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Planos de texto, sequências textuais e orientação argumentativa Sueli Cristina Marquesi Vanda Maria Elias Ana Lúcia Tinoco Cabral Considerando que, no ensino de língua, o objetivo primordial é o trabalho com o texto no que diz respeito à produção, compreensão, contextualização e reflexão sobre o uso da língua e seus efeitos, neste capítulo discutimos o plano de texto como importante estratégia para o ensino da produção escrita. Com esse propósito, dividimos o capítulo em três seções: Na primeira, discutimos o plano de texto, como é definido e de quais elementos se constitui; na segunda, o nosso foco são as sequências textuais entendidas como elementos que entram na composição do plano de texto e são expressivas das intenções de quem produz, com um modo particular de organização e funções variadas na arquitetura textual; na terceira e última, apresentamos uma proposta de como as sequências textuais podem ser trabalhadas em sala de aula na ela- boração e desenvolvimento do plano de texto e, por conseguinte, na condução da orientação argumentativa pretendida. Plano de texto e escrita Antes de elaborarmos um texto, pensamos na finalidade para a qual escrevemos e o organizamos, tendo em vista os objetivos que deseja- mos atingir com aquela produção. Por isso é que dizemos que o texto

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Planos de texto, sequências textuais

e orientação argumentativaSueli Cristina Marquesi

Vanda Maria Elias Ana Lúcia Tinoco Cabral

Considerando que, no ensino de língua, o objetivo primordial é o trabalho com o texto no que diz respeito à produção, compreensão, contextualização e reflexão sobre o uso da língua e seus efeitos, neste capítulo discutimos o plano de texto como importante estratégia para o ensino da produção escrita.

Com esse propósito, dividimos o capítulo em três seções:

• Na primeira, discutimos o plano de texto, como é definido e de quais elementos se constitui;

• na segunda, o nosso foco são as sequências textuais entendidas como elementos que entram na composição do plano de texto e são expressivas das intenções de quem produz, com um modo particular de organização e funções variadas na arquitetura textual;

• na terceira e última, apresentamos uma proposta de como as sequências textuais podem ser trabalhadas em sala de aula na ela-boração e desenvolvimento do plano de texto e, por conseguinte, na condução da orientação argumentativa pretendida.

Plano de texto e escrita Antes de elaborarmos um texto, pensamos na finalidade para a qual

escrevemos e o organizamos, tendo em vista os objetivos que deseja-mos atingir com aquela produção. Por isso é que dizemos que o texto

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constitui uma construção organizada de forma estrutural cuja finalidade é cumprir os propósitos comunicativos do gênero que ele materializa. O plano textual reflete essa organização. Todo texto que lemos nos permite extrair um plano, isto é, a maneira como aquele texto foi organizado de forma a cumprir os propósitos do produtor.

O pesquisador suíço Adam (2011) nos ensina que os planos de textos são muito importantes para a construção dos sentidos. Eles fazem parte, inclusive, do sistema de conhecimentos dos grupos sociais, assim como os gêneros que circulam nas diversas esferas sociais, cumprindo suas funções. O plano de texto reflete a maneira como as informações estão organizadas no texto, indicando também a organização das sequências textuais, sempre de acordo com as intenções de quem escreve.

Já em 1983, estudiosos como Van Dijk chamavam a atenção para a importância da estrutura, por ela viabilizar, de um lado, as intenções do produtor e, de outro, a percepção do leitor. Devemos lembrar que, entre os elementos que nos permitem identificar um gênero, encontra-se sua estrutura composicional; o conhecimento dessas estruturas faz parte dos conhecimentos prévios que nos auxiliam a compreender um texto e também a elaborar, a redigir.

Por isso é que dizemos que o plano de texto permite observar a estrutura global do texto e, mais especificamente, a maneira como estão organizados os parágrafos, e até a ordem em que as palavras são apre-sentadas no texto (Cabral, 2013). Essa possibilidade oferecida pelo plano de texto, segundo essa autora, é importante tanto para a compreensão como para a produção, pois tanto para perceber quanto para elaborar a estrutura global de um texto temos de recorrer a nossos conhecimentos linguísticos e textuais. Essa possibilidade também nos coloca diante da importância do plano de texto como uma estratégia para o planejamento de uma redação, fato já observado pela mesma autora.

O planejamento de um texto, que precede a sua produção propria-mente dita, é uma tarefa complexa que inclui duas etapas, uma delas intimamente ligada com o conceito de plano de texto: em primeiro lugar é necessário recuperar ideias na memória ou em fontes impressas ou digitais; depois é preciso organizar essas ideias.

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Planos de texto, sequências textuais e orientação argumentativa 15

O fato é que as ideias que comporão o conteúdo de um texto não se encontram organizadas, exatamente como o produtor deseja. Por isso é importante organizá-las para a escrita pensando num plano textual que reflita aquilo que ele deseja dizer. A organização das ideias está direta-mente ligada à qualidade do texto, que será melhor na medida em que as ideias do produtor estiverem bem organizadas.

Essa ideia nos remete à noção de plano. Todo texto é, tanto na pro-dução quanto na leitura, objeto de um trabalho de reconstrução de sua estrutura; essa estrutura é muito mais do que uma soma de ideias, ela constitui o plano de texto e reflete o seu conteúdo global. Desse ponto de vista, o plano de texto pode servir de ferramenta para planejar um texto a ser produzido; sua utilização poderá garantir maior coerência entre o que o produtor deseja escrever e o que ele escreverá efetivamente.

Além do conhecimento da estrutura global do texto, também contri-bui para a escrita e para a leitura o conhecimento de estruturas específicas, seja de um determinado gênero textual, seja de organizações sequenciais, pois perceber um princípio organizador do texto ajuda o leitor a inferir os efeitos de sentido desejados pelo produtor.

De outro lado, se o produtor consegue expor um plano de ação que subjaza a seu texto, ele fornece os elementos necessários para sua compreensão. O plano permite justificar a ordem em que as partes se apresentam, explicitando também as relações entre elas e seu sentido para o todo do texto. Desse ponto de vista, são igualmente importantes as sequências textuais que compõem cada parte do texto.

Sequências textuais para a realização de um propósito de dizer

As sequências textuais também são estruturas compostas de um núme-ro limitado de elementos. Além disso, elas são dotadas de uma organização interna própria, cujos elementos se organizam de forma hierárquica. Como rede relacional hierárquica, as sequências são analisáveis em partes que estão ligadas entre si na composição da sequência, que constitui o todo. Relativamente ao todo global do texto do qual fazem parte, as sequências mantêm uma relação de dependência-independência; por isso é que dize-mos que elas constituem entidades relativamente autônomas.

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As sequências são compostas de um número limitado de enunciados que se organizam em combinações pré-formatadas; tais combinações correspondem a diferentes tipos de sequência, entre as quais abordaremos aquelas que, acreditamos, podem contribuir para o processo de orien-tação argumentativa: narrativa, descritiva, explicativa e argumentativa propriamente dita.

As sequências narrativasA sequência textual narrativa

corresponde à apresentação de acon-tecimentos, e envolve os seguintes elementos: situação inicial, nó (con-flito), re-ação (avaliação), desenlace (resolução), situação final. Os acontecimentos ocorrem com alguém, em determinado tempo e normalmente têm uma causa. Esses elementos constituem condições para a narrativa. Com efeito, os fatos da narrativa ocorrem em relação a uma referência temporal, do que decorre que o tempo constitui o eixo de toda sequência narrativa. Além disso, a narra-tiva envolve intenções, objetivos, ação, causa, consequências, intrigas, resolução de problemas. Todos esses conceitos estão inseridos num eixo temporal no qual os fatos se relacionam entre si.

Vale destacar que o nó, ou conflito, isto é, um acontecimento que desencadeia um “problema” para determinado personagem ou para a história como um todo, constitui o elemento-chave da sequência nar-rativa, pois é em função dele que se desenrola a ação no eixo temporal.

A sequência narrativa apresenta-se com a seguinte estrutura:

Limites do processo

Núcleo do processo

Situação inicial Nó Re-ação Desenlace Situação final

Fonte: ADAm (2011: 226).

Sugestão de leitura: François, Hudelot e Sebeau-Jouanet (1984).

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Como exemplificação da organização interna de uma sequência narrativa, selecionamos o seguinte texto:

Exemplo 1

Desenvolvida num eixo temporal no qual ação, causa, consequência, problema e resolução estão inter-relacionados, a sequência narrativa constitutiva do anúncio envolve os seguintes elementos:

Situação inicial: Eu tava na praia de Ramos com a família.

Nó: Era apaixonado por uma prima chamada Edna.

Re-ação: Edna me ofereceu um gole da sua Coca-Cola e bebi naquela garrafa.

Desenlace (resolução): eu me senti beijado.

Situação final: Engraçado, né, como a gente fica quando é moleque. E apaixonado.

No plano de texto concretizado que gerou o anúncio, a sequência nar-rativa é uma estratégia usada para ilustrar o lema da campanha publicitária: A Coca-Cola da minha vida e, desse modo, indicar o propósito comunica-tivo do gênero textual em questão: incentivar o consumo do refrigerante.

Assim sendo, a sequência narrativa apresenta um exemplo de situação que indica o ponto de vista do produtor e contribui para a orientação argu-mentativa do texto. Trata-se de um recurso de presença, por permitir tornar

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concreto na memória do leitor um fato relevante para as intenções do pro-dutor, revelando o quanto, no plano do texto, a sequência é um expediente da qual lança mão o produtor para alcançar o seu objetivo com o texto.

As sequências descritivasA sequência textual descritiva está presente na grande diversidade

de textos que lemos diariamente, desde um romance, um poema, até em notícias de jornal, em publicidades. As sequências descritivas cumprem funções variadas; é difícil imaginar um texto que não contenha elementos de descrição.

Como não conseguimos dar conta totalmente do que desejamos descrever, seja um objeto, seja uma pessoa, seja um conceito, fazemos um recorte, re-correndo a uma série de processos de seleção. Esses processos resultam num esquema organizador que, conforme ensina marquesi (2004), define-se por três categorias: 1) designação, que compreende nomear, dar a conhecer; 2) definição, que diz respeito a determinar a extensão ou os limites de, enunciar os atributos essenciais e específicos do ente descrito, para que ele não seja confundido com outro; 3) individuação, que se destina a especificar, distinguir, ou seja, particularizar, tornar individual. Essa última categoria indica o que torna o ente descrito uma existência singular, determinada no tempo e no espaço. No texto, o fio condutor orienta as escolhas do produtor para o sentido desejado.

Apresentamos a seguir o esquema do descritivo:

Cabral, Marquesi e Seara (2015) apresentam a individuação por relação de avaliação (que pode ser de caráter positivo ou negativo) e por relação de consequência (que diz respeito a como as consequências das ações ou das peculiaridades do ente descrito permitem construir a individuação.

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Fio condutor do texto “x” “y” (Condensação) (Expansão) Designação Definição Individuação •a •a •a •a •a •b •b •b •b •b •c •c •c •c •c •d •n •n •n •n (Bloco) (Bloco) (Bloco) (Bloco) 1 2 3 4

Fonte: mARquEsi (2004: 114).

Adam (2011) estabelece, para a composição de sequências des-critivas, quatro tipos de operações: operações de tematização, que consistem em nomear e colocar em evidência um todo; operações de aspectualização, que cuidam de expor as partes do todo, operando uma fragmentação que evidencia as qualidades do ente descrito; operações de relação, que podem ocorrer por contiguidade (situação temporal ou espacial), por analogia (por comparação ou por metáfora); operações de expansão, subtematizações as quais evidenciam que a extensão da descrição é produzida pela adição de qualquer operação a uma operação anterior, articulando a dependência entre uma sequência e a precedente.

Comparando os estudos sobre o descritivo de marquesi (2004) e Adam (2011), é possível dizer que, ao designar, tematizar ou nomear um ser/objeto, o produtor já indica a orientação argumentativa do texto, que se manifestará pelas escolhas lexicais e sintáticas para qualificar, localizar, situar esse objeto, em função de um querer dizer.

Com base no texto a seguir, exemplificaremos a organização interna de uma sequência descritiva:

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Exemplo 2

SUA PRAIA É: PONTA GROssA (CE)

SE... se o encontro entre falésias, dunas, mata de restinga e mar te tiram o fôlego.

No pequenino vilarejo do município de icapuí, pertinho da divisa com o Rio Grande do Norte, o Ceará esconde belas e preservadas praias. Tome como exemplo Ponta Grossa, no litoral leste do estado, que segue quase imaculada. seus moradores dependem da pesca artesanal da lagosta e de peixes. Começa, porém, lentamente a despertar para o turismo sustentável. Ponta Grossa é uma área de proteção ambiental que mantém intacta a beleza de falésias, dunas e mangues.

Fonte: OliVEiRA, Roberto de. Revista sãopaulo, 6 a 12 mar. 2016, p. 42.

O texto foi extraído da seção de reportagens da Revista sãopaulo. intitulada “Especial: dezesseis praias para curtir o ano inteiro”, a reporta-gem apresenta um conjunto de textos em cuja organização preponderam sequências descritivas que apontam para o propósito comunicativo de incentivar o turismo nesses lugares.

No texto escolhido para exemplificação, as sequências descritivas, quanto a sua estrutura, constituem-se em torno do objeto descrito e predi-cações. Observamos os movimentos de condensação e expansão, e neles, respectivamente, a categoria de designação, que consiste na nomeação do objeto descrito: a praia Ponta Grossa (CE); e a categoria de expansão, marcada pela individuação, considerando o objetivo da reportagem que é apresentar cada uma das dezesseis praias brasileiras listadas na matéria, apontando características que possuem e que as particularizam como atrativos para o turismo.

Em se tratando do exemplo, a praia Ponta Grossa (CE) é individua-lizada pelos seguintes traços:

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• localização: No pequenino vilarejo do município de icapuí, pertinho da divisa com o Rio Grande do Norte, no litoral leste do estado;

• preservação da área: uma das belas e preservadas praias; segue quase imaculada; é uma área de proteção ambiental que mantém intacta a beleza de falésias, dunas e mangues;

• economia local: seus moradores dependem da pesca artesanal da lagosta e de peixes.

No plano textual, as sequências descritivas foram concebidas de forma a ganhar destaque no conjunto das informações globais constitutivas do texto, tendo em vista as intenções do produtor, a saber: incentivar o turismo no local, despertando no leitor a vontade de conhecer/visitar o local por seus pontos característicos. Essas sequências, então, assumem importante papel na orientação argumentativa que o produtor imprime ao texto.

As sequências explicativas

A explicação tem por função procurar fazer com que o interlocutor compreenda algo que seja difícil de compreender. Refere-se, portanto, a um fenômeno incontestável, mas que precisa ser explicado, como acontece, por exemplo, com os conceitos teóricos.

Para Bronckart (1999), a explicação parte da constatação de um fenômeno de difícil compreensão, a partir do qual ocorre uma proble-matização, com uma questão da ordem do porquê ou do como; esse questionamento leva a uma explicação, apresentando informações capazes de responder as questões colocadas; finalmente apresenta-se uma conclusão-avaliação, que permite reformular e complementar eventu almente a constatação inicial.

Por sua vez, Adam (2011) defende que as sequências explicativas podem aparecer em segmentos textuais curtos, em enunciados com ver-bo no presente que combina sE (introdutor de um enunciado que coloca um problema) com é quE ou é PORquE, introdutores de uma explicação.

Há diferentes possibilidades de combinações para a construção das sequências explicativas; todas elas apresentam um período hipotético seguido de uma explicação:

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sE p, é PORquE q;sE p, é PARA quE q;

sE p, é Em RAZÃO DE q;sE p, é quE.

Elas podem ainda apresentar uma estrutura retroativa como

é PORquE/PARA q, quE p.

Nesse caso, a explicação pode não ser indicada imediatamente, mas ser desencadeada por conectores como é/POR issO.

Do ponto de vista da composição, as sequências explicativas se reali-zam por meio de enunciados analíticos, com verbos predominantemente no presente do indicativo e períodos compostos contendo orações adjetivas.

Embora a explicação esteja associada a fenômenos incontestáveis, que acreditamos ser necessário tornar mais claros para nossos interlo-cutores, devemos considerar o fato de que se desejamos explicar melhor um fenômeno é porque ele constitui um elemento importante no contexto de nossas intenções e, por isso, precisa ficar claro. Assim sendo, a ex-plicação de um conceito ou de um fenômeno pode, muitas vezes, servir de argumento para apoiar um ponto de vista e, nesse sentido, contribuir para a orientação argumentativa do texto.

Observaremos como se organiza internamente uma sequência explicativa no texto:

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Exemplo 3

Exposição narcisista

Por que sherlock Holmes, em seu tempo, conseguia solucionar qualquer caso policial? Porque só ele dominava certas disciplinas úteis à análise da cena do crime. Exemplos. Pela cinza no chão, sabia identificar a marca do charuto que o suspeito estivesse fumando. Pelo tipo de terra deixado pelos sapatos do criminoso, era capaz de deduzir de que região de londres ele saíra. E, pela distância entre as pegadas do sujeito na lama, podia estabelecer o seu peso, altura, cor dos olhos, profissão e até preferências literárias – Dickens ou Thackeray?

Fonte: CAsTRO, Ruy. Folha de S.Paulo, 17 fev. 2014.

Organizacionalmente, a sequência explicativa constitutiva do artigo de opinião apresenta:

• problematização (por que p?): Por que sherlock Holmes, em seu tempo, conseguia solucionar qualquer caso policial?

• explicação (porque q): Porque só ele dominava certas disciplinas úteis à análise da cena do crime.

• ratificação do núcleo explicativo: Exemplos. Pela cinza no chão, sabia identificar a marca do charuto que o suspeito estivesse fumando. Pelo tipo de terra deixado pelos sapatos do criminoso, era capaz de deduzir de que região de londres ele saíra. E, pela distância entre as pegadas do sujeito na lama, podia estabelecer o seu peso, altura, cor dos olhos, profissão e até preferências literárias – Dickens ou Thackeray?

Como já afirmado anteriormente, a explicação está relacionada a interesses dos sujeitos envolvidos numa interação, motivo pelo qual a sequência explicativa funciona como uma importante estratégia argu-mentativa, pois serve para apoiar um ponto de vista e orientar o sentido do texto na direção pretendida pelo produtor, de acordo com o objetivo traçado. No caso do exemplo: sherlock Holmes foi em seu tempo um detetive insuperável, tecnicamente falando.

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As sequências argumentativas A sequência argumentativa se define por ser uma situação textual

na qual um segmento de um texto constitui um argumento a favor de outro segmento do mesmo texto. Esse segmento pode ser uma oração, um período ou uma sequência de enunciados.

As sequências argumentativas realizam uma relação do tipo dados (fatos) → conclusão.

O esquema de base das sequências argumentativas compõe-se de três elementos: dados ou fatos, sustentação ou princípios de base e conclusão. Elas podem ser assim expressas:

Dados Conclusão (Premissas) Fatos(s) Apoio Sustentação

Fonte: ADAm (2011: 233).

As sequências argumentativas podem realizar dois movimentos:

• Demonstrar e/ou justificar uma tese;• refutar outras teses ou argumentos adversos.

Em ambos os casos, parte-se de dados ou fatos, os quais, apoiados em princípios que dão sustentação, conduzem à determinada conclusão. Esse movimento reflete um princípio dialógico segundo o qual o discurso argumentativo prevê sempre um contradiscurso, efetivo ou virtual frente ao qual ele se coloca, considerando que sempre que defendemos um ponto de vista o fazemos contra outros que a ele se opõem.

Esse princípio constitutivo das sequências argumentativas permite pensar uma estrutura mais complexa para elas:

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Tese DadosAnterior + Fatos (F) logo provavelmente Conclusão (C)

sustentação A menos que (princípios base) Restrição (R)

Fonte: ADAm (2011: 234).

Para exemplificar a organização interna de uma sequência argu-mentativa, selecionamos o texto:

Exemplo 4

Frutos do asfalto

O turista que passeia por outras cidades – e que não é escravo do celular – costuma caminhar de cabeça erguida, apreendendo a paisagem. Conhecendo, usufruindo. mas talvez não faça o mesmo por onde mora – embora haja sempre coisas a descobrir também onde moramos.

Em são Paulo, por exemplo, ao caminhar de cabeça baixa, podem-se per-der alguns flashes de arquitetura (serão poucos, no entanto, os que vale a pena admirar), mas principalmente uma outra riqueza urbana: a visão das árvores, pinceladas verdes e coloridas, de muitos matizes, que são mais abundantes na cidade do que a caricatura que fazemos dela nos faz crer.

Fonte: mElO, Josimar. Folha de S.Paulo, Caderno Turismo, D10, 3 mar. 2016.

um texto argumentativo se apoia em dados (argumentos) que vi-sam ancorar pontos de vista para confirmar ou refutar uma tese. Com-posicionalmente, a sequência argumentativa estabelece a relação entre argumentos (dados) e conclusão.

No caso do exemplo, a tese anterior é turista explora lugares e descobre belezas.

Os dados ou afirmações que apontam para a conclusão morador deve explorar como um turista o lugar onde vive que é, de fato, a tese ou o ponto de vista que o enunciador quer defender são os seguintes:

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• O turista que passeia por outras cidades explora o local que visita;• o turista que passeia por outras cidades costuma caminhar de cabeça erguida;• há sempre coisas a descobrir também onde moramos; • em são Paulo, por exemplo, ao caminhar de cabeça baixa, podem-se

perder alguns flashes de arquitetura, [...] principalmente a visão das árvores, pinceladas verdes e coloridas, de muitos matizes, que são mais abundantes na cidade do que a caricatura que fazemos dela nos faz crer.

um conjunto de pressupostos que, por se tratar de conhecimentos socialmente compartilhados serve de apoio para os argumentos e possi-bilita o escoramento de inferências, pode ser assim descrito:

• moradores não se comportam como turistas; • moradores não observam as belezas de sua cidade; • o lugar onde moramos tem belezas para serem exploradas.

Os dados de restrição direcionados à conclusão vêm marcados por meio de partícula restritiva, que destacamos nos enunciados:

• Mas talvez não faça o mesmo por onde mora – embora haja sempre coisas a descobrir também onde moramos.

• Em são Paulo, por exemplo, ao caminhar de cabeça baixa, podem-se perder alguns flashes de arquitetura (serão poucos, no entanto, os que vale a pena admirar), mas principalmente uma outra riqueza urbana.

Como notamos, nas sequências argumentativas, os conectores (mas, embora, no entanto, mas principalmente) cumprem um importante papel, pois, além de articular as unidades linguísticas organizando o plano tex-tual, eles também indicam a orientação argumentativa do texto, revelando a intenção do produtor subjacente ao plano do texto.

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As sequências textuais na realização de um plano de texto argumentativamente orientado: contribuição para o ensino

Para o trabalho em sala de aula com as sequências textuais vincula-das ao plano de texto, o professor precisa de um referencial teórico que permita a elaboração e discussão das atividades. Nas seções anteriores, oferecemos sinteticamente e de forma exemplificada um referencial teórico que, centrado na concepção de plano de texto e sequências textuais, possibilita ao professor perceber como isso pode ajudá-lo no encaminhamento das atividades em sala de aula.

uma sequência textual pode circunscrever-se a um segmento do texto do qual faz parte ou pode, também, na composição do plano de texto perpassá-lo todo, de forma predominante, como ocorre no Exemplo 1. Nele, observamos que a sequência narrativa serve para ilustrar o lema da campanha e, dessa forma, no plano de texto, a sequência funciona estrategicamente como um expediente que imprime a condução argu-mentativa pretendida por seu produtor.

Relativamente à sequência descritiva, é importante lembrar que a escolha de determinados atributos para caracterizar uma situação ou um participante dela revela uma tomada de posição do produtor, do que decorre que todo conteúdo descritivo revela a atitude do produtor perante o objeto descrito, atitude esta que orienta argumentativamente o discurso produzido. Como demonstrado no Exemplo 2, o plano de texto na com-posição da reportagem privilegiou a constituição de sequências descritivas que evidenciam características do lugar descrito com o propósito de despertar no leitor a vontade de conhecê-lo/visitá-lo. Essas sequên-cias têm, portanto, um significativo peso na orientação argumentativa e encontram-se a serviço do produtor do texto como uma estratégia para alcançar o seu propósito comunicativo.

Podemos também pensar na importância das sequências explica-tivas no processo argumentativo, visto que não são poucas as vezes em que nos valemos de explicações para defender um ponto de vista em dis-cussão. No Exemplo 3, observamos a estrutura da sequência explicativa

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e a sua função de ancorar a defesa de um ponto de vista, contribuindo, assim, para a configuração do propósito comunicativo visado pelo pro-dutor no plano do texto.

quanto às sequências argumentativas, vimos que elas se definem por ser uma situação textual na qual um segmento de um texto constitui um argumento a favor de outro segmento do mesmo texto, pressupondo em sua constituição a relação entre dados e conclusão. Nesse sentido destacam-se elementos linguísticos que atuam na organização do plano textual não somente articulando unidades textuais, como também in-dicando que o texto segue uma certa orientação argumentativa, aquela intentada por seu produtor ao conceber o plano textual, como demons-trado no Exemplo 4.

Resumindo, o que determina a ocorrência de determinada sequência e a sua predominância no plano de texto são as intenções do produtor. Por isso é que dizemos que o plano de texto e as sequências se organizam em função de uma orientação argumentativa, aspectos relacionados com os objetivos que o produtor deseja alcançar com a sua produção. Assim, a organização da textualidade no plano textual por meio de sequências pode constituir uma ferramenta da qual tanto o produtor quanto o leitor podem valer-se na hora de planejar e executar a tarefa de redigir ou de ler/compreender um texto.

Como trabalhar em sala de aula as sequências textuais na realização de um plano de texto argumentativamente orientado?

Nesta seção, exemplificaremos como o professor pode, com base no repertório teórico esquematicamente apresentado, produzir atividades para os alunos, tendo em vista o ensino da produção textual. Com esse objetivo, selecionamos o texto:

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Exemplo 5

Após 30 anos, chega às bancas novo jornal impresso britânico

O Reino unido acordou na manhã desta segunda-feira (29) com 2 milhões de cópias de um novo jornal impresso espalhadas pele território. The New Day (O Novo Dia, em tradução livre) é o primeiro diário britânico a ser lançado em 30 anos.

O periódico chega ao mercado editorial com uma proposta ousada não apenas por ser de papel num momento em que milhares de informações circulam frenéticas pela internet.

O New Day não tem um site, não terá colunistas fixos, mas promete muita opinião diferente. Garante ainda neutralidade política e exibe um texto mais informal, repleto de contrações e gírias bem similar à linguagem falada. Avisa que vai ter notícias boas também e tem como slogan: “A vida é curta, então vamos vivê-la bem”.

“Nós seríamos completamente insanos se estivéssemos lançando apenas mais um outro jornal. mas não é. sim, temos notícias e somos de papel (de alta qualidade, cor branco neve e grampeado). mas as similaridades terminam por aí”, diz o anúncio na página 2 do novo jornal.

Fonte: ODillA, Fernanda. Folha de S.Paulo, Caderno mercado, 1 mar. 2016.

Baseadas no texto, as atividades sugeridas podem ser realizadas em quatro momentos:

1º momento: leitura e análise do texto

Nesse momento, o objetivo é possibilitar ao aluno apreender o plano de texto da notícia e, nessa estrutura global, identificar as sequências textuais predominantes e suas funções. Trata-se, como descrito, de um momento que privilegia a atividade de leitura e de produção de sentido, focalizando o plano de texto e as sequências textuais.

Nesse sentido, após a leitura do texto, sugere-se uma discussão em torno de questões como:

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30 Linguística Textual e Ensino

1. qual o tema do texto? 2. Para quem o texto se destina?3. Onde foi veiculado o texto?4. qual o propósito comunicativo do texto? 5. Em que gênero foi configurado o texto? 6. que informações e fontes foram selecionadas no texto e lhe são

constitutivas?7. que sequências textuais se destacam no texto?8. Como se organizam internamente essas sequências textuais?9. quais as funções dessas sequências no texto?10. que elementos linguísticos são caracterizadores dessas sequências

textuais?11. qual é o plano de texto?12. Como essas sequências se relacionam como o plano de texto?

2º momento: planejamento para produção de texto

Nesse momento, é solicitado ao aluno o planejamento para a escrita. Considerando o texto selecionado para leitura/discussão e que deve servir de base para a escrita, o aluno elaborará o plano de texto e, no âmbito dessa estrutura global, definirá sequências textuais que ganharão destaque em face do propósito comunicativo dos seguintes gêneros textuais que podem ser sugeridos para produção:

1. Anúncio para divulgar o novo jornal impresso britânico.2. Resenha sobre o produto lançado – o novo jornal impresso britânico. 3. Carta do jornal aos leitores para explicar o lançamento do novo jornal

impresso em tempos de cultura digital.4. Miniconto motivado pelo surgimento do novo jornal impresso britânico.

Pressupondo que o plano de texto é uma estratégia fundamental para o planejamento da escrita, o aluno precisa, para realizar essa etapa, ter em mente respostas a questões como:

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Planos de texto, sequências textuais e orientação argumentativa 31

1. Escrever sobre o quê? 2. Escrever para quem?3. Escrever para quê? 4. Escrever para circulação em que meio?5. Escrever com base em quais informações e fontes?6. Escrever de que forma organizacional considerando os gêneros textuais

em questão (anúncio, resenha, carta do jornal ao leitor, miniconto)? Como elaborar o plano de texto?

7. que sequências textuais serão predominantes nessas produções escritas?

3º momento: produção do texto 4º momento: discussão e revisão

Nesses momentos, são produzidos os textos em cujo desenvolvi-mento devem ser destacadas, de acordo com as intenções do produtor, as sequências textuais previstas no plano textual. Os textos devem ser discutidos com os colegas e professor para os (re)ajustes que se fizerem necessários na escrita.

Considerações finais

Neste trabalho objetivamos discutir como o plano de texto se constitui em uma importante estratégia para a produção textual e, dessa forma, pode contribuir para o ensino da escrita. situadas no interior da discussão sobre o plano de texto, vimos que as sequências textuais são importantes sinalizadores do modo de organização textual e, por conse-guinte, da produção de sentidos.

Apresentando um modo de organização interna que as identifica como narrativas, descritivas, explicativas ou argumentativas, as sequên-cias textuais, além de sinalizar o modo de organização do texto, orientam argumentativamente em um dado sentido, revelando a intenção de quem produziu o texto e realçando a posição segundo a qual a argumentati-vidade não apenas se inscreve no uso da língua, mas também no modo como esse uso se configura em práticas textuais e comunicativas.

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32 Linguística Textual e Ensino

Na perspectiva de uso da língua calcado na interação que orientou este trabalho, vimos que a produção escrita demanda especial atenção às sequências textuais, seu modo de organização e funções no interior das práticas comunicativas. Constitutivas dos gêneros textuais e de seus propósitos, as sequências textuais evidenciam aspectos linguísticos, cog-nitivos, sociais e interacionais envolvidos no uso da língua e da produção de sentidos. Trata-se, pois, de um valioso aspecto que deve ser explorado no ensino da produção textual.

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