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Partículas: a dança da matéria e dos campos Aula 22 – A música do balé 2 1. Multipletos: núcleons e quimeras 2. Transformações: locais e globais 3. Campos de calibre 4. Campo eletromagnético

Partículas: a dança da matéria e dos camposplato.if.usp.br/~fnc0266n/Aula22.pdf · isospin tem suas origens no estudo ... trata-se, na verdade, do paradigmadessa maneira de

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Partículas: a dança da matéria e dos campos

Aula 22 –

A música do balé

21.

Multipletos: núcleons e quimeras

2.

Transformações: locais

e globais3.

Campos de calibre

4.

Campo eletromagnético

InteraçõesComo já havia sido anunciado, vamos nos dedicar a descrever a maneira como entendemos as interações fundamentais da Natureza.O fio condutor será o conceito de simetria e o “paradigma” será o eletromagnetismo.Para isso, teremos que explorar mais alongadamente algumas das idéias jádesenvolvidas sobre esse tema e reencontrar alguns velhos conhecidos.

Multipletos de novo!Discutimos anteriormente o conceito de multipletos e talvez uma outra perspectiva possa ser elucidativa: coloquemo-nos na pele de um naturalista do séc. XVIII tentando classificar os animais em famílias. Tentaríamos organizá-los utilizando características comuns e inserindo-os em grupos cada vez mais específicos; assim, uma classificação para um homem seria: animal, vertebrado, mamífero, primata, gênero homo; um gorila mereceria os mesmos rótulos, pertencendo porém ao gênero gorila.Os físicos procedem da mesma forma ao tentar colocar ordem num conjunto de dados: essa organização é um estágio preliminar antes que alguma teoria, algum princípio unificador seja estabelecido.

Multipletos de novoUm exemplo disso é a classificação periódica dos elementos de Mendeleev; numa sacada genial, ele organizou os elementos então conhecidos em famílias de propriedades semelhantes, sendo capaz, inclusive, de fazer previsões sobre elementos que ainda não haviam sido descobertos. Só muito mais tarde, com a mecânica quântica, a ordem subjacente à classificação periódica foi entendida.A lista dos constituintes fundamentais da Natureza, apresentada numa das primeiras aulas, foi montada a partir de princípios unificadores que serão desveladosnas próximas aulas.

Constituintes: férmions

Quarks ⇓ ⇓ ⇓Q/e=+2/3 u (5 MeV) c (1,3 GeV) t (175 GeV)

Q/e=-1/3 d (10 MeV) s (200 MeV) b (4,5 GeV)

LLééptonsptons

Q/e=-1 e-

(0,5 MeV) μ-

(105 MeV) τ-

(1,8 GeV)

Q/e=0 νe (< 5 eV) νμ

(< 270 eV) ντ

(< 31 MeV)

Todo

s tê

m s

pin

1/2

E as respectivas anti-partículas!

Constituintes: bósons

Bósons Massa [GeV] Carga [e]

FótonW-

W+

Z0

080,480,491,2

0-1+10

Glúons(são 8)

0 0Todo

stê

m s

pin

1

qelétrica

=0, mas eles têm qcor≠0

Multipletos de novoUm exemplo marcante é o do núcleon.

O nêutron e o próton (apesar da pequena diferença de massa: 0,14%) podem ser considerados como pertencentes a uma mesma família sob a ação das interações fortes. Com relação às forças eletromagnéticas e fracas a história é outra. Afinal, um tem carga total nula e o outro não; n Ø p + e + νe , mas o próton éestável.

tpróton ¥ 1030 anosColocando de uma maneira mais dramática: desprezando diferença de massa e usando apenas a interação forte, nenhum observador do Universo seria capaz de diferenciar um próton de um nêutron.

Sobre iso...Apenas porque comentei em aula:

O prefixo “iso” (“isos” significa “igual” em grego) que aparece em isospin tem suas origens no estudo dos espectros de núcleos com mesmo número de constituintes (e portanto isóbaros, i.e., de “mesma”massa). A figura apresenta o espectro de excitação de um trio de tais isóbaros, referenciados a um mesmo zero, o estado fundamental de um deles, o 6Li.Se forem descontadas as contribuições devidas a: diferenças de energia coulombiana e diferença de massa nêutron-próton, a energia dos três estados 0+ coincidiria.Como o 6He, 6Li e 6Be, têm respectivamente a seguinte estrutura: 4He+(nn), 4He+(pn) e 4He+(pp), pode-se inferir que a interação nuclear forte deve ser a mesma para as duplas (pp), (pn) e (nn).

Multipletos

de novoOutro exemplo que já discutimos é o da quimera; apresentamos uma quimera simplificada e que – àsemelhança do nucleon – era descrita através da superposiçãode dois estados. A descrição de uma quimera verdadeira necessita da inclusão de mais um grau de liberdade e a consideração de rotações em um espaço de maior número de dimensões. Este exemplo da quimera ampliada dá o tom da discussão: vamos falar de rotações no sentido de operações de simetria em espaços abstratos.

BaLaQ BL +=

aB

= sen

θaL

= cos

θ

SaBaLaQ SBL ++=

Multipletos

de novoAssim, falaremos em rotações no espaço 3D, rotações no espaço-tempo, ou mesmo rotações no espaço de isospin, que éonde se realizam as operações de simetria que permitem descrever o próton e o nêutron como estados de uma mesma partícula.

Em suma, as palavras simetria e transformação estarão doravante muito presentes no nosso linguajar.

O que faremos a seguir? Vamos estabelecer nexos entre operações de simetria e as interações fundamentais da Natureza.

Uma advertência se faz necessária: forças como as de atrito, as de van der Waals (que age entre moléculas), para citar dois exemplos, não são forças suscetíveis ao tipo de descrição que faremos, pois são forças “derivadas”, são “resíduos” da ação das interações fundamentais em que estamos interessados.

Globais

e locaisAntes de partir para a discussão estabeleçamos uma nomenclatura:

Transformações globais são aquelas que afetam o sistema em todos os lugares e locais são aquelas que agem em apenas uma dada região.

Um exemplo: do ponto de vista de um skatista uma subida/descida da pista de skate como um todo (uma transformação global) não produziria nenhuma alteração no seu movimento; porém se forem feitas novas ondulações na pista (transformações locais) o percurso e o desempenho podem ser alterados. Aparece o conceito de invariância: num caso (o primeiro) não há mudanças sob o ponto de vista do observador ao passo que no segundo elas ocorrem.

Globais

e locaisUm caso mais simples: uma folha de alumínio (ou um pedaço de tecido liso e de mesma cor) e efetuemos uma rotação na folha como um todo. Para um ser que viva nessa folha de alumínio nada foi alterado. Sob seu ponto de vista, transformações globais não produzem física interessante.

Problemas: uma transformação global não érelativisticamente aceitável; afinal de contas, para que possa ser global, uma transformação tem que alterar todos os pontos do sistema ao mesmo tempo, o que não é possível pois velocidade da luz é finita.

Globais

e locaisE se fixarmos um ponto da folha com o dedo e o rodamos o dedo mantendo a folha fixa? (equivalentemente, poderíamos fixar o ponto e rodar a folha) Nesse caso, a região mantida fixa ainda apresenta-se inalterada, mas o restante da folha fica totalmente distorcido.

A região mantida invariante não se conecta "lisamente" com o restante da folha.

Globais

e locaisA imposição de invariância por transformações locais (uma necessidade face à relatividade) demanda o aparecimento de forças. Uma rotação local cria um "desequilíbrio" entre essa região em o restante do Universo, que é compensado pela introdução de forças. Retornando ao nosso amigo skatista, no caso das alterações locais no percurso, novas forças devem ser exercidas para que ele faça o percurso sem perceber que alterações foram feitas.

Sei lá! Imaginemos que o skate tenha pequenos molas e sensores inteligentes, de modo a compensar exatamente as irregularidades do terreno.

Duas fendas! De novo!?

Retornando ao mundo do muito pequeno: a grandeza essencial para o aparecimento dos máximos e mínimos em uma figura de interferência é a fasedo elétron.Uma mudança de π global nas fases, produzida por um material de espessura adequada, não altera o padrão de interferência.

Æ Uma transformação global nada altera.

Colocar o material à frente de uma das fendas apenas, altera o padrão de interferência.

Æ Uma transformação local produz alterações no padrão de interferência.

Mudança de fase: π

A

Um imã, produz um campo magnético que interage com os elétrons, alterando a fase e, portanto, o padrão de interferência.

Mesmo na Física Clássica, um campo B produz curvaturas na trajetória alterando assim a fase.

O mais estranho é que, mesmo se o magneto for blindado, isso também ocorrerá (efeito Aharonov-Bohm).A combinação dessas duas ações (campo B + placa de material) restaura a forma do padrão de interferência.

A placa introduz uma violação na invariância defase que é“curada” pelo campo B (i.e., por uma força).

Duas fendas! De novo!?

Campos de gaugeNomenclatura:

As rotações a que nos referimos constituem os grupos de gauge (calibre) As dobras que ocorrem no espaço são chamadas de campos de gauge.

Os quanta desses campos são os bósons de gauge que funcionam com uma espécie de "cola" entre as partículas que se acoplam através dessa dada interação.Todas as forças - fundamentais - são devidas a campos de gauge e nas aulas seguintes trataremos de associar as diversas forças com as simetrias correspondentes.

Campos de gaugeUma transformação de gauge local altera o vácuo e o descompasso entre o espaço rodado e o não perturbado éconsertado pelo aparecimento de um quantum de interação. Para a descrição completa da interação entre dois objetos, todos os possíveis caminhos têm que ser considerados e portanto, todas as trocas de bósons (da "cola") permitidas por essa interação devem ser consideradas, com a respectiva probabilidade.

Campos de gauge

O campo eletromagnéticoO eletromagnetismo é caso mais simples – muito mais do que isso! -, trata-se, na verdade, do paradigmaparadigma dessa maneira de entender as interações. Vamos analisar a quantidade mais simples que podemos imaginar como sendo portadora de um conteúdo intrinsecamente quântico e tendo associada a idéia de rotação: a fase.O valor absoluto da fase não é uma grandeza acessível experimentalmente: eventuais alterações globais no valor da fase não podem alterar o resultado de uma medida. Uma mudança global de fase alteraria a direção do vetor – de todos os vetores! - que descreve a amplitude associada ao processo quântico.

O que medimos – a probabilidade – é proporcional a |a|2. Mas, o que tem influência no comportamento de, por exemplo, um elétron, são, como já discutimos, diferenças de fase.

O campo eletromagnéticoDessa forma, o que de mais simples pode ocorrer é uma mera variação no valor da fase (seja global, que como jádiscutimos não tem tanto interesse assim, ou local, que écomo as interações emergem). Sendo mais explícito – e talvez mais chato – o que vamos introduzir neste caso éuma mera alteração no número associado à fase, independente de qualquer outra informação, como por exemplo alguma direção.Simetrias, invariância, etc, são associados a grupos de simetria. No caso específico do eletromagnetismo, estamos considerando invariância sob as operações do grupo de simetria U (1).

O campo eletromagnéticoComo a simetria em consideração é exata, perfeita, ela tem que ser restaurada em todos os pontos do espaço-tempo – distantes ou próximos. Isso só pode ser obtido através de uma interação de alcance infinito, pois uma alteração, por pequena que seja, tem que ser informada para todo espaço-tempo.Pelo princípio da incerteza, isso implica que a partícula responsável pela propagação dessa interação tem que ter massa zero, para que o alcance (cΔt) possa ser infinito. Esse bóson mediador é o fóton.

mctcmcEtE

Δ≈Δ⇒=≈ΔΔ

hh mas , 2

O campo eletromagnéticoDevido à simplicidade estrutural do grupo U (1), o fóton é um objeto relativamente simples, podendo carregar pouca quantidade de informações:

momento angular (spin 1), Carga elétrica zero

Portanto, ele não pode alterar a carga da partícula com a qual ele interage e nem mesmo interagir com outros fótons.A teoria que foi construída para descrever esse tipo de interação éa eletrodinâmica quântica (QED).Vale a pena lembrar que na descrição de Feynman, que serviu de fio condutor para a nossa discussão da mecânica quântica, foi estabelecido o nexo entre amplitude, fase e força.

h/)]([ Amplitude txiAe∝

caminho do longo ao ação da variação1•=Δ

hfase

( )( )ervalodotamanhofase intcampo do densidade1•=Δ

h

xFfase rr

hΔ⋅=Δ

1

O campo eletromagnéticoNo caso mais simples, o do eletromagnetismo, F é meramente um vetor no espaço-tempo; em outros casos, pode ser uma coisa matematicamente mais complexa. A quantidade (F/e) está associada ao campo bosônico, que propaga a interação, o que explicita a carga (e) como a intensidade da interação eletromagnética.Olhando sobre essa ótica, vemos que a simetria associada a essa invariância por transformações fase locais é a conservação da carga.

Note que invariância por transformações de fase globais também pode levar à conservação da carga, mas a invariância relativística não permite criar um elétron aqui e, instantaneamente, um pósitron em Alfa-Centauro.

Atenção: o termo carga será doravante utilizado num sentido mais genérico; a familiar “carga elétrica” refere-se ao caso particular desta “carga” no e.m.

xeFefase rr

hΔ⋅⎟⎟

⎞⎜⎜⎝

⎛=Δ

O campo eletromagnéticoResumo:

O mundo não deve mudar por alterações de fase globais.Variações globais não são interessantes e, ademais, criam problemas com a invariância relativística, que proíbe a ação à distância instantânea.Transformações locais não têm esse problema, mas demandam o aparecimento de um mecanismo de “cura” para que a invariância seja mantida em todos os pontos do espaço.No mundo do muito pequeno, alterações de fase globais nada mudam, mas diferenças de fase são relevantes.

Uma alteração global não mexe com as diferenças de fase, mas uma alteração local sim.

Uma alteração da fase do elétron está associada a uma deflexão da sua trajetória.A “cura” é o fóton que conserta essa alteração de fase local.O eletromagnetismo é o paradigma para outros tipos de interação.