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Poiesis 13 Ambivalencia

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Poiesis 13 Ambivalencia

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    A ambivalncia da imagemMarisa Flrido Cesar*

    *Marisa Flrido Cesar Doutora em Artes Visuais, na rea de Histria e Crtica da Arte, pelo Programa de Ps-graduao da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    O editor convidado prope, ao longo dos ensaios apresentados, uma reflexo so-bre a imagem sua trajetria na cultura ocidental, sua presena no mundo con-temporneo e na arte em suas conjunes com a palavra e o pensamento.

    Imagem; palavra; arte

    Como anjos exterminadores, dois avies abatem as torres da dominao. Um crime real, com vtimas de carne e sangue. (...) Por um minuto, tratado em termos visuais, misturou-se a grande desordem do visvel e o invisvel, a realidade e a fico, o real e a invencibilidade dos emblemas. O inimigo nos havia dado o primeiro

    espetculo histrico da morte da imagem na imagem da morte1.

    Marie-Jos Mondzain

    Nova York, 11 de setembro de 2001. Algo atingia o imprio do visvel. Um imprio, segundo Marie-Jos Mondzain, institudo durante sculos pelo cristianismo, por uma doutrina monotesta e universalista que convenceria a todos de que aquele que se apodera das visibilidades conquista reinos e domina olhares, palavras, pensamentos. O agressor iconoclasta oferecia assim idolatria do inimigo ocidental um espetculo por meio de seus prprios e vulnerveis smbolos. Mostrava em grande estilo o seu perfeito conhecimento e a sua total conformidade ao mundo que destrua2.

    Um grande paradoxo se configurava: em um mundo onde o domnio se caracteriza pelo monoplio icnico, mesmo as culturas anicnicas [aniconiques] no se furtariam a empreender suas guerras tambm pelas imagens, ou se preferirmos, a travar guerras entre imaginrios. Cada gesto iconoclasta se institui em um dbio movimento: destri a imagem se difundindo como imagem e se oferecendo como cone redentor de seus prprios messianismos. Assim

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    ocorreria com a destruio das torres americanas, dos Budas de Bamyan no Afeganisto, ou com as imagens de Bin Laden veiculadas pelas mdias do Oriente Mdio e do mundo em geral, como diz Mondzain.

    Em uma instncia mais domstica, bem menos espetacular e fatal, um pastor de uma igreja neopentecostal portanto descendente de um protestantismo (ainda que desvirtuado) que sculos antes condenara o culto catlico s imagens chutaria em 1995 a imagem de Nossa Senhora Aparecida, no dia da padroeira do Brasil catlico, em um canal aberto da tev. O ato chocaria pela violncia simblica. Mas foi essa igreja que, desde muito cedo, percebeu o poder do instrumento que ela mesma condenara: a imagem. Com a aquisio de uma rede de televiso, construa um dos ardis mais eficazes de sua misso: tambm pela imagem que se ganham as batalhas pelos corpos e os espritos, pelas almas e pelos bolsos.

    Mas o que a imagem? O que visibilidade? O que a imagem da arte? Como ela se rende ou resiste quilo que Mondzain chama de mercado das visibilidades?

    Pensar a imagem interrogar o paradoxo de sua insignificncia e de seus poderes3, afirma Marie-Jos Mondzain. Nossa relao com a imagem e com as imagens est indiscutivel-mente ligada, no pensamento ocidental cristo, ao que funda a nossa liberdade e, simulta-neamente, a tudo o que pe em perigo essa liberdade a ponto de destru-la.4. Retornando s genealogias gregas e judaico-crists dessa guerra s imagens, das imagens, pelas imagens, a filsofa realiza uma arqueologia sobre nossas maneiras de pensar e discorrer sobre o visvel, sobre as relaes entre palavra e imagem, olhar e pensamento.

    Para Mondzain, o imaginrio contemporneo, ou seja, tanto a produo quanto nossa relao com as imagens tm suas fontes na crise do iconoclasmo em Bizncio5. A autora realiza uma profunda anlise daquele perodo e dos textos patrsticos, defendendo que um pensamento sobre a imagem indissocivel do conceito de economia e da doutrina da encarnao.

    A imagem fez uma entrada real em nossa cultura. Nela, a encarnao crist deu transcendn-cia invisvel e atemporal sua dimenso temporal e visvel, transcendncia que negocia com o acontecimento (...). Doravante, no Ocidente, a manifestao do visvel (...) se enderea aos corpos vivos dotados de palavra e julgamento6.

    Em sua dupla natureza, Verbo e Carne, Cristo o cone e no o dolo - que serve de modelo,

    imagem natural de uma invisibilidade. Foi a partir dessa imagem que o homem pde produzir

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    imagens artificiais e o vu do interdito bblico, que cobre a imagem do Deus hebreu, pde se

    tornar um plano de inscrio da face do homem cristo. Cristo seria nomeado pela palavra

    grega prosopon, isto , pessoa vista frontalmente. Em um belo insight, Mondzain revela-nos

    o duplo sentido do termo prosopopea: d-se rosto pessoa e faz-se falar o que no possui

    rosto ou fonao7. O Verbo encarnado oferece o modelo de uma imagem falante, contramod-

    elo dos dolos enganadores e falaciosos. Entretanto, se as imagens nos falam, no para

    Cristo AladoAnnimo, s/d

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    tornar presente um modelo ausente. A noo da voz habitando o visvel deslocaria a iluso

    da presena para fazer do visvel o lugar de um endereamento escuta8, evitando toda

    confuso na origem da idolatria fusional e presencial. A encarnao passa ento a ser a matriz

    icnica das visibilidades partilhadas.

    Assim, se o pensamento cristo instaurou um lao solidrio entre a palavra invisvel transfigu-

    rada em imagem nossa realidade viva e corprea, ele o fez preservando seu enigma, seu

    espelho velado. Enigma da carne habitada pela Voz invisvel que enuncia Sua manifestao,

    mas cuja imagem sempre estranha quilo a que ela serve de imagem. Deus o nome de

    nosso desejo de ver nossa similitude, mas que perpetuamente se furta nossa viso9. Toda

    imagem , portanto, imagem de uma alteridade. A invisibilidade (o desejo de ver o que perman-

    ece velado) no designa uma transcendncia ou uma substncia na imagem, mas sua potncia

    em encarnar o desejo sem jamais satisfaz-lo. Se no paganismo grego, no monotesmo hebreu

    ou mulumano preciso um luto, o sacrifcio de uma presena identificadora para aceder ao

    sagrado, no cristianismo o prprio deus que se oferece em sacrifcio: a imagem visvel do

    Pai infigurvel que, como salvador, d acesso a todas as imagens. A gesto das paixes e da

    voz no visvel, necessria na construo de uma comunidade, no se dar mais pela palavra

    trgica, como nos gregos (a exemplo de Aristteles, que via na fbula da Tragdia o tratamento

    simblico da violncia passional, suspendendo sua passagem ao ato), mas pela imagem que

    pode encarnar. a imagem que apazigua doravante a violncia das paixes.

    A Paixo de Cristo oferecida ento em espetculo aos olhos dos homens como uma reden-o a imitar. O destino icnico da paixo ativa de Cristo transforma-se na paixo da Imagem, observa a autora, que rene em si todos os destinos e paixes em uma nica fbula em que fiis so atores e espectadores: a redeno da prpria Humanidade10.

    Preservar o desejo de ver (onde reside a fora da imagem) e a capacidade de velar do visvel (que mantm a distncia entre o que dado a ver e o objeto do desejo de ver) extrair do ensinamento patrstico sua sabedoria: construir o olhar pela palavra concedendo a cada um a liberdade de seu discernimento, de seu juzo crtico e escolha. Dar imagem um estatuto crtico era uma promessa de liberdade, em que cada espectador construiria seu prprio aces-so invisibilidade no visvel. em torno dessa invisibilidade que se institui o que Mondzain denomina o comrcio dos olhares.

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    em torno de uma invisibilidade estrangeira, acrescentaramos, que se institui qualquer partil-ha. Pois essa heterogeneidade, esse algo estrangeiro e estranho oculto inclusive nas genea-logias, que desloca qualquer fixao identitria, qualquer reflexo de um suposto si mesmo e abre a relao com o outro.

    O comrcio dos olhares no uma experincia mstica, uma aventura teolgica, mas uma nego-ciao entre o visvel e o invisvel, entre a distncia e a proximidade. , sobretudo, uma economia11. A doutrina da economia encarnacional foi decisiva, na perspicaz anlise de Mondzain, para os pa-dres de Bizncio construrem a legitimidade e o sentido do julgamento sobre os objetos icnicos.

    Seria So Paulo, judeu que estudara grego na universidade helnica de Tarso, quem utilizaria a palavra grega oikonomia para designar a vida de Cristo e o plano da encarnao. O termo surge em suas Epstolas e mais tarde nos textos dos padres, sob uma extensa e dispersa polissemia, para traduzir, entre outros, destino, providncia, plano da Salvao, e, final-mente, para definir a prpria encarnao. Em Aristteles, oikonomia significava economia domstica; para os esticos, gesto e administrao do universo por uma inteligncia que o organiza relacionando despesa, investimento e ordem; para os cristos, a inteligncia de um mestre economista se converter na providncia da divindade encarnada.

    Apropriando-se da palavra grega cuja homofonia faz, da economia, o princpio tambm de uma iconomia (j que o ditongo oi e ei se pronunciam i), os iconfilos ento derivariam que, deste princpio, se constitua a administrao do visvel por um princpio transcendente, por uma divindade encarnada: gesto providencial que se estenderia natureza, ao universo, salvao do homem e da prpria humanidade. Uma apropriao reveladora: a economia traduziria a totalidade do comrcio de Deus com suas criaturas e tornava-se sinnimo da en-carnao da vida de Cristo, de sua Paixo e de sua ressurreio. Se a economia sinnimo de encarnao da entrada da divindade no visvel, do Filho imagem do Pai Invisvel, da

    divindade ahistrica na temporalidade da imagem , ela uma iconomia, uma administrao

    providencial tambm das visibilidades, das iconicidades. O termo economia se transforma-

    ria, na crise iconoclasta, no principal argumento da defesa iconfila: quem recusa a econo-

    mia, recusa a iconomia, a gesto da redeno dos homens pela encarnao no visvel; quem

    recusa o filho imagem do Pai, recusa o modelo visvel oferecido imitao pelos homens,

    portanto o prprio princpio icnico.

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    As imagens esto a meio caminho das coisas e dos sonhos, num entre mundo, num quase-mundo, onde se enfrentam talvez nossa servido e nossa liberdade12 Indecisas e indecid-veis, no produzem evidncia ou verdade. No substancial, seu estatuto ambivalente. A liberdade em face s imagens necessita de um olhar crtico que os coloque em relao. Ver julgar. Ver junto no partilhar a viso de algo, mas a invisibilidade de um sentido sempre fu-gaz: no se partilha o visvel sem construir o lugar invisvel da prpria partilha.13 Ela demanda a palavra, o apelo e o envio dos olhares, que se encontram pelas imagens. A economia do visvel , esse tecido de olhares e palavras, uma escolha poltica, aquela da partilha do amor

    e dos dios, a partilha de um mundo comum.

    Entretanto, no deixando liberdade de cada um compor sua troca com a divindade e en-tre olhares, a Igreja construiria pelos sculos os dispositivos coletivos, as regras da partilha, a poltica e a doutrina das visibilidades programticas comunicando uma nica mensagem. Desde ento, a carne ressuscitada e o corpo eucarstico so tambm o corpo institucional da Igreja. A prpria noo de comunidade ganha o modelo de um corpo orgnico, ecos da eucaristia, da comunho na presena: viver em comum viver como Um. O enigma de um comrcio com o infinito se reduziria unio dos corpos. A imagerie se renderia s operaes de incorporao: absorvida como uma substncia com a qual se identifica e se funde sem palavra ou julgamento crtico, a imagem passaria a servir aos imprios das submisses e dos silncios. Um imprio que se estabelece, segundo Mondzain, sobre as emoes, privando as criaturas do pensamento e da liberdade que imaginaram ter recebido um dia do criador, pela

    graa da similitude.

    O comrcio dos olhares, a economia prpria imagem, nada se relaciona com o mercado atual das visibilidades, sentencia Mondzain. No a proliferao das imagens, pelas tcnicas modernas de produo e difuso de imagens, que constitui uma situao nova.

    A presena da imagem e o reconhecimento de seus poderes remontam h milnios. No es-tamos sob a inflao das imagens em um mundo submerso de coisas a ver, jamais a imagem esteve to ameaada e arrisca-se a desaparecer sob o imprio das visibilidades. H cada vez menos imagens14.

    Quando o comrcio dos olhares se transforma na gesto comercial do visvel, o mercado dos espetculos constri o imprio das barbries. A extenuao da imagem condena o olhar e sua liberdade servido de iconocracias, das Igrejas publicidade, dos estados autoritrios

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    ao mercado extremamente lucrativo da produo visual. Programar o consumo unvoco e o consenso de um sentido destruir a imagem e produzir a idolatria por um poder econmico totalizante. Extravia-se a possibilidade de uma escolha: no h palavra, pensamento ou juzo sobre nossos gostos e afetos. No h a partilha de uma vida em comum.

    Mondzain estabelece assim algumas distines fundamentais: entre imagem e imagerie ou visibilidade cega; entre comrcio dos olhares e mercado das visibilidades; entre encarnao e incorporao.

    O espetculo atual das visibilidades se estrutura sobre uma tenso violenta entre o pensamen-to encarnacional e as estratgias de incorporao15, dir. A violncia do visvel no a das imagens violentas, mas a violncia exercida contra o pensamento e a palavra. No da ordem do contedo, mas do dispositivo. Encarnar no imitar, reproduzir ou simular, mas dar carne (e no corpo), operar na ausncia das coisas. Apario material de uma imaterialidade, de uma invisibilidade no visvel dada pela palavra, encarnar supe uma distncia libertadora que permite quele que olha no confundir o que lhe dado a ver com aquilo que deseja ver. O espectador deve permanecer livre para construir seu lugar no extra-campo de sua prpria palavra.

    Se a imagem encarnada se constitui em trs instncias, o visvel, o invisvel, o olhar que os

    coloca em relao; incorporar, por sua vez, fazer apenas Um. O dispositivo de incorpora-

    o fusional e identificador. Embaralha a distncia entre o espectador e a tela [cran], as

    fronteiras entre mimeses e fico: a tela no se faz mais como tela, a distncia e o invisvel

    so apagados, o desejo de ver anulado pela saturao das visibilidades e no apelo fusional

    (como nas propagandas em que aquele que v funde-se ao que visto ao crer que deseja o

    que v). Se o controle sobre a imagem assegura o silncio do pensamento, a identificao

    fusional exclui a alteridade. A personificao em um nico corpo e voz (como nas propagandas

    e filmes nazistas em que o corpo e a voz de Hitler unificam-se com o corpo abstrato da nao

    ariana) realiza a fuso do sujeito com o signo, a exibio de um corpo sem imagem e sem

    carne, uma visibilidade descarnada, na expresso de Jean Toussaint Desanti16 (como no

    ver ento, perguntaramos, nos campos de concentrao nazistas, nos corpos descarnados

    e nos nomes convertidos em nmeros tatuados - que privados de carne e voz perdem sua

    condio de humanos - o resultado perverso das incorporaes e das personificaes que a

    autora condena?)

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    H alguns anos, a coca-cola lanou no Brasil uma srie de comerciais de tev sob a inter-

    jeio Viva a diferena!. Um exemplo desse apelo fusional impingido pela publicidade de

    que fala Mondzain. Em uma das propagandas, pessoas e animais caminhavam e dividiam

    a mesma lata de coca-cola, todos bebendo ou bicando em um mesmo canudinho. me-

    dida que o refrigerante era ingerido e partilhado, os personagens adquiriam caractersti-

    cas e feies uns dos outros, meio-pssaros, meio-homens, seres hbridos para concluir.

    Apropriao curiosa dos discursos culturais ps-coloniais que conceberam a identidade

    como mvel e hbrida, metamorfoseando-se incessantemente nos contatos exteriores aos

    quais so expostas. Polimorfa e infiltrante, a mercadoria insinua-se por toda parte, mas

    incapaz de produzir discursos que a legitimem. O capital ento se apropria: os discursos que

    pretendiam emancipar-nos das dominaes coloniais so absorvidos por outras formas de

    poder, mais sutis e interiorizadas.

    As operaes de encarnao devem resistir aos dispositivos de incorporao, deduz Mondzain.

    A imagem que encarna a palavra ope-se tanto ao cone e ao dolo, que repousam sobre uma

    lgica substancial, como imagerie dos signos sem significao, s visibilidades manipula-

    das. No se combate a violncia no visvel pelo pensamento iconoclasta ou na abstinncia ou

    censura das imagens, mas na construo do olhar pela palavra, na encarnao de um desejo

    de ver que jamais satisfeito, na preservao do invisvel que habita a imagem. O poder da

    imagem aquele da palavra, um poder ambguo e complexo. Ou seja, entre a saturao das

    imagens e a centralizao dos discursos, preciso lutar contra a reduo das imagens falan-

    tes linguagem, abrindo-as palavra e dubiamente - fazendo-as resistir palavra. Operao

    intrincada que exige um duplo sacrifcio: sacrifcio a um s tempo como luto da substncia

    das coisas e luto da consubstancialidade dos signos s coisas17. Construir o olhar pela palavra

    construir, sobretudo, um desvio em que se entrelaam, entre enamoramentos e fugas, o

    visvel e o enuncivel. Apenas assim possvel negociar a partilha de um mundo comum.

    As imagens da arte, dir Mondzain, resistem s apropriaes idlatras ao fazer a oferta de

    uma liberdade, a doao de um sentido jamais assinalado, jamais idntico. So como en-

    carnaes de uma liberdade incerta e incessante. Reais, todavia livres de toda realidade.

    Ficcionais, todavia figuras inconsistentes de uma questo bem real: dar ao desejo o re-

    gozijo de uma insaciedade18.

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    Entretanto, interrogaramos: o que nomeamos Arte no tambm um dispositivo? Um dispositivo de exposio e nomeao to ambivalente quanto aquele que Mondzain percebe no estatuto da imagem? Um dispositivo que resiste e se rende ao mercado das visibilidades. No por acaso hipertrofia-se cada vez mais o sistema de arte. Parafraseando Mondzain, se h cada vez menos imagem, h cada vez mais artistas, circuitos de arte, espaos expositivos...

    Assistimos a um duplo movimento: enquanto muitos reconhecem na arte um espao de liber-dade capaz de escapar dos dispositivos que transformam a vida social em produto e imagem; a arte alia-se mdia, insere-se na indstria do lazer e do turismo cultural. Associando-se cada vez mais ao marketing cultural, torna-se signo manipulvel de prestgio, torna-se signo-publicidade. A prpria exibio, sua publicao pervertida na publicidade do consumo torna-se fetiche. A apario mgica e cenogrfica fascina, anestesia o espectador na posio de consumidor interativo. A participao do espectador como o acontecimento momentneo e fulgurante, reivindicado pelas experimentaes contemporneas, corre, inclusive, o risco de ser absorvido e alimentar a mquina vertiginosa do mercado, de alimentar seu sistema cada vez mais rpido e ansioso. Um sistema que abole a possibilidade de escolha, que manipula as trocas simblicas da cultura. O agora como o presente da experincia, liberto de sua significao unvoca ex-trada das causalidades lineares e finalistas da Histria - paixo coletiva que reunia em si todos os destinos e paixes em uma nica fbula, a construo da prpria Humanidade - arrisca-se a ser reduzido ao imediato do consumo. A to saudada diluio da autoria arrisca-se a ser tragada pelo anonimato da massa de consumidores annimos. como se cada movimento carregasse

    seus crepsculos a exigir um cuidado redobrado, uma ateno incansvel.

    A arte empresta visibilidade. E no importa se a um artista, a um governo, a uma empresa privada ou a uma causa social19. Uma interrogao premente ecoa: que tipo de inocncia emprestada arte e pela arte? Que libi a arte fornece? Como ignorar sua instrumentalizao

    que se apropria justamente da fico dessa liberdade? possvel pensar uma arte sem libi?

    O vnculo entre arte-visibilidade-libi-liberdade nos leva a outro, aquele entre imagem e poder. Afinal, se o imprio global manifesta-se pelo monoplio icnico, se quem detm as visibili-dades domina mundos; quem detm as imagens da arte, detm os discursos de sua liber-dade? A pulso escpica do ocidente, a pulso de ver, confunde-se cada vez mais com a pulso de exibir. Este uma inflexo que nos exige uma reflexo mais rigorosa. Entre a

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    parsia e o espetculo, entre a comunho e a comunicao, estamos entre a confiana do espectador e a onipotncia daquele que exibe. uma relao, cujas fontes so religiosas, que articula ver e crer, desejo e poder.

    As reflexes de Mondzain se realizam na contramo daquilo que Jean-Luc Nancy definiu como uma ocultao sistemtica da referncia crist na e para a filosofia20. Permanecemos na som-bra e nas nervuras do cristianismo, mesmo se no somos mais cristos, dir Nancy. No basta afirmar que a secularizao e a racionalizao do devir moderno provm de uma desafeco mais profunda do cristianismo, preciso desconstru-lo, compreender sua gnese complexa e conflituosa, a tradio ambgua de se auto-ultrapassar, seu destino vinculado revelao abso-luta de um sentido prometido no fim dos tempos, na parsia crist. E, uma vez que a dimenso histria do ocidente crist, o anunciado fim da histria e das ideologias tambm o fim da promessa de um sentido absoluto. Pensar o destino do/no cristianismo , portanto, pensar o destino do sentido em geral, pensar a prpria possibilidade de sentido, concluir.

    Talvez por isso, outros pensadores vm se debruando sobre as sombras e as nervuras do cris-tianismo na atualidade. Deus no est morto, mas foi incorporado ao destino do homem21. A citao de Walter Benjamim extrada, por Giorgio Agamben, de um de seus fragmentos pstumos: O capitalismo como religio. Para Benjamin, o capitalismo no apenas condi-cionado pela religio, como pensava Werber, mas um fenmeno essencialmente religioso: o capitalismo se desenvolveu no Ocidente como um parasita do cristianismo devemos demonstr-lo no somente a propsito do calvinismo [como supunha Weber], mas tambm das outras correntes ortodoxas do cristianismo de tal sorte que no fim das contas a histria do cristianismo essencialmente a de seu parasita, o capitalismo.

    Derivado do cristianismo como religio de culto, o capitalismo a celebrao de um culto permanente, sem trgua ou piedade, sem dogma ou teologia, um culto vazio e integral. No

    um culto expiatrio, pois no visa redeno, sobretudo culpabilizador: o capitalismo visa

    culpa em si mesma . Uma conscincia monstruosamente culpada que no sabe expiar

    apodera-se do culto, no para nele expiar essa culpa, mas para torn-la universal, para faz-

    la entrar fora na conscincia, para implicar o prprio Deus nessa culpa. A universalizao

    dessa culpa monstruosa em que at Deus implicado faz do capitalismo uma religio

    do desespero, que no pretende a transformao do mundo, mas sua runa. Perpetuamente

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    Alexandre VoglerPintura de Retoque - Manhattan. 55 x 35. Guache sobre Puzzle. 2005.

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    endividado com o capital, incessantemente culpado, a nica sada buscar a salvao na ampliao do capital, expandir seu sistema, o que s faz intensificar o desespero. O deses-pero se estende ao estado religioso do mundo do qual se deveria esperar a salvao.

    Apoiando-se nesse fragmento, Agamben concluir que o capitalismo visa destruio do mundo porque seu sistema se consagra inteiramente a profanar o que improfanvel, o prprio capitalismo. Relegere , segundo o autor, a etimologia da palavra religio, e no reli-gare como comumente se afirma. Religio supe, portanto, um ato de reler: no o que liga, mas antes o que vela para manter separado, respeito e cuidado com a separao entre o profano e o sagrado. Religio assim o que subtrai coisas, lugares e pessoas para trans-ferir esfera do sagrado22. Desse modo, diz Agamben, os juristas romanos interrogaram a profanao: se sagrar e consagrar supunha entrar na esfera divina - pois o que pertencia a um deus, indisponvel seria - o que profanar significaria? No sentido prprio, responderia o jurista Trebatius, profano o que, de sagrado e religioso que era, se encontra restitudo ao uso e propriedade dos homens23. Entre as duas esferas, o sagrado e o profano, h dispositivos que tanto conduzem a passagem e a comunicao, como operam e regulam a separao para garantir sua distncia, como os ritos e os sacrifcios. No h religio sem separao e toda separao contm ou conserva algo de religioso.

    Agamben concluir que o capitalismo generaliza e absolutiza a estrutura de separao que caracteriza a religio. O capitalismo a forma pura de separao sem nada a separar. Se, na mercadoria, a separao faz parte da forma do objeto que est cindido em valor de uso e valor de troca para se tornar um fetiche inapreensvel, do mesmo modo, tudo o que doravante se encontra feito, produzido e vivido (o prprio corpo-humano, a sexualidade e a linguagem) est separado de si e deslocado em uma esfera distinta que no define mais nenhuma diviso substancial e onde todo uso se torna impossvel. Essa esfera a do consumo24.

    Paradoxalmente, o sistema se consagra inteiramente a profanar o Improfanvel. A profanao to total e infinita que termina por reverter e consagrar seu contrrio: a religio capitalista um dispositivo de confiscao dos comportamentos profanadores. a exibio, aos olhos de todos, de um uso subtrado de si pela prpria exposio. Assim, se a fase extrema do capitalismo, ain-da segundo o filsofo, o espetculo, em que cada coisa exibida como separada de si prpria, o espetculo e o consumo so as duas faces de uma mesma impossibilidade de uso.

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    Guy Debord conceituaria o que denominou a sociedade do espetculo, ao constatar que o capi-tal, chegando a tal grau de acumulao se tornaria imagem25, ocuparia e invadiria a vida social. O espetculo no o conjunto de imagens, mas uma relao social entre pessoas, mediada por imagens26 (na leitura de Mondzain, seriam visibilidades) .

    Agambem nos oferece ento trs paradigmas: a pornografia, o museu e o turismo. Nessa exposio absoluta, o mundo todo se transforma em um imenso museu em que se acumula a impossibilidade de usar. As potncias espirituais que definiam a existncia do homem: arte, religio, poltica, natureza e filosofia foram retirando-se para essa dimenso separada. Na exposio da impossibilidade de uso, de habitat e de experincia, o museu corresponde ao Templo como lugar do sacrifcio. Por isso o turismo hoje o culto e o altar central da religio capitalista, diz o autor. Se outrora, fiis e peregrinos participavam de um sacrifcio que sepa-rava a vtima na esfera sagrada e restabelecia assim as relaes entre o divino e o humano, agora os turistas celebram sobre sua pessoa um ato sacrificial: a experincia angustiante da destruio de todo uso possvel27.

    Como enfrentar essa situao? Profanando o improfanvel, conclui, inventando novas dimenses de uso no corpo a corpo com os dispositivos em seus jogos infinitos de poder. Exercendo a difcil tarefa (poltica!) de devolver ao uso comum o que estava separado na esfera do consumo e do espetculo.

    Como a arte responde exposio absoluta, quilo que chamamos de pulso de mostrar confundindo-se quela de ver? Como pensar a arte na poca da reprodutibilidade turstica como to bem definiu Alexandre S? O aumento na velocidade e na quantidade de produo das imagens nos exige, diz S, rever o legado benjaminiano contido em seu clebre texto A Obra de arte na poca da reprodutibilidade tcnica28, a exemplo da equiparao do valor de culto ao valor de exposio, da diluio da aura (tida como sinnimo de distncia religiosa e ex-istncia nica), do surgimento de uma aura outra (que paradoxalmente mantinha-se amparada na capacidade de exposio de uma determinada imagem)29.

    Considerando os fragmentos de Benjamin, a leitura de Agamben e a anlise de Mondzain, podemos rever o legado benjaminiano da seguinte forma: a exposio no substitui o culto, mas o capitalismo institui um culto permanente e vazio que se consagra a expor cada coisa separada de si30; a distncia suprimida na perda da aura foi convertida pelo capitalismo e por

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    sua sociedade do consumo e do espetculo na pura separao em que no h mais nada a separar (Agamben); enquanto a distncia libertadora, definida por Mondzain (que permitiria quele que olha no confundir o que lhe dado a ver), arrisca-se a ser anulada pela saturao das visibilidades e pela identificao fusional (aquele que v funde-se ao que visto ao crer que deseja o que v) dos dispositivos de incorporao e do mercado das visibilidades.

    Pensar a imagem na arte interrogar o paradoxo de sua insignificncia e de seus poderes. pensar as relaes complexas entre palavra e imagem, olhar e pensamento. Pensar alm das ressonncias teolgicas ou substanciais, na heterogeneidade dos comeos, evitando o prolongamento e a presena de um fundamento, j que vivemos o paradoxo de, a um s tempo, recalc-lo sem conseguir apagar seus ecos e reflexos que seguem como espectros nas nervuras e nas sombras do que j no somos. Pensar, no limite, os limites do sentido, pensar sua indeterminao (e no a irrepresentabilidade da arte que guarda reverberaes teolgicas). So essas as reflexes de fundo trazidas por Stphane Huchet, Marcus Vincius de Paula e Alexandre S nos textos publicados nesta edio.

    As imagens da arte seguem, por sua vez, entre servides e resistncias. Servindo tanto aos imprios das submisses e dos silncios quanto colocando em questo a potncia do olhar e as estratgias do vu (que resguardam a invisibilidade e a indeterminao dos sentidos). Eis sua mxima ambivalncia: encarnar uma liberdade incerta e, talvez, improvvel.

    Notas

    1 MONDZAIN, Marie-Jos. LImage peut-elle tuer? Paris: Bayard ditions, 2002. p.8-9.

    2 Idem. p10.

    3 Idem. p.13.

    4 Idem.

    5 MONDZAIN, Marie-Jos Image, Icne, conomie: Les Sources Byzantines de lImaginaire Contemporain. Paris: ditions du Seuil, 1996. Nesse livro, a autora analisa minuciosamente os textos patrsticos e dos padres da Igreja, principalmente no Conclio de Nicia II em 787 e pelos argumentos do iconfilo Nicforo.

    6 MONDZAIN, Marie-Jos. Le Commerce des Regards. Paris: ditions du Seuil, 2003. p.18. A autora,

    respondendo ao argumento de que existe uma pluralidade de imagens que no permitiria coloc-las sob

    um mesmo conjunto, uma nica histria, afirma que toda imagem inumervel em sua forma, em seus

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    procedimentos tcnicos e de produo, em suas finalidades e, sobretudo, porque a experincia de ver

    singular e irredutvel a cada um; todavia, adverte, necessrio enfrentar que a imagem apenas pode se

    constituir na construo de uma partilha dos olhares, pela qual negociam a solido da viso e a comunidade

    do espetculo.

    7 MONDZAIN, Marie-Jos. LImage peut-elle tuer? op.cit. p.82-83

    8 MONDZAIN, Marie-Jos. Le Commerce des Regards. Paris: ditions du Seuil, 2003. p. 51.

    9 MONDZAIN, Marie-Jos. LImage peut-elle tuer?op.cit. p. 40.

    10 MONDZAIN, Marie-Jos. Le Commerce des Regards. Op.cit. Mondzain examina com rigor como se buscou

    articular a potncia emocional origem passional da imagem e a seu destino simblico na construo de

    uma comunidade universal, associando e demarcando a diferena entre o regime grego da paixo, o pathos

    aristotlico e a tragdia, e a Paixo na teologia crist.

    11 MONDZAIN, Marie-Jos Image, Icne, conomie: Les Sources Byzantines de lImaginaire Contemporain. Op.cit.

    12 MONDZAIN, Marie-Jos. LImage peut-elle tuer?op.cit. p.14.

    13 MONDZAIN, Marie-Jos. Le Commerce des Regards. op.cit p.146.

    14 Idem p.17.

    15 MONDZAIN, Marie-Jos. LImage peut-elle tuer?op.cit p.43.

    16 Apud MONDZAIN, Marie-Jos. LImage peut-elle tuer?op.cit p. 78.

    17 MONDZAIN, Marie-Jos. Le Commerce des Regards. op.cit p.184.

    18 MONDZAIN, Marie-Jos. LImage peut-elle tuer?op.cit p. 45.

    19 Citando apenas um entre os incontveis exemplos que se espalham pelo mundo: o engajamento dos artis-tas ao movimento dos sem-tetos em So Paulo, no edifcio Prestes Maia, no incio dos anos 2000.

    20 NANCY, Jean-Luc. La dconstruction du christianisme. In: Les tudes philosophiques. Paris: oct-dec 1999. p. 503. Nancy argumenta que o cristianismo se concebeu a partir da tradio judaica, helnica e romana em que a Lei antiga transforma-se na nova, o Logos no Verbo, a civitas na civitas Dei. Portanto, sempre se auto-ultrapassando. Sua ortodoxia se concebe como movimento que se descobre pelo que o precede, renovando-o e esclarecendo-o. Ou seja, sempre h um movimento conflituoso de distenso, abertura e dissoluo e outro de fechamento, concluso e integridade desconstruindo-se e interrompendo essa desconstruo, o que faz do cristianismo a experincia de sua histria e da Histria, uma derivao do cristianismo, com seu tempo linear, progressista e teleolgico. O cristianismo , portanto, a abertura de sentido e o sentido (histrico) de abertura onde o ponto extremo dessa tenso se atinge no absoluto da parsia (do grego, , presena, a segunda vinda esperada de Cristo glorioso, quando ento terminaria a histria, de Cristo e do mundo, em Deus). No fim dos tempos, na volta de Cristo, se desvelaria o sentido completo onde no haveria mais sentido,

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    pois revelao do sentido puro, em pessoa, cujo sentido se revelar: revelao do revelvel ao infinito, abertura e fechamento ao infinito.

    21 Citado por AGAMBEN, Giorgio. loge de la profanation. In: Profanations. Bibliothque Rivages, 2005. p101. [Na edio brasileira: AGAMBEN, Giorgio Profanaes. Trad. Selvino J. Assmann. So Paulo: Boitempo edito-rial, 2007.]

    22 AGAMBEN, Giorgio. loge de la profanation. In: Profanations. op.cit p. 93

    23 Citado por AGAMBEN, Giorgio. loge de la profanation. In: Profanations.op.cit. p.91.

    24 AGAMBEN, Giorgio.op.cit. pp.102-103 Como percebe o autor, quase profeticamente, Joo XXII definiria, no sculo 13, que uso e propriedade so distintos porque a propriedade engendra o ato de consumo das coisas, isto , sua destruio, seu no uso (abusus). O uso, por sua vez, pressupe que a substncia da coisa per-manea intacta, enquanto que o consumo, no ato de seu exerccio, j passado ou futuro e no se saberia dizer se existe em natura, mas s na memria e na expectativa. porque ele s saberia ser possudo no instante de sua desapario. Esse cnone teolgico terminaria por ser o paradigma da sociedade de consumo que se constituiria sculos mais tarde. Esse cnone foi fixado pela cria romana na ocasio do conflito com a ordem franciscana e sua reivindicao de pobreza mais alta, em que os franciscanos defendiam a possibilidade de um uso subtrado da esfera do direito.

    25 DEBORD, Guy. A sociedade do espetculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. Aforismo 34, p. 25. O espe-tculo o capital em tal grau de acumulao que se torna imagem.

    26 Idem. Aforismo 4, p. 14.

    27 AGAMBEN, Giorgio. loge de la profanation. In: Profanations.op.cit. p.104

    28 BENJAMIN, Walter. A Obra de arte na era da reprodutibilidade tcnica. In: Teorias da cultura de massa. So Paulo: Paz e Terra, 1980.

    29 S, Alexandre. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade turstica. In: Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: Programa de Ps-Graduao em Artes Visuais/ Escola de Belas Artes, UFRJ.

    30 Na medida em que as obras de arte se emancipam do seu valor de ritual, aumentam as ocasies para que elas sejam expostas. Segundo Benjamin, a perda da aura a perda da unicidade da obra, do aqui e agora do original, perda da distncia e reverncia que cada obra de arte, na medida em que nica, impe ao espe-ctador. At o sculo 19 havia algo de mgico que vinha de relaes remotas entre arte e ritual religioso e que investia na obra a capacidade de nos olhar de volta. A reprodutibilidade tcnica das imagens na cultura de massa emancipou a obra de arte de seu valor de culto, adquirindo desde ento valor de exposio.