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Poesia grega e latina - seleção (1)

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ARQU1LOGO

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Arquílaca de Paros deve ter flarescido na sécula VII a. C.;segunda André Bannard, deve ter nascida par valta de 705e marrida em 645 ,ou 640. Seu pai, de nobre família, levauuma calônia para Tas,os; Arquíloco, mais tarde, para lá sedirigiu, cam o coraçã.o reJmaenda par ter sida rejeitada pelapai d'e sua prametida, uma certa "Neaboulé". O Paeta nãoas perdaau, e tanta as fêz alva de sátiras - até ,Obscenas ­que, segunda tradiçãa tardia, amb,as se enfarcaram. Sua exis­tência .fai aventur.osa; em suas guenas, cansta que andau parEsparta, e que, valtanda para a ilha na'tal, marreu em batalhacantra N ax,os.

Arquílaca é famasa cama poeta iâmbica - e nessa calt­diçã,a é a primeiro dos três iâmbicas da cânane alexandrina,- mas também escreveu elegias e hinas e fai autar de váriasinavações métricas. Dêle só nas restam fragmentas, magramenteTcfarçadas par papiras.

COM A LANÇA

COM a lança eu alcanço

meu pão de cevada;com a lança eu consigoo meu vinho ismárico;

na lança apoiadoeu bebo êsse vinho.

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SOMBRAS

COM um ramo de mirtoe uma bela rosa

ela brincava;

c os cabelos

lhe caíam pelos ombros

e pelas costas,

como sombras ...

O ECLIPSE

FATO não há que exceda a expectativa,

receie desmentido ou cause espanto,

desde que Zeus, pai dos Olímpicos,

obsmrecendo o resplendor do sol,

em pleno meio-dia fêz ~ noite,

e o pálido terror venceu os homens.

Nada mais é seguro, tudo é de esperar;já ninguém deve surpreender-se

se um dia vir os animais trocarem

a terra firme pelas ondas rumorosas,

pedindo por empréstimoas pastagens marinhas aos delfins,

que as deixarão em busca das montanhas.

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A GRANDE ARTE

TENHO uma grande arte:

eu firo duramente

aquêles que me ferem.

A GLAUCO

G LAUCO, filho de Léptines,o coração dos Ihomens tem a côr

dos dias que Zeus traz;

seu pensamento, a das ações a que se entregam.

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ALeMÃ

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Alcmã, cujo nome é a forma d6rica de Alcmeão, viveu eescreveu na Lacônia, tendo florescido em meados no sécul.o VIIa. a. Arquitas, no IV século a. a., deu-o como o inventor dapoesia amorosa. O fragmento mais extenso que dêle p.ossuímosfoi encontrad,o por Mariette em 1855 num papiro egípcio;trata-Se de considerável porção de um partênio, isto é, de umcanto coral para donzelas. Não é pacífica a interpretação demuit.os pontos dêsse partênio.

Alcmã era o primeiro dos nove poeta's líric,os do cânonealexandrino. C.onta-se que foi escravo em EsjJarta, recebendodepois liberdade e cidadania; sua origem lídia foi contestadapor Suidas.

PARTliJNIO

É UM CASTIGO que vem dos deuses.

Feliz aquêle que sem lágrimastece alegre o seu dia. Eu canto

a luz de Agido: vejo essa luz,clara como a do sol,

que Agido está invocando

para que brilhe sôbre nós.Todavia não a posso louvarnem censurar sem ofensa

à ilustre guia do côro,

que sobressaicomo em rebanho de bois

um cavalo de sonoras patas,

conquistador de prêmios, rápidocomo os sonhos alados.

Não a estais vendo?

É um corredor venético;e a cabeleira sâlta

de minha prima Hagesícora

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brilha como ouro puro.

Quanto a seu rosto de prata,como exprimi-Io claramente?

Esta é Hagesícora; e contudo

aquela cuja beleza

não correr após a dela,

mas depois da de Agido,correrá como um cavalo colasseu

junto a um corcel ibeno.

Quando levamos o véu a Ortia,

estas nossas Pombas erguem-se

para lutar por nósem meio à noite de ambrosia,

não como aquelas Pombas celestiaisporém mais luminosas,

sim, iguais ao próprio Sírius.

NOITE

DORMEM os píncaros e os preClplClOs,

os promontórios e os desfiladeiros,e todo gênero de répteis

alimentados pela terra negra,dormem as feras das montanhas

e o povo das abelhas,dormem os monstros nos abismos

do mar de púrpura:e dorme a tribo inteira

dos pássaros de longas asas.

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MARTIM-PESCADOR

V IRGENS de voz de mel

tão alta e clara,

meus membros já não podem transportar-me.

Ah quem me dera ser, ah quem me dera,

um martim-pescador,a voar, de coração sem mêdo,

junto aos alcíones por sôbre a flor das ondas,

o próprio pássaro da primavera,de côr purpúrea como o mar.

MIMNERMO

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PALAVRAS DE ALCEU A SAFO

Ó CHEIA de pureza,ó Safo coroada de violetas

que docemente ris:

eu te diria de bom grado certa coisa,

se não fôsse a vergonha que mo impede.

RESPOSTA DE SAFO A ALCEU

S E quisesses tão só o bom e o belo,

se em tua bôca más palavras não tramasses,não haveria essa vergonha nos teus olhos

e poderias exprimir-te francamente.

SAFO

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Safo, natural de Mitilene, ou talvez de Eress,o, foi ao ladode Alceu, ao findar o século VII a. C., a figura culminante dapoesia mélica eólia. A antiguidade a conheceu como a Poetisa,a Décima Musa, a Abelha da PiéTia; S610n, segundo historietade Eliano preservada por Estobeu, queria "aprender uma cançãode Safo e deppis morrer"; Platão a apreciava, bem como ostratadistas do estilo, Ainda hoje há quem a considere, por suafécnica expressiva e formal, um dos maiores poetas líricos doOcidente; julgam êsses que algumas de suas estrofes são "mira­culosamente belas".

O texto do primeiro p,oema que traduzimos foi preservadono tratado Do Sublime, e Catulo o imitou de perto ("Ille mipar esse deo uidetur"); a ocasião para a qual foi compostoparece ter sido uma festa nupcial. O do segundo resulta deostracon do Il século ou fins do I a. C decifrado por M edeaNors(J), sendo o fruto disso colacionado com fragmentos já antesconhecidos e que passaram a ser combinados; a tradução decorreda leitura de D. L. Page (Greek Literary Papyri). John G.Griffith ("Early Greek Poetry", in Fifty Years of ClassicalScholarship, Oxford, 1954) t.oma o poema como representativoda "poesia paradisíaca", à qual também se prende o fragmentodos Trenos de Píndaro que se poderá ler nesta coletânea. Aprocedência d.os outros versos que traduzirnos está a'ssinaladaem nota, no fim do volume. Lamentàvelmente, a obra da poe­tisa de Lesbos foi queimada publicamente em Roma e Cons­tantinopla, em 1073, como incmnjJatível com a moral do tempo.Nã,o se sabe t,odavia, nem se pode saber, se Safo, em Seuspoemas dirigidos a pessoas de seu sexo, falava pessoal ou dramà­ticamente, como bem frisa Gilbert Murray.

CONTEMPLO COMO O IGUAL DOSPR6PRIOS DEUSES

CONTEMPLO como o igual dos próprios deuses

êsse homem tIue sentado à tua frente

escuta assim de perto quando falascom tal doçura,

e ris cheia de graça. Mal te veJo

o coração se agita no meu peito,

do fundo da garganta já não saia minha voz,

a língua como que se parte, correum tênue fogo sob a minha pele,os olhos deixam de enxergar, os meus

ouvidos zumbem,

e banho-me de suor, e tremo tôda,

e logo fico verde como as ervas,

e pouco falta para que eu não morra

Oll enlouqueça.

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EU VOS ROGO, 6 CRETENSES

Eu vos rogo, Ó cretenses, vinde ao templo:

em derredor há um bosque de macieiras,

e dos altares sempre se levantao olor do incenso.

Aqui a água fria rumoreja calma,

em meio aos ramos; cobre êste lugaruma sombra de rosas; cai o sono

das fôlhas trêmulas.

Aqui num prado onde os cavalos pastamdesabrocham as flôres do carvalho

e os anetos exalam seu aroma

igual ao mel.

Apanhando grinaldas, vem, ó Cípris,

e dá-me um pouco dêsse claro néctar

que tão graciosa serves para a festa,em taças de ouro.

PARA ANACT6RIA

A MAIS bela das cOIsas dêste mundo

para alguns são soldados a marchar,

para outros uma frota; para mim

é a minha bem-querida.

Fáçil é dá-Io a compreender a todos:Helena, a sem igual em formosura,

achou que o destruidor da honra de Tróiaera o melhor dos homens,

e assim não se deteve a cogitar

em sua filha nem nos pais queridos:

o Amor a seduziu e longe a fêzceder o coração.

Dobrar mulher não custa, se ela pensa

por alto no que é próximo e querido.

Oh não me esqueças, Anactória, nemaquela que partiu:

prefiro o doce ruído de seus passose o brilho de seu rosto a ver os carros

e os soldados da Lídia combatendo

cobertos de armadura.

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QUANDO EU TE VEJO

QUANDO eu te vejo, penso que jamaisHermíone foi tua semelhante;

que justo é comparar-te à loura Helena,

não a qualquer mortal;

oh eu farei à tua formosura

o sacrifício dos meus pensamentos,todos êles, eu digo, e adorar-te-ei

com tudo quanto eu sinto.

O A1VIOR

o AMOR agita meu espíritocomo se fôsse um vendaval

a desabar sôbre os carvalhos.

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AS ROSAS DE PIÉRIA

E MORTA jazerás: de ti

não restará lembrança, em tempo algum,

nem mesmo compaixão jamais despertarás:nas rosas de Piéria não tiveste parte.

Desconhecida até na casa de Hades,

errante esvoaçarás em meio a obscuros mortos.

PARA ATIS

[NOSSA amada Anactória está morando,ó Atis, na longínqua] Sárdis,

mas sempre volta a mente para cá,

lembrando como outrora nós VJVlamOS,

ela a julgar-te alguma deusa

e teu canto a causar-lhe puro enlêvo.

Ela resplende agora em meIO às lídias,

como depois de o sol se pôrfulge a lua dos dedos como rosas

no melO das estrêlas que a rodeiam,e então derrama a sua luz

no mar salgado e no florido campo,

enquanto orvalho pousa pela relva_ tomam nôvo alento as rosas,

o suaVf cerefólio e o trevo em flor.

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Mas quando, errando ao longe, com desejoela se lembra do amor de Ãtis,

seu coração se oprime e ela nos chama:

sabemos o que diz, pois no-lo conta

alguém que tem muitos ouvidos,a Noite dos cabelos como flôres.

A LUA JÁ SE PóS

A LUA já se pôs,as Plêiades também:

meia-noite; foge ° tempo,e estou deitada sàzinha.

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PARA MNESíDICE

COM as meigas mãos, ó Dice,trança ramos de aneto,

e põe essa coroaem teus belos cabelos:

fogem as Graças

de quem não tem grinalda,mas felizes acolhem

qt~em se enfeita de flôres.

CO~fO A DOCE MAÇA

COMO a doce maçã que rubra, muito rubra,lá em cima, no alto do mais alto ramo

os colhedores esqueceram; não,

não esqueceram, não puderam atingir.

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COMO O JACINTO

COMO O jacinto que os pastôrescalcam aos pés nos montese ainda abre a sua flor

de púrpura no chão.

lEIGO

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ANACREONTE

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A BOLA VERMELHA

o AMOR dos cabelos de

lança-me a bola vermelha

e quer que eu jogue comdas sandálias coloridas.

ouro

a môça

Anacreonte, de Teos, na Iônia, nasceu por volta de 560 a. C.QUa1ldo os persas sitiaram as cidades gregas da ..;ísia Menor,os habitantes de Teos deslocaram-se em massa para Abdera,na Trácia, e é possível que .0 Poeta haja participado dessamigração. Serviu depois Polícrates em Samos, Hiparcp emAtenas (narra-se que êsse filho de Pisístmto mandou uma galerade cinqüenta remos buscá-Ia; e havia na Acrópole, segundo Pau­sânias, uma estátua do Poe'ta, perto da de Xantipo, o vencedordos persas em Mícale), Equécrates na Tessália.

Os alexandrinos p.ossuíam cinco livros de Anacreonte. Suaobrá, de que nos chegaram um fragmento satírico e versos devinho e de amor, deu margem a muitas imitações do século lI]a. C. até o Renascimento (Anacreônticas). Gilbert Murray con­sidera essas imitações, por vêzes, mais anacreônticas do que aspeças do próprio Anacreonte.

Mas a jovem - que é de Lesbos,

a bem construída - faz poucode meus cabelos já brancos

e olha ardente para um outro.

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GALGO O ROCHEDO

GALGO O rochedo branco

e dêle precipito-me

às ondas espmuantes,ébrio de amor.

OLHOS MEIGOS

TEM olhos meigos, como

um pequenino cervo

que há pouco tempo mama,ao ser abandonado

pela graciosa mãeno meio da floresta.

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AMARGURA

ENCANECERAM minhas têmporas,tenho a cabeça calva e branca;

deixou de estar comigo

a amável juventude,

e já meus dentes são de velho.

Resta-me breve prazode doce vida; e assim

eu ergo o meu lamento,

com pavor do outro mundo.Terrível é a mansão da morte,

árduo o caminho para lá;

e certo é que uma vez lá embaixonão haverá retôrno.

TRAZE ÁGUA, JOVEM

TRAZE água, jovem, traze vinho,

traze-me flôres em guirlandas:

traze isso tudo para cá,

quero lutar com o Amor.

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MODERAÇÃO

TRAZE-ME a copa, Ó Jovem,

quero o primeiro gole;

põe dez medidas de águapara cinco de vinho,

que eu, mesmo em Bacanal,seria moderado.

Oh vamos encerrar

êste beber à cítica,o tumulto e o clamor

por sôbre nossas taças:bebamos comedidos

em meio a belos cantos.

A MOÇA ESQUIVA

POR que me foges, Ó potranca trácia,lançando-me êsse olhar oblíquo?

Presumes que me falte habilidade?

Sabe que eu poderia sem transtôrno

impor-te o f~eio e dominando as rédeas

fazer com que girasses em redor da meta.

Se agora brincas nas campinas e nos pastos

saltando leve, é que não tens um laçador

que saiba cavalgar-te com destreza ...

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AGATÃO

AGATÃO, o fortíssimo,

por Abdera morreu:

ao pé de sua pirachorou tôda a cidade,

pois Ares, que ama o sangue,

jamais levara um jovem como êleno turbilhão de uma batalha odiosa.

OFERENDA

HELICÔNIA, a de tirso,

vem com Xantipa e Glauce,trazendo da colina,

como oferta a Dioniso,hera e cabrito e ainda

pesado cacho de uvas.

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INSCRIÇÃO NO ALTAR DE PLATÉIA

ÊSTE altar foi erguido pelos gregos

para que seja o altar do Zeus da liberdadecomum à livre Grécia,

depois de terem expulsado os persas,em guerra vitoriosa.

PINDARO

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Píndaro (522-448 a. C.) nasceu em Cinoscéfalas, naBeócia, de nobre estirpe. Estudou em Atenas, foi hóspededas grandes famílias de Rodes, Tênedos, Corinto, Atenas, dereis como Alexandre da Maceáônia, Arcesilau de Cirene, Terãode ..(Ícragas, Hierão de Siracusa. Espírito religi.oso, amanteda tradição da honra e da glória, dêle nos restaram quatrolivros de epinícios - as Olímpicas, as Píticas, as ístmicas eas Nemeanas - quando sua obra se distribuía por mais trezelivros, que continham hin,os, peãs, trenos, ditirambos, par­tênios, etc. Dêsses últimos possuímos hoje fragmentos, desco­bertos em papiros egípcios de Oxirrinco e HC1'mópole.

Píndaro foi famoso em vida e logo se torn,ou clássico:nessa qualidade já fIeródoto e Platão o citavam. Era um d.osnove grandes líricos do cânone alexandrino, e Quintiliano oconsiderava, de longe, ,o maior de todos. Aa lada de Safo,pode realmente ser considerado um dos grandes poetas dahumanidade. O 1'espeita que merecia entre as gregos é fàcil­mente compravável: quanda Alexandre a Grande arrasou Tebas,ordenou que uma casa fôsse f)oupada, ai de Píndara.

o SONHO DE UMA SOMBRA

A SORTE dos mortaiscresce num só momento;e um só momento basta

para a lançar por terra,

quando o cruel destinoa venha sacudir.

Efêmeros! que somos?

que não somos? O homemé o sonho de uma sombra.

Mas quando os deuses lançamsôbre êle a sua luz,

claro esplendor o envolvee doce é então a vida.

11.5

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SABEDORIA

MELHOR é desejar do céu

COIsas que assentem a um espírito mortal,

sabendo o que se encontra a nossos pés,

e qual a sorte para que nascemos.

Õ minh'-alma, não aspiresa uma existência de imortal,

mas goza plenamente

tudo o que esteja ao teu alcance.

DE UMA S6 RAÇA

DE uma só raça, apenas uma,nós somos, deuses e homens:

de uma só mãe tiramos nosso alento.

Separa-nos, porém,

o desigual poder: o homem é nada,

mas para os deusesmorada para sempre inabalável

é o céu de brônzeo piso.

Pela forma corpórea, ou no vIgor do espírito,

somos no entanto como os imortais,embora não saibamos onde,

no meio de que dias ou que noites,

o Destino escreveu que deveremosfindar nossa carreira.

1.17

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VIM PARA CELEBRAR

VIM para celebrar os filhos

de pais sublimes e de mães tebanas ,quando, ao abrir-se a câmara das Horas

dos véus de púrpura,a primavera perfumada nos concedetôda uma floração tão doce como o néctar.

Pela terra imortal brotam então

os meigos tufos das violetas,e de rosas enfeitam-se os cabelos,

enquanto a voz das frautas se une à das canções

e os coros se erguem para Sêmele

de fronte ornada por um diadema.

o ELíSIO

ENQUANTO aqui é noite,

o sol fulgura vigoroso para êlesno mundo subterrâneo;

e diante da cidade,

pelos campos de rosas carmesins, o incensoderrama a sua sombra,

e os ramos vergam-se com frutos de auto.Uns se divertem com cavalos ou lutando,

enquanto jogam outros, ou a lira tocam,e entre êles a felicidade é como a árvore

que já cresceu de todo e se acha em flor.Por essa terra amável

um doce aroma sem cessar se espalha:

nos altares dos deuses êles mesclam

arômatos de tôda espécie

ao fogo que de longe brilha.

Denso negror expelem no outro ladoos lentos rios da sombria noite.

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LÂMINAS óRFICAS

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As inscrições das lâminas órficas de ouro descobertlM 11.0

sul da Itália e em Creta são extratos de um poema órfico quedeve datar, pelo menos, do século V a. C. e pode ser aindaconsideràvelmente mais antigo. As lâminas contêm instruções(quase sempre em hexâmetros) para que as almas dDs adeptDsdD DrfismD saibam CDmD cDnduzir-se no .outro mundo.

A lâmina de Petélia, que se achava enrDlada dentrD deum cilindro prêsD a uma correntinha de DurD (para servir deamuletD aD mortD) e que hDje se encDntra no Museu Britânico,data segundo Kaibel dD séculD III .ou IV a. C.; as três lâminasde CDmpagnD foram descobertas em prDpriedade d.o Barã.oC.ompagn,o, pert.o de Náp.oles, não l.onge de Timp.one Grande;cada uma delas estava prêsa à mã.o de um esqueletD. GilbertMurray dá Clm facsímile essas e .outras inscrições, que transcreve,traduz e c.omenta em apêndice aD livr.o de Jane E. Harrison,Prolegomena to the Study of Greek Religion; nesse apêndice,reduz a uma fórmula geral as três inscrições de Compagno.Diels também estampa êsses dDcumentDs órficDS em. seus Frag­mente der Vorsokratiker.

LÂMINA DE PET~JLIA

 ESQUERDA encontrarás da casa de Hades

uma fonte e a seu lado alvo cipreste.

Não te aproximes dessa,' que outra fonteacharás junto ao lago da Memória,

de água corrente e fresca, e diante dela

postar-se-ão Guardiães. Dizei: "Eu soufilho da Terra e do Estrelado Céu.

Minha origem contudo é o Céu (apenas)

e disso vós sabeis. Olhai porém:seca-me a sêde e estou a sucumbir.

Dai-me depressa, pois, essa água fresca

que deriva do lago da. Memória" .E dar-te-ão a beber da Fonte santa,

e depois disso tu serás senhorentre os demais Heróis.

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LÂMINAS DE COMPAGNO (THURIUM)

Dos puros eu procedo,

ó tu, pura Rainha dos que estão abaixo;ó Eucles e Eubuleu; ó demais Deuses

e Demônios: pois eu também confesso

que sou de vossa raça abençoada.

Cumpri a pena das ações injustas,tenha sido o Destino a me abater

ou tenham sido os Deuses Imortais

ou . . . . . . . com o raio lançado pelos astros.

Transpus a triste e fatigante Roda,

com passos rápidos me encaminhei

para a Coroa desejada,

e caí sob o seio de Despoina,Rainha dos Infernos;

com passos rápidos me encaminhei

para a Coroa desejada,

e agora chego, como suplicante,

junto a Perséfone, a sagrada,

a fim de que, propícia, me receba

na paragem dos Bem-aventurados.Feliz e abençoado,não mais serás Mortal: tu serás Deus.

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I

POESIALATINA

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CATULO

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Catulo (Ca,ius Val,erius Catullus) nasceu em Ver,ona,de abastada fannília, por v.olta de 84 antes de Cristo. Emcasa de seu pai se hospedava Clsar, quando passava por Ve­rona. Mais ou menos em 62 Catul,o mudou-se pm'a Roma,ingressando na brilhante e corrompida sociedade da época; masvoltava freqüentemente à sua terra, e nada o cons,olava maisd,o que um descanso na sua propriedade de Sínnio, no lagode Carda.

Sob o nome de Lésbia, celebrou em seus versos Clódia,irmã de Públio Clódio e espôsa de Q. Metelo Céler, cônsulem 60 a. C. Em 57, Catulo seguiu para a ..;fsia, na comitivado propret,or C. Mêmio; lá escreveu alguns de seus mais célebrespoemas. A data de sua morte não é sabida com certeza:Catulo morreu muito môço, aos 30 ou no máximo aos 33 MWSde idade.

Tôdas as suas composições são ágeis, sinceras e formal­mente irrepreensíveis; Catulo adapt.ou o .hendecassílabo a umanotável variedade de propósitos, e exerceu gra:nde influênciasôbre os líricos que o sucederam em Roma, incluindo H,orácio;essa influência se estendeu at.q mesmo às literaturas modernas,inclusive a inglêsa, .onde um Ben JonSon ou um Byron o tradu­ziuz'm e um Tennyson o saud,ou como "o mais terno dos poetasde Roma".

o PARDAL DE LÉSBIA

CHORAI, ó Vênus e Cupidos, e em vós, homens,

tudo o que fôr sensível à beleza:já não vive o pardal de minha amada,

o pardal que era todo o seu encanto

e ela queria mais clue os próprios olhos.

Puro mel para a dona, conhecia-aassim como a filhinha a própria mãe;

em tempo algum }he abandonava o selO,

mas saltitando para um lado e outro

pipilava sàmente para ela.

Agora vai pelo caminho escuro

donde é sabido que ninguém retoma:

maldição para vós, Ó trevas do Orco,

cruéis que devorais tudo o que é belo:

tão lindo era o pardal que arrebatastes!Oh triste fado! oh mísero pardal!Por ti a bem-amada traz os olhos

inchados e vermelhos de chorar.

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VIVAMOS, MINHA LÉSBIA

VAMOS vIver e amar-nos, minha Lésbia,sem atribuir o mínimo valor

aos murmúrios de anciães os mais severos.

Os sóis podem morrer e retomar;

mas quando morre a nossa breve luz

dormimos uma só e perpétua noite.

Dá-me pois beijos mil, mais cem depois,logo mil outros, e um segundo cento,

em seguida outros mil, mais cem depois.Quando o número andar por muitos mil,melhor é não saber, perder a conta:

assim ninguém nos dará azar, de inveja,sabendo quantos beijos nos trocamos.

FúRIO E AURÉLIO, QUE IRtEISCOM CATULO ...

FÚRIO e Aurélio, que iríeis com Catulose êste se dirigisse à extrema lndia,

em cujo litoral soam as ondasdo mar do Oriente,

ou fôsse à Hircânia ou voluptuosa Arábia,

ou à terra dos Sagas ou à Pártia,

ou bem às águas que por sete bôcascolore o Nilo,

ou inda se passasse os altos Alpes

para ver os sinais do grande César

e o Rena gálico e os bretões horrí-

veis e longínquos,

vós que estais prontos a afrontar comIgo

os riscos a que o céu me possa expor,

levai estas palavras sem doçuraà minha amante:

178 179

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Viva em paz com os trezentos libertinos

que ela abraça a um só tempo, sem amarneooum deveras, mas extenuando-se

com todos êles;

já não conte com o amor que eu lhe votava,porque por sua culpa êle está morto:

assim na orla de um campo morre a florque o arado corta.

VOLTA AO LAR

Ó SíRMIO, gema entre as penínsulas e as ilhas

que um dúplice Neluno oferta aos lagos límpidose ao vasto mar, com que alegria eu te revejo!

Custa-me crer, ao contemplar-te em segurança,

que já deixei a Tínia e os campos dos bitínios.

Que há de melhor do que estar livre de cuidados,se o nosso espírito depõe a sua carga,e fatigados com os trabalhos no estrangeiro

regressamos ao lar e ao desejado leito?

Eis meu único prêmio pelas idas penas.

Salve, ó formosa Sírmio, entrega-te à alegria!

Alegrai-vos também, ondas do lago lídio,

e ria em minha casa tudo o que fôr riso.

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DIZ A AMADA ...

DIZ a amada que a mIm sàmente quer unir-se,

ainda que a requeste o próprio Júpiter.

Sim, ela o diz; mas o que diz qualquer mulherao incitado amante, é bem melhor

escrevê-Io no vento e na água rápida.

HORÁCIO

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Horácio (Quintus Horatius Flaccus) viveu de' 65 a 8. a. C.Tendo nascido em Venúsia, às margens do ,f.ufido, recebeuexcelente educação em Roma e em Atenas. Estava êle naGrécia quando César foi assassinado, e recebeu o pôsto detr"ibuno militar no exército de Brutp. Com a derrota, viu-sedo lado errado; depois de várias circunstâncias, acabou sendoaproximado por Virgílio e Vário de }.1ecenas, que lhe deuuma propriedade entre as montanhas sabinas, no vale doDigência. Nessa propriedade êle passou a residir, evocandp-abelamente em Sua obra. Ao morrer, deixou-a para o Impe­rador.

Horácio é poeta de notável acabamento formal e de umafelicidade de expressão que tomou pr,overbiais muitas de suasfrases. Sua influência tem sido poderpsamente ampla napoesia ocidental, de um de cujos assentos bil'm altos êle continuainarreáado; dos líricos de Roma, é talvez o único de nívelrealmente helênico.

NÃO INDAGUES, LEUCóNOE

NÃo indagues, Leucónoe, ímpio é saber,a duração da vida

os deuses decidiram conceder-nos,quenem consultes os astros babilônios:

melhor é suportar

tudo o que acontecer.

Quer Júpiter te dê muitos invernos,

quer seja o derradeiro

êste que vem fazendo o mar Tirrenocansar-se contra as rochas,

mostra-te sábia, clarifica os vinhos,

corta a longa esperança,

que é breve o nosso prazo de existência.Enquanto conversamos,

foge o ten1po invejoso.Desfruta o dia de hoje, acreditando

o mínimo possível no amanhã.

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LALAGE

o HOMEM sem crimes e de vida íntegra

não precisa de dardos africanosnem de arco, Ó Fusco, nem de muitas setas

envenenadas,

quer corte em seu caminho as quentes Sirtes,

quer atravesse o Cáucaso deserto,quer aquêles lugares que o lendário

Hidaspes banha.

Pois enquanto eu cantava a minha Lálage,

a passear sem cuidados e sem armas

pelos bosques sabinos, eis que um lôbo

fugiu de minl.

Põe-me em áridos campos, onde a brisa

não alegra estival árvore alguma,

parte do mundo que o nevoeiro e um céunocivo oprimem;

põe-me na zona recusada às casas,sob o carro do Sol que cluase a atinge:

amareI Lálage que meiga ri,

que meiga fala.

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Nem a Dáunia aguerrida monstroalimenta em seus vastos azinhais,

nem a terra de Juba o cria, estérilama de leões.

assim

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LUXO PERSA

Môço, não aprecio o luxo persa,nem as coroas de trançada tília;

deixa de procurar tardia rosa,onde abra ainda.

Não juntes coisa alguma, laborioso,

ao simples mirto: êste não fica mal

a ti que serves nem a mim que bebosob a acanhada vide.

A FONTE DE BANDÚSIA

Ó FONTE de Bandúsia, clara mais que vidro,

digna de doce vinho não sem fIôres,um cabrito amanhã te levarei

de fronte inchada peIos C'hifres clue já apontam

e em vão o indicam para o amor e para as lutas:êsse filho da tribo saltadora

há de tingir de rubro, com seu sangue,tua fria corrente.

Não te pode atingir a hora ameaçadora

da canícula ardente: proporcionas

a tua deliciosa frigidez

aos touros que a charrua cansa e ao gado errante.

Entre as fontes famosas tu figurarás:

cantarei a azinheira que frondejanas cavas rochas de onde se despenham

tuas águas que falam.

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A FA UNO

FAUNO, ó amador das Ninfas que te fogem,

caminha brando pelos meus confins

e ensolarados campos; e retira-te,propício às criazinhas,

se em honra tua imolam, findo o ano,

tenro cabrito; se não é escasso o vinho

para a taça de Vênus; se a ara antigalança rolos de aroma.

Quando surgem as nonas de dezembro

pasta o rebanho na campina ervosa;

pelos prados descansa a aldeia em festae em ócio vê-se o boi;

entre afoitos cordeiros vaga o lôbo;

em teu louvor o bosque esparze fôlhas,

e o camponês, pisando a terra odiada,diverte-se a dançar.

AERE PERENNIUS

ERGUI um monumento

mais duradouro do que o bronze, mais soberbo

que o régio vulto das pirâmides, alheioao vento, à chuva, à sucessão sem fim dos anos,

ao tempo em sua fuga.

Não morrerei de todo:

parte de mim há de evadir-se aos ritos fúnebres.

Crescerei, sempre nôvo, com o louvor futuro,

enquanto ao Capitólio ascendam o pontíficee a virgem silenciosa.

Eu que de pais humildesnasci onde violento o Aufido estrondei a

e Dauno sôbre povoações de agricultoresreinou escasso de águas, eu serei famoso:

sim, hão de celebrar-me

por ter sido o primeiroa usar o metro eólio na poesia itálica.

Não escondas, ó Musa, o orgulho que te cabe

por teu merecimento, e cinge minha frontecom os louros de Delfos.

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OVIDIO

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Ovídio (Publius Ovidius Naso) nasceu em território pelignono vale dos Apeninos, na cidade de Sulmona, em 43 a. C.Foi educado em Roma e viajou pela -<fsia e Sicília, tendotambém estudado em Atenas. Granjeou renome em R.omacomo poeta, casou-se três vêzes, foi exilado para Tomos, nascostas do Mar Negro, no auo 8 de nossa era. Não se conhe­cem as razões d,o a'to de Augusto, mas, segundo o próprioOvídio, a sentença deveu-se a um poema seu e a um engano.Morreu n.o exílio, depois de dez anos de tristezas, em 18.Escreveu os Amôres, Heróides, Medicamina Faciei Femineae, ArsAmatoria, Remedia Amoris, Metamorfoses, Fastos, Tristia, EpÍs­tolas do Ponto. De sua Medea sobraram-nos apenas duaslinhas; as demais obras subsistem.

Ovídio foi poeta influentíssimo na Idade Alédia e noRenascimento,o observam-se traços seus até mesmo em grandesp,oetas como Shakespeare. Embora só exprima sentimentospessoais nas Tristia e Epístolas, sempre foi tido c,omo um mestreda arte de amar; e além disso como guia de mitologia gregae história de Roma.

O poema que damos em tradução consta dos Amôres, elegiaI do livro lI, e reflete o aspect.o que tall'ez tenha levado oPoeta ao exílio, o de cantor "suae nequitiae".

o PODmR DA POmSIA

Eu, O poeta que escrevo enamorado, Ovídio,

eu que nasci na úmida terra dos pelignos,

êstes versos compus, que assun Amor mandou:longe de mim, longe de mim, Ó vós, austeras!

Não sois a boa audiência para ternos cantos.

Leiam-me a virgem que se inflama ao ver o nOIvo

e o jovem que só agora conheceu o amor.Que alguém, ferido pela mesma seta que eu,

pelos vestígios sua chama reconheça

e diga, surpreendido: "Como foi que o poetaveio a saber dêstes meus casos?"

Eu ousava

- recordo-me - narrar as guerras celestiais

e Giges de cem mãos, e voz não me faltava

para dizer de como Tellus se vingoue Pélion e Ossa vieram a cair do Olimpo.

Nuvens eu tinha em mãos, e o ralO com que Júpiterdefenderia os céus.

Portas me fecha a amada:

largo Jove e seu raio, que me saem do espírito.

Perdão: não me serviam, Júpiter, teus ralOS.Às meiguices voltei e às leves elegias,

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que são as minhas armas, e as palavras doces

amoleceram logo a dura porta.Os versos

fazem descer os cornos da sangrenta luae recuar os corcéis do Sol, brancos de neve;

o canto esmaga a fauce aberta da serpente

e faz retroceder à fonte a água corrente.

Com os meus versos cedeu a porta; e a fechadura,em carvalho encaixada embora, foi vencida.

Que me daria o ágil Aquiles, se o cantasse?

Que me adviria de qualquer dos dois Atridas?

Do que errou tantos anos quantos combateu,

e de Heitor que arrastaram os corcéis da Hemônia?Mas se canto a beleza de uma terna jovem,

como preço do poema ela procura o vate:

eis uma digna recompensa. Adeus, heróis

de ilustres nomes; vossa paga não me serve.

Formosas jovens, vós porém lançai o olhar

sôbre êstes poemas que me dita o Amor purpúreo.