Albuquerque e Decio Miranda, aposentados deste Tribunal; de membros do Tribunal Regional Federal; de S. Exa. o Dr. Clóvis Ferro Costa, Consultor-Geral da República; do Dr. Ophir Cavalcante, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; do Dr. Francisco Lacerda Neto, Presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal; e, de forma especial, da Dra. Wanda Prates Doyle e do Dr. Hélio Proença Doyle, primos do homenageado e representando a viúva, D- Cynira Sá Trigueiro de Albuquerque Mello.

A Presidência recebeu da Exma. Sra. Cynira o seguinte telegrama: "Muito sensibilizada e com a maior emoção li telegrama no

qual V. Exa. me convida para a sessão especial em homenagem ao meu querido marido. Creia-me, Sr. Presidente, que só motivos muito fortes e justos me impedem de estar no Supremo neste dia, quais sejam o meu ainda frágil estado de saúde e sensibilidade pa­ra receber homenagem tão sincera e porque não dizer tão mereci­da. Não me sinto ainda com coragem e força suficientes para acolher emoção tão grande. Perdoe, pois, Sr. Presidente, a minha ausência, que, espero, saberão todos compreender. Peço que transmita aos dignos Ministros, alguns velhos amigos e compa-

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nheiros de horas felizes e alegres, nesse mesmo teto, os meus mais sinceros abraços de agradecimento pela amizade, pelo apoio e por tudo que fizeram e continuarão fazendo, estou certa, para honrar o nome e a memória do meu querido Oswaldo. Os mesmos agradecimentos estendo aos seus auxiliares diretos e funcionários da Casa. Pedi aos primos Wanda e Hélio Doyle que me repre­sentem nessa tão grata homenagem. Afetuosamente, Cynira Sá Trigueiro".

Discurso do Senhor Ministro SEPULVEDA PERTENCE

Sr. Presidente, egrégio Tribunal, Srs. Ministros aposentados da Corte, eminente Procurador-Geral da República, Srs. Ministros do Superior Tribu­nal de Justiça e do Superior Tribunal Militar, Sr. Desembargador represen­tante do Tribunal de Justiça da Paraíba, Desembargadores, Sr. representante da Ordem dos Advogados do Brasil, nesta solenidade, Magistrados, Mem­bros do Ministério Público, Advogados, ilustre e querido casal que repre­senta, na solenidade, a Sra. Cynira Trigueiro, senhoras e senhores.

Morreu, de repente, num fim de semana. Enterrou-se no domingo. Dis­creta e silenciosamente, qual era de seu gosto, assim como se quisera poupar os muitos amigos aqui deixados, da viagem que gostaríamos de ter feito, pa­ra levar-lhe o último testemunho da nossa estima.

Pranteia hoje o Supremo Tribunal Federal, com a simplicidade republi­cana das suas cerimônias, a morte, em agosto último, do seu Ministro e Pre­sidente Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello.

Oswaldo Trigueiro era de 2 de janeiro de 1905, de Alagoa Grande, na Paraíba, no Vale do Mamanguape, que Baleeiro chamaria de "uma Canaan livre de dois flagelos da região - as secas e as correrias do cangaço" - filho do matrimônio de um dos coronéis da terra, Francisco Luiz de Albuquerque Mello, com D- América Trigueiro de Albuquerque Mello.

Bacharel do Recife, de 1924, as vicissitudes da Província natal o leva­riam para longe. Afinal, explica Baleeiro, no belo discurso de aposentadoria de Trigueiro, "não se adotara ainda o sistema do mérito para o provimento dos cargos mediante concurso público, nem os litigantes aldravariam as por­tas dum advogado jovem e incompatibilizado com a situação política local".

E o próprio Trigueiro que conta (A Política do Meu Tempo), Forense Universitária, 1988, p. 138:

"No ano em que formei, sofri o meu primeiro revés político. Ainda na Faculdade de Direito de Recife, fiquei com a dissidência da política paraibana, que se opunha à candidatura de João Suas-

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suna para Presidente do Estado. Esse insucesso foi a causa de mi­nha vinda para o Sul e do início da minha vida pública como Promotor de Justiça na Comarca de Teófílo Otoni. Em 1930, voltei à Paraíba, para formar com a oposição estadual, chefiada por Heráclito Cavalcanti, que combatia o governo de João Pes­soa. A vitória da Revolução marcou o meu segundo desastre po­lítico, dessa vez bem mais grave. Na campanha perdi o emprego de inspetor do ensino secundário. Sem poder ficar na Paraíba, onde, depois da revolução, não havia futuro para os perrepistas, resolvi fixar-me no Rio de Janeiro, com o duplo objetivo de tentar a advocacia e aguardar a mudança dos ventos na política do Esta­do"

A eleição para o Governo do Estado, de Argemiro de Figueiredo, seu colega de Turma, lhe propicia, em 1936, com a nomeação para a Prefeitura de João Pessoa, a primeira experiência no poder. É curta, porém.

Em 1937, o Golpe do Estado Novo o induz ao pedido de exoneração, voltando ao Rio e à profissão liberal. Mas a sua vocação política não con­sente que se acomodasse ao exercício dela. Como a tantos da minha geração sucederia, décadas depois, seriam as tribunas livres das entidades represen­tativas e culturais da advocacia o abrigo generoso da cidadania inconforma­da com a castração do autoritarismo: depois do mestrado na Universidade de Michigan, em 1940, faz-se Oswaldo Trigueiro secretário-geral adjunto da Federação Interamericana de Advogados (1942-1944), secretário do Instituto (1943) e secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil, no período de­cisivo de erosão da ditatura, de 1944 a 1946, sob a presidência de Raul Fer­nandes.

Como na vida de muitos ilustres bacharéis da época, também para Tri­gueiro, o Conselho da Ordem há de ter sido o vestíbulo da UDN, em que veio a aportar, na fundação, credenciando-se, ainda em outubro de 1945, à candidatura ao governo do Estado, que subsistiu ao adiamento das eleições estaduais para o início de 1947, quando se sagraria vitorioso.

As páginas que dedicaria à recordação de sua campanha eleitoral e, nela, ao episódio do surpreendente apoio de Vargas, é uma crônica signifi­cativa e saborosa daqueles tempos iniciais da República de 1946 - que, aos olhos da democracia de massa dos nossos dias, parece impossível que distem pouco mais de quarenta anos:

"Em fins de 1946 fui confirmado pela convenção do parti­do, e entreguei-me de corpo e alma a uma campanha crivada de dificuldades de toda a sorte. Tínhamos sofrido o revés da derrota

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de Eduardo Gomes e íamos lutar sem a participação pessoal de José Américo, que se esquivou de combater o genro Alcides Car­neiro, que era o meu competidor e, enfrentando o PSD vitorioso, apoiado pelo novo Presidente, o General Dutra. A UDN lutou com uma falta de recursos que nos trazia sob constante desânimo. Não tínhamos dinheiro para nada. O partido não possuía sequer uma sede, utilizando-se para esse efeito do escritório de advoca­cia de José Mário Porto. Como candidato, eu morava num quarto do Paraíba Hotel, e não dispunha de automóvel nem de secretária.

Depois da convenção na Capital, onde esperávamos perder, resolvi passar a maior parte do tempo no sertão, onde esperáva­mos ganhar. Como não havia tempo nem recursos para fazer vá­rias viagens ao interior, resolvi ficar rodando pelo sertão, onde fiz comícios em todas as cidades e vilas. Por isso, fiquei sem contato com o comando partidário, dividido entre dois chefes que não se entendiam diretamente. Argemiro Figueiredo comandava a sua ala a partir de Campina Grande. Na Capital, Virgínio Veloso Borges dirigia o que restara da corrente de José Américo, depois que este resolveu não participar da campanha. Não troquei uma carta se­quer com qualquer deles. Também não nos comunicávamos pelo telégrafo, porque este, como de tradição imemorial, não guardava segredo, de sorte que todo telegrama político importante muitas vezes chegava primeiro ao conhecimento dos adversários.

Já na fase final, viajei de Teixeira para Princesa, via Água Branca, e ali tive calorosa recepção da UDN local. A cidade es­tava em grande movimentação, porque ia assistir a um aconteci­mento inédito: o comício de um oposicionista, que queria ser go­vernador pela força do voto. Para mim, pessoalmente, a visita à Princesa tinha aspectos delicados. Perrepista de 1930, eu não contava com o apoio do Coronel José Pereira Lima, meu correli­gionário daquela época, que agora estava apoiando o seu conter­râneo e afilhado Alcides Carneiro, candidato do PSD. Por uma curiosa mudança de posições, que só a política explica, era o che­fe liberal, Nominando Diniz, que me recebia na cidade legendária e se empenhava pela minha eleição.

Depois do almoço, chegou-me aos ouvidos o boato de que o senador Getúlio Vargas estava sendo esperado em João Pessoa (...) Somente no dia seguinte, ao viajar para Campina Grande, soube que a visita de Vargas efetivamente se verificara. Tive en-

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tão a enorme surpresa de saber que a UDN e o PTB da Paraíba haviam entrado em acordo e que Vargas viera a João Pessoa fazer um comício de apoio à minha candidatura. Por mais inacreditável que isso me parecesse, não havia como duvidar de um fato positi­vo e certo.

Com o apoio dado, pelo Partido Comunista, à candidatura de Alcides Carneiro, em manifesto de Luís Carlos Prestes, perce­beu Argemiro Figueiredo que a nossa vitória se tornava cada vez mais problemática. Sem tempo para comunicar-se comigo de for­ma sigilosa (...) o líder campinense negociou com Epitacinho, fi­lho de João Pessoa, e com ele firmou um acordo de cavalheiros -não houve documento escrito - pelo qual o PTB paraibano se aliaria à UDN, na disputa do governo estadual, e o seu chefe su­premo viria à Paraíba para, em praça pública, manifestar o seu apoio ao candidato udenista. Em compensação, a UDN elegia um elemento do PTB para o lugar de suplente do senador Adalberto Ribeiro. Esse acordo só se tornou conhecido com a chegada de Getúlio Vargas à Capital. (...)

Fosse como fosse, o certo é que o acordo foi corretamente cumprido pelas partes. Vargas chegou a João Pessoa, em avião especial, na tarde de 11 de janeiro de 1947. Hospedou-se em casa do seu amigo João Amorim, na Praça Castro Pinto, e à noite fez um comício na Lagoa, onde leu um discurso formal, como do seu estilo (...) Nesse discurso, ele propugnou pelos princípios do seu partido e, ao concluir, recomendou - o que repercutiu como uma bomba - que os seus correligionários votassem para governador, na próxima eleição, no doutor Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, que estava de acordo com os princípios do PTB e havia assumido o compromisso de executá-los.

Os pessedistas ficaram estarrecidos. Ninguém esperava pelo desfecho e, até a parte final do discurso, muita gente esperava que Getúlio mandaria votar em Alcides Carneiro. Por isso a rea­ção foi de desespero. Os pessedistas vaiaram o ex-Presidente e promoveram distúrbios e arruaças, que perturbaram o sossego da Capital por algumas horas.

A minha surpresa foi maior que a dos pessedistas. Por um lado, eu não fora avisado da vinda de Getúlio à Paraíba. Por outro, não fui consultado previamente a respeito do entendi-

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mento havido entre as seções estaduais da UDN e do PTB. Na hora em que Getúlio falava em João Pessoa, eu terminava o jantar em casa de Nominando Diniz, e me preparava para dar início à dança que, no sertão, é complemento indispensável de todo comí­cio político. Assim, a parte final do discurso do chefe petebista não era verdadeira. Porque eu de nada sabia, não assumira qual­quer compromisso e ignorava o que se passava na Capital. Mas é óbvio que nada tinha a opor à manobra política realizada em meu favor. Se tivesse sido previamente consultado, a ela teria dado plena aquiescência.

A Constituição de 1946 estabelecera, como inovação subs­tancial, que a política deveria ser feita através de partidos nacio­nais. Mas a verdade é que os partidos, fiéis à tradição, conserva­ram, de início, o estilo e a independência dos partidos estaduais. Para a UDN nacional, ferrenhamente antigetulista, o procedi­mento da seção paraibana tinha certa conotação de heresia, coisa que aconteceu igualmente na seção do Ceará. Mas a vitória da UDN fez esquecer a estranheza de nossa aliança com o PTB, fato que depois se tornou corriqueiro num quadro democrático de tre­ze partidos, em que nenhum deles poderia vencer sozinho".

Seu governo mereceria de um grande contemporâneo depoimento si­milar ao que ele próprio, Trigueiro, com imensa admiração, prestaria sobre o quatriênio simultâneo de Milton Campos, em Minas.

"Ganhou a eleição - diria Aliomar Baleeiro - e exerceu o cargo de primeiro magistrado da Paraíba, inaugurando um estilo de governo inédito pela tolerância, respeito religioso à lei e es-crupulosa garantia aos direitos e liberdades individuais. Outro fato inusitado foi que se não serviu do cargo para instalar feudo político no Estado, montando uma oligarquia de que assumisse a posição de senhor de baraço e cutelo, como era de tradição em todo o país".

Deputado federal, em 1951, pela UDN, creio que jamais se tenha dei­xado atrair pelo bulício da Banda de Música: o seu estilo - moderado e con­ciliador, essencialmente discreto, acima de tudo - , parece ter prevalecido so­bre as seduções da identidade intelectual com os notáveis do seu partido, que então compuseram a famosa vanguarda de agressivo talento da oposição sem quartel ao Vargas combalido dos anos finais.

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Adversário da Revolução de 30, conspirador sob o Estado Novo - dos conciliábulos do Instituto e da Ordem às confabulações com Mangabeira exilado em Nova Iorque, udenista da primeira hora, articulador denodado das fórmulas - cujo fracasso não perdoa aos responsáveis - , para evitar-lhe a volta ao poder, em 1950, Trigueiro, porém, jamais se dedicou ao exercício do ódio a Getúlio.

Sua avaliação final da grande personalidade de sua geração, bem ao seu estilo, antes que um veredicto apaixonado de condenação, é um ensaio de ponderada compreensão, marcada, embora, pelo ceticismo, tendente a um sereno pessimismo, que lhe marca a personalidade (A Política... p. 149):

"É indiscutível que um governo de vinte anos terá deixado a sua marca na história. Penso, todavia, que essa marca não foi profunda nem será duradoura. Isso porque Getúlio Vargas, que governou em época de grandes transformações, não criou uma doutrina política coerente nem estabeleceu um sistema político original, capaz de inspirar um movimento ou um partido, nos ca­minhos do futuro. Em torno de sua figura houve sempre um aglomerado incoerente, que congregava desde o que havia de mais reacionário no país ao que havia de mais avançado no plano social. Isso explica que os getulistas estejam hoje disseminados por todos os partidos. Não poderia ser de outro modo, em um re­gime que tanto tolerou os comunistas quanto os integralistas e que, com o mesmo oportunismo cortejou os países totalitários e lutou ao lado das nações democráticas. Um levantamento das mutações verificadas na era de Getúlio Vargas - no plano políti-co-ideológico, tanto quanto no da renovação administrativa e so­cial - não será tarefa de fácil realização. Futuramente, os histo­riadores ficarão perplexos diante dos êxitos e dos insucessos de um regime centrado em uma personalidade que, durante um quarto de século, refletiu, de maneira nítida, as qualidades e os defeitos do caráter brasileiro e revelou a nossa persistente incapa­cidade para a prática do governo democrático".

A experiência no Congresso não parece tê-lo entusiasmado. "Na Câ­mara - recorda ele (A Política..., p. 142) - fui um disciplinado deputado de Comissão, muito mais do que da tribuna, o que se explicava pela minha con­dição de oposicionista, que havia sido aliado do Presidente. Funcionei em duas comissões permanentes, ambas importantes - as de Justiça e de Diplo-

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macia. Também trabalhei em importante comissão temporária, a da Reforma Administrativa, que o governo pretendia realizar, para desemperrar a admi­nistração. E é só".

Õ certo é que, quando sondado em princípio de 1954, para uma função nas Nações Unidas, já se decidira a não candidatar-se à reeleição.

Mas acaba é nomeado Embaixador na Indonésia, ainda por Vargas, de quem se despede, já nos dias da crise que o levaria à tragédia final.

A missão diplomática na Jacarta de Sukarno dura até 1956, mas dela desconheço que haja deixado depoimento escrito.

Uma vez mais retoma a advocacia no Rio de Janeiro, até que, transfe­rida a Capital da República - posto que jamais tenha rezado pelo catecismo dos juscelinistas - , acabou aportando em Brasília, tangido pelos imperativos da profissão.

Foi nesses primeiros tempos de Brasília - que, diria ele, "tiveram uma conotação de desterro" - que, nesta sala do plenário do Supremo - , os jo­vens bacharéis, que aqui chegávamos para iniciar a profissão, viemos a co­nhecer Oswaldo Trigueiro, já mais que cinqüentão, a partilhar com outros poucos, como Esdras Gueiros e Decio Miranda, este mais moço, o tributo da nossa respeitosa admiração.

Cedo, a indicação da Corte e a nomeação do Presidente João Goulart o alçariam a uma das duas cadeiras dos advogados no Tribunal Superior Elei­toral.

Tomado o poder pelo movimento de 1964, o General Castello Branco, feito Presidente da República - testemunha Luiz Viana Filho (O Governo Castello Branco, 1975, p. 75) - teve de vencer a relutância inicial de Tri­gueiro - advertido por Hahnemann de que se tratava do "pior emprego da República" - para fazê-lo Procurador-Geral.

Naqueles dias, muitos eram certamente os insuspeitados heróis do gol­pe alheio que, se alçado ao cargo, se teriam assumido como a reencarnação cabocla de Fouquier Tanville ou a versão tropical e adireitada de Vishinsky.

Não, porém, Oswalao Trigueiro, em cuja escolha não será temerário adivinhar a boa inspiração de Milton Campos: o certo é que de sua passagem pelo Ministério Público Federal, naqueles tempos de caça às bruxas, creio que os adversários podemos testemunhar sem medo que se desconhece um só gesto, uma página que fosse, a traduzir abuso, mesquinharia ou vindita me­nor. Recordando-o, naqueles dias, seu ar, de natural severo e taciturno, ja­mais me transmitiu nem a arrogância do poder arbitrário, nem o esgar malig-

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no dos recalques libertados, mas, antes, a imagem tranqüilizante de um mo­mento de equilíbrio em meio aos desvarios da prepotência do tempo.

Ampliada, com o Ato Institucional n- 2, a composição do Supremo Tribunal, das cinco nomeações para as cadeiras novas, de novembro de 1965, de certo a do Procurador-Geral Oswaláo Trigueiro foi certamente a recebida com a maior naturalidade.

Empossado em 25 de novembro de 1965, o Ministro Oswaldo Triguei­ro serviu nesta Casa até a aposentadoria compulsória, em janeiro de 1975, deixando a vaga em que viria a sucedê-lo nosso decano de hoje, o eminente Ministro Moreira Alves.

Foram nove anos de serviços exemplares à judicatura suprema, não obstante corridos, a maioria deles, em tempos que seguramente se põem en­tre os mais difíceis da história da Corte.

Sua figura de juiz marcou a memória dos que aqui o conhecemos. O semblante permanentemente sério, o olhar sobranceiro, a postura altiva, a desaconselhar mostranças de intimidade não autorizada, sem embargo da sin­gular lhaneza do trato cotidiano e, não raro, um dedo de prosa amena e des-compromissada com os advogados freqüentes ao Tribunal, deixando entrever o causeur incomparável, de cuja fruição se vangloriavam alguns poucos mais chegados. Nas sessões - tantas vezes acaloradas pela vocação polêmica dos mais loquazes, como Gallotti, Victor, Evandro, Kelly, Baleeiro, Eloy ou Amaral - , impressionava a frieza, quase hierárquica, do seu olhar de apa­rente indiferença à agitação circunstante. Suas intervenções eram raras, la­cônicas, secas mesmo, sem pretensões de conquistar a adesão dos pares: li­mitadas, sempre, a exprimir sua opinião sobre o que lhe parecesse o ponto essencial do caso.

A mesma objetividade lhe distingue os votos de relator. São modelos de síntese; raramente, mais de cinco ou quatro parágrafos densos, de res­posta precisa às questões sintetizadas no relatório, também de admirável pre­cisão. Poderão contar-se pelos dedos as digressões doutrinárias que se tenha consentido, só a propósito de temas inéditos. O despojamento da linguagem o situa dentre aqueles cujos textos deveriam semear-se pelas faculdades de Direito, como defensivos salvadores contra a praga do pedantismo de certo e detestável jargão forense que assola o nosso Forum.

A despreocupação com a exibição de sapiência - a que facilmente o habilitariam a solidez da formação humanista e do consolidado saber jurídico - está à base da invulgar presteza dos seus julgamentos, contra a qual, por vezes, os advogados da Casa chegamos a protestar, que nos dificultava o

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acompanhamento dos casos, freqüentemente já despachados, antes que se publicasse a distribuição.

Não sei se a outro juiz deste Tribunal, o encargo de sua presidência, que, de regra, dada a modéstia da administração da Casa, tende a ver-se mais sob as luzes de honraria - , se a algum outro juiz, repito, a presidência da Corte tenha chegado com mais acentuado sabor de sacrifício.

As dificuldades do relacionamento do Supremo com o regime militar -que haviam amainado com o bom entendimento entre os juizes antigos e os cinco que lhe ampliaram a composição - , recrudesceram e chegaram ao seu ponto mais crítico com o AI-5/68, que, sobre cercear a competência da Corte e despir o Judiciário das suas garantias, a golpeou fundamente, com a apo­sentadoria, a todos os títulos, arbitrárias, de três ministros exemplares, Vic­tor Nunes, Hermes Lima e Evandro Lins. A renúncia do Presidente Gonçal­ves de Oliveira e a precipitação da aposentadoria de Lafayette de Andrada, gesto de protesto, contra o ato de violência, aprofundaram a crise, só amai­nada pelo sentido de salvação institucional com que Luiz Gallotti, arrostando incompreensões, assumiu interinamente a presidência e, com rara sensibili­dade política, reconquistou com altivez a normalidade possível.

Logo depois, a inexplicada renúncia do honrado Ministro Adalício No­gueira, eleito Presidente, porque mais antigo, poderia ter retardado a cicatri-zação imperativa das feridas abertas, com conseqüências danosas ao prestí­gio da Casa, não tivesse cabido a Oswaldo Trigueiro a sua sucessão, resta­belecida a ordem tradicional da antigüidade: de novo, ao curso do biênio conturbado que lhe coube, não se pôde recusar louvor às Parcas, que lhe convocaram, para a missão dificílima, as reservas invulgares de equilíbrio e compostura, de autoridade moral e um senso profundo de alta e permanente dignidade do seu cargo, malgrado a conjuntura.

Deixou Oswaldo Trigueiro obra jurídica de peso, vincada toda ela pe­los traços inconfundíveis do seu caráter intelectual e marcada pela objetivi­dade límpida do conteúdo e pelo bom gosto do estilo terso, avesso a todas as tentações da retórica fácil.

Sua bibliografia de publicista emérito deu particular relevo ao prisma menos privilegiado de literatura do federalismo - o do ordenamento dos Es-tados-membros - , tema de seu trabalho de pós-graduação em Michigan, pu­blicado no Brasil em 1942 - O Regime dos Estados da União Americana - , retomado, em 1943, com a Descentralização Estadual, versado, nas décadas seguintes, em vários dos preciosos artigos reunidos depois em Problemas de

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Governo Democrático, de 1976, e finalmente objeto, depois da aposentado­ria, do precioso Direito Constitucional Estadual, de 1980.

Na homenagem que lhe prestou, na sessão plenária de 19 de fevereiro de 1975, o orador da Corte, o saudoso Aliomar Baleeiro, e o Procurador-Ge-ral, Moreira Alves, ambos lhe quiseram impor uma tarefa para os anos da inatividade que, então, a sua impressionante higidez física, já permitia ante­ver longa e frutuosa, como foi: a de escrever suas memórias.

Nos tempos de nossa convivência mais chegada, no Rio de Janeiro, no escritório de Victor Nunes Leal, também eu lhe cobrei repetidamente o livro de memórias, que todos lhe supúnhamos em preparação, o que ele nem con­firmava nem desmentia.

Não se cuidava da homenagem rotineira a aposentados ilustres. Era as­piração verdadeira de quantos o conheceram e puderam identificar nele o memorialista perfeito, não apenas por sua memória invulgar sobre fatos e pessoas da vida pública e intelectual do País, mas também na graça de nar­rativa deles, sempre entremeada pela agudeza da glosa mais fina e do menos agressivo espírito crítico.

Parece que, afinal, não escreveu memórias completas, sistemáticas. Quem sabe que a idéia lhe terá parecido pretensiosa à severidade da autocrí­tica e ao rigor cultivado da discrição.

O que escreveu de recordações de sua rica biografia, tudo indica que preferiu espargi-las nas duas obras que programara para a senectude.

A primeira veio a lume, já este ano com noite de autógrafo, no Rio, que os presentes dizem consagradora, e que terá sido a sua última reunião com a inumerável legião de amigos. E A Política do Meu Tempo, de que já me servi mais de uma vez, nestas recordações, e que, não temo dizer, se in­corporará definitivamente à crônica da República.

É a consistente análise - a partir da figura dos Presidentes da Repúbli­ca, de Epitácio Pessoa a Garrastazu Mediei - de mais de sessenta anos de nossa história, na perspectiva, é certo, de um conservador assumido. Con­servador, todavia, que a inteligência privilegiada e a lucidez incomum jamais deixaram degenerar à obtusidade dos reacionários.

No livro - a partir do capítulo dedicado a Vargas e, além dos referidos aos demais chefes de Estado, também nos notáveis escritos sobre Os inte­lectuais da Política - Raul Fernandes, Maximiliano, Rodrigo Octavio, Man-gabeira, Milton, José Augusto, Luiz Gallotti e Aliomar Baleeiro - , Trigueiro semeou passagens autobiográficas que permitem reconstituir passagens signi­ficativas da sua caminhada.

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Do outro livro projetado - e não sei até que ponto realizado - me falou ele, na última vez em que nos encontramos, no velório de Gilda Nunes Leal: seria dedicado ao perfil de paraibanos ilustres e, por certo, à revelação de outras facetas da personalidade e de outros episódios vividos pelo cronista admirável.

Oswaldo Trigueiro não se casou jovem. Solteiro, foi Prefeito, Gover­nador, Deputado, Embaixador: atribuiu-se até à condição de solteiro a sua convocação para a missão na Indonésia, então, reputada inóspita. A espera valeu a pena. A união com D- Cynira - cordial, atenta, inteligente e simpáti­ca - vinda, coincidentemente, de Teófilo Otoni que, na mocidade, servira de primeiro asilo ao jovem bacharel paraibano - realizou matrimônio que a to­dos transmitiu imagem nítida de perfeita harmonia, feita de companheirismo, dedicação e complementação recíprocas: à viúva, transmito, em nome do Tribunal e dos amigos, toda a solidariedade na dor de sua saudade imorre-doura, de certo consolada pela gratifícante certeza da importância do papel que teve na vida do companheiro desaparecido.

Percebo, Senhor Presidente, que já me terei desbordado dos limites im­postos pela severa tradição da Casa: mais difícil que recordar é, às vezes, pôr fim à recordação do amigo que se foi, à custa do medo da sensação de uma nova e definitiva despedida.

Resta-me a honra de poder ter sido intérprete da homenagem que presta à memória de Oswaldo Trigueiro, a Casa a que ele soube servir com a inte-gralidade de suas virtudes humanas e de seu valor intelectual, de modo a en­riquecer o acervo de crédito desta instituição augusta, perante a Nação.

Muito obrigado.

Discurso do Doutor ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA,

Procurador-Geral da República

Exmo. Sr. Ministro Néri da Silveira, digníssimo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Exmos. Srs. Ministros, Exmos. Srs. Ministros aposentados desta Corte, Exmos. Srs. Ministros Presidentes dos Tribunais Superiores, digníssimo Desembargador representante do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, Exmos. Srs. Juizes do Tribunal Regional Federal, Srs. Magistra­dos, Srs. Membros do Ministério Público, ilustres Advogados, Srs. funcioná­rios desta Casa, senhoras e senhores.

Foi no segundo dia do ano de 1905, em Alagoa Grande, na Paraíba, que nasceu o menino Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello.

Na terra natal, o curso primário; na Capital do Estado, o curso secun­dário; e na renomada Faculdade do Recife, a colação de grau, antes de com­pletar vinte anos de idade.

Veio, logo em seguida, o Promotor de Justiça em Teófilo Otoni, berço do mineiro Cunha Peixoto, há poucos dias homenageado por essa Corte Su­prema, em sessão especial como esta.

Entre o Ministério Público de Minas Gerais, em 1925, e a Chefia do Ministério Público da União, em 1964, encontra-se o advogado militante no Rio de Janeiro, o Prefeito de João Pessoa, o mestre em ciência política na Universidade de Michigan, o Governador da Paraíba, o Deputado Federal, o Embaixador do Brasil na República da Indonésia, o professor e, novamente, o advogado, já agora nesta Brasília recém-nascida, onde passou a integrar o Tribunal Superior Eleitoral, em vaga de advogado.

Em abril de 1964 é nomeado Procurador-Geral da República e, em no­vembro do ano seguinte, chega a este Supremo Tribunal Federal, tornando--se seu Presidente em fevereiro de 1969, pelo biênio consuetudinário.

E nesta Corte permanece até aos setenta anos. Tais traços biográficos, formalmente superficiais, revelam a substância

de uma vida profundamente marcada pelo amor.

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Amor à família. Amor à res publica. Amor à ciência do Direito, instrumento da Justiça, sempre manifestada

nos inúmeros votos proferidos neste Tribunal Maior, durante quase uma dé­cada de magistratura ou nos pareceres emitidos, oralmente e por escrito, co­mo Procurador-Geral da República.

Enfim, Oswaldo Trigueiro amou verdadeiramente o Brasil! Mesmo compulsoriamente aposentado, continuou a trabalhar na seara

jurídica, até a morte. É hora, pois, de reverente homenagem. Homenagem do Ministério Público da União, que, agora, recorda não

só o Ministro deste Supremo Tribunal Federal, mas, também e de modo es­pecial, o Procurador-Geral da República, seu antigo chefe.

Feliz a esposa e os parentes quando têm certeza de que o varão viveu em função de sua pátria.

Assim foi Oswaldo Tigueiro. Obrigado.

Discurso do Doutor SÉRGIO GONZAGA DUTRA

(Advogado)

Exmo. Sr. Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, eminentes Srs. Ministros, Srs. Ministros aposentados desta Corte, Exmos. Srs. Presi­dentes dos Tribunais Superiores, ilustre representante do Tribunal de Justiça da Paraíba, Exmo. Sr. Consultor-Geral da República, Exmo. Sr. Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Srs. Magistrados, Membros do Ministério Público, ilustre Dr. Hélio Doyle, representante da família, minhas senhoras e meus senhores.

Neste momento em que o Supremo Tribunal Federal presta homenagem à memória de um dos grandes, dentre os seus maiores Juizes, o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, por mim representado, não poderia deixar de aqui presente estar, para trazer a solidariedade da classe.

Após as orações proferidas pelos eminentes Ministro Sepúlveda Per­tence e Procurador-Geral Aristides Junqueira, traçando de maneira magnífica o perfil da vida do ilustre homem público, cuja perda constituiu severo golpe ao País, nada mais restaria aos advogados, senão invocar a saudade daquele colega, cuja grandeza repercutirá para sempre em nosso espírito.

Embora já decorridos mais de 29 anos, conservo a lembrança de que, no início das atividades da Corte Suprema na então nova e desprovida de re­cursos Capital, aqui estava o Promotor Público, o Secretário-Geral da OAB, o Deputado Federal, o Governador da Paraíba, o Embaixador do Brasil na Indonésia, o Professor, o jurista e famoso advogado paraibano, Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello.

Do encontro entre o experimentado profissional com os então jovens causídicos, principiantes na militância perante o Tribunal Supremo, nasceu uma relação de amizade que se consolidou no tempo, e o mais velho deu as mãos aos mais moços.

Tornou-se ele o nosso conselheiro, a quem sempre recorríamos nas ho­ras de dúvidas e incertezas. Dos seus inúmeros conselhos, destaco o de nos

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alertar sobre a importância de sustentação oral na defesa de uma causa e co­mo deveríamos proceder: - "Sejam expositores e nunca oradores".

O mesmo diria sobre os memoriais, sempre alertando para a brevidade e condenando qualquer tentativa de pretensa erudição - "Sejam simples, Di­reito é bom senso".

Mas, o que realmente nos aproximava do Dr. Trigueiro, como reve­rentemente o chamávamos, era a sua capacidade de, malgrado as diferenças de idade e saber, tratar-nos de igual para igual, com compreensão, respeito e, principalmente, com inigualável tolerância.

A elegância natural, não só no trajar, mas também de atitudes, aliava--se a de causeur magnífico, e ainda o exercício da arte da fina ironia da qual era mestre, constituíam dentre outras, as características marcantes de sua personalidade.

Foi assim e por tudo isso que acompanhamos, com alegria e indisfarçá-vel orgulho, a fulgurante carreira do colega, que, em apenas cinco anos, foi Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Procurador-Geral da República e Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Corn a simplicidade que sempre o caracterizou, Oswaldo Trigueiro anotava em sua última obra, A política do Meu Tempo, que:

"Em Brasília gozei dezesseis anos de excelente saúde. E, como bacharel que se divorciava da política, tive um êxito certa­mente compensador do que a princípio chamei de minha grande aventura, qual a de, depois dos cinqüenta anos, ir advogar no sertão de Goiás".

Já como Juiz, da mesma forma que quando Procurador-Geral, o mais velho continuou a prestigiar os mais moços, e, até de certa maneira, com mais intensidade, a mostrar que a importância do cargo não pode servir de barreira aos que mourejam no sagrado mister da justiça. Sentíamo-nos assim como privilegiados, pois, como na afirmativa de Voltaire, "a amizade de um grande homem é um privilégio dos deuses".

Sobre o seu papel como Juiz dessa Suprema Corte, melhor dar a pala­vra ao Mestre Baleeiro, que, em traçando notável perfil do colega que se aposentava, destacou:

"O que Oswaldo Trigueiro aprendeu nos livros, nos fatos e nos homens explica a sua magnífica atuação de magistrado. Seus votos sólidos e fundamentados, na RTJ, são um modelo de clare­za, precisão e penetração nos problemas. Não há, neles, uma pa­lavra a mais ou a menos. Diz todo o necessário ao argumento e

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nada de supérfluo. Participando dos julgamentos, a sobriedade é a mesma. Ouve atentamente e só interrompe se, no debate, foi omi­tido ou esquecido um ponto decisivo. Ele, então, o expõe no mí­nimo de palavras. Nunca fala, para, afinal, reiterar o que por ou­tros já foi aduzido. Nunca repete o óbvio".

Como hoje, porém, não é um dia que deva imperar a tristeza, mas sim e apenas as boas lembranças e a saudade que faz bem, aquela com gosto de ternura, permito-me relembrar um fato, a marcar a característica já referida de fina ironia: Em uma certa quarta-feira, eu e alguns colegas, entre os quais o hoje eminente Ministro Sepulveda Pertence, chegamos ao Plenário na hora do tradicional chá, quando Oswaldo Trigueiro nos chamou e disse: "Vocês perderam um grande espetáculo. Caiu um cometa em cima do Supremo Tri­bunal", e ante o nosso espanto, rematou com um sorriso nos lábios: "imagi­nem só, eu concedi um habeas corpus e o Baleeiro o negou"! Ironizava as­sim a sua própria e conhecida severidade e a proverbial liberalidade do seu colega e amigo.

Este é o Oswaldo Trigueiro que nos lembramos e cuja memória jamais se afastará dos nossos corações, como grande figura humana que foi.

À D- Cynira, sua companheira dedicada e inseparável, as homenagens e a carinhosa reverência dos advogados, que hoje não dizem adeus ao cole­ga, porque ele em verdade não partiu para sempre. Foi-se o homem, fica o exemplo.

Palavras do Senhor Ministro NÉRI DA SILVEIRA,

Presidente

As orações proferidas em homenagem ao saudoso Ministro Oswaldo Trigueiro constarão da ata dos nossos trabalhos.

Agradeço a presença dos Srs. Ministros aposentados deste Tribunal, dos Srs. Ministros Presidentes do Superior Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal Militar, dos Srs. Ministros dos Tribunais Superiores, dos Srs. Juizes do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, do Sr. Consultor-Geral da República, do Sr. Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, dos Srs. Presidentes dos Conselhos Seccionais da Ordem dos Ad­vogados do Brasil do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, dos Srs. Ma­gistrados, dos Srs. Membros do Ministério Público, dos Srs. Advogados, Autoridades e funcionários do Tribunal, das senhoras e dos senhores.

Suspendo a sessão por quinze minutos para que possamos ter a oportu­nidade de cumprimentar os representantes da família do Ministro Oswaldo Trigueiro.

Este trabalho foi realizado pela Imprensa Nacional,

SIG - Quadra 6-Lote BOO 70.604 Brasilia, DF, em julho de 1990

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