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Entrevista: Ghillean Tolmie Prance Pobreza e meio ambiente Cientista inglês diz que a degradação do meio ambiente é resultado da poluição da pobrezae da poluição da riqueza, e mais desta do que daquela 50 ULTIMATO Setembro-Outubro, 2007 G hillean T. Prance, um dos mais notáveis botânicos da atualidade, é conhecido internacionalmente pelos seus estudos em etnobotânica, ecologia e plantas tropicais. Foi diretor do Jardim Botânico de Nova York e do Jardim Botânico Real, em Kew, na Inglaterra, e é o diretor científico do Projeto Éden (The Eden Project), em Cornwall, também na Inglaterra. No início de sua carreira, passou oito anos no Brasil e fez diversas pesquisas na floresta amazônica na área de botânica. Organizou projetos em botânica, ecologia, entomologia e ictiologia para o Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus. Entre as honrarias recebidas por ele, algumas têm relação com o Brasil – Prance é membro da Academia Brasileira de Ciência e recebeu as condecorações Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico e Comendador da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Em 1995, recebeu o título de Sir da Rainha Elizabeth. Autor de 19 livros e mais de 300 trabalhos científicos, Ghillean Prance é um homem simples. Casou-se no dia do seu 24º aniversário com Anne Elizabeth, filha de um pastor anglicano, e tem duas ultimato 308.indd 50 ultimato 308.indd 50 29/8/2007 17:05:10 29/8/2007 17:05:10

Pobreza e Meio Ambiente

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Entrevista com Ghillean Tolmie Prance, botânico inglês que diz que a degradação do meio ambiente é resultado da “poluição da pobreza” e da “poluição da riqueza”, e mais desta do que daquela. Revista Ultimato, Set.-Out., 2007.

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Entrevista: Ghillean Tolmie Prance

Pobreza e meio ambienteCientista inglês diz que a degradação do meio ambiente é resultado da “poluição da pobreza” e da “poluição da riqueza”, e mais desta do que daquela

50 ULTIMATO Setembro-Outubro, 2007

Ghillean T. Prance, um dos mais notáveis botânicos da atualidade, é conhecido internacionalmente pelos

seus estudos em etnobotânica, ecologia e plantas tropicais. Foi diretor do Jardim Botânico de Nova York e do Jardim Botânico Real, em Kew, na Inglaterra, e é o diretor científi co do Projeto Éden (The Eden Project), em Cornwall, também na Inglaterra. No início de sua carreira, passou oito anos no Brasil e fez diversas pesquisas na fl oresta amazônica na área de botânica. Organizou projetos em botânica, ecologia, entomologia e ictiologia para o Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus. Entre as honrarias recebidas por ele, algumas têm relação com o Brasil – Prance é membro da Academia Brasileira de Ciência e recebeu as condecorações Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científi co e Comendador da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Em 1995, recebeu o título de Sir da Rainha Elizabeth. Autor de 19 livros e mais de 300 trabalhos científi cos, Ghillean Prance é um homem simples. Casou-se no dia do seu 24º aniversário com Anne Elizabeth, fi lha de um pastor anglicano, e tem duas

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O controle da população é importante para o mundo inteiro. A falta de comida é

uma questão também de distribuição, e não

apenas de produção de alimentos

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fi lhas e um neto. É anglicano desde que se converteu a Jesus, graças ao trabalho da International Fellowship of Evangelical Students (IFES) na Universidade de Oxford. É membro do comitê de referência de A Rocha Internacional e de A Rocha Brasil. Ultimato aproveitou a presença de Prance na Universidade Federal de Viçosa para entrevistá-lo.

Ultimato – O pesquisador brasileiro Alfredo

Homma, da Embrapa, diz que temos hoje 71

milhões de hectares de áreas desmatadas

na Amazônia, o que equivale a um

território superior ao dos três Estados mais

meridionais do Brasil juntos (Paraná, Santa

Catarina e Rio Grande do Sul). Na prática,

o que signifi ca isso para o país e para o

mundo?

Prance – Signifi ca que a fl oresta está sendo destruída para uso não-sustentável. E, infelizmente, quanto mais se desmata, mais se quer desmatar. Como conseqüência direta do desmatamento, temos as alterações climáticas. Logo, se o desmatamento continuar intenso, o clima do Brasil vai mudar. A chuva que cai em São Paulo e no norte da Argentina

depende da fl oresta Amazônica. É preciso conter o desmatamento e trabalhar pelo uso sustentável das áreas já desmatadas. O problema é de âmbito mundial. O Brasil tem responsabilidade pela Amazônia, mas grande parte das alterações climáticas é provocada pelos países desenvolvidos.

Assim, eles devem ajudar na solução do problema, pagando pela conservação da fl oresta.

Ultimato – Os indígenas da Amazônia têm

algo a nos ensinar quanto à preservação e ao

aproveitamento da biodiversidade?

Prance – Sim, muito. Os indígenas

da Amazônia têm 10 mil anos de convivência com a fl oresta. Quando os brancos chegaram à região, havia mata por todo lado, mas havia também uma grande população – fala-se em 4 milhões de índios. Eles não depredavam a criação. O sistema de manejo que usavam modifi cava a natureza o mínimo necessário, além de prever a regeneração da fl oresta. Seria bom se o estudássemos.

Ultimato – A tese do seu conterrâneo Thomas

Malthus é que os meios de subsistência

tendem a crescer numa progressão aritmética

enquanto a população cresce numa

progressão geométrica. Em sua opinião, o

planeta poderá produzir comida sufi ciente

para quantos bilhões de habitantes?

Prance – O planeta deve estar próximo da sua capacidade máxima de produção de alimentos. Hoje mais da metade da população é formada de pessoas que não têm comida sufi ciente. Porém o problema não está relacionado apenas à produção de alimentos, mas também à distribuição dos alimentos produzidos. Além disso, é preciso controlar o crescimento da população, para não exceder a

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Se quisermos solucionar os

problemas ambientais, temos de fazer algo em relação à pobreza no mundo, pois ambos estão intimamente

relacionados

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capacidade máxima de produção do planeta. Malthus estava certo. Ele calculou um pouco cedo, mas estamos nos aproximando da crise que ele previu.

Ultimato – Os países em desenvolvimento

dizem que a degradação do ambiente é

resultado da “poluição da riqueza”. Já os

países desenvolvidos dizem que a culpa

é da “poluição da pobreza”. Qual é a sua

opinião?

Prance – A degradação do meio ambiente é resultado de ambas, mas muito mais da “poluição da riqueza”.

Ultimato – O cientista britânico Martin

Parry, co-presidente do grupo que

apresentou o relatório fi nal do Painel

Intergovernamental sobre Mudanças

Climáticas, que reuniu mais de seiscentos

cientistas de 42 países, disse que “o

aquecimento está tornando um mundo

desigual ainda mais desigual”. Por quê?

Prance – Conheço Martin Parry e ele tem razão. Com a atual economia mundial, a pobreza está aumentando ao redor do globo. Desigualdade social e problemas ambientais estão intimamente relacionados. Logo, se queremos solucionar os problemas

ambientais, temos obrigatoriamente de fazer algo em relação à pobreza no mundo.

Ultimato – O senhor tem esperança de que

esses problemas sejam resolvidos?

Prance – Minha esperança está em Deus. Acredito que podemos fazer muita coisa. Mas eu sei que a desigualdade

social é resultado do pecado humano. Então precisamos lutar contra o pecado e suas conseqüências.

Ultimato – O documentário Uma Verdade Inconveniente, do senador norte-americano

Al Gore, diz que, por causa do aquecimento

global, o oceano Ártico poderá perder todas

as suas geleiras e seus icebergs até o ano

2050. A notícia é sensacionalista ou tem

base científi ca?

Prance – Com certeza esta é uma questão que tem fundamentação científi ca. Há vários trabalhos científi cos sobre o assunto. O documentário apresenta um mapa mostrando que na Groenlândia as geleiras estão desaparecendo pouco a pouco, e que as áreas glaciais no mundo estão cada vez menores.

Ultimato – Jesus declarou que “os céus e a

terra passarão” (Mt 24.35), e Pedro é mais

detalhista quando explica que “os céus

desaparecerão com um grande estrondo, os

elementos serão desfeitos pelo calor, e a

terra, e tudo o que nela há, será desnudado”

(2 Pe 3.11). O senhor acredita no fi m do

mundo? Como homem de fé ou como homem

da ciência?

Prance – Sabemos pela ciência que o Sol não durará para sempre. Sem dúvida, em bilhões de anos o planeta Terra terá um fi m. Então podemos dizer que Pedro está certo. Mas temos também muitas promessas de uma nova terra. Os dois últimos capítulos do livro de Apocalipse falam sobre isso. Eu acredito em uma nova terra, embora nem todos os crentes concordem com isso.

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Aceitei a Cristo pessoalmente quando

era estudante na Universidade de Oxford. Por um

momento fiquei em dúvida se deveria

servir a Deus como pastor ou como

cientista. Optei pelo segundo caminho

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Ultimato – Em suas palestras, o

senhor se apresenta como cientista

e crente em Jesus Cristo ao mesmo

tempo. Quem surgiu primeiro, o homo religiosus ou o homo scientifi cus?

Prance – Difícil responder... Gosto de plantas e botânica desde criança, e fui criado em um lar cristão. Mas aceitei Cristo pessoalmente quando era estudante de biologia na Universidade de Oxford. Acho que mudei muito desde aquela decisão, e minha fé foi mais importante. Refl eti se deveria continuar a estudar ciências biológicas. Não tinha certeza se havia sido chamado para ser servo de Deus na igreja ou na ciência. O meu sogro era pastor anglicano e me disse: “Você já tem muito conhecimento científi co. É um dom que Deus lhe deu e você deveria exercê-lo”. Agora eu sei que Deus tem me usado como cientista, e devo muito ao meu sogro pela minha escolha. No início foi difícil; foi resultado de muita oração.

Ultimato – A imprensa tem feito um grande

alarde do cientista Richard Dawkins, também

inglês e formado em Oxford, como o senhor,

mas radicalmente ateu...

Prance – É muito triste. Richard Dawkins é um pregador do ateísmo. Mas graças a Deus temos alguns cientistas muito inteligentes que estão se convertendo. Um deles é Alister McGrath, que sempre contesta

Dawkins. [A Companhia das Letras acaba de publicar Deus, Um Delírio, de Richard Dawkins. Em outubro sairá, pela Editora Mundo Cristão, O Delírio de Dawkins, de Alister McGrath, e em novembro, pela Editora Ultimato, Deus é Maior do Que Você Pensa, do mesmo autor.]

Ultimato – O senhor já abdicou de alguma

investigação científi ca por respeito ao

Senhor da criação?

Prance – Há algumas coisas que eu não fi z e não vou fazer. Por exemplo, não gosto de trabalhar com manipulação genética dos organismos criados por Deus. Felizmente, as minhas linhas de pesquisas não vão contra os princípios divinos. Quando eu era diretor do Jardim Botânico de Nova York, o presidente tentou iniciar um programa com o qual não concordei. Ele pretendia usar a fome na Etiópia como pretexto para captar dinheiro das crianças em Nova York. Eu disse que se ele fi zesse isso eu iria embora. Sem mim, não teriam direito de continuar a pesquisa. E ele desistiu. Mas foi preciso ameaçar sair para que ele desistisse.

Ultimato – Em suas pesquisas científi cas

entre diferentes tribos indígenas na fl oresta

amazônica nas décadas de 60 e 80, como foi o

seu relacionamento com os missionários que

viviam nas aldeias?

Prance – Por meio do meu trabalho com os indígenas na Amazônia conheci muitos missionários e fi quei amigo de alguns deles. Encontrei missionários muito bons, e outros nem tanto. Uma

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coisa que me chamou a atenção foi que, pelo menos naquela época, os missionários não demonstravam interesse pelo ambiente. Eles não ensinavam sobre a criação nem sobre o cuidado que devemos ter com ela. Estavam interessados apenas na conversão dos indígenas. Isso me levou a coordenar nos Estados Unidos um seminário sobre meio ambiente e missões. Mais tarde (1978) publiquei, pela Mercer University Press, o livro Missionary Earth Keeping, o mesmo nome do seminário. Trata-se de uma coletânea de opiniões sobre a necessidade de o missionário receber capacitação na área de teologia da criação.

Ultimato – O senhor está questionando a

evangelização?

Prance – Não, a evangelização me agrada muito. O que eu questiono é que junto com a evangelização se introduza a cultura materialista americana. Os índios não se consideram donos das coisas que estão na maloca. Eles não são materialistas. Para eles não existe a cultura de mercado. Os missionários

deveriam se aproximar da teologia comunitária, que é bíblica.

Ultimato – O senhor é a favor da tradução

da Bíblia em línguas indígenas?

Prance – Por que não? Espero que eles tenham a Palavra de Deus em suas línguas e a leiam. Gostaria também que eles continuassem a cuidar da natureza. Tenho certeza de que todo indígena vai gostar de ler o Salmo 104, que fala da diversidade da natureza.

Ultimato – O senhor é o diretor

científi co do Projeto Éden (The Eden

Project), em Cornwall, na Inglaterra.

De que se trata? Foi o senhor que criou

esse projeto?

Prance – O Projeto Éden é uma exposição pública de botânica com exemplares do mundo inteiro, situada numa mina abandonada. Nosso propósito é atrair visitantes e transmitir-lhes a importância das plantas para o ser humano. Recebemos um milhão e meio de visitas por ano. Fui um dos criadores do projeto, juntamente com outras quatro pessoas.

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