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Percursos Identitários na Diáspora Açoriana: O Jornal Açores-América (1903) Lusa M. Ponte Universidade dos Açores Resumo. O jornal Açores-América, publicado em Cambridge, Massachusetts, em 1903, surge com o objectivo essencial de expor as condições da emigração açoriana para a América (recrutamento, embarque, desembarque e acolhimento) e de promover o debate em torno do ambiente socioeconómico e laboral na colónia açoriana na Nova Inglaterra. Fundado e dirigido por Eugénio Pacheco, durante a sua curta passagem pela cidade de Boston, este semanário foi efémero mas importante, não apenas pelo debate que lançou sobre a vida dos açorianos na costa leste dos EUA, mas ainda pelo empenho que denotou na divulgação da cultura e tradições dos Açores. O presente estudo examina o universo axiológico e semântico do Açores-América, abordando-o em três planos: o jornal enquanto texto; o perfil do seu fundador; o momento histórico vivido nas ilhas açorianas no início do século XX, com incidência na emigração para os Estados Unidos e na formação da consciência identitária das elites urbanas dos Açores. Palavras-chave: Açores, emigração, Nova Inglaterra, diáspora, identidade açoriana. Abstract. The newspaper Açores-América, published in Cambridge, Massachusetts, in1903, appears with the essential objective of bringing to light the conditions of Azorean emigration to America (recruitment, departure, arrival and reception) and promoting the debate on the socio-economic and labor environment in the Azorean community of New England. Founded and directed by Eugénio Pacheco, during his short passage through the city of Boston, this weekly newspaper was ephemeral but important, not only for launching the debate about the life of the Azorean community in the US East Coast, but also for the demonstrated commitment to the dissemination of Azorean culture and traditions. This study examines the axiological and semantic universe of Açores-América, approaching it on three levels: the newspaper in terms of its text; the profile of his founder; the historic setting in the Azorean islands at the start of the 20th century, with incidence on emigration to the United States and on the formation of a conscience of identity by the urban elites of the Azores. Keywords: Azores, emigration, New England, diaspora, Azorean identity. Universo de referências Quando, em 14 de Fevereiro de 1903, Eugénio Vaz Pacheco do Canto e Castro, figura proeminente 1 das elites micaelenses, fundou, em Cambridge, 221

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Percursos Identitários na Diáspora Açoriana: O Jornal Açores-América (1903)

Lusa M. Ponte Universidade dos Açores

Resumo. O jornal Açores-América, publicado em Cambridge, Massachusetts, em 1903, surge com o objectivo essencial de expor as condições da emigração açoriana para a América (recrutamento,embarque, desembarque e acolhimento) e de promover o debate em torno do ambiente socioeconómico e laboral na colónia açoriana na Nova Inglaterra. Fundado e dirigido por Eugénio Pacheco, durante a sua curta passagem pela cidade de Boston, este semanário foi efémero mas importante, não apenas pelo debate que lançou sobre a vida dos açorianos na costa leste dos EUA, mas ainda pelo empenho que denotou na divulgação da cultura e tradições dos Açores. O presente estudo examina o universo axiológico e semântico do Açores-América, abordando-o em três planos: o jornal enquanto texto; o perfil do seu fundador; o momento histórico vivido nas ilhas açorianas no início do século XX, com incidência na emigração para os Estados Unidos e na formação da consciência identitária das elites urbanas dos Açores.

Palavras-chave: Açores, emigração, Nova Inglaterra, diáspora, identidade açoriana.

Abstract. The newspaper Açores-América, published in Cambridge, Massachusetts, in1903, appears with the essential objective of bringing to light the conditions of Azorean emigration to America (recruitment, departure, arrival and reception) and promoting the debate on the socio-economic and labor environment in the Azorean community of New England. Founded and directed by Eugénio Pacheco, during his short passage through the city of Boston, this weekly newspaper was ephemeral but important, not only for launching the debate about the life of the Azorean community in the US East Coast, but also for the demonstrated commitment to the dissemination of Azorean culture and traditions. This study examines the axiological and semantic universe of Açores-América, approaching it on three levels: the newspaper in terms of its text; the profile of his founder; the historic setting in the Azorean islands at the start of the 20th century, with incidence on emigration to the United States and on the formation of a conscience of identity by the urban elites of the Azores.

Keywords: Azores, emigration, New England, diaspora, Azorean identity.

Universo de referências Quando, em 14 de Fevereiro de 1903, Eugénio Vaz Pacheco do Canto e Castro, figura proeminente1 das elites micaelenses, fundou, em Cambridge,

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Massachusetts, o semanário ilustrado Açores-América, os Açores não estavam de forma alguma isolados do mundo. Segundo Maria Isabel João, o tráfego marí-timo, o número de cônsules e vice-cônsules estabelecidos no Arquipélago e o constante fluxo migratório favorecido pelas ligações regulares à América são a prova disso (Os Açores 206). Aliás, referindo-se a S. Miguel, Rui Martins dá igualmente nota deste grande movimento portuário, declarando que, no final do século XIX, o porto de Ponta Delgada era escalado por centenas de navios de longo curso, a vapor e à vela, trazendo inúmeros turistas à ilha (“Representações” 409). Os Açores estavam então ligados ao Reino, à Inglaterra e à América do Norte através de carreiras regulares, e, entre 1877 e 1900, os principais portos açorianos, Ponta Delgada e Horta, eram escalados por navios transatlânticos de grande porte com uma assiduidade média de quase um navio por dia, no primeiro e cerca de dois, no segundo, afirma Maria João (Os Açores 205)2.

A ligação regular e directa dos Açores à América do Norte não era obra do acaso. Entre 1880 e 1920, a emigração atingira valores elevados à escala nacional e, no que respeita aos Açores, o surto migratório foi nessa época sem precedentes em toda a história do Arquipélago3. No entanto, é difícil contabili-zar de forma precisa o contingente total de emigrantes saídos dos Açores durante esses decénios, porquanto a emigração oficial não corresponde ao somatório das saídas dos açorianos para o estrangeiro (Rocha, “O crescimento” 290). Os dados sobre a emigração clandestina apresentados por Chapin não são concordantes com os de Maria João e com os de Mendonça: a estimativa apresentada por Chapin, com base em relatórios informais dos Estados Unidos, aponta números para a emigração ilegal próximos dos 20% da emigração oficial (44), enquanto a de Maria João admite, com base em documentação oficial, que a emigração clandestina era tão relevante como a emigração legal (Os Açores 183), o que vem ao encontro do estudo baseado na análise da imprensa açoriana efectuado por Mendonça (189–93).

A partir da década de 1890, afirma-se uma nova tendência na emigração açoriana: os Estados Unidos da América suplantam o Brasil nos destinos escolhidos pelos açorianos. Porém, esta mudança de direcção observa-se especialmente nos distritos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, já que o distrito da Horta há muito havia optado pela emigração para a América do Norte4. Segundo Maria Isabel João, só no dealbar do século XX se viria a verificar a orientação massiva dos emigrantes dos distritos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo para a América do Norte (Os Açores 189–90). Mendonça interpreta esta mudança de rumo da emigração açoriana como resultante dos seguintes factores:

As melhores condições materiais oferecidas pela América do Norte estariam, supostamente, na base da mudança. A emigração para o Brasil era cada vez mais criticada, ao mesmo tempo que se fazia uma apologia crescente do continente norte-americano e das suas virtualidades. Segundo alguns observadores, aí se poderiam encontrar melhores condições de trabalho e o emigrante não estaria sujeito a um

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clima e actividades tão agressivos e desgastantes como sucedia normalmente no Brasil. (194)

Assim, no final do século XIX, duas empresas portuguesas navegavam de Lisboa e Porto para a América do Norte, fazendo escala nos Açores para transporte de mercadorias e emigrantes: a Empresa Portuguesa de Navegação na década de 1890 e a Empresa Insulana de Navegação, que manterá a carreira entre 1885 e 1910, desistindo nesse ano por falta de subsídios do Estado e concorrência de companhias estrangeiras (João, Os Açores 205; Enes n. pag.). Em 1903, ano em que, como vimos, Eugénio Pacheco funda o jornal Açores-América, as viagens para a América do Norte eram asseguradas pela Empresa Insulana de Navegação e pela companhia marítima de origem britânica Dominion Line5, conforme se pode ver na publicidade presente na generalida-de das edições deste jornal.

Na última década de oitocentos, a esmagadora maioria dos açorianos que emigravam era analfabeta6 e provinha de grupos sociais sem propriedade (jornaleiros, camponeses, domésticas ou então sem profissão), segundo dados estatísticos relativos aos movimentos da população, mencionados por Mendonça e João7. Os emigrantes dos Açores dirigiam-se, nessa época e inícios da centúria seguinte, para a Califórnia, para as ilhas Sandwich ou Havai e para a Nova Inglaterra, designadamente para o sudeste de Massachusetts e Rhode Island. Certas regiões americanas coadunavam-se melhor com os açorianos, quer pelo clima, quer pelas actividades económicas que aí prevaleciam. Assim, parte dos que chegavam à costa leste americana encaminhava-se depois para a Califórnia, onde encontrava facilmente emprego em actividades ligadas à criação de gado e agricultura, ou mesmo em actividades ligadas ao mar8. Leia-se a este respeito o testemunho de um americano da época, publicado no jornal Açores-América:

Mas, enquanto o grosso [dos imigrantes] continua a ficar em Massachusetts e, em menor escala, em Rhode Island, alguns avançam para a Califórnia, que oferece um clima tão ameno como o seu. Os que se fixaram no Pacífico são sobretudo agricultores e estão a dar-se excepcionalmente bem. (Osborne 5)9

Na Nova Inglaterra, embora muitos imigrantes se dedicassem ainda, nas últimas décadas do século XIX, aos trabalhos agrícolas, e às actividades marítimas e a elas ligadas10, uma boa parte viria a integrar o operariado de mais baixa condição tendo que competir com a forte afluência de imigrantes mais bem qualificados vindos de outros países (Mendonça 202)11. Williams afirma que, a partir de 1890, a maioria dos açorianos que chegavam à costa leste dos Estados Unidos se dirigia para Fall River, New Bedford, Taunton, Lowell e Lawrence a fim de se empregar na indústria têxtil então florescente e que, por volta de 1900, o estado de Massachusetts concentrava o maior número de imigrantes portugueses, tendo ultrapassado a Califórnia (27–9).

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De acordo com os dados apresentados por Sacuntala de Miranda, o número de portugueses nos Estados Unidos teria aumentado de 1980 imigran-tes, em 1860, para 104 000, em 1920: 57 485 em Massachusetts, 33 566 na Califórnia e 12 949 em Rhode Island (89)12. A maioria dos imigrantes portugueses era, como se sabe, proveniente dos Açores e, conforme os dados de Fontes, só a partir de 1910 começaram a surgir portugueses do Continente em número significativo (XVI).

Segundo vários investigadores13, as causas da emigração açoriana devem procurar-se na sociedade de origem e são de ordem socioeconómica e demo-gráfica14. Assim, aos problemas estruturais próprios da economia e sociedade açorianas – arcaísmo da agricultura, fraca expressão do sector industrial, desigual distribuição da propriedade e riqueza (sobretudo em S. Miguel), desequilíbrio entre o crescimento demográfico e o crescimento económico das ilhas –, veio juntar-se a recusa do serviço militar e, nos finais do século XIX, uma conjuntura de crise ligada à ruína das vinhas, ao declínio do comércio da laranja e ao encerramento das fábricas do álcool já no início do século XX. Sacuntala de Miranda descreve desta forma o final do primeiro ano da centúria de novecentos, na ilha de S. Miguel:

Em Dezembro de 1901 . . . inicia-se o mais longo período de desemprego e fome na ilha de S. Miguel. O único caminho, tanto para os pequenos como para os grandes rendeiros, é entregar a terra ao senhorio, hipotecar ou vender a casa e partir para os Estados Unidos, onde parentes e vizinhos se oferecem, de braços abertos, para acolher e ajudar a encontrar trabalho, amortecendo o choque de entrada nesse país onde a vida está longe de ser fácil. (90) Por conseguinte, os tão alegados factores de ordem psicológica, como o

espírito de aventura, a presença do mar, o desejo de fazer fortuna, ou o simples mimetismo, não constituíram as causas profundas da emigração, funcionando antes como estímulos, porque a terra natal do açoriano não lhe permitia melhores condições de vida15. “A emigração açoriana traz o selo da injustiça, da necessidade, do sofrimento; é uma emigração dolorosa”, declara Valadão Serpa a este respeito (129)16.

De acordo com Reis Leite (“Novas formas” 23–5) e Isabel João (Os Açores 254–62), os Açores viveram ainda, no final do século XIX, tempos políticos conturbados. Eclode, nessa época, o primeiro movimento autonomista açoriano, dirigido pela elite político-económica micaelense. O movimento culmina com o Decreto de 2 de Março de 1895 que concedia aos distritos do arquipélago dos Açores e da Madeira a possibilidade de requererem a aplicação de um regime de autonomia administrativa. Aliás, desde o início da década de 1850, assistira-se no Arquipélago à afirmação progressiva de um discurso que pretendia caracterizá-lo como realidade peculiar no espaço nacio-nal português. O governo central não encarava os Açores desta forma, aplican-do indiscriminadamente nas ilhas leis que as elites locais consideravam nefastas aos Açores e aos seus habitantes. O descontentamento face a Lisboa era geral, acentuando-se nos açorianos o que Carlos Cordeiro chama oportunamente

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“uma noção ressentida da diferença” (Insularidade 80). E, se é certo que só na segunda e terceira décadas do século XX a construção da narrativa identitária açoriana conhecerá impulso notável17, o conceito de que os açorianos são dife-rentes dos continentais e de que os Açores são uma excepção no contexto português está patente, explícita e implicitamente, na imprensa da segunda metade do século XIX. Por conseguinte, não é excessivo afirmar que nessa época se lançou a ideia em que iria assentar mais tarde o discurso identitário do Arquipélago e segundo a qual a geografia é tão importante quanto a história na construção da dimensão existencial dos açorianos (Nemésio 249). Para o antro-pólogo Rui Martins, observa-se, nos Açores do século XIX, a formação de “múltiplas identidades de referência arquipelágica, pluri-insular, insular e municipal” (“Os Costumes Populares” 39). Assim, e ainda de acordo com o mesmo autor:

Ao longo de todo o século XIX e nos princípios do século XX, assiste-se no arquipélago dos Açores à progressiva formação de consciências identitárias nas elites locais, consciências essas alicerçadas em representações da diferença, da singularidade e do valor de inúmeros aspectos da realidade natural e cultural das ilhas. (“Os Costumes Populares” 35)

Rui Martins salienta a diversidade de referentes identitários produzidos ao longo desse século pelas elites urbanas dos Açores: paisagem edénica e património natural, recursos económicos (o ananás, o tabaco), usos e costumes populares (trajes típicos), memória histórica e património arquitectónico. Porém, afirma ainda o mesmo autor, no final do século XIX, as elites açorianas (e em particular a elite intelectual e política micaelense) haviam escolhido a cultura popular, os valores da natureza e da paisagem, e os monumentos históricos como referentes identitários fundamentais. Estes referentes eram objectivados em representações emblemáticas (desenhos, gravuras, fotografias, pinturas e cerâmicas), em obras de história natural, corografias locais e trabalhos de história dos Açores (“Os Costumes Populares” 39, 42; “Representações” 409, 413–14).

Com o crescente afluxo dos imigrantes portugueses aos Estados Unidos da América, nasce e desenvolve-se a chamada “imprensa étnica portuguesa”. Segundo afirma Leo Pap no seu estudo intitulado “The Portuguese Press”, nem todos os jornais escritos em língua portuguesa podem ser considerados como “imprensa étnica”. Nesta categoria devem incluir-se os periódicos escritos em português por e para os imigrantes portugueses e ainda aqueles escritos em inglês, dirigidos aos filhos de imigrantes nascidos e/ou educados na América, devendo excluir-se a imprensa que se destinava aos falantes de português da América do Sul (Brasil) com o objectivo de com eles estabelecer relações comerciais e culturais (291).

O primeiro periódico de língua portuguesa produzido nos Estados Unidos da América por e para os imigrantes portugueses intitulava-se Jornal de Notícias e foi fundado, em 1877, pelo florentino Manuel Maria Vicente, em

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Erie, no estado da Pensilvânia. No estado da Califórnia, o primeiro jornal, fundado pelo brasileiro Manuel Stone e intitulado Voz Portuguesa, aparece em 1880, na cidade de S. Francisco. Na Nova Inglaterra, a imprensa em língua portuguesa inicia-se no início da década de 1880 com o Luso-Americano, em New-Bedford e A Civilização, em Boston, este último fundado pelo picoense Manuel das Neves Xavier e por Miguel M. Sereque18. A partir daí, os títulos começam a multiplicar-se e quando, em 1903, surge o Açores-América, já havia alguma tradição jornalística na diáspora luso-americana19. Segundo a informação de Pap, por volta de 1910, havia três periódicos na Califórnia, alguns no Havai e sete semanários de pequena circulação na Nova Inglaterra (dois em Boston, dois em Fall River, dois em New Bedford e um em Lowell)20.

Até ao advento do primeiro programa de rádio, fundado em Julho de 1935 pelo imigrante terceirense Arthur Ávila e intitulado “Hora Portuguesa” (F. Silva, “Os meios de comunicação” ed. 15 Fev.), os jornais em língua portuguesa eram o meio privilegiado de informação sobre as comunidades da diáspora luso-americana. Através deles, perpetuava-se ainda no seio da comuni-dade imigrante a língua e a cultura portuguesas, bem como a ligação dos imigrantes à sua terra de origem21. O jornal Açores-América não constituirá excepção. As estratégias e as opções do semanário fundado por Eugénio Pacheco enquadram-se no universo de referências que esboçámos, preten-dendo responder às questões mais prementes que se colocavam aos imigrantes açorianos, nessa época chegados à costa leste dos Estados Unidos. No entanto, este periódico destaca-se da imprensa imigrante da época pela qualidade dos seus artigos, pela profundidade e pertinência com que aborda a problemática da emigração açoriana para a América do Norte, pela pujança do debate que lançou sobre as condições de vida da comunidade açoriana na Nova Inglaterra, e ainda pelo empenho na divulgação da cultura e tradições açorianas, numa época em que, segundo Riley, a imprensa imigrante portuguesa não manifestava ainda interesse na divulgação da cultura e dos valores da terra de origem (150, 151). Para tal, o Açores-América vai beneficiar muito da personalidade do seu fundador e da presença, no jornal, de outra figura eminente da intelectualidade açoriana, o faialense Manuel Garcia Monteiro, em Boston desde 1884.

Eugénio Pacheco, Garcia Monteiro e o jornal Açores-América Eugénio Vaz Pacheco do Canto e Castro (1863–1911) nasceu em Ponta Delgada, no seio de uma das mais antigas e nobres famílias da ilha de S. Miguel. Destacou-se como professor, investigador, jornalista e político. Foi membro da Societé Française de Minéralogie por proposta do cientista Ferdinand Fouqué, com quem conviveu em Paris22. Era detentor de um forte capital económico e cultu-ral, que lhe teria com certeza permitido levar uma vida calma e ocupar posições elevadas na hierarquia social. Para isso bastava que se tivesse acomodado ao conservadorismo micaelense, nessa época assumidamente monárquico e domi-nado pelos preceitos do elogio mútuo (Barbosa 44; Mesquita 149). Não foi porém essa a sua escolha. As suas posições políticas republicanas e o jornalismo

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de combate que praticou deram origem a conflitos e incompreensões por parte da sociedade local. Só tarde aderiu ao movimento autonomista e foi crítico incisivo do Decreto de 2 de Março de 1895, o que lhe valeu muitas contrarieda-des23. De “espírito incómodo e intransigente na denúncia de procedimentos pouco transparentes” (Luz 261), Eugénio Pacheco envolveu-se em várias polémicas24 que “deram dele a imagem dum temperamento imprevisível e intempestivo, impermeável à conveniência de concessões ou compromissos para com eventuais pressões ou conjunturas sociais” (Luz 260). Quando funda o jornal Açores-América era já um experiente jornalista, com muitos e variados textos dispersos pelos jornais da época, bem como inúmeros opúsculos e panfletos editados separadamente. Fora fundador, proprietário, redactor, impressor e administrador do jornal O Preto no Branco e redactor do Autonomia dos Açores, colaborara no Archivo dos Açores, e ainda nos jornais Diário de Annúncios, O Norte, O Novo Micros e O Localista, entre outros. Nestes periódicos, combatera sempre pelo desenvolvimento da sua ilha, abordando as mais variadas questões, designadamente etnográficas, históricas, filosóficas, linguísticas, literárias e pedagógicas. Segundo Urbano de Mendonça Dias, foi “um dos filhos que muito amou a sua Ilha . . . e que mais devotamente a serviu” (611). Envolveu-se ainda nas questões relacionadas com a protecção aos emigrantes, denunciando, no seu opúsculo Escravatura Branca, os abusos e as ilegalidades exercidos sobre os açorianos que emigravam para o Havai, sem se coibir de mencionar os responsáveis. Neste texto quase panfletário, que Mesquita considera um “testemunho notável da sua capacidade interventiva, espécie de jornalismo investigativo avant la lettre” (149), e do qual transcrevemos um pequeno excerto, estão bem patentes a frontalidade e audácia do seu carácter:

Pode isto admitir-se? Pode consentir-se uma operação destas nas bochechas de toda a gente? Pode defender-se este tráfico vergonhoso de homens? O negócio é livre; mas as explorações são proibidas e castigadas pelo Código Penal…(2) Não se contratam homens como se vendem animais; não se arrebanham legiões de estrangeiros como se arrebanham carneiros. A escravatura está abolida por lei. Nós vivemos em S. Miguel e S. Miguel não é a África. Pertence à Europa. (4)

Pelo que temos vindo a relatar, compreende-se que, ao chegar a Boston,

em Outubro de 1902, Eugénio Pacheco se envolvesse nas questões ligadas à emigração açoriana para os Estados Unidos da América. Funda então o jornal Açores-América, escolhendo uma vez mais a escrita e o jornalismo como forma de intervenção social e define nestes termos o “programa” do semanário em questão:

O Açores-América propõe-se cooperar com os seus Colegas dos Açores na grande propaganda a favor de todas as ideias e de todas as iniciativas que directa ou indirectamente possam determinar qualquer melhoria nas condições da emigração

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para a América, e, por consequência, no desenvolvimento e progresso da Colónia açoriana aqui. (“A que vimos” 2)

No mesmo artigo, precisa ainda que ao Açores-América apenas interessam temas de interesse geral, “nunca questões de carácter religioso ou invectiva pessoal” e termina sublinhando um aspecto segundo ele relevante para que o projecto editorial acima enunciado fosse exequível: “ [conseguir] que os Açores comecem a conhecer um poucochinho melhor a América, e, vice-versa, que a América entre a conhecer os Açores, mais de perto” (2), como, aliás, o próprio nome do jornal o sugere.

As passagens do artigo “A que vimos” acima trasladadas demonstram que o Açores-América foi um jornal da e para a diáspora açoriana residente naAmérica. Dirigia-se a ela e ainda aos que com ela se relacionavam, ou seja, aos leitores residentes nos Açores, Portugal Continental e Brasil, a julgar pela infor-mação sobre o preço das assinaturas e jornais avulsos para cada uma destas regiões. Graças ao carácter socialmente empenhado de Eugénio Pacheco acima delineado, este semanário será antes de mais um jornal de reflexão e de com-bate pela melhoria das condições de emigração para a América e sucesso da colónia imigrante açoriana naquele país. Contudo, a erudição do seu fundador imprimir-lhe-á ainda preocupações de ordem cultural numa época em que a maioria dos potenciais leitores da imprensa portuguesa era analfabeta. Segundo dados estatísticos da imigração para os Estados Unidos, mencionados por Pap, entre 1899 e 1910, 70% dos imigrantes portugueses não sabiam ler nem escrever (293).

A presença de Garcia Monteiro como colaborador do jornal contribuirá para a afirmação da linha editorial definida pelo seu fundador25. Oriundo da cidade da Horta, capital literária dos Açores na segunda metade do século XIX, Monteiro era de origem modesta, e estreara-se como poeta no periódico O Faialense e como jornalista, um pouco depois, apenas com 15 anos, na redacção do semanário satírico hortense O Passatempo. Mais tarde fez-se tipógrafo e fundou O Açoriano, um dos mais importantes jornais da Horta naquela época.

Era, tal como Eugénio Pacheco, um combatente. Demonstram-no as lutas que travou para prosseguir estudos, primeiro na sua terra, depois já em solo americano, onde se fez médico, estudando de dia e trabalhando à noite, como tipógrafo, no Boston Herald. Fora para a América, insatisfeito, “em busca de melhor sorte” (U. Dias 266) e, ainda antes de se encaminhar para Boston ten-tou a experiência jornalística, fundando e dirigindo, em New Bedford, o jornal Luso-Americano, que terá deixado de se publicar, não por falta de colaboradores, como o próprio Monteiro declara (“A Henrique” 30), mas por falta de assinan-tes, se tivermos em conta o que nos diz Eduíno de Jesus (40). O seu espírito combativo manifesta-se ainda no esforço que despendeu para conseguir organizar, compor, imprimir e publicar sozinho a obra Rimas de Ironia Alegre, em Boston, já depois de “findo o curso [de medicina] e quando as preocupações do [sic] struggle for life se tornaram menos penosas” (Monteiro, “Nota” 113).

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Garcia Monteiro foi reconhecido e admirado ainda em vida, designada-mente em Lisboa, onde estivera com a finalidade de estudar, aí se relacionando com vários intelectuais, entre os quais Fialho de Almeida que se lhe refere em termos elogiosos (31). Por sua vez, o periódico micaelense A Actualidade aponta o autor de Rimas de Ironia Alegre como uma das maiores personalidades daintelectualidade açoriana, sublinhando “a sua ironia sagaz e espontânea” e elevando-o à categoria dos que “melhor sabem ver a realidade e fazer-lhe a punção aos podres pelo riso” (“Dr. Garcia” 128). Mais tarde, Eduíno de Jesus considerá-lo-á “não só um grande poeta do seu tempo, mas o único grande poeta satírico que o parnasianismo revelou” (43), e Pedro da Silveira conceder-lhe-á lugar de grande destaque entre os parnasianos portugueses (169). Por seu turno, Vamberto Freitas aponta-o como tendo sido possivelmente o primeiro grande escritor e intelectual português nos Estados Unidos da América, acrescentando que “a par da sua obra estritamente criativa nos legou alguma da prosa mais contundente sobre a América e a experiência imigrante” (37, 166). Aliás, a América tê-lo-á desencantado, como teremos oportunidade de referir no ponto seguinte deste trabalho. Mas nem por isso regressou à sua terra, que amava profundamente (Monteiro, “A Henrique” 30).

Pelo que temos vindo a expor, é natural que os artigos publicados por Garcia Monteiro no Açores-América se enquadrassem na linha programática do jornal, igualando os de Eugénio Pacheco na profundidade das análises e estabelecendo com eles uma relação de complementaridade quanto aos conteúdos que abordavam.

O arranque deste semanário ilustrado não terá sido fácil, a julgar pelas palavras do seu fundador:

Até hoje temos tido tantos e tamanhos contratempos, tantas e tamanhas dificuldades a vencer que, outrem menos corajoso ver-se-ia obrigado a ceder o campo, e desistir desta publicação. Nós, porém, temos lutado e nãoesmorecemos a meio do caminho. Havemos de ir para diante, custe o que custar, e dê por onde der. (“Aos nossos assinantes” 22)

A imprensa imigrante lutava, então, com muitas dificuldades. Segundo Pap, antes da chegada dos imigrantes mais alfabetizados, durante e após a Primeira Guerra, os periódicos portugueses eram produzidos em prelos destinados à impressão de panfletos, recibos, bilhetes e os jornais só floresciam quando os prelos em questão prosperavam, e isto independentemente do número dos seus assinantes (295). Assim, a primeira edição do Açores-América saiu a 14 de Fevereiro de 1903 e a segunda só foi possível duas semanas depois, devendo-se o atraso a problemas na montagem do jornal, conforme explicação da redacção26. A partir daí, e até ao final, o jornal publicou-se semanalmente. A distribuição também não se revelou fácil, devido a atrasos do correio e a outros contratempos que Eugénio Pacheco refere em artigo dirigido aos assinantes da publicação:

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Tem-se feito uma guerra surda ao Açores-América, procurando propalar que ele vai faltando às condições de assinatura a que se obriga. Cada qual usa as armas de que dispõe e emprega os processos de combate em que é vezeiro. Não estranhamos, por isso, que se guerreie o nosso jornal na sombra e não haja coragem para o atacar à luz do sol, diante de toda a gente”. (“Aos nossos assinantes” 22)

Apesar do explícito no parágrafo acima transcrito, o novo periódico foi aplaudido por outros já existentes na Nova Inglaterra, designadamente pelo Correio Português e pelo jornal O Independente, de New Bedford. Era também conhecido na Califórnia, onde os periódicos Liberdade, bem como o União Portuguesa e O Reporter, se lhe referiram de forma lisonjeira. Foi também conhecido em Lisboa, onde o Voz da Pátria transcreveu, a partir do Açores-América, a “Carta aos Faialenses” da autoria de Garcia Monteiro inicialmente publicada no jornal O Faialense. Por seu turno, a imprensa micaelense recebeu com júbilo o Açores-América, nomeadamente o Heraldo, o Norte e A Folha, perió-dico dirigido por Alice Moderno. O primeiro considera-o um jornal que “honra a imprensa portuguesa sem embargo da publicação ser feita em país estran-geiro”; o terceiro refere a qualidade gráfica e literária do jornal, acrescentando que a colónia açoriana merece ser representada por um órgão de imprensa à sua altura (“Referências” 78, 101); e o Norte refere-se-lhe nestes termos:

No Açores-América são versados assuntos do mais vivo interesse especialmente para nós açorianos a quem a causa da emigração para os Estados Unidos toca muito de perto e de modo particular.

Por tais motivos esta revista tem direito a uma justa e larga aceitação do público que não saberá mostrar-se indiferente à solução dos graves problemas aos quais anda ligada a nossa prosperidade. (“Referências” 85)

A partir da sexta edição, António George passa a ser o administrador do jornal (“Em redor de nós” 43). Na edição seguinte e em conformidade com o que a Redacção vinha a defender – a criação de cooperativas, como forma de resolver os problemas mais prementes dos imigrantes portugueses –, Eugénio Pacheco cede a propriedade do periódico que fundara à Cooperativa Açores-América, ficando apenas como editor. Esta mudança não altera o perfil do Açores-América, que conservará até ao final a marca do seu fundador, fazendo jus ao seu projecto editorial. De facto, a presença de Pacheco no jornal será sempre forte, quer pela quantidade, quer pela qualidade dos artigos que publicou até à última edição do jornal.

Jornal da diáspora e para a diáspora açoriana, este semanário vai organizar o seu universo semântico e axiológico em torno de dois eixos essenciais: porum lado, as condições sociais do imigrante açoriano nos Estados Unidos e a resolução dos seus problemas mais urgentes; por outro, a ligação aos Açores como terra de origem. Porém, se a primeira característica surge claramente expressa nas intenções programáticas do jornal, o mesmo já não se pode dizer da segunda.

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O jornal enquanto texto: discursos e práticas identitárias

A struggle for life e o “princípio de cooperação integral” Segundo Rosa e Salvato Trigo, o fenómeno emigratório terá contribuído para emergência de um sentimento de pertença a uma mátria27 “dando um espírito de unidade aos ilhéus que se encontravam na rota da emigração com destino comum”, assim originando solidariedades, e atenuando preconceitos e rivalidades ancestrais existentes entre os açorianos provenientes das diversas ilhas dos Açores (195). Reis Leite reforça esta ideia ao afirmar que “açoriano, orgulhosamente açoriano, só em território ‘estrangeiro’, fora das ilhas e em oposição ao outro [que não é açoriano]. Na pátria, na pequena pátria insular, há terceirenses, micaelenses, faialenses. . ., mas dificilmente haverá açorianos”. (Leite, “A Consciencializa-ção” 149–50). Assim, no estrangeiro, longe do espaço insular, o imigrante não é só o habitante da Terceira, do Pico, do Faial, de S. Miguel, ou de outra ilha, mas também o açoriano; a solidariedade torna-se importante, esbatem-se as diferen-ças, atenuam-se diferendos e bairrismos, embora não possamos dizer que estes últimos desapareçam completamente, porquanto, como afirma Machado Pires, “o açoriano tem a sua ilha como cosmos” e “onde quer que ele esteja no mundo [. . .] evoca permanentemente imagens da sua ilha [. . .] e descreve-a, de facto, como o centro do universo” (18)28.

O perfil do jornal Açores-América aponta no sentido da união de toda a comunidade imigrante açoriana na Nova Inglaterra; as tomadas de posição de Eugénio Pacheco enquanto director e fundador deste periódico também. Os escritos que Pacheco nos deixou são em grande parte sobre problemáticas relacionadas com a ilha de S. Miguel29. Até a sua visão da Autonomia foi condicionada pelo espaço da ilha (Luz 158). “A Ilha é quase a categoria dum Estado sui generis, que se considera com recursos para viver sobre si”, afirma ele em “Como Havemos de Fundar a Pátria Michaelense-I” (191). Todavia, a noção de arquipélago não está ausente do seu pensamento, explica Brandão da Luz, dado que Eugénio Pacheco reconhece a existência de problemas comuns a todas as ilhas e portanto próprios do arquipélago, defendendo, por este motivo, a criação de uma federação açoriana (158).

Chegado à América, e apesar de micaelense, não é a colónia micaelense que interessa a Eugénio Pacheco defender, mas os Açores e os açorianos considerados como um todo. O Açores-América surge com este objectivo, como já afirmámos. Na segunda edição, Eugénio Pacheco salienta as “necessidades morais” da colónia imigrante, afirmando que “tudo quanto se faça para unir esforços da parte da Imprensa equivalerá à principal satisfação dessas necessi-dades”. (Pacheco, “Aos nossos colegas” 10). Esta sua posição manifesta-se no jornal a vários níveis: na forma como ele apresenta as personalidades que escolhe homenagear em “As nossas Gravuras”; na rubrica “Em redor de nós”, presente em todos os números do jornal e exclusivamente dedicada à vida da colónia açoriana; e, sobretudo, em artigos da autoria do próprio Eugénio

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Pacheco, mas também de Garcia Monteiro e ainda de um outro colaborador, de nome J. M. Cunha, sobre os Estados Unidos da América e a emigração açoriana para este país.

Em “As nossas Gravuras”, as personalidades que Pacheco decide homenagear são sobretudo imigrantes açorianos que se evidenciaram como beneméritos da colónia açoriana, (4, 10, 74, 83). São provenientes de várias ilhas dos Açores, mas em alguns casos, como os de Maria Lima e Manoel Vieira da Rosa, tão pouco existe a preocupação de nomear a ilha onde nasceram (74, 83); noutros, as pessoas escolhidas são apresentadas como açorianos exem-plares. É o caso dos reverendos A. J. Pimentel (10) e Manoel Vieira da Rosa (83), e até de Garcia Monteiro, sobre quem Pacheco afirma que “possui em alto grau as feições características da Raça açoriana: – a perspicácia da inteligência e a tenacidade, paciente e sofredora até ao sacrifício, da vontade” (10).

A rubrica intitulada “Em redor de nós” é um noticiário na sua maioria constituído por informações breves sobre partidas, chegadas, doenças, baptiza-dos, casamentos, mortes e outros acontecimentos relativos ao quotidiano da colónia açoriana dos diferentes centros urbanos da Nova Inglaterra. Nela en-contramos ainda informação sobre outros periódicos, ou sobre visitas de colegas representantes da imprensa de outras cidades, como a que se refere à vinda de jornalistas de Honolulu. A partir da quinta edição do Açores-América, a esta rubrica vêm juntar-se as notícias dos correspondentes do jornal em cidades dos estados de Rhode Island, Massachusetts e Nova Iorque, designadamente, Bristol, Lawrence, Taunton, Providence e New Bedford, procurando-se desta forma pôr em contacto as comunidades imigrantes dispersas pela Nova Inglaterra30.

É nos artigos sobre a emigração açoriana para a América que se nota mais a importância que a união de toda a comunidade açoriana assume no jornal, como forma de resolver os problemas sociais inerentes à emigração. O Açores-América dedica a esta questão um grande espaço na sua geografia textual. Eugénio Pacheco encarava a emigração para este país como factor de desen-volvimento comercial, industrial e turístico do Arquipélago. Considerava urgente tratar a emigração com o devido cuidado, pois os Açores tinham recur-sos para resolver o défice de mão-de-obra e consequente subida de salários que a emigração engendrava, mas não tinham recursos que lhes permitissem viver sem o ouro da América (Pacheco, “O Problema da Emigração” 9). Sem ele, afirma em “A que Vimos”, a crise monetária seria inevitável causando em pouco tempo a ruína do comércio externo e a paralisação das fontes de trabalho interno (2). Partidário de que a emigração devia ser incentivada pelas razões aqui sintetizadas, Pacheco dedica a este tema um longo artigo publicado em várias edições do jornal e intitulado “O problema da emigração para a América” que constitui, em nosso entender, uma análise profunda das condi-ções sociais da emigração açoriana para este país (9, 18, 25–6, 3–34, 41, 65, 73, 81–2, 91). É a “face moral” da emigração que ele pretende primeiro descrever, para depois apontar as soluções eficazes a fim de melhorar as condições de vida

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do imigrante dos Açores em solo americano, como afirma no parágrafo final do primeiro trecho deste artigo, publicado na segunda edição do jornal (9).

“O problema da emigração para a América” continua nas quatro edições subsequentes do Açores-América, com uma descrição minuciosa das condições e da psicologia do emigrante, acompanhando a par e passo a sua vida, desde a sedução pelo sonho de uma América paradisíaca, até ao surgimento dos primeiros problemas de saúde, que sobrevêm geralmente pouco tempo após a chegada em terras do Tio Sam, por motivos relacionados com o clima e com as precárias condições de trabalho (18, 25, 26, 33, 34, 41). São páginas que fazem lembrar o seu opúsculo Escravatura Branca, nas quais denuncia com veemência a tentação que sobre o camponês “incauto” e “canhestro” exercem os engaja-dores (18). Poucos lhes resistem. “Vítima de boa-fé”, o camponês confia neles e facilmente larga sem hesitar os seus “penates”, vende tudo e vai em cata de fortuna, “à menor contrariedade que encontra na vida”. Parte no primeiro vapor que aparece “conduzido como qualquer cabeça de gado”, já nessa altura assaltado muitas vezes pelas primeiras dúvidas, pois já é tarde para retroceder (18)31. Anotamos, aqui, que Eugénio Pacheco não realça a miséria do açoriano como principal motivação para a emigração, mas a atracção que sobre ele exerce “o famoso El Dorado da América que tantas vezes lhe pintaram” (18), ao contrário do que pensavam alguns dos seus contemporâneos32 e a mais abalizada investigação histórica tem vindo a defender33. Leia-se este excerto em que Pacheco descreve o desembarque:

Não tardam em terra, depois de semana e meia de enjoos e ânsias, de desilusões e cuidados, algumas centenas de pessoas que trocaram os seus cómodos e uma vida relativamente fácil por uma aventura perigosa, cujas consequências não puderam ou não souberam medir à justa e a tempo. (33)

A parte de “O problema da emigração para a América” consagrada ao

desembarque em terras americanas, à “descarga de carne branca” como Pacheco o designa (26), coloca-nos perante uma visão pessimista do país de acolhimento. O autor sublinha com sarcasmo as humilhações sofridas pelo açoriano, desde o primeiro controlo feito ainda no navio pelas “zelosas gentes” (25) à chegada a terra, onde o açoriano será ainda vítima de mais vexames, até lhe ser dada permissão de entrada em terras americanas. Depois, vem a descrição da vida do imigrante. Uma espécie de calvário: os problemas de saúde devido ao clima e ao excesso de trabalho; os despedimentos; a concorrência da mão-de-obra estrangeira, mais bem qualificada do que a açoriana, que era na sua maioria analfabeta; a rua, por não poder pagar o aluguer ao senhorio em tempo de doença ou desemprego (41, 65). A América que Eugénio Pacheco nos apresenta neste seu longo artigo é um país desumanizado. “Mede-se tudo pela mesma bitola, porque no fim de contas o que se requer não são homens educados pela experiência da sua arte, mas verdadeiros autómatos que possam em tudo competir com as máquinas” (33). Não é terra para todos os que pretendem emigrar, afirma ainda Eugénio Pacheco em “O problema da

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emigração para a América”, porque não tem falta de braços e a concorrência entre imigrantes é muita (65). E os açorianos, apesar de resistentes e dóceis, estão em situação de inferioridade face aos irlandeses e italianos (65). Os irlandeses sabem a língua e são mais robustos do que os açorianos; os italianos estão organizados, protegendo-se mutuamente através das suas cooperativas de produção e consumo, dos seus restaurantes, lojas e armazéns, tendas e oficinas (65). A comunidade açoriana está ainda em situação de inferioridade porque a maioria dos emigrantes é analfabeta, não sabe uma palavra de inglês e chega à América com ideias incorrectas acerca das condições de vida que vai encontrar (65). Nestas circunstâncias, “a liberdade de emigrar não pode ser absoluta”, afirma Eugénio Pacheco (65), competindo ao poder político tomar medidas coercivas e à imprensa medidas persuasivas para restringir a emigração. Ademais, é necessária a cooperação entre as sociedades portuguesas de beneficência estabelecidas na América, no sentido de garantir trabalho ao emigrante português (65). Assim, a última parte de “O problema da emigração para a América” é dedicada por Pacheco às soluções (65, 73, 81–2, 91). A legislação sobre a emigração deve, segundo o autor, fixar os limites de idade e o número de filhos a cargo do “chefe de família”; excluir os doentes e os analfabetos, determinando mesmo o grau de instrução e cultura para se poder emigrar (65)34. Mas não basta a acção coerciva da Lei. A imprensa tem um papel complementar a esta, através da persuasão. Deve, segundo Pacheco, fomentar todas as iniciativas de interesse público e a emigração é uma delas, mas ser cautelosa “para com toda a empresa que ponha em jogo as tendências aventureiras e peregrinantes da nossa Raça” (73). Assim:

Diga-se . . . a verdade nua e crua. Nada de reservas nem de ambiguidades. As coisas como elas são e mais nada. Isso basta! O essencial quanto a nós, consistirá em mostrar que nem todos estão em condições de procurar trabalho na América, nem a América pode já fornecer colocação a quantos para ela emigram sem a preparação necessária. (73)

Compete à colónia imigrante açoriana contribuir também para a resolução dos seus próprios problemas. O papel fundamental cabe, segundo Pacheco, às associações de socorros mútuos. No entanto e apesar das facilidades facultadas para a inscrição e admissão nas mesmas, muitos imigrantes não compreendem essa necessidade e não se inscrevem (81). Ainda segundo Eugénio Pacheco, para além do auxílio prestado em caso de doença e morte, os socorros mútuos deviam subordinar-se a um princípio de interesse geral e colectivo, isto é, um princípio de “cooperação integral”, transformando-se em verdadeiras coopera-tivas. Para aplicar este princípio de cooperação integral, era imprescindível que as associações prestassem auxílio às empresas de açorianos; ajudassem com os seus fundos as cooperativas existentes, contribuindo para a criação de outras, em vez de depositarem nos bancos os saldos das suas despesas anuais; e cooperassem entre si, tendo em vista o interesse dos açorianos em geral e não o interesse das ilhas (81–2). A fusão de todas as associações seria não só

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impossível, como desnecessária, mas “é de todo o ponto realizável a Coopera-ção de todas elas, subordinada a um ideal superior que não importe apenas a esta ou àquela Ilha, mas que interesse ao arquipélago em geral”, precisa Eugénio Pacheco (81). As condições de vida do imigrante melhorariam se se implementasse, nas associações, organizadas em cooperativas, os três elementos da “cooperação integral”: garantia de trabalho, economia de sustentação e facilidade de crédito (91). Pacheco só terá oportunidade de expor o primeiro elemento, porque o jornal só sairá mais uma vez e nesse número não encontra-mos a conclusão deste seu longo artigo. Assim, as cooperativas deviam garantir o trabalho: empregando o imigrante nos seus estabelecimentos industriais ecomerciais, ou criando “agências de colocação”, à semelhança do modelo italiano; e ainda assegurando uma remuneração em época de desemprego, doença ou outro motivo de força maior. No segundo caso, Eugénio Pacheco preconiza a criação de um fundo especial de pensões análogo ao “benefício mortuário” das sociedades de socorros mútuos, com base em cotas semanais dos sócios da cooperativa (91).

O Açores-América dá espaço à expressão de outras ideias para minimizar as condições de vida degradantes da colónia açoriana, através das vozes de Monteiro e do colaborador de nome J. M. Cunha. Não apresentando eles as mesmas soluções de Eugénio Pacheco, os seus pontos de vista enquadram-se na linha programática do jornal, alargando a reflexão e abrindo o leque das perspectivas possíveis e passíveis de serem utilizadas para solucionar os problemas socioeconómicos da comunidade imigrante açoriana. Enquadram-se ainda na perspectiva de Eugénio Pacheco na medida em que preconizam a união da colónia para o conseguirem. Cunha veicula, nos seus artigos, um ideário socialista. Não terá oportunidade de concluir o seu projecto por causa do fim repentino do jornal (Cunha 73–4, 85, 106). Garcia Monteiro aparece pela primeira vez no Açores-América por iniciativa de Eugénio Pacheco, que decide divulgar a sua “Carta aos meus Conterrâneos”, publicada no ano anterior no jornal O Faialense (30, 36). Nessa altura, a América já o desencantara. Em 1884, referira-se-lhe como um “país maravilhoso”, dois anos depois qualificara-o de “país brutalmente trabalhador e egoísta (. . .) em que o [sic] struggle for life tem a ferocidade sombria de animais famintos que tentam devorar-se uns aos outros”. (“Cartas da América” 24, “A Henrique” 30). Em “Carta aos meus Conterrâneos”, reafirma a sua visão negativa da América, partilhando com Eugénio Pacheco a ideia de que a vida nos Açores era melhor do que a que os açorianos tinham na América; e ainda a noção de que a juventude criava falsas expectativas relativamente aos Estados Unidos, deixando facilmente uma vida “modesta, mas de relativo conforto” por “trabalho duro, privações e amarguras” na mira de “um par de boots e um chapéu estapafúrdio” (35). Em todos os artigos que Monteiro escreve no jornal Açores-América sobressai a visão negativa que ele foi construindo sobre este país que qualifica de “inferno social” (Monteiro, “O Padre Thomaz” 49), reforçando desta forma a imagem negativa da América, subjacente nos artigos

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de Eugénio Pacheco. “Caros conterrâneos, isso por aí vai mal, mas deem graças a Deus por não estarem nas unhas dos monopolistas americanos”, afirma Garcia Monteiro a este propósito (35).

Realçamos que, no Açores-América, não existem artigos que apontem no sentido de uma integração do imigrante açoriano na sociedade americana, apelando por exemplo, à importância de votar em eleições, ou de progredir no âmbito escolar. Exceptuando o artigo de Pacheco intitulado “O Presidente Theodoro Roosevelt” (1) e os de Garcia Monteiro (“A crise” 2–3 e 12, “O Padre Tomaz” 30–6, “Uma Conferência” 67, “Quem paga as favas” 92), não nos deparámos com outros artigos que abordem a sociedade, a história ou a política americanas35.

Os Açores como terra de origem A consciência nacional dos açorianos era, segundo Mesquita (160), “algo de longínquo e remoto” para o fundador do Açores-América, embora ele reconhecesse algumas dependências de ordem histórica e mercantil dos Açores relativamente ao Continente. Quando se referia aos laços de nacionalidade existentes entre os açorianos e o espaço nacional, Pacheco exprimia-se de forma negativa, considerando-os muito ténues, afirma ainda o mesmo investigador (160). Esta fragilidade dos elos culturais que prendiam os Açores a Portugal seria ainda, na opinião de Mesquita, mais afirmada do que argumentada por parte de Eugénio Pacheco, como se o desapego açoriano face ao todo nacional se impusesse como uma evidência (160–61). Tendo em conta o facto de a maioria dos imigrantes portugueses ser, na época, proveniente dosAçores, era natural que no jornal Açores-América a presença de Portugal se esbatesse ao lado da do Arquipélago dos Açores, que neste jornal se consubstancia como a verdadeira e única terra de origem da comunidade imigrante açoriana.

A ligação aos Açores é estabelecida através de várias secções do jornal. Em todas as edições do Açores-América, exceptuando a de 21 de Março, a rubrica intitulada “Correio dos Açores” informa sobre os principais aconteci-mentos do Arquipélago, umas vezes através de artigos da autoria do correspondente oficial do jornal em S. Miguel, outras transcrevendo o noticiário de vários periódicos açorianos das ilhas de S. Miguel (Correio dos Açores, O Norte, Diário dos Açores, O Reporter), Terceira (A União, A Terceira), Graciosa (A Ilha Graciosa) e S. Jorge (O Insulano). Este noticiário diz respeito a várias ilhas dos Açores, com destaque para S. Miguel, presente em todas as edições do jornal. A Terceira vem em segundo lugar; e o Faial e S. Jorge em terceiro. As ilhas do Pico e das Flores aparecem apenas uma vez e a Graciosa duas. Não encontrámos notícias do Corvo e de Stª Maria, mas vamos encontrar estas duas ilhas representadas na secção “As nossas Gravuras”, que ocupa grande espaço em todas as edições do Açores-América.

Bem relacionado, Eugénio Pacheco teve a colaboração do naturalista e meteorologista Major Afonso Chaves, que lhe cedeu boa parte das fotos para a

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secção intitulada “As nossas Gravuras”. As fotos são geralmente legendadas e sempre acompanhadas de um texto explicativo, muitas vezes longo, escrito por Eugénio Pacheco. Esta secção funciona como uma espécie de “cantinho da saudade” para o imigrante açoriano e nela está sempre presente o apego aos Açores como terra de origem. O porto de Ponta Delgada é apresentado como “um belo cantinho da nossa linda terra” (4); S. Miguel como a “pérola do Atlântico”, no artigo que descreve a Ribeira Chã e no qual Pacheco manifesta o desejo de que o Açores-América contribua para que os americanos queiram visitar os Açores (18); e, a propósito da Fajã Grande das Flores, Pacheco exclama: “que lindíssimo álbum se não formaria com as fotografias tiradas em todas as ilhas dos Açores . . .!” (27). Ao descrever a foto representando o aldeão de carapuça e varapau e a mulher de capote e capelo, dois trajes típicos da ilha de S. Miguel, Pacheco declara: “a gente apraz-se em contemplar o ar de simplicidade campesina que se evolve daquele rosto aberto” (5). Alguns comen-tários de Eugénio Pacheco deixam transparecer de forma mais viva essa saudade do torrão natal, como, por exemplo, quando ele exclama – “Os foliões! Quem haverá por aqui que não os escutaria hoje com saudade ou não tenha ainda presente na memória aquela toada plangente e monótona” (10) –, ao comentar a foto representando uma Folia do Espírito Santo na ilha de S. Miguel; ou ainda, quando afirma, ao apresentar a imagem de uma coroação em Angra do Heroísmo:

Agora que estamos na quadra festiva do Espírito Santo será bastante grato aos nossos leitores apresentar aqui reproduzida uma fotografia representando uma coroação na cidade de Angra. . . . (. . . ) – tudo é perfeitamente açoriano e característico das velhas usanças que tanto falam aos sentimentos do nosso bom povo! Que belos tempos estes para a mocidade se divertir: e que saudades não despertam eles aos que para aqui jazem nesta Babilónia torva e fria, onde não há um lampejo de originalidade nos folguedos populares! (93)

Em “As nossas Gravuras” encontramos parte dos referentes identitários

produzidos pelas elites açorianas durante o século XIX. Estão presentes os recursos económicos, através da caça à baleia; o património arquitectónico e artístico religioso, através das fotografias de várias igrejas e da arte sacra; mas, sobretudo, o património paisagístico e a cultura popular.

O património paisagístico açoriano é realçado por meio de fotografias de várias ilhas dos Açores, do Corvo a S. Miguel, passando por Stª Maria, Terceira, Graciosa, Faial e Flores. São geralmente paisagens humanizadas. No Açores-América deparamo-nos, por exemplo, com o Campo de São Francisco, o Cais da Sardinha, o Vale das Furnas e as Sete-Cidades, em S. Miguel; com a cidade de Angra e o seu Passeio Público; com a cidade da Horta e o Farol dos Capelinhos, no Faial; com a Vila do Corvo, a Fajã Grande das Flores e uma paisagem da Graciosa. Numas fotografias é a natureza edénica e misteriosa que

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ocupa quase todo o espaço. Noutras a presença humana faz-se sentir de forma mais forte. Porém, algumas representam apenas as belezas naturais, como é o caso da Caldeira Funda e da Ponta da Ilha, ambas nas Flores.

A cultura popular está representada em “As nossas Gravuras” através de uma casa da Bretanha de S. Miguel que Pacheco realça pelo seu valor etnográfico, através dos trajes típicos micaelenses e de uma tourada à corda realizada na Terceira, mas, sobretudo, através das festas do Espírito Santo que muito contribuíram para a coesão dos açorianos na Nova Inglaterra, podendo ser consideradas como uma forte manifestação de afirmação identitária de grupo (Leite, “A Consciencialização” 154). Aliás, pode verificar-se em “As nossas Gravuras” e na rubrica “Em redor de nós” a importância que assumia, já nessa época, a recomposição, em solo americano, de aspectos importantes da cultura açoriana, através do destaque que era dado às festas religiosas populares nesses noticiários36. Sobre a importância da cultura popular como factor de ligação à terra de origem, afirma Leal:

. . . Açoriano-americanos da Nova Inglaterra e “açorianos” de Santa Catarina [Brasil] definem-se . . . por uma comum referência aos Açores como lugar onde pode ser ancorada uma dada genealogia étnica.

Em ambos os contextos, constatámos também o peso que na produção dessa etnicidade referenciada aos Açores ocupa a cultura popular. Quer isto dizer que, tanto na Nova Inglaterra como em Santa Catarina, é largamente sobre a cultura popular dita açoriana que repousam os laços estabelecidos com a terra de origem. . . . (280)

Assim, também na secção “Em redor de nós” do Açores-América, as festas religiosas merecem grande destaque, ao lado das notícias sobre as actividades das associações de imigrantes, tão acarinhadas por Eugénio Pacheco, conforme tivemos ocasião de referir. Embora tenhamos encontrado algumas referências à Festa do Divino Espírito Santo e uma alusão à procissão do Senhor dos Passos, é sobretudo a Festa do Senhor Santo Cristo, a realizar nesse ano de 1903 em Newport, que ocupa maior espaço no Açores-América. Veja-se o que dizem os seguintes artigos sobre esta festividade:

Não há, no estados da Nova Inglaterra, festa religiosa que mais brilho tenha e que mais sensibilize o coração do nosso Colono, como é a festa promovida anualmente pela Autonómica Micaelense, essa colossal agremiação beneficente dos filhos da pérola dos Açores (Festa do Senhor Santo Cristo em Newport, R. I. 50).

Reina grande entusiasmo na Colónia micaelense desta cidade por causa da festa que a ABAMI37 vai celebrar na vizinha cidade de Newport ao seu Padroeiro o Senhor Santo Cristo.

Bem-vindo seja esse dia que tantas recordações nos aviva da nossa querida Pátria. (“Correspondência de Fall River” 34)

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O Açores-América beneficiou muito da erudição de Eugénio Pacheco e Garcia Monteiro. A um português correto, junta anúncios em inglês e até uma série de artigos intitulados “Boston’s Portuguese: a creditable element of our population”, da autoria de William Osborne, já publicados no Boston Evening Transcript, em 1901. Apesar de o título falar em portugueses, os artigos identificam a colónia portuguesa com os açorianos e é sobre estes que o articulista discorre.

Porém, a publicação dos artigos de Osborne, reveste-se, a nosso ver, de um significado mais importante: a de contribuir para a construção de uma auto-imagem positiva dos imigrantes açorianos. Neste contexto, pensamos que a publicação dos artigos de Osborne tem mais a ver com o desejo de dar conta de como os americanos viam os Açores e os açorianos, do que com a intenção de levar um jornal português aos imigrantes de segunda geração. Os textos deste americano surgem na secção “O que de nós se diz” cuja intenção era divulgar artigos da imprensa americana sobre a comunidade açoriana e os Açores. No entanto, o Açores-América apenas publicou, nesta secção, os textos de Osborne. Sublinhando que a maioria dos portugueses em Boston era originária dos Açores, o articulista tem a melhor das opiniões sobre os açorianos, e termina o seu longo texto afirmando que “Boston e New England não têm razão para se arrependerem do facto destas ilhas risonhas do Atlântico, nascidas dos vulcões, mas cobertas de fruta e verdura, estarem a mandar os seus excedentes populacionais para esta terra”38.

Conclusão Eugénio Pacheco segue para Lisboa, em Outubro de 1903 e só regressará a S. Miguel, já muito doente, para morrer. A última edição do Açores-América data de 16 de maio de 1903, não nos parecendo, por esta razão, que o final deste periódico tenha sido determinado pelo regresso do seu fundador a Portugal. Por outro lado, nada no jornal nos anuncia que iria deixar de ser publicado. Muito pelo contrário. Conforme já referimos, da secção “O que de nós se diz”, apenas constam os primeiros textos (os de Osborne); e os artigos de J. M. Cunha sobre a colónia portuguesa ficam inacabados, bem como o de Eugénio Pacheco sobre a problemática da emigração.

O elevado grau de analfabetismo39 da comunidade imigrante açoriana dessa época permite-nos concordar com Aníbal Barbosa quando declara que o Açores-América teve vida efémera “porque, nesse tempo, a colónia açoriana não estava à altura de o compreender” (44–5). A vida deste jornal não terá sido fácil, provavelmente não por falta de colaboradores, mas por falta de assinantes; como não fora fácil, e pelas mesmas razões, a do jornal criado por Garcia Monteiro, cerca de duas décadas mais cedo, conforme anteriormente referimos. Por outro lado, Eugénio Pacheco alude, como também já se mostrou, à “guerra surda” de que era vítima o seu jornal, o que nos sugere a existência de querelas ao nível das elites intelectuais da comunidade imigrante que poderão ter contribuído para a pouca longevidade deste periódico. Eugénio

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Pacheco não perde tempo em esclarecê-las no jornal. Demonstra-o o percurso do Açores-América. Interessava-lhe sobretudo cumprir o programa que havia traçado para o periódico que fundara: o empenho na melhoria das condições de emigração açoriana para a América (recrutamento, embarque, desembarque e acolhimento) e o debate em torno da realidade socioeconómica e laboral da colónia açoriana na Nova Inglaterra. E conseguiu-o. Aliás, um dos seus colaboradores, J. M. Cunha, começa a sua colaboração no Açores-América afirmando que “apesar de os jornais lusos terem contribuído muito para o melhoramento da vida dos imigrantes, o Açores-América era o primeiro a estudar o assunto em profundidade (“Colónia Açoriana” 73).

A prática textual deste periódico foi mais longe. Ao valorizar os referentes identitários escolhidos pelas elites urbanas do século XIX e inícios do século XX para representar a singularidade cultural dos açorianos, este jornal elege os Açores, e não Portugal ou alguma das ilhas em particular, como terra de origem da diáspora açoriana, integrando-se ainda no movimento em torno da afirmação da identidade regional, tal como foi concebido por elites da época a viver nas ilhas e nas diversas diásporas.

Notas1 Para uma ideia sobre o prestígio de Eugénio Pacheco, veja-se o que sobre ele escrevemos nos dois primeiros parágrafos do ponto 2 deste texto. Acrescentamos ainda, ao que nesses parágrafos redigimos, que Eugénio Pacheco foi reitor do Liceu de Ponta Delgada, e integrou a comissão administradora e protetora do Museu Municipal, mais tarde Museu Carlos Machado, ficando a dirigir a secção de Geologia e Mineralogia do museu. Aliás, a sua memória sobre a microscopia de algumas rochas de S. Miguel (1888) foi a primeira escrita por portugueses sobre microscopia de rochas portuguesas. Pacheco foi ainda um dos fundadores da Sociedade Propagadora de Notícias Micaelenses (Luz 260; Mesquita 145; Arruda, “Canto e Castro” n. pag.). 2 Para uma visão mais aprofundada das ligações dos Açores ao exterior, veja-se: João, Os Açores, capítulo 5 e Leite, “As ligações” 67-82. 3 O panorama resumido que aqui se traça sobre a emigração açoriana de finais do século XIX e princípios do século XX para os Estados Unidos baseia-se nos estudos de Mendonça, capítulo III; João, Os Açores, capítulo 4; Serpa, capítulo V; Miranda 87–111, S. Silva 347–60; e Fontes XIII-XXIX. 4 Observe-se, a este propósito, o gráfico intitulado “Emigração comparada do Arquipélago para o Brasil e os Estados Unidos”, em Mendonça 174. 5 Para mais informações sobre estas duas empresas marítimas, consulte-se: Enes n. pag.; e “Dominion Line” n. pag. 6 Sobre o grau de instrução dos emigrantes entre 1886 e 1901, veja-se os quadros elaborados por Mendonça 182–83 (Fonte: Movimentos da População. Ministério dos Negócios da Fazenda). Este autor afirma que, no distrito da Horta, 3 em cada 4 emigrantes eram analfabetos e, no de Ponta Delgada, 9 em cada 10 (183). 7 Sobre as categorias socioprofissionais dos emigrantes, examine-se os quadros de João, Os Açores 191 (Fonte: Movimentos da População 1891-93. Lisboa I. N.1898. 392–95; Movimentos da População, 1894-96. Lisboa I. N.1900. 382–55) e Mendonça 181-82 (Fonte: Movimentos da População, Ministério dos Negócios da Fazenda). Consulte-se ainda a descrição de Eugénio Pacheco sobre a tipologia social do emigrante açoriano, em “O Problema da Emigração” 33–4. 8 Consulte-se Williams, no que diz respeito à fixação, atividades e condições de vida dos açorianos na Califórnia e no Havai (43–71).

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9 Original: “But while the bulk [of the immigrants] are [sic] still halting in Massachusetts, and to a less extent in Rhode Island, a number of them are [sic] forging to California, which offers a climate as balmy as their own. Those who have settled on the Pacific are mainly farmers, and are doing exceptionally well” (tradução nossa). 10 Sobre o êxito dos açorianos da Nova Inglaterrea na pesca à baleia e atividades a ela ligadas, durante a segunda metade do sclo XIX, consulte-se, por exemplo, Warrin 170–78, 190–96, 202–07, 209–10. Veja-se ainda o exemplo de sucesso de Antone Sylvia em New Bedford, apresentado por Scott n. pag. (e por Warrin 171). Scott afirma ainda, nesse seu estudo sobre Antone Sylvia, que, durante o século XIX e começos da centúria seguinte, várias foram as famílias portuguesas que se destacaram nos negócios e na vida cívica de New Bedford (n. pag.). Osborne, redator do Boston Evening Transcript em 1901, salienta também o triunfo dos imigrantes açorianos da Nova Inglaterra, ao afirmar: “Eles são prósperos; vejam as suas casas em Somerville, as remessas enviadas para a família além-mar e as contas bancárias da tripulação dos meus barcos de pesca”. Tradução nossa do original: “They are thrifty; witness the homes in Somerville, the remittances sent to the old folk over sea, and the bank balances of my fisherman’s crew” (19). 11 Veja-se o que escreve Eugénio Pacheco, em “O Problema da Emigração” 65, sobre a concorrência a que estavam sujeitos os açorianos. Leia-se também o que afirma Miranda sobre a adaptação dos emigrantes micaelenses ao trabalho fabril no estado de Massachusetts, em finais do século XIX (102-03). Sobre as atividades e condições de vida dos imigrantes açorianos em Massachusetts e Rhode Island, a partir de 1870, ver Williams 26-41. 12 Leal fala de 9000 imigrantes açorianos em 1870 e de 280000 em 1930, incluindo neste último número as 1ª e 2ª gerações (12). Pap afirma que entre 1870 e 1920 terão emigrado para os Estados Unidos da América cerca de 250000 açorianos (292). Segundo os dados de Fontes teriam entrado nos Estados Unidos 2658 portugueses na década de 1860 e 14082 na de 1870, e, em 1920, a população portuguesa rondaria as 106000 pessoas (XVII-XVIII). 13 Ver, entre outros: Rocha, “O crescimento” 288; Miranda 34; João, Os Açores 190–92; Mendonça 179-89; Cordeiro, “Perspetivas” 328–29; S. Silva 349-51, e F. Dias 467–70 e 481. 14 Para uma visão pormenorizada das causas da emigração açoriana, consulte-se: Mendonça 11–48, 179–89; Rocha, Dinâmica populacional 209–55; e Serpa 103–61. 15 Ver Cordeiro, “O Fenómeno” 114, 126; Rocha, “O crescimento” 288; João, Os Açores 190–92; Mendonça 260; e S. Silva 350-51. 16 Veja-se, a este respeito, o que dizem João, Os Açores 191-92 e Mendonça 42-3, 260. 17 Veja-se, a este respeito, João, “Identidade e Autonomia” 103, 106 e Cordeiro, “Regionalismo e Identidade Açoriana” 279-80. 18 Os dados que apresentamos ao longo deste trabalho sobre a história da “imprensa étnica portuguesa” nos Estados Unidos foram extraídos de: Pap 291–302; F. Silva, “Mais de um Século de Imprensa” 59–73; F. Silva, “Os meios de comunicação social”; Estrela 137–43; Bicudo 501–17; S. Pacheco, Farrar e Sá 1–18; “A Imprensa Portuguesa da Califórnia” 4–5; e Fontes XIII–LII. 19 Sobre o levantamento dos periódicos portugueses nos Estados Unidos da América, veja-se Estrela 140–41; sobre a imprensa portuguesa da Califórnia, consulte-se a relação de F. Silva, “Mais de um Século de Imprensa” 60–67 e ainda os artigos deste autor intitulados “A Imprensa Portuguesa da Califórnia”. 20 No que diz respeito à informação sobre a Nova Inglaterra e a Califórnia, Pap baseia-se nos relatórios dos consulados e ainda em Vaz 142–49. No caso do Havai fundamenta-se em Knowltton Jr. 88–99 (301, nota 7). Não tivemos acesso a estas obras, mas decidimos incluí-las na bibliografia. 21 E. Dias refere também a importância da imprensa em língua portuguesa (e mais tarde da rádio) na divulgação de notícias sobre os Estados Unidos e de outros países, junto da comunidade imigrante em grande parte desconhecedora do inglês (2). No Açores-América, é praticamente inexistente a cobertura de noticiários internacionais ou sobre os Estados Unidos. 22 Para uma visão mais completa da biografia de Eugénio Pacheco, examine-se: Arruda, “Canto e Castro” e ainda Barbosa 39–45, U. Dias 610–25, Mesquita 145-67 e Luz 249–70. 23 Sobre o pensamento de Eugénio Pacheco no que respeita ao movimento autonomista e ao separatismo, leia-se: Mesquita, 150-63 e o opúsculo do autor Carta à Sr.ª D.ª Alice Moderno.

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24 São exemplo do que afirmamos as suas polémicas com Miguel Bombarda sobre a construção do hospital psiquiátrico em S. Miguel e com Mont’Alverne de Sequeira, a propósito do trabalho deste último, intitulado Os alienados dos Açores (ver Luz 249–70). 25 Para uma visão mais aprofundada sobre a vida e obra de Manuel Garcia Monteiro, leia-se: Arruda, “Monteiro”; U. Dias 266–69; Freitas 37 e 164–72; Bem “Cartas III”, 43–44 e “Cartas IV” 51-2; Monteiro, A Trança 17–47; Monteiro, “Nota” 113-115; Pereira n. pag.; Silveira 28, 168–83; “Dr. Garcia” 128–29; e Júnior 1. 26 Para não prejudicar a leitura com demasiadas indicações bibliográficas referentes aos artigos do Açores-América, só referenciaremos, a partir de agora, os mais importantes e aqueles que citarmos. 27 Pensamos que Rosa e Salvato Trigo utilizam o vocábulo “mátria” com o sentido que lhe confere Chateaubriand, em 1849, no Livro 31 de Mémoires d’Outre-Tombe, quando, ao descrever o seu regresso de Roma, se refere à sua terra natal como sendo a sua mátria: “Os pés queimavam-me em Paris; não podia habituar-me ao céu cinzento e triste da França, minha pátria; que teria eu pensado então do céu da Bretanha, minha mátria, para falar grego?” (cit. em Carlos 24). 28 Sobre a persistência de uma certa rivalidade, ou melhor, espírito de competição entre as ilhas, leia-se o que nos relata Osborne no Açores-América sobre as obras realizadas na igreja portuguesa de Boston (11). 29 Examine-se em Arruda, “Canto e Castro”, os títulos dos artigos e opúsculos de Eugénio Pacheco. 30 O Açores-América possuía também agentes em Nova Iorque, Fall River, Peabody, Newport, Nova Iorque e Lowell (“Agentes” 54, 106), mas não encontrámos notícias ou outros artigos assinados por esses correspondentes. 31 Realçamos que, durante a segunda metade do século XIX, proliferaram artigos na imprensa açoriana denunciando as novas formas de “escravatura” e o tráfico de “carne branca” levado a cabo por pessoas que sem escrúpulos enriqueciam à conta da ingenuidade do açoriano. Veja-se, a este respeito, Cordeiro, “Perspectivas”, 334–35. 32 Damos alguns exemplos: em 1872, o primeiro inquérito parlamentar sobre a emigração reconhece que os açorianos não emigravam por aventureirismo mas para suprir as suas carências (Mendonça 179); o governador de Angra, depois de afirmar que a emigração era fruto da ambição, acabou alegando que a pobreza, o baixo preço dos salários e a fuga ao serviço militar eram as verdadeiras causas da emigração (Mendonça 179); Hintze Ribeiro, na Câmara dos Deputados, em 1880, afirmou que o incremento da emigração verificado nos Açores era “mais consequência da falta de trabalho do que propriamente da ambição de riqueza” (cit. Cordeiro, “Perspectivas” 328). 33 Veja-se, entre outros, João, Os Açores 190-93 e Mendonça 37-46. 34 Os limites à liberdade de emigrar eram, nessa época, dificultados pelo regime liberal, que havia consignado na Carta Constitucional o direito de saída do reino a todos os cidadãos. Veja-se, por exemplo, o que diz Cordeiro a este respeito, em “Perspectivas” 338. 35 Veja-se, na nota 21 deste estudo, o que escrevemos a propósito da cobertura de noticiários sobre os Estados Unidos por parte do Açores-América. 36 Consulte-se, a propósito da recriação da cultura popular açoriana em terras americanas, Serpa, capítulos VI e VII, bem como Lacerda e Leal. 37 Associação Beneficente Autonómica Michaelense Incorporada. 38 Tradução nossa do original: “Boston and New England have no cause to regret that those laughing Atlantic isles, born of the vulcano yet fruit and verdure-clad, are filing their overplus upon those shores” (Osborne 30). 39 Veja-se a nota 6 deste trabalho.

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Lusa M. Ponte é doutorada em “Études Portugaises” pela Universidade Paris IV-Paris Sorbonne. Actualmente é bolseira de pós-doutoramento do Fundo Regional para a Ciência, Centro de Estudos Gaspar Fructuoso, Universidade dos Açores; e investigadora integrada do CEIS20, Universidade de Coimbra. Áreas de investigação: História Cultural; História da Literatura e da Cultura Açorianas. Algumas das suas publicações incluem: “Presse açorienne et intervention culturelle – parcours et défis. Une étude de cas” (2009); Le supplément ‘Glacial A União das Letras e das Artes’ (1967–1974) et l’affirmation du champ littéraire açorien (2011); “Os Primórdios do Movimento da Confraternidade Açoriana: valores e simbologia” (no prelo).