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INDERJIT KHURANA 41 NOMEADA • Páginas 41–65 Quando Giri tinha sete anos, ele fugiu do trabalho escravo como ajudante doméstico. Seu próprio pai o havia vendido para conseguir dinheiro para drogas e álcool. Aquela noite, Giri dormiu na estação ferro- viária, sozinho e faminto. Hoje, graças a Inderjit Khurana, ele tem uma vida totalmente diferente. POR QUE INDERJIT KHURANA É NOMEADA? Inderjit Khurana é nomeada para o WCPRC 2007 por sua luta pelo direito à educação das crianças mais pobres e vulneráveis. Ela abriu sua primeira escola de plataforma há 21 anos. Atualmente, sua organização, Ruchika, admi- nistra 12 escolas de plataforma, 6 creches, 75 escolas em favelas, 20 pré-escolas, projetos de prevenção ao HIV/ AIDS, programas de bolsa de estudo para crianças caren- tes, 2 ”escolas sobre rodas”, cursos profissionalizantes e projetos de água potável na favela. Inderjit e a Ruchika também oferecem tratamento de saúde e serviço de ambulância para doentes graves. A Ruchika dispõe de dois telefones de auxílio para crianças e mulheres. Inderjit acredita que, se as crianças não podem ir à escola, a esco- la deve ir até elas. Ela e a Ruchika querem oferecer educa- ção básica às crianças, para que fortaleçam sua auto-esti- ma e tenham mais possibilidade de ter uma vida digna, sem pobreza, trabalho infantil e violência. G iri logo descobriu que muitas crianças mora- vam e trabalhavam na estação. Algumas mendiga- vam, outras catavam lixo ou engraxavam sapatos. Parte das crianças estava fugindo, exatamente como Giri. Outras moravam com suas famílias na favela próxima ao trilho do trem. Giri conheceu as crianças e elas lhe mostraram como sobre- viver na estação. Era uma vida dura, mas Giri gostava de poder ir e vir Quando Giri tinha sete anos, ele era escravo doméstico. A escola de platafor- ma foi seu caminho para uma vida melhor. Hoje ele tem 15 anos e é o melhor aluno, com muitas honras ao mérito. Como cumprimentar? O modo mais comum de se cumprimentar e dizer até logo na Índia é juntar as palmas das mãos, colocando-as em frente ao rosto, inclinar um pouco a cabeça e dizer “namaskaar” ou “namaste”. Todavia, há diferenças, dependendo da religião e dos diversos grupos étnicos. Os muçulmanos, por exemplo, levantam a mão direita contra a testa e dizem “adaab” ou “salaam aleikum”, cuja resposta é “walekum salaam”. Suni, 14. TEXTO: CARMILLA FLOYD FOTO: KIM NAYLOR Inderjit conta uma estória antiga de Orissa para as crianças da escola de plataforma. Índia Nova Dehli Mumbai oceano índico china sri lanka paquistão bangla- deste Bhubaneswar Chennai birmânia nepal oceano índico

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bangla- deste sri lanka birmânia iri logo descobriu que muitas crianças mora- vam e trabalhavam na estação. Algumas mendiga- vam, outras catavam lixo ou engraxavam sapatos. Parte das crianças estava fugindo, exatamente como Giri. nepal Outras moravam com suas famílias na favela próxima ao trilho do trem. Giri conheceu as crianças e elas lhe mostraram como sobre- viver na estação. Era uma vida dura, mas Giri gostava de poder ir e vir oceano índico oceano índico paquistão 41 Mumbai

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INDERJIT KHURANA

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NOMEADA • Páginas 41–65

Quando Giri tinha sete anos, ele fugiu do trabalho escravo como ajudante doméstico. Seu próprio pai o havia vendido para conseguir dinheiro para drogas e álcool. Aquela noite, Giri dormiu na estação ferro-viária, sozinho e faminto. Hoje, graças a Inderjit Khurana, ele tem uma vida totalmente diferente.

POR QUE INDERJIT KHURANA É NOMEADA?Inderjit Khurana é nomeada para o WCPRC 2007 por sua luta pelo direito à educação das crianças mais pobres e vulneráveis. Ela abriu sua primeira escola de plataforma há 21 anos. Atualmente, sua organização, Ruchika, admi-nistra 12 escolas de plataforma, 6 creches, 75 escolas em favelas, 20 pré-escolas, projetos de prevenção ao HIV/AIDS, programas de bolsa de estudo para crianças caren-tes, 2 ”escolas sobre rodas”, cursos profi ssionalizantes e projetos de água potável na favela. Inderjit e a Ruchika também oferecem tratamento de saúde e serviço de ambulância para doentes graves. A Ruchika dispõe de dois telefones de auxílio para crianças e mulheres. Inderjit acredita que, se as crianças não podem ir à escola, a esco-la deve ir até elas. Ela e a Ruchika querem oferecer educa-ção básica às crianças, para que fortaleçam sua auto-esti-ma e tenham mais possibilidade de ter uma vida digna, sem pobreza, trabalho infantil e violência.

Giri logo descobriu que muitas crianças mora-vam e trabalhavam na

estação. Algumas mendiga-vam, outras catavam lixo ou engraxavam sapatos. Parte das crianças estava fugindo, exatamente como Giri.

Outras moravam com suas famílias na favela próxima ao trilho do trem. Giri conheceu as crianças e elas lhe mostraram como sobre-viver na estação.

Era uma vida dura, mas Giri gostava de poder ir e vir

Quando Giri tinha sete anos, ele era escravo doméstico. A escola de platafor-ma foi seu caminho para uma vida melhor. Hoje ele tem 15 anos e é o melhor aluno, com muitas honras ao mérito.

Como cumprimentar?O modo mais comum de se cumprimentar e dizer até logo na Índia é juntar as palmas das mãos, colocando-as em frente ao rosto, inclinar um pouco a cabeça e dizer “namaskaar” ou “namaste”. Todavia, há diferenças, dependendo da religião e dos diversos grupos étnicos.Os muçulmanos, por exemplo, levantam a mão direita contra a testa e dizem “adaab” ou “salaam aleikum”, cuja resposta é “walekum salaam”. Suni, 14.

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Inderjit conta uma estória antiga de Orissa para as crianças da escola de plataforma.

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como quisesse. Todavia, à noite, ele se sentia solitário e assustado. As crianças da estação geralmente eram espancadas, roubadas e, nos piores casos, violentadas. Muitas tomavam bebidas alcoólicas ou cheiravam ben-zina à noite, para consegui-rem dormir mais facilmente.

Giri e seus amigos rara-mente ficavam muito tempo em um único lugar. Eles via-javam de trem e trabalha-vam por toda a Índia. Um dia, aos 9 anos, Giri, desceu do trem numa cidade cha-mada Bhubaneswar. Do meio da plataforma, ele avis-tou uma sala de aula estra-nha ao ar livre. As crianças estavam sentadas no chão e escreviam com giz em seus quadros. Durante toda a tar-de, elas cantaram, dançaram

e praticaram o alfabeto com seus professores, que ecoava por toda a estação.

Giri sempre sonhou em poder ir à escola, porém, estava desconfiado. Será que isso era um truque para pegar as crianças e prendê-las? Entretanto, quando os

professores começaram a distribuir comida, ele não resistiu.

Primeira escola de plataformaHoje, Giri tem 15 anos e é o melhor aluno bolsista em uma escola do governo. Ele mora em um orfanato admi-nistrado por Inderjit Khurana e sua organização, a Ruchika. Também foi Inderjit que iniciou a escola de plataforma e mudou a vida de Giri.

Tudo começou há 20 anos. Inderjit tinha uma escola particular para crianças ricas em Bhubaneswar. Às vezes ela via crianças pobres paradas diante do portão da escola. Elas estavam sujas e vestiam trapos, mas olha-vam com veemência os alu-nos de uniformes limpos e bem cuidados que brinca-

vam no pátio. Elas próprias não tinham nem condições financeiras e nem tempo de ir à escola.

Quando Inderjit pegava o trem na Estação Central, ela encontrava ainda mais crianças em idade escolar.

– Por que você não está na escola, perguntou Inderjit a um garotinho que esfregava o chão em seu vagão.

– Meu pai morreu e minha mãe não consegue se susten-tar sem minha ajuda, expli-cou o menino.

Inderjit sabia que muitos tentavam ajudar crianças pobres na Índia. Entretanto, a ajuda não alcançava as crianças mais pobres da estação. Elas têm que se ade-quar aos horários dos trens para sobreviver. No horário de pico e quando os grandes trens expressos chegam, as estações se enchem de pesso-

Rama varre o trem. Quando tem tempo, ela vai à escola

de plataforma.

Quando o trem para, as crian-ças que trabalham na esta-ção se preparam para desem-barcar e correr para a escola de plataforma.

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as. E nessas horas há dinhei-ro a ser ganho.

Todas as crianças têm direito à educação, pensou Inderjit. Mas como essas crianças vão poder ir à esco-la? Ela só conseguiu encon-trar uma solução:

– Se as crianças não podem ir à escola, temos que levar a escola até elas. Preciso abrir uma escola na estação!

”Elas são sujas”Quando Inderjit contou sua

idéia para a família, colegas de trabalho e amigos, eles ficaram assustados.

– Não vá para a estação ferroviária, é perigosa e suja, disseram eles. Crianças de rua brigam e roubam! Elas podem lhe contaminar com doenças perigosas!

No entanto, Inderjit estava decidida. Uma manhã, ela encheu duas sacolas de livros de figuras, brinquedos e giz e saiu. Apenas um dos professores de sua escola

Inderjit brinca e conversa com Ranjan, 12. Ele mendiga e trabalha na estação desde os quatro anos de idade.

ousou ir junto. Inderjit desembrulhou

suas coisas na plataforma e esperou nervosa. Um garoti-nho a observava curioso e cheio de desconfiança.

– Você quer aprender a ler, chamou Indjerit. Depois de algum tempo, ele tomou coragem e foi até ela e a aula começou.

Ameaçada por bandidosAquele menininho foi o úni-co aluno de Inderjit por um longo tempo. Todos os dias, muitos passageiros adultos perguntavam o que Inderjit estava fazendo. Alguns eram gentis, mas outros ficavam desconfiados e bravos. Algumas pessoas achavam que ela era uma missionária que queria converter as crianças ao cristianismo.

Quando Inderjit dizia que

desejava apenas dar uma educação às crianças, quase ninguém acreditava. Tinha que haver algo errado por trás daquilo. A polícia e os funcionários da ferroviária tentaram tirá-la de lá, e ela foi ameaçada por bandidos e traficantes. Às vezes, pais com raiva chegavam gritan-do e diziam que Inderjit impedia seus filhos de traba-lharem.

– Seus filhos têm o direito de ir à escola, dizia Inderjit. Se eles aprenderem a ler e a escrever, será bom para toda a família.

Apesar de estar exausta e

Inderjit conversa com Rama, 12, que mora na favela próxi-ma à estação ferroviária.

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as vezes assustada, Inderjit não desistiu. Ela cantava, contava estórias e brincava com letras e números. A fama da escola de platafor-ma se espalhou. Depois de alguns meses, havia mais de 100 crianças na escola de plataforma de Inderjit!

4.500 crianças beneficiadasDesde então, a organização Ruchika de Inderjit cresceu muito. Hoje, eles atendem 4.500 crianças todos os anos, em escolas e projetos em estações ferroviárias e em

favelas. A Ruchika adminis-tra desde creches a escolas profissionalizantes e progra-mas sobre o HIV/AIDS.

– No início foi muito difí-cil, lembra Inderjit. Agora temos mais apoio de políti-cos locais e da empresa fer-roviária. Também aprendi muito nesses anos. Por

exemplo, que as crianças estão tão desnutridas e fracas que precisamos lhes dar alimento e tratamento de saúde. Caso contrário, elas não têm energia para estudar.

Inderjit quer oferecer ao maior número de crianças possível uma educação bási-ca. Isso não significa apenas

ser capaz de ler, mas tam-bém aprender sobre os direi-tos da criança.

– Quero que as crianças saibam que realmente têm valor. E temos que chegar até elas cedo, antes que a situação delas esteja tão ruim, que não será mais pos-sível resgatá-las.

Todos os fun-cionários e crianças da Ruchika em frente ao novo prédio da orga-nização.

Inderjit dança com as crianças na escola de plataforma.

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Bijay, 12

Bijaybrincar. O dia de aula termi-na com uma refeição sim-ples. Para algumas das crianças, essa é a única ali-mentação do dia.

Depois da escola, Bijay consegue atender mais alguns clientes antes de cor-rer pra casa e ajudar a avó com o almoço. Ele mora em uma favela, bem perto da estação. Quase todos os homens que moram ali tra-balham com couro. Eles fabricam, consertam e engraxam sapatos. O pai de Bijay também fazia isso, antes de beber até a morte.

Gostava do paiBijay estava fora brincando quando seu pai morreu. Quando chegou em casa, a

O apito do trem é tão alto que Bijay precisa tapar os ouvidos. Quando o trem deixa a estação, ele corre para a escola de platafor-ma, para a primeira aula do dia.

Gosta de: Críquete. Cantar e brincar.Não gosta de: Álcool e drogas. Trabalhar.Sonho: Um teto para nossa casa. Ir à escola em tempo integral.Feliz: Quando tenho algo pra comer, como biscoitos.Teme: Ficar sem-teto.Quer ser: Médico.Admira: Minha mãe. Meus professores.

Bijay trabalha como engraxate na principal estação ferroviária de

Bhubaneswar. O dia todo ele aborda passageiros com sapatos empoeirados e sujos nas plataformas e nos vagões dos trens. Todos os engraxates da estação têm um acordo de nunca aceitar menos de R$0,30 pela engraxadela. Ele tem que ganhar o máximo possível num curto espaço de tempo. Senão, a mãe o obriga a dei-xar a escola.

Escreve no concreto Quando Bijay chega à escola de plataforma, muitas crian-ças já estão reunidas. Os

professores mostram fi guras que eles mesmos desenha-ram e as crianças advinham as palavras e praticam orto-grafi a. Bijay pratica escre-vendo letras em seu quadro.

– “Está muito bonito, Bijay”, elogia o professor.

Nesta classe não há nem carteiras escolares e nem quadro negro. As crianças se sentam no chão. Às vezes elas e seus professores escre-vem direto no concreto da plataforma com giz. No entanto, Bijay, que foi à escola por muitos anos, gos-ta e consegue aprender mui-to nesse tempo curto. O que ele mais gosta é quando a classe pode cantar, dançar e

estuda na plataforma

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família toda estava reunida em volta do pai morto, cho-rando e gritando. Bijay tam-bém começou a chorar.

O pai de Bijay era alcoóla-tra. É muito comum entre os homens da favela. Parte das mulheres também bebe. Como são pobres, compram um tipo barato de bebida. Na verdade, é um remédio do qual deve-se consumir apenas algumas gotas por dia. Todavia, o pai de Bijay e seus amigos costumavam beber uma garrafa inteira, direto do gargalo. Ele com-prava a bebida dos bandidos da favela. Bijay ficava triste e com raiva quando os via negociar na esquina. Eles não se importavam com o fato daquele álcool matar as pessoas. Mas ele não podia fazê-los parar de vender a seu pai e aos outros.

Quando o pai ficava bêba-do, costumava gritar e bater em Bijay, em sua mãe e em seus irmãos. Ele também perdia o dinheiro da família no jogo e não conseguia tra-balhar. Bijay muitas vezes fugia de casa e dormia na estação, para evitar apa-

A professo-ra ajuda Bijay a escrever letras oriya em seu quadro.

Aprenda a falar oriya!A Índia tem pelo menos 800 idiomas e mais de 2.000 dialetos. Além de inglês, hindi e tamil, há outros 21 idio-mas oficiais. Um deles é o Oriya, falado em Orissa.

Como você se chama? Tuma nama kana?Nome NamaQual é sua cor preferida? Kyon ranga tumaku bhala laage?Como vai? Tume kipari acha?Estou bem Mu bhal achhi.Eu te amo Mu tumoku bhalpae.

Na escola de plataforma de Bijay, que fica aberta toda manhã, os professores geralmente usam figuras, músicas, teatros de bonecos e brincadeiras. Inderjit Khurana, que abriu a primeira escola de plataforma há 21 anos, acha que para aprender é preci-so ter prazer. O objetivo é oferecer às crianças uma educação básica e melhorar sua auto-estima. Aqueles querem estudar mais, recebem ajuda para encontrar vaga nas escolas do governo, quando já dispõem de conhecimentos básicos suficientes.

sapato. O melhor amigo de Bijay, Suresh, o ensinou como fazer.

– “Espalhe a graxa nos sapatos e esfregue com o pano. Depois você escova, o mais forte e rápido que con-seguir, para dar brilho”.

O primeiro dia de traba-lho na estação foi o pior dia da vida de Bijay, diz ele. Era difícil conseguir clientes e quase impossível fazer os sapatos brilharem. Ele era lento e os clientes ficavam

O que é a escola de plataforma?

bravos e impacientes. Eles tinham que pegar o trem. Bijay chorou até pegar no sono aquela noite.

Levanta antes do sol Depois de alguns meses como engraxate, Bijay ficou mais rápido. E, contra a von-tade da avó e da mãe, ele continua a ir à escola de pla-taforma todos os dias

– “Nós perdemos dinheiro com sua escola, você devia trabalhar mais ao invés de ir lá”, dizem elas.

Porém, Bijay se recusa a parar, a escola é importante demais para ele.

Ele levanta às quatro da manhã todos os dias, o primeiro de todos na família. Ele acende uma lâmpada de óleo

Onde Bijay mora, a maioria dos homens traba-lha com sapatos e couro.

nhar. Mesmo assim, ele amava muito seu pai.

Trabalhe, disse a avóNo dia seguinte à morte de seu pai, a avó de Bijay disse que ele tinha que começar a trabalhar.

– “Seu pai se foi e você é o filho mais velho. Agora você tem que sustentar a família”.

Muitos dos amigos de Bijay já trabalhavam, porém, sua mãe permitiu que ele freqüentasse a escola, ao invés de trabalhar. Agora, entretanto, a mãe comprou uma escova, panos e graxa de

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e faz a massa do chapati, o pão para o café da manhã da família. A mãe faz arroz e curry. Depois da refeição, ele corre para a estação, entra em um trem e procura clientes nos corredores aper-tados. Os vagões estão superlotados de gente a caminho do trabalho. A maioria ignora Bijay. Outros são gentis e uns dois ou três aceitam a engraxadela. Após algumas paradas Bijay e seus amigos descem e vol-tam pelo trilho do trem.

Às sete da noite ele volta para casa, muito cansado. As costas e a cabeça doem e as mãos têm um cheiro forte

de graxa. Ele dá tudo o que ganha – entre R$0,50 e R$1,50 – para a mãe. Ela trabalha como doméstica para duas famílias, mas ganha menos do que ele e fica doente com freqüência. Os irmãos menores de Bijay também estão quase sempre doentes, devido à água suja que bebem e à má ali-mentação.

– “Às vezes fico preocupa-do quando vejo meus irmãos menores, diz Bijay. Eles terão que trabalhar tão duro quanto eu? Eu quero que eles também possam ir à escola”.

Bijay volta a Bhubaneswar com seus amigos pelos trilhos. Ele tem um grupo de amigos que sempre estão juntos na estação. O melhor amigo de Bijay se chama Suresh. Com ele, Bijay pode falar sobre tudo.

Deseja um teto Quando Bijay era menor, sua família morava bem perto do trilho do trem em um barraco de bambu coberto de plástico. Porém, quando Orissa foi atingida por uma tempes-tade terrível – um superciclone – o barraco foi levado pelo vento e tudo o que eles tinham foi com a enxurrada. Exatamente como milhares de outras pessoas pobres, Bijay e sua família foram obrigados a se mudar para a rua.

– Não tínhamos comida, água, nem lar, conta a mãe de Bijay. Uma organização assistencial queria construir uma casa

para a família. Porém, o dinheiro foi suficiente apenas para as fundações e as paredes da casa. Enquanto a família economiza dinheiro para o telhado, eles se mudam aqui e ali. No momento, eles moram temporariamente em um ponto de encontro na favela.

– Precisamos de pelo menos R$600 para construir o telha-do, diz Bijay. Nós economizamos o máximo possível, porém, juntos, eu e minha mãe ganhamos R$50 por mês.

Bijay com sua família, a mãe, Bhavani, a avó, Budhi, a bisavó,

Laxmi e os irmãos Bijay, Paparau e Arnand.

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Bira Reddy, 14

Mitun, 12

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Bira Reddy, 14

Trabalhamos no trem Por toda a Índia, centenas de milhares de crianças trabalham nos trens e estações ferroviárias, onde há muito movimento de pessoas e oportunidades de ganhar dinheiro. Para elas, a escola de plataforma é a única chance de terem uma educação.

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Mendigo

“No meu quinto aniversário, eu caí no fogo onde minha mãe cozinhava. Minha blusa de nylon pegou fogo. Eu tive queimadu-ras graves e fi quei internado no hospital

por seis anos. Meus pais achavam que eu devia fi car lá para sempre, pois eu comia de graça e nós

somos muito pobres.Meu pai é alcoólatra e costumava me

bater. Por isso fugi de casa. Agora, faz três anos que eu moro sozinho na estação e me sustento mendigando. As pessoas fi cam com pena de mim quando vêem minhas queimaduras. Às vezes, ajudo em um café e recebo um pouco de comida em

troca. Eu freqüento a escola aberta de platafor-

ma da Ruchika. Minha professora disse que vai me ajudar a conseguir um trabalho

mais estável. Espero que sim”.

Trabalho: Mendigar.Ganha: R$ 1 a R$ 2 por dia.Vem de: Bolanpur.Gosta de: Escola.

Catador de garrafas

”Eu recolho garrafas plásticas vazias. Geralmente, viajamos em grupo e ajudamos uns aos outros. Eu já viajei por toda a Índia, para Delhi, Mumbai, Chennai… todos os lugares. O trem é meu local de trabalho. Quando o trem chega à estação, eu tenho que trabalhar. Às vezes, sigo no trem durante um pequeno trecho, outras vezes por cen-tenas de quilômetros. Entre as viagens, freqüento a escola da plataforma.

Cresci em um pequeno vilarejo. Meu pai é bóia-fria no campo e minha mãe jun-ta madeira para vender. Eu também tive que começar a trabalhar no campo des-de pequeno, mas não gostava. Eu fugi e vim para a estação. – Só tenho medo da polícia. Eles nos batem, então corremos ao vê-los.

Eu economizo o máximo possível. Até agora juntei R$ 24. Quando eu for um pouco mais velho, tipo 17 anos, vou voltar para casa e dar o dinheiro para meu pai”.

Trabalho: Catador de garrafas.Ganha: De R$ 2,50 a R$ 4,50 por dia.Vem de: Uma vila perto de Puri.Gosta de: Dançar como seu ídolo, Salman Khan.

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Nirmala, 12

Muna, 12

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Trabalhamos no trem

Babá

”Cuido dos meus irmãos meno-res todos os dias para minha mãe trabalhar. Caso contrário, não temos nenhum dinheiro e morremos de fome. Minha mãe limpa a casa e lava a roupa para várias famílias ricas. Ela sai de casa cedo e volta tarde. Ela tem que trabalhar muito duro, pois meu pai morreu.

Eu vou à escola de platafor-ma todos os dias. Matemática é a minha disciplina favorita. Meus irmãos menores vão jun-to, é claro, mas ainda são pequenos demais para estu-dar! Muitos de nós na platafor-ma temos que cuidar de nos-sos irmãos. Às vezes os profes-sores nos ajudam com as crian-ças para que possamos estu-dar tranqüilamente. Nós almo-çamos na escola. Em casa, eu preparo o almoço e o jantar da família. Aprendi na escola a sempre lavar as mãos antes de cozinhar. E a ser cuidadoso com panelas quentes e fogo. Conheço crianças na favela que derrubaram água quente no corpo e se queimaram muito ao cozinhar. Alguns morreram.”

Trabalho: Babá.Ganha: Nada.Vem de: Bhubaneswar.Gosta de: Matemática.

Catadora de lixo

”Moro com minha família na favela perto da estação. Eu e meus irmãos catamos lixo das 9h às 16h todos os dias. Geralmente, andamos pelo trilho até a estação em Khurda, a 30 quilômetros, e voltamos. Às vezes, entra-mos no trem. Sempre tem lixo novo pelo caminho, que as pessoas jogam pela jane-la do trem. Nós recolhemos plástico, ferro, vidro e placas metálicas. Quando enchemos nossas sacolas, separamos o lixo, pois coisas diferentes têm valores diferentes. Uma garrafa plástica custa quase o dobro de um pedaço de ferro. Por volta das cinco da tarde, vendemos o lixo para um homem da favela.

Quando for mais velha, venderei peixe seco. Esse é o trabalho de nossa família. Por isso, tento ir à escola de plataforma o máximo que posso. Quero ter um pouco de educação para poder escrever cartas e contar. Isso é importante quando se negocia. E, caso ocorra um aci-dente, por exemplo, quero poder escrever os nomes e endereços de todos os envolvidos”.

Trabalho: Catadora de lixo.Ganha: De R$ 2,50 a R$ 3,00 por dia.Vem de: Bubaneshwar.Gosta de: Escola.

Limpador de chão

”Trabalho como limpador de chão no trem junto com meu melhor amigo. Ele é mais velho que eu e sabe como se comportar na esta-ção e no trem. Ele me ensinou muito sobre como sobreviver. Entramos no trem grande e limpamos o chão onde está sujo e empoeirado. Depois pedimos dinheiro aos passageiros. Aqueles que são gentis nos dão algum dinheiro. Há faxineiros de verdade, que são funcionários da empresa ferroviária, mas eles nunca preci-sam trabalhar. Isso nós, as crianças, fazemos! De vez em quando, eu vou à escola da plataforma, mas é difícil conseguir tempo. Fugi de casa e tenho que me cuidar sozinho. E, neste caso, é preciso trabalhar duro”.

Trabalho: : Limpador de chão.Ganha: De R$ 2,50 a R$ 4,50 por dia.Vem de: Bhubaneswar.Gosta de: Nada em especial.

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Um dia na estação ferroviáriaNa estação, raramente é calmo e silencioso. No entanto, quando Ranjan, 12, acorda, ao raiar o dia, o tráfego apressado ainda não começou.

05.30 Escovação com varetaAs crianças da estação escovam os den-tes com varetas de amargosa. Ranjan e seus amigos compram as varetas por alguns centavos na estação.

06.00 Horário de pico matutinoA estação começa a se encher de pessoas a caminho do trabalho. Raja, 8, está pronto para começar a pedir esmola aos passageiros.

– Visto minhas roupas mais rasgadas e velhas, assim ganho mais. Em um dia, consigo ganhar dois reais. Dou o dinheiro à minha mãe. Os estrangeiros dão mais, mas peço esmola a todas as pessoas. Alguns gritam e xingam. Aí eu caio fora. Há muitas crianças mendigando e às vezes brigamos. Porém, sempre voltamos a ser amigos.

07.00 Amor de irmãos Mais crianças da favela próxima ao tri-

lho do trem começam a chegar à esta-ção. Muitas trazem os irmãos menores. Eles não podem ficar sozinhos em casa quando os pais estão trabalhando, portanto, têm que acompanhar o irmão ou irmã mais velhos ao trabalho ou à escola.

08.00 Início da esco-la de plataformaA multidão de pessoas dimi-nui na estação – a maioria já chegou ao trabalho a essa hora. Assim, as crianças que ali trabalham também podem fazer uma pausa e ir para a primeira aula na escola de plataforma.

Shayama dança com sua amiga na escola de plataforma.

– Aprendi a dançar assistindo filmes!

Mahmina, 12, arruma o cabelo da irmã menor na plataforma.

Raja não é o único a começar a trabalhar durante o horário de pico matutino. Suresh, 11, engraxa os sapatos de um policial que acorda cedo.

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Um dia na estação ferroviária09.30 Luta de tigreAs crianças fizeram máscaras divertidas e assustadoras com papel machê. Aqui um tigre briga com um Deus poderoso. As outras crianças torcem.

Por trás das máscaras estão Kanha e Jagan, ambos têm 8 anos.

10.00 Teatro de fantochesA professora da escola de plataforma geral-mente usa o teatro de fantoches para tornar as aulas mais divertidas. Ranjan e um colega de classe seguram um pedaço de tecido para criar o cenário.

11.15 Hora da refeiçãoSe as crianças não se alimenta-rem, não terão energia para aprender. Por isso, os profes-sores distribuem chhathua, um tipo de mingau feito com arroz moído, amendoim, açúcar e lei-te em pó, bem parecido com pudim de arroz. Para algumas crianças, essa é a única refei-ção do dia. Obviamente, todos lavam seus

próprios pratos na pia da plataforma.

11.45 Banho de sábado Todo sábado é dia de tomar o banho sema-nal. Os professores ajudam a esfregar, enxaguar e enxu-gar as crianças.

Na caixa de medicamen-tos da escola há desde comprimidos contra dor de cabeça até bandagens de gaze e vermífugos. Se alguma criança se fere grave-mente ou fica muito doente, os professo- res chamam os médicos da Ruchika.

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Professores distribuem vitaminas em gotas para as crianças.

Ranjan e Rama sobem numa árvore.

12.00 Obrigado, por hoje é só!Quando a aula termina, a escola toda é desmon-tada. Todos ajudam a carregar a placa da escola e todo o material para um pequeno galpão do outro lado do trilho.

12.05 Hora de brincar Após a aula, muitas crianças preci-

sam correr para casa e ajudar suas mães com o

almoço. Outras podem fi car na estação e brincar enquanto algum grande trem de passageiros não chega. Ranjan diz ter mais de 300 amigos na estação.

– Meu melhor amigo se chama Parama. Nós brinca-mos juntos e ajudamos um ao outro. Uma vez, eu estava mal do estômago e ele me levou para o hospital. Quando ele quebrou a per-na, eu o levei ao médico e paguei a conta do hospital com meus últimos trocados.

16.00 Outro horário de picoÀ tarde, as pessoas começam a voltar do trabalho para casa. Os trens se enchem de gente e as crianças começam a tra-balhar novamente. Um trem lotado chegou à estação, Mithun se prepara para embarcar nele com o esfregão.

19.30. Enfi m, o silêncioO último trem lotado deixou a estação. As plataformas estão silenciosas e vazias por algum tempo. A maioria das crianças foi para casa jantar com suas famílias. Ranjan, Rama e Bijay ganharam o sufi ciente hoje para comprar seu prato preferido em um quiosque da estação: frango com arroz.

17.30 Grande prêmio das garrafasMithun e seus amigos correram pelos vagões e encontraram gar-rafas vazias, que podem ser vendi-das. Lá fora, a temperatura é de mais de 40 graus e dentro dos vagões está quen-te e úmido. Por isso, os passageiros bebem litros e mais litros d’água.

21.00 Boa noiteAs crianças que dormem na estação ou nas suas redondezas quase sempre dor-mem em grupo. Assim, sentem-se mais seguras. No escuro, meninas e meninos correm o risco de serem espancados e estuprados por crianças maiores e adultos. Os colaboradores da Ruchika vão às esta-ções à noite para ajudar crianças sozinhas a irem para a casa de suas famílias ou para o lar infantil.

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Ghouri sabe fazer iogaGhouri, 11, mora com o pai na estação ferroviária durante o recesso escolar. Durante o restante do ano, ela mora em um lar infantil e vai à escola de lá. Porém, durante as férias, ela freqüenta a escola de plataforma. Ela é boa de ioga e mos-tra com prazer suas habilidades às outras crianças.

– Meu pai tem só uma perna, a outra foi cortada em um acidente de trem. Ele não pode trabalhar e diz o tempo todo que quer morrer, por isso lhe dou comida e essas coisas.

Quando Ghouri tinha quatro anos, ela e seus irmãos foram abandonados pelo pai.

– Meu pai me sentou com minhas duas irmãs mais novas em um trem e desapa-receu quando o trem partiu. Por fi m, descemos em uma esta-ção. Um estrangeiro nos encontrou e nos levou para um hospital. Nós moramos lá por alguns messes, até que nossa mãe nos encontrou. Pudemos voltar para casa por um tempo, até ela se casar de novo. Então, ela não nos quis mais. Moramos com nosso pai um período, porém não deu certo. Ele bebia e nos batia todos os dias e não podíamos ir à escola. No fi nal, nos mudamos para um lar infantil.

Ghouri sente muita falta da mãe. – Amo meus pais, mas nenhum

deles me quer. Minha mãe me visita às vezes, mas não acho que tenha contado aos meus novos irmãos que eu existo. Isso me deixa muito triste. Quando tiver fi lhos, eu nunca os abandonarei.

Kusman, 9, freqüenta a escola de plataforma na estação de Khurda. Seu pai é mágico.

– Ele me ensinou a fazer mágica com moe-das e com esta cobra!

O melhor truque de Kusman é fazer a moeda desaparecer, mas ele não quer ser mágico, como o pai.

– Quero ser mecânico de automóveis e abrir minha própria ofi cina.

Mahmina, 11, mora na favela próxima à estação. Antes, ela freqüentava a escola de plataforma, mas agora conseguiu ajuda da Ruchika para se matricular em uma

escola pública. – Eu já aprendi o sufi ciente e consegui uma bolsa de estudos. Por isso, não preciso trabalhar, conta

Mahmina, que adora dançar.– Na minha escola, faço cur-

so de teatro e dança. Já fi z apresentações e fui premiada. Quando crescer, gostaria de ser professora de dança.

Dançarina elogiada

Mágico da plataforma

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De trem pela ÍndiaApesar de Balaram Chowdhuri ter apenas 10 anos, ele já viajou sozinho de trem por toda a Índia. Ele fugiu de casa porque a mãe o espancava. Aos seis anos,ele já era um viajante acostumado a longas distâncias.

Tenho muitas lembran-ças ruins de cidades das quais não gosto.

Mas Mumbai é minha cida-de favorita, conta Balaram. Eu morei lá durante algumas semanas em um lar infantil próximo à estação. Um dia, recebemos a visita de um famoso astro do cinema indiano, Sunni Deol. Ele nos deu roupas e pudemos cum-primentá-lo.

Muitas crianças sozinhas e abandonadas viajam de trem pela Índia e trabalham, exa-tamente como Balaram fazia.

– Freqüentemente, eu via-java com um grupo de ami-gos, diz ele. Nós cuidávamos uns dos outros e ajudávamos crianças recém chegadas. Eu limpava os vagões do trem para ganhar dinheiro. Às vezes dormíamos no trem noturno, debaixo dos assen-

tos, outras vezes nas esta-ções. Em algumas cidades havia organizações assisten-ciais que nos ofereciam um abrigo para dormir à noite, como em Mumbai.

Quando Balaram fugiu, ele morava em uma favela em Puri. Sua mãe bebia e batia em Balaram e em seus irmãos.

– Meu pai morreu. Meu irmão mais velho mora na rua e minhas duas irmãs moram com um parente.

Quando Balram vivia via-jando de trem pela Índia, ele também começou a beber e experimentar diferentes tipos de drogas.

– Eu cheirava, bebia álcool e fumava maconha e cigar-ro. Durante algum tempo, isso me fazia sentir melhor, especialmente quando eu estava sozinho e triste.

Entretanto, eu sempre me sentia mal depois. Então, eu tinha que usar mais drogas. Isso se torna um ciclo vicioso.

Na estação de Bhubanes-war, Balaram começou a freqüentar a escola de plata-forma de Inderjit. Agora ele mora no lar infantil da Ruchika e vai à escola.

– Sou feliz! Tenho um monte de amigos e gosto da escola

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Balaram viajou de trem para todas as maiores cidades da Índia, como Mumbai, Nova Delhi, Chennai e Hyderabad.

Na Índia, existem desde trens comuns até trens de luxo com restaurantes, biblioteca, bares e camareiros. Os ricos podem, por exemplo, viajar no Palácio sobre Rodas (Palace on wheels) ou na Rainha das Fadas (Fairy Queen), a mais antiga locomotiva no mundo que ainda solta fumaça pelos trilhos.

Palácio móvel

O nome mais longo de uma estação de trem na Índia. Tente pronunciar:

VenkatanarasimharajuvariapetaFATOS SOBRE OS TRENS INDIANOS

A empresa ferroviária estatal da Índia transporta cinco bilhões de passageiros todos os anos. A empresa ferroviária tem: 8.702 trens de passagei-ros, 11.000 locomotivas, 7.150 estações em 27 cidades, 108.514 quilômetros de trilhos e 1,6 milhões de funcionários. Desta forma, é o maior empre-gador do mundo!

e do lar infantil. Às vezes ainda me sinto tentado pelas drogas, porém não quero voltar àquela vida.

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Escola sobre rodas– A escola está chegando! A escola está chegando! As crianças que trabalham na rua gritam umas para as outras ao verem seu professor lutar com os pedais na subida. Ele vem com a escola sobre rodas.

A escola sobre rodas é a invenção de Inderjit para levar a escola às

crianças que vivem e traba-lham nas ruas. É muito sim-ples, uma caixa de madeira enorme presa a uma bicicle-ta. Nas laterais há quadros negros e dentro da caixa se encontra todo o material necessário para o trabalho escolar.

Sankar, 10, chega quando o professor estaciona perto de uma cerca. Ele e as outras crianças ajudam o professor a tirar livros, quadros de anotações e giz da caixa.

Sankar vive em um vila-rejo distante da cidade de Bhubaneswar, mas, no momento, ele mora na rua com seus pais. Eles traba-

lham trançan-

do cestas e o pai toca bateria em uma banda de casamen-to. Às vezes Sankar pode ir junto ao casamento.

Sankar começou a fre-quentar a escola sobre rodas há dois anos. Foi a primeira vez que ele teve a chance de aprender a ler e escrever. A família se muda com muita freqüência, do vilarejo para a cidade e vice-versa. E não havia escola na rua. Foi exa-tamente por isso que a esco-la sobre rodas foi criada.

Primeiro, Inderjit queria construir escolas de verda-de, porém, as crianças desta região moravam muito dis-tantes umas das outras. Muitas teriam que percorrer um caminho longo até a escola e não se pode cons-truir um edifício escolar

Sankar, 10 anos.

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A escola sobre rodas é o mais recente experimento de Inderjit e da Ruchika para alcançar crianças que, de outro modo, não teriam nenhuma possibilidade de freqüentar a escola. Em um dia, dois professores peda-lam pelas redondezas e dão aulas de uma a duas horas em seis lugares diferentes.

– Estamos arrependidos de não ter montado a escola em uma motocicleta, pois é duro pedalar com todo esse peso, diz Inderjit. Agora, quero criar uma brinquedo-teca móvel. As crianças de rua poderão pegar brinque-dos e livros infantis empres-tados. Só precisamos de um ônibus para montar a brinquedoteca!!

Escola Móvel

Dessa vez, o teatro de mario-netes explica que sempre se deve lavar as mãos após usar o toalete e antes de cozinhar e comer. Caso contrário, pode acontecer como com a criança marionete, que vomi-ta, tem diarréia e precisa ser internada no hospital. As crianças riem, mas também entendem a gravidade. Elas sabem que é possível até mesmo morrer devido a gra-ves problemas estomacais.

Teatro de marionetes para lavar as mãos

As crianças aprendem o alfabeto oriya e

também o ocidental.

para cinco ou dez crianças. Uma escola sobre rodas foi a solução perfeita.

Sankar aprendeu a escre-ver o alfabeto inteiro e todos os numerais. Suas matérias preferidas são matemática e ciências. Ele gosta de apren-der coisas novas. Outra van-tagem da escola é que o pro-fessor serve o almoço.

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Swopna

Quando Swopna tem cinco anos, chega uma mulher ao restaurante onde ela trabalha com seu irmão mais velho. A mulher usa belas rou-pas e parece rica. Ela diz que eles podem se mudar para sua casa e pede para falar com o pai deles.

Apai de Swopna por que ele deixa os irmãos se desgasta-

rem no restaurante.– Isso não é lugar de crian-

ça, diz ela. Deixe-me cuidar deles. Eles podem ajudar nas tarefas domésticas. A mulher parece gentil, como se realmente se importasse com as crianças.

– A mãe de Swopna mor-reu. Ela mora com o pai e o irmão em um pequeno vila-rejo. A mulher paga para que o pai a deixe levar os irmãos para a cidade. O dinheiro é um adiantamento

do salário das crianças. Swopna se sente assustada, mas, ao mesmo tempo, espe-rançosa.

Espancada todos os diasA mulher mora com o mari-do em uma casa grande na capital de Orissa, Bhubaneswar. Ambos traba-lham em escritórios e que-rem que Swopna esteja com a comida pronta quando chegam em casa.

Swopna e seu irmão estão sozinhos na casa com o casal mais velho. Um dia, Swopna está brincando com algumas crianças em frente à casa,

do trabalho escravo

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fugiu

Keram é o jogo preferido de Swopna.

Muitos escravos domésticos

quando a mulher chega do trabalho. Ela fi ca furiosa porque Swopna está brin-cando em vez de trabalhar. A mulher arrasta Swopna para dentro de casa, bate nela e grita.

– Menina preguiçosa e ingrata. Se eu pegar você fugindo do trabalho de novo, vou lhe bater até lhe matar.

A partir de então, a mulher bate em Swopna e a chuta todos os dias. O homem não bate nela, mas também não tenta impedir a esposa de fazê-lo. Às vezes a mulher também bate no irmão de

Swopna, mas ele protesta e sai correndo. Swopna não tem coragem para tanto. Ela só se encolhe e chora. Não impor-ta que Swopna tente cumprir todas suas tarefas com per-feição. A mulher sempre encontra um motivo para reclamar. O pior é quando a mulher bate nela com uma vara de madeira dura.

Swopna trabalha das cin-co da manhã à uma da madrugada, sete dias por semana. Ela cozinha, limpa a casa e lava a roupa. Ela quase nunca encontra o irmão, pois ele trabalha no jardim e na garagem.

Na Índia, é comum que crianças pequenas, principalmen-te meninas, morem e trabalhem para uma família. Geralmente, elas têm dias de trabalho muito longos e não podem ir à escola. A maioria começa a trabalhar entre os 8 e os 12 anos de idade. Muitas apanham e sofrem abuso sexual. Às vezes, os pais das crianças recebem dinheiro quando entregam seus fi lhos aos empregadores. Isso é visto como um adiantamento do salário e signifi ca que as crianças serão escravas da casa por causa da dívida.

mulher pergunta ao

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Swopna, 12Gosta de: Escola. Brincar e jogar kerem.Ator favorito: Shah Rukh KhanNão gosta de: Adultos que batem em crianças.Quer ser: Policial, para ajudar crianças que trabalham como escravas.

Quando a mulher e seu marido chegam do trabalho, querem que Swopna lhes faça massagem. Eles recla-mam por ter que trabalhar tão duro em seus escritórios e dizem ter dores nas costas e nos ombros.

Swopna está tão cansada quando se deita que nem tem energia para chorar. Ela tem muitas dores no corpo e fre-qüentemente sonha em fugir.

Swopna fogeQuando completa 11 anos, Swopna já trabalha para a

mulher brava há mais de seis anos. O pai nunca mais deu notícias desde que as crian-ças foram embora da vila. Swopna acha que ele deve ter se casado e tido outros fi lhos.

Uma noite, a mulher começa a maltratar Swopna com a vara de madeira. Ela bate ainda mais forte do que de costume. Swopna começa a sangrar na cabeça. Ela fi ca com medo de ser morta dessa vez. Porém, a mulher para de bater nela de repente. Ela joga a chave do portão e manda Swopna trancá-lo porque é noite.

À noite, Swopna e as outras meninas colocam colchões no chão e dormem bem próximas umas das outras.

Telefone de auxílio às crianças Swopna conseguiu ajuda através do telefone de auxílio à criança da Ruchika, que funciona todos os dias. Ele é cha-mado de Childline (Linha da Criança) e é mantido com dinheiro de autoridades indianas. O número do telefone da Childline é divulgado para crianças e adultos através de folhetos e cartazes. Desde que entrou em operação, no ano 2000, a Ruchika recebeu quase 50.000 ligações sobre crianças que precisam de ajuda urgente. Inderjit sabe que a ajuda às crianças implica quase sempre aju-dar as mães. Por isso, a Ruchika também tem um telefone de auxílio específi co para as mulheres.

Swopna cambaleia pelo jardim. Ela deixa a chave na fechadura e continua andan-do em direção à rua. Ela não sabe para onde ir, mas afi nal entra no jardim de uma família vizinha. Está tudo quieto e escuro – todos estão dormindo. Swopna se deita na varanda e dorme.

Quando a vizinha encon-tra Swopna em frente à sua porta na manhã seguinte, ela se assusta.

– O que você está fazendo aqui? O que houve, pergunta ela.

Swopna não consegue falar, só chorar. A vizinha lhe dá um pouco de comida e, depois de algum tempo, Swopna conta que fugiu.

– Ela tentou me espancar até a morte, diz Swopna, e mostra as feridas. Ela teme que a vizinha não acredite nela e a obrigue a voltar para a casa. Porém, a mulher tele-fona para a Childline (Linha da Criança), um telefone de auxílio para crianças, admi-nistrado pela Ruchika.

Logo chegam dois homens de motocicleta, eles traba-lham para a Ruchika e vie-ram buscar Swopna. Eles explicam que ela poderá morar no lar infantil da Ruchika. Mas, primeiro, eles têm que ir à delegacia denunciar a mulher. No iní-cio, a polícia não se interes-sa. Porém os homens da Ruchika são teimosos e mos-

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tram as feridas e hematomas de Swopna.

– Ela é uma trabalhadora infantil, dizem eles à polícia. É ilegal deixar crianças tra-balharem. Afinal, um poli-cial aceita ouvir e anotar a história de Swopna.

Em segurançaAo despertar na manhã seguinte, Swopna não reco-

nhece onde está. Duas meni-nas mais velhas a lembram que ela está em segurança na

Ruchika e lhe mostram o local. Cerca de 15 meninas de diferentes idades dividem dois cômodos e uma peque-na varanda. As meninas estão ali por motivos varia-dos. Algumas são filhas de mulheres prostitutas, que pediram à Ruchika para cui-dar de suas filhas. Outras fugiram de casa, foram

abandonadas pelos pais ou salvas do trabalho escravo, exatamente como Swopna. Do outro lado da casa, fica o lar dos meninos da Ruchika. E, na frente, há um campo gramado onde todas as crianças podem brincar e praticar esportes.

A casa também sedia o escritório da Ruchika, onde Inderjit Khurana trabalha. As meninas do lar contam que a chamam de ”mãe”, pois ela é como uma mãe para todos ali.

Swopna conta o que houve a Inderjit.

– Você pode ficar aqui se quiser, e ir à escola, diz Inderjit.

A Ruchika discute o caso de Swopna com a polícia e com a mulher que batia em Swopna. Primeiro, a mulher diz ser tudo mentira. Porém, no final ela se desculpa e paga uma quantia em dinheiro que será usada na

educação de Swopna. Para a Ruchika, não adianta levar o caso ao tribunal. Isso poderia levar muitos anos.

Swopna está feliz por poder ir à escola, todavia não está totalmente satisfeita.

– Na verdade, acho que aqueles que me mantiveram presa como escrava deve-riam ter prisão perpétua.

Swopna pensa em ser poli-cial, mas uma policial boa e justa, que protege as crianças.

– Penso em cuidar para que nenhuma criança precise tra-balhar e sofrer como eu.

Beleza em hennaDurante o festival do balan-ço, as pessoas tatuam as mãos e pés com henna. Um garoto que morava no lar infantil se tornou um tatua-dor de henna profissional. Agora ele vem ao lar infantil para embelezar as meninas antes da festa.

Swopna ganha uma tatua-gem de henna na mão.

Para que a tatuagem de henna dure mais tempo, as pessoas usam limão e óleo de coco sobre a mesma. Depois de seca, a pasta de henna é removida.

Belos pés vermelhos!

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Swopna

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Olhe! Nossas mãos estão prontas.”

As crianças do lar infantil montam balanços.

Mais balanços!

celebra o festival do balançoEm junho, quando o período das monções se aproxima, as meninas de Orissa celebram o festi-val do balanço. Essa é a primeira vez que Swopna tem a chance de brincar nos balanços.

Élegal celebrar com todos os amigos do lar infantil, diz ela. Nós ajudamos a pen-

durar os balanços no jardim e enfeitamos as cordas com flores. Balançamos o mais alto possível, dançamos e cantamos. Os meninos tam-bém! Pintamos o rosto e fazemos tatuagens de henna nas mãos e nos pés.

O festival do balanço exis-te para que as meninas pos-sam se divertir e brincar, pelo menos durante alguns dias. No decorrer do ano, são elas que fazem o traba-lho mais pesado, tanto em

casa como no campo. Durante o festival, todas as meninas devem ganhar rou-pas novas e pelo menos três dias de férias. Todavia, durante os seis anos em que trabalhou como escrava, Swopna nunca teve folga e nem roupas novas para ves-tir ao balançar. As roupas que as crianças do lar infan-til ganham não são total-mente novas. São roupas usadas que os ricos doam à Ruchika quando ficam pequenas para seus filhos.

– Mas, para nós, elas são como novas, diz Swopna.

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Rama, 12

O festival do balanço de Orissa, chamado Raja, tem a ver com a vida e a fertilidade, e é uma forma de dar as boas vindas às fortes chuvas do período das monções e à estação agrícola. Durante três dias, a mãe Terra não precisa trabalhar. Por isso, as meninas e jovens também têm folga do trabalho no cul-tivo da terra. Grandes balan-ços são pendurados em todos os lugares para as meninas brincarem.

Segundo a tradição, durante o festival, as meni-

nas não podem andar com os pés descalços, cavar a terra, colher algo ou cozi-nhar. Porém, a maioria não se importa mais com estes costumes antigos. Principalmente nas cidades grandes, onde o festival do balanço atualmente tem mais a ver com fazer festa, comer bem e trocar presentes.

Após o festival, todos os balanços são recolhidos. Quando o período chuvoso começa, não há tempo para brincadeiras, só para traba-lho duro.

Por que o festival do balanço é celebrado?

A mais refi nada comida Raja é servida em uma grande folha de bananeira. Outra especialidade durante o festival é Podha pita, que signifi ca bolo queimado. Ele é feito com farinha de arroz e coco. Quando

parentes e amigos trocam visitas durante o festival, geralmente levam “bolo queimado”

de presente.

Comida na folha de banana

Gosta de: Brincar. Desenhar.Não gosta de: Quando não tenho dinheiro para comer.Fica triste: Quando minha mãe bebe demais.Ama: Minha mãe.Admira: ”Mãe”, (Inderjit Khurana)Sonho: Viajar para outro país.Quer ser: Professora.

Roupas de trabalho

Para as mulheres e meninas indianas é muito importante ter braceletes.

– Senão nos sentimos como se estivéssemos nuas, diz Rama.

Quem tem condições, tem muitos braceletes, porém Rama só tinha dinheiro para comprar dois.

– Foi difícil escolher, mas no fi nal achei que esses aqui eram os mais bonitos.

– Essas são minhas roupas de trabalho. Quando você mendiga, deve usar as rou-pas mais sujas e rasgadas. Assim as pes-soas lhe dão mais. Agora parei de mendi-gar e passei a recolher garrafas plásticas.

Isso rende um pouco mais e parece melhor. Todos me perguntavam: ”Por que você está mendigando?”. Um dia, encontrei um monte de garrafas que consegui vender. Então decidi trocar de trabalho.

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Guarda-roupa de Rama

Rama freqüenta a escola de plata-forma, mas mui-tas vezes acha difícil se concen-trar.

Rama, 12, não veste suas melhores roupas quando corre para a estação pela manhã. As crianças logo fi cam sujas e empoeiradas na plataforma, portanto não faz nenhum sentido se arrumarem.

Rama mora com a mãe e duas irmãs mais novas em uma pequena barraca

perto do trilho do trem.– Meu pai morreu e minha

mãe tem uma grave doença pulmonar. Ela é muito frá-gil, diz Rama. Por isso, sou eu que trabalho mais. Também recebemos um pouco de dinheiro e alimen-tos da Ruchika todo mês.

Rama tem três irmãs mais velhas, mas elas se muda-ram. Por isso, ela tem que cuidar da casa e tomar conta das irmãs menores.

– Estou sempre preo-cupada, porque mora-

mos muito perto da esta-ção. Imagine se uma das minhas irmãs cai na fren-te de um trem? Eu as levo para a escola de platafor-ma todos os dias. Quero que elas tenham uma vida melhor que a minha.

Rama começou a men-digar quando tinha cin-co anos. Antes de sua mãe fi car doente, ela tra-balhava batendo de por-

ta em porta trocando arti-

gos de metal, como panelas, por roupas usadas.

– Esse é o trabalho de nos-sa família, explica Rama. Minha mãe consertava as roupas e as vendia.

– Nunca compro roupas para mim, mas às vezes eco-nomizo e compro um sari usado para minha mãe. Quando meu pai era vivo, ele costumava sair com ela para comprar roupas. Agora ela está tão doente que nem mesmo consegue sair para fazer compras.

– Os professores e Inderjit Khurana às vezes tentam convencer Rama a se mudar para o lar infantil. Eles acham que sua vida na esta-ção é dura demais. Entretanto, Rama não quer deixar a mãe sozinha.

– Meu sonho é estudar, conseguir um emprego de verdade e poder comprar uma casa melhor para minha família. Porém é difí-cil planejar o futuro. Primeiro, eu tenho que pen-sar num modo de conseguir dinheiro para a próxima refeição.

Rama sempre anda de pés descalços, como outras crianças da estação.

– Antes eu tinha um par de sandálias, mas dei para minha mãe.

Curta demais– Essa aqui eu ganhei da Ruchika no festival do balan-ço. Muitos me disse-ram que é muito boni-ta, mas eu acho que é muito curta. Mostra

as pernas, e eu não gosto disso. A

roupa dos meus sonhos é azul com enfeites pérola.

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Sanjukta

Sanjukta, 12

Quando Sanjukta foi eleita ”presidente” do parlamento infantil da escola, ela não contou nada em casa. A mãe só quer que ela saia da escola e comece a trabalhar.

Os pais de Sanjukta tra-balham em diferentes construções. Eles

cavam, carregam tijolos e misturam cimento sete dias por semana. Há três anos, a mãe de Sanjukta implica com ela e diz que ela deveria ir com eles.

– Saia da escola e comece a ganhar dinheiro para a família, grita a mãe. Sanjukta se recusa e, de vez em quando, a mãe fi ca tão brava que bate nela. Isso é injusto.

– Meus irmãos têm per-missão para ir à escola!

– É diferente para os meni-nos, diz a mãe. Ela própria não sabe nem ler e nem escrever. A professora de Sanjukta tentou argumentar com ela.

– Você não quer que sua fi lha aprenda mais e tenha melhores oportunidades na

vida do que você? Porém, a mãe é teimosa,

ela acha que educação para meninas é um desperdício. O pai sabe ler e escrever um pouco e não tem nada contra o fato dela freqüentar a esco-la. Entretanto, ele não se envolve na discussão.

Acorda às quatro da manhãComo Sanjukta é a única menina da família, ela tem que cuidar de todos os afa-zeres domésticos enquanto os pais trabalham. Ela lim-pa, lava roupa, busca água, cozinha e toma conta dos irmãos menores. Seus quatro irmãos nunca ajudam.

– Isso é coisa de menina, dizem eles, e os pais concor-dam.

Às quatro da manhã, Sanjukta levanta e busca água. A Ruchika construiu bombas na favela para que

se recusaa deixar a escola

Gosta de: Escola.Quer ser: Professora.Admira: Minha professora e ”Mãe” (Inderjit Khurana)Música: Canções religiosas. Canções escolares. Livros: Mitos e estórias de Orissa. Deus preferido: Lord Jagannath.

A caminho de casa com o irmão menor

as crianças não adoeçam devido à água suja. Sanjukta vê meninas e mulheres vindo de todas as direções com baldes e panelas.

Quando volta, Sanjukta acende o fogo para a mãe fazer o café da manhã. Depois, ela limpa o chão e o jardim enquanto os irmãos e o pai começam a despertar para a vida.

Sanjukta tem uma imagem do deus hindu Lord Jagannath, o Deus mais importante de Orissa, em volta do pescoço.

…limpar a casa por dentro e o jardim …

…lavar a louça…

Antes de começar a fazer o dever de casa, ela tem que …

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O parlamento infantil usa roupas e bonés brancos na hora da reunião.

Presidente da escolaSanjukta apressa os irmãos. Ela sempre quer chegar à escola antes dos professores e cuidar para que a classe esteja limpa e todos mate-riais e o giz estejam no lugar. Talvez tenha sido

exatamente esse senso de ordem e responsabilidade que fez os colegas elegerem Sanjukta como sua líder.

Muitas das escolas da Ruchika nas favelas têm um parlamento infantil. Quando Sanjukta se candi-

datou na eleição para ”pre-sidente da escola” seus ami-gos fizeram campanha elei-toral com cartazes e reuni-ões eleitorais.

Quando venceu as elei-ções, Sanjukta fez um dis-curso.

– Farei o melhor para aju-dar todos vocês e certificar que aquilo que é necessário seja feito!

Ser presidente da escola também significa que Sanjukta participa das reu-niões com o grande parla-

Finalmente, a hora do dever de casa!… e lavar roupa ……lavar a louça…

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mento infantil da Ruchika. Ali, se reúnem os presidentes infantis de todas as escolas das favelas da vizinhança para discutir questões sobre educação e os direitos da criança. Todas as crianças podem vir, ouvir e fazer per-guntas nas reuniões, promo-vidas duas vezes por semes-tre. Sanjukta é líder da opo-sição.

– Eu faço perguntas e con-testo as decisões, conta ela para os colegas de classe. Se alguma questão importante for esquecida, é minha tare-fa lembrar os ministros!

Quer ser professoraOs professores das escolas das favelas usam jogos, música, dança e teatro de marionetes para que as crianças se divirtam ao aprender coisas novas.

Sanjukta adora a escola. Seu sonho é conseguir uma bol-sa e poder continuar os estu-dos na universidade.

– Se eu tiver uma boa edu-cação, posso ser professora e ter um bom salário. Daí tal-vez minha mãe entenda a importância da educação.

Na favela raramente há toaletes. As pessoas são obrigadas a fazer suas necessidades em qualquer lugar, o que espalha doenças. É mais difícil e menos aceitável que as garotas usem o banheiro do lado de fora. Essa é outra razão pela qual muitas meninas desistem de freqüentar a escola. Por isso, a Ruchika construiu toaletes para crianças ao lado de suas escolas nas favelas. As paredes são decoradas com belas imagens e rimas divertidas.

Toaletes para crianças!

• Arrumaria os esgotos.• Construiria toaletes e bombas

d’água sufi cientes para todos.• Garantiria que todas as crianças

pudessem ir à escola e deixas-sem de trabalhar

• Instalaria ventiladores nas salas de aula, pois no verão é quente demais.

Se Sanjukta fosse ministra em Orissa ela:

A escola dos pobresSanjukta estuda em uma das muitas escolas sediadas em favela e administradas por Inderjit Khurana e a Ruchika. As escolas são construídas em colaboração com os moradores da favela, em áreas onde as crianças não têm acesso à edu-cação. Como os próprios habitantes participam, constroem e pagam pelo edifício escolar, ela realmente se torna uma escola própria, acredita Inderjit.

Novos mundosInderjit também administra

escolas para crianças de famílias mais ricas. Algumas crianças do lar infantil Ruchika também freqüentam estas escolas. A economia indiana cresce rápido, da população total de mais de um bilhão de pessoas, cerca de 300 milhões pertencem à classe média.

Os alunos do Ensino Médio de Inderjit visitam as escolas da Ruchika situadas na favela e conhecem as crianças e jovens dali.

– Alguns não conseguem autorização dos pais para fazê-lo, conta Ananya Nayak. Eles têm medo da favela e acham que é perigoso e que as pessoas fi cam doentes se

forem lá. Porém, meus pais acharam que era bom. Eu participei de um projeto onde conheci meninas que

são obrigadas a trabalhar. Elas me ensinaram muito e o projeto abriu um mundo totalmente novo para mim.

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SumanQuando Suman Ganta era pequeno, o chamavam de Cchota. Signifi ca ”perna torta”. Suman nasceu com uma perna e pé tortos e só conseguia andar na ponta dos pés e com o apoio de uma bengala de bambu.

Minha mãe morreu e meu pai me obrigou a sair da escola

quando eu tinha dez anos, conta Suman. Ele me man-dou trabalhar em uma cons-trução para conseguir dinheiro para comprar bebi-das. Eu recebia apenas meta-de do valor do salário dos outros, pois não conseguia andar tão rápido quanto eles. Eu sentia falta da esco-la, mas se não fosse para a construção, apanhava do meu pai.

Suman sonhava em fugir de casa, mas nunca havia saído de seu vilarejo natal.

– Há um lar infantil onde podem lhe ajudar a freqüen-tar a escola, disse um homem a ele, um dia.

Suman foi com o homem

consegue uma perna reta

Doce música da favela Jashoda continua moran-

do na favela com sua famí-lia. Ela é a única da região que teve a chance de fre-qüentar a faculdade de músi-ca de Orissa. Ela fi cou super feliz quando soube que havia passado nos difíceis testes e sido aceita.

– “Sem Mãe Inderjit, eu nunca teria conseguido estar aonde estou hoje. Eu admiro a ela e a minha própria mãe, que é a melhor mãe do mun-do. Ela estimulou minhas três irmãs e eu a estudar,

apesar dos meus irmãos acharem desnecessário”. Eles diziam: “Casem-se e tenham fi lhos”. Mas não damos ouvidos!

O sonho de Jashoda é ser professora na escola de música.

– “Quando eu estiver com a minha vida resolvida, tam-bém quero ajudar as crian-ças da favela”.

Eu cresci na favela e freqüentei a escola de Inderjit. Um dia, um

famoso fl autista passava por ali e nos ouviu cantar. Ele ofereceu à escola a oportuni-dade de enviar três alunos para ter aulas de música com ele. Eu fui escolhida”.

Nas favelas e áreas rurais da Índia há muitas crianças defi cientes, que nunca obtém a ajuda necessária. Muitas crianças desen-volvem problemas de visão ou audição ou têm outras lesões, porque os pais não têm condições de pagar vacinas ou medicamentos contra infecções. Inderjit e a Ruchika dirigem um programa específi co para ajudar crianças defi cientes. Eles ensinam aos pais como cuidar de seus fi lhos doentes, para que estes não adquiram lesões permanentes. Parte das crianças têm lesões congênitas que podem ser operadas. O hospital local e os médicos aju-dam a Ruchika e oferecem tratamento médico gratuito para ajudar as crianças.

Às vezes, os antigos alunos de Inderjit vêm visi-tá-la. Uma delas é Jashoda, 17, que traz sua fl auta e toca para as crianças do lar infantil.

para Bhubaneswar e conse-guiu uma vaga no lar infan-til da Ruchika. Lá ele tam-bém ganhou um novo nome, Suman, que signifi ca ”fl ores-cer” e ”pessoa de bom cora-ção”.

– Agora freqüento a escola e tenho muitos amigos no lar infantil. Mas o melhor de

tudo foi que consegui operar minha perna. Logo, poderei correr e praticar esportes, como outras crianças.

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