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Jéssica Tamires Link PETRECHOS DE PESCA ABANDONADOS, PERDIDOS OU DESCARTADOS NA COSTA BRASILEIRA ESTUDO DE CASO NA RESERVA BIOLÓGICA MARINHA DO ARVOREDO Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obtenção do Grau de Bacharelado em Ciências Biológicas. Orientadora: Prof a . Dra. Bárbara Segal Coorientador: Dr. Luiz Miguel Casarini Florianópolis 2017

PETRECHOS DE PESCA ABANDONADOS, PERDIDOS OU … · grande pressão da atividade pesqueira. A intensa exploração e o aumento dos esforços sobre os recursos pesqueiros já colapsados

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Jéssica Tamires Link

PETRECHOS DE PESCA ABANDONADOS, PERDIDOS OU DESCARTADOS

NA COSTA BRASILEIRA

ESTUDO DE CASO NA RESERVA BIOLÓGICA MARINHA DO ARVOREDO

Trabalho de Conclusão de Curso

submetido à Universidade Federal de

Santa Catarina como requisito para

obtenção do Grau de Bacharelado em

Ciências Biológicas.

Orientadora: Profa. Dra. Bárbara

Segal

Coorientador: Dr. Luiz Miguel

Casarini

Florianópolis

2017

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O mar tem coisas surpreendentes.

O lixo não precisa ser uma delas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a minha orientadora Bárbara Segal por todos os

momentos de paciência, carinho e presteza. Também as experiências, trocas e

aprendizados proporcionados. Considero-me uma pessoa muito sortuda por ter tido você

como orientadora! Eu te admiro muito como pessoa e profissionalmente.

Ao meu coorientador Luiz Miguel Casarini por todos os ensinamentos repassados

(que não foram poucos!), a paciência e compreensão que teve comigo. Mesmo a

coorientação sendo a distância, esteve presente sanando minhas dúvidas.

A equipe gestora do Rebio Arvoredo (ICMBio), em especial ao Dan, Ricardo e

Hellen, sempre receptivos, atenciosos e prestativos. Sem vocês este trabalho não seria

possível.

Ao Projeto MAARE pela oportunidade de participar dos campos, o que me

possibilitou conhecer melhor a Rebio Arvoredo e, consequentemente colaborou para a

realização deste projeto.

Ao Chuck, minha super dupla de campo. Também sempre a ouvidos, me

auxiliando na construção e organização de pensamentos. Você sempre foi uma das

pessoas na graduação que me motivou e que tenho como exemplo.

Ao Felipe Fernandes, que me atendeu em todas as horas possíveis, praticamente

24 h, sanando minhas dúvidas sobre os petrechos e pesca em geral. Seus conhecimentos

práticos no assunto foram, sem dúvida, de muita valia. Muitíssimo obrigada por tudo!

Ao pessoal do LABAR, em especial, Flora, Renan, Ide, Dairana, Davi, Marcelo,

Júlia, Vitor e Camila por terem doado um pouco do tempo de vocês. Foram auxílios com

planilhas, construção dos gráficos, análise dos dados e até mesmo palavras de consolo

nos momentos difíceis.

Aos organizadores e participantes do clean up dive. Vocês realizaram um lindo

trabalho em grupo na remoção dos petrechos fantasma e ainda contribuíram no

levantamento de dados do material que foi recolhido! Parabéns! Espero que este clean up

dive seja o primeiro de muitos!

Ao PET Biologia pelo apoio e auxílio no ambiente acadêmico de forma geral. Aos

petianos e ao tutor Renato pelas oportunidades, trocas, vivências e ensinamentos. O fato

de ter sido petiana na minha graduação, envolvida com ensino, pesquisa e extensão

considero como um grande diferencial, contribuindo muito na minha formação tanto

profissional quanto pessoal.

Aos meus amigos, em especial Bruna e Ana pelo apoio nos momentos difíceis,

aos conselhos recebidos, as conversas compartilhadas, pela preocupação que vocês

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tiveram comigo. Também pelas conversas jogadas fora, aos bares, festinhas,

fundamentais para continuar tocando o “barco”.

Ao Yoga, em especial a professora Ana Paula Linhares, que contribuiu para que

eu pudesse continuar caminhando quando tudo parecia estar em pleno caos,

demonstrando que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física.

E por fim, muito obrigada a todos que fizeram parte desta caminhada! Quem pode

me acompanhar mais de perto sabe o quanto esse trabalho significou para mim durante

toda a graduação!

Gratidão!

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“Você não aprende a andar seguindo regras. Você aprende tentando e caindo"

Richard Branson.

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LISTA DE FIGURAS

CAPÍTULO 1.....................................................................................................................................12

Figura 1 Impactos dos PP-APD na megafauna. (A) Raia manta emaranhada em rede de pesca. (B)

Ingestão de plástico por tartaruga marinha .........................................................................................16

Figura 2 Lixo marinho incrustado por alga calcária –Rebio Arvoredo, SC.......................................18

Figura 3 Plástico recobrindo corais e outros organismos bentônicos nas Ilhas Marshall...................20

Figura 4 Exemplos de petrechos de pesca abandonados, perdidos ou descartados, Rebio Arvoredo,

SC. (A) Rede fantasma e cabo. (B) Linha. (C) Chumbada. (D) Âncora. (E) Anzol............................21

Figura 5 Exemplos de estados e posições de redes fantasmas. (A) Rede estendida em Marseille,

França (B) Rede cobrindo o costão. (C e D) Redes torcidas na Rebio Arvoredo, SC.........................23

Figura 6 Exemplos de emaranhamentos e ingestão de PP-APD (A) Peixe emaranhado em rede

fantasma na Itália. (B) Caranguejo morto em rede fantasma. (C) Caranguejo emaranhado em rede

fantasma, Rebio Arvoredo, SC (D) Moréia morta devido a ingestão de peixe preso em rede fantasma,

Paquistão..............................................................................................................................................24

Figura 7 Exemplos de impactos dos PP-APD em organismos bentônicos. (A) O coral sol (Tubastrea

spp), espécie invasora no Atlântico, presa em rede fantasma na Ilha de Búzios, SP. (B) Linha de

pesca enroscada em gorgônia (Leptogorgia punicea). (C) Alga calcária crescendo em pedaço de rede

fantasma, Rebio Arvoredo, SC............................................................................................................25

Figura 8 Linha de pesca presa em colônia de corais, Grande Barreira de Corais, Austrália .............26

Figura 9 Frequência de ocorrência de lixo por 100 m2 por região amostrada....................................35

CAPÍTULO 2.....................................................................................................................................46

Figura 1 Localização da Rebio Arvoredo (Ilha da Galé; Ilha Deserta; Calhau de São Pedro; Ilha do

Arvoredo), SC e os pontos amostrados................................................................................................51

Figura 2 Atividade de coleta dos PP-APD em campo na Rebio Arvoredo, SC. (A e B) Coleta de

uma amostra de rede fantasma. (C) Coleta de uma amostra de linha de pesca. (D) Coleta de uma isca

artificial. ..............................................................................................................................................53

Figura 3 Exemplos dos PP-APD coletados na Rebio Arvoredo, SC. (A) Linha e chumbadas. (B e F)

Linhas de pesca. (C) Rede de emalhe. (D) Isca artificial. (E) Anzol. ................................................ 53

Figura 4 Evento de clean up na Ilha da Galé - Rebio Arvoredo, SC..................................................54

Figura 5 Número de PP-APD encontrados nos 12 pontos amostrados na Rebio Arvoredo, SC........55

Figura 6 Exemplos de PP-APD encontrados na Rebio Arvoredo, SC...............................................56

Figura 7 Frequência relativa dos PP-APD por pontos amostrais na Rebio Arvoredo, SC.................57

Figura 8 Tipo de pesca de acordo com os PP-APD encontrados na Rebio Arvoredo,

SC.........................................................................................................................................................58

Figura 9 Grupos de organismos associados as redes fantasmas encontradas na Rebio Arvoredo,

SC.........................................................................................................................................................59

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Figura 10 Organismos associados as redes encontradas na Rebio Arvoredo, SC. (A) Hidrozoário (B)

Macroalga foliácea (C) Macroalga crostosa não articulada (D) Bivalve (E) Craca (F) Briozoário…59

Figura 11 Caranguejos emaranhados em redes de pesca – Rebio Arvoredo, SC ..............................60

Figura 12 Linhas de pesca enroscadas em gorgônias (Leptogorgia punicea) na Rebio Arvoredo, SC..

.............................................................................................................................................................60

Figura 13 - Pontos de remoção do lixo marinho – Naufrágio do Lily (B), Toca da Salema (C), Ponta

da Galé (A) e área mais afastada da costa da Toca da Salema (D) e a frequência relativa dos PP-APD

encontrados na face oeste da Ilha da Galé - Rebio Arvoredo, SC.......................................................61

Figura 14 Prevalência dos organismos associados as redes fantasmas recolhidas no evento de

limpeza – Rebio Arvoredo, SC............................................................................................................62

Figura 15 Animais emalhados nas redes recolhidas na Ilha da Galé – Rebio Arvoredo, SC.............62

Figura 16 Frequência relativa dos petrechos de pesca apreendidos registrados na planilha de autos

de infração de pesca na Rebio Arvoredo, SC......................................................................................63

Figura 17 Tipos de pesca registrados nos autos de infração de pesca ilegal na Rebio Arvoredo, SC....

.............................................................................................................................................................64

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LISTA DE TABELAS

CAPÍTULO 2.....................................................................................................................................46

Tabela 1 Coordenadas (graus decimais) dos pontos amostrais na Rebio Arvoredo, SC.....................52

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL ...................................................................................................... 10

Referências .............................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................ 12

Revisão sobre o Lixo Marinho, com ênfase em Petrechos de Pesca Abandonados,

Perdidos ou Descartados na Costa Brasileira............................................................ 13

Resumo ................................................................................................................... 13

Lixo Marinho .......................................................................................................... 13

Histórico de Registros/Estudos e Impactos ........................................................... 15

Emaranhamento e Ingestão .............................................................................. 16

Dispersão, Novos Habitats e Espécies Exóticas ............................................... 17

Alteração de Habitats ...................................................................................... 19

Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados .................................... 21

Primeiros Estudos, Impactos e Causas .................................................................. 22

Histórico de esforços mundiais para mitigação de PP-APD .................................. 27

Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados – Brasil ....................... 30

Áreas Litorâneas .................................................................................................. 31

Ingestão ............................................................................................................... 32

Lixo Submerso ..................................................................................................... 34

Enfoque em PP-APD ........................................................................................... 36

Conclusão................................................................................................................ 39

Referências .............................................................................................................. 41

CAPÍTULO 2 ........................................................................................................................ 46

Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados em Unidade de

Conservação de Proteção Integral no Atlântico Sul .................................................. 47

Resumo ................................................................................................................... 47

Introdução ............................................................................................................... 47

Material e Métodos .................................................................................................. 50

Resultados ............................................................................................................... 55

Discussão ................................................................................................................ 64

Referências .............................................................................................................. 68

Anexo...................................................................................................................... 71

CONCLUSÃO GERAL ........................................................................................................ 72

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INTRODUÇÃO GERAL

O Brasil possui cerca de 8.500 km de litoral, sendo a maior parte situada em regiões

tropicais e subtropicais (CNIO, 2012). Nesse vasto litoral encontram-se um dos ambientes

marinhos com maior biodiversidade: os ambientes recifais. Estes ocorrem em, pelo menos, um

terço da costa brasileira, divididos em recifes areníticos/coralíneos na região nordeste e recifes

rochosos no sul do país (Castro, C. B.; Pires, 2001). São ecossistemas diversificados, ricos em

recursos naturais de grande importância ecológica, econômica e social (Couto et al., 2003).

Todavia os ecossistemas marinhos brasileiros vêm sofrendo, ao longo dos anos, uma

grande pressão da atividade pesqueira. A intensa exploração e o aumento dos esforços sobre os

recursos pesqueiros já colapsados trazem consigo, seus impactos diretos e indiretos. Um dos

principais impactos indiretos é o lixo gerado pela pesca, conhecido como petrechos de pesca

abandonados, perdidos ou descartados (PP-APD). Esse tipo de lixo marinho é considerado um

problema mundial, pois muitos petrechos possuem a capacidade de continuar pescando por

longo período de tempo. Portanto, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão do

conhecimento que se tem sobre o assunto PP-APD na costa brasileira (Capítulo 1). Realizamos

uma extensa revisão na literatura através da análise de artigos científicos, monografias,

dissertações, teses, legislações, relatórios, web sites, entre outros. Na obtenção de maiores

informações sobre PP-APD em âmbito global, também foram revisadas as literaturas sobre lixo

marinho. As palavras-chave utilizadas foram: marine debris, fishing litter, ALDFG, ghost nets,

ghost fishing, ghost gear, associadas as palavras-chave: tangled, ingestion, plastic, transport,

drift, exotic species, new habitat, impact. As pesquisas com as palavras-chave foram realizadas

em plataformas de busca, como Google, ScienceDirect, Google Acadêmico, Mendeley,

Plataforma Capes, Scielo, entre outras, para identificar as literaturas. No Brasil, devido à baixa

frequência de literaturas sobre PP-APD, também foram revisadas as literaturas sobre lixo

marinho. Nesses estudos, apesar de não apresentarem os PP-APD na categoria do lixo

proveniente da pesca, foram realizadas buscas minuciosas por petrechos de pesca inseridos nas

demais categorias presentes nos estudos, como por exemplo, na categoria de lixo de plástico.

As palavras-chave utilizadas foram: lixo marinho, lixo da pesca, PP-APD, petrechos de pesca,

redes fantasmas, pesca fantasma, petrecho fantasma, associados com emaranhamento,

ingestão, plástico, espécies exóticas, transporte, deriva e impacto. Também as referências de

cada estudo citado nesta revisão foram analisadas.

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Além disso, realizamos um estudo de caso na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo

(Rebio Arvoredo), Santa Catarina, Brasil (Capítulo 2) com os objetivos de: realizar um

levantamento dos PP-APD presentes na unidade de conservação; identificar quais PP-APD

são mais frequentes na Rebio Arvoredo e por local amostrado; quais os possíveis tipos de pesca

realizados com os PP-APD encontrados; identificar os principais grupos de organismos

associados às redes fantasmas e comparar os dados obtidos com os autos de infração de pesca

irregular fornecidos pelo ICMBio.

Referências

CNIO, 2012. O Brasil e o Mar No Século XXI, 2nd ed. Niterói - RJ.

Castro, C. B.; Pires, D., 2001. Brazilian coral reefs: what we already know and what is still

missing. Bull. Mar. Sci. 69, 357–371.

Couto, E.C.G., Silveira, F.L. Da, Rocha, G.R. a, 2003. Marine biodiversity in Brazil: the

currents status. Gayana 67, 327–340. doi:10.4067/S0717-65382003000200013

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CAPÍTULO 1

Revisão sobre o Lixo Marinho, com ênfase em Petrechos de Pesca Abandonados,

Perdidos ou Descartados na Costa Brasileira

(Será submetido à revista Natureza & Conservação)

Formatado de acordo com os moldes da revista

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Revisão sobre o Lixo Marinho, com ênfase em Petrechos de Pesca Abandonados,

Perdidos ou Descartados na Costa Brasileira

Jéssica Tamires Linka,*, Luiz Miguel Casarinib, Bárbara Segala

a Universidade Federal de Santa Catarina

b Instituto de Pesca – SAA/SP

∗ Autor correspondente: [email protected]

Resumo

O Brasil possui um extenso litoral e uma forte tradição pesqueira e, consequentemente, é

afetado pelos impactos dessa atividade. Um impacto indireto são os petrechos de pesca

abandonados, perdidos ou descartados (PP-APD). Portanto, o objetivo desse estudo é realizar

uma revisão de conhecimento a respeito do assunto PP-APD, com enfoque na costa brasileira.

Os resultados demonstraram a presença de petrechos de pesca nos estudos de lixo marinho em

geral desde a década de 90, tanto em faixas de praias como em áreas submersas. As unidades

de conservação costeiro-marinhas também foram locais recorrentes da presença de PP-APD.

Contudo, a costa brasileira ainda é carente em estudos com enfoque em PP-APD, desde a

quantidade, distribuição e seus efeitos no ambiente.

Palavras-chave: lixo marinho; PP-APD; resíduos sólidos; Atlântico Sul Ocidental

Lixo Marinho

Mediante o sistema de desenvolvimento econômico e social vigente no mundo hoje,

pautado pelo excesso do consumo de produtos descartáveis ou de durabilidade reduzida, o

processo de descarte inadequado dos mesmos está cada vez mais acentuado. Quando

descartado, o material é designado como lixo, ou seja, todo e qualquer resíduo sólido

proveniente das atividades humanas considerado sem utilidade. Chega-se a considerar que a

produção excessiva de lixo é uma das doenças de consumo do presente século, sendo a maior

parte dos produtos inutilizados e jogados fora com uma impressionante rapidez (Bezerra e

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Carvalhal, 2013). Dessa forma, convivemos há vários anos com a problemática do lixo,

resíduos que ainda não possuem uma destinação e tratamento adequado.

As consequências da destinação incorreta do lixo são inúmeras, como contaminação de

solos e água, enchentes, vetores de doenças, liberação de gases tóxicos, entre outros. Os

impactos provenientes do lixo também não se restringem apenas as áreas terrestres do planeta,

mas também afetam os oceanos.

O lixo marinho é definido como quaisquer materiais sólidos manufaturados ou

processados, persistentes, que são descartados, eliminados ou abandonados no ambiente

marinho e costeiro. Inclui itens desde plástico, madeira, metal, vidro, borracha, vestuário, papel

e outros (Gall e Thompson, 2015). Há diversas formas do lixo chegar ao ambiente marinho,

como rios, sistemas de drenagem ou de esgotos e vento (Barnes et al., 2009).

Os tipos de materiais mais encontrados como lixo marinho, em escala global, são os

itens de plástico (UNEP, 2009). Os plásticos são polímeros orgânicos sintéticos e existem no

planeta há pouco mais de um século (Derraik, 2002). Estes são leves, fortes, duráveis e baratos,

características que os tornam adequados para a fabricação de diferentes produtos. A

versatilidade destes materiais tem levado a um grande aumento no seu uso ao longo das últimas

três décadas, e eles se moldaram rapidamente para todos os aspectos da vida cotidiana (Laist,

1987). Uma vez que são também flutuantes, uma quantidade crescente de lixos plásticos está

sendo dissipada por longas distâncias e, quando finalmente assentam em sedimentos, podem

persistir por séculos (Derraik, 2002).

Embora seja desconhecida a quantidade absoluta de plástico que entra no ambiente

marinho, a proporção de plástico que contribui para resíduos urbanos constitui 10% dos

resíduos gerados em todo o mundo. Enquanto alguns resíduos plásticos são reciclados, a

maioria acaba em aterros sanitários, onde pode levar séculos para que tais materiais se

decomponham (Barnes et al., 2009). Apesar do plástico ser um poluente internacionalmente

reconhecido, com legislação em vigor visando reduzir a quantidade desses lixos que entram no

ambiente marinho, estima-se que até 10% dos plásticos produzidos acabam nos oceanos, onde

eles podem permanecer e se acumular (Gregory, 2009).

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Histórico de Registros/Estudos e Impactos

Os impactos do lixo marinho são relatados pela primeira vez na literatura na década de

60, por meio dos registros de Brongersma (1968), Caldwell et al. (1965), Holgersen (1961)

citados por Gall e Thompson (2015). Esses trabalhos documentaram o impacto do lixo marinho

através do registro de óbitos de aves, tartarugas, peixes e mamíferos marinhos. Desde então, a

frequência de registros é cada vez maior, tanto para o número de espécies, quanto para o

número de indivíduos afetados.

Os principais trabalhos de revisão sobre esse assunto são de Laist (1987, 1997) Derraik

(2002), Gregory (2009) e Gall e Thompson (2015). A revisão de Laist (1997) relatou 267

espécies interagindo com o lixo marinho (emaranhados ou por ingestão). Derraik (2002)

realizou uma revisão sobre o lixo plástico no ambiente marinho, com enfoque nas ameaças

menos conhecidas, como o uso do lixo plástico por espécies invasoras e absorção de poluentes

do plástico ingerido por algumas espécies. Gregory (2009) abordou sobre a poluição estética

do lixo, emaranhamento, ingestão, pesca fantasma (abordado adiante), lixos flutuantes, lixos

que se estabelecem no fundo marinho, agregação do lixo, limpezas de praia e sobre a dispersão

lenta e de longa distância de organismos incrustantes comuns e de exóticos invasores

associados ao lixo marinho, com ênfase na Nova Zelândia e no Pacífico.

A revisão mais recente sobre o assunto foi realizada por Gall e Thompson (2015) por

meio de uma análise e síntese do relatório de revisão do Painel Científico e Técnico Consultivo

do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (STAP) que os próprios autores participaram. Esse

relatório descreve o impacto do lixo marinho na biodiversidade, juntamente com estratégias

para enfrentar este desafio (Secretaria da Convenção da Diversidade Biológica, 2012). O total

de 340 publicações originais foram identificadas por Gall e Thompson (2015) documentando

encontros entre lixo e organismos marinhos, referentes a 693 espécies. Nos estudos analisados,

76,5% listam o plástico entre o tipo de lixo mais comumente encontrado nos organismos. As

regiões com maior número de literaturas sobre encontros entre lixo e organismos marinhos

incluíram a costa leste da América do Norte (n = 56), a Austrália (n = 54), a costa oeste da

América do Norte (n = 54) e a Europa (n = 52). As regiões com os menores números de

informações incluíram a Antártica (n = 6), as costas leste e oeste da África (n = 7 e n = 5,

respectivamente), a costa oeste da América do Sul (n = 6) e o Ártico (n = 5) (Gall e Thompson,

2015). Ainda nesse estudo, não constam registros de encontros entre lixo e organismos

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16

marinhos na costa leste da América do Sul, o que demonstra a necessidade de estudos nessa

região.

Emaranhamento e Ingestão

Os impactos do lixo na vida marinha são inúmeros e os efeitos podem ser vastos. Dentre

as 340 publicações levantadas por Gall e Thompson (2015), 292 relataram a incidência de

emaranhamento1 ou ingestão (Figura 1) de lixo marinho entre os organismos, totalizando

44.006 indivíduos de 395 espécies. Desde a última revisão de Laist (1997), em

aproximadamente 12 anos, os registros aumentaram aproximadamente 50%. De acordo com

Gall e Thompson (2015), dentre os itens de plástico mais frequentes em emaranhamentos estão

os cabos e redes de pesca.

Figura 1- Impactos dos PP-APD na megafauna (A) Raia manta emaranhada em rede de pesca. (B) Ingestão de

plástico por tartaruga marinha (National Marine Life Center, 2016)

Desde o relatório de Laist (1997) até o estudo de Gall e Thompson (2015), o número de

ocorrências aumentou para tartarugas, mamíferos e aves marinhas. Embora o número de relatos

de espécies de peixes encontradas com lixo marinho ainda permaneça baixo (0,68%), o número

de espécies de peixes afetadas quase dobrou desde 1997 (Gall e Thompson, 2015). Convém

destacar que existe uma tendência de maiores registros para os impactos na megafauna, um

padrão que se repete desde a década de 60. Os relatos de emaranhamento em lixo marinho por

espécie foram mais numerosos comparados à ingestão (Gall e Thompson, 2015). As principais

1 Ato de estar preso, embolado, enroscado ou enredado.

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espécies registradas em emaranhamentos foram: baleia-franca-do-atlântico-norte (Eubalaena

glacialis), baleia-franca (Megaptera novaeangliae), lobo-marinho-antártico (Arctocephalus

gazelle), leão-marinho-californiano (Zalophus californianus), tartaruga-oliva (Lepidochelys

olivacea) tartaruga-verde (Chelonia mydas) e a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata)

(Stelfox et al., 2016; Gall e Thompson, 2015).

Os relatos de incidência de ingestão de detritos marinhos por espécie foram os mais

numerosos para a tartaruga-verde (C. mydas), a ave pardela-branca (Fulmaris glacialis) e a

tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) (Gall e Thompson, 2015). Ryan (1988) realizou um

experimento com galinhas (Gallus domesticus) para estabelecer o potencial efeito das

partículas de plástico ingeridas por aves marinhas. As galinhas foram alimentadas com

grânulos de polietileno e os resultados indicaram que os plásticos ingeridos reduzem o tamanho

das refeições e o volume de armazenamento do estômago. Assim, ele concluiu que as aves

marinhas com grandes quantidades de plástico reduziram o consumo de alimentos, o que limita

a capacidade de estabelecer depósitos de gordura, reduzindo assim a aptidão e,

consequentemente, diminuindo a capacidade de realizar migração de longa distância e

possivelmente a diminuição do esforço reprodutivo. Dentre as espécies que ingerem ou ficam

emaranhadas em lixo marinho, 17% estão listadas como ameaçadas, vulneráveis ou

criticamente em perigo dentro das categorias da União Internacional para a Conservação da

Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) (Gall e Thompson, 2015).

Dispersão, Novos Habitats e Espécies Exóticas

Existem duas formas principais de dispersão dos organismos marinhos, por meio de

correntes oceânicas (geralmente utilizadas por larvas pelágicas) ou por meio de jangadas

naturais (rafting), onde as larvas se fixam em madeiras, macroalgas e rochas vulcânicas, por

exemplo (Thiel e Gutow, 2005). Contudo, o aumento da industrialização colaborou para o

transporte de organismos na água de lastro e casco de navios, os quais são conhecidos como

contribuintes substanciais para a dispersão de espécies, e também para o transporte de espécies

(Molnar et al., 2008). O grande contribuidor no transporte de organismos é o lixo marinho,

principalmente os lixos flutuantes, por percorrerem grandes distâncias. Gall e Thompson

(2015) levantaram o registro de 34 relatos informando o transporte de organismos em lixo

marinho para 259 espécies. Ao considerar os materiais que compõem o lixo de deriva, os itens

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mais citados foram embalagens intactas, fragmentos diversos, cabos, redes, outros materiais de

pesca e microplásticos.

Os lixos plásticos à deriva são comumente colonizados por uma diversidade de

organismos. A maioria desses organismos são sésseis, de carapaça dura ou crostosos, como

cracas, vermes tubulares, foraminíferos, hidrozoários, moluscos bivalves e algas calcárias

(Figura 2). Além disso, os plásticos também são substratos atraentes para uma variada biota

móvel. As agregações de lixo marinho podem proporcionar habitats adequados às fases larval

e juvenil de inúmeros organismos. Estes também podem atrair predadores de vida livre, como

peixes que se juntam com o objetivo de agregação ou simplesmente na busca de abrigo

(Gregory, 2009). O lixo como novo habitat, pode ser particularmente importante quando

fornece substrato duro em áreas onde são predominante de sedimento inconsolado, pois

influencia a abundância relativa de organismos dentro das assembleias locais (Pace and

Dimech, 2007). O impacto referente a essa nova colonização provavelmente será mais visível

em áreas afastadas da zona costeira, onde as atividades antrópicas são mais escassas.

(Secretaria da Convenção da Diversidade Biológica, 2012).

Figura 2 - Exemplo de lixo marinho incrustado por alga calcária – Rebio Arvoredo, SC (Foto: Eduardo Bastos)

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Gregory (2009) cita alguns exemplos de espécies exóticas dispersadas pelo lixo

marinho. A anêmona (Diadumene lineata), espécie agressiva e invasiva, nativa do Japão, foi

descoberta em redes de arrasto abandonadas na lagoa de Pearl e Hermes Reef, nas ilhas do

noroeste do Havaí. Assim, sugere-se que ela tenha sido transportada pelas redes de pesca. Outro

caso, é o briozoário (Thalamoporella evelinae) que chegou na costa da Flórida, fixado em lixo

de plástico à deriva, e encalhou posteriormente nas praias. Ambas as espécies não haviam sido

previamente identificadas.

Alteração de Habitats

O lixo marinho também pode causar alterações físicas nos habitats, como documentado

em recifes de corais (Chiappone et al., 2005, 2002; Donohue et al., 2001; Richards e Beger,

2011). As evidências para efeitos de assembleia ainda são muito limitadas e difíceis de

quantificar, contudo não significa que tais efeitos não existam. Na revisão de Gall e Thompson

(2015), foram encontradas oito referências sobre esse assunto. Os efeitos de alterações físicas

nos habitats foram documentados em recifes de corais, habitats de sedimentos inconsolidado e

sedimentos arenosos de entremarés.

Richards e Beger (2011) identificaram consequências semelhantes da presença do lixo

marinho na República das Ilhas Marshall. A cobertura de coral diminuiu significativamente à

medida que a cobertura de lixo aumentava (Figura 3). De modo semelhante, Carson et al.

(2011) observaram que diferentes quantidades de fragmentos de plástico nos sedimentos de

praia alteraram as propriedades térmicas do sedimento. Embora não tenham identificado um

impacto no âmbito de assembleia, a hipótese aponta para possíveis consequências significativas

nos organismos de praia, como as tartarugas marinhas, organismos cujos ovos têm a

determinação do sexo dependente da temperatura.

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Figura 3 - Plástico recobrindo corais e outros organismos bentônicos nas Ilhas Marshall (Richards e Beger,

2011)

Devido à alta frequência da incidência de lixo marinho e seus diferentes danos

potenciais, o lixo marinho foi identificado como um problema mundial e presente na listagem

entre as principais ameaças percebidas à biodiversidade marinha (Secretaria da Convenção da

Diversidade Biológica, 2012). O problema tem sido reconhecido em acordos globais e

regionais, tais como as decisões da 11ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade

Biológica (Decisão XI / 18 da COP 11 da CDB), a 10ª Conferência das Partes na Convenção

sobre a Diversidade Biológica (Convenção CMS 10.4), a Convenção Internacional para a

Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) - Anexo V, e a Estrutura Diretiva de Estratégia

Marinha da UE (MSFD).

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Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados

Um tipo de componente do lixo marinho que tem causado grande preocupação mundial

nas últimas décadas é o lixo proveniente da atividade pesqueira. Nas operações de pesca,

independente da categoria, é comum o abandono, perda ou descarte de petrechos e

equipamentos (FAO, 2009; Laist, 1997). Os petrechos de pesca mais comuns são redes, varas,

anzóis, cabos de amarração, armadilhas, entre outros (Figura 4), e quando estes petrechos de

pesca são abandonados, perdidos e/ou descartados (PP-APD) no mar, podem causar graves

problemas ecológicos e socioeconômicos.

Figura 4 - Exemplos de petrechos de pesca abandonados, perdidos ou descartados, Rebio Arvoredo, SC (A) Rede

fantasma e cabo. (B) Linha. (C) Chumbada. (D) Âncora. (E) Anzol (Fotos: Jéssica Link)

Estima-se que 6,4 milhões de toneladas de lixo marinho chegam aos mares mundiais

anualmente (FAO, 2009). Os PP-APD compõem aproximadamente 10% do total de lixo

marinho em volume, contudo a composição do lixo marinho e densidade de PP-APD é

altamente variável em pequenas escalas espaciais. A quantidade, distribuição e efeitos dos PP-

APD aumentaram substancialmente nas últimas décadas com a rápida expansão do esforço de

pesca, e a transição para materiais sintéticos mais duráveis utilizados nos petrechos de pesca

(FAO, 2009).

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Um marco particularmente importante na pesca foi a introdução do material sintético.

Antes dos anos 50, os materiais utilizados na pesca eram confeccionados a partir de fibras

naturais - tipicamente indianas ou cânhamo-de-manilha e algodão, e muitas vezes reforçadas

com alcatrão ou tiras de lonas usadas. Contudo, esses materiais tendem a se desintegrar

rapidamente expostos no ambiente. Por essas razões, as fibras naturais foram substituídas pelo

nylon e outros materiais sintéticos, geralmente mais flutuantes e resistentes (Gregory, 2009).

Tais características dos materiais plásticos possibilitaram um rápido crescimento da pesca

extrativa. Porém essas mesmas características são responsáveis pela multiplicidade de impactos

globais em ambientes marinhos.

Primeiros Estudos, Impactos e Causas

Na grande maioria dos trabalhos acadêmicos, desde a década de 60 até os dias de hoje,

há o registro da presença de algum tipo de petrecho de pesca como lixo marinho. A crescente

preocupação com os PP-APD comparados aos demais lixos marinhos é em razão dos impactos

adicionais que estes proporcionam. Os PP-APD têm a capacidade de realizar “pesca fantasma”,

caracterizada pela habilidade do petrecho continuar pescando depois que se perde o controle

sobre o mesmo (Smolowitz, 1978). A pesca fantasma é um dos impactos mais significativos

dos PP-APD e é altamente específica para uma série de fatores. Estes incluem o tipo de petrecho

(se foi abandonado com um conjunto de outros petrechos maximizado para a pesca ou se foi

descartado/perdido onde é menos provável pescar) e as condições ambientais locais

(especialmente em termos de correntes, profundidade e localização) (FAO, 2016).

O principal efeito direto da pesca fantasma é a mortalidade dos organismos que se

prendem (emaranhamento) ao PP-APD, principalmente em redes. De acordo com a FAO

(2009), o modo como o petrecho se altera na configuração durante a sua progressão, desde a

perda inicial até o final, é uma variável fundamental na determinação da sua eficiência de

captura. Além disso, o estado e posição da rede ou armadilha no início deste processo também

são importantes. As redes ou armadilhas abandonadas podem ser fixadas para maior eficiência

da pesca e, consequentemente, as capturas por pesca fantasma serão mais elevadas. No entanto,

as redes descartadas podem perder o potencial de pesca imediatamente, porque não estão

estendidas verticalmente. Mesmo que o PP-APD tenha o potencial de captura diminuído,

poderá ser recuperado por meio das correntes marinhas ou eventos climáticos que deslocam e

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alteram o formato do PP-APD constantemente no ambiente e reinicia a pesca fantasma (Figura

5).

Figura 5- Exemplos de estados e posições de redes fantasmas. (A) Rede estendida em Marseille, França

(LIFEGATE, 2016). (B) Rede cobrindo o costão. (C e D) Redes torcidas na REBIO Arvoredo (Fotos: Jéssica

Link)

À medida que se perde o controle sobre os petrechos de pesca, a seletividade e a

eficiência desses petrechos para capturar a espécie-alvo podem ser alteradas. Esta alteração na

especificidade pode resultar em: mudanças na transparência dos petrechos e "detecção" devido

ao crescimento de organismos incrustantes (podendo variar em função da profundidade, da

transparência da água e da produtividade); deslocamento para diferentes ambientes; alteração

das características da malha, caso a rede ficar torcida, ou seja, pescará espécies que não

possuem interesse comercial, como algumas espécies de peixes, invertebrados, tartarugas,

mamíferos e aves marinhas (FAO, 2010). Dentre os animais capturados, existe uma especial

preocupação com a megafauna marinha, já que apresentam vida longa, crescimento lento,

maturidade sexual tardia e baixa fecundidade, incluindo aves marinhas, tartarugas, mamíferos

marinhos, elasmobrânquios e alguns peixes ósseos (FAO, 2016; Laist, 1997). A mortalidade

de vida marinha que ocorre na pesca, incluindo a pesca fantasma, pode contribuir no

comprometimento da viabilidade de algumas populações. Devido às suas características

biológicas e outros estressores antropogênicos, elas podem declinar durante escalas temporais

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curtas (décadas) e são lentas para se recuperar de grandes declínios (FAO, 2016; Gilman et al.,

2013).

Os efeitos indiretos dos PP-APD são observados através de capturas acumuladas. Os

organismos presos podem servir para atrair outras espécies, especialmente as detritívoras. Estas

também acabam ficando emaranhadas no petrecho, processo conhecido como pesca cíclica

(Figura 6). A alimentação dos detritívoros libera odores que aumentam a atração dos outros

indivíduos para o PP-APD. Alguns destes detritívoros são capturados e, eventualmente, se

decompõem, fornecendo uma fonte contínua de "isca" até que o PP-APD perca sua eficiência

de pesca. Esta pesca cíclica pode aumentar a eficiência da pesca fantasma de alguns tipos de

petrechos para algumas espécies (FAO, 2010; Gilman et al., 2013), enquanto outras são

repelidas por indivíduos da mesma espécie que estão mortos (Breen, 1990; FAO, 2016).

Figura 6- Exemplos de emaranhamentos e ingestão de PP-APD. (A) Peixe emaranhado em rede fantasma na Itália

(Foto: Franco Banfi). (B) Caranguejo morto em rede fantasma (Foto: Jéssica Link). (C) Caranguejo emaranhado

em rede fantasma, Rebio Arvoredo, SC (Foto: Edson F. Junior). (D) Moréia morta devido a ingestão de um peixe

preso em rede fantasma, Paquistão (Foto: Martin Stelfox)

Outros efeitos indiretos dos PP-APD são similares aos impactos ambientais gerados

pelo lixo marinho em geral, como ingestão, dispersão de organismos e espécies exóticas,

alterações de habitats e a introdução de material sintético na rede alimentar marinha (Figura 7).

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Laist (1997) já apontava na sua revisão que os petrechos de pesca (linha de monofilamento,

redes e cabos) eram considerados a fonte mais significativa de emaranhamento para tartarugas,

mamíferos, aves costeiras e marinhas, peixes e caranguejos. Segundo esse autor, estima-se que

cerca de 100.000 mamíferos marinhos morrem todos os anos devido ao emaranhamento ou

ingestão de petrechos de pesca e de lixo marinho.

Figura 7- Exemplos de impactos dos PP-APD em organismos bentônicos (A) O coral sol (Tubastrea spp.), espécie

invasora no Oceano Atlântico, presa em rede fantasma na Ilha de Búzios, SP (Foto: Daniel Pohl). (B) Linha de

pesca enroscada em gorgônia (Leptogorgia punicea). (C) Alga calcária crescendo em pedaço de rede fantasma,

Rebio Arvoredo, SC (Fotos: Jéssica Link)

Também estima-se que 70% dos PP-APD afundam no mar, o que pode afetar

negativamente os habitats bentônicos de áreas costeiras rasas e águas profundas (Gilman,

2015). As redes de emalhe, por exemplo, podem aparentar ter pouco impacto na fauna bêntica.

No entanto, elas podem ser arrastadas ao longo do fundo por fortes correntes ou durante a

recuperação do petrecho, prejudicando consideravelmente esses organismos frágeis, como

esponjas e corais (FAO, 2016). Quando o PP-APD apresenta espécies exóticas invasoras e são

transportados para novos ambientes, pode favorecer o processo de introdução, contribuindo

para perturbações na comunidade (Gilman,2015). Chiappone et al. (2005) analisaram as

consequências da perda de petrechos de pesca em recifes de corais e locais de substrato

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consolidado em Florida Keys. Eles encontraram anzóis e linhas como os principais

responsáveis pelos impactos em esponjas e cnidários, através da abrasão do tecido, causando

mortalidade parcial ou total da colônia (Figura 8). O estudo realizado por Lamb et al. (2015)

na Grande Barreira de Corais na Austrália, reportou que as três doenças mais frequentes em

corais eram predominantes em recifes fora das áreas marinhas protegidas, particularmente

aqueles com altos níveis de corais lesionados por linhas de pesca descartadas. Além das linhas

de pesca causarem lesões nos tecidos de corais e danos no esqueleto, elas também favorecem

a colonização de potenciais patógenos, e uma vez que um patógeno infecta o coral, a perda de

tecido tipicamente se espalha a partir do ponto de entrada.

Todavia, convém destacar que existem esforços maiores de estudos para megafauna

marinha quando comparados aos estudos direcionados aos habitats bentônicos sobre PP-APD.

Além dos recifes de corais, há uma lacuna de informações aos demais habitats bentônicos,

como costões rochosos, gramas marinhas e bancos de rodolitos, por exemplo.

Figura 8 - Linha de pesca presa em colônia de corais, Grande Barreira de Corais, Austrália (Foto: Joleah Lamb)

Os PP-APD também resultam em impactos econômicos e sociais. Estes impactos

podem ser: enrosco no hélice e/ou leme, o que afeta a estabilidade da embarcação na água e/ou

restringe a capacidade de manobra, proporcionando perigos à navegação; prejuízos ao setor

pesqueiro, pois estima-se que a pesca fantasma remova entre 0,5% a 30% das capturas de

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espécies de valor comercial em várias pescarias (FAO, 2016; Laist, 1997); gastos com logística

de busca e recuperação (clean up), visto que a atividade demanda embarcação adequada,

equipamentos e ferramentas específicas, além de mergulhadores capacitados; o

comprometimento da segurança de banhistas, surfistas e mergulhadores, como por exemplo

lesões causadas por emaranhamentos, materiais cortantes, podendo resultar em afogamentos

e/ou mortes.

As principais causas de abandono, perda e descarte de petrechos de pesca são: o mau

tempo, danos, colisão com embarcações, engate em recifes e naufrágios, entrelaçamento com

outros petrechos, problemas durante a operação, falhas humanas, vandalismo, prática de pesca

não regulamentada ou ilegal (Laist, 1997). Quando perdido, dependendo do petrecho, a opção

de recuperar é descartada pelo pescador porque reduz o tempo de pesca e torna-se um custo

adicional com combustível. Quando se trata de pesca ilegal ou não regularizada, o descarte é

frequente, pois a ausência de petrechos com os infratores diminui a penalidade quando

inspecionado pelas autoridades (FAO, 2016).

Histórico de esforços mundiais para mitigação de PP-APD

Mediante essa problemática, atualmente os PP-APD possuem reconhecimento

internacional por serem considerados o maior desafio global referente ao lixo. Na década de

80, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reconheceu

os PP-APD como um dos principais problemas globais e de grave ameaça aos ecossistemas

marinhos e costeiros. Assim, ao longo dos anos, a FAO realizou articulações internas para

fortalecimento das atividades referentes aos PP-APD. O Programa das Nações Unidas para o

Meio Ambiente (PNUMA) criou o Programa de Mares Regionais para organizar e implementar

convenções e planos de ação de atividades regionais sobre lixo marinho (incluindo PP-APD)

com grupo de países que partilham mares em comum (FAO, 2009).

O Comitê de Pesca da FAO (COFI) também considera uma questão importante na

abordagem ecossistêmica da pesca o lixo marinho, em especial os PP-APD. Em 1982, na

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, no artigo 18.o, aplicou-se as disposições

de obrigação na marcação dos navios de pesca e os petrechos de pesca como deveres do Estado,

como também combater o lixo marinho de forma geral (FAO, 2009).

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A Organização Marítima Internacional (OMI) é uma agência especializada das Nações

Unidas para abordagem das questões de navegação internacional, segurança marítima e

proteção do ambiente marinho. Em 1988, entraram em vigor diretrizes para prevenção do lixo

a partir de navios através do Anexo V da Convenção Internacional para a Prevenção da

Poluição por Navios (MARPOL) (FAO, 2009). O Anexo V apresenta a proibição completa de

certas descargas de lixo geradas por navios, como por exemplo: descarte de redes de pesca

sintéticas e a maneira como os diferentes tipos de lixo podem ser descartados; aplicação de

inspeções nos portos por funcionários devidamente autorizados quando as embarcações não

estiverem habituada em relação à prevenção da poluição por lixo; navios de 400 AB2 ou mais

devem manter os registros para a realização da declaração da descarga, fuga ou perda acidental

de lixo (inclui material de pesca sintético) e registrar as razões da perda; exigência por parte

dos gestores das atividades pesqueiras, a utilização de sistemas de identificação de

embarcações que fornecem informações como: nome do navio, número de registro e

nacionalidade; incentivo aos governos a considerar o desenvolvimento de tecnologia para uma

identificação mais eficaz dos petrechos de pesca (CCA-IMO, 2017).

Em 1995 foi adaptado o Código de Conduta da FAO para a Pesca Responsável (CCRF)

para promover práticas de pesca responsáveis e encorajar os Estados na abordagem de questões

associadas aos impactos da pesca no ambiente marinho. Nesse código de conduta há

informações de como minimizar os PP-APD, a responsabilidade de recuperar esses petrechos

e entregá-los aos portos para posterior destinação adequada do material e possível reciclagem

(FAO, 2009).

Desde 2004, resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU)

reconheceram explicitamente os problemas resultantes dos PP-APD. A AGNU convocou os

Estados e as organizações internacionais a tomarem medidas para mitigar esses problemas.

Através de suas resoluções, a AGNU fornece mandatos para que os PP-APD sejam abordados

globalmente e por organizações intergovernamentais específicas. As organizações

internacionais identificadas nestas resoluções incluem a Organização Marítima Internacional

2 A arqueação bruta (AB) é função do volume de todos os espaços interiores de um navio, medidos desde a quilha

até à chaminé. A arqueação bruta consiste, portanto, numa espécie de índice de capacidade, usado para classificar

um navio com o objetivo de determinar as suas regras de governo, de segurança e outras obrigações legais. É um

valor adimensional, apesar da sua derivação estar ligada à capacidade volumétrica expressa em metros cúbicos

(SARDINHA, 2013).

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(OMI), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Comité

de Pesca da FAO (COFI), o Programa dos Mares Regionais do Programa das Nações Unidas

(PNUMA) e organizações de gestão de pesca regionais. As ações recomendadas da AGNU

incluem: recolher dados sobre a perda de petrechos, custos econômicos e os efeitos nos

ecossistemas marinhos; tomar medidas preventivas e corretivas; integrar a questão nas

estratégias nacionais e regionais pertinentes; e melhoria das medidas existentes por parte das

organizações internacionais (FAO, 2016).

A Comunidade Europeia (CE) traz com base jurídica, medidas claras destinadas a

combater os PP-APD, através de adoção de métodos alternativos de pesca, a necessidade de

adotar medidas para identificar os petrechos de pesca fantasmas e a sua recuperação. O

Regulamento n.º 356 da Comissão (CE) de 2005 estabelece regras para a marcação de petrechos

de pesca passivos e das redes de arrasto em águas comunitárias (FAO, 2009; FAO, 2016).

O PNUMA lida com a questão dos PP-APD como parte de uma Iniciativa Global sobre

Lixo Marinho mais ampla, implementada através do Programa de Mares Regionais (RSP). O

RSP assumiu a liderança mais ativa em 2005, organizando e implementando atividades

regionais sobre lixo marinho, inicialmente em 12 mares regionais (FAO, 2009). Atualmente o

programa abrange 18 mares regionais (Antártica, Ártico, Báltico, Mar Negro, Mar Cáspio,

África Oriental, Leste Asiático, Mediterrâneo, Atlântico Nordeste, Nordeste do Pacífico,

Noroeste do Pacífico, Pacífico, Mar Vermelho e do Golfo do Aden, Área Marinha da ROPME3,

Mares do Sul da Ásia, Sudeste do Pacífico, África Ocidental e Grande Caribe). O programa

funciona através de planos de ação adotados pelos governos membros, com base nos desafios

ambientais específicos da região, bem como na sua situação socioeconômica (UNEP, 2017).

Convém destacar que o Atlântico Sul não está incorporado nessa iniciativa do PNUMA, assim

torna-se compreensível a ausência de informações sobre PP-APD aos países que são banhados

por este oceano.

Em 2011, a Comissão de Pesca da FAO (COFI) aprovou as Diretrizes Internacionais

sobre Gestão de Capturas e Redução de Rejeitos. As Diretrizes incluíram recomendações para

3 A Organização Regional para a Proteção do Meio Marinho (ROPME) criada em 1979 na Conferência Regional

de Plenipotenciários sobre a Proteção e o Desenvolvimento do Meio Marinho e das Zonas Costeiras no Kuwait,

englobando Bahrain, Irã, Iraque, Kuwait, Omã, Qatar, Arábia Saudita e os Emirados Árabes (ROPME, 2017).

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que os Estados membros identificassem, quantificassem e reduzissem os impactos da

mortalidade da pesca fantasma, como um objetivo nos planos de manejo pesqueiro; a marcação

dos petrechos de pesca, a notificação, recuperação dos petrechos perdidos e um quadro

regulamentar para lidar com os infratores (FAO, 2016).

A Austrália, Indonésia e Chile também direcionam esforços econômicos para prevenção

do lixo marinho e a sua mitigação por meio do projeto Marine Resource Conservation Working

Group. Este projeto é intitulado para compreender os benefícios e custos econômicos no

controle do lixo marinho na região do Grupo de Trabalho sobre Pescas da Cooperação

Econômica da Ásia-Pacífico (APEC) (FAO, 2009).

Em 2015 foi fundada a Global Ghost Gear Initiative (GGGI), uma organização com o

objetivo de promover soluções para a problemática dos petrechos de pesca perdidos em todo o

mundo. O intuito da organização envolve vários setores da sociedade, tais como indústria

pesqueira, o setor privado, o meio acadêmico, governos, organizações intergovernamentais e

não-governamentais sobre o assunto. A organização trabalha dentro de três eixos principais: 1-

construir evidências; 2- boas práticas e políticas de informação; 3- catalisar e replicar soluções

(GGGI, 2017).

Todavia, vale ressaltar que tanto nos relatórios da FAO (2009; 2016), como no estudo

de Gilman (2015), comentam que apesar de existirem fortes políticas internacionais e quadros

jurídicos sobre PP-APD, ainda há muitos déficit. As avaliações de desempenho passadas

concluíram que há um déficit substancial de governança, incluindo monitoramento, vigilância

e execução, indicando baixo cumprimento dos mandatos internacionais para prevenir e

remediar os PP-APD.

Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados – Brasil

No Brasil, a substituição da fibra natural por material sintético na pesca ocorreu de

forma lenta e gradual, devido ao modo tradicional da pesca e aos preços desses novos materiais

sintéticos provenientes dos países desenvolvidos. Contudo, esse cenário se modifica a partir da

década de 60, com o surgimento de duas empresas nacionais (Equipesca e Mazzaferro) de

produção de redes, linhas e acessórios para a pesca industrial, amadora e artesanal,

principalmente fios mono e multifilamentares de material sintético.

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A introdução dos petrechos de pesca a partir de material sintético, manufaturado no

Brasil, permitiu a rápida expansão da pesca no país. Na década de 70 a produção nacional de

pescado alavancou, devido aos incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da

Pesca (SUDEPE), a queda nos custos dos suprimentos para atividade, e a própria matéria-prima

ser mais resistente que a fibra natural utilizada anteriormente (Diegues, 1983).

A pesca industrial/empresarial teve seu auge na década de 70, passando por uma grave

crise na década de 80. Uma das principais causas dessa crise foi a rápida e intensa sobrepesca

dos bancos de camarão e algumas espécies de peixes, além da recessão econômica que limitou

o aporte dos recursos financeiros conseguidos facilmente pelas empresas. Uma parte das

empresas pesqueiras do sul se transferiram para o norte do país, onde continuaram explorando

os bancos de camarão (Diegues, 1998). De 1998 a 2002, as atividades referentes aos recursos

pesqueiros foram transferidas para o Ministério da Agricultura, através do Departamento de

Pesca e Aquicultura. Entre 2003 e 2009, a gestão desses assuntos foi transferida à Secretaria

Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP). Em 2009, por meio da Lei nº 11.958, de 26 de junho

de 2009, foi criado o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) (Pereira, 2012). Logo em 2016,

devido a reforma administrativa do Estado, é extinto o MPA e as atribuições foram transferidas

ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) (BRASIL, 2016).

Os impactos da pesca foram observados através da crise na década de 80, devido a

intensa sobrepesca, ou seja, a retirada acima das cotas estabelecidas pelos órgãos ambientais

para garantir a manutenção dos estoques pesqueiros. Mesmo presenciando o declínio dos

estoques pesqueiros em todo o país, os esforços continuam a aumentar o número de barcos na

água, maiores esforços e, consequentemente, o aumento do lixo marinho, em especial, os PP-

APD.

Áreas Litorâneas

Os primeiros registros do lixo proveniente da pesca na costa brasileira são encontrados

nos estudos com lixo marinho em geral, principalmente em regiões de praias e costões

rochosos. Pianowski (1997) realizou um levantamento do lixo presente em algumas praias do

Rio Grande do Sul. Foram amostradas a Praia do Cassino, Praia Grande, Praia do Mar Grosso

e as praias pertencentes a Estação Ecológica do Taim, Parque Estadual da Guarita e ao Parque

Nacional da Lagoa do Peixe. Em todas houve o registro de fragmentos de petrechos de pesca.

Araújo (2003) analisou os resíduos sólidos presentes em duas praias do litoral sul de

Pernambuco: Tamandaré e Várzea do Una, e ambas apresentaram PP-APD. Ivar do Sul (2005)

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realizou amostragens de lixo marinho na Costa dos Coqueiros em 13 regiões, totalizando 93

km de praias no norte da Bahia. A região possui grande importância ecológica por abrigar um

dos principais bolsões de desova de tartarugas marinhas do país. Dentre o material analisado,

foram encontrados 225 itens de petrechos de pesca (inverno e verão), sendo que 74% destes

eram cabos variados e de diferentes tamanhos e 11% eram atratores luminosos. Os atratores

luminosos são principalmente quimioluminescentes comerciais de poliestireno transparente

(bastões luminosos – lightsticks), utilizados principalmente na pesca de espinhel oceânico. A

explicação para a presença desses materiais, de acordo com Ivar do Sul (2005) é devida as

praias serem próximas as rotas de navegação e regiões de pesca. Os petrechos de pesca não

locais podem ser explicados pelo fato da plataforma continental na Costa dos Coqueiros ser

mais estreita do que outras regiões do Brasil e do mundo, permitindo que embarcações

transitem em áreas próximas à praia. Essa proximidade, associada à dominância dos ventos,

permite que os resíduos flutuantes oriundos dos navios cheguem facilmente à praia.

Mascarenhas et al. (2008) e Barbosa (2013) realizaram um estudo do lixo marinho

presente em praias onde ocorre a desova de tartarugas marinhas na Paraíba, nordeste brasileiro.

Dentre os itens coletados, os lixos provenientes da pesca foram monofilamento de nylon,

sinalizadores, armadilhas de lagosta e cabos. Neves et al. (2011) avaliaram a distribuição

espacial e temporal dos lixos na praia da Barrinha no município de Vila Velha (ES). A praia

não é urbanizada, no entanto é frequentada, principalmente durante o verão, por pescadores,

surfistas e turistas. Os petrechos de pesca corresponderam a 8% do total do lixo.

Ingestão

Também há alguns estudos de ingestão que apresentam fragmentos de petrechos de

pesca em conteúdos estomacais de alguns organismos. Toutinho et al. (2009) investigaram a

ingestão de lixo marinho por tartarugas e aves marinhas encontradas ao longo de 350 km de

praias, desde a Lagoa do Peixe - RS até a fronteira brasileira com o Uruguai. Todas as tartarugas

verdes e 40% das aves marinhas ingeriram lixo. O plástico foi o principal material ingerido e,

dentre os itens de plástico, 21% foram itens relacionados à pesca, sendo a linha de pesca a mais

frequente, representando 11%.

Dantas (2012) avaliou a ingestão de fragmentos de plástico em duas espécies de peixes

(Stellifer brasiliensis e Stellifer stellifer) no canal principal do estuário do Rio Goiana

(PE/PB). Ele descreveu que a ingestão de fragmentos de nylon pelos peixes provavelmente

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ocorreu durante as atividades normais de alimentação dos animais. Durante a estação chuvosa,

a descarga de água doce transporta fragmentos de nylon para o canal principal tornando-os

disponíveis para os peixes. As atividades de pesca são responsáveis por uma quantidade

significativa dos detritos marinhos encontrados nesse estuário.

Possatto et al. (2011) investigaram o conteúdo estomacal de três espécies de bagres

(Cathorops spixii, Cathorops agassizii e Sciades herzbergii) também nos estuários do Rio

Goiana (PE/PB). A principal contaminação foi por fragmentos de nylon dos cabos utilizados

nas atividades de pesca. A ingestão desses fragmentos provavelmente aconteceu durante a

atividade alimentar dos peixes, pois são espécies epibentófagas e predam pequenos animais

que vivem na superfície do sedimento. Também houve o registro de um indivíduo de

Cathorops agassizii capturado ainda vivo no canal principal do estuário de Goiana preso em

um pedaço de rede de monofilamento de nylon. Possatto et al. (2011) também comentam que

as atividades de pesca, em pequena ou grande escala, apresentam diferentes tipos de influência

nas populações de peixes: captura (sobrepesca), emaranhamento (pesca fantasma) e ingestão

de plásticos. No caso do Estuário de Goiana, a pesca é responsável por uma parte significativa

dos detritos marinhos, especialmente plásticos, encontrados nas praias arenosas, nos

manguezais e no canal principal. Os efeitos fisiológicos do nylon nesses peixes não podem ser

facilmente preditos, porém é bem conhecido em outros animais. Ao transportar plásticos em

seus tratos digestórios, ocorre uma série de lesões internas, como tumores e a falsa sensação de

saciedade, o que reduz a sua alimentação e pode matar o animal por inanição. Os animais

fracos/feridos tornam-se presas mais fáceis e menos nutritivas.

Macedo et al. (2011) verificaram a presença de resíduos antropogênicos no trato

digestório de tartarugas marinhas no litoral norte da Bahia. Em 60% das tartarugas necropsiadas

foram encontrados resíduos, especialmente aqueles relacionados à atividade de pesca, como

fios de nylon, usados na pesca e na confecção de redes de emalhe, bem como cabos usados

para sustentar redes de pesca e para amarrações em barcos. Os 37,1% restantes foram resíduos

diversos, tais como sacos plásticos; polietileno de alta densidade; poliestireno expandido

(isopor®); corda de sisal; filtros de cigarros; pedaços de canudos plásticos, dentre outros

(Macedo et al., 2011).

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Lixo Submerso

Os estudos com o lixo marinho submerso, chamado por Spengler (2009) de lixo

marinho bentônico, teve início a partir da década de 90. Com o intuito de investigar impactos

humanos em recifes de corais, foi desenvolvido o protocolo Reef Check, com o objetivo de ser

o Programa de Levantamento da Rede Global de Monitoramento de Recifes de Corais (“Coral

Reef Monitoring Network”) das Nações Unidas baseado na participação comunitária (Ferreira

e Maida, 2006). No final de 2001, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) através do “Projeto

de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO)”

aprovou o Projeto “Monitoramento dos Recifes de Corais do Brasil”, no qual foi adotada a

metodologia Reef Check como ponto de partida para monitoramento e envolvimento da

comunidade. O protocolo é voltado para um diagnóstico da saúde recifal a partir de estimativas

da abundância de organismos recifais selecionados (Ferreira e Maida, 2006).

Durante os anos de 2002 e parte de 2003, foram realizados levantamentos em 50 pontos

de mergulho distribuídos em nove localidades diferentes da costa brasileira. Em cada

localidade o objetivo foi realizar levantamentos em, no mínimo, quatro sítios, com realização

de quatro transectos em cada sítio. Foram escolhidas inicialmente quatro áreas para a

implantação do Programa de Monitoramento dos Recifes de Corais do Brasil: Parque Nacional

de Abrolhos (BA), Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (PE e AL), Área de Proteção

Ambiental dos Recifes de Corais (RN) e Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha

(PE). Um dos indicadores presentes no levantamento é a presença de lixo, classificado como:

plástico, vidro, metal, outros e proveniente da pesca. O lixo de pesca (redes, linhas e anzóis)

foi o principal item encontrado, inclusive em algumas áreas onde a pesca é restrita, o que pode

indicar pesca ilegal ou a longa permanência destes materiais no meio ambiente (Figura 9).

Restos de linhas foram quantificados na categoria lixo de pesca durante os mergulhos, inclusive

em locais restritos dentro do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (Ferreira e

Maida,2006).

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Figura 9- Frequência de ocorrência de lixo por 100 m2 por região amostrada (Ferreira e Maida, 2006).

Machado e Fillmann (2010) quantificaram e qualificaram os resíduos sólidos

encontrados na ilha do Arvoredo, ilha pertencente a Rebio Arvoredo. Foram realizados dois

métodos de amostragem, coletas dos resíduos sólidos na superfície da ilha e coletas dos

resíduos sólidos submersos através de mergulho autônomo. As coletas dos resíduos sólidos

submersos foram realizadas em dois pontos fora da Rebio Arvoredo. Nas amostragens de

superfície dos costões rochosos foram realizadas em três áreas, uma dentro e as outras duas

fora dos limites da Rebio Arvoredo. Os resultados encontrados foram cabos, âncoras, pneus e

linhas de pesca para a amostragem subaquática. E na superfície foram encontrados fragmentos

ou partes de poliestireno expandido (isopores), utilizados como flutuadores de redes e em

caixas térmicas para acondicionamento do alimento e pescado, além de garrafas e recipientes

plásticos utilizados para o transporte de bebidas e de óleo lubrificante e combustíveis.

Carvalho-Souza (2011) realizou 105 censos visuais subaquáticos, quantificando e

qualificando os resíduos submersos em três costões rochosos na Baía de Todos os Santos,

Salvador. Os itens mais encontrados foram plásticos, madeiras, metais e petrechos de pesca.

Dentre os petrechos de pesca, os mais encontrados foram redes, linhas de nylon e chumbadas.

Estes resíduos tornam-se indicadores de uma elevada concentração da pesca artesanal no local

e a ausência de boas práticas para o direcionamento dos resíduos gerados pela comunidade

local e pescadores que a utilizam. Também foram observados que esses petrechos de pesca

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encontravam-se constantemente presos no hidrocoral Millepora spp., provocando danos às

ramificações dessas colônias.

Soares et al. (2011) registraram pela primeira vez a presença de lixo marinho dentro dos

limites da Reserva Biológica do Atol das Rocas. As coletas foram feitas através de mergulhos

livres e caminhadas no platô recifal durante a baixa-maré e nas ilhas arenosas. Os itens

encontrados foram: plástico, metal, vidro, papelão e miscelânea e linhas de nylon, provenientes

da pesca.

Enfoque em PP-APD

Os estudos com enfoque em PP-APD e pesca fantasma iniciaram no Brasil com o

trabalho de Chaves e Robert (2009). Eles avaliaram a ocorrência de petrechos extraviados nas

águas rasas do litoral norte de Santa Catarina e sul do Paraná. Na primeira etapa realizaram

coletas de testemunhos espontâneos com pescadores profissionais de pequena escala sobre a

perda de redes de pesca. No total, foram 25 eventos de perda (parcial ou inteira) de redes de

emalhe de fundo4, devido a colisões com equipamentos de pesca ativos. Na segunda parte,

realizaram coletas de dados em seis praias e registraram 121 eventos, como fragmentos de

panagens de rede, flutuadores de plástico e poliestireno expandido (isopores), cabos e bóias

sinalizadoras de redes fixas. A maioria dos fragmentos de panagem estavam reunidas a galhos,

troncos ou outras formas vegetais, responsáveis na aglomeração de petrechos perdidos, o que

favoreceu a transferência para a praia. Incrustados no fio da panagem foram registrados

bivalves (Mollusca, Mytilidae) e cracas (Crustacea, Cirripedia); e emalhados, foram

encontrados siris (Crustacea, Portunidae). As bóias sinalizadoras e os flutuadores

apresentavam-se incrustados de cirripédios.

Em 2009 também surgiu o Projeto Petrechos de Pesca Perdidos no Mar (2017), uma

parceria entre o Instituto de Pesca e a Fundação Florestal do Estado de São Paulo. O objetivo

do projeto é identificar, quantificar e mapear os petrechos de pesca abandonados, perdidos ou

descartados, inicialmente dentro das Unidades de Conservação onde há exclusão à pesca e

4 Rede de emalhe de fundo é um tipo de rede disposta verticalmente, por meio de âncoras (poitas), e são sinalizadas por bóias

na superfície. O tamanho da malha varia em função das espécies a serem capturadas. É uma rede que funciona de forma

passiva, pois a captura ocorre pela retenção dos peixes na malha da rede, também denominada de rede de espera. A rede é de

forma retangular, estendida ao mar nos pontos de passagem de cardumes. (ICMBio, 2017).

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promover medidas preventivas dentro do setor pesqueiro. Foi elaborada uma metodologia

denominada sistema linha azul (Blue Line System), dividida em duas fases: a fase

preventiva/curta e a fase mitigadora/longa. A fase preventiva é a implementação de uma série

de ações com a indústria, comércio e pescadores para aumentar a conscientização ambiental,

incentivo à logística reversa, reuso e reciclagem e, consequente, diminuição do abandono,

perda ou descarte do petrecho de pesca. A fase mitigadora é a identificação dos PP-APD

recolhidos do mar, estudá-los cientificamente e encaminhá-los para um destino adequado,

evitando que esse material volte a causar danos à vida marinha. Até o momento foram

recolhidas aproximadamente 2 toneladas de PP-APD, nas campanhas clean up dive (mergulho

para remoção) nas Unidades de Conservação (UC) do Estado de São Paulo e Santa Catarina, e

foram mapeados com sonar de varredura lateral (sidescan sonar), ROV (veículo operado

remotamente) e asa de reboque com câmera digital acoplada. O projeto também está inserido

no grupo de trabalho do GGGI, representando o Brasil.

Santos et al. (2012) registram entre 1996 a 2011, 18 tartarugas olivas (L. olivacea)

enredadas em redes fantasmas (16 ainda vivas e 2 mortas) de um total de 20 indivíduos. Destes

20 indivíduos, 17 foram em Fernando de Noronha e 3 no Atol das Rocas. Todas as redes

consistiam de multifilamento, com malhagem de 17-22 cm (malha esticada). A origem dessas

redes é desconhecida pelos autores, porém acredita-se que exista uma forte influência das

correntes oceânicas para estas duas regiões.

Adelir-Alves (2013) realizou um estudo com o intuito de identificar as causas,

ocorrências e impactos da pesca fantasma em vinte e oito recifes rochosos ao norte do estado

de Santa Catarina. O estudo foi realizado através de testemunhos de pescadores embarcados e

subaquáticos e a observação da ocorrência dos PP-APD através de mergulhos autônomos.

Como resultado obteve que as redes de emalhe de fundo eram os petrechos mais facilmente

perdidos, geralmente durante o inverno, devido a: más condições climáticas; maior esforço de

pesca da tainha (Mugil spp.), anchova (Pomatomus saltatrix), corvina (Micropogonias furnieri)

e a ocorrência de baleia-franca (Eubalaena australis), levando ocasionalmente ao

emaranhamento acidental. Outros fatores relatados para a perda dos PP-APD em Santa Catarina

foram a remoção acidental do petrecho por outras embarcações, o manuseio não qualificado

dos equipamentos de pesca por pescadores recreacionais, o emaranhamento de peixes grandes

e a presença de detritos vegetais (como troncos e galhos de árvores). Por meio do mergulho

autônomo, foram encontrados doze tipos de PP-APD, sendo as redes de emalhe as mais

frequentes. Nas redes fantasmas, foram encontrados emaranhados trinta e dois indivíduos de

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doze espécies, sendo oito teleósteos e quatro crustáceos. Adelir-Alves (2013) também

desenvolveu um experimento simulando a pesca fantasma com um petrecho de pesca

específico, as redes de emalhe. O intuito foi compreender as mudanças da rede ao longo de um

tempo de noventa e dois dias, e as suas formas de captura. Como resultado, observou

diminuição progressiva na captura de peixes após o trigésimo dia, seguido de um aumento na

captura de crustáceos.

O mergulho autônomo demonstra-se uma ferramenta eficaz para prospecção de PP-

APD em água rasas (até 40 m). Contudo, apresenta algumas limitações, principalmente em

locais de profundidades maiores e de visibilidade restrita. Dessa forma, pesquisas foram

realizadas buscando novas alternativas para prospecção de PP-APD por meio de instrumentos

geofísicos. Casarini et al., (2011) realizaram uma avaliação dos PP-APD em campanhas de

clean up dive no Parque Estadual Marinho da Laje de Santos (PEMLS) e Parque Estadual

Xixová-Japuí (PEXJ), em São Paulo. No PEML, os PP-APD eram originados pela pesca

amadora e profissional artesanal. No PEXJ, além do clean up, foram realizadas sondagens do

fundo marinho para a prospecção dos PP- APD utilizando sonar de varredura lateral. Foram

detectadas 76 anomalias, na profundidade média de 6 m, em uma área de 86.000 m2 pelas

sondagens com o sonar. Posteriormente essas anomalias foram investigadas através de

mergulho profissional especializado (clean up dive) que constatou baixa incidência (< 5) dos

PP-APD, com origem predominantemente da pesca artesanal.

Costa et al. (2014) realizaram estudos com propósito de testar técnicas de imageamento

acústico e digital para detecção e identificação de PP-APD. Foram realizadas sondagens por

sonares de varredura lateral (SVL), com frequências variando de 455 kHz a 990 kHz, em

conjunto com câmera subaquática rebocada. Os locais amostrados foram em duas UC’s, no

Parque Estadual Marinho da Laje de Santos (PEMLS) e na Estação Ecológica (ESEC) dos

Tupinambás. As análises dos sonogramas e imagens de vídeo obtidas pela asa de reboque

revelaram o substrato consolidado e os afloramentos rochosos na PEMLS e substrato

inconsolidado com alguns afloramentos rochosos na ESEC. Nas áreas investigadas não foram

detectadas anomalias acústicas identificadas como petrechos de pesca de grandes dimensões

(>15 m), mas alguns alvos menores, que não puderam ser confirmados pela remoção, foram

interpretados como partes de redes e cabos.

Costa et al. (2015) realizaram outro estudo com o propósito de mapear o fundo marinho

e detectar PP-APD em UC’s com métodos de imageamento acústico e digital. Foram mapeadas

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quatro UC’s: o Parque Estadual Marinho Laje de Santos (PEMLS), Parque Estadual Xixová-

Japuí (PEXJ), ESEC dos Tupinambás e a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. Foram

utilizados dois modelos de sonar de varredura lateral (SVL) de diferentes frequências, 990 kHz

e 455 kHz e asa de reboque denominada GHost acoplada de uma câmera digital. Foram

mapeados 236 hectares de área, em profundidades que variaram de 5 a 45 m. Localizaram

anomalias consideradas possíveis PP-APD. Fatores citados como limitantes no imageamento

acústico e aquisição de imagens da câmera rebocada foram: agitação do mar, profundidades

superiores a 35 m, devido a perda do sinal, visibilidade reduzida e as configurações do SVL.

Ainda são necessários mais estudos e aprimoramentos nesta área de pesquisa.

Conclusão

Analisando em parâmetros globais, grande parte da literatura aborda sobre o lixo

marinho em geral, com esforços maiores de registros para os oceanos que banham a América

do Norte, Austrália, Nova Zelândia e Europa. Na literatura analisada, as áreas mais abordadas

são: emaranhamentos e ingestão. Os assuntos menos abordados são: transporte e colonização

de organismos, dispersão de espécies exóticas e alteração de habitats. Os estudos que abordam

lixo marinho apresentam petrechos de pesca como uma categoria de lixo frequente há algumas

décadas. Devido ao aumento nos registros dessa categoria de lixo, iniciou-se os estudos com

ênfase em PP-APD, sendo as áreas mais abordadas a pesca fantasma e as suas causas. Convém

destacar que grande parte dos registros com petrechos de pesca em emaranhamentos ou

ingestão, embora relevantes, não são medidas diretas do impacto dos PP-APD, pois em muitos

casos não é possível identificar se o emaranhamento ou ingestão aconteceram com o PP-APD

ou com o petrecho de pesca ativo. Ainda há poucos estudos no mundo avaliando os impactos

indiretos de PP-APD, como alteração de habitats bentônicos em áreas costeiras rasas e em

águas profundas. Assim como, são precários os estudos avaliando os impactos econômicos e

sociais.

Avaliando os estudos presentes sobre lixo marinho, especialmente PP-APD na costa

brasileira, desde a década de 90, há registros de PP-APD como uma categoria de lixo marinho

em praias, costões rochosos e estuários. Os PP-APD geralmente estão enquadrados na categoria

de plástico ou lixo da pesca, sendo o item mais frequente as linhas de nylon. Outros trabalhos

que abordam sobre lixo marinho, emaranhamento e ingestão, classificam o lixo apenas como

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plástico, o que impossibilitou saber se dentre os lixos de plásticos apresentavam petrechos de

pesca (e.g. Bugoni et al., 2001; Vieira, 2011; Elliff, 2015; Fernandino, 2012; Fernandino et al.,

2015). Os estudos com lixo marinho submerso iniciaram a partir dos anos 2000 e, dentro da

categoria de classificação dos lixos recolhidos, os lixos provenientes da pesca foram

constatados em todos eles.

Além de poucos estudos a respeito do tema PP-APD no Brasil, outro fator evidente e

preocupante nos estudos com lixo marinho em geral, é a presença significativa desses materiais

dentro das unidades de conservação. Dessa forma, demonstra-se a necessidade da inserção dos

PP-APD nas ações de monitoramento e manejo das unidades de conservação.

Avaliando os esforços globais para mitigação dos PP-APD, existem muitas iniciativas

das organizações intergovernamentais e não-governamentais específicas para o assunto. As

estratégias envolvem a criação de resoluções, políticas públicas, normas jurídicas, destinação

de recursos para pesquisas, ações para prevenção e remedição de PP-APD. Todavia, o Atlântico

Sul não consta nas iniciativas globais, como por exemplo, no Programa de Mares Regionais do

PNUMA. No Brasil em específico, outro fator agravante é a ausência da estatística pesqueira

e principalmente, o desordenamento pesqueiro que eleva substancialmente a presença dos PP-

APD. A costa brasileira apresenta apenas um projeto para mitigação de PP-APD. Embora seja

apenas um, o projeto foi responsável por introduzir as campanhas de limpeza (clean up dive)

em algumas UC’s; desenvolver pesquisas de técnicas de imageamento acústico sincronizado

com vídeos do fundo marinho na detecção de petrechos; inserir PP-APD no Plano Estadual de

Resíduos Sólidos de São Paulo e incentivar a logística reversa, o reuso e reciclagem dos

petrechos fantasmas. Dessa forma, fica evidente a necessidade da inserção do tema PP-APD

na conservação marinha brasileira por meio de políticas públicas e destinação de recursos para

sua mitigação.

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CAPÍTULO 2

Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados na Reserva Biológica

Marinha do Arvoredo, SC

(Será submetido a revista Marine Pollution Bulletin)

Formatado de acordo com os moldes da revista

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Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados em Unidade de

Conservação de Proteção Integral no Atlântico Sul

Jéssica Tamires Linka,*, Luiz Miguel Casarinib, Bárbara Segala

a Universidade Federal de Santa Catarina

b Instituto de Pesca - SAA/SP

∗ Autor correspondente: [email protected]

Resumo

Entre os impactos indiretos da pesca que ameaçam os ecossistemas marinhos estão os petrechos

de pesca abandonados, perdidos ou descartados (PP-APD). Considerados um tipo de lixo

marinho, muitos destes petrechos continuam pescando por um longo período de tempo. Estes

estão presentes inclusive em unidades de conservação marinha de proteção integral, locais

proibidos para a pesca. Portanto, o objetivo deste trabalho é realizar um levantamento dos PP-

APD presentes na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, Santa Catarina, Brasil. O

levantamento foi realizado em 12 pontos amostrais, distribuídos nas quatro ilhas que compõem

a unidade de conservação, através de busca ativa por meio de mergulhos autônomos. A

categorização dos PP-APD seguiu o protocolo elaborado neste estudo, contemplando a

realidade pesqueira local. Foram identificados dez tipos de PP-APD, sendo as linhas, redes e

cabos os mais frequentes. Estes petrechos foram principalmente provenientes da pesca ilegal

praticada na unidade de conservação, prioritariamente da pesca amadora e profissional

artesanal.

Palavras-chave: PP-APD; petrecho fantasma; pesca; lixo marinho; Rebio Arvoredo

Introdução

A atividade pesqueira marinha e estuarina no Brasil possui grande importância social

e econômica para o país, tanto na produção de alimentos como na geração de emprego, renda

e receitas (Haimovici et al., 2014). Segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura (2012), na

produção mundial de pescado em 2010, o Brasil ocupou o 19° lugar, contribuindo com

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1.264.765 t da produção mundial de pescado. Analisando apenas os países da América do Sul,

o Brasil ficou em terceiro lugar, perdendo apenas para o Peru e Chile. Avaliando a produção

nacional do ano de 2011, o estado de Santa Catarina se manteve como o maior produtor de

pescado, com 194.866,6 t, representando 13,6% da produção nacional.

Um dos fatores que podem contribuir para essa estatística, são as características naturais

presentes no estado. Santa Catarina localiza-se em uma região de transição entre zonas tropicais

e temperadas, o que favorece a alta complexidade estrutural, servindo como habitat a um grande

número de organismos marinhos (Hostim-Silva et al., 2005). Algumas pesquisas consideram

o estado como o limite sul de distribuição de algumas espécies de corais (e.g. Capel et al.,

2012), crustáceos (e.g. Teschima et al., 2012) e peixes (e.g. Floeter et al., 2008; Barneche et

al., 2009).

As principais atividades econômicas dos municípios costeiros do estado de Santa

Catarina são o turismo, a agricultura e a pesca. Esta última é caracterizada por dois segmentos

principais, a pesca artesanal e a industrial, descritas pela Instrução Normativa nº 2/2011 do

MPA como:

O Pescador Profissional na Pesca Artesanal é aquele que exerce a atividade de pesca

profissional de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de

produção próprios ou mediante contrato de parceria, podendo atuar de forma

desembarcada ou utilizar embarcação de pesca com AB menor ou igual a 20 (vinte);

Pescador Profissional na Pesca Industrial é aquele que, na condição de empregado,

exerce a atividade de pesca profissional em embarcação de pesca com qualquer AB.

Na prática, não há uma definição padrão para cada pescaria, devido às particularidades

regionais da pesca, que é influenciada por fatores socioeconômicos, geográficos, ecológicos e

culturais. Tais peculiaridades são ainda mais evidentes na pesca artesanal, o que dificulta seu

monitoramento e caracterização. Além disso, esses pescadores estão dispersos por toda a costa,

muitas vezes em locais de difícil acesso. Eles utilizam diversos métodos e petrechos de pesca,

capturando diferentes tipos de pescados. Esses fatores, somados ao desembarque e à

comercialização, muitas vezes feitos informalmente, em locais variados, tornam ainda mais

difícil o controle da atividade (Rüde e Vianna, 2016).

Independente da classificação do tipo de pesca, a intensa exploração dos recursos

pesqueiros levou a atividade a uma crise global. No entanto, o esforço de pesca continua a

aumentar, apesar do colapso de alguns dos principais estoques de peixes (FAO, 2014). Estes

esforços crescentes geram impactos, tanto diretos quanto indiretos, sobre os ecossistemas

marinhos.

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Um exemplo dos impactos indiretos da pesca são os petrechos de pesca abandonados,

perdidos ou descartados (PP-APD), considerados um tipo de lixo marinho. Uma ocorrência

comum nas operações de pesca é o abandono, perda ou descarte de equipamentos e petrechos,

como redes, varas, anzóis, cabos de amarração, entre outros. Segundo a FAO (2009), o PP-

APD no ambiente pode causar: risco aos banhistas e mergulhadores, comprometimento de uma

navegação segura, poluição e facilitar o estabelecimento de espécies exóticas. Muitos desses

PP-APD realizam pesca fantasma, caracterizada pela habilidade do petrecho de continuar

pescando em um processo cíclico, levando a mortalidade de organismos marinhos.

No Brasil ainda há poucos estudos referentes aos PP-APD e a pesca fantasma (ver

cap.1). No sul do país, região de intensa atividade pesqueira, os únicos estudos referentes a

esses temas são de Chaves e Robert (2009) e Adelir-Alves (2013). Chaves e Robert (2009)

registraram a ocorrência de petrechos de redes fixas extraviados nas águas rasas do litoral norte

de Santa Catarina e sul do Paraná. Adelir-Alves (2013) abordou as causas, ocorrências e

impactos da pesca fantasma em recifes rochosos ao norte do estado de Santa Catarina. Ele

concluiu que as redes de emalhe de fundo foram os petrechos mais facilmente perdidos.

Os PP-APD são problemáticos inclusive em Unidades de Conservação (UC’s)

marinhas, devido a pesca ilegal e/ou deslocamento dos petrechos por deriva. O Brasil apresenta

quatro Reservas Biológicas Marinhas, categoria de unidade de conservação de máxima

restrição de acordo com a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 (SNUC, 2011). Entre elas, duas

são ilhas, uma é a Reserva Biológica de Atol das Rocas (Rebio Atol das Rocas), localizada no

Rio Grande do Norte, nordeste do país, e a outra é a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo

(Rebio Arvoredo), localizada em Santa Catarina, no sul do Brasil.

A Rebio Arvoredo está distante do continente aproximadamente 12 km, localizada ao

norte da Ilha de Florianópolis e a apenas 35 km do maior porto pesqueiro do país, em Itajaí,

SC. A Rebio Arvoredo apresenta alta diversidade e importância biológica, pois apresenta 1.400

espécies marinhas registradas pelos trabalhos científicos realizados até o presente (ICMBio,

2017). Algumas das espécies ocorrentes na Rebio Arvoredo, estão incluídas na lista

internacional de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e

dos Recursos Naturais (IUCN, 2016), entre elas o mero (Epinephelus itajara) e o peixe-anjo

(Holacanthus ciliaris) e algumas raias, como a raia-viola (Rhinobatos horkelii), raia-viola-da-

cara-curta (Zapteryx brevirostris) e raia-borboleta (Gymnura altavela).

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Os primeiros indícios de ocupação humana na ilha do Arvoredo datam de cerca de 4.000

mil anos, e encontram-se na forma de inscrições rupestres (Vivacqua, 2005). A partir de 1750,

teve início a colonização portuguesa no litoral catarinense com a chegada dos imigrantes do

arquipélago de Açores e da Ilha da Madeira, trazendo consigo uma forte tradição pesqueira.

Desde então a pesca tornou-se uma importante atividade, de modo que as ilhas que integram a

Rebio Arvoredo se tornaram pontos de referência fundamentais para a navegação das

embarcações que se dirigiam à ilha de Santa Catarina (IBAMA, 2004).

A proximidade da Rebio Arvoredo com o continente, também a torna mais vulnerável

aos impactos antropogênicos, como por exemplo, o lixo. Machado e Fillmann, (2010)

realizaram um estudo com lixo encontrado na superfície e submersos nos costões rochosos da

ilha do Arvoredo. Contudo, o lixo marinho foi avaliado na ilha apenas fora dos limites da UC.

Dessa forma, fica evidente a ausência de estudos a respeito do lixo marinho que acomete a

unidade de conservação.

Após a criação da UC ocorreu um deslocamento e intensificação da atividade pesqueira

em áreas próximas, como por exemplo, na Baía de Tijucas (Martins et al., 2014). Contudo,

ainda é recorrente a pesca ilegal no interior da unidade, e consequentemente, estão presentes

os impactos a ela relacionados, como os PP-APD inclusive.

O presente estudo teve como objetivo geral realizar um levantamento dos PP-APD

presentes na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, Santa Catarina, Brasil. Entre os

objetivos específicos relacionados aos PP-APD: identificar quais são mais frequentes na Rebio

Arvoredo; quais são mais frequentes por local amostrado; quais os possíveis tipos de pesca

realizados; identificar os principais grupos de organismos associados às redes fantasmas e

comparar os dados obtidos com os autos de infração de pesca irregular fornecidos pelo

ICMBio.

Material e Métodos

Área de estudo

A área de estudo foi a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, unidade de conservação

criada pelo Decreto Federal nº 99.142/1990. Localizada na região central do litoral catarinense,

a reserva engloba águas dos municípios de Florianópolis, Governador Celso Ramos, Porto

Belo, Bombinhas e Tijucas. Possui 17.600 ha de área, composta por quatro ilhas principais:

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Arvoredo, Deserta, Galés e Calhau de São Pedro (Figura 1) e o ambiente marinho associado.

(ICMBIO, 2015).

Figura 1 -Localização da Rebio Arvoredo (Ilha da Galé; Ilha Deserta; Calhau de São Pedro; Ilha do Arvoredo),

SC e os pontos amostrados.

Coleta de dados

Devido à ausência de um protocolo de categorização dos PP-APD para o Atlântico Sul,

foi elaborado um protocolo (Anexo) com as informações a serem coletadas em campo. Na

confecção, utilizou-se como referência o protocolo do projeto Olive Ridley nas Ilhas Maldivas,

Oceano Indico (Stelfox, M., Balson, 2013). Foram realizadas consultas com pesquisadores

especialistas no tema, atendentes de lojas de pesca e pescadores locais, com o intuito de

elaborar um protocolo conforme as atividades pesqueiras realizadas na região.

Os mergulhos autônomos para prospecção dos PP-APD contaram com o auxílio do

ICMBio e foram realizados entre novembro de 2015 a janeiro de 2017 em 12 pontos (Tabela

1). Os mergulhos foram realizados em dupla, a profundidade variou de acordo com a topografia

do ambiente, sendo a mínima de 3 m e a máxima 28,6 m. O tempo de amostragem variou de

45 a 78 min em cada local, de acordo com a profundidade, respeitando os limites não

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descompressivos. Para comparação da quantidade de petrechos por local, foi estimado o

número de petrechos encontrados a cada 60 min de busca, padronizando o tempo como uma

unidade amostral.

Tabela 1 - Coordenadas (graus decimais) dos pontos amostrais na Rebio Arvoredo, SC

Local Latitude Longitude

Sudoeste da Deserta -27.27142 -48.33163

Parcel da Deserta -27.26725 -48.32729

Leste da Deserta -27.27133 -48.32942

Ponta Norte da Deserta -27.26770 -48.32792

Calhau - dentro da REBIO - Fase Sul -27.25158 -48.42269

Calhau - limite da REBIO - Fase Sul -27.25154 -48.42433

Saco da Bala - Arvoredo -27.29295 -48.35753

Saco das Pedras Pretas - Arvoredo -27.27387 -48.36119

Rancho Norte - Arvoredo -27.27522 -48.37364

Sudeste da Galé -27.18349 -48.40596

Filhotes da Galé -27.18116 -48.39899

Saco da Mulata - Galé -27.17984 -48.40321

Os dados foram registrados através de imagens subaquáticas e anotações. Coletou-se

em campo chumbada, isca artificial, anzol, amostras de linhas e redes de emalhe (Figura 2)

para aferição posterior do tamanho da malha entre nós opostos e espessura do fio. Foram

utilizados sacos de coleta, sacos ziploc e faca tipo Z. Os materiais utilizados para obtenção do

tamanho da malha e espessura do fio da rede de pesca foram régua e paquímetro digital de aço

inox, respectivamente (Figura 3). O conjunto das informações contidas no protocolo

auxiliaram na diferenciação dos petrechos de pesca. Os tipos de pesca foram definidos a partir

dos PP-APD encontrados. Um conjunto de petrechos pode constituir apenas um tipo de pesca,

devendo ser contabilizado apenas uma vez. Por exemplo, o conjunto de anzol, linha e

chumbada é caracterizado como três petrechos, mas constituem apenas um tipo de pesca. As

linhas de pesca com diâmetro > 0,7 mm foram caracterizadas como procedentes da pesca de

mão e as linhas ≤ 0,7 mm como procedentes da pesca com molinete.

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Figura 2- Atividade de coleta dos PP-APD em campo na Rebio Arvoredo, SC. (A e B) Coleta de uma amostra de

rede fantasma (C) Coleta de uma amostra de linha de pesca. (D) Coleta de uma isca artificial (Fotos: Edson Faria

Júnior).

Figura 3 - Exemplos dos PP-APD coletados na Rebio Arvoredo, SC. (A) Linha e chumbadas; (B e F) Linhas de

pesca; (C) Rede de emalhe; (D) Isca artificial; (E) Anzol. (Fotos: Jéssica Link)

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Clean Up Dive Day

No dia 22 de outubro de 2016 ocorreu um evento de remoção de lixo marinho na face

oeste da Ilha da Galé (Figura 4) na Rebio Arvoredo. O objetivo do evento foi a remoção de

redes fantasmas presentes no Naufrágio do Lily. O evento foi promovido pela Associação das

Marinas e Garagens Náuticas de Santa Catarina (ACATMAR), em parceria com o ICMBio,

Acquanauta e Parcel (empresas de mergulho) de Florianópolis, SC. O evento contou com

aproximadamente 50 mergulhadores voluntários. O material recolhido pelos mergulhadores foi

posteriormente categorizado seguindo o protocolo sugerido neste estudo.

Figura 4 – Evento de clean up na Ilha da Galé - Rebio Arvoredo, SC. (Fotos: Mafalda Press/ACATMAR).

Autos de Infração

Os autos de infração de pesca irregular foram obtidos mediante solicitação ao órgão

gestor da Rebio Arvoredo. Através de uma planilha, foram disponibilizados os dados

compilados entre 2009 e 2016 com as seguintes informações: data da infração, tipo de pesca

(emalhe, subaquática, vara ou linha de pesca, arrasto, espinhel), categoria de pesca (amadora,

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artesanal, industrial), apreensões (linha de mão, puçá, vara de pesca, caixa de pesca, entre

outros), detalhes sobre os petrechos apreendidos e a quantidade.

Resultados

Foram identificados dez tipos de PP-APD na Rebio Arvoredo, sendo os mais frequentes

as linhas, redes e cabos (Figura 5). Em aproximadamente 11h32min de busca ativa, encontrou-

se 182 PP-APD. A maioria das linhas de pesca encontradas são linhas de monofilamento de

poliamida (n=53). Todas as redes fantasmas encontradas foram de monofilamento de poliamida

(nylon), com nós, caracterizando as redes de emalhe5 utilizadas na região (Figura 6).

Figura 5- Número de PP-APD encontrados nos 12 pontos amostrados na Rebio Arvoredo, SC

5 As redes de emalhe (de deriva ou espera) são redes retangulares mantidas na vertical, suspensas por um cabo-

mestre com flutuadores e por um cabo inferior que possui pesos. Podem ser compostas por uma ou várias redes

com diferentes tamanhos de malha, e são classificadas como petrechos passivos, isto é, os peixes têm que nadar

para dentro da rede para serem capturados (Pesserl, 2007)

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

mer

o d

e P

P-A

PD

/ 6

0m

in

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Figura 6 - Exemplos de PP-APD encontrados na Rebio Arvoredo, SC (Fotos: Jéssica Link)

Os PP-APD mais frequentes também variaram por ponto amostral. O petrecho linha de

pesca é predominante nos três pontos da Ilha do Arvoredo (Saco da Bala, Saco das Pedras

Pretas e Rancho Norte), Sudoeste da Deserta e Saco da Mulata, na Ilha da Galé. O petrecho

rede é predominante no Parcel e Ponta Norte da Ilha Deserta, Sudeste da Galé, Calhau de São

Pedro localizado no limite e no interior da Rebio. O petrecho cabo é predominante no Leste da

Deserta e Filhotes da Galé. O cabo também é o segundo item mais predominante no Rancho

Norte, na Ilha do Arvoredo (Figura 7).

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Figura 7 - Frequência relativa dos PP-APD por pontos amostrais na Rebio Arvoredo, SC

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Através da análise dos tipos de PP-APD, sugere-se que os tipos de pesca mais

frequentes sejam através do uso de redes de emalhe, pesca de mão e pesca de molinete (Figura

8). Dentre as redes fantasmas encontradas, os números de malha (medida entre nós opostos)

mais frequentes foram 90, 80 e 120 mm, respectivamente.

Figura 8 - Tipo de pesca de acordo com os PP-APD encontrados na Rebio Arvoredo, SC

Os principais grupos de organismos associados às redes fantasmas foram hidrozoários,

macroalga foliácea, biofilme e briozoários (Figura 9 e 10). Também nas redes fantasmas foram

encontrados crustáceos emalhados, totalizando onze indivíduos, dentre eles, dez caranguejos

(nove Damitrax spp. e um Stenocionops spp., e um siri (Cronius ruber) (Figura 11). Outro

organismo frequentemente encontrado emaranhado em redes fantasmas e em linhas de pesca

foi o octocoral, conhecido vulgarmente como gorgônia-vermelha (Leptogorgia punicea)

(Figura 12).

43%

40%

12%

3%2%

Rede

Pesca de mão

Pesca de molinete

Pesca Sub

Pesca de espinhel

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Figura 9 - Grupos de organismos associados às redes fantasmas encontradas na Rebio Arvoredo, SC

Figura 10 - Organismos associados as redes encontradas na Rebio Arvoredo, SC. (A) Hidrozoário; (B) Macroalga

foliácea; (C) Macroalga crostosa não articulada; (D) Bivalve; (E) Craca; (F) Briozoário (Fotos: Jéssica Link).

0

25

50

75

100P

reval

ênci

a de

org

anis

mos

asso

ciad

os

(%)

MA- Macroalga

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Figura 11- Caranguejos emaranhados em redes de pesca – Rebio Arvoredo, SC (Fotos: Edson Faria Júnior).

Figura 12- Linhas de pesca enroscadas em gorgônias (Leptogorgia punicea) na Rebio Arvoredo, SC (Fotos:

Jéssica Link).

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Clean Up Dive Day

O evento de remoção de lixo marinho realizado no oeste da Ilha da Galé abrangeu os

pontos: Naufrágio do Lily, Toca da Salema, Ponta da Galé e um ponto mais afastado da costa

da Toca da Salema. Foram identificados seis tipos de PP-APD e os mais predominantes foram

redes, linhas e cabos (Figura 13). Dentre as nove redes encontradas, sete foram classificadas

como redes de monofilamento de poliamida (redes de emalhe), retalhos de pano de uma rede

de monofilamento de polietileno e de multifilamento. A maioria das redes fantasmas recolhidas

estavam presas ao naufrágio Lily. No ponto D foi encontrado uma rede feiticeira, malha dos

panos externos de 500 mm e malha do pano interno de 90 mm. Todas as linhas de pesca

encontradas foram classificadas como monofilamento de poliamida. Analisando os PP-APD

mais frequentes, sugere-se que os tipos de pesca mais frequentes sejam por meio de redes de

emalhe, pesca de mão e pesca de molinete, respectivamente.

Figura 13- Pontos de remoção do lixo marinho – Naufrágio do Lily (B), Toca da Salema (C), Ponta da Galé (A) e área mais afastado da costa da Toca da Salema (D) e a frequência relativa dos PP-APD encontrados na face oeste

da Ilha da Galé - Rebio Arvoredo, SC

Os principais grupos de organismos associados as redes fantasmas recolhidas pelos

mergulhadores foram cracas, briozoários, macroalga crostosa não articulada e macroalga

foliácea (Figura 14). Nas redes fantasmas também foram encontrados emaranhados sete peixes

ósseos (em estado de deterioração avançado, impossibilitando a identificação mais criteriosa),

oito caranguejos (sete Damitrax spp. e um Hepatus pudibundus), uma raia (Dasyatis sp),

gorgônia-vermelha (Leptogorgia punicea) e moluscos (gastrópodes) (Figura 15).

32%

21%

21%

11%

4%

11%

Rede Linha CaboChumbada Vara de pesca Âncora

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Figura 14- Prevalência dos organismos associados as redes fantasmas recolhidas no evento de limpeza – Rebio

Arvoredo, SC

Figura 15 - Animais emalhados nas redes recolhidas na Ilha da Galé – Rebio Arvoredo, SC (Fotos: Mafalda Press)

0

20

40

60

Craca Briozoário MAcrostrosa

nãoarticulada

MA foliacea Poliqueta Esponja Hidrozoário Bivalve

Pre

val

ênci

a dos

org

anis

mos

nas

red

es f

anta

smas

(%

)

MA – Macroalga

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Autos de infração

Do total de 96 autos de infração de pesca irregular fornecidos pelo ICMBio de 2009 a

2016, os tipos de pesca mais frequentes de acordo com os petrechos apreendidos foram: redes

de emalhe, vara ou linha de pesca e arbalete (pesca subaquática) (Figura 16). Analisando os

autos de infração pelo tipo de pesca (desconsiderando as apreensões), a pesca com vara ou

linha, rede de emalhe e pesca subaquática são as mais frequentes (Figura 17). A pesca irregular

também foi classificada por categoria, segundo a documentação da embarcação, sendo as mais

frequentes a pesca amadora e a profissional artesanal.

Figura 16- Frequência relativa dos petrechos de pesca apreendidos registrados na planilha de autos de infração de

pesca na Rebio Arvoredo, SC

0

10

20

30

40

50

60

Fre

qu

ênci

a re

lati

va

(%)

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Figura 17 - Tipo de pesca registrados nos autos de infração de pesca ilegal na Rebio Arvoredo, SC

Discussão

Os tipos de pesca mais frequentes provenientes dos autos de infração foram semelhantes

com os tipos de pesca obtidos através dos PP-APD. O uso da rede de emalhe e da linha, para a

pesca de mão e/ou pesca com molinete, foram frequentes em ambos. Isto corrobora com a

hipótese de que, a origem dos PP-APD presentes na Rebio Arvoredo seja proveniente da pesca

ilegal praticada no local, ao invés dos PP-APD terem derivado ao local através de correntes.

Também a elevada presença de âncoras como um PP-APD demonstra a presença de

embarcações no local, devido a possibilidade desse tipo de material se deslocar ser mínima.

Outros fatores que corroboram que a origem dos PP-APD encontrados seja proveniente da

pesca ilegal praticada no local, é a elevada frequência de registros dos infratores colocando

suas redes de emalhe muito próximas ao costão6*. Essa informação também consta nas

entrevistas feitas com pescadores no estudo de Adelir-Alves (2013) no norte do estado de

Santa Catarina. Ele observou que esses registros ocorrem principalmente na época da anchova

(Pomatomus saltatrix), que quando ovada, possui um comportamento característico de

deslocamento próximo ao costão. Wahrlich (1999) também constatou a ocorrência da pesca

6 * Comunicação pessoal concedida por Hellen José Florez Rocha, analista ambiental – ICMBio, em

15/05/2017.

48%

30%

19%

2%1%

Emalhe

Vara ou linha de pesca

Subaquatica

Arrasto

Espinhel

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com rede de emalhe e pesca com linha junto às ilhas, preferencialmente sobre fundos rochosos

através de registros das embarcações fundeadas e os flagrantes de pescadores em atividade de

pesca na Rebio Arvoredo.

As pescas por meio de rede de emalhe, linha de mão e molinete obtidos através dos PP-

APD também são características da pesca artesanal profissional e amadora, sendo estas

categorias de pesca consideradas as mais frequentes na Rebio Arvoredo segundo os autos de

infração entre 2009 e 2016. Analisando registros anteriores, é possível observar um histórico

da presença desses tipos de pesca na UC. Segundo Wahrlich (1999), a pesca amadora/esportiva

ocorria na região antes mesmo da criação da Rebio Arvoredo. Em seus registros, cerca de 94%

das avistagens de pesca esportiva estavam relacionadas a embarcações de lazer. Em quatorze

avistagens, a pesca esportiva era praticada a partir de embarcações da frota artesanal. No

conjunto de avistagens, o emprego de linha de mão, molinete e pesca subaquática foram

observadas com frequência. Carvalho (2003) analisou dados do relatório de ocorrência

ambiental entre 2002 e 2003 e verificou que nos crimes de pesca irregular os tipos de pesca

mais frequentes foram: pesca com linha de mão, pesca com vara ou molinete, pesca com rede

de emalhar e pesca subaquática. Além da Rebio Arvoredo, há o registro da presença da pesca

artesanal profissional e amadora no Parque Estadual Marinho da Laje de Santos (PEMLS) e

Parque Estadual Xixová-Japuí (PEXJ), ambas em São Paulo, a partir da avaliação dos PP-APD

recolhidos em campanhas de clean up dive (Casarini et al., 2011).

Considerando os PP-APD mais frequentes por ponto amostrado, houve predominância

da linha de pesca nas baías abrigadas. A linha de pesca é utilizada para a pesca de mão e/ou de

molinete, muito utilizadas para capturar peixes recifais, como por exemplo, garoupas e badejos.

Na prática, além das baías abrigadas serem locais mais favoráveis para a execução desse tipo

de pesca, também se configuram como abrigo para as embarcações em situações imprevistas,

como condições de mau tempo ou equipamento avariado que comprometem a navegação.

Wahrlich (1999) também registrou que o emprego de linhas de fundo era pouco especializado,

tendo o recreio como finalidade.

Analisando as redes fantasmas encontradas, os tamanhos das malhas, medidas entre

nós, mais frequentes foram 90, 80 e 120 mm, respectivamente, e também foram as mais

frequentes no estudo de Adelir-Alves (2013) para o litoral norte de Santa Catarina. Essas

malhas são utilizadas na região, principalmente, para capturar corvina, tainha e anchova. São

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utilizadas redes de emalhe de superfície e de fundo para capturar essas espécies, sendo

diferenciada a rede de anchova pela altura, maior quando comparada as demais redes.

Na entrevista feita com pescadores por Adelir-Alves (2013), os pescadores citam

algumas formas de prevenir a ocorrência de PP-APD, como instalação do petrecho de forma

correta, verificação da previsão meteorológica, investimentos em equipamentos de localização

e navegação (bóia luminosa, sonar, rádio e GPS) e qualificação de mão de obra. Contudo, tais

atividades não são realizadas na pesca ilegal, pois a instalação do petrecho é feita de forma

rápida e de maneira que não fique visível para os órgãos fiscalizadores. Na pesca amadora

ilegal, frequentemente a mão de obra não é qualificada, a fuga e o descarte de equipamentos e

petrechos de pesca no mar são atividades comuns para não serem apreendidos pelo órgão

fiscalizador. Dessa forma, a pesca ilegal praticada na Rebio Arvoredo é caracterizada como

uma pesca irresponsável e, consequentemente, a probabilidade de gerar PP-APD é maior

quando comparada as demais pescas.

Outro fator interessante referente aos autos de infração é a forte presença da pesca

subaquática, sendo a terceira pesca mais recorrente. Esse tipo de pesca também foi registrado

por Wahrlich (1999) e Carvalho (2003) na Rebio Arvoredo. Analisando esse tipo de pesca por

meio dos PP-APD, observamos valores pouco significantes, pois essa atividade gera menos

PP-APD comparada as demais. Assim, as informações obtidas nos autos de infração foram de

expressiva relevância para a detecção da frequência relativa desse tipo de pesca na unidade de

conservação atualmente. Também sugere-se ao órgão gestor a formulação de um protocolo

para os registros dos autos de infração para padronização dos dados e a inserção das seguintes

informações: quantidade de embarcações, arqueação bruta e, quando possível, o local da

infração na unidade de conservação.

Além de compreender os tipos de pesca praticados na Rebio Arvoredo através dos PP-

APD associados com os autos de infração, convém relembrar que o PP-APD é um lixo marinho

e a sua presença significativa é preocupante devido aos seus inúmeros impactos. Analisando

os dados de lixo obtidos pelo Projeto de Monitoramento Ambiental da Reserva Biológica

Marinha do Arvoredo e Entorno - MAArE (2017), contabilizados entre 2015 e 2016, o lixo de

pesca (PP-APD) é mais frequente que lixo comum. A presença de PP-APD também é registrada

em outras unidades de conservação no Brasil, além da Rebio Arvoredo. Ferreira e Maida

(2006), durante os anos de 2002 e 2003, também registraram o lixo da pesca como o mais

frequente comparado ao lixo comum para o: Parque Nacional de Abrolhos (BA), Área de

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Proteção Ambiental Costa dos Corais (PE e AL), Área de Proteção Ambiental dos Recifes de

Corais (RN) e Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE). Dessa forma,

demonstra-se a necessidade da inserção dos PP-APD nas ações de monitoramento e manejo

das unidades de conservação.

O impacto das linhas e redes fantasmas foi observado em organismos bentônicos

emaranhados, principalmente em octocorais, o que pode vir a causar uma alteração na

comunidade bentônica a longo prazo. Chiappone et al. (2005) caracterizaram os anzóis e linhas

como os principais responsáveis pelos impactos em esponjas e cnidários, através da abrasão do

tecido, causando mortalidade parcial ou total da colônia. Além de redes e linhas, os cabos

também podem ser arrastados sobre os costões rochosos sob influência de correntes, levando a

morte total ou parcial desses organismos bentônicos.

Em campo, não foi observada a relação direta entre idade do petrecho e os organismos

a ela associados. Os panos de redes encontrados enterrados por areia não apresentavam

organismos associados e/ou incrustados; panos de redes que cobriam o costão estavam

incrustados por alga calcária não articulada predominantemente; e nos panos de redes dispostos

verticalmente na coluna d’ água estavam associados predominantemente algas foliáceas. Dessa

forma, notou-se que a disposição da rede é um fator mais expressivo quando relacionado aos

organismos associados.

Os dados obtidos no clean up dive corroboraram com os dados do levantamento dos

PP-APD realizado neste estudo. Dessa forma, fica evidente a importância da categorização do

material recolhido nas atividades de clean up. Portanto, para as futuras atividades de remoção

do lixo marinho realizadas na costa brasileira, além da categorização do lixo comum (como

plástico, metal, vidros, entre outros), sugere-se o uso do protocolo elaborado nesta pesquisa

para categorização dos PP-APD (Anexo). A coleta de informações em clean up é de extrema

importância, pois auxiliará como uma ferramenta para mitigar os efeitos dos PP-APD a longo

prazo, além de envolver o público com a ciência e conservação.

A Rebio Arvoredo está enquadrada na categoria máxima de restrição segundo o

Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (2011). Esta apresenta uma elevada

pressão de pesca e sofre com os impactos diretos e indiretos do mesmo. Dessa forma, espera-

se que este estudo possa contribuir nas ações de manejo da Rebio Arvoredo, demonstrando

quais os locais prioritários para direcionamento dos esforços nas atividades de remoção do lixo

marinho e na fiscalização.

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Referências

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Anexo

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72

CONCLUSÃO GERAL

Diante dos resultados obtidos ao longo dos dois capítulos dessa monografia,

conclui-se que há poucos estudos sobre petrechos de pesca abandonados, perdidos ou

descartados para o Atlântico Sul. A deficiência em conhecimento a respeito do assunto

corrobora com a ausência de iniciativas nacionais e internacionais para os países

banhados por este oceano, em especial, a costa brasileira.

Também fica evidente que o PP-APD é um problema muito presente nas unidades

de conservação marinho-costeiras. As necessidades de estudos medindo os impactos que

estes geram são crucialmente importantes para compreender qual o seu grau de ameaça,

e possibilitando inseri-lo nos planejamentos das unidades de conservação. Como também

estudos para mitigá-los.

Um produto deste estudo foi a elaboração de um protocolo para categorização e

análise dos PP-APD. Portanto, sugere-se que este protocolo seja adaptado e utilizado em

levantamentos de PP-APD e também em atividades de clean up.

Espera-se que este estudo possa contribuir num panorama internacional da

situação atual dos PP-APD na costa brasileira e instigar a realização de mais estudos

acerca do tema, assim como patrocínios públicos e privados para pesquisas e ações de

conservação nessa área.