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Meio: Imprensa País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Sociedade Pág: 68 Cores: Cor Área: 21,00 x 27,62 cm² Corte: 1 de 6 ID: 79343679 02-03-2019 DIA INTERNACIONAL "NÃO SABIA NO QUE ME ESTAVA A METER!" ANA PIRES é a primeira mulher cientista- -astronauta portuguesa D ESDE final do ano passado, ANA PIRES, uma estudante de engenharia do Politécnico do Porto e investigadora do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecno- logia e Ciência tornou-se a primeira mulher por- tuguesa cientista-astronauta, depois de ter fre- quentado um curso patrocinado pela Nasa e em que foi uma das 12 escolhidas entre centenas de candidatos. Mas podia não ter corrido assim, se tivesse apagado o e-mail que lhe revelava ter sido selecionada e que a investigadora considerava spam! VIP — Qual foi o seu percurso académico até agora? Ana Pires — A minha formação de base é Enge- nharia Geotécnica, sou aluna do Instituto Superior de Engenharia do Porto. Terminei a licenciatura e fui convidada para ingressar num mestrado ligado a rochas e a minerais industriais na Universidade de Aveiro. A partir daí, em 2004/2005, todo o meu percurso foi sempre académico, ligado à investi- gação. Ganhei várias bolsas de investigação, de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tec- nologia. Depois do curso, fiz o mestrado, o dou- toramento em geociências, agora, mais recente- mente, comecei a trabalhar no Laboratório de Robótica do ISEP. Porque apesar de na minha es- sência ter este gosto pela rocha, agora, costumo dizer que tenho dois amores. Começa já a entrar- -me na "epiderme" esta paixão pelos robôs e pe- los sistemas autónomos. No fundo, aquilo que eu queria era tentar falar a mesma linguagem que os meus colegas, porque se o meu trabalho aqui era estabelecer a ponte entre os recursos minerais debaixo de água e o que os colegas fazem tecni- camente, preciso de falar a mesma linguagem. Porque é que estamos a fazer um determinado robô ligado à mineração debaixo de água? Para podermos explorar os fundos marinhos, para ten- tar perceber o que temos ali. Para a generalidade dos nossos leitores, fa- larmos de mineralogia subaquática é capaz de ser completamente desconhecido... E há sempre aquela discussão sobre o andarmos no espaço sem sabermos muito bem o que se passa aqui na Terra; ainda não conhecemos bem o que temos debaixo de água... E isso é verdade? Ou já conhecemos sufici- entemente bem o nosso planeta? Já conhecemos muito do que se passa abaixo da superfície oceânica, apesar de (e isto pode pa- recer um pouco estranho...) só três pessoas terem ido até aos confins dos oceanos, a dez, onze qui- lómetros de profundidade, na Fossa das Marianas: o realizador do Titanic, James Cameron, e, em 1960, o tenente da Marinha americana Don Walsh e o cientista suíço Jacques Picard, a bordo do Ba- tiscafo Trieste; enquanto isto, muito mais de uma dúzia foram até ao espaço! Só para se perceber que estamos a falar de um ambiente muito extre- mo, a pressão da água a dez quilómetros de pro- fundidade é uma coisa inimaginável. São ambien- tes totalmente diferentes, mas com um denomi- nador comum, o desconhecido. E é isso que nos faz, como investigadores e como humanos, ter muita curiosidade e vontade de descobrir. Em pequena chegou a dizer "eu quero ser astronauta"?

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País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Sociedade

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Área: 21,00 x 27,62 cm²

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DIA INTERNACIONAL

"NÃO SABIA

NO QUE ME ESTAVA

A METER!" ANA PIRES é a primeira

mulher cientista- -astronauta portuguesa

DESDE final do ano passado, ANA PIRES, uma estudante de engenharia do Politécnico do Porto e investigadora do Instituto de

Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecno-logia e Ciência tornou-se a primeira mulher por-tuguesa cientista-astronauta, depois de ter fre-quentado um curso patrocinado pela Nasa e em que foi uma das 12 escolhidas entre centenas de candidatos. Mas podia não ter corrido assim, se tivesse apagado o e-mail que lhe revelava ter sido selecionada e que a investigadora considerava spam!

VIP — Qual foi o seu percurso académico até agora?

Ana Pires — A minha formação de base é Enge-nharia Geotécnica, sou aluna do Instituto Superior de Engenharia do Porto. Terminei a licenciatura e fui convidada para ingressar num mestrado ligado a rochas e a minerais industriais na Universidade de Aveiro. A partir daí, em 2004/2005, todo o meu percurso foi sempre académico, ligado à investi-gação. Ganhei várias bolsas de investigação, de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tec-nologia. Depois do curso, fiz o mestrado, o dou-toramento em geociências, agora, mais recente-mente, comecei a trabalhar no Laboratório de Robótica do ISEP. Porque apesar de na minha es-sência ter este gosto pela rocha, agora, costumo dizer que tenho dois amores. Começa já a entrar--me na "epiderme" esta paixão pelos robôs e pe-los sistemas autónomos. No fundo, aquilo que eu queria era tentar falar a mesma linguagem que os meus colegas, porque se o meu trabalho aqui era estabelecer a ponte entre os recursos minerais debaixo de água e o que os colegas fazem tecni-camente, preciso de falar a mesma linguagem. Porque é que estamos a fazer um determinado robô ligado à mineração debaixo de água? Para podermos explorar os fundos marinhos, para ten-tar perceber o que temos ali.

Para a generalidade dos nossos leitores, fa-larmos de mineralogia subaquática é capaz de ser completamente desconhecido...

E há sempre aquela discussão sobre o andarmos no espaço sem sabermos muito bem o que se passa aqui na Terra; ainda não conhecemos bem o que temos debaixo de água...

E isso é verdade? Ou já conhecemos sufici-entemente bem o nosso planeta?

Já conhecemos muito do que se passa abaixo da superfície oceânica, apesar de (e isto pode pa-recer um pouco estranho...) só três pessoas terem ido até aos confins dos oceanos, a dez, onze qui-lómetros de profundidade, na Fossa das Marianas:

o realizador do Titanic, James Cameron, e, em 1960, o tenente da Marinha americana Don Walsh e o cientista suíço Jacques Picard, a bordo do Ba-tiscafo Trieste; enquanto isto, muito mais de uma dúzia foram até ao espaço! Só para se perceber que estamos a falar de um ambiente muito extre-mo, a pressão da água a dez quilómetros de pro-fundidade é uma coisa inimaginável. São ambien-tes totalmente diferentes, mas com um denomi-nador comum, o desconhecido. E é isso que nos faz, como investigadores e como humanos, ter muita curiosidade e vontade de descobrir.

Em pequena chegou a dizer "eu quero ser astronauta"?

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Meio: Imprensa

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Sociedade

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Área: 21,00 x 27,65 cm²

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A primeira mulher cientista- -astronauta portuguesa, Ana Pires, confessa viver

profissionalmente num mundo de homens, mas tem esperança

que isso mude

Ana Pires durante os testes de resistência às forças gravitacionais, nos Estados Unidos: "Só para vestir o fato, colocar capacete e botas

e testar todos os sistemas de suporte de vida leva mais de uma hora"

Sim, cheguei. Contavam-me umas histórias mui-

to esquisitas sobre a Lua, e que estavam lá umas

velhinhas, quando a lua estava cheia, com aquelas

manchas... Foi a paixão pelo desconhecido que me

levou a enveredar por este mundo da investiga-

ção. Toda a minha vida trabalhei em geotecnolo-

gias ligadas ao mar e aos recursos geológicos e

depois vim parar aqui, com a malta da robótica.

Eu e o meu irmão, temos idade muito aproximada

(apenas um ano e dez meses de diferença) e tínha-

mos uma paixão enorme pelo Star Wars e, para

mim, isso acabou por ser um pouco determinante,

porque, como nas minhas paixões, tem a parte do

espaço e, também, da robótica.

Como é que surgiu a hipótese de colaborar

com a Nasa? Estava a sentir-me muito bem aqui, no INESC

TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Com-

putadores, Tecnologia e Ciência), no Laboratório

de Robótica, quando surgiu a oportunidade de

frequentar este curso de cientista/astronauta. Já

estava curiosa desde 2015, quando um dos ele-

mentos do júri na minha defesa de tese de dou-

toramento não compareceu ao exame e já se fa-

lava que ele, o professor Rui Moura, da Faculdade

de Ciências do Porto, tinha sido selecionado para

este programa. Foi ele o primeiro cientista-astro-

nauta português e é de facto o português melhor

preparado para ir ao espaço. É piloto e tudo! Já

tive o prazer de o conhecer, de estarmos juntos e

estamos, inclusive, a preparar projetos em conjun-

to. Desde 2015, ficou aquela curiosidade, no que

é que ele andava metido, o que é que seria aque-

le programa, o PoSSUM - Ciência Suborbital Polar

na Alta Mesosfera, ligado aos voos suborbitais...

Este é um projeto apoiado pela Nasa, com vários

parceiros, como, por exemplo, a Universidade Ae-

ronáutica de Embry-Riddle, na Florida (EUA), ou a

Final Frontier Design, a empresa que faz o design

dos fatos espaciais. No ano passado, decidi, assim

mesmo à maluca, "vou tentar candidatar-me! Olha

que giro, ficava com o grau de cientista-astronauta,

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Meio: Imprensa

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Sociedade

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Área: 21,00 x 27,54 cm²

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0- abria a porta tanto ao ISEP como ao INESC TEC para a indústria espacial e começávamos a traba-lhar nisto...". Candidatei-me e em agosto recebi um e-mail do diretor executivo do programa, abri-o e pensei que era spam. Esteve a um passo de ser apagado! Depois é que comecei a raciocinar, vi que era do programa PoSSUM, fui verificar os no-mes e caí em mim. Pensei "e agora?"... Depois ra-pidamente raciocinei e pensei "vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para á; isto é uma opor-tunidade única, é uma aventura, um desafio que eu quero viver", mas o problema eram as propinas e surgiu a questão de arranjar apoios. Foi logo ime-diato: tanto o ISEP, como o INESC TEC ou o IPP (Instituto Politécnico do Porto) disseram-me que davam o apoio e que pagavam viagens e propinas. "Vai e conta-nos tudo", disseram. Foi aí que surgiu a oportunidade de ser a primeira portuguesa mu-lher a ser selecionada para o programa (e daí este mediatismo todo) e a concluir, com sucesso, este mês e meio de curso.

Fez, certamente, testes físicos. Em que con-sistiram? Foi difícil aguentar as forças G e os espaços fechados?

Não foi nada fácil, fisicamente. Eu aguentei até aos 3,5 Gs. Não imagina o esforço muscular e mental que é para não desmaiar e cair para o lado. Fiz dois voos e aguentei-me razoavelmente; no primeiro, vomitei... É feito em aviões que parecem

aqueles dos voos acrobáticos, mas levados ao ex-tremo. Esta escola de acrobacia está mesmo ao lado do local de treinos. No fundo o que eles que-rem simular é o que os astronautas sentem quan-do arrancam para o espaço. O que não aguentei foram as forças negativas, no primeiro voo queria mais, sempre a dizer ao piloto que estava bem, mas... não estava nada bem.

E recebeu o diploma de cientista-astronauta da Nasa. Como foi esse percurso?

O curso decorre mais ou menos durante um mês e meio. Durante algumas semanas com aulas de teoria, muita teoria, sobre fisiologia humana, como funcionam as naves espaciais, os sistemas de suporte de vida, como funcionam os fatos es-paciais, como é que os controlamos, como é que decorre uma verdadeira missão ao espaço, o su-borbital, o que é que temos de fazer, tudo para nos preparar para quando estivermos lá, naquela semana intensa, sabermos o que vamos fazer. Só o fato espacial leva mais de uma hora para colocar, para vestir, controlar os diversos sistemas, colocar as luvas, calçar as botas, pôr o capacete, e depois, finalmente, fazemos a simulação de um voo, num simulador. Depois desta simulação, fazemos os dois voos acrobáticos, para sentirmos as forças G, e simulamos um dentro de uma câmara hiperbá-rica, para sentirmos a hipoxia, a falta de oxigénio.

E estava preparada fisicamente para tal?

As pessoas dizem-me que eu devo ser uma desportista, acham que tive que me preparar. Eu... caminho! Caminho todos os dias, vou passear a minha cadela, não sou nenhuma desportista, passo horas no computador a fazer investigação e, por vezes, no terreno. Não tive que fazer ne-nhumas provas. A única coisa que recomendam (não é exigido), é o curso de mergulho, e isso ajudou-me muito, tanto nos voos acrobáticos como na câmara hiperbárica, porque ajuda-nos a compensar a pressão interna dos ouvidos. As reações e os sintomas são muito diversos. Este treino é feito para que os pilotos consigam aper-ceber-se quando é que começam os sintomas de hipoxia e colocarem imediatamente a máscara de oxigénio.

O curso decorreu em instalações da Nasa? São como imaginava?

Não, decorreu na Embry-Riddle Aeronautical University, na Florida, em Daytona Beach. A uni-versidade é tal como imaginamos: tudo high--tech, com simuladores, realidade virtual, a par-te dos fatos espaciais, os tanques, as câmaras hiperbáricas onde experimentam a gravidade. Eu realmente não sabia no que me estava a me-ter! E, porque estava muito perto, tive a opor-tunidade de visitar o Kennedy Space Center, da Nasa, de onde lançam todas as missões espaci-ais norte-americanas. Aí é melhor ainda do que

Ana Pires no seu local de trabalho, o Laboratório de Robótica

do INESC TEC, no Porto

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País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Sociedade

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O soitiso estampado no rosto depois

de concluído o curso de cientista-astronauta,

na Embry-Riddle Aeronautical University,

na Florida, EUA

I .ow 100k 1 nto space the plonets loeyaol, owed that we thall not 2oe

aJ by a hostde flay olwoquesi, bowiet of heedom and peoce.

-John F Kennedy

"Aguentei até aos 3,5 Gs. Não imagina o esforço muscular e mental que é para não desmaiar e cair para o lado", confidencia

eu pensava! E depois é tudo à americana, com

aqueles filmes todos, com cortinas para não nos

deixar logo ver a nave. À Hollywood! E foi convidada a frequentar outro curso, no

Arizona, em condições mais próximas do que poderá encontrar numa missão a Marte?

Sim, eles chamam a isto um análogo...

Isso significa que irá, eventualmente, algum dia integrar uma missão ao espaço?

Apesar de eu andar sempre com a cabeça no

mundo da Lua, tenho os pés bem assentes na

Terra quanto a isto. Não é com esse intuito que

vou, mas sim educar-me, trazer o know-how,

fazer cada vez mais formações e é também a

estratégia do laboratório e do nosso coorde-

nador, o professor Eduardo Silva, tentarmos

perceber qual será o nosso papel neste proje-

to em concreto ou em projetos futuros, mes-

mo, quem sabe, com a Nasa. Porque no âmbi-

to do projeto PoSSUM, há a possibilidade até

de virmos um dia a trabalhar com o Jet Propul-

sion Lab da Nasa! É nesse sentido que estou a

trabalhar. E por cada missão à Lua ou a Marte

há centenas de milhares de parceiros que tra-

balharam para que isso fosse possível. E já o

disse aqui: nem que nós participássemos ape-

nas num sensor, num braço robótico, qualquer

coisa para a qual pudéssemos contribuir, já ti-

nha valido a pena.

Mas nunca sonhou, a olhar para o céu, em ir

alguma vez "lá acima"? Penso antes "será que vou conseguir um proje-

to"? Claro que isso passa pela cabeça, nunca se

sabe... Estou a fazer estas formações, mas tenho

plena consciência de que há lá "malta" muito mais

bem preparada para desempenhar estas missões.

Mas também estive a um passo de mandar o

e-mail para o lixo e não o fiz; tudo pode acontecer!

Eu nunca digo nunca, mas é mais com os pés as-

sentes na Terra. É uma mulher num mundo de homens?

Efetivamente, nós somos muito poucas aqui;

somos apenas quatro investigadoras e a secretária

do laboratório. O resto é só homens!

E isso acontece porquê? Falta paixão às mu-

lheres por este ramo das ciências, as engenha-rias e tecnologias?

Isto de eu ter ido fazer o curso, traz aqui ao

laboratório muitas crianças, dos liceus, e no dia

8 de março vamos ter aqui uma visita de estudo

de miúdos e miúdas que querem conhecer a fa-

mosa cientista/astronauta. Tentamos puxar os

jovens para este ramo de investigação e penso

que cada vez mais isso vai acontecendo e vamos

tendo uma maior taxa de sucesso. Vi numa re-

portagem que "qualquer dia o Mundo vai ser do-

minado por mulheres, mas isso ainda vai demorar

e, se calhar, vai ser um mundo diferente daquele

que conhecemos", porque as mulheres têm este

lado mais prático, são multitask, conseguem estar

ao telefone, a cozinhar e ainda a pensar no que

é que vão fazer no dia seguinte. Eu não sou mãe,

mas tenho uma cadela, a minha Kwanza, que é

tudo para mim, e, apesar de não ter sentido a

experiência da maternidade, vejo pelas minhas

colegas tudo o que elas são capazes de fazer: vão

ao ginásio, vão buscar os filhos, fazem compras,

tratam do jantar... Diziam nessa reportagem que

vai ser um mundo diferente e eu acrescento: acho

que vai ser melhor! É bolseira de investigação, o que em Portu-

gal não é nada fácil... estar dependente de bol-sas para continuar com os projetos...

A vida de investigador em Portugal, quer seja

com bolsa, ou com contrato, não é fácil. É uma

vida dura, mas também só cá está quem é apai-

xonado por aquilo que faz. Quando fala com um

investigador consegue perceber logo que aque-

la pessoa ama o que faz. Em qualquer centro de

investigação ou laboratório, lutamos por proje-

tos, pela nossa própria investigação, mas o nos-

so futuro é sempre incerto. Mas é o que é... e

não me arrependo; eu poderia ter ido trabalhar

para um banco, mas isto é o que eu gosto de

fazer. É uma aventura todos os dias. É chegar a

casa e comentar o último robô que montámos...

O seu companheiro partilha dessa paixão?

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Meio: Imprensa

País: Portugal

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Âmbito: Sociedade

Pág: 72

Cores: Cor

Área: 21,00 x 27,70 cm²

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"Tempo? Arranja-se! Se calhar tenho

clones, ou qualquer coisa do género!",

brincou

1

Tem o curso de astronauta, mas confessa: "Gostava

12.1e ter um contrato"...

Até lhe posso dizer que, se não fosse o meu companheiro, o Luís, amigo de vida, que acom-panhou o início desta aventura, desta vida di-fícil da Ana Pires, desde que ela começou a pensar em concorrer a uma bolsa de investiga-ção até tirar o seu doutoramento, foram tem-pos difíceis... ele é o meu porto de abrigo!

Temos a ideia de que as investigadoras científicas só têm olhos para microscópios e retortas e não têm vida pessoal. Quais são as suas paixões fora do laboratório?

Temos que equilibrar a nossa vida e eu fica-va maluca se só pensasse em laboratórios, ro-chas e robôs. A Ana Pires, apesar de ir para o terreno, calçar botas e vestir o colete de traba-lho, bater nas rochas e ir com os colegas em missões, também é uma mulher! E tenho este lado da música, estudei no Conservatório de Música do Porto, e era para ganhar algum di-nheiro a dar aulas, enquanto esperava pelas bolsas de investigação. Esta parte da música e das artes sempre esteve comigo e era isso que me equilibrava, tinha o mundo da engenharia e tecnologia e o mundo da música. Em 1997, tinha eu 17 anos, formei um coro, ligado à co-munidade cristã da minha terra, o Grupo Juve-nil de São Paio de Oleiros, com o qual animá-vamos casamentos (agora, já menos, porque a vida está mais complicada, falta-nos tempo, uns casaram, já têm filhos...). Mas a Ana divide--se em quatro: tenho a parte pessoal (a da Ana que adora ir para a praia e dar uns valentes mergulhos — ou não fosse eu de Espinho — ir com a cadela e com os amigos, passear e estar com o companheiro), a parte tecnológica, a parte da música e... a parte política (a Ana que foi durante quatro anos presidente de junta; entretanto perdi as eleições...).

E tem tempo para isso tudo? Sei lá! Arranja-se! Se calhar tenho clones, ou

qualquer coisa do género (risos). Há dois anos perdi as eleições, agora estou na oposição, que também é um papel importante e temos que estar atentos ao que os outros fazem.

Aos 39 anos, o que pretende agora para o resto da sua carreira? E para a sua vida pessoal?

Chegou a esta altura, aos 39 anos, e ainda não tive filhos; provavelmente vou ficar para tia. O meu irmão tem uma filha, sou tia, e sou também tia-postiça e madrinha. Elas são o meu orgulho! Mas isto é por acordo mútuo, tanto eu como o Luís estamos bem assim. Se não aconteceu até agora, vai ser difícil que aconte-ça, porque a vida vai-se complicando. Em ter-mos de carreira, gostava muito de ir para os Estados Unidos, aproveitando toda esta forma-ção. Gostava de poder consolidar a minha car-reira e de conseguir ter um contrato... UI;

Texto Luis Peniche, Fotos: João Manuel Ribeiro e DR

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País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Sociedade

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Área: 9,58 x 2,57 cm²

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N.° 1129 • SEMANAL • 02 a 08/03/2019 PRECO PORTUGAL [Cont.1: E 1,70 UVA INC.)

ENTREVISTA EXCLUSIVA

ATRIZ REVELA PAIXÃO E FALA DA RELAÇÃO COM MARCELO REBELO DE SOUSA

ANA ZANATTI

NAM .0 "ANTES DE ENTRAR NO CORAÇÃO DOS PORTUGÜESES> ELE JA TINHA ENTRADO NO MEU"

CRISTIANO RONALDO

CONFIA MILHÕES A [tie]:tell`111

ESPECIAL DIA DA MULHER

CONHECA A HISTÓRIA DA PRIMEIRA ASTRONAUTA PORTUGUESA

1CRISTINA FERREIRA

RENDIDA A CONAN OSIRIS