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v. 7, n. 17, 2017 PERFIL Claudio Finkelstein O professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo dá sua opinião sobre relevantes questões relacionadas a arbitragens que envolvam a administração pública

PERFIL Claudio Finkelsteincomercialista.ibdce.com/wp-content/uploads/2017/10/Comercialista... · v. 7, n. 17, 2017 PERFIL Claudio Finkelstein O professor da Pontifícia Universidade

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v. 7, n. 17, 2017

PERFIL

Claudio FinkelsteinO professor da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo dá sua opinião sobre relevantes questões relacionadas

a arbitragens que envolvam a administração pública

Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 20172 Sumário

5. Editorial

6. Perfi lEntrevista: Prof. Claudio Finkelstein

12. Doutrina

A arbitragem e a administração pública. Evolução. Aspectos legislativo, jurisprudencial e práticos Por Arnoldo Wald

Arbitragem e suas especifi cidades à luz do regime jurídico administrativo Por Beatriz Lameira Carrico Nimer

Arbitragem na administração públicaPor Claudio Finkelstein e Marcelo Ricardo Escobar

A evolução da utilização da arbitragem nos contratos fi rmados pela Administração PúblicaPor Selma Ferreira Lemes

Arbitragem com a administração públicaPor Leonardo de Faria Beraldo

Arbitragem e administração pública: o dilema da publicidadePor João Paulo Hecker da Silva

v. 7, n. 17, 2017

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 3Expediente

A REVISTA COMERCIALISTA – DIREITO COMERCIAL E ECONÔMICO é uma publicação eletrônica e indepen-dente, com o escopo de fomentar a produção acadêmico-científica nas áreas do Direito Comercial e Econômico. A publicação é mantida pelo IBDCE - Instituto Brasileiro de Direito Comercial e Econômico. Para maiores infor-mações: http://comercialista.ibdce.com. Contato: [email protected] aos leitores: As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Comercialista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publi-cação sem autorização prévia. Créditos da foto da capa: Lúcia Haraguchi.

EDITORES EXECUTIVOSPACO MANOLO CAMARGO ALCALDE

PEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO DISCENTERAFAEL GUNKEL

PACO MANOLO CAMARGO ALCALDE PEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

CONSELHO DOCENTEFABIO ULHOA COELHO

JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIROMARIANA PARGENDLER

SÉRGIO CAMPINHO

ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃOARNOLDO WALD

BEATRIZ LAMEIRA CARRICO NIMERCLAUDIO FINKELSTEIN

JOÃO PAULO HECKER DA SILVALEONARDO DE FARIA BERALDOMARCELO RICARDO ESCOBAR

SELMA FERREIRA LEMES

REPÓRTER DESTA EDIÇÃOPACO MANOLO CAMARGO ALCALDE

DIAGRAMAÇÃORODRIGO AUADA

FALE [email protected]

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 20174 Apoio institucional e realização

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Apoio institucional

Realização

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 5Editorial

A Lei nº 9.307/96, também conhecida como Lei de Arbitragem, promoveu inegável avanço ao instituto da arbitragem no Brasil, permitindo seu fomento e, con-sequentemente, sua paulatina verificação na realida-de dos litígios domésticos ou internacionais cuja exe-cução ou reconhecimento da sentença arbitral deva ser realizado em nosso País. Ademais, o advento da Lei permitiu maior aceitação desse instituto dentre os magistrados. Não obstante, a arbitragem não pode ser considerada nova em terras tupiniquins, haja vista sua longínqua utilização em nossa história.

Diferentes premissas não podem ser adotadas no tocante às arbitragens que envolvem a administração pública, cuja verificação e, até mesmo aceitação pelo Poder Judiciário, já se davam antes mesmo da relevan-te reforma na Lei de Arbitragem, promovida pela Lei nº 13.129/15.

Ainda que já se tenham completado dois anos da re-ferida modificação da disciplina arbitralista no âmbi-to dos entes públicos, afirma-se com veemência que os temas por ela circunscritos se encontram em ple-na ebulição. Não por outro motivo, escolheu-se “arbi-tragem envolvendo a administração pública” como te-ma central deste número da Revista Comercialista. Da mesma forma que a Lei de Arbitragem trouxe avanços ao instituto, a Lei nº 13.129/15 igualmente o fez.

Este 17º número é, certamente, uma publicação pre-tensiosa, cujo alcance e repercussão espera-se que fa-çam jus aos grandes articulistas – antes de mais nada Professores – que nos honraram com suas inestimáveis contribuições.

Nós, da Comercialista, desejamos a todos que a lei-tura lhes sejam proveitosas, consignando-se, paralela-mente, o incansável agradecimento a todos esses Pro-fessores que conosco colaboraram.

Conselho Editorial

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 20176 Perfil

Foto: Divulgação

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 7Perfil

Por Paco Manolo Camargo Alcalde

Perfil: Prof. Claudio Finkelstein

Comercialista - Professor Claudio, primei-ramente, muito obrigado por nos conceder esta entrevista. É um enorme prazer poder falar com o senhor, que atualmente é um dos principais nomes quando o assunto é arbitragem, principalmente a internacional. Como que a arbitragem surgiu em sua vida?Claudio Finkelstein - É um enorme prazer con-ceder esta entrevista à Comercialista. A res-posta à sua pergunta é muito curiosa, pois tenho minha origem acadêmica dentro do di-reito público. Comecei como professor de Di-reito Constitucional, e como orientando do saudoso Prof. Dr. Celso Seixas Riberio Bas-tos, sempre tive afinidade com tais matérias. No final dos anos 90 vivíamos no Brasil a onda do Direito Alternativo, que buscava uma forma diferente de entender e aplicar o direito, fazen-do de um ativismo judiciário capaz de reinter-pretar e por vezes negar vigência ao direito, um meio de distribuição de riquezas. Apesar de eu discordar do meio, era uma tese espetacular para um pós-graduando finalizando seu douto-rado em Direito, afinal eu era mais um aluno em busca de um tema. Na virada do século, o Dr. Celso foi convidado para um evento de Direito Alternativo na Suíça, e ele não pode ir, motivo pelo qual me indicou para representá-lo. Che-gando lá, descobri que se tratava na verdade de

O Professor de Arbitragem e Direito das Relações Econômicas Internacionais da PUC-SP enfrenta polêmicas sobre arbitragem e administração pública

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um evento de “Alternativa ao Direito” e não de “Direito Al-ternativo”. Até então eu era re-ticente quanto à validade e efi-cácia de um modelo de justiça com as características da arbi-tragem e acreditava que poder de mando real somente poderia emanar dos tribunais estatais. Mas como eu estava acompa-nhando um dos organizadores do evento, me vi obrigado a as-sistir atentamente todas as pa-lestras, o que criou a semente desse estudo que desde então me encantou e ao qual me de-dico atualmente.

Na Faculdade de Direito da PUC de São Paulo, em 2005, passei a coordenar um grupo de estudos em Arbitragem e Comércio Internacional, que tinha enorme aderência às matérias que eu já lecionava e que eram objeto de nossos estudos e das competições acadêmicas internacionais que participávamos, e, assim, minha vocação à arbitragem internacional transpareceu. No entanto, essa arbitragem internacional a qual me dedi-co envolve, na maior parte das vezes, casos de natureza do-méstica mesmo, mas com uma conexão estrangeira, como o domicílio ou nacionalidade de uma das partes, a moeda do negócio, o idioma ou o local da arbitragem, que muitas vezes é fora do Brasil. Apesar dessa especialidade, tenho que con-fessar que a maioria das mi-nhas arbitragens como árbitro

são domésticas, mas aquelas que atuo como advogado são internacionais.

Mais recentemente, com a adoção pelo Brasil da CISG (Convenção das Nações Uni-das sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias), passamos a praticar um direito verdadei-ramente internacional. Eu já tive a oportunidade de finali-zar um caso com a CISG como direito aplicável e esse foi um enorme prazer.

Comercialista - É inegável que a arbitragem está circunscrita a um seleto grupo de advoga-dos. Quais são as causas desta centralização e o que o senhor acha que falta para que a ar-bitragem se popularize mais e novos profissionais passem a atuar com esse método de re-solução de conflitos, tanto na posição de árbitros, como de advogados?Claudio Finkelstein - É verda-de. O número de árbitros para as arbitragens nas institui-ções mais seletas é reduzido mesmo. São profissionais que desde o início da utilização do instituto se dedicam a es-tudar a teoria e conhecer a prática da matéria, obtendo a desejada especialização, e o consequente reconhecimen-to de seus pares. Arbitragem no Brasil surgiu no ambien-te acadêmico, então é natu-ral que grande parte dos in-tegrantes sejam professores.

Alguns dizem se tratar de um ‘clubinho fechado’, mas eu dis-cordo desta afirmação. Apesar de costumeiramente termos os mesmos colegas nas gran-des arbitragens, o volume de casos está efetivamente em crescimento, e com os impe-dimentos que surgem à par-ticipação desses mesmos ár-bitros nesta multiplicidade de casos, abre-se espaço para que novos e competentes pro-fissionais passem a integrar esse ‘clube’. Com o volume de casos inerente à condição de grandes empresas como Pe-trobras, JBS, construtoras e outras empresas que se viram envolvidas em grandes escân-dalos, o número de árbitros aptos a aceitar a indicação au-mentou naturalmente.

Do mesmo modo o estudo da arbitragem atualmente tem um novo contorno e com o aumento do volume da utiliza-ção da arbitragem como meio de solução de controvérsias, o leque se abre para aqueles que sabem se posicionar. Comu-mente nos cursos que leciono me perguntam como se tor-nar um árbitro. Eu respondo fazendo menção à própria Lei de Arbitragem que determi-na como única condição ter a confiança das partes. É neces-sário trabalhar uma carreira de modo a adquirir a confian-ça daqueles que eventualmen-te irão indicá-lo.

A popularidade do insti-tuto depende de sua difusão.

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Quando a arbitragem traba-lhista e de relações de consu-mo se fixarem na nossa práti-ca diuturna, necessariamente seu custo e acessibilidade se-rão popularizados e os novos tribunais serão imensamente difundidos, quando novos ár-bitros serão necessários. Será um mercado em expansão e eu tenho certeza que estamos no caminho certo para esta ampliação.

Comercialista - Por qual razão o senhor acha que no Brasil a arbitragem está mais asso-ciada a casos que envolvam o direito empresarial?Claudio Finkelstein - Questões de direito comercial e societá-rio são mais abundantes mes-mo, pois o mundo empresarial necessita de respostas rápidas e técnicas aos litígios que sur-gem no dia a dia das empre-sas. As empresas precisam de um mínimo de segurança para continuar com seus negócios e a arbitragem é um ambiente que atende estas necessida-des. É necessário ressaltar que no Brasil somente questões re-lativas a direitos patrimoniais disponíveis podem se subme-ter a arbitragem, e por se tra-tarem de questões pecuniárias e transacionáveis, é natural que as questões empresarias se encaixem nesse perfil. Con-tratos de infraestrutura, con-tratos de prestação continua-da e contratos cuja atenção ao detalhe necessitam de respos-

tas adequadas à comunidade empresarial encontram cam-po fértil na arbitragem, pois infelizmente nosso judiciário não tem condições de aten-der tais demandas do modo que o empresariado necessi-ta e gostaria que estas fossem tratadas.

Empresas sérias querem mesmo é resolver seus pro-blemas, para continuar no seu negócio, que é vender, com-prar, prestar serviços e se de-dicar à geração de riquezas. Litigar é uma contingência não apreciada pela maior par-te dos usuários da arbitragem, mas o foco destas é identifi-car quem errou, remediar o erro e prosseguir no negócio, muitas vezes com a mesma parte que está litigando um caso. No mundo empresarial, é corriqueiro ambas as partes acreditarem, ambos de boa fé, estar corretas, e, logo, neces-sitam de um terceiro para in-terpretar os fatos ou o direito indicando quem tem a razão. Essas sentenças são normal-mente adimplidas voluntaria-mente.

Comercialista - A arbitragem é vista por muitos como um grande empecilho ao acesso à justiça, não sendo raras as de-cisões contrárias às cláusulas arbitrais em nosso Poder Ju-diciário, principalmente em primeira instância. É certo que muitas ações em prol da arbitragem têm sido realiza-

das em nosso País, mas como o senhor acha que a comu-nidade de profissionais que trabalham regularmente com arbitragem poderia atuar de maneira mais eficaz visando ao fomento desse instituto?Claudio Finkelstein - Eu não sei se nesse momento concordo com sua premissa. A arbitra-gem na verdade é um instituto complementar à justiça esta-tal. Esta depende daquela, que prescinde dessa. A questão de acesso à arbitragem hoje está razoavelmente mitigada, com o advento do financiamento de terceiros (Third Party Fun-ding), que democratizou. Hoje, em casos nos quais o mérito do pedido possa ser aferido, raramente alguma parte dei-xará de iniciar a arbitragem por falta de fundos.As decisões contrárias à ar-bitragem hoje não são mui-tas, e grande parte delas tem uma lógica própria, que surge com a relativização do princí-pio da Kompetenz-Kompetenz. Parte do judiciário acredita e decide de modo a suplantar a fase da fixação da competên-cia do tribunal arbitral quan-do convencida, numa análise ‘prima facie’, que a questão subjudice não pode nem deve ser resolvida pela via arbitral. É uma decisão que, se corre-ta, se mostra eficiente, uma decisão que visa preservar a economia processual e a cele-ridade, consagrando a inafas-tabilidade da jurisdição que o

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juiz estatal acredita ser a cor-reta. Não quero agora entrar no mérito do acerto da deter-minação ou da possibilidade de contaminar o instituto, mas para aqueles casos excepcio-nais, a meu ver é uma tendên-cia coerente.

Além disso, para popula-rizar o instituto e disseminar sua utilização, a comunida-de arbitral, juntamente com as principais instituições do País, tem cumprido seu papel de apresentar as tendências e discutir a matéria. A CAM-C-CBC, por exemplo, tem patro-cinado em diversas unidades da federação um sem número de eventos visando a difundir o uso e o conhecimento das características do instituto da arbitragem. Outras institui-ções arbitrais e acadêmicas têm feito o mesmo, até pelo fomento a atividades acadêmi-cas. O grande desafio da arbi-tragem é vencer o preconcei-to, que ainda abunda no meio empresarial, nas faculdades de direito e no judiciário. A única forma viável de combater tais vícios é pelo estudo e com-preensão desse mecanismo de solução de controvérsias.

Comercialista - É certo que no Brasil arbitragens envolven-do a administração pública já eram possíveis antes mesmo das alterações trazidas pela Lei nº 13.129/15 à Lei de Ar-bitragem. Já havia previsões expressas na legislação bra-

sileira, a exemplo das Leis nº 8.987/95 e 11.079/04, que dis-põem sobre o regime de con-cessão e permissão de pres-tação de serviços públicos e sobre licitação e contratação de PPPs, respectivamente. Na prática, as alterações na Lei de Arbitragem mudaram al-guma coisa nas arbitragens com a administração pública?Claudio Finkelstein - Parece--me que o principal intento do legislador ao inserir tais previsões de modo expresso e enfático foi de reafirmar tal possibilidade para combater o preconceito, ainda existente, contra o instituto. Antes mes-mo da atualização do texto le-gal, nossos tribunais em todas as instâncias já haviam admi-tido tal possibilidade. Infeliz-mente, tal entendimento na prática continua sendo com-batido tanto pelos órgãos da administração pública, mor-mente a administração direta, como por parte da doutrina e da magistratura - herméticos que são às mudanças não so-mente da lei, como também do contexto histórico que es-tas se inserem. Atualmente os investidores do País são, na sua maioria, estrangeiros, que a princípio se recusam a submeter suas disputas a tri-bunais estatais domésticos. Note que não se trata de pre-conceito dirigido aos tribunais brasileiros, mas sim a tribu-nais estatais, com princípios estabelecidos no direito pro-

cessual civil, com mecanis-mos formais que dificilmen-te se adaptam a celeridade e tecnicidade exigidas por tais empresários investidores. Também nos EUA, na Euro-pa, disputas envolvendo obras de infraestrutura e empreen-dimentos de grande monta, como regra, são submetidas à arbitragem, pois este foro tem se mostrado apto e competen-te para administrar quaisquer casos, com apuro técnico, isenção, isonomia e impar-cialidade. Ademais, é sempre importante lembrar que com o advento da Convenção de Nova Iorque, uma sentença arbitral pode ser executada em qualquer jurisdição rele-vante do globo, ampliando a utilidade de tal sentença, uma vez que não está sujeita às dis-tintas regras que muitas juris-dições impõem para execução de sentenças judiciais estran-geiras. Isso sem falar das juris-dições que simplesmente não aceitam tais sentenças para posterior homologação.

O melhor remédio tem sido o tempo, pois atualmente, seja por submissão voluntária, seja por imposição legal, o ente público tem cada vez mais participado de arbitragens e percebido que este é um foro apto e isento o suficiente para julgar suas causas, com a mes-ma, ou por vezes maior, pre-cisão técnica que o judiciário. Ainda, os tribunais arbitrais diversas vezes dedicam mais

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esforços e tempo ao manu-seio das causas, se mostrando abertos a todas as interpreta-ções apresentadas, visando a preservar o interesse público e satisfazer as necessidades privadas dos atores daquele processo.

Comercialista - O envolvimen-to da administração pública como parte na arbitragem traz algum obstáculo do pon-to de vista da arbitrabilidade objetiva? Ou seja, há algum impedimento à instaura-ção da arbitragem em razão da matéria pelo simples fato de haver um membro da ad-ministração pública como parte?Claudio Finkelstein - Eu tendo a interpretar tais reticências como preconceituosas mes-mo, sem fundamento fático ou jurídico válido. É verdadeira-mente uma interpretação ta-canha da ordem vigente sepa-rada da realidade globalizada que permeia tanto a adminis-tração pública quanto a ativi-dade privada. Uma cegueira seletiva, por assim dizer. Um óbice que não se justifica, ain-da mais numa fase em que a sociedade clama pelo fim do ‘foro privilegiado’, sem que haja uma justificativa plausí-vel para tanto. A União vê na justiça estatal uma espécie de reserva de mercado, uma jus-tiça especializada para expor e julgar suas causas, mas é necessário ter em mente que

a construção de um sistema judiciário é fruto da atividade humana, do intelecto criativo do homem, e, em última aná-lise, onde quer que se pleiteie um direito, as leis e os princí-pios que regulam a prestação jurisdicional são as mesmas, seja no foro estatal ou no arbi-tral. Na arbitragem, o julgador tem as mesmas condições de decidir com qualidade e preci-são, defendendo os interesses consagrados nos contratos e na lei que regula a matéria, com as vantagens inerentes ao processo arbitral (celeridade, especialidade, confidenciali-dade, finalidade, etc.).Importante salientar que quando digo que o sistema ju-dicante é construção humana, quero dizer que a arbitragem também é construção humana e que o direito em si também é fruto dessa mesma ciência, deste mesmo esforço, dessa mesma solução. Não se tra-ta de um direito natural, que precede o estado de direito, que é perene e imutável, mas de um sistema em construção, que pode e deve se adaptar às diversas realidades. Assim, en-tender a arbitrabilidade como um óbice à participação de órgãos da administração pú-blica seria desprezar toda a realidade do sistema capitalis-ta brasileiro moderno, onde o Estado efetivamente participa do mercado em concorrência com os entes privados. O Es-tado participa desse merca-

do no exercício de um munus negocial e como tal não pode e nem deve se prevalecer de proteções ou prerrogativas tí-picas da sua atuação no exer-cício de seu munus público. É a contraposição do exercício de um jus imperii a um jus ne-gotie, e naturalmente as regras têm que ser outras, pois para consagrar a isonomia entre as partes, estas devem se encon-trar em pé de igualdade.

Comercialista - O senhor vis-lumbra haver alguma diferen-ça relevante entre arbitra-gens que envolvam membros da administração pública di-reta e arbitragens que envol-vam membros da administra-ção pública indireta?Claudio Finkelstein - Tecnica-mente não há diferença, pois a lei não estabelece nenhuma discriminação. Na administra-ção pública indireta temos ob-servado que do mesmo modo que as grandes empresas de-monstram uma preferência pela via arbitral para solucio-nar os casos mais importan-tes, não há mais a reticência em se submeter à arbitragem. As sociedades de economia mista comumente se socor-rem da arbitragem, sendo cor-riqueiro vermos a Petrobras, o Banco do Brasil, a Eletrobrás e a Embraer participando de procedimentos arbitrais.

Internacionalmente o Bra-sil (enquanto Estado) também participa de procedimentos

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arbitrais e elege a arbitragem como forma de solução de con-trovérsias em diversos contra-tos, mas internamente os ór-gãos da administração pública direta ainda relutam muito em participar de processos arbi-trais. No entanto, nossa juris-prudência, salvo poucas exce-ções, é favorável à submissão do Estado ao procedimento arbitral, e já abundam decisões nesse sentido. Acredito que em breve essa reticência irá se dis-sipar, pois de fato os tribunais arbitrais têm melhores con-dições de aplicar o direito aos casos concretos, reconhecen-do os eventos de preservação do interesse público, inclusi-ve se dando por incompeten-te quando aferir que o direito em questão é verdadeiramente indisponível.

Comercialista - Como deve ser interpretado o §3º do art. 2º da Lei de Arbitragem no to-cante ao princípio da publici-dade? Trata-se de uma aplica-ção ilimitada ou que encontra alguma barreira na hipótese em que há algum regramento do sigilo entre as partes?Claudio Finkelstein - Para mui-tos o sigilo é uma caracterís-tica inerente à arbitragem, e a maior parte das regras insti-tucionais que conheço deter-minam que os procedimentos sejam sigilosos. Todavia, do mesmo modo que a arbitra-gem oferece o sigilo às partes como uma vantagem inerente

ao processo, a administração pública é pautada pela publi-cidade dos atos, uma garantia à sociedade inserida no mo-delo dos freios e contrapesos existentes e determinados em lei, visando a preservar o interesse público. Um regra-mento de limitação ao sigilo entre as partes seria o ideal. Em realidade esta matriz de publicidade determinada pela Lei de Arbitragem não impli-ca em publicitar todos os atos do procedimento, até porque grande parte das causas em que a administração publica direta ou indireta participa pode conter dados sigilosos ou cláusulas de confidenciali-dade, dependendo da matéria que trata (que pode variar de patentes a sigilo industrial ou conter dados comerciais sen-síveis às partes da disputa, e que devem ser preservadas).

A extensão da publicidade que a Lei de Arbitragem deter-minou ainda não está clara, mas de fato o que teremos é uma decisão pela qual ou as partes determinam quais dados se-rão disponibilizados, por quem e por qual meio, ou os árbitros deverão decidir na ausência de regramento institucional, con-tratual ou consensual. Uma coi-sa é fato: o dever de publicidade incumbe ao órgão da adminis-tração pública, e não à institui-ção ou ao tribunal arbitral.

Comercialista - Professor, como é que se dão as esco-

lhas da câmara de arbitragem e dos árbitros, bem como o pagamento de custas nas ar-bitragens que envolvem a ad-ministração pública? No caso da escolha da câmara, há ne-cessidade de licitação?Claudio Finkelstein - A institui-ção que administrará a arbi-tragem é, em regra, de livre escolha das partes. Digo em regra pois atipicamente exis-te uma reserva de mercado, como arbitragem na geração e distribuição de energia elé-trica que deve ser cursada na Câmara da FGV ou de em-presas de capital aberto BO-VESPA Novo Mercado, Nível 2 das Praticas Diferenciadas de Governança Corporativa e Bovespa Mais, que devem ser cursadas na CAM BOVESPA. No viés da liberdade, os árbi-tros são escolhidos pelas par-tes e para ambos (instituição e árbitro) o que determina a es-colha por um ou outro são as características dos casos. No Brasil, existem diversas ins-tituições arbitrais seríssimas, e algumas especializadas. Do mesmo modo temos diversos árbitros preparados para ana-lisar e decidir qualquer tipo de questão, seja pelo preparo, estudo ou dedicação à área. A instituição deve ser escolhi-da em função da importância da arbitragem para as partes, e pela adequação de suas re-gras às necessidades das par-tes e dos casos. Quanto mais importante a causa, seja pelo

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valor em disputa, pela urgên-cia da prestação jurisdicional ou pela necessidade de uma impecável decisão, o ideal é buscar uma instituição com preparação para auxiliar o an-damento da arbitragem, uma instituição com infraestrutura física e operacional comple-ta e com staff que possibilite decisões rápidas e precisas, que tenha disponibilidade de espaço e pessoal para auxiliar as diligencias necessárias ao julgamento, que tenha dispo-nibilidade de salas de audiên-cia e expertise para enfrentar situações atípicas, sem travar seu procedimento nem peri-clitar a execução de eventual sentença arbitral.

Por óbvio que se espera este mesmo esmero de qualquer instituição, mas a verdade é que nem todas as instituições têm o mesmo preparo e estru-tura. Na verdade, este apara-to todo não é necessário para qualquer caso, pois seu custo se reflete no dispêndio que as partes deverão fazer frente até a solução do caso.

Assim, não se justifica ini-ciar casos de menor complexi-dade e nos quais a intervenção da instituição não seja neces-sária naquelas instituições, porque existem outras aptas a administrar processos a con-tento, sem onerar ainda mais as partes. Nesses casos, os li-tigantes devem se conformar com estruturas físicas menos sofisticadas e menos pesso-

al no suporte às partes e aos árbitros. Na verdade, na maior parte dos casos não se nota uma diferença, mas naqueles casos em que a intervenção da instituição é necessária e esta não está preparada, o prejuízo é grande, principalmente em termos de qualidade e tempo.

Quanto aos árbitros, como mencionado antes, existe uma espécie de clube e seus inte-grantes são praticamente os mesmos em qualquer institui-ção séria no Brasil. Por óbvio existem diversos outros árbi-tros não habituais, excelentes profissionais que optam por trabalhar num limitado núme-ro de processos, o que enri-quece ainda mais esse merca-do. Para muitos, a qualidade da arbitragem está diretamente ligada aos árbitros que as par-tes escolhem e este processo de escolha deve necessaria-mente estar ligado à serieda-de com que este profissional trata seus casos e dirige seus estudos. Sua escolha deve ser determinada em consonância com as particularidades do caso, tendo em vista a forma-ção e experiência profissional e acadêmica do árbitro.

Eu comumente afirmo que quando uma arbitragem não dá certo, como regra a causa de tal insucesso é a participa-ção do advogado que não con-templou todas as hipóteses na fase de redação da cláusula compromissória, não estudou qual instituição deveria ser in-

dicada e por fim, que escolheu um árbitro despreparado para julgar aquele tipo de causa.

Já no tocante à arbitragem envolvendo a administração pública, estas regras deve-riam ser idênticas, em virtu-de da inexistência de lei de-terminando a submissão a determinada instituição ou procedimento específico para indicação de árbitros. Não há que se falar em licitação para identificar a instituição que administrará tais proce-dimentos, pois a inexigibili-dade é característica do tipo de prestação jurisdicional. O credenciamento faz sentido, mas o determinante será a ca-pacitação da instituição assim como dos árbitros. Idealmente o edital conterá tais previsões - exceto nos casos em que a lei prevê adstringência a crité-rios pré-determinados, como sujeição à lei brasileira (com exclusão da possibilidade de julgamento por equidade), foro brasileiro, necessidade de painel de três árbitros, assun-ção de custos pelo particular e outros.

Particularmente no que toca às custas, estas devem ser objeto de previsão e como re-gra o particular deverá adian-tá-las. Aliás, muito se discute quanto a esta questão, mas ela está contemplada em virtual-mente todas as regras institu-cionais, onde a inadimplência do reclamado não implica em encerramento do processo,

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vez que o reclamante é con-vidado a efetuar o pagamento, e mesmo sem pagar o recla-mado pode participar de todo o processo em condições de igualdade com o reclamante. Ele não poderá formular pedi-dos, mas poderá se defender de quaisquer alegações.

Comercialista - É possível ha-ver arbitragem envolvendo matéria tributária? Quais são os limites que circunscrevem essa possibilidade?Claudio Finkelstein - Se a per-gunta pedir uma resposta sim ou não eu diria sim. Todavia, esta é uma questão verda-deiramente delicada. Em tese nada além de uma interpre-tação positiva por parte de nossos tribunais seria neces-sário. Algumas mudanças le-gislativas seriam bem-vindas, mas a adoção da arbitragem para resolução de questões de ordem tributária somente serão realidade quando a fa-zenda sinalizar politicamente que adotará tal meio como forma de solucionar contro-vérsias, o que na maior parte das vezes não corresponde à realidade da Procuradoria da Fazenda Nacional. Tam-bém, em tese, qualquer ma-téria poderia se sujeitar ao procedimento arbitral, pois novamente, o critério opera-tivo é discutir questões patri-moniais disponíveis, e como vemos corriqueiramente a fazenda ofertando ao jurisdi-

cionado programas de perdão parcial e refinanciamento de dívidas com renúncias ou aos créditos ou a seus consectá-rios legais, na verdade há uma disposição desses direitos e verdadeira transação, motivo pelo qual tais matérias podem sim ser objeto de arbitra-gem. Eu diria que o ideal se-ria uma câmara especializada, com integrantes dedicados a matéria.

Questões comerciais com reflexos tributários indubi-tavelmente podem ser arbi-tradas, e da sentença arbitral incidirão os tributos, na for-ma e sob os valores decididos, que vinculam a administração pública.

No entanto tenho que afir-mar que essa questão é pro-blemática, pois esbarra num preconceito a muito arraigado na cultura jurídica brasileira, que precisa muito ser debati-do para ser entendido e even-tualmente superado.

Comercialista - Com a promul-gação do novo Código de Pro-cesso Civil, iniciou-se uma discussão acerca de eventual interferência e, até mesmo vinculação, de precedentes judiciais na arbitragem. Em-bora o posicionamento ma-joritário daqueles que traba-lham com arbitragem entre particulares tenha se mostra-do ser de afastamento com-pleto em relação ao sistema de precedentes do CPC, o se-

nhor vislumbra haver alguma tendência à influenciação dos precedentes judiciais que en-volvam a administração pú-blica nas arbitragens em que essa seja parte?Claudio Finkelstein - Na verda-de, esta é outra área em que eventual prática da adoção dos precedentes vinculantes pelos tribunais arbitrais inde-pende de quem seja a parte, um particular, uma empresa ou o Estado. Seja o árbitro a favor ou contra sua adoção, efetivamente independe ser a parte a administração pública direta ou indireta.

A meu ver, esta questão está muito mais afeta ao di-reito aplicável à solução da controvérsia. Se for o direito brasileiro, me parece que os precedentes integram esse di-reito e devem ser levados em conta pelos árbitros, mas em pé de igualdade com a doutri-na, decidindo o árbitro discri-cionariamente; o que implica afirmar que a meu ver os pre-cedentes não são vinculan-tes. De início, para solver essa questão de vez, o que se indica é que, querendo as partes que os precedentes sejam levados em consideração e vinculem o tribunal no momento de pro-latar as sentenças, devem as partes inserir tal obrigação no contrato, na própria cláusula compromissória.

Esta questão gira em tor-no dos ritos processuais e da necessidade do árbitro se

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 15

ater aos preceitos do direito processual, o que efetivamen-te não é o caso. Exceto pelos princípios de natureza pro-cessual garantidores do de-vido processo legal e da iso-nomia, os tribunais arbitrais não devem e comumente não se fixam a regras de nature-za processual civil, vez que a arbitragem deriva de uma matriz distinta (contratual--jurisdicional) - com regras e características próprias, e com suas fontes na efetiva vontade das partes, identifi-cadas nos contratos que estes firmam, na lei que eles elegem para reger seu procedimen-to e nas regras da instituição que estes escolheram para administrar sua arbitragem. Por óbvio, as partes podem decidir que querem inequivo-camente se sujeitar às regras de processo, ou escolher re-gras institucionais como da CAM FGV que determina a aplicação subsidiária do CPC, caso em que os tribunais se vinculam a tal determinação.

Comercialista - Por fim, para aproveitar que estamos com um internacionalista, tenho duas últimas perguntas ao senhor. Quando realizamos a entrevista com o Professor Gary Born, fizemos a ele es-sas mesmas indagações e eu gostaria de ouvir sua opinião sobre o assunto: quais são os fatores relevantes na escolha de determinado país como

sede da arbitragem? O que o senhor acha que o Brasil po-deria fazer para se tornar mais atrativo às arbitragens internacionais?Claudio Finkelstein - A primeira afirmação necessária é que já estamos fazendo muito para atrair o maior número de ar-bitragens internacionais ao Brasil. Em pesquisa recente publicada pela CCI, indica-se que o Brasil está entre os cinco maiores usuários da arbitra-gem no mundo. Sinal disso é que a própria CCI abriu em São Paulo um escritório próprio. A CAM-CCBC ampliou ainda mais sua gama de convênios com instituições mundo afora, recentemente com a própria PCA (Permanent Court of Arbi-tration), além de ampliar suas instalações e pessoal, tornan-do-se uma referência regional de nível internacional.

Uma característica inerente à arbitragem no Brasil é a clas-sificação legal de estraneidade imposta à sentença arbitral emitida fora do país, de modo a levar [contrariamente à Con-venção de Nova Iorque] o Bra-sil a impor um procedimento homologatório no STJ prévio à execução e posterior curso desta na Justiça Federal. As-sim, o estrangeiro informado sabe que é mais conveniente cursar sua arbitragem no ter-ritório brasileiro, pois pode executar diretamente a sen-tença sem precisar se sujeitar a outros procedimentos.

Ainda que não houvesse tal razão, a infraestrutura do país melhora a ponto de podermos oferecer aos estrangeiros uma mão de obra especializada e bilíngue, aeroportos conve-nientes e funcionais além de excelentes hotéis e restauran-tes, com diversas cidades cos-mopolitas além de São Paulo. Temos diversos profissionais qualificados (tanto árbitros quanto advogados, tradutores e experts) formados nas gran-des universidades nacionais e estrangeiras. Nas competições de arbitragem, notadamen-te no Vis Moot (Willem C. Vis International Commercial Ar-bitration Moot) , que utilizou, na última edição, as regras da CAM-CCBC, o Brasil tem se destacado cada vez mais, de-monstrando a capacitação que nossas faculdades de direito têm oferecido ao mercado, que está em ascensão.

Nosso judiciário está cada vez mais afeto ao marco legal da arbitragem e - salvo cada vez mais raras exceções - as decisões são pró arbitragem, encontrando o equilíbrio en-tre as jurisdições arbitral/es-tatal, sempre que instada.

O custo está cada vez mais atrativo, em comparação com as instituições estrangeiras e, por fim, hoje o Brasil volta a ter um pouco de estabilida-de e confiabilidade, condições essenciais à atração de inves-timentos e de procedimentos arbitrais.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201716 Doutrina

Por Arnoldo Wald*

A arbitragem e a administração pública. Evolução. Aspectos legislativo, jurisprudencial e práticos

1 Nova redação dada pela Lei nº 13.129, de 26.05.2015.

“Lei 9.307/96Art. 1o (...)§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se

da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

§ 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.”(NR)1

“Lei 13.448/2017(...) Art. 31. As controvérsias surgidas em decorrência dos contra-

tos nos setores de que trata esta Lei após decisão definitiva da auto-ridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais dispo-níveis, podem ser submetidas a arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias.

§ 1o Os contratos que não tenham cláusula arbitral, inclusive aque-les em vigor, poderão ser aditados a fim de se adequar ao disposto no caput deste artigo.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 17Doutrina

Por Arnoldo Wald*

2 Lei nº 13.448, de 05.06.2017.

3 Discurso de posse do Senhor Ministro Advoga-

do-Geral da União, Dr. JOSÉ ANTONIO DIAS TO-FFOLI proferido em 12.03.2007.

4 STF. Agravo de Instrumento nº 52.181/GB, j. 14.11.1973, RTJ 68/382-397, maio 1974.

l. A evoluçãoPodemos afirmar que, até meados do século passado, a arbitragem era desconhecida pela Administração Pública, não obstante a sua eventu-al utilização, em delimitação das nossas fronteiras e em certos casos esporádicos, nos quais ela não foi da maior eficácia para a solução de

conflitos. Chegou até a en-sejar discussões judiciais que demoraram algumas déca-das, como aconteceu no caso do litígio entre a União e o Espólio LAGE4.

Funcionei em 1984, num dos primeiros casos em que a questão foi resolvida pelo judiciário brasileiro antes de eclodir uma situação concre-

ta. Tratava-se de um acordo feito para pôr fim à suspensão dos pagamentos internacio-nais decretada pelo Governo brasileiro que se desdobrou em vários instrumentos entre os quais o chamado PROJETO DOIS pelo qual o Banco Cen-tral acertou o modo de solver as obrigações do nosso país com os bancos estrangeiros.

§ 2o As custas e despesas relativas ao procedimento arbitral, quando instaurado, serão antecipadas pelo parceiro privado e, quando for o ca-so, serão restituídas conforme posterior deliberação final em instância arbitral.

§ 3o A arbitragem será realizada no Brasil e em língua portuguesa.§ 4o Consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais dis-

poníveis, para fins desta Lei:I - as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômi-

co-financeiro dos contratos;II - o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de trans-

ferência do contrato de concessão; eIII - o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das

partes.§ 5o Ato do Poder Executivo regulamentará o credenciamento de

câmaras arbitrais para os fins desta Lei.” 2

“Posição da AGU“(...), buscando alternativas à distribuição da justiça verticaliza-

da, onde as partes são submetidas à decisão de um órgão julgador, é preciso pensar instrumentos de solução de conflitos que aproximem à Advocacia-Geral da União e o Poder Judiciário dos cidadãos e do se-tor produtivo do país, estabelecendo-se a distribuição de uma justiça horizontal, em que as partes envolvidas se submetam à decisão por elas negociada. Por que não pensar na utilização de instrumentos co-mo a transação, a conciliação e a arbitragem como regra na solução de conflitos que envolvam interesses públicos administrados pela União, quando estes instrumentos se demonstrem mais eficientes na realiza-ção da justiça material?” (os grifos são nossos)3

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201718 Doutrina

5 Remessa Ex Offcio n. 99824/RJ, j. 14.10.1988 - TFR, Rel. Min. FLAQUER SCARTEZZINI, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 17, p. 251-254, jul./set. 2002.

6 A decisão foi proferida em 25.10.2005, no REsp nº 612439/RS, pela 2ª Turma, então compos-ta pelos ministros CASTRO MEIRA, FRANCISCO PEÇANHA MARTINS e ELIANA CALMON, e presi-dida pelo Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. WALD, Arnoldo. “A arbitragem nos contratos pú-blicos”, Revista do Ministério Público, Rio de Janei-ro, n. 18, p. 21-24, jul./dez. 2003.

7 Trata-se do caso COPEL que referimos no nosso artigo “Parcerias público-privadas e arbitragem”, Carta Mensal, n. 589, p. 5-6, abr. 2004 e que en-sejou vários artigos em revistas jurídicas no Brasil e no exterior.

8 O art. 11 do Decreto-lei n. 1312/1974 tem a se-guinte redação:“Art. 11. O Tesouro Nacional contratando dire-tamente ou por intermédio de agente financei-ro poderá aceitar as cláusulas e condições usuais nas operações com organismos financiadores in-ternacionais, sendo válido o compromisso geral e

antecipado de dirimir por arbitramento todas as dúvidas e controvérsias derivadas dos respectivos contratos.”

9 Lei n. 8.987/95 e art. 23 introduzido pela Lei n. 11.196/2005.

10 Lei n. 11.079/2004.

11 Lei n. 4.472/97.

12 Lei n. 9.478/97.

No referido documento havia uma cláusula compromissó-ria, prevendo um juízo arbitral que teria a sua sede fora do Brasil e no qual o presidente não deveria ser brasileiro.

Na ocasião, foi sustentada a inconstitucionalidade do mencionado texto em ação popular, na qual funcionei, defendendo o Ministro da Fazenda e o Presidente do Banco Central, num processo no qual eram responsabiliza-dos pela totalidade da dívida brasileira existente na época. A matéria era polêmica e vá-rios juristas se manifestaram pela inconstitucionalidade da cláusula, levando até o Con-selho Federal da OAB a adotar essa posição. Tive a sorte de ser a questão submetida a um juiz que também era profes-sor de direito internacional privado e que acabou dando excelente sentença que foi, em seguida, confirmada pelo então Tribunal Federal de Re-cursos, pois ainda não existia o STJ5.

Outro caso pioneiro ocor-reu quase duas décadas de-pois, já na vigência da Lei da arbitragem. Havia uma sociedade de economia mis-ta que litigava contra uma empresa privada e que não quis respeitar a cláusula compromissória do contra-to que vinculava as partes. O Tribunal do Rio Grande do Sul entendeu, na épo-ca, que a cláusula era nula, pois não poderia prevalecer contra entidade da adminis-tração pública direta ou in-direta. Foi um dos primeiros casos que foi decidido pelo STJ e no qual foi firmada a tese da validade da arbitra-gem contra a administração pública6. Em virtude dessa decisão, um caso anterior-mente julgado pelo Tribu-nal gaúcho, mas que ainda não tinha submetido ao STJ, acabou sendo resolvido por acordo entre as partes, após ter provocado uma onda de artigos na imprensa inter-nacional, suscitando dúvidas

quanto ao futuro da arbitra-gem em nosso país7.

Cabe ainda lembrar que, em 1974, o Decreto-Lei 1.312, autorizou o Poder Executi-vo a aceitar a arbitragem nas operações financeiras inter-nacionais8, trata-se de diplo-ma legal pioneiro mas pouco conhecido e ao qual a doutri-na não costuma aludir.

Posteriormente, após a promulgação da Lei de Arbi-tragem, houve explicitação da sua aceitação na legislação de concessões9, das PPPs10 e para os contratos celebrados pela ANATEL11 e ANP12.

Podemos, pois, afirmar que, a partir do início do século XXI, a situação esta-va devidamente esclarecida pelo legislador e pelo Supe-rior Tribunal de Justiça, não obstante a resistência de al-guns tribunais locais, que não perdurou.

Tivemos várias dezenas e até talvez uma centena de julgados reconhecendo a va-lidade da arbitragem contra

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 19Doutrina

livros e artigos, concluindo--se que a referência à au-toridade competente não implicava em qualquer mo-dificação do entendimento anterior, exigindo-se tão so-mente que quem autorizas-se a arbitragem pudesse ter os poderes gerais de repre-sentação em juízo ou, numa interpretação literal, a fa-culdade de transigir. Pesso-almente, entendo que não se deve equiparar a arbitragem à transação, por não implicar necessariamente na existên-cia de concessões recípro-cas, que a caracterizam (art. 840 do Código Civil).

Como em determinados casos, a autoridade compe-tente tinha um certo receio de admitir a convenção de arbitragem, embora previs-ta como forma de concilia-ção nas concessões, mais um passo foi dado com a recente Lei nº 13.448 de 05.06.2017, que disciplinou o uso da ar-bitragem nos contratos de infraestrutura em relação aos direitos disponíveis no seu art. 31 que transcrevemos no início do presente artigo.

Verifica-se que os concei-tos utilizados pelo legislador são claros, não havendo dú-vida quanto ao teor dos mes-

autarquias, empresas públi-cas e sociedades de econo-mia mistas. Chegamos até a assistir ao confronto arbitral entre a PETROBRAS e a ANP 13(Agência Nacional do Petró-leo). Mas havia uma dúvida quanto à possibilidade de ser a própria União Federal parte na arbitragem, suscitando-se inclusive o problema de saber em que condições poderia ser assinada a convenção de arbi-tragem nessa hipótese14.

II. Aspectos legislativosO legislador supriu a lacu-na existente ao atualizar a Lei, na reforma realizada em 2015, acrescentando um pa-rágrafo ao art. 1º da legisla-ção anterior com a seguinte redação:

“Art. 1o (...)§ 1o A administração pública

direta e indireta poderá utili-zar-se da arbitragem para diri-mir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

§ 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebra-ção de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.”(NR)15

O novo texto foi objeto de numerosos comentários, em

mos. Direitos Patrimoniais disponíveis são os direitos que têm expressão econômi-ca abrangendo não somen-te os previstos no § 4º, mas também eventuais outros, pois a enumeração do texto legislativo é exemplificativa e não deve ser interpretado como tendo a natureza de “numerus clausus”.

Pensamos que a decisão definitiva é a que normal-mente é dada pela adminis-tração, quer esteja ou não sujeita a recurso hierárquico desde que abranja a totali-dade da discussão que será levada ao tribunal arbitral não se podendo perpetuar o processo administrativo como condição de recurso à arbitragem. O prazo para que a decisão deva ser razoável, podendo aplicar-se a legisla-ção sobre procedimento ad-ministrativo no plano federal e estadual.

Duas inovações que po-dem ser consideradas opor-tunas são o adiantamento das custas pela parte privada e o credenciamento das Câma-ras de Arbitragem. A primeira se justifica pela inexistência de previsão orçamentária das verbas necessárias para cus-tear a arbitragem, razão pela

13 TRF 2ª Região, Processo 0005966-81.2014.4.02.5101, Revista de Arbitragem e Media-ção, n. 45, p. 417, abr./jun. 2015.

14 Embora, como vimos, o Decreto-lei 1.312/1974, se referisse às operações financeiras internacio-nais do Tesouro Nacional.

15 Nova redação do art. 1º da Lei n. 9.307/96, dada pela Lei nº 13.129, de 26.05.2015.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201720 Doutrina

qual a lei determina que o outro litigante adiante o res-pectivo pagamento. É uma solução razoável. Por outro lado, o credenciamento das Câmaras, dede que feito em bases razoáveis e não discri-minatórias tem como justi-ficativa a imperatividade de ser o processo conduzido de acordo com um regulamen-to elaborado e aprovado por pessoas confiáveis e com ex-periência no setor, que de-verão também dar aos pro-cessos as eventuais soluções sempre que for necessário.

Entre vários outros, dois trabalhos focalizaram com acuidade os efeitos da nova lei, sendo de autoria do Dr. CESAR A. GUIMARÃES PE-REIRA e do Procurador Dr. ANDRÉ RODRIGUES JUN-QUEIRA.

Concluiu o Dr. CESAR A. GUIMARÃES que:

“os arts. 15, III, e 31 da Lei nº 13.448 trazem profundas e im-portantes inovações no siste-ma jurídico brasileiro relativo à arbitragem envolvendo a Ad-ministração Pública. Por meio do primeiro dispositivo, institui hipótese de celebração obrigató-ria de convenção de arbitragem. Pelo segundo, a União Federal manifesta de modo unilateral

seu consentimento (extensivo aos delegatários de atividades federais) para submissão a ar-bitragem das controvérsias re-lativas a contratos abrangidos pela Lei nº 13.448 em que tenha já havido decisão definitiva pela autoridade administrativa com-petente. A configuração dessa condição prevista no caput do art. 31 pode ser precipitada pela renúncia, pelo particular inte-ressado, à impugnação adminis-trativa de decisão já existente, ainda que em tese passível dessa impugnação. Também pode ser configurada pelos efeitos do si-lêncio administrativo diante do descumprimento de prazos nor-mativos para decisão, como os da Lei 9.784. Não havendo defi-nição prévia das condições para a realização da arbitragem ofer-tada unilateralmente pelo caput do art. 31, aplica-se o regime dos arts. 6º e 7º da Lei 9.307/96, ca-bendo ao Poder Judiciário suprir os elementos necessários para a instauração da arbitragem que não tenham sido definidos pelas partes”16.

Por sua vez, o Procurador Dr. ANDRÉ RODRIGUES en-tendeu que:

“A Lei n. 13.448/2017 re-presentou importante marco legislativo, ao disciplinar as

16 PEREIRA, Cesar A. Guimarães. “Arbitragem na Lei nº 13.448 e os contratos com a Administração Pública, nos setores de rodovias, ferrovias e aero-portos”, Revista de Arbitragem e Mediação, n. 55,

out./dez. 2017, prelo.

17 JUNQUEIRA, André Rodrigues. “A previsão de arbitragem na Lei federal n. 13.448/2017”, Revis-

ta de Arbitragem e Mediação, n. 54, jul./set. 2017, prelo.

prorrogações e relicitações dos contratos de parceria nos seto-res rodoviário, ferroviário e ae-roportuário da Administração Pública Federal. Ao trazer dispo-sições sobre o uso da arbitragem, cria-se um ambiente convidati-vo para tal instrumento de solu-ção de disputas contratuais.

O otimismo gerado pela possibilidade de resolução de controvérsias de forma mais eficiente está sujeito à confir-mação acerca da intepretação e regulamentação dos dispositi-vos trazidos pela nova Lei. Ca-berá aos intérpretes, Governo, players de mercado e gestores públicos terem em mente que os dispositivos foram introduzidos para fomentar a arbitragem e não limitar ou burocratizar sua utilização”17.

Houve, assim, certamente um relevante progresso le-gislativo na matéria, devendo ser salientado que os novos textos legais devem ser inter-pretados pela administração e pelos administrados com boa-fé e partindo do princí-pio de acordo com o qual a tendência atual do direito é em favor do instituto.

Assim, a referência à facul-dade de incluir a convenção de arbitragem em editais e/

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 21Doutrina

ou contratos não deve ser entendida como simples fa-culdade. Pois não se justifi-caria que merecesse referên-cia expressa do legislador, mas como obrigação. Trata--se, pois de um poder-dever como tem entendido a me-lhor doutrina.

Também a expressão “di-reitos disponíveis” não ex-clui a arbitragem em relação às sanções administrativas, multas, e poderes unilaterais da administração se exerci-dos de modo abusivo ou de-sequilibrando o contrato. Fi-nalmente, parece oportuna a sugestão da melhor doutrina no sentido de “densificar nos contratos a definição da ar-bitrabilidade”18. Comentando a Lei nº 13.129/2015, o pro-fessor ALEXANDRE SANTOS ARAGÃO, titular da cadeira de direito administrativo da UERJ, salientou neste senti-do que:

“Em linhas gerais, pode-se afirmar que todos os direitos e obrigações que decorram, em última análise, de contratos ce-lebrados pela Administração Pública podem, também por dis-posição negocial nesse sentido (cláusula compromissória ou compromisso arbitral), ser sub-metidos à arbitragem.

O campo de arbitrabilidade objetiva, no Direito Administra-tivo, não fornece guarida ape-nas às disposições efetivamente heterônomas, ou seja, constitu-ídas sem o necessário concurso volitivo do administrado. Nesse sentido, vimos que, ainda que algumas prerrogativas possam ser exercidas de modo unilate-ral e parte das cláusulas de um contrato administrativo estejam predispostas em diplomas legis-lativos, é o encontro de vontades que constitui aqueles poderes e obrigações aludidos pela Lei – que será fonte apenas indireta do negócio jurídico. Na verdade, o que a Legislação faz nessas hi-póteses é prever uma obrigação, para a Administração Pública, de inscrever nos contratos que celebre determinadas cláusu-las – essa obrigação, contudo, não alcança nem poderia por si só alcançar os particulares que não venham a contratar com o Estado.

Vimos também que os reflexos pecuniários de direitos extra-patrimoniais ou indisponíveis podem ser apreciados perante os Tribunais arbitrais, a exem-plo do que ocorre no instituto da transação. Por fim, destacamos a possibilidade – e a conveniên-cia, já que esta solução promove a segurança das relações jurídi-

cas – de se densificar, por meio de atos normativos regulamen-tares ou dos próprios contra-tos, o que se deve entender por “direitos patrimoniais dispo-níveis” para fins de fixação das matérias que podem ou não ser apreciadas em arbitragens en-volvendo o Estado.”19

III. Os conflitos recentesSendo a arbitragem um ins-tituto novo, chegando com seus vinte anos, à adolescên-cia, era normal que houvesse algumas dificuldades para a sua aceitação, especialmen-te por parte de alguns ma-gistrados misoneístas que achavam que se lhes limita-va a competência e a atua-ção na vida social. Surgiram assim alguns conflitos entre decisões judiciais e arbitrais que, seguindo os caminhos tradicionais dos recursos or-dinários, levariam anos para serem resolvidos com os processos parados enquanto não se decidia qual a justiça competente.

Nós, advogados, tentamos construir um atalho, basea-do na Constituição e na lei, para permitir decisões rá-pidas e definitivas quanto à prevalência, em cada caso,

18 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “A arbitragem no Direito Administrativo”, Revista de Arbitragem e Mediação, n. 54, jul./set. 2017, item 7 “A função desinficadora dos contratos na definição da arbi-

trabilidade de lides envolvendo a Administração Pública”, prelo.

19 “A arbitragem no Direito Administrativo”, Re-

vista de Arbitragem e Mediação, n. 54, jul./set. 2017, prelo.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201722 Doutrina

da competência arbitral ou judicial. Considerando que a lei equipara o árbitro ao juiz (art. 18 da Lei nº 9.307/8620) entendemos que os conflitos entre juízes e árbitros de-viam ter o mesmo regime que os existentes entre membros do Judiciário. Recorremos ao STJ suscitando o conflito de competência previsto pelo art. 105, inciso I, alínea ‘d’ da Constituição Federal21 e pelo art. 115, inciso II, do CPC/7322.

A iniciativa foi vista inicial-mente com reservas, mas fi-nalmente aceita e a tese con-solidada pelo STJ em várias decisões tanto monocráticas como do plenário, embora houvesse alguns votos venci-dos. Ficou finalmente vence-dora a tese de acordo com a qual cabia o conflito de com-petência nos conflitos entre tribunais arbitrais e a justiça, mas não nos conflitos entre câmaras arbitrais ou entre tribunais arbitrais .

Parte da doutrina não se conformou com esse enten-dimento, preferindo o longo caminho tradicional que im-pedia o funcionamento rápi-

do e eficiente da Justiça, por se apegar ao paralelismo en-tre a Justiça e a Arbitragem, como linhas paralelas que não se tocam. Poder-se-ia alegar que o pragmatismo e a experiência devem preva-lecer sobre a lógica, na lição do Justice HOLMES, mas na realidade o paralelismo não existe. A justiça e a arbitra-gem são complementares, servindo o juiz de apoio e de fiscal da regularidade da ar-bitragem.

Em certo sentido, poucas são as questões que perma-necem não decididas na ar-bitragem, mesmo em relação ao Poder Público. Uma de-las que surgiu recentemente merecia, todavia, ser analisa-da.

É o caso no qual os inves-tidores ou acionistas da PE-TROBRAS responsabilizam a sociedade de economia mis-ta e o seu controlador pelos prejuízos decorrentes da de-sinformação ou em virtude dos atos ilícitos dos diretores da empresa comprovados nos inquéritos e nas sentenças do Lava Jato. Recentemente, a

União se recusou a participar de arbitragem com essa fina-lidade alegando que o acordo de acionista não a vinculava em relação aos atos sobera-nos que praticava. A matéria está sub judice, aguardando um pronunciamento do STJ.

Em primeiro lugar, de acordo com a lei não há im-pedimento algum para que a União Federal seja deman-dada em arbitragem, desde que tenha firmado o acor-do de acionistas ou aderido ao estatuto no qual consta a cláusula compromissória. Em segundo lugar, a União alega que a cláusula compromissó-ria não incide sobre os confli-tos entre acionistas, mas tão somente entre os mesmos e a sociedade. Mesmo que assim fosse, a União como controla-dora da empresa está com ela solidariamente responsável em relação aos atos ilícitos. Quando se inclui a empresa no acordo de acionista, en-tende-se que a cláusula deve abranger também o seu con-trolador que determina, acei-ta ou tolera os atos praticados pelos órgãos societários em

20 “Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.

21 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Jus-tiça:I - processar e julgar, originariamente:(...)d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”,

bem como entre tribunal e juízes a ele não vin-culados e entre juízes vinculados a tribunais di-versos;

22 “Art. 115. Há conflito de competência:I - quando dois ou mais juízes se declaram com-petentes;” C.C. 11.230/DF julgado em 08.05.2013, com co-mentários meus publicado na Revista de Arbitra-gem e Mediação, n. 40, p. 380-383, jan./mar. 2014.

No mesmo sentido os C.C. 139.519/RJ, Revista de Arbitragem e Mediação, n. 45, p. 352-360, abr./jun. 2015, C.C. 148.728, Revista de Arbitragem e Mediação, n. 51, p. 489-502, out./dez. 2016 e C.C. 150.830, Revista de Arbitragem e Mediação, n. 53, p. 455-465, abr./jun. 2017, com comentário de RICCARDO GIULIANO FIGUEIRA TORRES e GUS-TAVO ALEM BARREIROS.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 23Doutrina

nome e por conta da empresa. Finalmente, a União faz a dis-tinção entre atos de império e de gestão, para isentar-se de responsabilidade diante dos atos praticados e dos fatos ocorridos alegando que de-correram de atos soberanos. Com a devida vênia, a viola-ção da lei, e dos estatutos da companhia não podem ser caracterizados como atos de império, ao menos no regime democrático em que vivemos. Aplica-se a teoria dos atos próprios e há uma vinculação simbólica entre a União e as entidades integrantes da ad-ministração direta e indireta. Acresce que quando a União participa da sociedade ela se equipara aos demais acionis-tas, sem gozar de privilégios ou prerrogativas. O Estado deixa de ser Poder e passa a estar vestido à paisana. Ele “se met en civil”, como salien-ta a doutrina francesa.

Assim, o Estado não pode mudar de roupa segundo a sua conveniência e as cir-cunstâncias como fazia um

dos personagens do “avaren-to” de MOLIÈRE que era si-multaneamente, ou melhor, sucessivamente, conforme a sua vestimenta, cozinheiro ou cocheiro24.

Não entramos no mérito da questão, mas a União Federal deve lembrar-se que a sua atuação prevista no art. 37 da Constituição pressupõe a bo-a-fé objetiva. A recente juris-prudência do STF no caso da VARIG25 reconheceu até que a União é responsável por atos lícitos que praticou como regulador desde que tenha ofendido direitos das partes, ensejando assim uma discri-minação entre os cidadãos ou as empresas, ou espécie de desapropriação indireta sem indenização prévia. Em tais casos, sendo o ato líci-to, poderia ter sido pratica-do, mas a União Federal deve indenizar os prejuízos causa-dos. Embora o entendimento do STF não fosse totalmen-te novo, já tendo sido mani-festado em casos anteriores, como o da TRANSBRASIL26,

os Ministros que se mani-festara recentemente salien-taram que se consolidou o entendimento da ocorrência de responsabilidade objetiva do Poder Público, quando os atos lícitos causavam preju-ízos específicos que não al-cançavam igualmente todos os interessados e que não atendiam na verdade ao in-teresse social ou ao interes-se público.

A jurisprudência e a dou-trina têm também reconhe-cido a evolução do direito administrativo em geral, tor-nando-se, especialmente na área econômica, menos im-perativo e mais consensu-al27. Admite-se a existência de um direito administrativo dos negócios e de um direito administrativo econômico28 mais consensual nos quais a arbitragem tem um papel importante a desempenhar podendo ser comparado ao do mandado de segurança no direito constitucional e administrativo e do habeas corpus no direito penal.

24 MOLIÈRE, l’Avare, 1668.

25 RE 571.969/DF, j. em 12.03.2014.

26 RE 183.180-4/DF, publicado na Revista de Di-reito Administrativo, n. 224, p. 329, abr./jun. 2001.

27 ANDRÉ HAURIOU escreve a respeito que: « Notre droit administratif classique est un droit du commandement, du privilège, du contrôle et, pour tout dire, de la méfiance. Le droit administratif de l’aléatoire, qui s’elabore sous nos yeux, présente et

présentera de plus en plus des caractéristiques dif-férentes: ce sera un droit de l’effort commun, enca-dré par des ‘actes collectifs’, de l’entraide entre l’Ad-ministration et ses partenaires et, pour tout dire, de la confiance » (“Nosso direito administrativo clássico é um direito de comando, de privilégio, de controle e, na verdade, da desconfiança. O direito administrativo do aleatório, que se elabora diante dos nossos olhos, apresenta e apresentará cada vez mais características diferentes: será um direito do esforço comum, emoldurado por ‘atos coletivos’, de ajuda entre a Administração e seus parceiros, em

síntese um direito baseado na confiança.”)HAURIOU, André, « Le droit administratif de l’aléatoire », In : Mélanges offerts au Doyen Louis Trotabas. Paris : LGDJ, 1970, p. 224. Escrevemos a respeito, já há vinte anos, o artigo intitulado “No-vas tendências do Direito Administrativo”, Revista de Direito Administrativo, n. 202, p. 43-47, out./dez. 1995.

28 SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Admi-nistrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201724 Doutrina

IV. A evolução da práticaDuas tendências, entre algu-mas outras, podem ser assi-naladas na evolução prática da arbitragem. A medida que se expandem tanto a media-ção como a arbitragem, há muitas vezes uma sequência entre ambas. Surgem ques-tões que se iniciam com a mediação mas acabam em ar-bitragem (cláusulas Med-Arb) e outras que, ao contrário, começam em arbitragem e acabam em mediação, como aconteceu no caso do confli-to entre o PÃO DE AÇÚCAR e o grupo francês CASINO, que é narrado por ABILIO DINIZ nas suas memórias29 e por WILLIAM URY em obra re-centemente traduzida para o português30. Temos assim cláusulas contratuais pre-vendo a Med-Arb, mas casos reais nos quais há uma espé-cie de inversão lógica e ocor-re a Arb-Med, quando no meio do processo arbitral, as par-tes reconhecem a necessi-dade de chegar a um acordo. É aliás, o que já aconselhava KENNEDY ao dizer que a me-

lhor solução é sempre a con-ciliatória. Não sendo possível entre as partes, recorrer-se à mediação e eventualmente à arbitragem. Quando nenhu-ma dessas formas funcionar, só resta a Justiça31.

A expansão da arbitragem tem também levado ao fi-nanciamento da arbitragem e a arbitragem multiparte, já prevista em vários regula-mentos32 e que se torna mais complexa, mas, em certos ca-sos, pode ser mais eficiente.

É o que ocorre no caso do financiamento de opera-ções de infraestruturas nas quais a inclusão do financia-dor na cláusula compromis-sória, pode ter um interesse para evitar que as dificulda-des do operador paralisem o contrato. Se o financiador é parte na solução do litígio, torna-se possível, algumas vezes, garantir a continui-dade da obra, não obstante a exclusão total ou parcial do construtor, concessionário ou parceiro na obra públi-ca e a sua substituição com novo player mantidas as ga-

rantias iniciais. É ideia que já consta no programa paulista de concessões rodoviárias33 e que abre perspectiva para o futuro.

Do mesmo modo o fi-nanciamento da arbitragem aceito ou tolerado por várias legislações e que acaba de ser considerado lícito pelo Barreau de Paris, pode trans-formar o financiador em par-ticipante oculto ou ostensivo da arbitragem.

V. ConclusõesNuma época de transfor-mação radical da sociedade, de disruption, de ruptura, imposta pelas novas tecno-logias34 e pela tirania da ur-gência35, o direito não pode se manter preso à “armadilha do obsoletismo” referida por ALVIN TOFFLER36. É preciso ter a coragem de inovar tam-bém no campo do Direito e de criar a engenharia jurí-dica, com novas formas de montagens negociais pelo jurista e pelo advogado, que devem estar atentos às no-

29 DINIZ, Abilio. Novos caminhos, novas escolhas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2016, p. 54 e seg.

30 URY, William. Como chegar ao sim com você mesmo. Rio de Janeiro: Sextante, 2015, 19 e 123.

31 Discurso por ocasião da greve de trabalhado-res na indústria, em julho de 1963. “Statement to railroad and operating rail union officials at White House”, New York Times, 7-10-1963.

32 Art. 8º do novo Regulamento da CCI.

33 Decreto nº 62.333, DE 21.12.2016, inovação do novo Programa Paulista de Concessões Rodoviá-rias.

34 RIFKIN, Jeremy. The third industrial revolution. Palgrave Macmillan, 2011, traduzido em português como A terceira revolução industrial. São Paulo: M. Books do Brasil, 2012, e FERRY, Luc. L’ innova-

tion destructrice. Paris: Plon, 2014.

35 FINCHELSTEIN, Gilles. La dictature de l’urgen-ce. Paris: Fayard, 2011.

36 TOFFLER, Alvin; TOFFLER, Heidi. Revolutio-nary wealth. New York: Alfred A. Knopf, 2006, Chapter 17, “The obsoledge trap”, p. 111.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 25Doutrina

* Arnoldo Wald∗Advogado. Árbitro. Professor catedráti-co de Direito Civil da Faculdade de Di-reito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

vas necessidades do mercado nacional e internacional da sociedade civil, para coope-rarem no desenvolvimento do país e no aprimoramen-to da Justiça. Os novos as-pectos da arbitragem podem constituir um instrumento eficiente para atrair capitais e desenvolver o país, aumen-tando a confiança na segu-rança jurídica que pressupõe não só a clareza e coerência das leis, mas também a capa-cidade de resolver divergên-cias com eficiência, rapidez e equidade37.

37 WALD, Arnoldo. “Novos rumos para a arbitra-gem”, In: NASCIMBENI, Asdrubal Franco; BERTA-SI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Bor-ges (Coord.). Temas de Mediação e Arbitragem. São Paulo: Lex, 2017, p. 13-23.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201726 Doutrina

Arbitragem e suas especificidades à luz do regime jurídico administrativo

Por Beatriz Lameira Carrico Nimer*

IntroduçãoO Direito é uno, mas temos a tradição de segmentá-lo para fins de estudo e de sistematização acadêmica. As ramifica-ções se estabelecem com base na reunião de princípios e re-gras específicos que dão identidade às variadas disciplinas jurídicas. Nesse contexto, só se pode conceber o Direito Ad-ministrativo à luz dos princípios que lhe são peculiares e que compõem, em unidade e coerência lógica, o denominado re-gime jurídico administrativo.

Na perspectiva da grande divisão do Direito em Privado e Público – segundo o critério da utilidade particular ou públi-ca da relação –, verificamos que o Direito Administrativo se enquadra nesta última classe: a das coisas do Estado (publi-cum jus est quod ad statum rei romanae spectat).

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 27Doutrina

1 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 73.

Portanto, essa disciplina reproduz as regras e os prin-cípios do regime de Direito Público, acrescidos daqueles que, dentro dessa categoria, lhe dão contornos próprios. Assenta-se, necessariamen-te, sobre dois cânones fun-damentais: a supremacia do interesse público sobre o pri-vado e a indisponibilidade, pela Administração, dos in-teresses públicos. O primeiro fundamenta os poderes esta-tais; o segundo impõe suas li-mitações.

A partir dessas diretrizes básicas, decorrem todas as normas – ou seja, todo o con-junto de regras e princípios – fundamentais do Direito Ad-ministrativo, identificáveis de modo expresso ou implícito no ordenamento jurídico.

Assim, torna-se marcante a dicotomia entre as duas fa-cetas básicas do Direito: en-quanto na esfera privada vige o princípio da liberdade, que tem como fundamento a au-tonomia da vontade (art. 5º, II, da CF/88), no Direito Pú-blico sobressai o princípio da competência, como consec-tário da supremacia e da in-disponibilidade: as atividades públicas são apenas aquelas delineadas na ordem jurídica.

Em consequência, o exer-cício da função administrati-

va, que tem como finalidade última, e sempre presente, a consecução do interesse pú-blico, é marcado pela autori-dade do Estado no exercício de seu poder extroverso, a abarcar a gama de prerroga-tivas que lhe permitem mo-dificar a esfera jurídica de terceiros (desapropriação, poder de polícia, poder regu-lamentar etc.). Porém, o con-teúdo do princípio da legali-dade impõe à Administração agir apenas dentro dos con-tornos delineados pelo orde-namento jurídico, nas exatas hipóteses em que se encon-tra autorizada ou obrigada a fazê-lo. Daí dizer-se que as prerrogativas de Direito Pú-blico só existem e se justifi-cam na exata medida dos in-teresses públicos a serem imperiosamente persegui-dos, donde se extrai que o “poder” não é o elemento nu-clear da função pública. Em verdade, o exercício do poder traduz-se em um dever jurí-dico a que o Estado se sub-mete. Por isso, há, propria-mente, um “dever-poder”, ao invés de um “poder-dever”.1

Fica evidente, pois, que o Direito Público não pos-sui uma índole autoritária. Todo o seu arcabouço nor-mativo, consubstanciado em seu regime jurídico, delineia-

-se como forma de conten-ção do arbítrio estatal em prol da garantia dos direitos fundamentais – os quais nada mais são do que facetas do interesse público, sejam eles considerados de forma indi-vidual ou coletiva.

Pois bem. Sob um viés for-mal, a função administrativa é definida a partir da posição constitucional ocupada pelo Executivo, que o diferencia dos demais Poderes do Esta-do; de forma analítica e sin-tética, o que o caracteriza é a atividade de execução da lei. Há que se perquirir, toda-via, se no universo das rela-ções administrativas vigoram apenas situações de desnive-lamento entre o Estado e os particulares, ou se é cabível, em determinadas hipóteses, o influxo de regras de Direi-to Privado.

Como já dito, a Adminis-tração age, necessariamen-te, em obediência a regras de competência que lhe im-põem uma atuação estrutu-rada com vistas à consecu-ção de uma finalidade alheia – o atendimento do interes-se público. Além disso, tem o dever constitucional de dar concretude à vontade do le-gislador, zelando pela in-tegridade do ordenamen-to jurídico. Mas os objetivos

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201728 Doutrina

públicos – inclusive por pre-visão normativa – nem sem-pre são alcançados por meio de instrumentos que geram uma posição de desigualda-de entre os particulares e a Administração. Os anseios da coletividade, que são pressu-postos da estabilidade social, podem ser atingidos no bojo de relações regidas, em lar-ga medida, pelo Direito Pri-vado, desde que, obviamente, sejam respeitadas as diretri-zes próprias do regime jurí-dico administrativo. É o que ocorre, por exemplo, com as empresas estatais que atuam, por injunção constitucional, de forma privada (art. 173, §1º, II e §2º, da CF/88), mas de-vem respeito às pautas valo-rativas do art. 37 da Consti-tuição Federal.

A adoção das prerrogati-vas públicas, com as cláu-sulas exorbitantes que lhes são inerentes, serve de limite para o exercício dos deveres estatais, com vistas à realiza-ção dos fins superiores a que se destinam. O Direito Admi-nistrativo é, pois, em essên-cia e em regra, um regime de exorbitância, no qual a atu-ação unilateral faz parte de sua natureza, relegando-se a ingerência do regime privado para zonas secundárias.

Dentre as hipóteses em que é legítima a utilização de vias que levam à paridade en-tre a Administração Públi-ca e o particular, despindo--a de grande parcela de suas prerrogativas de império, so-bressai a arbitragem. A du-vidosa legalidade do tema, ao que parece, foi apazigua-da com a reforma legislativa sofrida pela Lei nº 9.307, em 2015, que passou a dispor, em seu art. 1º, §1º, que: “A admi-nistração pública direta e in-direta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir con-flitos relativos a direitos pa-trimoniais disponíveis”.

A análise da constituciona-lidade dessa previsão há de ser aferida em cada caso con-creto, mediante a verificação dos limites e peculiaridades procedimentais que devem ser respeitados quando a Ad-ministração é parte no pro-cesso arbitral.

1. Função administrativa e a arbitragem no BrasilA Lei nº 9.307, datada de 1996, ingressou no ordenamen-to jurídico pátrio para dispor sobre a arbitragem. Em seu texto original, não se referia, de maneira expressa, à possi-bilidade ou não de utilização

desse processo em conflitos envolvendo entes públicos, surgindo então, antes da re-forma de 2015, inúmeras con-trovérsias a esse respeito.

Em períodos pretéritos, já se iniciava, por construção ju-risprudencial, o entendimen-to de que a Administração Pú-blica poderia se submeter à arbitragem, a exemplo do que se verifica no julgamento do paradigmático “Caso Lage”, pelo Supremo Tribunal Fe-deral, em 1973, oportunidade em que se reconheceu a “le-galidade do juízo arbitral, que o nosso Direito sempre ad-mitiu e consagrou, até mes-mo nas causas contra a Fa-zenda”.2 Posteriormente, em 2001, foi reconhecida, tam-bém pela Corte Suprema na-cional, a constitucionalidade do sistema instituído pela Lei nº 9.307/1996, inclusive com a demarcação da preferência da arbitragem como meio de solução de conflitos afetos a determinadas áreas.3

Também há de ser citado o MS 11.308, julgado pelo Su-perior Tribunal de Justiça em 2008, que serviu de paradig-ma para inúmeros acórdãos que o sucederam, visto que traçou as balizas básicas da arbitragem envolvendo entes

2 STF. AI 52.181, Rel. Min. Bilac Pinto, Tribunal Ple-no, j. em 14/11/1973, DJ 15/02/1974.

3 STF. SE 5206 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 12/12/2001, DJ 20/04/2004.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 29Doutrina

públicos: “não é qualquer di-reito público sindicável na via arbitral, mas somente aque-les cognominados como ‘dis-poníveis’, porquanto de natu-reza contratual ou privada”.4

Em meio a esse contexto, o cenário legislativo também se voltou à incorporação da ar-bitragem como procedimen-to extrajudicial para a solu-ção de conflitos envolvendo a Administração Pública. Des-de a década de 90, com as leis setoriais relacionadas ao programa de desestati-zação (ou de “privatização”), que já continham disposições a esse respeito, até perío-dos mais recentes, houve al-terações e criações normati-vas sob a influência da Lei nº 9.307/1996.5

Na atualidade, essa ten-dência tem crescido ainda mais. Indicativo interessan-te é a atuação do Conselho da Justiça Federal nesse senti-do. Na “I Jornada de Preven-ção e Solução Extrajudicial de Litígios”, foram aprovados 87 enunciados envolvendo me-diação, arbitragem e outras formas de solução de litígios.

No que tange, especificamen-te, às situações que envol-vem a Administração Públi-ca, destacam-se: “Enunciado 2: Ainda que não haja cláusu-la compromissória, a Admi-nistração Pública poderá ce-lebrar compromisso arbitral”; “Enunciado 4: Na arbitragem, cabe à Administração Pública promover a publicidade pre-vista no art. 2º, § 3º, da Lei n. 9.307/1996, observado o dis-posto na Lei n. 12.527/2011, podendo ser mitigada nos ca-sos de sigilo previstos em lei, a juízo do árbitro”; “Enuncia-do 11: Nas arbitragens envol-vendo a Administração Públi-ca, é permitida a adoção das regras internacionais de co-mércio e/ou usos e costumes aplicáveis às respectivas áre-as técnicas”; “Enunciado 13: Podem ser objeto de arbitra-gem relacionada à Adminis-tração Pública, dentre outros, litígios relativos: I – ao ina-dimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes; II - à recomposição do equilíbrio econômico-finan-ceiro dos contratos, cláusulas financeiras e econômicas”;

“Enunciado 18: Os conflitos entre a administração pública federal direta e indireta e/ou entes da federação poderão ser solucionados pela Câma-ra de Conciliação e Arbitra-gem da Administração Pú-blica Federal – CCAF – órgão integrante da Advocacia-Ge-ral da União, via provocação do interessado ou comuni-cação do Poder Judiciário”; “Enunciado 25: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm o dever de criar Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos com atribuição es-pecífica para autocomposi-ção do litígio”; “Enunciado 31: É recomendável a existência de uma advocacia pública co-laborativa entre os entes da federação e seus respectivos órgãos públicos, nos casos em que haja interesses pú-blicos conflitantes/divergen-tes. Nessas hipóteses, União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão celebrar pacto de não propositura de demanda judicial e de solici-tação de suspensão das que estiverem propostas com es-

4 STJ. MS 11.308, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Se-ção, j. em 09/04/2008, DJe 19/05/2008.

5 Cf. Lei Federal nº 12.815/2013 (Lei de Portos), que revogou a Lei Federal nº 8.630/1993; Lei Fe-deral nº 8.987/1995 (Lei de Concessões de Ser-viços Públicos), com as alterações trazidas pela Lei nº 11.196/2005; Lei Federal nº 10.848/2004 (autorizou a criação da Câmara de Comercia-

lização de Energia Elétrica – CCEE); Lei Federal nº 11.079/2004 (Lei das Parcerias Público Priva-das). Cf. também: Lei Estadual nº 19.477/2011, do Estado de Minhas Gerais, que “dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para a solução de litígio em que o Estado seja parte e dá outras provi-dências”. Anote-se que, no Estado de São Paulo, a Procuradoria Geral do Estado instituiu a arbi-tragem como expediente próprio para a solução

de controvérsias envolvendo as Parcerias Público Privadas (Cf. JUNQUEIRA, André Rodrigues; OLI-VEIRA, Maria Beatriz Tadeu de; SANTOS, Michelle Manaia. Cláusula de solução de controvérsias em contratos de parcerias público-privadas: estudo de casos e proposta de redação. Revista da Procu-radoria-Geral do Estado de São Paulo. p. 185-213).

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201730 Doutrina

tes, integrando o polo passivo da demanda, para que sejam submetidos à oportunidade de diálogo produtivo e con-senso sem interferência ju-risdicional”; “Enunciado 32: A ausência da regulamenta-ção prevista no art. 1º da Lei n. 9.469/1997 não obsta a au-tocomposição por parte de integrante da Advocacia-Ge-ral da União e dirigentes má-ximos das empresas públicas federais nem, por si só, tor-na-a inadmissível para efeito do inc. II do § 4º do art. 334 do CPC/2015”.6

A questão, porém, ainda gera controvérsias. O Tribu-nal de Contas da União, por exemplo, sempre foi refratá-rio à utilização da arbitragem pela Administração Pública, em sede de contratos admi-nistrativos, por entendê-la “incompatível com os princí-pios da indisponibilidade do interesse público e da supre-macia do interesse público”.7

Também a doutrina não é uníssona acerca do tema, destacando-se o entendi-mento de que a arbitragem

somente poderia ser utiliza-da para a solução de confli-tos envolvendo bens esta-tais disponíveis, excluindo-se aqueles denominados extra commercium, tais como to-dos os interesses concernen-tes à prestação de serviços públicos.8 Tal entendimento conflita com previsões nor-mativas que admitem, den-tre outras espécies, a utili-zação da arbitragem em sede de concessão de serviços públicos.

2. Peculiaridades do procedimento arbitral envolvendo entes públicosA presença do Poder Público demanda que o procedimen-to arbitral obedeça a deter-minadas especificidades que não são exigíveis nas conten-das envolvendo apenas par-ticulares, em virtude dos im-perativos da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, os quais atraem a su-jeição à principiologia própria do regime jurídico adminis-trativo e ao especial dever de

garantia, aos cidadãos, da pu-blicidade, com vistas à fiscali-zação e ao controle popular.

Por certo, onde quer que a Administração Pública se encontre, devem por ela ser respeitados os princípios bá-sicos da legalidade, impesso-alidade, moralidade, publi-cidade e eficiência (art. 37, caput, da CF/88), e todos os que lhes são correlatos. Tais princípios não são passíveis de ponderação entre si, de-vendo ser observados sempre de forma harmônica e con-junta.9

A convenção arbitral deve garantir, então, que os con-flitos envolvendo o Poder Pú-blico sejam submetidos à ar-bitragem quando versarem, apenas, sobre direitos pa-trimoniais disponíveis. Caso contrário, a utilização des-sa via para a solução de con-trovérsia envolvendo inte-resses públicos indisponíveis abre margem à declaração de nulidade do feito pelo Poder Judiciário, à luz do que dis-ciplinam os artigos 32 e se-guintes da Lei nº 9.307/1996,

6 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios”. Disponível em: <file:///C:/Users/Vera/Downlo-ads/Enunciados%20Aprovados%20I%20JPS-re-visado.pdf>. Acesso em 12 ago. 2017.

7 Cf. TCU. Decisão nº 286/93-Plenário, Acórdão nº 906/03-Plenário e Acórdão nº 537/06-2ª Câ-mara.

8 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso

de Direito Administrativo... cit. p. 817.

9 Acerca do tema, já tivemos a oportunidade de escrever: “Diferentemente dos princípios jurídi-cos que disciplinam o regime dos direitos funda-mentais, parece correto afirmar que os princípios constitucionais da Administração Pública não estão sujeitos às leis da ponderação e do sopesa-mento, uma vez que não colidem entre si e não estabelecem relações de precedência de um em face do outro. Não pode a moralidade ceder em

face da legalidade, da publicidade, da impessoa-lidade ou da eficiência – e o mesmo se diga em relação a cada um desses princípios, quando ana-lisados individualmente em face dos demais. To-dos esses princípios se contemplam e devem co-existir harmonicamente, sob pena de se ferirem, intrinsecamente, os pilares do regime jurídico administrativo” (NIMER, Beatriz Lameira Carrico. Ação Popular como instrumento de defesa da mo-ralidade administrativa: Por uma nova cidadania. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 121).

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 31Doutrina

que possibilitam à parte inte-ressada promover ação judi-cial para declarar nula a sen-tença arbitral.10

O problema, porém, reside na precisa delimitação entre o que são direitos patrimoniais disponíveis e indisponíveis. Em uma primeira diferencia-ção, poder-se-ia dizer que a disponibilidade está atrelada à liberdade da parte de dispor sobre o direito, podendo alie-ná-lo, a ele renunciar, onerá--lo ou transferi-lo. Em ou-tra dimensão, disponíveis são os direitos “sobre os quais”, e não “dos quais” a parte pode dispor, ou seja: a arbitragem não seria uma forma de dis-posição (alienação, renúncia) de direitos, mas sim de solu-ção de conflitos que os en-volvam, possuindo nítida na-tureza processual. Nesse contexto, poderia a parte se submeter à arbitragem sem-pre que fosse livre para dis-por sobre os meios de solu-ção de litígios relativos a essa

matéria, desde que não fosse obrigada, pelo Direito, a sub-metê-los à apreciação do Po-der Judiciário.11

O posicionamento que pa-rece ser mais apropriado e condizente com a sistemá-tica do regime jurídico ad-ministrativo é o de que o di-reito patrimonial disponível é aquele que envolve o inte-resse público secundário e os atos de gestão decorrentes de contratos da Administra-ção Pública, não se podendo jamais admitir a disposição arbitral de interesses públi-cos primários.12

Interessante mencionar, nesse sentido, que o Supe-rior Tribunal de Justiça tem consolidado o entendimento de que, com relação às em-presas estatais, os contratos por elas celebrados que ver-sem sobre atividade econô-mica em sentido estrito – a abarcar serviços públicos de natureza industrial ou ativi-dade econômica de produção

ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro –, além dos direitos e obrigações dela decorren-tes, são disponíveis e, por-tanto, transacionáveis, sujei-tando-se à arbitragem. Por outro lado, as atividades da empresa estatal que decor-ram do poder de império da Administração Pública, com consecução diretamente re-lacionada ao interesse públi-co primário, envolvem direi-tos indisponíveis e, portanto, não arbitráveis.13

Nesse contexto, apresen-tam-se, nos próximos itens, alguns pontos que necessa-riamente devem ser obser-vados em processos arbitrais envolvendo entes públicos, com as peculiaridades que lhes são inerentes.

2.1. Respeito ao princípio da publicidadeUma das grandes críticas doutrinárias que havia à uti-lização da arbitragem em

10 Cf. OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Especifici-dades do Processo Arbitral envolvendo a Adminis-tração Pública. Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo II (recurso eletrônico): direito administra-tivo e constitucional. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/pdfs/especificida-des-do-processo-arbitral-envolvendo-a-admi-nistracao-publica_58eda5e648667.pdf>. Acesso em 13 ago. 2017.

11 Cf. PEREIRA, Cesar Guimarães. Arbitragem e Administração. Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo II (recurso eletrônico): direito administra-tivo e constitucional. Disponível em: <https://

enciclopediajuridica.pucsp.br/pdfs/arbitragem--e-administracao_592dc5fe472bd.pdf>. Acesso em 13 ago. 2017.

12 Cf. HATANAKA, Alex S. O Poder Público e a Ar-bitragem após a reforma da Lei 9.307/1996. Re-vista brasileira de arbitragem, n. 49. p. 7-35. No que tange à diferenciação entre interesse público primário e secundário, oportunos singelos apon-tamentos: a priori, interesse público primário é o bem geral, ou seja, o interesse social propriamen-te dito, que importa à coletividade como um todo (a exemplo do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da prestação dos serviços públicos de

saúde, educação, transporte etc.); secundário, por seu turno, é o modo pelo qual os órgãos da Admi-nistração veem o interesse público, atrelando-se, precipuamente, à questão pecuniária que envolve a fazenda pública, podendo abarcar, por exemplo, a atividade econômica do Estado de produção ou comercialização de bens. Para melhor compreen-são do tema, cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 49 e ss.

13 Cf. STJ. REsp 612.439, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, j. em 25/10/2005, DJe 14/09/2006.

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conflitos envolvendo entes públicos diz respeito à in-compatibilidade de suas ca-racterísticas de confiden-cialidade e sigilo com o que preconiza o princípio da pu-blicidade dos atos adminis-trativos.14

A reforma de 2015, porém, introduziu à Lei nº 9.307/1996 o §3º do art. 2º, que ressalva, expressamente, que o pro-cesso arbitral envolvendo a Administração Pública deve respeitar o princípio da pu-blicidade.

A falta de confidencialida-de – expressamente previs-ta em lei para essa hipótese – não descaracteriza o insti-tuto e permite a sua utiliza-ção para a solução de con-f litos envolvendo o Poder Público, em consonância com o dever de transparência que é essencial à fiscalização e ao controle da Administra-ção, não podendo as partes dispor em sentido contrário. Excepciona-se essa regra, apenas, em relação às hipó-teses de resguardo do sigilo expressamente previstas em lei, a exemplo da preservação da segurança da sociedade ou do Estado e do resguar-do de informações pessoais relativas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem

(cf. Lei nº 12.527/2011, intitu-lada “Lei de Acesso à Infor-mação”, em seus arts. 22, 23 e 31, e Constituição Federal, art. 5º, incisos X e XXXIII).

Em decorrência do impe-rativo de publicidade, acres-ce-se aos tribunais arbitrais o dever de responsividade (ac-countability) para com a es-fera social, dada a certeza de que suas sentenças, embora versem sobre direitos patri-moniais disponíveis, surtirão, inegavelmente, efeitos que se espraiem além da seara con-tratual firmada entre as par-tes, repercutindo em dimen-são pública.

A ausência de publicidade pode ser questionada judicial-mente, inclusive por intermé-dio da atuação do Ministério Público, com vistas à decla-ração de nulidade do proces-so arbitral realizado em desa-cordo com essa diretriz.

2.2. A impossibilidade de autotutela administrativaDentre as prerrogativas da Administração Pública, des-taca-se o poder de autotute-la, que autoriza a anulação de seus próprios atos que sejam eivados de ilegalidade, e a re-vogação por motivo de con-veniência e oportunidade. Mesmo em sede de contratos

administrativos, que são atos bilaterais, a lei confere ao Po-der Público a possibilidade de realizar alterações unilate-rais dentro de limites expres-samente previstos (cf. art. 65 da Lei nº 8.666/1993).

Vige a regra, porém, de que a alteração unilateral de atos bilaterais é exceção no re-gime jurídico administrati-vo. Quando a manifestação de vontade não for apenas da Administração, esta deve buscar a desconstituição do ato por intermédio do Poder Judiciário. E isso se aplica ao compromisso arbitral, que, por essência, é um ato bila-teral e se sujeita à autotutela administrativa.

O Superior Tribunal de Jus-tiça já se manifestou no sen-tido de que o compromisso arbitral firmado livremente entre a Administração Públi-ca e um particular não pode ser unilateralmente anulado com base no suposto poder de autotutela administrativa, de modo que a atitude do Po-der Público, posterior ao iní-cio da arbitragem, “de im-pugnar seu próprio ato, beira às raias da má-fé, além de ser evidentemente prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de ma-neira mais célere”.15

14 Cf. PEREIRA, Cesar Guimarães. Arbitragem e Administração... cit.

15 STJ. REsp 904.813-PR, Rel. Min. Nancy An-drighi, Terceira Turma, j. em 20/10/2011, DJe

28/02/2012.

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Portanto, como consequên-cia do dever de boa-fé objeti-va do Estado, as regras espe-ciais de controle jurisdicional da arbitragem não trazem ex-ceções ou excepcionalidades à Administração Pública, deven-do esta se submeter ao mes-mo regime aplicável aos parti-culares em geral.

2.3. Critérios de julgamento arbitralUma das peculiaridades da arbitragem é a possibilida-de de julgamento não apenas por critérios de direito, mas também por equidade (art. 2º, caput, da Lei nº 9.307/1996). Ao julgar com base no direi-to – atividade típica do Po-der Judiciário –, exercita-se a subsunção do fato à norma jurídica posta pelo Legislador.

A equidade, por seu turno, admite a aplicação de méto-dos heterocompositivos para a solução do conflito, permi-tindo ao julgador a utilização de todo um conjunto axioló-gico para análise dos fatos e das provas apresentados pe-las partes. Possui natureza jurídica de método de inte-gração do Direito, destinan-do-se à colmatação de lacu-nas em prol da realização da justiça in concreto.

O atual Código de Processo Civil, reproduzindo norma já constante da legislação pro-

cessual de 1973, prevê, em seu art. 140, parágrafo único, que “o juiz só decidirá por equida-de nos casos previstos em lei”. Daí dizer-se que a equidade não é regra, mas exceção no ordenamento jurídico.

No específico caso da ar-bitragem, a lei autoriza a sua utilização nos processos co-muns, excetuando-a, expres-samente, nas hipóteses que envolvam a Administração Pública (art. 2º, §3º, da Lei nº 9.307/1996), situações estas que demandam, necessaria-mente, julgamento por crité-rios de Direito.

Eis mais uma decorrência dos influxos do regime jurí-dico administrativo ao pro-cedimento arbitral: o dever de observância ao princípio da legalidade, que gera a sub-missão da Administração à lei, impõe ao árbitro que, no julgamento de processos em que participe o Poder Públi-co, jamais se afaste da norma jurídica.

2.4. A Câmara de ArbitragemAs Câmaras Arbitrais propor-cionam suporte e auxílio aos árbitros, no desempenho de suas funções. Possuem ca-racterísticas análogas às dos cartórios judiciais. A diferen-ça reside na necessidade de pagamento de custas e de ho-

norários arbitrais – os quais não possuem a mesma natu-reza da taxa judiciária cobra-da pelo Poder Judiciário.

A realização desse paga-mento demanda o estabele-cimento de relações formais entre a instituição arbitral e as partes. No caso do Poder Público, isso se dá com a ce-lebração de contrato admi-nistrativo não precedido de licitação – dada a sua inexigi-bilidade em hipóteses desse jaez –, ou por meio de parce-ria voluntária entre a Admi-nistração e a Câmara Arbitral.

Ausente fundamentação le-gal específica, consolidou-se o entendimento de que a con-tratação dessas câmaras se realiza nos moldes da inexigi-bilidade de licitação por no-tória especialização, tal como prevê o art. 25, II e §1º, da Lei nº 8.666/1993. Isso porque: a) os serviços relacionados à ar-bitragem são técnicos profis-sionais especializados, de na-tureza singular; b) é inviável a competição entre diferentes prestadores de serviços des-sa natureza, dada a subjetivi-dade das características por eles desempenhadas; c) a lei permite que, ante a inviabili-dade de competição e a exis-tência de notória especiali-zação, ocorra a contratação direta, sem precedência de li-citação pública.16

16 Cf. OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Especificidades do Processo Arbitral envolvendo a Administração Pública... cit.

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Incumbe à Administração, no processo administrati-vo afeto a essa contratação – processo este que não é lici-tatório –, a comprovação de tais requisitos, incluindo do-cumentos que demonstrem a notória especialização.

Ainda que ausente o cunho licitatório, pode o Poder Pú-blico promover um processo de credenciamento de câma-ras arbitrais, estabelecendo critérios mínimos de qualifi-cação e, até mesmo, compa-rativos de preços, com vistas, se possível, à menor onerosi-dade ao erário.

Ademais, a Lei nº 13.019/2014, que disciplinou, dentre outros temas, o regime jurídico para o desenvolvimento de parce-rias voluntárias entre a Admi-nistração Pública e a socieda-de civil, em regime de mútua colaboração, permite a trans-ferência de recursos públicos para a realização de planos de trabalho. Como as Câmaras de Arbitragem são, em sua maio-ria, organizações da sociedade civil, é possível conceber-se a aplicação dessa modalidade de parceria entre os entes li-tigantes, sem a incidência da Lei nº 8.666/1993. Na hipóte-se, não haveria inexigibilida-de de licitação propriamente dita, mas celebração de con-trato de colaboração com a Câmara Arbitral.17

2.5. A sentença arbitral e sua execuçãoA sentença proferida em sede de processo arbitral, à se-melhança das sentenças ju-diciais, pode condenar a Administração Pública ao pa-gamento de valores à par-te contrária. Nesse contexto, embora a sistemática da arbi-tragem gire em torno da ce-leridade e da eficaz solução dos litígios, não pode o Esta-do sofrer métodos de cons-trição patrimonial que, a pre-texto de serem mais rápidos, violem o regime jurídico ad-ministrativo. Por essa razão, a execução das sentenças ar-bitrais se dá por meio do pa-gamento de precatórios, nos termos do art. 100 da Consti-tuição Federal.

Há, porém, especificida-de contida no art. 16 da Lei nº 11.079/2004, com a previ-são de existência de um Fun-do Garantidor das Parcerias Público Privadas, destinado ao pagamento de obrigações pecuniárias assumidas por parceiros públicos federais, distritais, estaduais e muni-cipais. Com a utilização desse fundo, não há necessidade de sujeição do exequente à or-dem dos precatórios.

Ademais, caso já haja uma dotação orçamentária espe-cífica para a finalidade que pende de execução, a exem-

plo de contratos administra-tivos não extintos, é possível a utilização desses recursos para o pagamento dos valores impostos pela sentença arbi-tral, não havendo que se falar, nessa hipótese – ao menos em tese –, em vedações legais ou constitucionais à não ob-servância dos precatórios.

Considerações finaisCulturalmente, o Brasil pos-sui a tradição de submeter seus litígios ao julgamento do Poder Judiciário. Enquan-to isso, por um lado, indica a confiança dos cidadãos na autoridade do Estado, tam-bém acarreta, por outro viés, enfáticas críticas quanto à morosidade dos processos e da Justiça.

A moderna sistemática do direito processual impõe que se preconize o célere des-linde das controvérsias, uma vez que a decisão ou a sen-tença, ainda que tecnicamen-te corretas, tornam-se injus-tas se proferidas a destempo.

Por isso, cresce a tendência de utilização de meios e técni-cas alternativas para a solução de conflitos, com vistas a di-minuir o volume de processos submetidos à apreciação judi-cial e, em consequência, dar maior celeridade à tramitação daqueles que, por necessidade efetiva, estejam em curso.

17 Ibidem.

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* Beatriz Lameira Carrico NimerMestre e Doutoranda em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo; Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professora de Cursos de Pós-Graduação em Direito Público; Advogada; Secretária-Geral da Comissão Especial de Combate à Corrupção e Improbidade Administrativa da OAB/SP.

A arbitragem surge, nes-se contexto, como um rápido instrumento destinado à so-lução de litígios. Embora sua utilização seja mais comum e menos polêmica em casos eminentemente comerciais e privados, tem sido cada vez mais frequente também em procedimentos que envolvam a Administração Pública.

Impende observar que a presença do ente estatal atrai sempre a incidência de normas e de diretrizes afetas à siste-mática do regime jurídico ad-ministrativo. Daí o motivo pelo qual a arbitragem envolvendo a Administração possui espe-cificidades frente à arbitragem eminentemente privada.

Dentre as especificidades, a própria natureza do obje-to litigioso tem posição de destaque, a significar que os conflitos envolvendo o Poder Público só podem ser sub-metidos ao processo arbitral quando versarem sobre di-reitos patrimoniais disponí-veis. Ou seja: questões ati-nentes ao interesse público primário, que extrapolem os limites pecuniários envolven-do o erário, devem, necessa-riamente, ser apreciadas pelo próprio Estado, no exercício da função jurisdicional.

Ademais, como garantia de transparência e de legalidade, qualquer interessado – ainda que cidadão do povo – pode tomar as medidas cabíveis

para o controle da Adminis-tração Pública, inclusive com base em critérios de moralida-de. Por essa razão, o processo arbitral, se realizado em des-conformidade com os princí-pios básicos da supremacia do interesse público sobre o pri-vado, e da indisponibilidade do interesse público, poderá acarretar medidas que abran-jam a grande gama de instru-mentos judiciais e extrajudi-ciais destinados ao controle dos atos estatais – com san-ções de natureza administrati-va, civil e penal aos envolvidos –, inclusive com a declaração de nulidade da sentença arbi-tral pelo Poder Judiciário.

Referências BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Ad-ministrativo. 33. ed. São Pau-lo: Malheiros, 2016.

HATANAKA, Alex S. O Poder Público e a Arbitragem após a reforma da Lei 9.307/1996. Revista brasileira de arbitra-gem, n. 49.

JUNQUEIRA, André Rodri-gues; OLIVEIRA, Maria Bea-triz Tadeu de; SANTOS, Mi-chelle Manaia. Cláusula de solução de controvérsias em contratos de parcerias públi-co-privadas: estudo de casos e proposta de redação. Revis-ta da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos

em juízo. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NIMER, Beatriz Lameira Carrico. Ação Popular como instrumento de defesa da mo-ralidade administrativa: Por uma nova cidadania. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Especificidades do Proces-so Arbitral envolvendo a Admi-nistração Pública. Enciclopé-dia Jurídica da PUCSP, tomo II (recurso eletrônico): direito administrativo e constitucio-nal. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/pdfs/especificidades-do--processo-arbitral-envol-vendo-a-administracao-pu-blica_58eda5e648667.pdf>. Acesso em 13 ago. 2017.

PEREIRA, Cesar Guima-rães. Arbitragem e Adminis-tração. Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo II (recurso eletrônico): direito adminis-trativo e constitucional. Dis-ponível em: <https://enci-clopediajuridica.pucsp.br/pdfs/arbitragem-e-adminis-tracao_592dc5fe472bd.pdf>. Acesso em 13 ago. 2017.

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Por Claudio Finkelstein e Marcelo Ricardo Escobar*

Arbitragem na administração pública

I - Possibilidade de Participação da Administração Pública em Procedimentos ArbitraisO advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 – Lei Brasileira de Arbitra-gem (“LBA”), foi recebido com grande entusiasmo pela dou-trina, por recepcionar um meio extrajudicial de solução de controvérsias há sécu-los internacionalmente reco-nhecidos e utilizado, mas até então relegado a um segun-do plano pelo Brasil. A LBA trouxe “a questão da arbitra-gem à pauta de discussões acadêmicas e comerciais, com um posterior posicio-namento dos tribunais su-

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periores favoráveis a efetiva-ção deste meio alternativo ao judiciário para a solução de controvérsias”1.

Passados quase vinte anos de sua publicação, a LBA foi alterada pela Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015 (“Lei nº 13.129/15”), e dentre tais modificações destacamos o acréscimo dos §§ 1º2 e 2º3 ao art. 1º, bem como do § 3º4 ao art. 2º.

Referidas alterações rei-teraram o que de uma inter-pretação sistemática já se ex-traía da redação original da LBA, em especial a contida no caput do seu art. 1º que de-termina: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir li-tígios relativos a direitos pa-trimoniais disponíveis”, sendo então supérfluos os mencio-

nados acréscimos advindos com a Lei nº 13.129/15, para efeitos de arbitragem com a administração pública direta ou indireta enquanto parte.

Isto porque o caput do art. 1º da LBA, desde a sua publi-cação no ano de 1996, já os-tentava a máxima de que aqueles capazes de contra-tar poderiam valer-se da ar-bitragem, e não há dúvidas que a Administração Pública, sendo capaz de contratar, já poderia se submeter ao ins-tituto, posto que nessas hi-póteses específicas estaria obrigatoriamente diante de direitos patrimoniais dispo-níveis.

Esta a exegese do Princípio da Legalidade5 insculpido no Inciso II ao Art. 5° da Cons-tituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado

a fazer ou deixar de fazer al-guma coisa senão em virtude de lei”

Essa conclusão já era ob-jeto de reconhecimento por parte da doutrina há tempos6

7, bem como amadureceu ao ser expressamente corrobo-rada pela jurisprudência8.

Ademais, inúmeros são os diplomas vigentes que os-tentam essa possibilidade em nosso ordenamento, dentre os quais elencamos: (i) Lei Fe-deral nº 5.662/71 (BNDES – art. 5º, parágrafo único); (ii) Decreto-lei nº 1.312/74 (Em-préstimos Externos – art. 11); (iii) Constituição Fede-ral de 1988 (art. 114 §§ 1º e 2º); (iv) Lei RJ nº 1.481/89 (Conc. de Serviços e Obras Públi-cas – art. 5º §§ 2º E 3º); (v) Lei SP nº 7.835/92 (Conc. de Obras e Serviços Públicos

1 in Finkelstein, Claudio. RJLB, Ano 1 (2015), nº 5, pg. 342

2 § 1º - A administração pública direta e indire-ta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais dispo-níveis.

3 § 2º - A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a reali-zação de acordos ou transações.

4 § 3º - A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o prin-cípio da publicidade.

5 Princípio este que para a Administração Pública tem maior amplitude no próprio texto constitu-cional (v.g): Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obe-

decerá aos princípios de legalidade, impessoalida-de, moralidade, publicidade e eficiência(...)

6 “Já com relação à participação de sociedade de economia mista ou empresas públicas em procedi-mentos arbitrais, o STJ já decidiu favoravelmente. Elucidando, inclusive, a questão da arbitrabilidade e disponibilidade dos bens: ‘Pode-se afirmar que, quando os contratos celebrados pela empresa esta-tal versem sobre atividade econômica em sentido estrito – isto é, serviços públicos de natureza in-dustrial ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro -, os direitos e as obrigações deles decorrentes serão transacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos à arbitragem’. In: Rescurso Es-pecial 606.345 – RS E 612.439-RS AES Uruguaia-na Empreendimentos”. FINKELSTEIN, Cláudio. Arbitragem Internacional e Legislação Aplicável. In: FINKELSTEIN, Cláudio e outros (coord.). Arbi-tragem Internacional, UNIDROIT, CISG e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 47.

7 Também chamamos atenção para o seguinte trecho publicado no ano de 2000: “sempre que puder contratar, o que importa disponibilidade de direitos patrimoniais, poderá a Administração, sem que isso importe disposição do interesse público, convencionar cláusula de arbitragem”. in GRAU, Eros Roberto. Arbitragem e contrato administra-tivo. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, n. 32, p. 14-20, 2000, p. 20.

8 “De fato, tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder pú-blico, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas com-promissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos. Aliás, pelo contrário, exulta--se a utilização da arbitragem, diante da sua maior celeridade e especialidade em comparação com Poder Judiciário.” REsp nº 904.813 – PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, jul: 20/10/2011.

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– art. 8º, XXI); (vi) Lei Fede-ral nº 8.693/93 (Transpor-te Ferroviário – art. 1º § 8º); (vii) Lei Federal nº 8.666/93 – (Licitações – previsão ge-nérica art. 54); (viii) Lei Fede-ral nº 8.987/95 – (Concessões – art. 23); (ix) Lei Federal nº 9.307/96 – (LBA); (x) Lei Fe-deral nº 9.472/97 (Telecomu-nicações – art. 93, XV); (xi) Lei Federal nº 9.478/97 (Petró-leo – art. 43, X); (xi) Lei Fede-ral nº 10.233/01 (Concessão de Transporte – art. 35, XVI); (xiii) Lei Federal nº 10.303/01 (Direito Societário); (xiv) Lei Federal nº 10.438/02 (ANE-EL – art. 4º § 5º, V); (xv) Lei Federal nº 10.848/04 (CCEE – art. 4º § 6º); (xvi) Lei Fede-ral nº 11.079/04 (PPP – art. 11); (xvii) Emenda Constitucional nº 45/04 ; (xviii) Lei Minei-ra de Arbitragem na Adminis-

tração Pública nº 19.477/11; e (xviii) Lei Federal nº 12.815/13 (Portos – art. 37)9.

Tais possibilidades tam-bém já deixaram o mundo hi-potético, sendo concretiza-das no mundo fenomênico, tal como nos casos dos con-tratos para construção e re-forma dos estádios da Copa do Mundo FIFA de Futebol de 201410, e de procedimentos já divulgados envolvendo: (i) ar-bitragem internacional e em-presa estatal brasileira11; (ii) arbitragem nacional e em-presa estatal brasileira12; e (iii) arbitragem nacional en-volvendo entes públicos13.

Demonstrado, portanto, que há tempos não havia, e atualmente não há como se sustentar a impossibilidade da Administração Pública se submeter à arbitragem.

II - Sociedades de Economia MistaNão sendo possível criar um rol exaustivo das hipóteses em que o Poder Público po-derá ser parte em processo arbitral, é possível e neces-sário que se observe a ativi-dade exercida pelo Estado no caso concreto, para, em se-guida, dizer se é ou não arbi-trável o litígio.14

Cassio Ferreira Telles apon-ta que “a utilização da arbitra-gem para dirimir conflitos de Direito Patrimonial disponí-vel, oriundos das relações entre o particular e o Estado, consti-tui hoje a etapa mais avançada da tendência de modernização da Administração Pública, pelo que deve ser creditada e incen-tivada, por se constituir em um eficiente instrumento de de-senvolvimento para o País.” 15

9 ESCOBAR, Marcelo Ricardo. Arbitragem Tribu-tária no Brasil. São Paulo: Almedina, 2017, p. 131 – 166.

10 Vide: contrato de Parceria Público Privada na modalidade de concessão administrativa, pro-posto pelo Estado do Rio de Janeiro para a revi-talização e gestão da operação e manutenção do Complexo Maracanã; Parceria Público Privada no Estado de Minas Gerais quando da elaboração do contrato de concessão administrativa para as obras de reforma, renovação e adequação do com-plexo do Mineirão; contrato de concessão admi-nistrativa para a exploração da Arena Multiuso da Copa 2014, Parceria Público Privada firmada pelo Estado de Pernambuco e a a concessionária Are-na Pernambuco Negócios e Investimentos S/A; O Governo do Estado da Bahia também utilizou o formato de Parceria Público Privada na modalida-de concessão administrativa para a reconstrução do Estádio Octávio Mangabeira – Fonte Nova; e

o contrato celebrado entre o Governo do Estado do Rio Grande do Norte e a concessionária Arena das Dunas Concessão e Eventos S/A , objetivando “a demolição e remoção do Machadão e Machadi-nho, construção e manutenção e gestão da ope-ração do Estádio das Dunas – Novo Machadão e de seu estacionamento”.

11 Um exemplo de arbitragem internacional en-volvendo empresa estatal brasileira é o resultan-te das divergências decorrentes da aquisição da participação acionária da empresa belga Astra Oil Trading NV na americana Pasadena Refining System Inc., pela PETROBRAS America Inc., uma controlada indireta da PETROBRAS.

12 Como no caso da arbitragem resultante do contrato de Empreitada de Construção Completa nº 413121202, prevendo a execução do Lote 2 da Linha 4, conhecida por Linha Amarela, do Metrô da Cidade de São Paulo, firmado em 1º de outubro

de 2003, entre a Companhia do Metropolitano de São Paulo e o Consórcio Via Amarela. 13 Vide: MPF x União Federal e ANTT (Trem Bala: RJ – Campinas): Ação Civil Pública com pedido de liminar, objetivando a exclusão das previsões do edital de concessão que previam a submis-são da União à arbitragem: processo nº 0014512-22.2011.4.01.3400, que tramitou perante a 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Fe-deral; e ANP x PETROBRAS (Unificação dos Blo-cos de Cernambi e Lula): processo nº 0005966-81.2014.4.02.5101, que tramitou perante a 1ª Vara Federal Cível do Rio de Janeiro.

14 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbi-tragem nos Termos da Lei nº 9.307/96. p.107.

15 FERREIRA NETO, Cássio Telles. Contratos Ad-ministrativos na Arbitragem. Rio de Janeiro: Else-vier, 2008, p. 78.

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Nesse sentido, a hipóte-se tratada pelo autor consiste na possibilidade de particula-res litigarem com a adminis-tração pública através da ar-bitragem. Para Arnoldo Wald, que também sustenta a tese, a sujeição de sociedades de economia mista à arbitragem “abre uma porta para o uso da arbitragem também com a ad-ministração pública direta”.16

A esse respeito, vale citar o primeiro caso de reconhe-cimento de arbitragem no di-reito público no qual o Supe-rior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que “são válidos e efi-cazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de ativi-dade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.”17

Na medida judicial, que fora ajuizada pela Compa-nhia Estadual de Energia Elé-trica (“CEEE”) - sociedade de economia mista - contra a AES Uruguaiana Empreendi-mentos Ltda. (“AES”), tendo por causa de pedir o inadim-plemento de contrato firma-do para aquisição de energia elétrica, a AES alegou em pre-liminar de contestação que haveria cláusula compromis-sória no contrato celebrado entre as partes, de sorte que

a controvérsia só poderia ser submetida ao juízo arbitral.

A juíza de primeira instân-cia rejeitou a preliminar, sob o fundamento de que a CEEE era empresa estatal presta-dora de serviço público es-sencial e não poderia afastar a competência judicial sem autorização legal estadual es-pecífica. A decisão foi confir-mada em segunda instância, dando ensejo à interposição de recurso especial ao STJ.

Em julgamento datado de 25 de outubro de 2005, o STJ firmou por unanimida-de o posicionamento de que seria válida e eficaz a esti-pulação de convenção arbi-tral nos contratos celebrados com sociedades de economia mista exploradoras de ativi-dade econômica.

Segundo o precedente, a inserção de cláusula compro-missória em contratos com a administração pública seria perfeitamente possível, des-de que: (i) a relação contra-tual tenha como parte socie-dade de economia mista; (ii) e empresa estatal que explore atividade econômica de pro-dução ou comercialização de bens ou de prestação de ser-viços, na forma do artigo 173 da Constituição Federal; e (iii) a disputa envolva direitos pa-

trimoniais, de natureza dis-ponível, ficando excluídos do procedimento arbitral os atos praticados no exercício do poder de império estatal.

A esse propósito, confi-ra-se a ementa do acórdão prolatado pela 2ª Turma do STJ, no Recurso Especial nº 612.439/RS, da relatoria do Ministro João Otávio Noro-nha:

“PROCESSO CIVIL. JUÍ-ZO ARBITRAL. CLÁUSU-LA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCES-SO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONO-MIA MISTA. DIREITOS DIS-PONÍVEIS. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPA-RATÓRIA POR INOBSER-VÂNCIA DO P R A Z O LEGAL PARA A PROPOSI-ÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL.1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes forma-lizam seu desejo de sub-meter à arbitragem eventu-ais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da aven-ça. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos dispo-níveis, ficam os contratan-tes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

16 http://www.conjur.com.br/2005-out-26/stj_admite_arbitragem_sociedade_economia_mis-ta.

17 Artigo 173, §1º, CF/1988. STJ, EDcl no REsp 612.439/RS, j. 17.05.2007, rel. Min. João Otávio de Noronha.

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2. A eleição da cláusu-la compromissória é cau-sa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inci-so VII, do Código de Proces-so Civil.3. São válidos e eficazes os contratos firmados pe-las sociedades de econo-mia mista explorado-ras de atividade econômica de produção ou comerciali-zação de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorren-tes do ajuste.4. Recurso especial parcial-mente provido.”18

No caso, foi declarado que a sociedade de economia mis-ta não precisaria de autoriza-ção legislativa para ingressar em arbitragem. Embora in-tegrem a administração pú-blica indireta, encontram-se submetidas ao regime jurí-dico próprio das empresas privadas no que diz respeito aos direitos e obrigações ci-vis, comerciais, fiscais e tra-balhistas, nos termos do ar-tigo 173 § 1º da Constituição Federal.

A partir de então, o STJ pacificou definitivamente o tema e surgiram outras de-cisões, a exemplo do AGRG no MS 11308/DF7 e o REsp. 606345/RS8, no mesmo sen-tido.

Segundo o entendimen-to jurisprudencial da Corte, a sociedade de economia mista pode ser parte em arbitragem “quando engendra vínculo de natureza disponível”19. No en-tanto, “quando as atividades desenvolvidas pela empresa estatal decorram do poder de império da Administração Pú-blica e, consequentemente sua consecução esteja diretamen-te relacionada ao interesse público primário, estarão en-volvidos direitos indisponíveis e, portanto, não sujeitos à ar-bitragem”.20

Assim, de modo a presti-giar o princípio da eficiência da administração pública, ex-pressamente previsto no art. 37 da CF/88, é salutar o uso da arbitragem nos conflitos nos quais o Estado seja parte, desde que o direito objeto do litígio seja disponível.21

No mais, com a introdu-ção do §3º do artigo 109 da Lei das Sociedades Anôni-mas (Lei nº 6.404/76) pela Lei 10.303/01, o legislador

viabilizou de forma definiti-va a arbitragem como forma de solução de controvérsias na área societária. O referi-do dispositivo, que trata dos direitos essenciais dos acio-nistas dispõe que “o estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controla-dores e os acionistas minori-tários, poderão ser soluciona-das mediante arbitragem”.

Assim, em se tratando de conflitos envolvendo socie-dades de economia mista, em particular entre acionistas minoritários e majoritários, ou entre estes e a compa-nhia, a submissão dos confli-tos à arbitragem não somen-te é uma possibilidade, como é uma preferência.

Toma-se, mais uma vez a título de exemplo, a Petróleo Brasileiro S.A. (“Petrobras”), cujo artigo 58 do Estatuto Social (cláusula compromis-sória) lê:

“Art. 58- Deverão ser re-solvidas por meio de arbi-tragem, obedecidas as re-gras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvér-sias que envolvam a Com-panhia, seus acionistas, os

18 STJ, Segunda Turma, RESP 612439/RS, Rela-tor Ministro João Otávio Noronha, julgado em 25/10/2005, DJ de 14/09/2006. 19 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Manual de Arbitragem, p. 47

20 FINKELSTEIN, Cláudio. Arbitragem Interna-cional e Legislação Aplicável. In: FINKELSTEIN, Cláudio e outros (coord.). Arbitragem Interna-cional, UNIDROIT, CISG e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 47.

21 BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbi-tragem nos Termos da Lei nº 9.307/96. p. 108

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administradores e conse-lheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das dis-posições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste Estatu-to Social, nas normas edi-tadas pelo Conselho Mone-tário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Co-missão de Valores Mobiliá-rios, bem como nas demais normas aplicáveis ao fun-cionamento do mercado de capitais em geral, além da-quelas constantes dos con-tratos eventualmente cele-brados pela Petrobras com bolsa de valores ou entida-de mantenedora de mer-cado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, ten-do por objetivo a adoção de padrões de governança so-cietária fixados por estas entidades, e dos respecti-vos regulamentos de práti-cas diferenciadas de gover-nança corporativa, se for o caso.Parágrafo único. As delibe-rações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem à orientação de seus negócios, nos termos do art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de di-

reitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedi-mento arbitral previsto no caput deste artigo.”

A Petrobras, sociedade de economia mista, tem ações distribuidas tanto no Brasil - na BM&FBOVESPA (“Bolsa”), a nível de Novo Mercado, como no exterior.

Qualquer litígio decorren-te da compra de bonds e/ou ADR´s emitidas no exterior, por não se sujeitarem ao re-gime jurídico do Estatuto So-cial supre-transcrito, devem ser discutidas no Judiciário local, ou onde indicado na documentação relativa a sua emissão. Do mesmo modo, as ações ordinárias e preferen-ciais da Petrobras (PETR3 e PETR4), independentemen-te de terem sido adquiridas por investidores locais ou es-trangeiros, devem ter toda e qualquer disputa societária submetida à Câmara de Ar-bitragem do Mercado, con-forme o artigo 58 do Estatuto Social da Petrobras, e o arti-go 109, §3° da Lei 10.303/0122.

É natural que, não ten-do a União, na qualidade de acionista majoritária, se po-sicionado em nenhum senti-do contra a referida cláusu-

la compromissória na Ata de Assembleia Geral Extraordi-nária em que a cláusula fora incluída no Estatuto Social da Petrobras, esta renuncia ao juízo estatal e submete toda e qualquer controvérsia per-tinente ao contrato, de cará-ter disponível e patrimonial, à arbitragem.

Tal se dá em virtude da grande ingerência do Estado, seja diretamente ou indireta-mente no mercado empresa-rial brasileiro. A presunção é que o Estado deve participar deste mercado em igualdade com o particular.

A União participa da Pe-trobras na qualidade de acio-nista, e como tal participa do mercado em condição ne-gocial, equiparada ao parti-cular. É cediço na doutrina e jurisprudência que o Esta-do somente pode inserir-se aos princípios de direito pú-blico quando no exercício do jus imperii,24 quando manda, exerce autoridade e poder ju-risdicional, de governar, fato que lhe garante uma série de prerrogativas que a colocam em uma posição de superio-ridade protetiva em relação aos particulares.

O mesmo não aconte-ce quando o Estado exerce o

22 O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionis-tas minoritários, poderão ser solucionadas me-diante arbitragem, nos termos em que especificar.

23 A Administração Pública, no exercício do ius

imperii, não se subsume ao regime de Direito Pri-vado. (STJ, AgRg no Ag 951568 SP 2007/0221044-0, Min. Luiz Fux, j. 02.06.2008)

24 MUNICÍPIO. PROFESSOR CELETISTA. DSR. Contratando pelo regime celetista, o municí-pio despoja-se do jus imperii. Aplicável, assim, à

empregada, professora, o art. 320 /CLT , que se coaduna com a Lei nº 605 /49 e com o art. 7º/XV /CF , consoante entendimento exposto na Súmula nº 351 /TST. (Recurso Ordinário 30881 SP 030881/2011 - TRT-15)

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201742 Doutrina

Jus gestionis, ou seja, pratica atos de gestão. São as ações ou os atos em que o estado se equipara a pessoa particular, designadamente em atos de natureza laboral ou comer-cial, tal qual participação no capital social de Sociedade de Economia Mista, como o é a Petrobras.

Por óbvio, os atos de im-pério são excepcionados, e é exatamente estes que con-templam o mencionado pa-rágrafo único do artigo 58 do Estatuto Social da Petrobras, até porque inegável a utiliza-ção da Petrobras como im-plementadora de políticas públicas.

Todavia, como no caso in-fra citado em que acionista da Petrobras procurou repa-ração de danos apurados no seio da Operação Lava-Jato é improvável tê-los como sen-do implementação de políti-cas públicas ou mesmo atos soberanos, resguardados ou sancionados pelo Estado. No entanto, tais atos produzi-ram consequências que em virtude da cláusula compro-missória eleita e votada posi-tivamente pelos sócios da Pe-trobras, somente podem ser apurados pelo juízo arbitral.

Assim, o STJ já decidiu que:“(...)quando os contratos

celebrados pela empresa es-tatal versem sobre atividade econômica em sentido es-

trito – isto é, serviços públi-cos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou comercializa-ção de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro –, os direitos e as obrigações de-les decorrentes serão tran-sacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos à arbi-tragem. (...) Por outro lado, quando as atividades de-senvolvidas pela empresa estatal decorram do poder de império da Administra-ção Pública e, consequen-temente, sua consecução esteja diretamente relacio-nada ao interesse público primário, estarão envolvi-dos direitos indisponíveis e, portanto, não-sujeitos à ar-bitragem.” (REsp 612.439/RS, Rel. Ministro João Otá-vio de Noronha, Segunda Turma, j. 25.10.2005).

Nesse sentido, necessá-rio reforçar o conceito que a União Federal, enquanto acionista, ao votar favoravel-mente pela inserção da cláu-sula compromissória, exer-ceu sua faculdade de optar pela via arbitral, afastando, via de consequência a via ju-dicial para solução de toda e qualquer controvérsia surgi-da entre a empresa e seus só-cios. É exatamente o que se busca no procedimento arbi-tral combatido.

No processo nº 0005413-11.2015.4.03.6317, com trâmi-te perante o Juizado Espe-cial Federal Cível em Santo André, 26ª Subseção Judici-ária do Estado de São Paulo, no qual se discutia as conse-quências da Operação Lava Jato nos direitos patrimoniais dos acionistas, a União Fede-ral adotou posicionamento de que devido à existência de cláusula compromissória no Estatuto Social da Petrobrás a causa remete à arbitragem.

Da referida decisão lê-se:“Citada, a União contes-tou. Em preliminar, apon-ta ilegitimidade passiva, ao argumento de que são os gestores os causadores dos danos, falta de interes-se de agir, ante à existência de cláusula arbitral (arti-go 58 do Estatuto da Petro-bras) ”.25 “Tratando-se de cláusula compromissória, necessá-ria a submissão dos fatos à via arbitral: PROCESSO CIVIL. JUÍ-ZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EX-TINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SO-CIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DIS-PONÍVEIS. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPA-RATÓRIA POR INOBSER-VÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA

25 Juizado Especial federal da 3ª região, Processo nº 0005413-11.2015.4.03.6317, Juíza Federal Valeria Cabas Franco, j. 08.07.2016

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 43Doutrina

AÇÃO PRINCIPAL. 1. Cláu-sula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais di-vergências ou litígios pas-síveis de ocorrer ao lon-go da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos dispo-níveis, ficam os contratan-tes vinculados à solução extrajudicial da pendên-cia. 2. A eleição da cláusu-la compromissória é cau-sa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, in-ciso VII, do Código de Pro-cesso Civil. 3. São válidos e eficazes os contratos fir-mados pelas sociedades de economia mista explora-doras de atividade econô-mica de produção ou co-mercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que es-tipulem cláusula compro-missória submetendo à ar-bitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial parcial-mente provido.” 26

Ao posicionamento da União quanto ao juízo com-petente, soma-se o enten-

dimento do STJ quanto à vedação de condutas contra-ditórias, especificamente no que se refere à União Fede-ral. Tal entendimento decorre dos princípios da boa-fé ob-jetiva e da segurança jurídica, como se apresenta nos julga-dos abaixo.

“(...) Os princípios da segu-rança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a veda-ção ao comportamento con-traditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determi-nado sentido, que criaram uma aparência de estabili-dade das relações jurídicas, venha adotar atos na dire-ção contrária, com a vul-neração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa e do longo período de tempo transcor-rido, já se acreditava incor-porado ao patrimônio dos administrados”27

“PROCESSO CIVIL. RE-CURSO ESPECIAL REPRE-SENTATIVO DE CONTRO-VÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. PRO-CESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PAES. PARCELA-MENTO ESPECIAL. DESIS-TÊNCIA INTEMPESTIVA DA IMPUGNAÇÃO

ADMINISTRATIVA X PAGA-MENTO TEMPESTIVO DAS PRESTAÇÕES MENSAIS ES-TABELECIDAS POR MAIS DE QUATRO ANOS SEM OPO-SIÇÃO DO FISCO. DEFERI-MENTO TÁCITO DO PEDIDO DE ADESÃO. EXCLUSÃO DO CONTRIBUINTE. IMPOSSI-BILIDADE. PROIBIÇÃO DO COMPORTAMENTO CON-TRADITÓRIO (NEMO PO-TEST VENIRE CONTRA FAC-TUM PROPRIUM).(...)Destarte, a existência de in-teresse do próprio Estado no parcelamento fiscal (conte-údo teleológico da aludida causa suspensiva de exigi-bilidade do crédito tributá-rio) acrescida da boa-fé do contribuinte que, malgra-do a intempestividade da desistência da impugnação administrativa, efetuou, oportunamente, o paga-mento de todas as presta-ções mensais estabelecidas, por mais de quatro anos (de 28.08.2003 a 31.10.2007), sem qualquer oposição do Fisco, caracteriza compor-tamento contraditório per-petrado pela Fazenda Públi-ca, o que conspira contra o princípio da razoabilidade, máxime em virtude da au-sência de prejuízo aos co-fres públicos.”28

26 RESP 200302124603, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJ DATA:14/09/2006 PG:00299.DTPB’). (Juizado Es-pecial federal da 3ª região, Processo nº 0005413-

11.2015.4.03.6317, Juíza Federal Valeria Cabas Fran-co, j. 08.07.2016

27 RMS nº 20.572-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ

15.12.2009

28 REsp nº 1.143.216-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 25.08.2010

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201744 Doutrina

Assim, no caso apresenta-do, o juízo arbitral é o compe-tente. Vale mencionar que em casos como o da Petrobras, a consequência da afirma-ção do juízo arbitral a partir da confirmação do consen-timento à sua submissão, é a extinção do processo sem re-solução de mérito no Judici-ário29.

É nesse sentido o entendi-mento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“Analisando o feito, é pos-sível constatar que foi des-crita uma única relação de direito material: obrigação de a Petrobrás, como com-panhia, e de sua controla-dora, a União, indenizarem a parte autora pela redução do valor das ações que ele adquiriu, redução essa que teria por origem diversos atos de gestão praticados pelos órgãos administrati-vos da Petrobrás e, quanto à União, da culpa na escolha desses dirigentes.Diante dessa descrição sin-gela da relação jurídica, não há como reconhecer falha na legitimidade das partes no presente feito. (...)Dessas considerações, dis-putas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os admi-

nistradores, tendo por ob-jeto a aplicação das dispo-sições contidas na Lei nº 6.404/76 devem ser resolvi-das por meio de arbitragem, nos termos do artigo 58 do Estatuto da PETROBRÁS.

Se no estatuto da empresa há previsão da solução de conflitos pela arbitragem, ou seja, se há cláusula com-promissória, não poderá o sócio abster-se de aderi-la, uma vez que, o acesso às re-gras expostas no estatuto, é público, sob pena de invia-bilizar a condução das rela-ções internas da sociedade anônima.(...)Logo, deve ser mantida a extinção do feito sem reso-lução do mérito, por fun-damento diverso, fican-do prejudicadas as demais questões de fundo.”30

Assim, não pode haver conflito de competência en-tre juízo estatal e arbitral: quando o juízo arbitral se de-clara competente, é vedado ao juiz estatal prosseguir no processo. Ademais, qualquer verificação sobre a regulari-dade da competência institu-ída deve ser feita tão somen-te após proferida a sentença arbitral, na forma de anula-

ção de sentença, nos termos do artigo 32 da Lei 9.307/96.

Ao optar pela arbitragem, o contratante público não está transigindo com o interes-se público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos. Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do inte-resse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com im-parcialidade. O interesse pú-blico não se confunde com o mero interesse da Adminis-tração ou da Fazenda Públi-ca; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta da Justiça.31

III - Princípio da Kompetenz-KompetenzA arbitragem não é nem deve ser obrigatória, vez que nin-guém pode ser compeli-do a participar de um pro-cedimento arbitral, contra a sua vontade. Todavia, quan-do as partes convenciona-rem a arbitragem por via de manifestação livre, informa-da e consciente de sua inten-ção, em razão do princípio da autonomia da vontade, o que restar estabelecido entre as partes se torna obrigatório,

29 Artigo 485, VII, do CPC

30 Apelação Cível nº 5028894-77.2014.4.04.7107.

Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, j. 19.04.2017.

31 WALD, Arnold. Da Validade de Convenção de Arbitragem Pactuada por Sociedade de Economia Mista. p. 418

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 45Doutrina

prevalecendo o pacta sunt servanda32.

Desse modo, consoante o texto do artigo 4º da LBA, as partes de antemão se subme-tem ao tribunal arbitral por meio da cláusula compromis-sória para resolução de lití-gios “que possam vir a sur-gir”, tratando-se de renúncia genérica ao foro judicial para todo e qualquer evento en-tre as partes. O Judiciário Pá-trio tem interpretado a cláu-sula arbitral como sendo uma promessa de constituir o juí-zo arbitral:

“EMENTA: RECURSO. Ex-traordinário. Inadmissibi-lidade. Arbitragem. Cláusu-la arbitral. Negócio público celebrado antes do início de vigência da Lei nº 9.307/96. Caracterização como pro-messa de constituir o juí-zo arbitral. Interpretação do tribunal local. Reexa-me da cláusula. Impossibi-lidade na via extraordiná-ria. Agravo de instrumento não conhecido. Agravo regi-mental improvido. Aplica-ção das súmulas 454 e 636. Recurso extraordinário não serve para reinterpretação de cláusula negocial.”33

Esse era o entendimen-to do Supremo Tribunal Fe-

deral (“STF”) até 2004, quan-do a competência para conceder exequatur a sen-tenças arbitrais estrangei-ras foi transferida pela EC 45 ao STJ. O STJ segue o mesmo entendimento:

“As duas espécies de con-venção de arbitragem, quais sejam, a cláusula compro-missória e o compromisso arbitral, dão origem a pro-cesso arbitral, porquanto em ambos ajustes as par-tes convencionam submeter a um juízo arbitral eventu-ais divergências relativas ao cumprimento do contra-to celebrado. 3. A diferen-ça entre as duas formas de ajuste consiste no fato de que, enquanto o compro-misso arbitral se destina a submeter ao juízo arbitral uma controvérsia concreta já surgida entre as partes, a cláusula compromissória objetiva submeter a proces-so arbitral apenas questões indeterminadas e futuras, que possam surgir no de-correr da execução do con-trato.”34

Do mesmo modo, é cediço no Direito Pátrio, consoan-te o princípio do Kompetenz- -Kompetenz, que cabe aos ár-bitros decidir sobre quais-

quer questões atinentes à existência e validade ou efi-cácia da convenção de arbi-tragem, como se depreende do artigo 8º da LBA:

“Caberá ao árbitro deci-dir de ofício, ou por provo-cação das partes, as ques-tões acerca da existência, validade e eficácia da con-venção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”

Nesse sentido, pelo prin-cípio do Kompetenz-Kompe-tenz, a determinação da com-petência cabe tão somente ao tribunal arbitral, e será sin-dicável ao Poder Judiciário apenas após proferida a sen-tença arbitral. Como bem en-tendido pelo STJ:

“É cediço que o juízo arbi-tral não subtrai a garantia constitucional do juiz na-tural, ao contrário, impli-ca realizá-la, porquanto so-mente cabível por mútua concessão entre as par-tes, inaplicável, por isso, de forma coercitiva, tendo em vista que ambas as par-tes assumem o “risco” de se-rem derrotadas na arbitra-gem.” 35

Verifica-se que uma vez convencionada cláusula ar-

32 “(...) apesar de facultativo o uso do juízo arbi-tral no âmbito da Lei nº 9.307/96, uma vez ado-tado por meio de cláusula compromissória no bojo de um contrato, torna-se obrigatória para as partes a utilização deste meio, podendo qualquer uma delas exigir a instalação do juízo arbitral para

dirimir o litígio.” FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2007.

33 Supremo Tribunal Federal, AI nº 475917, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 02.02.2010

34 STJ, SEC nº 1210/GB, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Corte Especial, julgado em 20.06.2007

35 REsp nº 450881, Rel. Min. Castro Filho, DJU 26.05.2003

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201746 Doutrina

bitral pelas partes, o árbitro torna-se juiz de fato e de di-reito da causa e a decisão que proferir, tem, portanto, ju-risdição equivalente à do juiz togado.

Vale mencionar que o STJ já reconheceu a natureza ju-risdicional das atividades de-senvolvidas em arbitragem, bem como a possibilidade de dirimir a existência de confli-to de competência entre Juí-zo estatal e Câmara arbitral:

“PROCESSO CIVIL. ARBI-TRAGEM. NATUREZA JU-RISDICIONAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA FREN-TE A JUÍZO ESTATAL. POS-SIBILIDADE. MEDIDA CAU-TELAR DE ARROLAMENTO. COMPETÊNCIA. JUÍZO AR-BITRAL.A atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional, sen-do possível a existência de conflito de competência en-tre juízo estatal e câmara arbitral.O direito processual deve, na máxima medida possí-vel, estar a serviço do direi-to material, como um ins-trumento para a realização daquele. Não se pode, as-sim, interpretar uma regra processual de modo a gerar uma situação de impasse, subtraindo da parte meios de se insurgir contra uma situação que repute injusta.A medida cautelar de ar-

rolamento possui, entre os seus requisitos, a demons-tração do direito aos bens e dos fatos em que se funda o receio de extravio ou de dis-sipação destes, os quais não demandam cognição ape-nas sobre o risco de redu-ção patrimonial do deve-dor, mas também um juízo de valor ligado ao mérito da controvérsia principal, cir-cunstância que, aliada ao fortalecimento da arbitra-gem que vem sendo levado a efeito desde a promulga-ção da Lei nº 9.307/96, exi-ge que se preserve a auto-ridade do árbitro como juiz de fato e de direito, evitan-do-se, ainda, a prolação de decisões conflitantes.Conflito conhecido para de-clarar a competência do Tribunal Arbitral.(CC 111.230/DF, Rel. Mi-nistra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julga-do em 08/05/2013, DJe 03/04/2014); ePROCESSUAL CIVIL E AD-MINISTRATIVO. CONFLI-TO DE COMPETÊNCIA COM PEDIDO DE MEDI-DA LIMINAR. CONTRATO ENTRE ANP E PETROBRAS COM CLÁUSULA COM-PROMISSÓRIA PADRÃO ESTABELECENDO A AUTU-AÇÃO DE JUÍZO ARBITRAL EM CASO DE CONFLITO. ALTERAÇÃO UNILATERAL QUE SE MOSTRA PRIMA

FACIE DESCABIDA. DECI-SÕES PROFERIDAS PELO JUÍZO ESTATAL DO RIO DE JANEIRO E PELO JUÍZO ARBITRAL. PREENCHIDOS OS REQUISITOS AUTO-RIZADORES DA CONCES-SÃO DE LIMINAR. LIMINAR CONCEDIDA. (...)Cinge-se a controvér-sia acerca da definição da competência para apreciar questões atinentes à exis-tência, à validade e à efi-cácia de cláusula com-promissória de contrato estabelecido entre a PE-TRÓLEO BRASILEIRO S/A PETROBRAS e a AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOM-BUSTÍVEIS - ANP.Inicialmente, conheço do conflito por se tratar de hi-pótese prevista no art. 105, I, d da Constituição Federal, segundo o qual cabe ao STJ processar e julgar origi-nariamente os conflitos de competência entre quais-quer tribunais, ressalvado o disposto no art.102, I, o, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e en-tre juízes vinculados a tri-bunais diversos. Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de ser o STJ compe-tente para processar e jul-gar os Conflitos de Com-petência existentes entre o Juízo estatal e os Tribunais

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 47Doutrina

36 CC 139.519 - RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado monocraticamente em 09/04/2015

Arbitrais. À propósito, veja--se este precedente: (...)Em relação ao fumus boni iuris, havendo decisão de Justiça Estatal em detri-mento da Justiça Arbitral, constata-se evidente con-flito, impondo-se a urgente atuação desta Corte Supe-rior para dirimir a questão. (...)Em relação ao periculum in mora são evidentes todos os prejuízos ao direito alega-do, inclusive materiais, que advêm desse conflito: (a) o recolhimento do montante de R$ 2.093.895.353,88; (b) a possibilidade de aplicação de penalidade de 50% sobre o valor do débito caso tal pagamento não seja efetua-do até o dia 29.4.2015; (c) o pagamento de outro eleva-do valor referente às parti-cipações governamentais correspondentes ao primei-ro trimestre de 2015; e (d) as modificações no desenvol-vimento da área de conces-são do Parque das Baleias - exigência cuja validade e eficácia ainda serão discu-tidas.Ante o exposto, e dada a ex-cepcionalidade desta de-manda, CONCEDE-SE a liminar pleiteada, para atribuir, provisoriamen-

te, competência ao TRIBU-NAL ARBITRAL DA CORTE INTERNACIONAL DE AR-BITRAGEM DA CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNA-CIONAL/CCI, paralisan-do, até o julgamento des-te Conflito de Competência, no que tange às medidas ou providências de nature-za emergencial, urgente ou acauteladora; igualmente, DETERMINA-SE que todas as ações judiciais e/ou pro-cedimentos administrativos vinculados ao objeto des-te Conflito, instaurados ou que venham a ser instaura-dos contra a PETROBRAS, movidas pela ANP e pelo Estado do Espírito Santo, sejam imediatamente para-lisados, suspensos e sobres-tados, também até o julga-mento deste Conflito.Observo que a cláusula compromissória que ser-ve de suporte à discussão em apreço, além de ser dis-posição padrão nos instru-mentos que regem a espécie conflituosa em causa, mos-tra-se antiga, de sorte que a sua alteração súbita e uni-lateral impacta os termos em que se deve desenvolver a fiscalização das ativida-des da PETROBRAS, além de repercutir na confiabilida-

de e na credibilidade que se requer no exercício do mer-cado de prospecção e la-vra de petróleo, demandan-te, como se sabe, de aportes de investimentos hiper vul-tosos, envolvendo, inclusi-ve, aspectos internacionais altamente protegidos pelo princípio da boa-fé.36

Não obstante, em decisão recente e exepcional, o STJ decidiu pela possibilidade de se relativizar o princípio da competência-competência nos casos em que é identifi-cado um compromisso arbi-tral “patológico” prima facie. Ou seja, reconhece-se, de an-temão, em determinados ca-sos, que a convenção de ar-bitragem padece de defeitos congênitos que numa aná-lise superficial leva o julga-dor a entender que esta não deve prosperar. Até em fun-ção de economia processual, deve nestes casos a arbitra-gem ser afastada por defeito insanável, mesmo sendo afe-rida por outro que o “árbitro” da causa.

“Recurso Especial. Direi-to civil e processual ci-vil. Contrato de franquia. Contrato de adesão. Arbi-tragem. Requisito de vali-dade do art. 4°, § 2°, da Lei

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201748 Doutrina

9307/96. Descumprimento. Reconhecimento prima fa-cie de cláusula compromis-sória “patológica”. Atuação do Poder Judiciário. Possi-bilidade. Nulidade reconhe-cida. Recurso provido. 1. Recurso especial inter-posto em 7.4.2015 e redis-tribuído a este gabinete em 25.8.2016. 2. O contrato de franquia, por sua nature-za, não está sujeito às re-gras protetivas previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomen-to econômico. 3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubs-tanciam relações de con-sumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4°, § 2°, da Lei 9307/96. 4. O Poder Ju-diciário pode, nos casos em que prima facie é identifi-cado um compromisso ar-bitral “patológico”, i.e., cla-ramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, in-dependentemente do estado em que se encontre o proce-dimento arbitral. 5. Recur-so especial conhecido e pro-vido.“Obviamente, o princí-pio Kompetenz-Kompetenz deve ser privilegiado, inclu-sive para o indispensável

fortalecimento da arbitra-gem no País e sua aplicação no REsp 1602696-PI é ir-retocável. Por outro lado, é inegável a finalidade de in-tegração e desenvolvimen-to do Direito a admissão na jurisprudência desta Corte de cláusulas compromissó-rias “patológicas” – como os compromissos arbitrais va-zios no REsp 1082498-MT mencionado acima e aque-les que não atendam o re-quisito legal específico (art. 4°, §2°37, da Lei 9307/96) que se está a julgar nes-te momento – cuja apre-ciação e declaração de nu-lidade podem ser feitas pelo Poder Judiciário mesmo antes do procedimento ar-bitral. São, assim, exceções que permitem uma melhor acomodação do princípio competência-competência a situações limítrofes à re-gra geral de prioridade do juízo arbitral. Levando em consideração todo o expos-to, o Poder Judiciário pode, nos casos em que prima fa-cie é identificado um com-promisso arbitral “patoló-gico”, i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade des-sa cláusula instituidora da arbitragem, independente-mente do estado em que se

encontre o procedimento arbitral. ”

Destarte, há que se consi-derar que somente nos casos em que é flagrante a inexis-tência, invalidade ou inefi-cácia da convenção de arbi-tragem, o referido princípio comporta restrições.

Nesse sentido, confira-se também o voto da ministra Maria Isabel Galotti em Re-curso Especial38, indicando uma tendência para uma aná-lise prima facie:

“Apenas em relação à tese de que não pode haver exame de questões pelo Poder Judi-ciário, na hipótese de cláu-sula arbitral cheia, antes do final do procedimento, re-servo-me para apreciar, em outras circunstâncias, a possibilidade de haver ale-gações que ponham em dú-vida até mesmo que a parte tenha assinado esse com-promisso arbitral”.

Configuram situações de claro abuso ou manipulação do instituto da arbitragem. Em qualquer outro caso, pre-valece o princípio da com-petência-competência. A in-terferência a priori do Poder Judiciário em qualquer outra hipótese configura atividade

37 REsp nº 1.602.076/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.09.2016

38 RE nº 1.278.852,

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 49Doutrina

não compatível com o siste-ma legislativo brasileiro.

Vale ainda lembrar que in-disponível é o interesse pú-blico, sendo considerado disponível o interesse da Ad-ministração.39

IV - Da ConfidencialidadeO sigilo no procedimento ar-bitral é, sem dúvida, atraente característica da arbitragem. Porém, convém deixar claro que o sigilo no procedimen-to arbitral não está previsto em lei.40

A LBA, apesar de não impor expressamente o sigilo do procedimento arbitral, dis-põe sobre a discrição do ár-bitro em seu artigo 13, §6: “No

desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independên-cia, competência, diligência e discrição”. Ainda, é ressalvada a confidencialidade, no âmbi-to da carta arbitral, no arti-go 22c da LBA, acrescido pela Lei 13.129/15.

Apesar de não decorrer de imposição normativa, as Câ-maras de Arbitragem preveem o sigilo dos procedimentos ar-bitrais em seus regulamentos internos : (i) Câmara de Arbi-tragem e Mediação da Câma-ra de Comércio Brasil-Ca-nadá (“CAM-CCBC”) de 2012, artigo 1442; (ii) Câmara de Ar-bitragem e Mediação CIESP/FIESP (“CAM-CIESP/FIESP”),

de 2013, artigos 10.643, 20.444, 20.545; (iii) Câmara de Arbi-tragem Empresarial – Brasil (“CAMARB”), artigo 12.146; (iv) Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem (“CFGV-CA”), ar-tigo 6147; (v) Centro de Arbi-tragem da Câmara America-na de Comércio de São Paulo (“CAM-AMCHAM), de 2014, ar-tigo 1848; e (vi) Conselho Nacio-nal das Instituições de Media-ção e Arbitragem (“CONIMA”), artigo 12.249.

Querendo as partes sigilo no procedimento, devem ele-ger instituição cujo regula-mento contenha essa previ-são, ou estabelecer restrição à publicidade na convenção arbitral.

39 FINKELSTEIN, Cláudio. Arbitragem no Direi-to Societário. In: FINKELSTEIN. Maria Eugênia Reis; PROENÇA, José Marcelo Martins (Coord.). Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva 2007. (Série GVlaw), p. 318. Nesse sentido: STJ, 1ª Se-ção, AgR no MS n. 11.308/DF, Rel. Min Luiz Fux, j. 9/4/2008, Dje 19/5/2008.

40 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitra-gem.5ª edição. P. 280

41 ESCOBAR, Marcelo Ricardo. Arbitragem Tri-butária no Brasil. São Paulo: Almedina, 2017, p. 60 – 61. 42 14.1. O procedimento arbitral é sigiloso, res-salvadas as hipóteses previstas em lei ou por acordo expresso das partes ou diante da neces-sidade de proteção de direito de parte envolvida na arbitragem. 14.1.1. Para fins de pesquisa e levantamentos es-tatísticos, o CAM/CCBC se reserva o direito de publicar excertos da sentença, sem mencionar as partes ou permitir sua identificação.14.2. É vedado aos membros do CAM/CCBC, aos árbitros, aos peritos, às partes e aos demais inter-venientes divulgar quaisquer informações a que

tenham tido acesso em decorrência de ofício ou de participação no procedimento arbitral.

43 10.6 – É vedado aos membros da Câmara, aos árbitros e às partes divulgar informações a que tenham tido acesso em decorrência de ofício ou de participação no procedimento arbitral, salvo em atendimento a determinação legal.

44 20.4 – Poderá a Câmara publicar em Ementá-rio excertos da sentença arbitral, sendo sempre preservada a identidade das partes.

45 20.5 – Quando houver interesse das partes e, mediante expressa autorização, poderá a Câmara divulgar a íntegra da sentença arbitral.

46 12.1 – O procedimento arbitral será rigoro-samente sigiloso, sendo vedado à CAMARB, aos árbitros e às próprias partes divulgar quaisquer informações a que tenham acesso em decorrên-cia de seu ofício ou de sua participação no pro-cesso, sem o consentimento de todas as partes, ressalvados os casos em que haja obrigação legal de publicidade. 47 Art. 61 – Os processos de conciliação e arbi-

tragem deverão transcorrer em absoluto sigilo, sendo vedado aos membros da Câmara FGV, aos conciliadores, aos árbitros, às partes e aos demais participantes do processo divulgar qualquer in-formação a que tenham tido acesso em decorrên-cia de sua participação no procedimento.

48 18.1 - Salvo acordo entre as Partes ou deci-são do Tribunal Arbitral em sentido contrário, o procedimento arbitral é sigiloso, sendo vedado a todos os membros do Centro de Arbitragem e Mediação AMCHAM, aos árbitros, às Partes e a quaisquer outros eventualmente envolvidos di-vulgar quaisquer informações a ele relacionadas, salvo mediante autorização escrita de todas as Partes.18.2 - Os membros do Centro de Arbitragem e Me-diação AMCHAM não serão responsáveis perante qualquer pessoa por quaisquer atos ou omissões relacionados a um procedimento arbitral, salvo as disposições imperativas da lei aplicável.

49 12.2 – O processo arbitral é sigiloso sendo vedado às partes, aos árbitros, aos membros da CÂMARA e às pessoas que tenham participado no referido processo, divulgar informações a ele re-lacionadas.

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Nesse sentido, Carlos S.F. Forbes, presidente da CAM--CCBC, ao debater a questão da confidencialidade versus publicidade em arbitragem afirmou: “Chegamos à con-clusão que a publicidade não é nossa. É das partes. Então cabe às partes dizer ao CAM--CCBC como é que tratarão os assuntos”50. Assim, no seu en-tendimento, sendo um dever legalmente estabelecido, as partes devem convencionar a sua extensão e o seu esco-po. Ausente disposição nesse sentido na Cláusula Compro-missória, deverá ser discuti-do no Compromisso Arbitral.

O que se observa que é re-gra geral do procedimento arbitral no Brasil é a confi-dencialidade. Lembrando que o modelo de procedimento arbitral adotado pela legis-lação brasileira decorre de adaptação do modelo legal da UNCITRAL, e não poderia ser diferente.

Conforme lição de Basílio e Lins:

“A confidencialidade pode-rá, assim, alcançar temas objeto de um contrato e, por conseguinte, de um proces-so arbitral, já que a arbi-

tragem tem sua gênese em negócio jurídico bilateral - a cláusula compromissória – e visa a, preponderante-mente, dirimir disputas contratuais, via de re-gra ajustadas pelas partes sob o regime de sigilo. Por isso, é corrente a assertiva de que a arbitragem consa-gra, como regra geral e pa-drão predominante, o dever de confidencialidade sobre todos os atos praticados no processo arbitral, com efei-tos vinculantes àqueles que dela participam, inclusive peritos ou testemunhas. E aí reside característica re-levante da arbitragem, em oposição ao processo judi-cial, no qual a regra geral é a publicidade de se conteú-do e o sigilo é circunstân-cia excepcional, enumera-da no art. 155 do CPC/1973 (LGL/1973/5), que compor-ta interpretação restriti-va.”51

Por outro lado, no que diz respeito ao Poder Público, a LBA dispõe de forma diversa em seu artigo 2º, § 3º: “A ar-bitragem que envolva a admi-nistração pública será sempre

de direito e respeitará o prin-cípio da publicidade.” Fazendo jus ao princípio da publicida-de dos atos da administração pública.

Quando houver partici-pação de entidades públicas nos procedimentos arbitrais, ao contrário das relações privadas, a confidencialida-de é, no mínimo, indesejada pela esperada transparência dos atos para controle natu-ral da gestão dos interesses públicos.

Nesse sentido, mais sau-dável sempre foi afastar-se do sigilo, mantendo apenas a obrigatoriedade da discrição do árbitro.52

Como solução ao aparente conflito entre a confidencia-lidade que pode ser atribuí-da ao procedimento arbitral e o princípio da publicida-de, tal princípio deve con-formar a sua hipótese de incidência e a adoção dos comportamentos vinculan-tes para o seu cumprimento, por meio da relação dos atos institucionais pertinentes à questão.53

São os atos institucionais que dão os atos institucionais que dão significação normati-

50 http://abdet.com.br/site/camara-de-comer-cio-brasil-canada-divulgara-dados-de-arbitra-gem/.

51 BASILIO, Ana Tereza e LINS, Thiago. A relativi-zação da confidencialidade na arbitragem; com-

panhias abertas. Revista de Arbitragem e Media-ção, vol. 49/2016, p. 157-172

52 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitra-gem.5ª edição. P.281

53 ARAÚJO NETO, Pedro Irineu de Moure. A confidencialidade do procedimento arbitral e o princípio da publicidade. Revista de Informação Legislativa: RIL., v. 53, n. 212, p. 139-154, out./dez. 2016. Disponível em https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/53/212/ril_v53_n212_p139.pdf

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 51Doutrina

va ao princípio da publicidade, nessa hipótese, extraem-se das próprias leis que infor-mam o regime jurídico admi-nistrativo. Ao procedimento arbitral se aplicam, ao me-nos hipoteticamente, as exce-ções previstas constitucional-mente em relação ao princípio da publicidade: os artigos 5º, XXXIII, e 37, § 3º, II.54

Ainda, há de se identificar a natureza do ato ou a pre-valência do interesse que ele representa, visto que nem todo ato que envolve a admi-nistração pública é unilateral e a justaposição de interesses nem sempre é solucionada pela prevalência do interesse público. Nesses casos, deve--se pesquisar quais são as re-gras jurídicas aplicáveis.

Na prática, observa-se uma relativização da confidencia-lidade, quando se trata de ar-bitragens envolvendo o Poder Público, o que também pare-ce ser admitido pela doutrina. Carlos Alberto Carmona res-salta ser “recomendável, por-tanto, que nas arbitragens que envolvam entidades públicas, o sigilo seja moderado, de for-ma a permitir o controle na-

tural do manejo do patrimônio público.”55

O que se observa em geral é que informações genéricas a respeito dos procedimen-tos devem ser apresentadas publicamente, mas a exten-são e conteúdo das mesmas deverão ser definidos pelas partes do procedimento ar-bitral e referendadas ou de-cididas pelos árbitros, uma vez regularmente constituído o tribunal arbitral.

V - ConclusõesComo demonstrado, a utili-zação da arbitragem pela ad-ministração pública não en-contra objeção no direito brasileiro. A jurisdição arbitral tem se mostrado apropriada e eficiente para a solução de controvérsias societárias em sociedades de economia mis-ta, entre outras hipóteses de conflitos envolvendo a admi-nistração pública.

Ao permitir a flexibilidade e a adaptação aos ditames le-gislativos brasileiros, a arbi-tragem serve adequadamente à resolução de conflitos en-volvendo a administração pú-blica direta e indireta.

54 Idem

55 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3. Ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009, p. 246.

* Claudio FinkelsteinPossui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989), mestrado em Direito Internacional - University of Miami (1991), doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000) e Livre-Docência pela Pontifícia Universidade Católica (2011). Atualmente é professor da Pontifícia Universidade Católica de SP, em nível de graduação e pós-graduação. Diretor do Instituto Nacional do Contencioso Econômico e do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e vice Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, ex-coordenador de Curso de Contratos Internacionais do COGEAE e da Fundação Getúlio Vargas - SP e coordenador do Curso de Contratos Internacionais do IICS em São Paulo. Orientador de TCC, Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde coordena a subárea de Direito Internacional no Pós-Graduação. Professor Convidado do Summer Course da SouthWestern University em Buenos Aires e da University of Miami, EUA. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Internacional Privado, atuando principalmente no seguinte tema: direito internacional.

* Marcelo Ricardo EscobarDoutor em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Fellow do Chartered Institute of Arbitrators. Árbitro integrante da lista de árbitros da Hong Kong International Arbitration Centre, e da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Paraná. Sócio do escritório Escobar Advogados.

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A Arbitragem é uma forma extrajudicial de solução de controvérsias referentes a direitos patrimoniais disponíveis, em que as Partes, pessoas capazes, ele-gem um terceiro independente e imparcial - o árbitro -, para dirimir a controvérsia. Nesta definição estão presentes três conceitos importantes do Direito da Ar-bitragem:2 (a) arbitrabilidade subjetiva, quem pode se submeter à arbitragem? Pessoas capazes de contratar; (b) arbitrabilidade objetiva, o que pode ser submetido à decisão de árbitros? Matérias que versem sobre direi-tos patrimoniais disponíveis; e (c) o árbitro, quem pode

Por Selma Ferreira Lemes*

A evolução da utilização da arbitragem nos contratos firmados pela Administração Pública1

1 Este artigo reproduz a palestra inaugural do “Curso de Arbitragem na Administração Pública” realizado na Escola Superior da Procuradoria Ge-ral do Estado de São Paulo -PGE no dia 04.08.2017, em parceria com o Comitê Brasileiro de Arbitra-

gem - CBAR.

2 A identificação de Direito da Arbitragem é efe-tuada como sendo um ramo didático para estudo, com conjunto temático próprio e cuja metodo-

logia de apresentação, por conveniência, tem a finalidade de realçar suas peculiaridades, sem a intenção de dar-lhe autonomia disciplinar.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 53Doutrina

ser nomeado árbitro? Pesso-as físicas que sejam indepen-dentes e imparciais e que te-nham a confiança das Partes (art. 13 da Lei 9.307/96, Lei de Arbitragem -LA).

A LA foi alterada em 2015, pela Lei 13.129/2015, que aprimorou seu texto, incluin-do a previsão expressa sobre a arbitragem na Administra-ção Pública.3

Analisaremos a participa-ção da Administração Públi-ca Direta (União, Estados, Municípios e Distrito Fe-deral) e Indireta (Socieda-de de Economia Mista, Em-presa Pública, Autarquia e Fundações) em arbitragens, no tempo. O passado, com a história da arbitragem nos contratos de concessão na época imperial. O presen-te em que se verifica uma maior participação da Ad-ministração Pública em ar-bitragens, decorrentes dos contratos de concessões, Parcerias Público-Privadas - PPP e as recentes disposi-ções sobre Parcerias Públi-cas de Investimentos –PPI. Por fim, o futuro, verifican-

do a tendência e a evolução do tema nesta área.

1. História da arbitragem na Administração Pública em contratos de concessãoA arbitragem está diretamen-te vinculada ao início das pri-meiras concessões publicas ocorridas na época imperial, nos contratos firmados pe-las Províncias e pelo Gover-no Geral do Império a partir de 1850, referentes às cons-truções de estradas de ferro, transporte fluvial e marítimo, serviços de iluminação públi-ca etc. O Decreto n. 7.959, de 29.12.1880 na cláusula XXXV previu a solução de divergên-cias por árbitros nos contra-tos de concessões de estra-das de ferro, lembrando que a arbitragem estava previs-ta na Constituição Imperial de 1824.4

Derivou de um contra-to de concessão firmado em 1856, para a construção, uso e custeio da estrada de ferro Santos-Jundiaí uma das mais conhecidas (e longas) arbi-tragens envolvendo a Admi-

nistração Pública, no caso a União. Foi por ocasião da en-campação em 1946, decor-ridos 90 anos da concessão que se instaurou controvér-sia sobre a propriedade dos bens imóveis lindeiros à fer-rovia, se estes estariam in-cluídos na concessão ou eram de propriedade do conces-sionário. Instaurou-se am-pla discussão e em 1955, por sugestão do Consultor Ge-ral da República Themísto-cles Cavalcanti, em brilhan-te parecer, este recomendou que a matéria fosse dirimi-da por arbitragem.5 Mas após o laudo arbitral ter sido ex-pedido a União, em demanda judicial, questiona a ocorrên-cia da verificação da prescri-ção, invocando o Decreto n. 22.910/32 (prescrição em 5 anos). A alegada prescrição foi afastada pelo Tribunal Re-gional Federal, abrindo pá-gina importante para a arbi-tragem, pois ao interpretar o art. 172 do Código Civil - CC de 1916, esclareceu que com o juízo arbitral estaria inter-rompida a prescrição, pois o disposto no art. 172 do CC,

3 LEMES, Selma Ferreira, « Anotações sobre a nova lei de arbitragem ». Revista de Arbitragem e Mediação –RArb. 47:37/44 out./dez., 2015. 4 A arbitragem sempre esteve presente em nossa legislação, desde as Ordenações Filipinas de 1603. Na historiografia brasileira são brilhantes os ensi-namentos de Rui BARBOSA e Mendes PIMENTEL a respeito, especialmente quanto à arbitrabilida-

de subjetiva. Cf LEMES, Selma Ferreira, Arbitra-gem na Administração Pública, Fundamentos Jurí-dicos e Eficiência Econômica. São Paulo: Quartier Latin. 2007, p. 118/123.

5 “[A]dministração realiza muito melhor os seus fins e sua tarefa convocando as partes, que com elas contratarem, a resolver as controvérsias de direito e de fato, perante o juízo arbitral do que denegando

o direito das partes, remetendo-as ao juízo ordi-nário, ou prolongando o processo administrativo, com diligências intermináveis sem um órgão di-retamente responsável pela instrução do proces-so.” (CAVALCANTI,Themístocles B.,“Concessão de Serviço Público. Encampação. Juízo arbitral”, RDA, 45:517, jul./set., 1956).

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201754 Doutrina

6 Uma das alterações verificadas na Lei nº 9.307/26 em 2015, foi justamente incluir a previ-são de que a prescrição estará interrompida, a apartir da data do requerimento de arbitragem (art. 19, § 2ª).

7 No nosso livro Arbitragem na Administração Pública… p. 70 analisamos as confusões efetuadas com os diversos conceitos jurídicos.

8 É de se notar a atualidade do tema da arbitragem

na área tributária, momento em que se discute o projeto de lei sobre transação tributária e arbitra-gem. Digno de relevo são os trabalhos do Professor da Universidade de São Paulo Heleno Torres e os diversos estudos e trabalhos acadêmicos. Cf GIAN-NETTI, Leonardo Varella, Arbitragem no Direito Tributário: Possibilidade e Procedimentos. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte. 2017 (inédito) e ES-COBAR, Marcelo Ricardo, Arbitragem Tributária no Brasil. São Paulo: Almedina Brasil, 2017, 311 p.).

É interessante verificar a regulação da matéria no Direito Português em: www.caad.pt .

9 Agravo de Instrumento n. 52.181/GB RTJ 68/382.

10 MAGALHÃES, José Carlos de. “Do Estado na Arbitragem Privada”, Arbitragem Comercial, MA-GALHAES, José Carlos de e BAPTISTA, Luiz Olavo, Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1986, p. 69/84. e Revista de Informação Legislativa, Brasília, 86:139, abr./jun., 1985.

“ato judicial” significava “ato de julgar”.6

Houve a necessidade de se superar obstáculos interpre-tativos (alguns equivocados), que impediam a aceitação e aplicação da arbitragem na área pública, pois por analo-gia, por exemplo, confundiam o compromisso arbitral com a transação e o mandato (en-tendendo que a Administra-ção Pública não podia ceder sua função administrativa ao árbitro).7

Importa observar que fo-ram raros os textos legais exigindo autorização expres-sa para a Administração Pú-blica dispor da arbitragem, sendo de registro somente o Código de Processo Civil e Comercial do Distrito Federal de 1910. A única proibição que existia para a União era sobre matéria fiscal (DL 960/38). Pontes de Miranda, ao anali-sar a questão, observou que se houvesse autorização le-gal, a matéria fiscal poderia ser submetida à arbitragem.8

Foi com a jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-

ral no denominado caso Lage que se firmou o entendimen-to quanto à arbitrabilidade subjetiva, no sentido de que a capacidade para firmar cláu-sula comprometer era maté-ria de direito civil.9 Conforme acentua José Carlos de Ma-galhães “a capacidade de se comprometer é matéria de direito civil, não se poden-do negar ao Estado brasilei-ro sua legitimidade em ajus-tar convenção de arbitragem, como reconhecido pela já ci-tada decisão do Supremo Tri-bunal Federal.”10 Neste senti-do o caput do art. 1° da Lei nº 9.3017/96, estipula:” As pes-soas capazes de contratar... ”. Portanto, mais uma vez se re-ferendava a desnecessidade de lei específica para a Ad-ministração Pública dirimir conflitos patrimoniais dispo-níveis por arbitragem.

Foi com a reforma opera-da na Lei de Arbitragem em 2015, pela Lei nº 13.129, que se incluiu os parágrafos 1º e 2º no art. 1º para textualmen-te dispor que “a administra-ção pública direta e indireta

poderá utilizar-se da arbitra-gem para dirimir conflitos re-lativos a direitos patrimoniais disponíveis.” Apesar de des-necessária, a medida foi pe-dagógica. A previsão expressa na Lei de Arbitragem passou a estar em sintonia com as leis especiais que regulam as Concessões de Obras e Servi-ços Públicos (Lei nº 8.987/95 c/ as alterações efetuada pe-las Leis nºs 9.648/98 e Lei nº 11.196/2005, art. 11,III), as Parcerias Público-Privadas - PPP (Lei nº 11.079/2004, alte-rada pela Lei nº 12.776/2012) e as Parcerias Públicas de Investimentos – PPI (Lei nº 13.488/2017), abordadas logo mais.

A previsão legal expres-sa também trouxe confor-to para o administrador pú-blico, evitando ingerências e dúvidas quanto ao seu proce-der, especialmente conside-rando a legislação referente à responsabilidade dos agen-tes públicos. Outro ponto po-sitivo da inserção expressa da arbitragem nos contratos com a Administração Pública

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 55Doutrina

11 Com a Lei Geral das Concessões o TCU passou a admitir com reservas a previsão da arbitragem nos contratos públicos,desde que as matérias submetidas aos árbitros “não ofendam ao princí-pio da legalidade e o da indisponibilidade do inte-resse público” (TCU Processo TC nº006.0986/93-2, Relator Ministro Paulo Affonso Martins de Oliveira, Decisão nº 188/95, Plenário. DOU 22.05.95, p. 277). A interpretação do TCU era in-certa. Veja-se a respeito CARVALHO, Andre.TCU limita a arbitragem e dá um passo e meio para trás. Consultor Jurídico, 23.10.2012http://www.conjur.com.br/2012-out-23/andre-carvalho-tcu-limi-ta-uso-arbitragem-passo-meio Posteriormente, no caso de sociedades de economima mista o TCU flexibilizou a vedação e passou a admitir a previsão de arbitragem, desde que justificada e

levando em consideração as praticas do merca-do em questão e também para matérias técnicas (Plenário, Acórdão2.145/2013). Fator que contri-buiu também para a mudança de entendimento do TCU foi a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que em importantes precedentes ma-nifestou-se favorável à arbitragem, tal como no MS. 11.308-DF.

12 Julgamento do Mandado de Segurança n. 1998002003066-9, em 18.05.99 (DJ 18.05.99). v.u., Conselho Especial do TJDF.

13 Excertos do referido acórdão encontram-se publicados na Revista de Direito Bancário, do Mer-cado de Capitais e da Arbitragem, n. 8, abr./jun. 2000, p. 358/65. CF VALENÇA FILHO, Clávio,“Ar-

bitragem e Contratos Administrativos”, comentá-rios ao citado acórdão, na mesma obra p. 365/73.

14 GORDILLO, Agustín, Tratado de Derecho Admi-nistrativo. Bogotá: Diké, 1998, p. XI-22.

15 A questão deve ser estudada sob a ótica da Analise Econômica do Direito, especialmente no que concerne aos custos de transação. Cf TIMM, Luciano Benetti, “A Arbitragem nos contratos empresariais, internacionais e governamentais”. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2009, p. 17/40 e nosso “Arbitragem e Administração Pú-blica, Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econô-mica”, capítulo 9.

é contribuir para afastar toda a problemática gerada pelo Tribunal de Contas da União - TCU, que empreendia in-terpretação restritiva ao uso da arbitragem pela Adminis-tração Pública.11 Em 1999, o celebre precedente origina-do do Tribunal de Justiça do Distrito Federal obstaculizou a proibição gerada pelo TCU em um contrato que dispunha sobre a adaptação e a amplia-ção da Estação de Tratamen-to de Esgotos de Brasília.

O Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Dis-trito Federal salientou que “...para sua consecução havia o fornecimento de diversos bens, prestações de obras civis, ser-viços de montagens eletrome-cânicas, etc. No caso, havendo dúvidas atinentes a tais dis-posições, podem perfeitamen-te ser solucionadas ante o ju-ízo arbitral, tudo visando a eficiente consecução do obje-to contratado.”12 Ao relatar o

Mandado de Segurança a en-tão desembargadora Fátima Nancy ANDRIGHI pontifi-cou que “...pelo art. 54 da Lei n. 8.666/93, os contratos ad-ministrativos regem-se pelas suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se--lhes supletivamente os prin-cípios do direito privado o que vem reforçar a possibilida-de de adoção do juízo arbitral para dirimir questões contra-tuais. Cabe à Administração Pública cumprir as normas e condições constantes do Edital de Concorrência, ao qual está vinculada.”13

2. Caminhos para a Nova Visão da Arbitragem na Administração Pública: Princípios da Eficiência e da EconomicidadeEm uma nova edição de seu livro Tratado de Derecho Ad-ministrativo, em 1998, o ad-ministrativista argentino Agustín Gordillo pontuou:

“Não incluir a arbitragem nos contratos de infraestrutura (complexos e de longa dura-ção) piora o preço dos ofertan-tes, pois é muito mais caro ter que provisionar juízos que le-vam décadas. Este é um custo que paga a Administração e a sociedade.”14

Com esta percepção de que a arbitragem integra a equa-ção econômico-financeira do contrato administrativo e que a cláusula de arbitra-gem, além de ser uma forma de solucionar conflitos (cláu-sula jurídica) é também uma cláusula econômica do con-trato,15 suscitou-se alteração significativa no modo de con-ceber a utilização da arbitra-gem nos contratos públicos, pois em nome dos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade (arts. 37 e 70 da Constituição Federal) a arbitragem não poderia e não deveria ser negligencia-da. Os reflexos financeiros da

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cláusula compromissória nos contratos de Concessão, de PPPs de PPIs impuseram sua utilização.16 E mais. A bem da adequada conceituação, es-ses contratos são atípicos, pois são também contratos de financiamento de obras de infraestruturas, tais como aeroportos, rodovias, pontes, estradas de ferro, hidrelétri-cas, portos etc., pois o Estado não dispõe de numerário para executar essas obras. A enge-nharia financeira que se en-contra por trás desses con-tratos demonstra, como dito, serem estes verdadeiros con-tratos de financiamento com diversos agentes envolvidos: bancos, seguradoras etc. O agente privado não é apenas o concessionário que execu-ta a obra de engenharia, por exemplo, mas o financiador do Estado, seu parceiro e in-vestidor.

É importante observar que a mudança de paradigma do papel da Administração Pú-blica, ou seja, deixar de ser um agente empresário e pas-sar a ser um agente regula-

dor e fomentador de desen-volvimento tem suas origens na década de 80 do século passado, na Inglaterra, berço das PPPs. No Brasil essa evo-lução chegou com as refor-mas empreendidas na Cons-tituição Federal de 1988, por meio das Emendas Constitu-cionais nºs 05, 06, 07, 08 e 09 de 1995. No Chile, o gran-de impulsionar do desenvol-vimento de obras de infraes-truturas se deu já a partir de 1981, com a Lei de Concessão de Obras Públicas.17

Estas mudanças vieram acompanhadas de alterações nas normas infraconstitu-cionais, dando início à Admi-nistração Pública Consensu-al, com viés mais empresarial aplicando-se as regras con-tratuais que priorizam o equilíbrio de interesses, mas continuando a Administração Pública a dispor das denomi-nadas cláusulas exorbitantes, peculiares aos contratos ad-ministrativos.

O princípio da eficiência18 (e da economicidade), antes comentado, faz com que te-

nhamos um novo olhar para atuação da Administração Pú-blica. Nesta linha, dois pon-tos são importantes, tal como adverte o jurista português J J Gomes Canotilho. O primeiro é que “o princípio da eficiên-cia da administração ergue--se a princípio constitutivo do princípio da legalidade”.19 O segundo é que a Adminis-tração Pública deve se pau-tar por objetivos, quando as-severa as relações da Lei com a Administração. Neste novo desenho a“lei deixa de ter em primeira linha uma função de ordem ou delimitação, para determinar principalmente medidas de conformação so-cial e direcção econômica”20

No que concerne aos con-flitos gerados nos contratos, a inserção da cláusula com-promissória e, em razão de sua caracterização intrín-seca -a consensualidade -, faz com que as divergências existentes sejam soluciona-das em benefício do objetivo do contrato. Ademais a cele-ridade e a especialidade con-tribuem para diminuir o grau

16 Outro fator importante a considerar é que a in-clusão da clausula compromissória nos contratos de concessões, PPPs e PPIs, devido aos seus refle-xos financeiros passou a ser exigência das agen-cias de fomento internacionais, tal como o Ban-co Mundial. Com essa recomendação, a cláusula compromissória passou a ser estudada e analisa-da pela Administração Pública e, a partir daí, pas-sou a ser prevista nos contratos administrativos. Exemplo típico é o contrato da linha amarela do Metrô de São Paulo.

17 A latere, digno de nota, no contexto chileno é o princípio constitucional da servicialidad do Es-tado, no sentido de que o Estado está a serviço da pessoa humana e sua finalidade é promover o bem comum, para o qual deve construir e criar as con-dições sociais que permitam a todos e a cada um da comunidade nacional sua maior realização es-piritual e material possível, com pleno respeito aos direitos e garantias constitucionais. Cf nosso “Ar-bitragem na Administração Pública ...”, capítulo 11.

18 O art. 3º, inciso II da Lei nº 13334/2016 (PPI), esclarece que na implementação do PPI serão observados os seguintes princípios ”legalidade, qualidade, eficiência e transparência da atuação estatal”.

19 CANOTILHO,J.J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 4ª ed., [1997], p. 713.

20 Op. cit., p. 721.

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de litigiosidade entre as Par-tes e, é neste sentido tam-bém, que se mostra oportuno prever as demais formas ade-quadas de solução de confli-tos, tais como a mediação e os Comitês Técnicos de Solu-ção de Divergências (Dispute Boards) etc.

O Direito Administrativo Consensual e a nova forma de conceber a função esta-tal como gestora e regulado-ra de atividade econômica, no sentido de contar com o setor privado para desenvol-ver obras de infraestruturas é aferível no art. 1º da Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, que institui o programa de Parcerias Públicas de In-vestimentos- PPI, cuja finali-dade é a “ampliação e forta-lecimento da interação entre o Estado e a iniciativa priva-da por meio da celebração de contratos de parceria para execução de empreendimen-tos públicos de infraestrutu-ra e de outras medidas de de-

sestatização” (art. 1º). O art. 2º, inciso V esclarece que são objetivos das PPI “fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidade esta-tais de regulação.”21

Do objetivo de “assegu-rar a estabilidade e a segu-rança jurídica, com a garan-tia mínima de intervenção nos negócios e investimen-tos” (art. 2º, inciso IV) decor-re a necessidade de a Admi-nistração Pública ser firme no cumprimento do disposto nos contratos a serem pactu-ados, no sentido de que a ga-rantia jurídica gerada se es-tenda também à arbitragem, seja na modalidade de cláu-sula compromissória, seja quando firmar compromisso arbitral. A Administração Pú-blica não poderá criar empe-cilhos para a instauração da arbitragem e, quando tiver que exarar decisão a respei-to deve ser célere, pois pro-longar decisões que lhe com-pete, além de ir de encontro

com o princípio da eficiên-cia (e da prontidão), do ponto de vista prático contribuem, em muitos casos, para gerar imensos passivos para o se-tor público, onerando com isso toda a sociedade e, prin-cipalmente, colocando-se de costas ao princípio da eco-nomicidade.22

A recente Lei 13.448 de 05 de junho de 2017, que estabe-lece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria defi-nidos na Lei nº 13.434/2016, nos setores rodoviário, fer-roviário e aeroportuário, em evolução aos textos anterio-res passou a definir as ma-térias de direito disponível a serem submetidas à arbitra-gem (arbitrabilidade objeti-va)23 no art. 31, § 4º:

Art. 31 (...) §4º Consideram--se controvérsias sobre di-reitos patrimoniais dispo-níveis, para fins desta Lei:I - as questões relacionadas à recomposição do equilí-

21 Lei nº 13.334/2016: Art. 2º São objetivos do PPI: I - ampliar as oportunidades de investimento e em-prego e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em harmonia com as metas de desen-volvimento social e econômico do País;II - garantir a expansão com qualidade da infraestrutura pú-blica, com tarifas adequadas; III - promover ampla e justa competição na celebração das parcerias e na prestação dos serviços; IV - assegurar a esta-bilidade e a segurança jurídica, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos; e V - fortalecer o papel regulador do Estado e a au-tonomia das entidades estatais de regulação. Art. 3º Na implementação do PPI serão observados os seguintes princípios: I - estabilidade das políticas públicas de infraestrutura; II - legalidade, qualida-

de, eficiência e transparência da atuação estatal; e III - garantia de segurança jurídica aos agentes públicos, às entidades estatais e aos particulares envolvidos.

22 Esses comentários estão vinculados ao dispos-to no art. 31 da Lei nº13.448/2017, a serem abor-dados em seguida.

23 À guisa de ilustração, o contrato de PPP pau-lista de São Lourenço da SABESP define que serão submetido à arbitragem as seguintes questões: (i) reconhecimento do direito e determinação do montante respectivo da recomposição do equilíbrio econômico-.financeiro, em favor de qualquer das partes, em todas as situações previstas no Contrato

de Concessão; (ii) reconhecimento de hipóteses de inadimplemento contratual de qualquer das partes ou anuentes; (iii) cálculo e aplicação do reajuste previsto no Contrato de Concessão; (iv) aciona-mento dos mecanismos de garantia estipulados no Contrato de Concessão; (v) valor da indeniza-ção no caso de extinção do Contrato de Concessão; e(vi) inconformismo de qualquer das partes com a decisão da Comissão Técnica. (JUNQUEIRA, An-dré Rodrigues, OLIVEIRA Mariana Beatriz T. e SANTOS, Michelle Manaia.Cláusula de Solução de Controvérsias em Contratos de Parcerias Público--Privadas: Estudo de Casos e Proposta de Redação. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Parcerias Público - Privadas, 77/78, jan./dez. 2013, p. 303/4).

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brio econômico-financeiro dos contratos;II - o cálculo de indeniza-ções decorrentes de extin-ção ou de transferência do contrato de concessão; eIII - o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes.§ 5º Ato do Poder Executivo regulamentará o creden-ciamento de câmaras arbi-trais para os fins desta Lei.

No caso de relicitação o art. 15 da citada Lei a disposição da arbitragem e dos demais métodos adequados de solu-ção de conflitos (mediação, dispute boards etc.) passaram a ser considerados obriga-tórios,24 ou seja, são cláusu-las essenciais dos contratos, o que é inédito em termos de contrato administrativo:

Art. 15. A relicitação do contrato de parceria será condicionada à celebra-ção de termo aditivo com o atual contratado, do qual constarão, entre outros ele-mentos julgados pertinen-tes pelo órgão ou pela enti-dade competente:

III - o compromisso arbitral entre as partes com previ-são de submissão, à arbi-tragem ou a outro mecanis-mo privado de resolução de conflitos admitido na legis-lação aplicável, das ques-tões que envolvam o cálculo das indenizações pelo ór-gão ou pela entidade com-petente, relativamente aos procedimentos estabeleci-dos por esta Lei. ”

Todavia, o legislador po-deria ter utilizado o conceito correto, pois não se trata de “compromisso arbitral”, mas de estipular a “cláusula com-promissória”, pois ainda não existe conflito (arts. 3 e 9 da Lei de Arbitragem).

O caput do art. 31 estipula:As controvérsias surgida em decorrência dos contra-tos nos setores de que trata esta Lei, após decisão defi-nitiva da autoridade com-petente, no que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, podem ser sub-metidas a arbitragem ou a outros mecanismos alter-nativos de solução de con-

trovérsias. (negrito e grifo acrescentados)

É neste ponto que se in-voca a necessidade de a Ad-ministração Pública ser céle-re na tomada de decisões, em decorrência dos princípios que regem as PPIs, especial-mente o da eficiência e da se-gurança jurídica acima men-cionados. Estes princípios se complementam com os prin-cípios da boa-fé e das expec-tativas legítimas das Partes decorrentes dos contratos firmados sob a égide da Lei nº 13.448/2017. Reitere-se que a Administração Pública deverá ser eficiente e precisa ao mo-mento em que a controvér-sia for posta pelo particular, para com a prontidão razoá-vel exarar decisão definitiva a respeito, ou seja, aceitar a ob-jeção do parceiro privado ou a rejeitar e, ato contínuo con-siderar o conflito instaura-do, pois o caput do art. 31 so-mente autoriza a instauração da arbitragem ou a submissão aos demais métodos adequa-dos de solução de conflitos, a partir do momento em que a

24 Interessante e peculiar interpretação do art. 31 da Lei nº 13.448/2017 foi efetuada por Cesar Pereira, no sentido de que a arbitragem nele regulada se estende aos demais contratos no setor (que não sejam PPIs) mesmo que não exista clausula compromissória estipulada no contrato ou em aditivo contratual. O referido autor entende que o disposto no caput do art. 31 não está vinculado ao seu paragrafo primeiro

que menciona a existência de aditivo ao contra-to (§ 1º- Os contratos que não tenham cláusula arbitral, inclusive aqueles em vigor, poderão ser aditados a fim de se adequar ao disposto no caput deste artigo). Seria a denominada Oferta de Ar-bitragem, ou seja, é plenamente vinculante para a Administração Pública, nos setores regulados na citada Lei, bastando que o particular assim decida. Para tanto, seriam acionados os dispo-

sitivos do arts. 6º e 7º da Lei de Arbitragem, que prevêem a operacionalização da cláusula ar-bitral vazia (se for o caso). Cf. PEREIRA, Cesar.Inovações na arbitragem : aeroportos, rodovias e ferrovias. JOTA. 21.07.2017. Disponível em:ht-tps://www.jota.info/colunas/coluna-do-jus-ten/inovacoes-na-arbitragem-aeroportos-ro-dovias-e-ferrovias-21072017 .

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autoridade competente exare decisão definitiva a respeito.25

Com a participação cres-cente da Administração Públi-ca Direta e Indireta em proce-dimentos arbitrais,26 surgiu a necessidade de se atentar às peculiaridades da área admi-nistrativa, tais como, a publi-cidade a ser observada na ar-bitragem (art. 2º § 3º da LA), como indicar árbitros, bem como se optarem pela arbitra-gem institucional, como indi-car câmaras de arbitragem, e quanto as custas da arbitra-gem, como proceder.

Na linha de auxiliar a ope-racionalização da arbitragem na área pública a I Jornada de “Prevenção e Solução Extra-judicial de Litígios realizada pelo Centro de Estudos Judi-ciários do Conselho da Jus-tiça Federal em 22 e 23 de agosto de 2016, em Brasília – DF, aprovou quatro enuncia-

dos sobre a arbitragem com a Administração Pública, sen-do que algumas das questões acima mencionadas foram abordadas e servem como um bom norte a ser seguido.27

O primeiro deles refere--se à cláusula compromissó-ria: “Enunciado 2 - Ainda que não haja cláusula compromis-sória, a Administração Públi-ca poderá celebrar compro-misso arbitral.”28

O segundo é o enunciado que aborda a questão da pu-blicidade: “Enunciado 4 -Na arbitragem, cabe à Adminis-tração Pública promover a pu-blicidade prevista no art. 2º, § 3º, da Lei n. 9.307/1996, ob-servado o disposto na Lei n. 12.527/2011, podendo ser mi-tigada nos casos de sigilo pre-vistos em lei, a juízo do árbi-tro.” A questão da publicidade em arbitragens com a Admi-nistração Pública já era ana-

lisada, mesmo antes de exis-tir a previsão expressa na LA, pois o principio consti-tucional da publicidade dis-posto no art. 37 da Constitui-ção Federal já impunha essa obrigação.29 As Partes na ar-bitragem podem dispor so-bre quais documentos devem ser divulgados, preservando--se a confidencialidade ine-rente à atividade comercial.30 Um bom parâmetro é o dis-posto na Lei de Acesso à In-formação (Lei n. 12.527/2011). É importante notar, tal como esclarecido no Enunciado 4, que a obrigação de prestar in-formações é da parte pública na arbitragem e que as audi-ências e os debates durante o procedimentos arbitral conti-nuam a respeitar a confiden-cialidade do procedimento, salvo disposto de outra forma pelos árbitros e Partes.31

O terceiro é o enuncia-

25 Anote-se que durante a tramitação no Con-gresso Nacional da MP 752 de 24 de novembro de 2016, que se transformou na Lei nº 13.448/2017, houve intensa movimentação da comunidade arbitral brasileira, no sentido de se retirado art. 31 (na MP art. 25) referida condição. Foi inclusive sugerido que se colocasse um prazo para a auto-ridade administrativa se manifestar.

26 Os precedentes do STJ definidores da arbitra-gem na Administração Pública foram os seguin-tes: Resp. 612.439-RS de 2005, MS 011.308-DF de 2008 e Resp. 904.813, de 2011.

27 Cf nosso artigo Incentivos à arbitragem na ad-ministração pública, Valor Econômico, 05.09.2016. Disponível em : http://selmalemes.adv.br/ar-tigos/IncentivosaArbitragemnaAdministra%-C3%A7%C3%A3oP%C3%BAblica%20-2016.pdf

28 Referida disposição está em linha com a ju-risprudência do STJ (Resp. 1.389.763, de 12.1’1.2013 Relatora Ministra Nancy Andrighi)

29 LEMES, Selma F. Arbitragem na Concessão de Serviços Públicos. Arbitrabilidade Objetiva. Confi-dencialidade ou Publicidade Processual? RDM 134: 148/163, abr./jun, 2004. Também disponível em: http://selmalemes.adv.br/artigos/artigo_juri15.pdf

30 No ambito dos contratos publicos na União Européia a Diretiva da UE 2004/18- 31.03.2014, dispôs: Sem prejuízo do disposto na presente dire-tiva, nomeadamente no que se refere às obrigações relativas à publicidade de contratos adjudicados e à informação dos candidatos e dos proponentes previstas no n. 4 do artigo 35 e no artigo 41, e nos termos do direito nacional a que está sujeita a en-tidade adjudicante, esta não deve divulgar as in-

formações que lhe tenham sido comunicadas pelos operadores econômicos que estes tiverem indicado serem confidenciais. Estas informações incluem, nomeadamente, os segredos técnicos ou comerciais e os aspectos confidenciais das propostas. (grifo acrescentado)

31 À guisa de ilustração, saliente-se que o Cen-tro de Arbitragem da Câmara de Comércio Bra-sil-Canadá – CAM-CCBC emitiu a Resolução nº 15/2016 dispondo sobre a publicidade de arbitra-gens com a Administração Pública Direta (http://www.ccbc.org.br/Materia/1569/resolucao-ad-ministrativa-n%C2%BA-152016) e no mesmo site pode-se conhecer as arbitragens em curso com a Adminstração Direta no CAM-CCBC: http://www.ccbc.org.br/Materia/1616/arbitragens--com-a-administracao-publica-direta

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do que traz luz à questão da proibição da Administração Pública de se submeter à ar-bitragem por equidade (art. 2º § 3º da LA). O enunciado esclarece que a Administra-ção Pública pode aceitar as regras internacionais de co-mércio e os usos e costumes internacionais em setores autorregulados, nos quais vi-goram essas regras (soft law), quando inerentes à sua ativi-dade.32 Assim, foi esclarecido no “Enunciado 11 - Nas arbi-tragens envolvendo a Admi-nistração Pública, é permitida a adoção das regras interna-cionais de comércio e/ou usos e costumes aplicáveis às res-pectivas áreas técnicas.”

Por fim, o quarto enuncia-do elucida as questões refe-rentes à arbitrabilidade ob-jetiva (matérias referentes a direitos patrimoniais dispo-níveis). “Enunciado 13 - Po-dem ser objeto de arbitragem relacionada à Administração Pública, dentre outros, litígios relativos: I – ao inadimple-mento de obrigações contra-tuais por qualquer das partes; II - à recomposição do equi-líbrio econômico-financei-

ro dos contratos, cláusulas fi-nanceiras e econômicas.”

As questões quanto aos custos antecipatórios da ar-bitragem e a indicação das câmaras de arbitragem, a Lei das PPIs, por exemplo, esta-beleceu que os adiantamen-tos dos custos serão arcados pela parte privada.33 Não nos parece adequado transferir o ônus dos custos antecipados do procedimento ao parceiro privado, pois a Administração Pública deve contingenciar verbas para possível arbitra-gem desde quando assina os contratos. Imagina-se a hipó-tese de a Administração Pú-blica solicitar a realização de uma pericia custosa e esta ter que ser assumida pelo parcei-ro privado que não a solicitou. Efetivamente não faz sentido.

O outro ponto refere-se ao credenciamento de Câmaras Arbitrais que será regulado pelo Poder Executivo no que concerne aos contratos fir-mados o âmbito das PPIs (art. 31, § 5º).

Quanto à indicação de ár-bitros deve-se seguir o que está adequadamente regu-lado no capítulo III da LA.34

O árbitro não é um presta-dor de serviços para a Admi-nistração Pública e, portanto, não há falar em procedimento licitatório para indicar árbi-tro. O árbitro exerce jurisdi-ção (é juiz de fato e de direito, dispõe o art. 18 da LA) e ao as-sumir seu mister o faz em prol da solução do conflito e deve decidir a questão de acor-do com o seu convencimento racional motivado, com im-parcialidade e independência (art. 21, º 2º da LA). O árbitro ou o Tribunal Arbitral são ár-bitros das Partes e não atuam a favor ou prestam um serviço para a Administração Pública. Os árbitros, reiteramos, exer-cem jurisdição.

3. Os próximos passos a serem considerados na área da Arbitragem com a Administração PúblicaNo futuro talvez se poderia evoluir para se alargar o âm-bito de abrangência do con-ceito de arbitrabilidade ob-jetiva para todas as áreas de aplicação da arbitragem, tal como se verifica no direito comparado,35 adotando não mais o conceito vinculado ao

32 Por ocasião da tramitação do projeto de lei que alterou a Lei nº 9.307/96 e que redundou na Lei nº 13.129/2015, causou-nos apreensão a ve-dação de utilização da equidade, especialmente em razão das sociedades de economia mista e empresas públicas brasileiras que atuam em mer-cado autorregulados no exterior. Cf nosso artigo Por que criar amarras à arbitragem?, Valor Econô-

mico, 15.08.2014. Disponível em : http://selmale-mes.adv.br/artigos/artigovalor15082014.pdf

33 Note-se que disposição idêntica está regulada na Lei Mineira de Arbitragem (Lei nº 19.477/2011).

34 Quanto à independência e imparcialidade do árbitro cf nosso Árbitro, Conflito de Interesses e

o Contrato de Investidura. In: 20 Anos da Lei de Arbitragem. Homenagem a Petrônio Muniz, CAR-MONA, Carlos Alberto, LEMES, Selma Ferreira e MARTINS, Pedro Batista (coords.). São Paulo: Atlas, 2017, p.271/290.

35 Lei Portuguesa de Arbitragem Voluntária de 2011.

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interesse disponível, mas so-mente utilizando o critério de patrimonialidade. O legis-lador infraconstitucional po-deria assim dispor.

Aliás, não constituiria ne-nhuma novidade no ordena-mento pátrio, pois o art. 852 do Código Civil,36 que trata do compromisso arbitral men-ciona que somente as ques-tões referentes à patrimonia-lidade podem ser dirimidas por arbitragem. Essa peque-na alteração auxiliaria, inclu-sive, a Administração Públi-ca a instituir por lei própria a arbitragem na área tributária, que muito poderia contribuir para diminuir o imenso con-tingente de demandas que sobrelotam as varas de exe-cuções fiscais, tal como pra-ticado em Portugal.

Também se poderia pen-sar em diminuir as potesta-des (prerrogativas) públicas priorizando o equilíbrio con-tratual. Outro ponto seria alargar os poderes dos árbi-tros, inclusive para julgar re-cursos quanto às multas im-postas pela Administração Pública. Enfim, são matérias de lege ferenda, que depen-dem unicamente da conveni-ência da sociedade e de po-liticas públicas, bem como

da Administração Pública em equilibrar o mais possível a relação contratual de certos tipos de contratos públicos, especialmente investimentos em infraestrutura e que pela envergadura e valores envol-vidos demandam cada vez mais conceder simetria nas operações e equiparar-se ao setor privado, com as caute-las inerentes à Administração Pública.

A arbitragem é uma via de mão dupla, sendo de regis-tro que pode interessar à Ad-ministração Pública, no caso de relicitações, zerar passi-vos para, livre de questiona-mentos do antigo parceiro, efetuar uma nova licitação de PPI. Por meio da arbitragem e com o devido contraditó-rio poderá estabelecer as in-denizações a serem pagas ao particular, evitando a judicia-lização de litígios que podem durar décadas e obstaculizar a realização do projeto antigo interrompido.

Não podemos finalizar sem antes trazer alguns dados es-tatísticos colhidos em seis câmaras de arbitragens brasi-leiras (AMCHAM, CAM-CCBC, CAM/CIESP/FIESP, CAM--BOVESPA, CAM/FGV e CA-MARB) para informar que em

2015 do total de arbitragens em curso nas citadas Câma-ras, 4% representavam arbi-tragens com a Administração Pública direta e indireta. Em 2016 essas Câmaras proces-savam 55 arbitragens com o setor público de um total de 609 casos em andamento, re-presentando, portanto, 9% do movimento dessas Câma-ras. Em 2015, os valores en-volvidos em arbitragens eram de R$10 bilhões e, em 2016, foram R$24 bilhões. Os valo-res mais que dobraram e isso se deve, especialmente, às arbitragens com a Adminis-tração Pública.37

Uma observação final quanto aos profissionais que atuam em arbitragem: é sur-preendente verificar, nes-ses quase 21 anos de vigência da Lei de Arbitragem, como a comunidade jurídica brasi-leira respondeu rapidamen-te à demanda existente e se aprimorou na prestação des-ses serviços advocatícios. Hoje, os advogados brasilei-ros estão capacitados a atu-ar em arbitragens domésti-cas e internacionais de mais alto nível. Vislumbramos que em pouco tempo o setor pú-blico também estará plena-mente apto para atuar em

36 Art. 852 – É vedado o compromisso arbitral para solucionar questões de estado, de direito de família e de outros que não tenham caráter estritamente patrimonial.

37 Pesquisa Arbitragem em Valores e Números – 2017. Disponível em: http://selmalemes.adv.br/artigos/An%C3%A1lise-%20Pesquisa-%20Arbitragens%20Ns%20%20e%20Valores%20

_2010%20a%202016_.pdf

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arbitragens, haja vista os es-forços que se verificam jun-to às Escolas das Procurado-rias Estaduais e nas Escolas da Advocacia Geral da União. Observe-se que no caso das sociedades de economia mis-ta, que atuam em áreas inter-nacionais, a utilização da ar-bitragem é pratica assimilada.

A arbitragem envolve uma mudança de mentalidade dos agentes públicos, que devem se pautar pela solução céle-re do confl ito em favor do in-teresse público envolvido que é, preponderantemente, pro-piciar à sociedade estruturas adequadas em aeroportos, ro-dovias, ferrovias e fornecer serviços públicos de qualidade.

Os contratos de Conces-são, PPP e PPI são de lon-ga duração e a utilização dos métodos adequados de solu-ção de conflitos contribuem para a pacificação contra-tual e permite que questões complexas sejam resolvidas por especialistas. Tudo na li-nha da denominada Adminis-tração Pública Consensual38, pautada por resultados.

Finalizando, é importan-te fazer eco das palavras de José Luís ESQUÍVEL em es-tudo específico sobre os con-

tratos administrativos e a ar-bitragem : “No último quartel do século XX, o Estado Pós--Social, traz consigo uma Ad-ministração Pública que opta pela concertação e pela coo-peração com a sociedade ci-vil, para conseguir dar satis-fação a um interesse público cada vez mais diversificado e planeado, cabendo ao contrato administrativo um papel re-forçado na dinâmica que ca-racteriza a atividade admi-nistrativa.”39

38 Cf Diogo F. MOREIRA NETO, Mutações do di-reito administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, 2º, ed., 2002, p. 37/48

39 José Luís ESQUÍVEL, Os contratos adminis-

trativos e a arbitragem, Coimbra, Almedina, 2004, p. 19/20.

* Selma Ferreira LemesAdvogada, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo. Integrou a Comissão Relatora da Lei de Arbi-tragem. Foi membro brasileiro da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Intenacio-nal – CCI.

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1 Nesse sentido: STJ, 1ª Seção, AgR no MS n. 11.308/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09/04/2008, DJe 19/05/2008.

1. IntroduçãoEstá longe de ser uma novidade a possibilidade de se dirimir lití-gios, com a administração pública, por meio de processo arbitral. Mesmo assim, é sempre oportuno escrever sobre o tema, atuali-zando-o do ponto de vista legislativo e jurisprudencial, bem como discorrendo sobre algumas questões práticas que vão surgindo no dia a dia.

Como é sabido, o Estado pode atuar de formas distintas, e, quan-do praticar atividades econômicas, de caráter nitidamente dispo-nível, é até mesmo recomendável que solucione eventual lide na arbitragem, haja vista a celeridade do feito e a expertise do julga-dor. É sempre bom recordar que indisponível é o interesse públi-co, sendo disponível o interesse da Administração.1

Por Leonardo de Faria Beraldo*

Arbitragem com a administração pública

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O Poder Público pode ser parte em arbitragem. Não é correto afirmar, em relação à Administração Pública, que todos os atos por ela prati-cados são indisponíveis. Isso porque, a sua atuação, não se limita apenas à prática de atos de império, pratican-do, também, atos de gestão, consequentemente, disponí-veis.2

Nesse artigo científico pretendo reforçar qual é a base legal para tanto e abor-dar alguns temas que me pa-recem ser relevantes, tais como: confidencialidade, es-colha da câmara, do árbitro e do advogado, espécie de ar-bitragem que pode ser ado-tada, o pagamento das des-pesas, entre outros.

2. Bases legais3 Antes de iniciar esse tópi-co, é importante recordar a existência do Decreto-Lei n. 9.521/1946,4 que cuidou de disciplinar os detalhes do fa-moso Caso Lage,5 e que teve a sua constitucionalidade de-

clarada pelo Supremo Tribu-nal Federal (STF).6

Com efeito, o passo mais importante para a concre-tização no Brasil da arbi-tragem com a administra-ção pública veio com a Lei n. 9.307/96, que, apesar de não ter trazido nenhum disposi-tivo específico sobre a maté-ria, não criou qualquer óbice, haja vista o disposto no seu art. 1º, pelo qual “[a]s pesso-as capazes de contratar po-derão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais dis-poníveis”. Um pouco mais à frente, dentro desse mesmo tópico, mencionarei a recen-te reforma da LA por meio da Lei n. 13.129/2015.

A Lei n. 8.987/95, que dis-põe sobre o regime de con-cessão e permissão da pres-tação de serviços públicos previsto no art. 175 da Cons-tituição da República Fe-derativa do Brasil de 1988 (CF/88), introduziu, no ano de 2015, o art. 23-A, que diz que “[o] contrato de conces-

são poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decor-rentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitra-gem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996”.

A Lei n. 11.079/2004, que institui normas gerais para li-citação e contratação de par-ceria público-privada (PPP) no âmbito da administração pública, estabelece em seu art. 11, III, que “[o] instru-mento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que cou-ber, os §§ 3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever o emprego dos mecanismos privados de resolução de dis-putas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos ter-mos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para diri-

2 Nesse sentido: CARNEIRO, Athos Gusmão et al. Validade de cláusula compromissória inserida em contrato de compra e venda de energia elétri-ca. Direitos patrimoniais disponíveis. Sociedade de economia mista regida pelo direito privado. Descabimento do recurso extraordinário. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 16. São Paulo: RT, 2008, p. 314.

3 Optei por deixar de fora, propositalmente, as seguintes leis: (i) Lei n. 9.472/97 (arts. 93, XV e 120, X); (ii) Lei n. 9.478/97 (art. 43, X); (iii) Lei

n. 10.233/2001 (arts. 35, XVI e 39, XI); (iv) Lei n. 10.438/2002 (arts. 4º, § 5º, V); (v) Lei n. 10.848/2004 (art. 4º, §§ 4º e 5º); (vi) Lei n. 11.668/2008 (art. 4º, XII); (vii) Lei n. 11.909/2009 (arts. 21, XI, 24, III e 48).

4 Confira-se, por exemplo, o seu art. 4º: “[a] União pagará pela incorporação dos bens e direitos es-pecificados no art. 2º uma indenização corres-pondente ao justo valor que ditos bens e direitos tinham na data em que entrou em vigor o Decre-to-lei nº 4.648, de 2 de Setembro de 1942, e o res-

pectivo quantum será fixado pelo Juízo Arbitral a ser instituído de acordo com o disposto no art. 12 do presente Decreto-lei”.

5 Para mais detalhes sobre o caso, confira-se: BE-RALDO, Leonardo de Faria. Curso de arbitragem: nos termos da Lei n. 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014, p. 105-106.

6 Cf. STF, Pleno, AI n. 52.181/GB, Rel. Min. Bilac Pinto, j. 14/11/1973, DJ 15/02/1974.

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mir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato”.

A Lei n. 12.815/2013, que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações por-tuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos ope-radores portuários, além de alterar diversos dispositivos de outras leis, reza, no § 1º do art. 62, que, “[p]ara diri-mir litígios relativos aos dé-bitos a que se refere o caput, poderá ser utilizada a arbi-tragem, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996”. O caput do art. 62 diz que “[o] inadimplemen-to, pelas concessionárias, ar-rendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias no re-colhimento de tarifas por-tuárias e outras obrigações financeiras perante a admi-nistração do porto e a AN-TAQ, assim declarado em de-cisão final, impossibilita a inadimplente de celebrar ou prorrogar contratos de con-cessão e arrendamento, bem como obter novas autoriza-ções”. A propósito, insta sa-lientar que foi editado o Decreto n. 8.465/2015 jus-tamente para regulamentar o aludido § 1º do art. 62 da Lei n. 12.815/2013, para dis-por sobre os critérios de ar-bitragem para dirimir litígios

no âmbito do setor portu-ário. O Decreto disciplina, por exemplo, o que poderá ser objeto da arbitragem (art. 2º), as condições e restri-ções de natureza processu-al e material (art. 3º), informa que a arbitragem poderá ser institucional ou ad hoc (art. 4º), requisitos e limitações da cláusula compromissória (art. 6º), autoriza a celebra-ção de compromisso arbitral, com escopo até mesmo mais amplo do que aquele permi-tido para a cláusula compro-missória (art. 6º, § 2º, II), en-tre outros.

A Lei n. 13.303/2016, que trata do estatuto jurídico da empresa pública, da socie-dade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbi-to da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios, estabelece no pa-rágrafo único do seu art. 12 que “[a] sociedade de eco-nomia mista poderá solucio-nar, mediante arbitragem, as divergências entre acionis-tas e a sociedade, ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários, nos termos previstos em seu es-tatuto social”. Evidentemente que esse dispositivo não ex-clui o uso da arbitragem, tan-to para as sociedades de eco-nomia mista, quanto para as

empresas públicas, nos con-tratos que ambas celebrarem com terceiros. Além de isso já ser um ponto totalmen-te sedimentado na jurispru-dência do Superior Tribu-nal de Justiça (STJ),7 é preciso recordar o leitor o que diz o parágrafo único do art. 41 do Código Civil: “[s]alvo disposi-ção em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas nor-mas deste Código”.

A Lei n. 13.448/2017 esta-belece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria defi-nidos nos termos da Lei no 13.334/2016 (essa lei criou o Programa de Parcerias de In-vestimentos – PPI), nos seto-res rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administra-ção pública federal. O art. 31 dispõe que “[a]s controvér-sias surgidas em decorrência dos contratos nos setores de que trata esta Lei após deci-são definitiva da autoridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais dis-poníveis, podem ser subme-tidas a arbitragem ou a ou-tros mecanismos alternativos de solução de controvérsias”. O § 1º do art. 31 traz uma im-

7 Cf. STJ, 3ª T., REsp n. 904.813/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20/10/2011, DJe 28/02/2012; STJ, 2ª T., REsp n. 612.439/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 25/10/2005, DJ 14/09/2006, p. 299.

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portante informação, mas que não é nova entre nós,8 no sentido de que “[o]s contra-tos que não tenham cláusula arbitral, inclusive aqueles em vigor, poderão ser aditados a fim de se adequar ao dispos-to no caput deste artigo”. An-tes de encerrar, cumpre des-tacar a dupla interpretação que é possível extrair do art. 15, III.9

E falando em licitação, é preciso desmistificar o dog-ma equivocado que existe sobre a adoção de arbitra-gem nas licitações. A impre-cisão à qual estou me refe-rindo diz respeito ao art. 55, § 2º, da Lei n. 8.666/93, que dispõe que “[n]os contratos celebrados pela Administra-ção Pública com pessoas fí-sicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no es-trangeiro, deverá constar ne-cessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6º do art. 32 desta Lei”.10

Já ouvi comentários de que, com base na expressão em destaque acima desse dis-positivo, seria imprescindí-vel que as questões surgi-das fossem todas dirimidas pelo Poder Judiciário. Isso não é correto. A palavra foro está ligada à ideia de terri-tório, logo, basta que a ar-bitragem seja conduzida em cidade onde está localizada a sede da administração li-citante. Como bem destaca-do na doutrina, “o parágra-fo citado do art. 55 da Lei de Licitações não pode, em hi-pótese alguma, ser invocado para sustentar a inviabilida-de da cláusula compromis-sória em contratos adminis-trativos”.11

Por fim, trago a lume à re-forma pela qual passou a Lei n. 9.307/96 no ano de 2015, tendo sido inseridos alguns dispositivos sobre a arbitra-gem com a administração pública, mas que, acima de tudo, serviram ao propósito de reforçar, de uma vez por todas, a constitucionalidade

e a legalidade da arbitragem com a administração públi-ca.12 A Lei n. 13.129/2015 in-seriu os §§ 1º e 2º ao art. 1º e o § 3º ao art. 2º. Nesse instante quero chamar a atenção para apenas dois deles: “[a] admi-nistração pública direta e in-direta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir con-flitos relativos a direitos pa-trimoniais disponíveis” (§ 1º do art. 1º), e, “[a] autorida-de ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de conven-ção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.

Parece-me óbvio, portan-to, que a administração pú-blica pode participar de ar-bitragem sempre que quiser, desde que o direito posto em discussão seja patrimonial e disponível. Chama a atenção, contudo, ainda existir enten-dimento de que, haja vista a existência do princípio da le-galidade, o ente público so-mente poderia participar de arbitragem se existisse au-

8 Cf. STJ, 3ª T., REsp n. 904.813/PR, Rel. Min. Nan-cy Andrighi, j. 20/10/2011, DJe 28/02/2012.

9 Cf. “Art. 15. A relicitação do contrato de par-ceria será condicionada à celebração de termo aditivo com o atual contratado, do qual consta-rão, entre outros elementos julgados pertinen-tes pelo órgão ou pela entidade competente: [...] III - o compromisso arbitral entre as partes com previsão de submissão, à arbitragem ou a outro mecanismo privado de resolução de conflitos ad-mitido na legislação aplicável, das questões que envolvam o cálculo das indenizações pelo órgão

ou pela entidade competente, relativamente aos procedimentos estabelecidos por esta Lei” (grifei). Ora, se se trata de relicitação, e a própria lei diz no seu art. 4º, III, que o contrato em curso será extinto e haverá contratação com novas pessoas, não me parece correto que conste no art. 15, III, a expressão “compromisso arbitral”. Assim, deve-se entender que o que está escrito ali é, na verdade, “convenção de arbitragem”. Por outro lado, se o que o dispositivo está esmiuçando é a relicitação com o mesmo contratante, então está correto o uso da expressão “compromisso arbitral”, o que, nesse caso, se trata de verdadeira arbitragem

compulsória, muito embora o inciso III autorize o uso de “outro mecanismo privado de resolução de conflitos”.

10 Grifei.

11 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e pro-cesso. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 65.

12 A Lei n. 13.129/2015 não modificou a Lei de Ar-bitragem apenas naquilo que toca ao tema desse trabalho. Há outras várias alterações, inserções e até mesmo revogações.

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torização expressa na lei.13

Ora, mesmo antes da refor-ma de 2015 da Lei n. 9.307/96 já era consenso na doutri-na14 e na jurisprudência que a administração pública po-deria levar ao processo ar-bitral a discussão acerca de suas pretensões que versas-sem sobre direitos patrimo-niais disponíveis.

Feita essa abordagem do ponto de vista legislativo, passo à análise de algumas questões práticas e pontuais no que diz respeito ao pro-cesso arbitral.

3. Competência para celebrar convenção de arbitragemNos termos do § 2º do art. 1º da Lei n. 9.307/96, “[a] au-toridade ou o órgão compe-tente da administração pú-blica direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”. O dispositivo é salutar e veio justamente para trazer maior segurança jurídica a todos os

envolvidos, muito embora, para parte da doutrina, não tem redação muito feliz.15 Essa segurança existirá por-que todos os envolvidos na relação contratual poderão saber, de antemão, se a con-venção de arbitragem foi in-serida validamente ou não no certame ou no contrato. Por certo evitará futura alega-ção do ente público no senti-do de que a convenção de ar-bitragem não é válida porque não foi aprovada pela pessoa competente para tanto.

Inicialmente, considero que sempre que existir pre-visão de arbitragem em al-gum edital,16 presumir-se-á que a autoridade competen-te anuiu com dita regra, sal-vo se houver alguma retifi-cação tempestivamente. É recomendável, contudo, que o particular peça esclare-cimentos sobre a validade e viabilidade de se ter conven-ção de arbitragem naque-le caso específico, de modo a evitar desgastes desneces-sários. Nesse instante, cabe

recordar que “[a] Adminis-tração deve anular seus pró-prios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportuni-dade, respeitados os direitos adquiridos”.17

No âmbito federal, de acordo com o art. 1º da Lei n. 9.469/97, “[o] Advogado--Geral da União, diretamen-te ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigen-te estatutário da área afeta ao assunto, poderão autori-zar a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais”. Nas esferas es-taduais e municipais também será preciso observar a nor-ma aplicável.

Por fim, eventuais abusos por parte da administração pública, ao tentar descum-prir a convenção de arbitra-gem, ao argumento de que foi pactuada por pessoa incom-petente, deverão ser pronta-

13 Cf. “Por isso, para que o administrador em-pregue a arbitragem, além de esta estar expres-samente prevista em lei, deverá apontar de forma clara e objetiva a finalidade que pretende alcançar com seu uso (princípio da motivação dos atos ad-ministrativos), sob pena de nulidade” (FLAUSINO, Vagner Vieira Fabricio. A arbitragem nos contratos de concessão de serviços públicos e de parceria pú-blico-privada. Dissertação [Mestrado em Direito]. Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 2014, p. 80).

14 Cf. LEMES, Selma. Arbitragem na administra-

ção pública: fundamentos jurídicos e eficiência econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 111-116.

15 Cf. WALD, Arnoldo; BORJA, Ana Gerdau de. Ar-bitragem envolvendo entes estatais: a evolução da jurisprudência e a Lei n. 13.129, de 26-5-2015. In: Arbitragem: estudos sobre a Lei n. 13.129, de 26-5-2015. Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho e Alexandre Freire (orgs.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 131

16 Thiago Luís Sombra entende ser recomendá-

vel que a cláusula compromissória esteja sempre prevista no edital e na minuta do contrato admi-nistrativo, de modo que as partes tenham mais segurança jurídica e possam, também, estimar melhor os custos que terão, caso algum litígio venha a surgir. Os dados bibliográficos são: SOM-BRA, Thiago Luís. Mitos, crenças e a mudança de paradigma da arbitragem com a administração pública. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 54. São Paulo: Kluwer, abr.-jun./2017, p. 67.

17 Art. 53 da Lei n. 9.784/99. O prazo é de cinco anos, conforme o art. 54 da mesma lei.

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mente repelidos pelo árbitro e pelo Poder Judiciário. Pro-vavelmente, o grande funda-mento para tanto será o ve-nire contra factum proprium. Não desconheço, claro, a au-totutela administrativa, no entanto, ela deve ser exerci-da dentro dos limites consti-tucionais e legais, isto é, sem que haja violação à boa-fé objetiva, confiança legítima e segurança jurídica. Em suma: mesmo diante de algum ví-cio, é preciso fazer uma nova leitura sobre esse poder-de-ver de anular/revogar seus próprios atos. Assim, sem-pre que possível, atos ad-ministrativos, em princípios viciados, deverão ser conva-lidados, desde que possam (e devam) ser aproveitados.

4. Da (des)necessidade de se motivar o ato de escolha de arbitrar a controvérsiaO administrativista José dos Santos de Carvalho Filho afirmou o seguinte: “[c]omo a rescisão do contrato admi-nistrativo, em regra, decor-re de conflitos que envolvem direitos patrimoniais e dis-poníveis, esse tipo de desfa-zimento pode ser soluciona-do por meio da convenção de arbitragem, afastando-se a Administração e o contrata-

do da apreciação do conflito pelo Judiciário. Solução dessa natureza guarda consonância com o princípio da eficiência, permitindo maior celeridade das soluções para os litígios administrativos. Dois aspec-tos devem ser enfatizados. Um deles consiste na neces-sidade de haver motivação da Administração para recor-rer ao instituto, alvitrando sempre o interesse público. O outro reside na observân-cia do princípio da publici-dade, devendo dar-se total transparência aos resultados da arbitragem, exigência, ali-ás, prevista no art. 2º, § 3º, da Lei da Arbitragem”.18

Não é a minha intenção desmerecer a necessidade de se motivar os atos adminis-trativos no caso em tela, en-tretanto, penso que o simples fato de existir em diversas leis específicas a possibili-dade de se utilizar a arbitra-gem, bem como uma previ-são genérica e expressa na Lei n. 9.307/96, já é um fator que fala por si só. Isso porque todos sabem que a arbitra-gem será usada para presti-giar o princípio da eficiência, ou seja, é uma motivação im-plícita. Pode até ser que o responsável queira motivar a sua escolha pela arbitragem em detrimento do Judiciário,

todavia, não se pode preten-der invalidar, por exemplo, um compromisso arbitral as-sinado por quem tenha pode-res para tanto simplesmen-te por falta de motivação. Não bastasse, pode ser que uma cláusula compromissó-ria seja inserida no edital de licitação ou em algum con-trato por insistência ou exi-gência do particular. A ad-ministração pública, por sua vez, por considerar aque-le negócio essencial, assim o faz, mas trata-se de uma es-colha consciente e salutar.

Por outro lado, até mesmo para que a pessoa competen-te para tomar essas decisões possa se proteger, considero que seja importante que haja motivação para o uso da ar-bitragem, após o surgimen-to do conflito, se existir, v.g., precedente vinculante ou ju-risprudência dominante nas cortes superiores em prol da administração pública. Digo isso porque, se o ente públi-co está com grandes chances de êxito em uma demanda ju-dicial, por que é que vai op-tar por um litígio, na via arbi-tral, onde não se sabe, com a mesma intensidade, qual será o deslinde do processo?

Além disso, não se pode perder de vista que a opção pela via arbitral deve repre-

18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, capítulo 5, item XVI, n. 5.4. Nesse sentido: BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Arbitragem e estado: ensaio sobre o litígio adequado. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 45. São Paulo: RT, abr.-jun./2015, p. 160.

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sentar uma escolha cons-ciente e eficiente. Em outras palavras, não se pode pre-tender usar a arbitragem em um litígio – futuro ou já exis-tente – sem nenhuma com-plexidade técnica, jurídica ou patrimonial. Como bem pon-tuado por Gustavo Binenbo-jm19, a escolha pelo uso da arbitragem deve basear-se em dados empíricos, e, não, em ideologias. Esse mesmo professor afirma que a es-colha pela utilização da ar-bitragem pela administração pública possui vantagens em vários campos, como o polí-tico (mostra ao mercado que o Estado acredita em solu-ções adequadas para litígios, ou seja, que acredita em de-cisões proferidas por pesso-as mais técnicas, o que traz maior segurança jurídica) e o econômico (“a medida com-pensa os altos custos com ganhos de tempo e preven-ção de riscos sistêmicos, de-vido à segurança jurídica”).

Enfim, creio que a mensa-gem final que posso deixar nesse tópico é a de que a fal-ta de motivação, em princí-

pio, não invalida a convenção de arbitragem, no entanto, a sua adoção pode ser impor-tante para que o profissional competente não seja injus-tamente acusado no futuro por ninguém, especialmente nos dias de hoje em que vi-vemos, nos quais se declara uma pessoa culpada para, em seguida, com o devido pro-cesso legal, averiguar se isso é mesmo verdade. Não bas-tasse, haja vista o conteú-do do art. 50, I e II, da Lei n. 9.784/99, talvez seja pruden-te sempre exigir a motivação da pessoa responsável ao se decidir utilizar a via arbitral.

5. Espécies de arbitragem que devem ser utilizadasO § 3º do art. 2º da Lei n. 9.307/96 determina que a ar-bitragem que envolva a admi-nistração pública será sem-pre de direito, ou seja, não poderá ser de equidade. Tra-ta-se de uma limitação legíti-ma e prudente, sem motivos para qualquer alarde ou des-confiança. Dito isso, tem-se que numa arbitragem envol-

vendo a administração pú-blica será inválida qualquer previsão para que o árbitro julgue por equidade, deven-do aplicar, obrigatoriamen-te, a lei. Qual lei? Discorrerei sobre isso no item 11.

A arbitragem poderá ser institucional ou ad hoc. Não existe qualquer tipo de proi-bição na legislação analisa-da,21 muito embora o Decreto n. 8.465/2015, que regula-mentou o § 1º do art. 62 da Lei n. 12.815/2013, estabeleça que “[s]erá dada preferência à arbitragem institucional, devendo ser justificada a op-ção pela arbitragem ad hoc” (§ 1º do art. 4º). Particular-mente, sou adepto da arbi-tragem institucional,22 pois já tem um regulamento pronto e bem redigido, e uma equipe de profissionais preparados e acostumados com o procedi-mento. Ademais, justamente pelo fato de a administração pública ser parte, creio que a arbitragem ser conduzida por uma instituição arbitral é algo que dá mais publicidade, transparência e segurança às partes e à sociedade.

19 Há quem entenda que a arbitragem com a ad-ministração pública somente poderia ser utilizada diante da motivação de que o caso precisa de uma decisão célere, ou, então, se for de alta complexi-dade. Os dados bibliográficos são: BONÍCIO, Mar-celo José Magalhães. Arbitragem e estado: ensaio sobre o litígio adequado, p. 161-162.

20 Palestra proferida no II Congresso Internacio-nal CBMA de Arbitragem, no dia 11/08/2017, no

Rio de Janeiro. Trecho extraído de matéria jor-nalística do site ConJur: http://www.conjur.com.br/2017-ago-16/arbitragem-contrato-publico--eficiente-defende-professor-uerj. Acesso dia 17/08/2017.

21 Estou me referindo à legislação federal que analisei nesse artigo científico. Apenas a título exemplificativo, o art. 4º da Lei Mineira de Arbi-tragem (19.477/2011) estabelece o seguinte: “[o]

juízo arbitral, para os fins desta Lei, instituir-se-á exclusivamente por meio de órgão arbitral insti-tucional”.

22 Nesse sentido: SCHMIDT, Gustavo da Rocha. A arbitragem nos conflitos envolvendo a adminis-tração pública: uma proposta de regulamentação. Dissertação (Mestrado em Direito). FGV Direito Rio. Rio de Janeiro, 2016, p. 70.

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6. Ausência de confidencialidade do processo arbitralO § 3º do art. 2º da Lei n. 9.307/96 define que a arbi-tragem que envolva a admi-nistração pública respeitará o princípio da publicidade.23

Não tenho dúvida de que essa publicidade deve ser a mais ampla possível. Isso porque, como diz o jargão ju-rídico, onde a lei não restrin-ge não cabe ao intérprete res-tringir. Para tanto, é preciso que seja bem divulgada a lis-ta de processos que envol-vam a administração pública, e, além disso, seja permitido o acesso aos autos de qual-quer processo arbitral. Esse acesso poderá ser perante a parte ou, até mesmo, o órgão arbitral.

Imaginando que a arbitra-gem certamente será insti-tucional, é preciso ter em mente que as câmaras de ar-bitragem têm as suas limita-ções físicas e pessoais – as-sim como o Judiciário – e, por esse motivo, o interes-

sado em obter certas infor-mações não deve esperar que possa ser atendido do jeito e na hora que quiser. Vou dar dois exemplos: (i) para ter acesso aos autos do proces-so, deverá submeter-se às regras estipuladas pela câ-mara, tais como o horário e o preço da cópia (xerox ou di-gitalização); (ii) somente po-derá assistir a uma audiência se na sala de audiência tiver espaço para tanto.24

Com efeito, como a regra é bastante clara e diz que de-verá respeitar o princípio da publicidade a arbitragem que envolva a administração pú-blica, até mesmo nos pro-cessos arbitrais em que são partes as sociedades de eco-nomia mista será preciso existir essa publicidade.

Por fim, como o princípio da publicidade é aplicado à administração direta e indi-reta por força do art. 37 da CF/88, penso que nem mes-mo uma arbitragem que se passe no exterior, e que es-teja, em tese, protegida pela

confidencialidade (v.g., por causa do regulamento da instituição arbitral), poderia, verdadeira e integralmen-te, ser sigilosa. Qualquer que seja o ente da administração pública que estivesse litigan-do deveria dar publicidade, da existência desse proces-so arbitral, aos cidadãos bra-sileiros, sob pena de violação do art. 37 da CF/88. Assim, a entidade brasileira deve dis-ponibilizar o acesso aos au-tos do processo a toda pes-soa que quisesse ter acesso, desde que, claro, isso se des-se de acordo com as suas re-gras de funcionamento, que, por sua vez, não poderiam violar os princípios da razo-abilidade e da proporcionali-dade.

É claro que, como bem ob-servado na doutrina, e justa-mente porque não existem direitos absolutos no nosso ordenamento jurídico, haverá situações em que o processo arbitral com a administração pública deverá ser sigiloso.25

Aliás, esse é o entendimento

23 Os Regulamentos da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (CAM-FIEP – art. 25) e da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Paraná (ARBITAC – art. 54, § 1º), por exemplo, possuem regras nesse sentido.

24 Em sentido contrário: CARMONA, Carlos Al-berto. Arbitragem e administração pública: pri-meiras reflexões sobre a arbitragem envolvendo a administração pública. Revista Brasileira de Arbi-tragem n. 51. São Paulo: Wolters Kluwer, jul.-ago.--set./2016, p. 20-21.

25 Nesse sentido: “Todavia, tal publicidade não pode ser absoluta, devendo respeitar certos li-mites, tais como os sigilos impostos por lei ou decisão judicial, os segredos industriais e eventu-ais temas afetos à segurança nacional, conforme preconizado pela Lei Federal n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação)” (JUNQUEIRA, André Rodrigues; OLIVEIRA, Mariana Beatriz Tadeu de; SANTOS, Michelle Manaia. Cláusula de so-lução de controvérsias em contratos de parcerias público-privadas: estudo de casos e proposta de redação. Disponível: https://ie.org.br/site/iea-dm/arquivos/cmanoticiaarquivo337.pdf. Acesso:

03/08/2017). Nesse sentido: PIETRO, Maria Syl-via Zanella Di. A arbitragem em contratos admi-nistrativos. Repercussões da nova Lei n. 13.129, de 26.5.15. In: Estudos de direito administrativo em homenagem ao professor Jessé Torres Pereira Jú-nior. Alexandre Freitas Câmara et al. (orgs.). Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 284. O enunciado n. 4 da I Jornada sobre “Prevenção e Solução Extraju-dicial de Litígios”, do Conselho da Justiça Federal (CJF), está nesse mesmo sentido.

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adotado pelo Centro de Arbi-tragem e Mediação da Câma-ra de Comércio Brasil-Cana-dá (CAM-CCBC), que, na sua Resolução Administrativa n. 15/2016, estabeleceu regras de aplicação e interpretação, de seu regulamento, às arbi-tragens que envolvem a ad-ministração pública direta, tendo em vista o princípio da publicidade.26 Também me-rece destaque a Resolução Administrativa n. 09/2014 do CAM-CCBC, onde foram pu-blicados enunciados sobre a matéria, tais como publicida-de, adiantamento das custas pelo particular, f lexibilidade do procedimento e, até mes-mo, a possibilidade de inter-venção de amicus curiae e um modelo de cláusula com-promissória padrão e outra escalonada.

7. Arbitrabilidade objetivaA arbitrabilidade objetiva, como é sabido, diz respei-

to àquilo que pode ser levado para ser resolvido por meio de arbitragem. A própria Lei n. 9.307/96 diz que são os di-reitos patrimoniais disponí-veis.27

É claro que não é possível tentar criar rol exaustivo das hipóteses em que o Poder Público poderá ser parte em processo arbitral. Importan-te, contudo, que se observe a natureza da atividade exerci-da pelo Estado no caso con-creto, para, em seguida, se poder dizer se é ou não ar-bitrável o litígio. A doutrina, aliás, já teve a oportunidade de tentar traçar parâmetros para a avaliação da inarbitra-bilidade objetiva: “as cláusu-las que impliquem em remis-são, transação ou renúncia de direitos de conteúdo pú-blico, como as relativas ao exercício do poder de polícia, do poder impositivo, das ba-ses das tarifas, da disposição do domínio público, de con-trolar a prestação dos servi-

ços concedidos não são ad-mitidos no Juízo Arbitral, por serem enquadrados como di-reito indisponível e como tal insuscetível da solução ex-trajudicial”.28

Na legislação analisada é interessante observar o cui-dado do legislador, em al-gumas ocasiões, em regu-lar esse tema. Para o § 4º do art. 31 da Lei n. 13.448/2017, “[c]onsideram-se controvér-sias sobre direitos patrimo-niais disponíveis, para fins desta Lei: I - as questões re-lacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-fi-nanceiro dos contratos; II - o cálculo de indenizações de-correntes de extinção ou de transferência do contrato de concessão; e III - o inadim-plemento de obrigações con-tratuais por qualquer das partes”. Esse rol me parece exemplificativo.

Já no Decreto n. 8.465/2015, por força do disposto no in-ciso II do § 2º do seu art. 6º,

26 A seguir, o inteiro teor da Resolução: “Artigo 1º - Nos procedimentos arbitrais em que são partes entes da administração pública direta, com o in-tuito de atender ao princípio da publicidade pre-visto no art. 2º, § 3º, da Lei nº 9.307/96, as partes, no Termo de Arbitragem, disporão sobre quais in-formações e documentos poderão ser divulgados e a forma a ser adotada para torná-los acessíveis a terceiros. Parágrafo Único - Tal disposição de-verá considerar os aspectos administrativos do CAM-CCBC e respeitar o sigilo protegido por lei, segredos comerciais, documentos de terceiros, contratos privados com cláusula de confiden-cialidade e matérias protegidas por direitos de propriedade intelectual. Artigo 2º - O Tribunal Arbitral decidirá sobre os pedidos formulados por

qualquer das partes a respeito do sigilo de docu-mentos e informações protegidos por lei ou cuja divulgação possa afetar o interesse das partes. Artigo 3º - O CAM-CCBC poderá informar tercei-ros sobre a existência de procedimento arbitral, a data do requerimento de arbitragem e o nome das partes, podendo inclusive disponibilizar es-ses dados no site do CAM-CCBC. Parágrafo 1º - O CAM-CCBC não fornecerá documentos e demais informações a respeito do procedimento. Pará-grafo 2º - As audiências do procedimento arbitral serão reservadas às partes e procuradores, obser-vado o disposto pelas partes no Termo de Arbi-tragem. Artigo 4º - Toda e qualquer informação complementar ou fornecimento de documentos, observados os limites legais e o disposto no Ter-

mo de Arbitragem, serão de competência da parte no procedimento arbitral que integra a adminis-tração pública direta, consoante a legislação que lhe é aplicável”.

27 Mais detalhes sobre isso, confira-se: BERAL-DO, Leonardo de Faria. Curso de arbitragem, p. 12-18.

28 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de Mattos. Contrato administrativo e a lei de arbitragem. Disponível no site: http://www.gomesdemat-tos.com.br/artigos/o_contrato_administrati-vo_e_a_lei_de_arbitragem.pdf. Acesso no dia 04/11/2012.

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as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos não podem ser ob-jeto de cláusula compromis-sória, podendo, todavia, ser alvo de compromisso arbi-tral. Em outras palavras, nas controvérsias dessa nature-za, só haverá arbitragem se, após o seu surgimento, todas as partes envolvidas assim desejarem. A meu ver, trata--se de uma desconfiança da União, para com o instituto da arbitragem, na resolução desse tipo de conflito. Esse é um típico exemplo de cláu-sula compromissória parcial, pois não vincula todo o con-trato ao juízo arbitral. Veja, o direito é disponível, mas, se uma das partes não qui-ser incluí-lo no bojo da dita cláusula – seja por lei, seja pela autonomia privada – não há óbice algum.

A Lei n. 11.079/2004, por sua vez, foi bastante genéri-ca e permissiva nesse ponto, pois consentiu com o empre-go da arbitragem para “para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato” (art. 11, III). O mesmo se pode

dizer da Lei n. 8.987/95, que, por intermédio de seu art. 23-A, não traz qualquer limi-tação expressa para a jurisdi-ção arbitral.

Por fim, preciso deixar re-gistrado o fato de a doutrina brasileira já estar defenden-do o cabimento da arbitra-gem para a resolução dos lití-gios de natureza tributária.29

8. Sede da arbitragemA Lei n. 13.448/2017 (§ 3º do art. 31), o Decreto n. 8.465/2015 (art. 3º, III), a Lei n. 11.079/2004 (art. 11, III) e a Lei n. 8.987/1995 (art. 23-A) exigem que a arbitragem ocorra no Brasil. É possível que essa exigência tenha sido estabelecida por diversas ra-zões, tais como: (i) comodi-dade; (ii) maior confiança no Judiciário brasileiro, caso seja necessária a sua intervenção, em especial, numa eventu-al ação anulatória de senten-ça arbitral; e, (iii) economia. É possível, também, que tal dispositivo tenha sido inseri-do nas ditas normas sem ne-nhuma justificativa plausível, mas, simplesmente, para co-piar o que o legislador brasi-

leiro já vinha fazendo desde o ano de 1995.

Deixando de lado a discus-são sobre o acerto ou o de-sacerto desses dispositivos, o fato é que, fora do con-texto e do âmbito das situa-ções disciplinadas por essas leis,30 a administração públi-ca poderá participar de pro-cesso arbitral fora do Brasil, tendo em vista que a Lei n. 9.307/96 não possui regra-mento sobre o local da arbi-tragem para o ente público. Nesses casos, o cuidado que se deve ter é no tocante a al-guns limites que podem exis-tir, tais como o idioma, a pu-blicidade e a lei aplicável.

9. Idioma a ser utilizado no procedimento arbitralReza o art. 224 do CC que “[o]s documentos redigidos em língua estrangeira se-rão traduzidos para o portu-guês para ter efeitos legais no País”.

Também é importante re-cordar que a arbitragem pre-cisa ser pública. A meu ver, uma arbitragem em outro idioma não terá o condão de satisfazer essa exigência

29 Cf. ESCOBAR, Marcelo Ricardo. Arbitragem tributária no Brasil. São Paulo: Almedina, 2017, p. 300-302; MONTEIRO, Alexandre Moraes do Rêgo; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Direito tributário e arbitragem: uma análise da possibilidade e dos óbices ao juízo arbitral em matéria tributária no Brasil. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 23. São Paulo: RT, 2009, p. 87-88;

VALENTE, Larissa Peixoto. A aplicabilidade dos meios alternativos de solução de conflitos no direi-to tributário. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade da Bahia. Salvador, 2016, p. 226. Defendendo a possibilidade do uso de meios extrajudiciais de solução de con-trovérsias no direito tributário, mas sem ser es-pecífico quanto à arbitragem, confira-se: GRILLO,

Fabio Artigas. Transação e justiça tributária. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2012, p. 280.

30 E outras que, por ventura, posso ter me es-quecido de citar, e que tenham feito essa menção expressa sobre o local da arbitragem.

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constitucional (art. 37) e le-gal (§ 3º do art. 2º). É claro que se se pensar numa arbi-tragem em inglês ou espa-nhol, poucas pessoas recla-mariam, no entanto, diante das centenas de idiomas ofi-ciais existentes no mundo, é recomendável que se tenha essa cautela.

Em razão desses disposi-tivos, bem como do dispos-to em algumas das leis ana-lisadas no item 2,31 penso que toda arbitragem conduzida no Brasil deve ser em portu-guês. Caso a parte contrária queira, poderá ser bilíngue, muito embora isso possa im-portar no aumento dos cus-tos para a administração pu-blica.

10. Escolha da Câmara de ArbitragemA possibilidade de escolha de uma câmara de arbitra-gem sem licitação é um de-bate que, certamente, ainda vai durar muitos anos, pois é um tema novo, polêmico e subjetivo. De um lado, de-

fende-se a possibilidade de contratação de uma câma-ra de arbitragem por inexibi-lidade, com fulcro no art. 25 da Lei n. 8.666/93, e, de ou-tro, a necessidade de se rea-lizar certame para, ao mesmo tempo, prestigiar a concor-rência/igualdade e encon-trar o prestador de serviço com o melhor custo/benefí-cio para a administração pú-blica.

Nesse ponto, cabe formu-lar o seguinte questionamen-to: existe uma diferença tão grande assim, entre as prin-cipais instituições arbitrais, a ponto de justificar a contra-tação por inexigibilidade de licitação? Seria, de fato, in-viável a competição entre as mais conhecidas câmaras de arbitragem para a prestação desse serviço técnico? Na doutrina já existem posicio-namentos favoráveis à con-tratação por inexigibilidade de licitação,32 com os funda-mentos de que seria um ser-viço muito técnico, especí-fico e relevante, e que o art.

25 da Lei n. 8.666/93 lis-ta um rol meramente exem-plificativo. Fala-se, até mes-mo, em violação ao princípio da autonomia da vontade, já que o processo licitatório se-ria todo conduzido, unilate-ralmente, por uma das partes do processo arbitral, in casu, a administração pública.33

Gustavo Fernandes de An-drade anota que existem três correntes doutrinárias sobre o tema, quais sejam, (i) ine-xigibilidade de licitação, (ii) credenciamento de câmaras de arbitragem perante o ente público, mediante o estabe-lecimento de requisitos pré-vios, e (iii) a não incidência da Lei de Licitações, uma vez que esse não seria uma espé-cie de contratação adminis-trativa acobertada pela refe-rida lei.34 A segunda opção é a preferida do autor; e eu con-cordo com ele.

Não obstante os posiciona-mentos citados serem muito bem fundamentos, é possí-vel que, no futuro, sejam rea-lizadas licitações, mas com a

31 Entre eles, confiram-se: § 3º do art. 31 da Lei n. 13.448/2017; art. 3º, III, do Decreto n. 8.465/2015; art. 11, III, da Lei n. 11.079/2004; art. 23-A da Lei n. 8.987/1995.

32 Cf. SCHMIDT, Gustavo da Rocha. A arbitragem nos conflitos envolvendo a administração pública: uma proposta de regulamentação. Dissertação (Mestrado em Direito). FGV Direito Rio. Rio de Ja-neiro, 2016, p. 71. Nesse sentido: JUNQUEIRA, An-dré Rodrigues; OLIVEIRA, Mariana Beatriz Tadeu de; SANTOS, Michelle Manaia. Cláusula de solução

de controvérsias em contratos de parcerias públi-co-privadas, p. 307.

33 Cf. “Em última instância, a utilização do pro-cesso licitatório para escolha de Câmara Arbitral fere o princípio maior da arbitragem, qual seja, a autonomia da vontade das partes. O responsável por realizar o procedimento licitatório é o próprio Estado, sendo, portanto, um ato unilateral e não fruto de uma convergência de interesses. O parti-cular iria, sem participação, apenas aderir à esco-lha da Câmara selecionada pelo ente estatal, o que

não nos parece acertado” (SOARES, Carlos Henri-que Soares; LIMA, Daniela Silva; TOLEDO, Luciana Aguiar S. Furtado de. (Des)necessidade de proces-so licitatório para escolha de câmara arbitral. Re-vista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 58, p. 44-49, set./dez. 2012. Disponível em: http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/1578/1685. Acesso em 07/08/2017).

34 Cf. ANDRADE, Gustavo Fernandes de. Arbitra-gem e administração pública, p. 447-448.

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exigência de requisitos míni-mos bem severos, tais como tempo de funcionamento, experiência com processos arbitrais dessa natureza, re-gulamento sem aberrações, corpo de árbitros com pro-fissionais de renome (prefe-rencialmente, que não seja uma lista fechada) e, claro, valores que não sejam con-siderados estratosféricos.35 Isso porque há algumas ins-tituições de arbitragem que prestam excelentes serviços, e, diante da necessidade de se prestigiar a livre concor-rência e a igualdade de opor-tunidades, bem como de se buscar o melhor custo/be-nefício para a administração pública, seria preciso que o certame fosse realizado. Outro aspecto que deve ser tratado é o da forma de es-colha da instituição de arbi-tragem. Essa, em princípio, é uma decisão que deve ser to-mada consensualmente pelos contratantes, no entanto, na arbitragem com a adminis-tração pública tem surgido vozes no sentido de que ca-beria ao ente público a prer-rogativa de determinar, assim

que surgisse o litígio, qual seria o centro de arbitragem responsável por administrar o processo arbitral.36 Não me parece seja essa uma alterna-tiva que atenda aos interes-ses de todas as partes. Caso o mercado da arbitragem cres-ça, seria possível imaginar a criação de uma câmara de ar-bitragem, com lista fechada de árbitros, e cujos membros teriam uma visão do Direi-to mais voltada para os inte-resses da administração pú-blica.37 Isso, por certo, é ruim para o particular e para o di-reito arbitral.

Sobre o momento mais oportuno para a escolha da entidade que administra-rá o feito, existem opini-ões em sentidos opostos. Há quem ache que é melhor ape-nas quando surgir o litígio, pois assim será possível sa-ber qual centro arbitral está trabalhando melhor naque-le momento.38 Em contrapar-tida, deixar a cláusula com-promissória vazia seria mais um problema que teria de ser solucionado caso as partes entrassem em desacordo.39 Penso que essa última alter-

nativa é a mais adequada, pe-los mesmos motivos apre-sentados pelo autor.

Por fim, concordo com Carlos Alberto Carmona40 quando ele afirma ser erra-do excluir a possibilidade de órgãos arbitrais, sediados no exterior, de cuidar das arbi-tragens envolvendo a admi-nistração pública. Com toda certeza, em algumas situ-ações, o contrato somen-te será celebrado se ambas as partes estiverem seguras quanto ao local no qual even-tual litígio será dirimido, e, se uma das partes for estran-geira, é provável que ela se sinta mais tranquila se for es-colhida uma entidade sedia-da em local neutro ou, então, que não tenha sede no país com quem está contratando. A Corte Internacional de Ar-bitral da Câmara de Comér-cio Internacional (CCI), por exemplo, tem sede em Paris e administra arbitragens no Brasil.

Resumindo, há muito ainda o que evoluir sobre as ques-tões apresentadas nesse tó-pico. Sou contra a realização de licitação aberta a qualquer

35 Evidentemente que, se o ente público preten-der pagar muito menos do que a instituição de arbitragem geralmente cobra, o certame ficará vazio, uma vez que os principais órgãos arbitrais não terão interesse em participar.

36 Cf. JUNQUEIRA, André Rodrigues; OLIVEIRA, Mariana Beatriz Tadeu de; SANTOS, Michelle Ma-

naia. Cláusula de solução de controvérsias em con-tratos de parcerias público-privadas, p. 305.

37 Nesse sentido: CARMONA, Carlos Alberto. Ar-bitragem e administração pública, p. 10.

38 Cf. JUNQUEIRA, André Rodrigues; OLIVEIRA, Mariana Beatriz Tadeu de; SANTOS, Michelle Ma-

naia. Cláusula de solução de controvérsias em con-tratos de parcerias público-privadas, p. 305.

39 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e administração pública, p. 10.

40 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e administração pública, p. 10-11.

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entidade, pois, com toda cer-teza, aparecerão centros ar-bitrais desprovidos de qual-quer experiência e seriedade nesse ramo. Além do mais, não me parece eficiente gas-tar dinheiro para a realiza-ção de um certame para uma contratação futura e incer-ta. Por outro lado, é preciso criar algum mecanismo que esteja em consonância com os princípios da moralida-de, impessoalidade e eficiên-cia quando chegar o momen-to de escolha da câmara de arbitragem, isto é, quando o conflito já estiver instaurado.

11. Solução prática para a cláusula compromissória vazia ou patológicaCaso as partes estejam dian-te de cláusula compromissó-ria vazia ou patológica, e não consigam chegar a um con-senso em torno de como pre-enchê-la ou corrigi-la, será preciso que a parte interessa-da dê início ao procedimen-to judicial do art. 7º da Lei n. 9.307/96, sobre o qual já tive a oportunidade de escrever an-teriormente com detalhes.41

Uma solução prática bas-tante interessante que ocor-reu recentemente foi a de uma empresa que requereu a instalação de procedimen-to arbitral em face do Muni-cípio de Itú, não obstante a existência de cláusula com-promissória vazia no contra-to de concessão. Diante da inércia do município, ingres-sou em juízo com a ação do art. 7º e requereu tutela de urgência para que pudesse dar continuidade no procedi-mento arbitral, que foi pron-tamente deferida. Ao final, o pedido foi julgado proceden-te, confirmando-se a liminar deferida, ao fundamento de que não existia nenhum ar-gumento técnico que justifi-casse o afastamento da insti-tuição arbitral escolhida pelo autor, in casu, era a Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil (CAMARB).42

Caso a administração pú-blica seja vencida, será pre-ciso aplicar o disposto no art. 496 do CPC, que ver-sa sobre a remessa necessá-ria, mas que não será aplicá-vel quando for parte apenas

sociedade de economia mis-ta ou empresa pública, ex vi do art. 496, I, do CPC. Recor-do, todavia, que, essa regra geral do reexame necessário comporta exceções legais, como se extrai dos §§ 3º e 4º do dispositivo em comen-to. De modo a imprimir maior celeridade no deslinde dessa ação de instituição de arbi-tragem, talvez seja salutar a pactuação prévia de negócio jurídico processual, com ful-cro no art. 190 do CPC, pelo qual a administração públi-ca renunciaria, previamente, o seu direito ao reexame ne-cessário. Imagino, contudo, que esse negócio poderá vir a ser ignorado pelo juiz toga-do, justamente por entender que versa sobre direito que não admita autocomposição.

Por derradeiro, apesar de os entes públicos esta-rem respeitando as cláusulas compromissórias das quais são signatários (a União vem sendo bastante assídua),43 é válida e eficaz a inserção de cláusula penal no contrato para o caso de retardamen-to injustificado,44 de qual-

41 Cf. BERALDO, Leonardo de Faria. A ação do art. 7º da lei 9.307/96 e a inexistência de efeito suspensivo ope legis da apelação. In: A reforma da arbitragem. Leonardo de Campos Melo e Renato Resende Beneduzi (coords.). Rio de Janeiro: Fo-rense, 2016, p. 325-337.

42 Para fins de consulta, os dados do processo são: 3ª Vara Cível da comarca de Itú (SP), Processo digital n. 1005577-98.2016.8.26.0286, Juiz Fernan-

do França Viana, j. 19/04/2017.

43 Confiram-se dois exemplos de processos ju-diciais nos quais a União, em sede de preliminar, pediu a extinção da ação, por falta de interesse de agir do autor, ao fundamento de que existe cláusula compromissória no Estatuto da Petro-brás (art. 58). Em ambos a preliminar foi acolhida e o feito foi extinto sem apreciação do mérito: (i) Juizado Especial Federal Cível Santo André, 26ª

Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, Pro-cesso n. 0005413-11.2015.4.03.6317, Juíza Valeria Cabas Franco, j. 08/7/2016; (ii) 2ª Vara Federal de Joinville, Processo n. 5009846-10.2015.4.04.7201/SC, Juiz Paulo Cristóvão de Araújo Silva Filho, j. 02/03/2016.

44 No contrato de PPP ente o Estado de Minas Gerais e a empresa particular (Minas Arena) que administra o estádio de futebol Mineirão há uma

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quer das partes, em iniciar o procedimento arbitral (em caso de cláusula cheia) ou de, pelo menos, começar a ação do art. 7º da Lei n. 9.307/96 (se a cláusula for vazia ou pa-tológica).

12. Escolha do árbitroO árbitro deverá ser escolhi-do pelas partes em igualdade de condições e com base nas exigências contidas na Lei n. 9.307/96, quais sejam, deve ser pessoa capaz,45 da con-fiança das partes, imparcial, independente e competen-te. Carlos Alberto Carmona, com razão, recorda que o ár-bitro escolhido deve conhe-cer o idioma a ser adotado no procedimento, bem como a lei aplicável.46

Sobre a ideia apresentada na doutrina de que na cláu-sula compromissória sejam inseridas informações míni-mas ou básicas sobre o cur-rículo e perfil do candidato a ser árbitro em futuro lití-gio,47 entendo que, apesar de

parecer uma ótima sugestão, pode ser um problema e até mesmo um dificultador, sen-do base para impugnações de árbitro, e delongando, mais ainda, o início do processo.

Também deve-se descar-tar qualquer sugestão de que seja preciso realizar licita-ção para a escolha do árbi-tro, uma vez que ele não está a serviço exclusivo da admi-nistração pública.48 O contra-to para a prestação de servi-ços de árbitro não pode ser enquadrado dentro do con-trato administrativo típico. Na verdade são as partes en-volvidas que contratam o ár-bitro, e, muitas vezes, com base na lista de árbitros da câmara de arbitragem. Caso a arbitragem seja ad hoc, é possível o uso da carta convi-te ou mesmo da contratação por inexigibilidade de licita-ção.49 É preciso lembrar, ain-da, que, caso se decida por realizar licitação para a es-colha do árbitro, haverá uma demora injustificada, contrá-

ria ao escopo da arbitragem, e que atenta contra o princí-pio da eficiência. Não se pode olvidar, igualmente, que o ár-bitro deve ser de confiança das partes, logo, numa licita-ção, é possível que um candi-dato, que não preencha esse requisito legal, vença o cer-tame.

Quanto à possibilidade de escolha do árbitro, unilate-ralmente, pela administra-ção pública, confesso que não tenho conhecimento de ne-nhum caso concreto no Brasil, até o presente momento, de lei, convenção de arbitragem ou regulamento de câmara de arbitragem que determi-ne que a escolha do árbitro deve se dar apenas pelo ente público. Caso surja, por cer-to, representará séria viola-ção ao princípio da igualda-de das partes, que é um dos pilares da arbitragem, e está, expressa e implicitamente, consagrado no § 2º do art. 21 e no § 1º do art. 13 da Lei n. 9.307/96, respectivamente.

cláusula no seguinte teor: “art. 39.6. Sem prejuízo da ação de execução específica prevista no art. 7° da Lei Federal n° 9.307/96, a parte que recusar a assinatura do compromisso arbitral, após devida-mente intimada, incorrerá na multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de atraso, até que cumpra efetivamente a obrigação. A multa ficará sujeita a reajuste periódico, na mesma data e pelo mesmo índice aplicável à parcela variável que compõe a remuneração da concessionária”. Fonte: http://www.ppp.mg.gov.br/images/do-cumentos/Projetos/concluidos/Mineirao/Con-trato_PPP_Mineir%C3%A3o_Final_assinado.pdf. Acesso no dia 07/08/2017.

45 É consenso na doutrina brasileira que o ár-bitro deve ser pessoa natural, não obstante haja entendimento solitário em sentido contrário, isto é, admitindo que pessoa jurídica possa exercer a função de árbitro: SOMBRA, Thiago Luís. Mitos, crenças e a mudança de paradigma da arbitragem com a administração pública, p. 67.

46 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e administração pública, p. 12-14.

47 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e administração pública, p. 14.

48 Nesse sentido: ANDRADE, Gustavo Fernandes de. Arbitragem e administração pública, p. 445; SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em contra-tos administrativos, p. 279.

49 Nesse caso, será preciso instaurar proces-so administrativo a fim de aferir a inexibilidade de licitação para a contratação do árbitro, e, até mesmo, da câmara de arbitragem. Esse é o enten-dimento de: SOMBRA, Thiago Luís. Mitos, crenças e a mudança de paradigma da arbitragem com a administração pública, p. 65.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 77Doutrina

Apenas a título de curiosi-dade, no art. 7.3 do Regula-mento da London Court of In-ternational Arbitration (LCIA) do ano de 2014 há um dispo-sitivo sobre indicação de ár-bitro ou presidente de tribu-nal arbitral por apenas uma das partes, mas que não se restringe à administração pú-blica, ou seja, vale até mesmo numa arbitragem entre parti-culares: “[i]n the absence of written agreement between the Parties, no party may uni-laterally nominate a sole ar-bitrator or presiding arbitra-tor”. Veja que a regra geral é a da nomeação conjunta, entre-tanto, admite-se a validade de instrumento escrito as par-tes que autorize a indicação unilateral. Na única doutrina que encontrei sobre o referi-do art. 7.3 existe uma singe-la explicação sobre ele,50 se-guida de advertência de que o dispositivo poderá criar certos obstáculos em algumas juris-

dições.51 Pelo que pude perce-ber, esse acordo escrito para escolha unilateral de árbitro só será válido diante da omis-são de uma das partes em es-colher o seu coárbitro, logo, o coárbitro indicado pela parte passará a ser árbitro único do processo arbitral.

Concluindo, considero que o árbitro não pode ter relação de proximidade (cf. arts. 144 e 145 do CPC) com o primeiro es-calão do ente público envolvi-do na arbitragem, tais como o Presidente da República (e seu vice), os Ministros de Estado, o Governador (e seu vice), os Secretários de Estado, o Pre-feito (e seu vice), os Secretá-rios Municipais, o Advogado--Geral da União, dos Estados e dos Municípios, o presidente da empresa (e seus diretores), os responsáveis pela área de contratos e licitações, o res-ponsável por firmar acordos e transacionar, entre outros. A propósito, a doutrina tem en-

tendido que o fato de um ad-vogado já ter advogado contra a administração pública, por si só, não seria motivo suficiente para impedi-lo de ser nomea-do árbitro em processo contra ela.52

13. Lei aplicávelNão há consenso na doutrina sobre a validade de se pactu-ar a aplicação de uma lei, que não seja a brasileira, para a resolução de um litígio sub-metido à arbitragem.

A única harmonia que exis-te, atualmente, é a de que é inválida qualquer cláusu-la que permita que o árbitro possa julgar o processo arbi-tral, que envolva a adminis-tração pública, por equidade, haja vista o disposto no § 3º do art. 2º da Lei n. 9.307/96.

Entre aqueles que enten-dem que sempre deve ser aplicada a lei brasileira, des-taco: Beatriz Lancia Noronha de Oliveira,53 Carlos Alberto

50 Os doutrinadores afirmam que se trata de dis-positivo que substituiu o art. 5.6 do Regulamento de 1998, entretanto, a meu sentir, ambos disciplinam temas completamente distintos. Para o leitor tirar a prova, confira-se a seguir a redação do art. 5.6: “[i]n the case of a three-member Arbitral Tribunal, the chairman (who will not be a party-nominated arbitrator) shall be appointed by the LCIA Court”. Foi dito, ainda, que esses acordos escritos são ex-tremamente raros e que ocasionalmente surgem na seara dos “shipping-related contratcs”, e que o requerente somente teria direito de indicar, uni-lateralmente, o árbitro único, ou o presidente do tribunal arbitral, se o requerido não cumprisse o seu dever de indicar dentro do prazo estabelecido. Observe-se, portanto, que esse ato unilateral seria

uma espécie de sanção diante da omissão de uma das partes. Analisando-se a situação sob a ótica da pena pelo descumprimento do prazo, entendo que a circunstância perde, sobremaneira, a gravidade acima apontada. Aliás, o art. 17 do English Arbitra-tion Act de 1996 é nesse sentido, em especial o seu item (2). Essa pena pelo descumprimento do prazo é, sem dúvida, um tema que merece ser aprofun-dado. Apenas a título exemplificativo, está certo permitir que uma parte indique, sucessivamente, para ser árbitro, pessoas que ela mesma sabe que estariam impedidas de atuar? Qual deveria ser a pena para esse abuso de direito?

51 Cf. “Such agreements are now expressly en-dorsed by the new Article 7.3 but they may never-

theless face obstacles in some seats and upon en-forcement in certain jurisdictions” (WADE, Shai; CLIFFORD, Philip; CLANCHY, James. A commen-tary on the LCIA Arbitration Rules 2014. London: Sweet & Maxwell, 2015, n. 7-010, p. 95).

52 Cf. BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Arbi-tragem e estado: ensaio sobre o litígio adequado. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 45. São Paulo: RT, abr.-jun./2015, p. 172.

53 Cf. OLIVEIRA, Beatriz Lancia Noronha de. A arbitragem nos contratos de parceria públi-co-privada. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2012, p. 99-100.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201778 Doutrina

de Salles,54 Dennys Zimmer-mann,55 Gustavo Fernandes de Andrade56 e Marcus Vini-cius Armani Alves57. O argu-mento utilizado por todos é quase o mesmo, qual seja, o de que, haja vista o princí-pio da legalidade (art. 37 da CF/88), pelo qual a adminis-tração pública deve sempre se curvar e obedecer a lei, somente a lei brasileira po-deria ser adotada. Haveria, pois, uma indisponibilidade normativa.

Por outro lado, justamen-te porque a Lei n. 9.307/96 permite que as partes pos-sam escolher as regras de di-reito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costu-mes e à ordem pública (§ 1º do art. 2º), há quem entenda que, mesmo nas causas arbi-

trais em que a administração pública seja parte, será válida a adoção de lei estrangeira,58 como, por exemplo, Lauro da Gama e Souza Junior.59 Esse autor, aliás, vai além e defen-de a possibilidade de se apli-car o direito estrangeiro nas arbitragens que versem so-bre PPP.60 Ana Carolina Shi-moishi Sung também pen-sa ser lícita e válida a escolha de lei estrangeira para as ar-bitragens com a administra-ção pública, ante a inexistên-cia de violação de soberania, e asseverando que o entendi-mento contrário é conserva-dor e não condiz com a reali-dade e o contexto atuais.61

Há, ainda, doutrinadores que, apesar de alertar para o fato de que a arbitragem com a administração pública não pode ser de equidade, por se

tratar de um ente adstrito ao princípio da legalidade, bem como do § 3º do art. 2º da Lei n. 9.307/96, não emitem opi-nião expressa sobre a valida-de de se adotar lei estrangei-ra no processo arbitral.62

Por outro lado, destaco que Selma Lemes, apesar de não ter apresentado opinião ex-pressa sobre o tema, defen-dia, antes da reforma do ano de 2015 da Lei n. 9.307/96, que a arbitragem com entes públicos poderia ser de equi-dade, e que isso não repre-sentaria qualquer violação ao princípio da legalidade.63 Dito isso, imagino que a sua opi-nião seja no sentido de per-mitir o uso do direito estran-geiro, salvo diante de vedação expressa.

À guisa da conclusão, te-nho como pertinente a ad-

54 Cf. SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em contratos administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 265.

55 Cf. ZIMMERMANN, Dennys. Alguns aspectos sobre a arbitragem nos contratos administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à Justiça: por uma nova concepção do que seja in-teresse público. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 12. São Paulo: RT, 2007, p. 91.

56 Cf. ANDRADE, Gustavo Fernandes de. Arbi-tragem e administração pública: da hostilidade à gradual aceitação. In: A reforma da arbitragem. Leonardo de Campos Melo e Renato Resende Be-neduzi (coords.). Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 442.

57 Cf. ALVES, Marcus Vinicius Armani. A Fazenda Pública na arbitragem. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2016, p. 124-125.

58 Nesse sentido parece ser o enunciado n. 4 da I Jornada sobre “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios” do Conselho da Justiça Federal (CJF): “[n]as arbitragens envolvendo a Administração Pública, é permitida a adoção das regras interna-cionais de comércio e/ou usos e costumes aplicá-veis às respectivas áreas técnicas”.

59 Cf. SOUZA JÚNIOR, Lauro da Gama e. Sinal verde para a arbitragem nas parcerias público--privadas (a construção de um novo paradigma para os contratos entre o estado e o investidor privado). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 241, p. 153, jul. 2005. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43331>. Acesso: 04/.08/2017.

60 Cf. SOUZA JÚNIOR, Lauro da Gama e. Sinal verde para a arbitragem nas parcerias público--privadas..., cit., p. 153-154.

61 Cf. SUNG, Ana Carolina Shimoishi. Possibilida-

de de escolha de legislação estrangeira para reger arbitragens internacionais envolvendo a adminis-tração pública. In: Direito e arbitragem: estudos acadêmicos. Cláudio Finkelstein (org.). Belo Hori-zonte: Arraes, 2016, p. 102-103.

62 Entre eles, confiram-se: AMARAL, Paulo Oster-nack. Arbitragem e administração pública: aspectos processuais, medidas de urgência e instrumentos de controle. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 41; CAR-VALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, capítulo 15, item III, n. 8; PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. A arbitragem em contratos administrativos. Repercussões da nova Lei n. 13.129, de 26.5.15. In: Estudos de direito administrativo em homenagem ao professor Jessé Torres Pereira Júnior. Alexandre Freitas Câmara et al. (coords.). Belo Hori-zonte: Fórum, 2016, p. 283-284; SCHMIDT, Gustavo da Rocha. A arbitragem nos conflitos envolvendo a administração pública, p. 46-47.

63 Cf. LEMES, Selma. Arbitragem na administra-ção pública, p. 279-281.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 79Doutrina

vertência tecida por André Chateaubriand Martins, para quem “a escolha de lei es-trangeira, embora não seja vedada, deve passar pelo cri-vo da ordem pública em seu primeiro nível, na medida em que a lei aplicável à celebra-ção do contrato administra-tivo não pode ser substituída por outra que busque afastar seu comando sem justifica-tiva baseada na conexão es-treita da relação jurídica com a lei escolhida. Como já ana-lisado em estudo específico sobre o tema da ordem pú-blica, caso identificada a in-tenção das partes de frau-dar a lei brasileira ou, ainda, caso, mesmo sem dolo, a es-colha da lei estrangeira viole a ordem pública, os próprios árbitros devem, com base no art. 2º, § 1º, da LBA, afastar a incidência da lei estrangeira para aplicação da lei nacio-nal”.64

Com efeito, considero que, sempre que a lei não deter-minar que a arbitragem de-verá ser com base na legis-lação brasileira, será lícito à administração pública ado-tar lei estrangeira, haja vis-ta o disposto no § 1º do art. 2º da Lei n. 9.307/96, e des-de que seja consenso de todas

as partes envolvidas. Atenção porque julgar com base na lei de outro país é muito diferen-te de se julgar por equidade, ou seja, o emprego de lei es-trangeira no processo arbi-tral faz, dele, um julgamento de direito (e, não, de equida-de), estando, pois, em conso-nância com a vontade do le-gislador (§ 3º do art. 2º da Lei n. 9.307/96). É claro que a violação à ordem pública ou aos bons costumes consistiria em hipótese de ineficácia da lei escolhida, porém, acredi-to que, na prática, adotando--se a legislação de países eu-ropeus e dos Estados Unidos, dificilmente isso ocorrerá.

É interessante observar o que foi dito por Ana Caro-lina Shimoishi Sung: “Em-presas Estatais teriam au-tonomia para escolher qual legislação é mais benéfica para a solução de seu litígio. Muitos autores têm dificul-dade de imaginar situações em que isso pode beneficiar Empresas Estatais, mas tudo depende de uma análise do caso concreto. Diversos são os cenários em que a escolha de uma legislação estrangei-ra a ser aplicada no procedi-mento arbitral resultaria em vantagens para a parte brasi-

leira”.65 A autora está correta, todavia, quero acrescentar que, numa relação contra-tual, nem sempre uma úni-ca parte terá todas as cláu-sulas redigidas da forma que melhor lhe aprouver. Em ou-tras palavras, dependendo do cenário e do mercado, vale mais à pena para o ente pú-blico celebrar o contrato com cláusula compromissória que adota lei estrangeira do que não concluí-lo.

14. Restrições quanto à concessão de tutela de urgência contra a administração públicaAqueles que estão habitua-dos a trabalhar em processos judiciais nos quais o poder público seja parte sabem das restrições existentes quando o assunto é a concessão de tutela de urgência contra ele.

A Lei n. 8.437/1992, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, reza em seu art. 1º que “[n]ão será cabível medida liminar con-tra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou pre-ventiva, toda vez que provi-dência semelhante não pu-

64 Cf. MARTINS, André Chateaubriand. Arbitra-gem e administração pública. In: Arbitragem: estu-dos sobre a Lei n. 13.129, de 26-5-2015. Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho e Alexandre Freire

(orgs.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 80-81.

65 SUNG, Ana Carolina Shimoishi. Possibilidade de escolha de legislação estrangeira para reger

arbitragens internacionais envolvendo a adminis-tração pública, p. 103.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201780 Doutrina

der ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”. A Lei n. 12.016/2009 (disci-plina o mandado de seguran-ça) informa no § 2º de seu art. 7º que “[n]ão será concedi-da medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a en-trega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equipara-ção de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer na-tureza”. Essa é, destarte, a li-mitação para a concessão de medidas cautelares contra o poder público.

A Lei n. 9.494/97, que dis-ciplina a aplicação da tute-la antecipada contra a fazenda pública, traz limitações seme-lhantes nos seus arts. 1º e 2º-B.

Enfim, como essas regras fazem parte do direito brasi-leiro, e estão fora do CPC, de-verão ser aplicadas ao poder público sempre que houver possibilidade e/ou compatibi-

lidade.66 É claro que seria pos-sível alegar que, por essas li-mitações processuais estarem fora da Lei n. 9.307/96, e nela, por sua vez, inexistirem res-trições para o alcance da tu-tela de urgência, não seriam passíveis de aplicação no pro-cesso arbitral. Minha opinião, todavia, não é nesse sentido. Não só creio que essa é uma lei especial para o poder pú-blico, e que deve ser lembra-da nos processos judicial e ar-bitral, como também acredito que, se não forem respeitadas, certamente será um motivo a mais para que a fazenda públi-ca use menos a arbitragem.

Vale lembrar, nesse instan-te, que não “é juridicamente admissível a dedução de pedi-do de suspensão contra limi-nar ou sentença arbitral con-trária ao Poder Público. Existe óbice de natureza procedi-mental e material, que impe-de, em qualquer hipótese, a sustação da eficácia de qual-quer decisão arbitral por meio do incidente de suspensão. A impugnação da sentença ar-

bitral somente poderá ser fei-ta por meio de ação anulatória ou impugnação ao cumpri-mento de sentença (essa es-pécie de defesa pressupõe a existência de uma sentença arbitral condenatória, que es-teja sendo executada perante o Poder Judiciário)”.67

15. Aplicação dos precedentes judiciais, pelo árbitro, à Administração PúblicaInicialmente quero desta-car que não pretendo discu-tir o conceito e a natureza de precedente, de padrões deci-sórios, e nem mesmo do mi-crossistema de casos repeti-tivos e de precedentes, pois, certamente, foge bastante ao tema proposto para esse ar-tigo científico.68 A pergun-ta que tentarei responder, de forma bastante objetiva, é a seguinte: o árbitro está obri-gado a aplicar, na arbitragem em que a administração pú-blica seja parte, os padrões decisórios constantes do art. 927 do CPC?69-70

66 Nesse sentido: “não há dúvida de que essas regras possuem pequena relevância prática nos processos arbitrais envolvendo o Poder Público, seja pelo conteúdo das restrições (matérias difi-cilmente submetidas a arbitragens) seja pela pos-sibilidade de o árbitro afastar concretamente tais restrições e conceder a medida urgente mesmo na hipótese vedada por lei” (AMARAL, Paulo Os-ternack. Arbitragem e administração pública, p. 121).

67 AMARAL, Paulo Osternack. Arbitragem e ad-ministração pública, p. 172. Nesse sentido: ALVES,

Marcus Vinicius Armani. A Fazenda Pública na ar-bitragem, p. 226-227.

68 Para aqueles que quiserem aprofundar mais nessa seara, confiram-se: MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual ci-vil. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017; ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vincu-lantes. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

69 Cf. “Art. 927. Os juízes e os tribunais observa-rão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal

em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de compe-tência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das sú-mulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estive-rem vinculados”.

70 Esse é um tema sobre o qual já pude discorrer,

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 81Doutrina

Em primeiro lugar, essa discussão sobre vinculação ou não dos padrões decisórios mencionados no art. 927 do CPC não é unanimidade nem mesmo em relação aos juí-zes e tribunais estatais, logo, querer trazer essa questão, para a arbitragem, é bastante prematuro. Cássio Scarpinella Bueno,71 Lenio Streck e Geor-ges Abboud,72 bem como Nel-son Nery Junior e Rosa Nery,73 são alguns dos doutrinadores que entendem que a lei or-dinária não pode pretender criar essa vinculação sem que haja guarida constitucional.

Em segundo lugar, tenho que nem todos os padrões de-cisórios elencados no art. 927 do CPC são vinculantes den-tro da estrutura do Poder Ju-diciário. Lembro a todos que o verbo que aparece na re-dação do dispositivo em co-mento é “observar”, que, por sua vez, é diferente de “obri-gar”, “vincular”, “sujeitar” ou “forçar”.74 Ainda sobre o esco-

po do art. 927 no processo ci-vil brasileiro, reitero que há um mero dever de observân-cia, do julgador, ao proferir as decisões judiciais. Eviden-te que, quando existir o ca-ráter vinculativo, como, e.g., nos enunciados de súmu-la vinculante, esse dever de observância assumirá um ca-ráter totalmente cogente, ou seja, será imprescindível que o magistrado o aplique, salvo nos casos de distinção ou se o precedente já tiver sido supe-rado. O que o legislador quis, no meu sentir, foi, dentro da máxima iura novit curia, dei-xar claro e expresso que os padrões decisórios elencados no art. 927 possuem um rele-vante papel na uniformização da jurisprudência, que, con-forme se apreende do art. 926 do CPC, deve ser mantida es-tável, íntegra e coerente pelos tribunais. Em outras palavras, apesar de vários dos padrões decisórios previstos no art. 927 não possuírem força vin-

culante, nenhum deles pode-rá ser ignorado pelo juiz es-tatal no momento de proferir suas decisões.

Em terceiro lugar, e com-plementando o que disse no parágrafo anterior, há mais um bom argumento para ser trazido à baila. Considero que, quando o legislador quis que determinado preceden-te assumisse o caráter vin-culativo dentro do nosso sis-tema jurídico, assim o fez de forma expressa, como, por exemplo, no incidente de re-solução de demandas repeti-tivas75 e no incidente de as-sunção de competência.76

Em quarto lugar, e diante do que afirmei no parágrafo anterior, acredito que os jul-gamento de recursos espe-cial e extraordinário repetiti-vos não têm feição vinculativa nem mesmo dentro da estru-tura do próprio Poder Judici-ário, uma vez inexistir, dentro do CPC, qualquer regra ex-pressa nesse diapasão.77 Não

rapidamente, em duas oportunidades: BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de arbitragem, p. 642-647; BERALDO, Leonardo de Faria. O impacto do novo Código de Processo Civil na arbitragem. Re-vista de Arbitragem e Mediação, vol. 49. São Paulo: RT, abr.-jun./2016, p. 196.

71 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de di-reito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 595.

72 Cf. STRECK, Lenio; ABBOUD, Georges. Art. 927. In: Comentários ao Código de Processo Civil. Lenio Luiz Streck et al. (orgs.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.200-1.202.

73 Cf. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.836-1.838.

74 Em sentido contrário, entendendo que o ter-mo observar equivale a um dever imperativo para o cumprimento dos precedentes do art. 927, con-firam-se: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Ma-ria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 1.837; ZANETI JR., Hermes. O valor vincu-lante dos precedentes, p. 405.

75 Cf. arts. 985, I e II, e 987, § 2º, todos do CPC.

76 Cf. § 3º do art. 947 do CPC.

77 Em sentido contrário: “Já os acórdãos prolata-dos no julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos (pelo STF ou pelo STJ, res-pectivamente) têm eficácia vinculante por força do disposto no art. 1.040, segundo o qual, uma vez publicado o acórdão paradigma, se negará segui-mento aos recursos extraordinários ou especiais que estivessem sobrestados na origem quando o acórdão recorrido coincidir com a tese firmada (art. 1.040, I); o órgão que tenha proferido o acór-dão recorrido que contrarie a tese firmada reexa-minará o caso para aplicação da tese (art. 1.040, II); os processos ainda não julgados seguirão “para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribu-nal superior” (art. 1.040, III)” (CÂMARA, Alexandre

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201782 Doutrina

se pode ignorar, claro, que têm fortíssimo caráter persu-asivo, pois demonstram o en-tendimentos das cortes su-periores, sobre determinada matéria, num julgamento no qual o contraditório é reali-zado e elevado à sua máxima potência, com ampla partici-pação da sociedade (amicus curiae) e com extenso aces-so de informações (graças aos recursos representativos da controvérsia enviados ao re-lator do recurso repetitivo).

Em quinto lugar, e reite-rando o que asseverei no pa-rágrafo anterior, considero que os incisos IV e V do art. 927 do CPC também não go-zam de aplicação obrigatória perante os órgãos do Poder Judiciário, tendo em vista a

inexistência de regra expres-sa nesse sentido.78

Em sexto lugar, mesmo para aqueles que entendem que todos os incisos do art. 927 do CPC têm o poder de vincular os juízes e tribu-nais,79 ainda assim essa vin-culação deve ser restrita aos membros do Poder Judici-ário, uma vez que o CPC – quase como um todo – é uma lei voltada para a disciplina do processo civil judicial.

Com efeito, é preciso com-preender que a arbitragem é um sistema de resolução de litígios diferente daquele do Judiciário, com suas regras e características próprias, e, por esses motivos, não está o processo arbitral sujeito à vinculatividade dos padrões

decisórios elencados nos in-cisos III a V do art. 927 do CPC.80 Mesmo para aqueles mais otimistas e menos for-malistas, que veem neles (in-cisos III a V) hipótese de vin-culação dentro da estrutura do Poder Judiciário, creio que esses três incisos são um co-mando a ser seguido exclusi-vamente pelos magistrados, e, não, pelos árbitros. Os in-cisos I e II do art. 927 serão abordados logo abaixo.

Nesse ponto, não pode-ria deixar de consignar dois posicionamentos completa-mente díspares acerca dos casos repetitivos e da ads-trição do árbitro a eles. Rô-mulo Greff Mariani81 consi-dera que o árbitro não está vinculado, no entanto, Már-

Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 435). Nesse sentido: CRAMER, Ro-naldo. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 195-196; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por arti-go. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 1.460. Trilhando esse mesmo caminho, porém, reconhecendo a brecha e a falha de redação do CPC, confira-se: MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil, p. 440-441.

78 Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, p. 436.

79 Cf. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 948-949.

80 Ronaldo Cramer, em sentido totalmente con-trário, entende que (i) permitir que o árbitro não siga o precedente vinculante implica em reconhe-cer que há mais de uma ordem jurídica (o que não há) e que, se fosse assim, as partes escolheriam a arbitragem apenas para fugir do precedente; e,

ainda, que (ii) o precedente vinculante não ads-tringe apenas o Judiciário (pensar assim seria uma visão simplista do real sentido de vinculação), e que ele se aplica a toda a atividade jurisdicional. Os dados bibliográficos da obra são: CRAMER, Ro-naldo. Precedentes judiciais, p. 119.

81 Cf. “Os mecanismos nada mais fazem do que buscar a uniformização da jurisprudência em nível estatal, como que buscando “estabelecer ‘standards interpretativos’ a partir do julgamento de alguns casos”, tendo em vista a multiplicidade de entendi-mentos que podem surgir a partir da interpretação daquele que, de acordo com a nossa cultura, ainda é a base do Direito aplicado no Brasil (os atos norma-tivos positivados). Longe de se tratar do preceden-te visto no common law, o que se observa aqui são técnicas de “interpretação” e que visam à “limitação à liberdade do juiz”. Mas para todos os efeitos esse “juiz” também seria, no particular aqui tratado, o ár-bitro eleito pelas partes? A resposta é negativa em ambos os casos (súmulas e recursos repetitivos). É correto apontar que a lógica das súmulas e recursos repetitivos se encontra, em sua concepção e apli-cação prática, adstrita ao processo judicial, sistema

no qual a “pacificação” ensejada pelos mecanismos pode e deve impor efeitos de grande relevância nes-se sistema, em especial à luz das demandas repetiti-vamente enfrentadas nos mais diversos temas e das diferentes instâncias recursais lá existentes. Mais uma vez, é necessário apontar que os entendimen-tos fixados em ambos os mecanismos são formados no âmbito estatal e com base num diploma (Código de Processo Civil) que apenas nesse sistema encon-tra aplicação. Portanto, na forma como previsto em tal legislação, seus efeitos apenas lá se fazem sentir. Evidentemente pode e deve haver um efeito persu-asivo quando se trata do árbitro aplicar o Direito em casos objeto de súmulas ou julgamentos repetitivos perante o judiciário estatal, mas isso não significa que possa existir qualquer espécie de controle es-tatal caso o árbitro entenda por bem não aplicar tais entendimentos na forma como fixados pelo poder judiciário. Mesmo em nível estatal as súmulas, de há muito previstas em nosso ordenamento, têm sido encaradas como ferramentas de cunho persuasivo, e não obrigatório” (MARIANI, Rômulo Greff. Prece-dentes na arbitragem. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2017, p. 144-145).

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 83Doutrina

cio Bellocchi82 acredita que existe a obrigatoriedade de aplicá-los.

Dito isso, resta-me anali-sar apenas mais dois pontos: a decisão oriunda do contro-le concentrado de constitu-cionalidade e o enunciado de súmula vinculante.

Não tenho a menor dúvi-da de que as decisões do STF, em controle concentrado de constitucionalidade, apli-cam-se na arbitragem, pois, conforme se extrai do § 2º do art. 102 da CF/88, “[a]s de-cisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tri-bunal Federal, nas ações di-retas de inconstitucionalida-de e nas ações declaratórias de constitucionalidade pro-duzirão eficácia contra to-dos e efeito vinculante, rela-tivamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à ad-ministração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. A cla-reza do texto constitucional não deixa margem para qual-quer discussão, isto é, a deci-são do STF terá eficácia con-

tra todos.No tocante ao enunciado

de súmula vinculante, veja--se o que dispõe o art. 103-A da CF/88: “[o] Supremo Tri-bunal Federal poderá, de ofí-cio ou por provocação, me-diante decisão de dois terços dos seus membros, após rei-teradas decisões sobre ma-téria constitucional, apro-var súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculan-te em relação aos demais ór-gãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas fede-ral, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”. A meu ver, o enunciado de súmula vinculante que criar direitos e deveres para a administra-ção pública deve ser rigoro-samente aplicado pelo árbi-tro nas lides em que ela for parte, sob pena de se violar, f lagrantemente, esse coman-do constitucional.83 Por outro lado, não deve ser aplicado se a lide arbitral for apenas

entre particulares. Trata-se, pois, de uma interpretação literal e gramatical desse dis-positivo constitucional. Em apertadíssima síntese, pen-so o seguinte: se uma decisão do STF (Poder Judiciário) vin-cula diretamente a adminis-tração pública (Poder Execu-tivo), e, para tanto, é preciso um quorum bastante qua-lificado (dois terços de seu membros), é porque a súmula vinculante tem, portanto, na-tureza de norma jurídica, in-tegrando-se, pois, ao Direito brasileiro.

A grande discussão que surgirá é em relação ao enun-ciado de súmula vinculante criado após a assinatura do contrato ou mesmo depois de surgido o conflito. Nes-se ponto, é pertinente lem-brar o que dispõe o § 3º do art. 927 do CPC, muito embo-ra sua aplicação, diretamen-te pelo árbitro, possa dar azo a outras discussões: “[n]a hi-pótese de alteração de juris-prudência dominante do Su-premo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou da-

82 Cf. “Se as partes, ao contratarem a arbitra-gem, escolherem a aplicação do direito brasileiro, a negativa de sua aplicação viola o que foi livre-mente pactuado entre elas. O juiz estatal, ao criar um precedente, faz com que uma regra individual (resultante da interpretação do direito brasilei-ro a um caso concreto) torne-se uma norma de caráter geral e abstrato aplicável a todos – desde que a relação jurídica processual ou arbitral pos-sua a mesma essência jurídica. O juiz, assim, cria a NORMA. E, essa norma possui exclusividade e

relativo ineditismo, no espectro do ordenamen-to jurídico, pois, caso contrário, desnecessário seria tal precedente” (BELLOCCHI, Márcio. Pre-cedentes vinculantes e a extensão da expressão “aplicação do direito brasileiro” na convenção de arbitragem. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da PUC-SP. São Paulo, 2017, p. 175).

83 Na prática, pelo menos por enquanto, não imagino que haverá enunciado de súmula vincu-

lante que poderá ser aplicado numa arbitragem, pois percebo que esses enunciados têm versado, sobremaneira, sobre direito penal, previdenciário, competência, tributário e direitos dos servidores públicos. De todo modo, e até mesmo vislum-brando uma futura reforma constitucional que possa criar o enunciado de súmula vinculante no STJ, é preciso ter essa base teórica em mente.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201784 Doutrina

quela oriunda de julgamen-to de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse so-cial e no da segurança jurídi-ca”.

Por outro lado, há na dou-trina entendimento disso-nante. Rômulo Greff Maria-ni acredita que a decisão do STF em controle concentra-do de constitucionalidade84 e a súmula vinculante não atrelam o árbitro nem mes-mo quando a administração pública for parte do proces-so.85 O principal argumen-to utilizado pelo autor é o de que não se pode permitir a interferência estatal na ar-bitragem apenas em razão da qualidade de uma das partes, até porque a parte contrária (quase sempre um particular) e o árbitro não estariam vin-culados à decisão do STF. A propósito, é pertinente ob-servar, a posteriori, a dife-rença que o referido doutri-nador aponta, no § 2º do art. 102 da CF/88, entre eficá-

cia erga omnes e efeito vin-culante, e que, sem dúvida, pode significar um novo ca-minho a ser trilhado dentro da arbitragem.86

Por fim, cumpre registrar a advertência de Alexandre Freitas Câmara,87 José Mi-guel Garcia Medina88 e Luiz Guilherme Marinoni89 de que o que vincula (quando for o caso) é a ratio decidendi da decisão judicial, isto é, os fundamentos determinan-tes utilizados pelos julgado-res para se firmar a tese ju-rídica.

E um último lembrete se faz necessário e importante. Enquanto não estiver defini-do, pelas cortes superiores brasileiras, se e quais prece-dentes judiciais vinculam o árbitro, é recomendável in-serir, na convenção de arbi-tragem ou na ata de missão, qual é a vontade das par-tes, ou seja, se será no sen-tido de que os enunciados das súmulas persuasivas e os casos repetitivos discipli-

nados pelo CPC deverão ou não ser aplicados pelo árbi-tro no processo arbitral.90 Já nos litígios envolvendo a ad-ministração pública, apesar de eu ter convicção de que a não vinculatividade dos pre-cedentes judiciais ao árbi-tro existe da mesma manei-ra, talvez não seja prudente a inclusão de tal limitação. Por quê? Porque racioci-nando como um mau perde-dor, creio que seria mais fá-cil conseguir a invalidação da sentença arbitral com base na tese de que o árbitro foi proibido de aplicar os prece-dentes (seria, pois, um direito indisponível e teria ocorrido violação à ordem pública),91 do que na tese de que os mesmos não são vinculan-tes. Informe, entretanto, que eu não acataria nenhuma das duas teses se fosse o magis-trado responsável pelo jul-gamento da ação anulatória, pelos motivos já amplamente mencionados ao longo desse trabalho.

84 O autor considera que a decisão proferida pelo STF em controle difuso de constitucionalidade, desde que com a interferência positiva do Senado Federal (art. 52, X, da CF/88), vincularia o árbi-tro, pouco importando se a administração pública fosse parte do processo arbitral.

85 Cf. MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na ar-bitragem, p. 133-136.

86 Cf. MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na ar-bitragem, p. 114-126. Também discorrendo sobre essa diferença, mas sem adentrar nos meandros

dos seus efeitos perante o juízo arbitral, confi-ram-se: FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 239-241.

87 Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo proces-so civil brasileiro, p. 440-442. 88 Cf. MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2015, p. 1.243 (comentários ao art. 927 – itens 1 e 2).

89 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Art. 927. In:

Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. (coords.). São Paulo: RT, 2016, p. 2.311-2.312.

90 Entendendo ser inviável o uso do negócio ju-rídico processual para a afastar a aplicabilidade do art. 927 do CPC, pouco importando quem se-jam as partes envolvidas no processo, confira-se: CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais, p. 123.

91 Registro que não penso que seja um direito indisponível e, muito menos, que importaria em violação à ordem pública.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 85Doutrina

16. Os custos com a arbitragemCostumeiramente, os custos com a arbitragem são rate-ados, igualmente, no início do procedimento e, ao fi-nal do processo, aqueles que sucumbir ressarcirá o ven-cedor dos gastos que teve. Para os fins desse artigo científico, considero como despesas com a arbitragem o seguinte: (i) taxas de ins-tauração e de administra-ção do procedimento pagas à câmara de arbitragem; (ii) honorários pagos ao árbi-tro; (iii) despesas com perí-cia, viagens feitas pelo árbi-tro, entre outros gastos com a arbitragem. Esses valores, em princípio, não podem ser vistos como abusivos, ao ar-gumento de serem fixados unilateralmente e sem a par-ticipação da administração pública. Os honorários do árbitro em arbitragem ins-titucional são determina-dos pela câmara de arbitra-gem, no entanto, se se tratar de arbitragem ad hoc, deve o ente público atentar-se para os valores praticados no mercado.92

A figura dos honorários advocatícios sucumbenciais não existe no processo arbi-tral, haja vista a inexistên-cia de previsão legal. Há no processo civil simplesmen-te porque o CPC assim es-tabelece. Podem as partes, todavia, pactuar em senti-do diverso na convenção de arbitragem ou mesmo na ata de missão, estabelecendo o dever para o árbitro de fi-xar essa verba, bem como os parâmetros que deverão ser observados para a sua fixa-ção.93

Na arbitragem que envol-va a administração pública tem sido comum afirmar que todas as despesas devem ser antecipadas pelo particular, e, ao final, caso logre êxito na demanda, será ressarci-do dos gastos que teve, pro-porcionalmente ao sucesso obtido.94 Essa é uma prá-tica que precisa, urgente-mente, acabar! É inaceitável que o particular seja forçado a isso, principalmente se o ente público é que for figu-rar como parte requerente do processo. O poder públi-co precisa parar de se valer

da alegação de burocracia e das suas dificuldades sem-pre que for para justificar a impossibilidade de cumprir com algum de seus deveres. Isso porque, para efetivar os seus direitos, bem como exercer o seu poder de polí-cia, a administração pública vem se mostrando bastante eficiente, como, por exem-plo, para cobrar tributos e aplicar multas. Cada parte é, portanto, responsável pelo pagamento da sua fração das despesas com o processo ar-bitral,95 devendo antecipar o pagamento daquilo que lhe for devido para que o pro-cesso arbitral possa ser de-vidamente iniciado.96

Para encerrar, um tema que certamente gerará bas-tante polêmica é o da validade de contrato de financiamen-to de arbitragem por terceiro com a administração pública. Isso porque, como é notório, o percentual ad exitum des-ses contratos, em prol do fi-nanciador, é bastante eleva-do, podendo chegar a 50% do valor da condenação. Enfim, é uma discussão que precisa ser iniciada.

92 Nesse sentido: SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em contratos administrativos, p. 279-280.

93 Em sentido totalmente contrário, entenden-do que a verba sucumbencial existe no processo arbitral, salvo se expressamente excluída pelas partes, confira-se: CARMONA, Carlos Alberto. Ar-

bitragem e administração pública, p. 16.

94 Nesse sentido: CARMONA, Carlos Alberto. Ar-bitragem e administração pública, p. 15.

95 Nesse sentido: JUSTEN FILHO, Marçal. Ad-ministração pública e arbitragem: o vínculo com

a câmara de arbitragem e os árbitros. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região v. 28, n. 11/12. Brasília, nov./dez. 2016, n. 11.3, p. 86.

96 Nesse sentido: SALLES, Carlos Alberto de. Ar-bitragem em contratos administrativos, p. 280.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201786 Doutrina

17. Da (im)possibilidade de pagamento sem precatórioCaso a sentença arbitral con-dene a administração pú-blica, será possível o paga-mento fora da sistemática do precatório? Inicialmente, é preciso recordar o que diz o art. 100 da CF/88: “[o]s paga-mentos devidos pelas Fazen-das Públicas Federal, Esta-duais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença ju-diciária, far-se-ão exclusiva-mente na ordem cronológica de apresentação dos preca-tórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a desig-nação de casos ou de pesso-as nas dotações orçamentá-rias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

A meu ver, apesar de no dis-positivo em comento constar a expressão “sentença judici-

ária”, é preciso inserir a sen-tença arbitral dentro dela, sob pena de se violar o texto constitucional duplamente, isto é, no art. 100 e no art. 5º (princípio da igualdade). Não bastasse, se a sentença arbi-tral condenatória em quantia certa não estivesse sujeita ao regime dos precatórios, es-tar-se-ia criando um regime mais vantajoso para aque-les que se valem do proces-so arbitral, o que, a meu ver, não é correto. A vantagem da arbitragem é ter um proces-so mais célere, julgado por um especialista na matéria, e que, ainda por cima, seja da confiança das partes. Ade-mais, se o art. 100 da CF/88 não precisasse ser respeita-do, certamente haveria enor-me pressão, dos particulares, para que toda e qualquer lide seja julgada por meio de arbi-

tragem, que, por sua vez, não é o meio mais adequado para a solução de todas as contro-vérsias envolvendo a admi-nistração pública.

Sobre o tema, não há con-senso na doutrina. Beatriz Lancia Noronha de Oliveira,97 por exemplo, acredita ser imprescindível o respeito ao art. 100 da CF/88. Já Gusta-vo da Rocha Schmidt98 consi-dera que a sentença arbitral, apesar de ser título executivo judicial, não é sentença judi-ciária, logo, seria possível o pagamento espontâneo pelo ente público, desde que hou-vesse previsão orçamentária para tanto.

Este último autor, aliás, chama a atenção para um fato interessante, qual seja, o de o parágrafo único do art. 12 do Decreto n. 8.465/201599 ter permitido que o árbitro pos-

97 Cf. “De fato, o cumprimento da sentença arbi-tral não poderá gozar de privilégios que não seriam admissíveis para o cumprimento das decisões judi-ciais. Se a Constituição Federal prevê modalidade diferente para o pagamento dos débitos fazendá-rios, o procedimento deverá ser observado mes-mo nas sentenças arbitrais. Dessa forma, quando a Administração Pública for condenada, por sen-tença arbitral, a uma obrigação de pagar cujo valor supere o limite para dispensa de precatório, o dé-bito deverá ser cobrado por meio do procedimento diferenciado, com pagamento na ordem de apre-sentação cronológica do precatório” (OLIVEIRA, Beatriz Lancia Noronha de. A arbitragem nos con-tratos de parceria público-privada, p. 111-112). Nesse sentido: ALVES, Marcus Vinicius Armani. A Fazenda Pública na arbitragem, p. 64; AMARAL, Paulo Os-ternack. Arbitragem e administração pública, p. 132; ANDRADE, Gustavo Fernandes de. Arbitragem e administração pública, p. 437-438; JUNQUEI-RA, André Rodrigues; OLIVEIRA, Mariana Beatriz

Tadeu de; SANTOS, Michelle Manaia. Cláusula de solução de controvérsias em contratos de parcerias público-privadas, p. 309; SOMBRA, Thiago Luís. Mitos, crenças e a mudança de paradigma da arbi-tragem com a administração pública, p. 70.

98 Cf. “a sentença arbitral é título judicial, mas não é sentença judiciária, tal e qual apregoada pelo art. 100 da Carta Maior. É, na verdade, o ato final de um procedimento instituído por via contratual, para a resolução de conflitos. Da mesma forma que o Poder Público está autorizado a, pela via admi-nistrativa, promover a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato administra-tivo, nenhum óbice há a que promova o reconhe-cimento da dívida cristalizada em uma sentença arbitral e efetue o seu pagamento, dispensando a execução do julgado na esfera judicial. É até re-comendável que assim seja. Desafoga-se o Poder Judiciário, dando-se mais celeridade à realização da justiça” (SCHMIDT, Gustavo da Rocha. A arbi-

tragem nos conflitos envolvendo a administração pública, p. 84). Nesse sentido: MAZZOLA, Marcelo; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Poder público não burla precatórios com pagamento voluntário em arbitragem. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-dez-18/poder-publico-nao-burla--precatorios-pagamento-arbitragem. Acesso em 07/08/2017. É interessante observar que Bruno Grego dos Santos, ao escrever sobre a transação extrajudicial com a administração pública, afirma que, dada à sua natureza contratual, ela está fora do regime dos precatórios, salvo se o credor-par-ticular tiver que recorrer ao Judiciário para receber o que lhe é devido. Os dados bibliográficos são os seguintes: SANTOS, Bruno Grego dos. Transação extrajudicial na administração pública. Tese (Dou-torado em Direito). Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2015, p. 342.

99 Art. 12, parágrafo único: “[o] árbitro ou o pre-sidente do colegiado de árbitros solicitará à auto-

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 87Doutrina

sa, diretamente, solicitar à autoridade judiciária compe-tente que tome as providên-cias necessárias à expedição de precatório. O doutrinador recorda que o árbitro não exerce função executiva e sugere que a regra pode vir a ser considerada ilegal ou in-constitucional.100

18. Considerações finaisNão existe um microssistema ou um regime jurídico úni-co para todos os casos de ar-bitragem com a administra-ção pública. O que há, por certo, é um número enor-me de pontos convergentes, tendo em vista que a Lei n. 9.307/96 se aplica a todas101 as arbitragens envolvendo o ente público, e, além dis-so, percebo que há uma ten-dência ou uma predisposição do legislador em seguir sem-pre o mesmo padrão ao redi-gir os dispositivos legais das leis supra citadas. Ao longo do texto tentei demonstrar, com especificidades, algu-mas dessas diferenças.

Penso que, sempre que pos-sível, deve-se optar pelo uso da arbitragem institucional, pois, apesar de, em princípio, ser mais dispendiosa, prova-velmente será mais eficiente.

Sobre o direito a ser apli-cado, penso que deve ser prestigiado o direito brasi-leiro, seja por causa de exi-gência expressa em certas normas, seja para evitar a improdutiva e perigosa dis-cussão que pode vir a atra-sar o início do processo ou até invalidar a sentença ar-bitral. Como esse é um pon-to que ainda não se encontra maduro o suficiente, a pru-dência recomenda que todos sejamos mais tradicionais.

Concluindo, sei que pode soar muito fantasioso o que vou dizer, mas é preciso que exista mais cooperação en-tre as partes. Evidentemente que não estou sustentando que uma parte deve ajudar a outra a vencer a demanda ou algo parecido. A cooperação deve ser no sentido de não criar obstáculos desnecessá-rios e/ou abusivos, especial-mente no tocante ao início da arbitragem. Ora, se exis-te uma cláusula compromis-sória cheia, que todas as par-tes a respeitem e a cumpram imediatamente. Em contra-partida, se a cláusula for pa-tológica ou vazia, que todos os contratantes se empe-nhem, ao máximo, para que isso seja corrigido ou supri-

do o mais rápido possível. A mentira processual deve ser punida no processo e fora dele. Ser ético e honesto é muito diferente de ser men-tiroso e desleal.

Enfim, essas foram as ideias que tive para esse tra-balho. Por certo, há mui-to ainda para se evoluir e fa-zer em favor da arbitragem com a administração pública. Com ética e respeito, sempre à luz da legalidade, iremos galgar os obstáculos e obter sucesso nessa jornada.

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100 Cf. SCHMIDT, Gustavo da Rocha. A arbitra-gem nos conflitos envolvendo a administração pú-blica, p. 82.

101 Salvo se a sede da arbitragem for em outro país e for aplicada a lei processual (arbitral) do mesmo, que, via de regra, é o que acontece.

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* Leonardo de Faria BeraldoAdvogado. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Processo Civil. Professor em cursos de graduação e pós-graduação de Processo Civil, Arbitragem e Direito Civil. Ex-Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Ex-Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Ex-Presidente da Comissão Especial da OAB/MG encarregada do estudo do projeto de lei de novo CPC. Membro do Conselho Deliberativo da CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil. Autor de diversos livros e artigos científicos, entre eles, Curso de Arbitragem (Atlas, 2014, 752 p.).

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Confira também as edições anteriores no site:

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1 Disponível em http://www.ccbc.org.br/Materia/1095/estat%C3%ADstica. Acesso em 09 ago. 2017

I. INTRODUÇÃOCom mais de 20 anos de vigência da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) e dois anos da Lei nº 13.129/15, a arbi-tragem encontra-se mais do que consolidada no território nacional. Segundo relatório apresentado pela CAM CCBC, principal câmara arbitral do país, o número de arbitragens iniciadas por ano em sua sede apresenta-se escala cres-cente, tendo sofrido um aumento de 153% nos últimos anos, atingindo seu ápice no ano de 2015, com 112 arbitra-gens1. Reflexo desses números é a quadruplicação dos va-lores envolvidos em arbitragens nacionais nesse período.

Por João Paulo Hecker da Silva*

Arbitragem e administração pública: o dilema da publicidade

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 93Doutrina

Mesmo com sua efetiva aceitação, a arbitragem ainda enfrenta divergências dou-trinárias em diversos temas referentes à aplicabilidade e modo de aplicação de certas normas trazidas na reforma de 2015. São de especial re-levância os debates tratantes das arbitragens que envol-vam a Administração Pública, visto que (I) tal possibilida-de somente foi efetivamen-te consolidada com a Lei nº13.129/15, e (II) o número de sua incidência tem cresci-do, junto com o crescimento das arbitragens em geral2.

Além de temas como esco-lha do órgão arbitral, nomea-ção dos árbitros e antecipa-ção de custos e despesas, a arbitragem envolvendo a Ad-ministração Pública traz dú-vida quanto aos limites da confidencialidade, em respei-to ao princípio da publicida-de, tal como consta na pró-pria Lei, em seu art. 2º, §3º: “A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeita-rá o princípio da publicidade”.

Não tendo o legislador re-solvido o embate, restam os esforços doutrinários para tanto.

II. O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADEA publicidade é uma das prerrogativas para a ação da Administração Pública direta e indireta. O chamado prin-cípio da publicidade cons-ta positivado sob a égide da Constituição da República em seu art. 37. Sua aplica-ção, contudo, é especificada e restringida em outros arti-gos da mesma Constituição e por outras normas no âmbito da legislação ordinária.

É mister destacar os inci-sos XXXIII e LX, do art. 5º da CF3, além do art. 22 da Lei nº 12.527/114. Os primeiros pos-tulam a publicidade na medi-da em que garantem a todos o direito de receber informa-ções dos órgãos públicos so-bre interesse particular ou público e excetuam tal direi-to somente em face da defesa da intimidade ou do interes-se social. A citada lei, por sua

vez, disciplina ambos os inci-sos em questão, regulamen-tando em específico o acesso à informação e o dever de si-gilo. O legislador previu que o acesso à informação e, por-tanto, a publicidade desses dados, não só poderão, como também deverão ser restri-tos em determinados casos.

Dessa maneira, a publici-dade é posta como regra e o sigilo como exceção. As hi-póteses de sigilo por ques-tão de segurança da socieda-de ou do Estado são previstas taxativamente no art. 23 da Lei nº 12.527/11, entretanto isso não exclui outros pres-supostos para a garan-tia do sigilo, como os casos que digam respeito a infor-mações pessoais, previstos na própria Constituição da República.

A publicidade é, ademais, regida pela Lei de Respon-sabilidade Fiscal (Lei Com-plementar nº 101/00), que determina o dever de trans-parência na gestão fiscal da Administração Pública. Tal fato inflige à Administração

2 Disponível em: http://www.caesp.org.br/in-centivos-arbitragem-na-administracao-publi-ca/. Acesso em 09 ago. 2017

3 “Art. 5º (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de res-ponsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja

imprescindível à segurança da sociedade e do Es-tado.LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.”. BRASIL. Cons-tituição (1988). Constituição da República Federa-tiva do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

4 “Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as de-mais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.”. BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.

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Pública preocupação mais ri-gorosa quando da participa-ção em arbitragens em geral, visto que pelo menos os gas-tos públicos devem ter pu-blicidade por influência im-perativa de transparência fiscal, considerada essencial para se alcançar uma gestão eficiente e responsável do ponto de vista orçamentário.

Nessa esteira, vê-se que o chamado princípio da pu-blicidade é tratado em nosso ordenamento jurídico de ma-neira amplíssima, sendo so-mente restringido quando da incidência de norma que di-retamente preveja sigilo.

III. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAO primeiro ponto que se de-bate quanto à garantia da pu-blicidade nas arbitragens que envolvam a Administração Pública é a extensão tempo-ral dessa proteção. Deverá a publicidade ser tutelada an-tes, durante e após o proce-dimento arbitral? Para buscar responder tal questionamen-to é necessário ter em men-te as formas de eleição de um

juízo arbitral para a solução de determinado litígio.

A arbitragem se estabele-ce por meio da convenção de arbitragem, gênero de duas espécies: a cláusula com-promissória e o compromis-so arbitral. Tal categorização já vem a tempos sendo ques-tionada, em defesa do rom-pimento da dualidade e da admissão da natureza unitá-ria da convenção5, mas fato é que a distinção ainda exis-te em nosso ordenamento jurídico.

Em linhas gerais, a cláu-sula compromissória é con-venção celebrada entre as partes, sob a égide de deter-minado contrato, elegendo a jurisdição arbitral como jus-tiça à qual se submeter na in-cidência de possíveis litígios relativos a tal contrato. O compromisso arbitral é, por sua vez, contrato celebrado no momento da apresenta-ção do litígio com designação de competência exclusiva do juízo arbitral para a solução do caso concreto objeto do compromisso firmado entre as partes.

Tratando da arbitragem em que é parte a Administração

Pública, o legislador deixou aberto à escolha das partes sua instauração por qualquer das espécies de convenção de arbitragem. Todavia, tal realidade recebe certas bali-zas em alguns campos espe-cíficos.

Exemplo claro é o do di-reito aduaneiro, marítimo e portuário, que, com a vi-gência da Lei dos Portos e do Decreto nº8.465/15, re-cebeu grandes limitações no modo de elaboração da con-venção arbitral, autorizando, por exemplo, a Administra-ção Pública a discutir o re-equilíbrio econômico-finan-ceiro do contrato mediante arbitragem tão somente se firmada por compromisso arbitral, sendo que antes da celebração seria necessário avaliar previamente as vanta-gens e desvantagens da apli-cação da arbitragem.6

No tocante às contrata-ções públicas, verifica-se que o princípio da vincula-ção ao instrumento convo-catório exigiria a presença de cláusula compromissó-ria no edital de licitação para que a Administração pudes-se valer-se da via arbitral.

5 Por todos: CARMONA, Carlos Alberto. Arbitra-gem e Processo, 3ª Ed., São Paulo: Atlas, 2009, pp. 78 e 79.

6 “O decreto dá a entender que a Arbitragem de litígios envolvendo equilíbrio econômico-fi-

nanceiro apenas ocorrerá se houver vantagem à Administração Pública, pouco importando se o procedimento arbitral é ou não mais adequado à natureza e especificidade do litígio”. HECKER DA SILVA, João Paulo; VASCONCELOS, Ronaldo; GU-LIM, Marcello de Oliveira. Arbitragem e Direito

Marítimo: uma Breve Análise à Luz da Arbitragem na Lei dos Portos (e do Decreto nº 8.465/2015) in Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, Vol. 6, nº 35, São Paulo: Síntese, 2016.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 2017 95Doutrina

Essa exigência, contudo, foi relativizada pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 904.813, de relatoria da Min. NANCY ANDRIGHI, oportu-nidade em que consignou a desnecessidade de previsão da arbitragem no edital de li-citação,7 pois se entendeu ra-zoável admitir a utilização de arbitragem pactuada poste-riormente por compromisso arbitral.8

Apesar de tais prerroga-tivas à instalação da arbi-tragem restringirem de cer-to modo sua aplicação, vê-se que tais restrições se rela-cionam diretamente com a publicidade, na medi-da em que os editais de li-citação são eminentemente públicos.

Nessa esteira, a partir do dispositivo amplíssimo da lei de arbitragem, pode-se in-terpretar que o respeito à publicidade nas arbitragens envolvendo a Administração Pública possa envolver, até mesmo, momentos prévios a sua instauração.

Entretanto, o problema de sua aplicação atinge seu ápi-

ce nos atos praticados du-rante o curso da arbitragem, visto que essa é, via de regra, confidencial e que as câma-ras arbitrais estão, portanto, habituadas a esse sigilo.

IV. PUBLICIDADE E ARBITRAGEMApesar de a lei trazer um cri-tério amplíssimo para o res-guardo da publicidade nas arbitragens envolvendo a Ad-ministração Pública, alguns baluartes devem ser traça-dos, para que se tenha mais certeza de qual deve ser o objeto dessa publicidade.

Em primeiro lugar, é mister destacar que um dos princi-pais atrativos da arbitragem é justamente a possibilidade de opção pela confidenciali-dade, de tal modo que alguns até chegam a considerar que esta seja uma prerrogativa sua. Essa tese deve ser, con-tudo, relativizada, visto que a lei de arbitragem não impõe o dever absoluto de sigilo.

A confidencialidade, por-tanto, não deve ser vista como inerente ao processo arbitral, mas como um ins-

trumento acessório, que se origina a partir do acordo de vontade dos litigantes. É fato, contudo, que a arbitragem, como instituto, não foi criada visando à publicidade. Per-ceba-se, por exemplo, que o espaço físico das câmaras ar-bitrais não foi planejado para acolher sessões abertas ao público em geral, pelo con-trário, foi pensado precipu-amente na privacidade das partes em litígio. O controle dos documentos é feito pe-las próprias partes e árbitros e as medidas de intimação e comunicação dos atos pro-cessuais entre os litigantes ocorre na forma como bem lhes aprouver e definido no Termo Arbitral.

Ressaltada a incoerência sistemática e mesmo práti-ca de uma publicidade total dos atos praticados na arbi-tragem, cabe pensar nos seus limites.

Em primeiro lugar, parece necessário que tais questões sejam definidas na cláusula compromissória, já deixando atribuído desde então às par-tes o dever de tornar públi-

7 “O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbi-tral firmado posteriormente” (STJ, REsp 904.813, Terceira Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. em 20/10/2011).

8 “Parece razoável o princípio da vinculação ao

instrumento convocatório ser relativizado, espe-cificamente no âmbito da utilização da arbitra-gem, a fim de possibilitar à Administração Pública a utilização de meios mais adequados à resolução de eventual conflito não abarcado pela cláusula compromissória (no edital de licitação) e que de-mande por conhecimentos estranhos ao jurídico”. HECKER DA SILVA, João Paulo; VASCONCELOS,

Ronaldo; GULIM, Marcello de Oliveira. Arbitra-gem e sua aplicação no âmbito do Tribunal de Contas: uma análise à luz do controle exercido nos contratos administrativos portuários. In: Re-vista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, Vol. 7, nº 37, São Paulo: Síntese, 2017, p. 38-39.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201796 Doutrina

co determinados atos e do-cumentos e não aos árbitros ou mesmo a Secretaria da Câmara Arbitral. Entretanto, independentemente de fir-mar-se tal compromisso, “[p]arece adequado que sejam franqueados ao público os atos mais relevantes prati-cados pelas partes (apresen-tação do pleito, documentos em que se baseiam os pedi-dos, sentença arbitral), o que não significa transformar os tribunais arbitrais em areó-pagos, abertos à curiosidade pública”9, para que a publici-dade seja respeitada.

Assim, seria mandatório, no mínimo, que se franque-assem aos interessados in-formações das arbitragens em curso que envolvam a Ad-ministração Pública, além da disponibilização de docu-mentos como a apresenta-ção do pleito, composição do

Tribunal Arbitral, sentença arbitral e os seus custos.

Para a consolidação de tal entendimento e a pacificação da questão, é de fundamental importância que as próprias câmaras arbitrais se mani-festem no sentido de emiti-rem normas em seus regu-lamentos delimitando tais especificidades. A realidade, contudo, ainda é outra.

Analisando os regulamen-tos das câmaras arbitrais brasileiras de maior movi-mentação nacional10, quais sejam, Centro de Arbitragem da AMCHAM – Brasil (AM-CHAM); Centro de Arbitra-gem da Câmara de Comér-cio Brasil-Canadá (CCBC); Câmara de Mediação, Con-ciliação e Arbitragem de São Paulo- CIESP/FIESP (CIESP/FIESP); Câmara de Arbitra-gem do Mercado (CAM); Câ-mara de Arbitragem da Fun-

dação Getúlio Vargas (CAM/FGV); e Câmara de Arbitra-gem Empresarial- Brasil (CA-MARB), vê-se que somente uma delas possui regulamen-to específico a respeito.

O CAM-CCBC, em sua Re-solução Administrativa nº 15/16, previu que nos pro-cedimentos arbitrais que ti-verem como parte a admi-nistração pública direta, as partes deverão dispor em termo quais informações e documentos poderão ser di-vulgados e a forma como esse procedimento se dará11.

Pacificou ainda que a câ-mara poderá informar a ter-ceiros sobre a existência do procedimento arbitral, a data do requerimento de arbitra-gem e o nome das partes en-volvidas. Ainda reservou o acesso às audiências somen-te às partes e seus respecti-vos procuradores12.

9 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e ad-ministração pública – primeiras reflexões sobre a arbitragem envolvendo a administração pública, in Revista Brasileira de Arbitragem, nº 51, Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International; Curitiba: Comitê Brasileiro de Arbitragem, 2016, p.20.

10 LEMES, S. M. F.. Pesquisa Arbitragem em Nú-meros -6 Câmaras Brasileiras 2010-2013. 2014. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou pa-lestra).

11 “Artigo 1º - Nos procedimentos arbitrais em que são partes entes da administração pública direta, com o intuito de atender ao princípio da publici-dade previsto no art. 2º, § 3º, da Lei nº 9.307/96, as partes, no Termo de Arbitragem, disporão so-bre quais informações e documentos poderão ser

divulgados e a forma a ser adotada para torná-los acessíveis a terceiros.Parágrafo Único - Tal disposição deverá consi-derar os aspectos administrativos do CAM-CCBC e respeitar o sigilo protegido por lei, segredos comerciais, documentos de terceiros, contratos privados com cláusula de confidencialidade e matérias protegidas por direitos de propriedade intelectual.Artigo 3º - O CAM-CCBC poderá informar tercei-ros sobre a existência de procedimento arbitral, a data do requerimento de arbitragem e o nome das partes, podendo inclusive disponibilizar esses dados no site do CAM-CCBC.Parágrafo 1º - O CAM-CCBC não fornecerá docu-mentos e demais informações a respeito do pro-cedimento.Parágrafo 2º - As audiências do procedimento ar-

bitral serão reservadas às partes e procuradores, observado o disposto pelas partes no Termo de Arbitragem.Artigo 4º - Toda e qualquer informação comple-mentar ou fornecimento de documentos, obser-vados os limites legais e o disposto no Termo de Arbitragem, serão de competência da parte no procedimento arbitral que integra a administra-ção pública direta, consoante a legislação que lhe é aplicável”. Disponível em: http://www.ccbc.org.br/Materia/1569/resolucao-administrativa-n%-C2%BA-022016. Acesso em 09 Ago. 2017.

12 Disponível em: http://www.ccbc.org.br/Materia/1569/resolucao-administrativa-n%-C2%BA-022016

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Conclui-se que o CAM-C-CBC, apesar de seguir na li-nha das demais câmaras, de previsão da confidencialida-de como regra, solucionou o problema para as arbitragens realizadas em sua sede de-terminando que, como é re-comendado, as partes acor-dem quais documentos e atos poderão ser públicos. Ade-mais, positiva que as audiên-cias não serão abertas ao pú-blico, em consonância com a já prevista impossibilidade fática e econômica.

As demais câmaras, por sua vez, ainda mantêm seu regu-lamento prevendo o sigilo como regra. O regulamento da CAMARB ilustra a situa-ção, assegurando o sigilo de forma rigorosa, mas preven-do sua ressalva para “os ca-sos em que haja obrigação le-gal de publicidade”.13

Ao seu lado, mais duas câ-maras preveem a exceção à confidencialidade nos casos de determinação legal, quais sejam, a CIESP/FIESP14 e a CAM15. Outra exceção ao si-gilo considerada pelas câ-maras arbitrais diz respeito à concordância das partes, que é aceita na Câmara FGV de Mediação e Arbitragem16, na AMCHAM17 e na CAMARB, já anteriormente citado.

Por fim, vê-se ainda dois casos unitários. Somente a Câmara FGV de Mediação e Arbitragem prevê como ex-ceção ao absoluto sigilo a ordem judicial, e somente o regulamento da AMCHAM prevê como exceção ao sigilo a decisão do Tribunal Arbitral a respeito.

O cenário é, portanto, o que se segue: (I) das seis prin-cipais câmaras arbitrais do

país, somente uma tem nor-ma a respeito da publicida-de nas arbitragens envolven-do a Administração Pública; (II) metade das câmaras acei-tam como exceção ao sigilo o acordo das partes; (III) apesar de previsto em somente me-tade dos regulamentos, to-das estão sujeitas à incidên-cia da determinação legal de garantia da publicidade; (IV) somente um sexto das câma-ras prevê como exceção a de-terminação judicial ou do tri-bunal arbitral.

Isso significa que o pro-blema está longe de ser re-solvido, apesar da iniciativa já tomada pelo CAM-CCBC e de metade das câmaras aceitarem o acordo das par-tes como exceção ao sigilo. A maioria das câmaras, to-davia, ainda continua sujei-ta a regulamentos restritos à

13 “12.1 O procedimento arbitral será rigorosa-mente sigiloso, sendo vedado à CAMARB, aos ár-bitros e às próprias partes divulgar quaisquer in-formações a que tenham acesso em decorrência de seu ofício ou de sua participação no processo, sem o consentimento de todas as partes, ressal-vados os casos em que haja obrigação legal de pu-blicidade”. Disponível em: http://camarb.com.br/regulamento-de-arbitragem/

14 “10.6. É vedado aos membros da Câmara, aos árbitros e às partes divulgar informações a que tenham tido acesso em decorrência de ofício ou de participação no procedimento arbitral, salvo em atendimento à determinação legal. (...) 20.5. Quando houver interesse das partes e, mediante expressa autorização, poderá a Câmara divulgar a íntegra da sentença arbitral. 20.6. A Secretaria da Câmara poderá fornecer às partes, mediante solicitação escrita, cópias certificadas de do-

cumentos relativos à arbitragem.” Regulamento completo disponível em: http://www.camara-dearbitragemsp.com.br/pt/arbitragem/regula-mento.html. Acesso em 09 ago. 2017.

15 “9.1 Sigilo. O procedimento arbitral é sigiloso, devendo as partes, árbitros e membros da Câmara de Arbitragem abster-se de divulgar informações sobre seu conteúdo, exceto em cumprimento a normas dos órgãos reguladores, ou previsão legal.” Regulamento completo disponível em: http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/servi-cos/camara-de-arbitragem-do-mercado-cam/regulamentacao/. Acesso em 09 ago. 2017.

16 “Art. 46 - Os processos de arbitragem deverão transcorrer em absoluto sigilo, sendo vedado aos membros da Câmara FGV, aos árbitros, às partes e aos demais participantes do processo divulgar qualquer informação a que tenham tido acesso

em decorrência de sua participação no procedi-mento, salvo se expressamente autorizado por todas as partes ou em caso de ordem judicial.”. Re-gulamento disponível em <http://camara.fgv.br/conteudo/regulamento-da-camara-fgv-de-me-diacao-e-arbitragem>. Acesso em 09 ago. 2017

17 “18.1. Salvo acordo entre as Partes ou deci-são do Tribunal Arbitral em sentido contrário, o procedimento arbitral é sigiloso, sendo vedado a todos os membros do Centro de Arbitragem e Mediação AMCHAM, aos árbitros, às Partes e a quaisquer outros eventualmente envolvidos di-vulgar quaisquer informações a ele relacionadas, salvo mediante autorização escrita de todas as Partes.”. Regulamento disponível em http://www.amcham.com.br/centro-de-arbitragem-e-me-diacao/arbitragem/regulamento-de-arbitragem. Acesso em 09 ago. 2017.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 7, n. 17, 201798 Doutrina

confidencialidade, não cola-borando para a solução da la-cuna trazida pela reforma da lei de arbitragem.

V. CONCLUSÃODa redação aberta trazida pela Lei nº 13.129/15 ao art. 2º, § 3º, da Lei de Arbitragem, re-corre-se à doutrina e à práti-ca processual para encontrar respostas aos limites da publi-cidade.

Em primeiro lugar, vê-se, em análise da doutrina admi-nistrativista, que a Adminis-tração Pública também está sujeita ao sigilo nos casos de-terminados em lei e que, por-tanto, também se estende à arbitragem.

Assim, serão sigilosas, a priori, nos termos da lei, as ar-bitragens que tiverem conteú-do imprescindível à seguran-ça da sociedade ou do Estado, i. e. que coloquem em risco a defesa e a soberania nacional; prejudiquem relações inter-nacionais; coloquem em risco a vida, segurança ou saúde da população; ofereça risco à es-tabilidade financeira do país; prejudique planos estratégi-cos das Forças Armadas; pre-judique projetos de pesquisa ou desenvolvimento científico nacional; coloque em risco a segurança de instituições, al-tas autoridades nacionais ou

estrangeiras; comprometa ati-vidade de inteligência nacio-nal.18 Ou ainda, que tenha con-teúdo que viole a intimidade e o interesse social, nos termos da Constituição Federal.

Assim, o resguardo à pu-blicidade pode ocorrer antes, durante e após o procedimen-to arbitral, sendo, assim, ne-cessário encontrar seus limi-tes. Destes enxerga-se logo de início a inviabilidade de uma publicidade geral e ab-soluta de todos os atos da ar-bitragem, que, se se tornasse mandatória, levaria a uma dis-sociação quanto à própria na-tureza da arbitragem.

Assim, sempre com o cote-jo entre as hipóteses fáticas e aquelas da lei ou da Consti-tuição, entende-se que a pu-blicidade deve se estender precipuamente aos atos mais fundamentais da arbitragem, como sua instalação, térmi-no, composição do Tribunal e custos, configurando um ce-nário de coexistência entre a publicidade e a confidencia-lidade. Contudo, é extrema-mente recomendável, para a pacificação da questão, o en-frentamento dessa questão pelos regulamentos das câ-maras arbitrais e que as partes tratem do assunto quando da celebração do Termo Arbitral, principalmente no que se re-

fere às regras de distribuição dos ônus e deveres das partes a esse respeito.

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* João Paulo Hecker da SilvaDoutor e Mestre em Direito Processual pela USP, Sócio de Lucon Advogados, Professor e Coordenador do Curso de Pós Graduação em Direito do IBMEC-SP, Secretário da Presidência do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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