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JUL/DEZ 2008 19 Política de interiorização do turismo: revisão federativa na proposta de região bipolar Internalization tourism policy: federative review the draft bipolar region Políticas de interiorización del turismo: revisión federativa en la proposición de región bipolar Politique de l’ intérieurization du tourisme: examen federale en region bipolar Christian Dennys Monteiro de Oliveira * * Doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo – USP, docente do Departamento de Geogra- fia da Universidade Federal do Ceará – UFC e dos Programas de Pós-Graduação em Geografia e Avalia- ção de Políticas Públicas da UFC. [email protected] ARTIGOS INÉDITOS Resumo: O trabalho desenvolve uma refle- xão a respeito das relações entre as predo- minantes políticas de turismo e os entraves territoriais para o equilíbrio regional. O estu- do constata a grande dependência dos mu- nicípios e estados que apostaram no turismo como um caminho de desenvolvimento local e regional. Em um primeiro momento, lança um questionamento sobre os problemas do desequilíbrio regional favorecidos pela fragi- lidade da Federação brasileira. Os exemplos privilegiados pelo trabalho encontram-se na permanência de problemas nordestinos e amazônicos como resultado das armadilhas da natureza. A mesma natureza que se trans- forma em alvo de planejamento turístico con- servador, isto é, aquele que não contribui para a interiorização do desenvolvimento. A proposta do trabalho é apontar um novo agru- pamento regional (região bipolar) com base na interação de metrópoles regionais, que promoveriam a gestão regional por intermé- dio do turismo emissivo. Palavras-chave: turismo; Federação; de- senvolvimento interior; região bipolar. Abstract: The work is a reflection about the relations between the prevailing policies on tourism and territorial barriers to regional balance. The study notes the great dependence of municipalities and states that betting in tourism as a way for local and regional development. In first moment, launching a question about the problems of regional imbalance helped by the weakness of the Brazilian Federation. The examples given for the work are in the permanence of problems Northeast and Amazonia as a result of the traps of nature. The same kind that becomes target of conservative trip planning, that is, one that does not help the internali- zation of development. The proposed work is pointing a new regional grouping (bipolar region) based on the interaction of regional cities, which promote regional management through issue tourism. Keywords: tourism; Federation; interior development; bipolar region.

Política de interiorização do turismo: revisão ...§ões/8d/christianDennys.pdf · mesa de negociações para solicitar auxílio por ... taca-se a reordenação do Plano Nacional

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JUL/DEZ 2008 19

Política de interiorização do turismo: revisão federativa naproposta de região bipolar

Internalization tourism policy: federative review the draftbipolar region

Políticas de interiorización del turismo: revisión federativa enla proposición de región bipolar

Politique de l’ intérieurization du tourisme: examen federaleen region bipolar

Christian Dennys Monteiro de Oliveira*

* Doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo – USP, docente do Departamento de Geogra-fia da Universidade Federal do Ceará – UFC e dos Programas de Pós-Graduação em Geografia e Avalia-ção de Políticas Públicas da UFC. [email protected]

ARTIGOS INÉDITOS

Resumo: O trabalho desenvolve uma refle-xão a respeito das relações entre as predo-minantes políticas de turismo e os entravesterritoriais para o equilíbrio regional. O estu-do constata a grande dependência dos mu-nicípios e estados que apostaram no turismocomo um caminho de desenvolvimento locale regional. Em um primeiro momento, lançaum questionamento sobre os problemas dodesequilíbrio regional favorecidos pela fragi-lidade da Federação brasileira. Os exemplosprivilegiados pelo trabalho encontram-se napermanência de problemas nordestinos eamazônicos como resultado das armadilhasda natureza. A mesma natureza que se trans-forma em alvo de planejamento turístico con-servador, isto é, aquele que não contribuipara a interiorização do desenvolvimento. Aproposta do trabalho é apontar um novo agru-pamento regional (região bipolar) com basena interação de metrópoles regionais, quepromoveriam a gestão regional por intermé-dio do turismo emissivo.

Palavras-chave: turismo; Federação; de-senvolvimento interior; região bipolar.

Abstract: The work is a reflection about therelations between the prevailing policies ontourism and territorial barriers to regionalbalance. The study notes the greatdependence of municipalities and states thatbetting in tourism as a way for local andregional development. In first moment,launching a question about the problems ofregional imbalance helped by the weaknessof the Brazilian Federation. The examplesgiven for the work are in the permanence ofproblems Northeast and Amazonia as a resultof the traps of nature. The same kind thatbecomes target of conservative trip planning,that is, one that does not help the internali-zation of development. The proposed workis pointing a new regional grouping (bipolarregion) based on the interaction of regionalcities, which promote regional managementthrough issue tourism.

Keywords: tourism; Federation; interiordevelopment; bipolar region.

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Introdução

ARTIGOS INÉDITOS

A gestão doturismo, no Bra-sil, substancia

uma recusa deliberada de sua condição depolítica pública. Tal gestão compõe o grupode atividades consideradas “importantes”, quenunca podem ser tomadas como prioridade –pela simples razão de se considerar estraté-gico, nas escalas regionais e locais, apenas oque se traduz como autonomia; e nunca oque fortalece o intercâmbio. Enfrentar a in-genuidade desta visão é o foco principal des-te estudo. É possível interiorizar o turismobrasileiro diante desta pulverização ilimitadade municípios? Há consideráveis razões parainiciar essa discussão pela fragilidade socio-territorial das municipalidades. A primeira de-las corresponde à transformação do discur-so, a respeito do desenvolvimento local1, emfortalecimento de um processo de regiona-lização mais descentralizado. Algo que no Brasilsirva para operar uma diferença entre açõesda Federação e da União.

A pauta social de desenvolvimento dos mu-nicípios brasileiros encontra-se travada porprocessos cada vez mais impraticáveis, postoque subordinados a um movimento de capta-ção direta dos recursos da União, ignorandoos interesses federativos. Mesmo assim, oslegislativos de cada unidade da Federação,bem como o próprio Congresso Nacional, vêem-se recheados de projetos de leis defensoresda frenética bandeira da autonomia de distri-tos em novos municípios. Uma observaçãodos orçamentos das prefeituras em questãodemonstra a defasagem das propostas parauma avaliação do impacto desta emancipa-ção. Reportagens dos jornais de circulaçãonacional atestam tal entrave municipalista,dando esteio à discussão das reformas finan-ceira e tributária. Até onde nenhuma calami-dade territorial relevante amplia o rombo dadívida pública local, constata-se a insuficiên-cia de mecanismos técnicos e financeiros parao encaminhamento dos projetos.

Se, de um lado, alguns municípios, indus-trializados ou aquecidos pelo agronegócio,demonstram essa capacidade de autonomiapróspera, de outro, a luta pela emancipaçãodistrital não passa de uma briga de interes-ses de famílias tradicionais. Prova maior dissoestá no progressivo aumento do percentualde municípios que refinanciaram suas dívidas,

nos último 20 anos de vigência da nova cartaconstitucional. E essa máxima não se res-tringe às localidades com menor arrecadaçãotributária ou reduzida urbanização. As limita-ções orçamentárias fixam uma espécie depadrão organizacional da municipalidade bra-sileira, traduzindo, nas cinco regiões do país,a mais evidente falácia da descentralizaçãoadministrativa do território: aquela situaçãoexplosiva da política de emancipações que sófaz esconder a lógica das dependências.

Pode-se considerar a intensidade dramáti-ca deste processo quando o quadro de refe-rência são os municípios dos nove estadosdo Nordeste. Em geral, os processos de eman-cipação surgem atrelados a uma expectativavaga e ingênua de aproximação política entreos centros de decisão (entendidos como “po-deres locais do Estado”) e a comunidade en-volvida (que se torna alvo fácil deste jogo).No Ceará, por exemplo, em um território com-posto por 184 municípios, a Assembleia Legis-lativa do estado registrava, no ano de 2007,52 projetos de formação de novos municípi-os. Pouco, se considerarmos a legitimidadeiluminista do direito à “autodeterminação” dospovos, na escala local. Muito, ou melhor, umaexorbitância representativa das fragilidadesfederativas, se a ideia de autodeterminaçãofor atrelada a um contexto indiscutível deinterdependência. A crítica que se faz ao cus-to burocrático da instalação de novos muni-cípios nunca foi suficiente para frear o dese-jo emancipatório das lideranças políticas –talvez devido à sutileza da trama de correla-ções (formais e informais) entre burocracia emercantilismo.

Em contraposição à legitimidade dessesprojetos, fenômenos sazonais e fatos políti-cos correlatos delimitam a subserviência lo-cal. De um lado, pode-se indagar por que ra-zão a quase totalidade desses 184 municípios,em outubro de 2007, em estado de emergên-cia por ocasião do prolongado período de es-tiagem, ainda usava sua “autodetermina-ção” para barganhar migalhas do governo fe-deral. E, por extensão, que razão leva 31 des-ses mesmos municípios, em abril de 2008, àmesa de negociações para solicitar auxílio por240 mil desabrigados no estado, vítimas dasinundações da quadra chuvosa no “inverno”nordestino! O balanço final deste processode “auxílio federativo” corresponde à reedição

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da dependência regional. O mesmo que põeem xeque tanto as grandes estratégias dedesenvolvimento territorial quanto a viabili-dades das políticas públicas locais.

Entre as políticas que demarcam as estra-tégias de flexibilização dos investimentos daUnião, nos diversos estados brasileiros, des-taca-se a reordenação do Plano Nacional deTurismo (PNT) e do Programas de Regiona-lização Roteiros do Brasil, escala intermunicipal(Brasil, 2008). A compreensão de que as la-cunas do PNMT (Programa Nacional de Muni-cipalização do Turismo – 1996-2002), do go-verno anterior, só poderiam ser superadas emfunção das parcerias regionais passou a co-mandar o rumo dos investimentos (financia-mentos, apoio técnico etc.). Esta perspecti-va ampliou a evidência de mais uma desarti-culação entre as políticas territoriais do país.Se o fortalecimento do turismo interno re-quer a interdependência das localidades, porque inexistem, nos legislativos estaduais, pro-jetos institucionais de fusão municipal? Mes-mo a consolidação das microrregiões admi-nistrativas, facilitadoras em tese das parce-rias locais, em nada promove esse processo.Mas por que razão?

O objetivo de colocar em debate a frágilpolítica de desmembramento territorial dosmunicípios brasileiros encontra respaldo emum aparente discurso centralizador. As lide-ranças locais (leiam-se “familiares”) rein-ventam o protesto contra o governo federal,estadual, ou mesmo contra o empresariado.O lutemos pela autonomia do nosso lugar! éo típico discurso dessas lideranças quandopercebem vantagens políticas imediatas nes-ta autonomia. Entre 1989 (primeiro ano devigência da atual constituição) e o início dadécada de 20002, 1.450 municípios foram im-plantados no país, aumentando para 5.560 onúmero total de unidades territoriais entre os26 estados da Federação. Afora as capitais eas cerca de 500 cidades com mais de 40 milhabitantes, a grande maioria desses novosterritórios cuidou apenas de engordar a imensafila das Prefeituras cuja “autonomia” éexercida pelo poder de pedir verbas aos go-vernos centrais (sejam estadual ou federal).

Partindo da impossibilidade do planejamentoturístico (per se) servir como vetor para odesenvolvimento local (Rodrigues, 1997), aideia deste ensaio é reunir uma série de re-

flexões que reivindiquem e articulem outropadrão de condução das políticas públicasterritoriais – um padrão de incentivo diretoao exercício permanente de intercâmbios co-letivos, envolvendo instituições (governamen-tais, mercantis e comunitárias) na constru-ção de uma base não-turística, decisiva eindispensável ao planejamento turístico, baseesta ignorada até mesmo nos dados e relató-rios da Organização Mundial do Turismo (WTO),quando se referem ao êxito dos receptivosturísticos em países do Primeiro Mundo, comoFrança, Canadá ou Austrália. Ao optarmos poruma leitura relacionada a outros relatórios arespeito de desenvolvimento agrícola, indus-trial ou urbano, percebemos a verdadeira sus-tentação deste êxito: a interiorização técni-co-informacional das redes metropolitanas.

Em outras palavras, o que se quer é argu-mentar que o fortalecimento da qualidade dosserviços públicos e da eficiência dos siste-mas técnicos, nas áreas urbanas e rurais,estimula mais a dinâmica cultural e econômi-ca do turismo – e, consequentemente, de-senvolvimento local – do que a aplicação devolumosos investimentos no próprio setor.Assim, seguindo os postulados de um pensa-mento complexo a respeito dos desafios daspolíticas públicas de turismo, em sua incom-patibilidade com outras políticas sociais, far-se-á aqui uma série de proposições susten-tando o planejamento turístico-territorial comoum processo de inversão estratégica de prio-ridades. Trata-se de uma aposta na produ-ção de políticas públicas com turismo (e nãode turismo), fundamentando-a na frágil pro-blemática federativa. Neste processo, a ga-rantia do desenvolvimento local regional doterritório passa, necessariamente, pela valo-rização social dos espaços não-turísticos. Adesfragmentação das localidades em políti-cas inter-regionais ascendentes (do local parao nacional e não o contrário, utilizadocostumeiramente) é condição sine qua nonpara a disseminação dessa estratégia.

As localidades interioranas e a

“invasão do turismo”

A visão de que grande parte dos litoraisbrasileiros e seus “quase infinitos” sertões são

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formados de distantes cidades-povoados,marcadas pela simplicidade bucólica faz-seostensiva nas representações artísticas eacadêmicas. É uma visão solidificada pelo his-tórico papel da conquista colonial e, parado-xalmente, pela manutenção do equilíbrio coma dadivosa natureza tropical de entorno. Sóas grandes cidades – particulares exceçõesregionais de suas funções capitais – quebra-riam este bucolismo. Seja por modernizaçõesimportadas do estrangeiro seletivo (EstadosUnidos, Europa Ocidental e alguns poucospaíses asiáticos), seja pela desequilibradanecessidade de agigantar os limites de umanatureza tropical. Em suma, a urbanidade bra-sileira comporta uma cidadania e um regimepaisagístico de exceção. O grande paísagroexportador da América do Sul foi demar-cado na lógica da fazenda, do latifúndio rela-tivamente produtivo. E, nas fazendas, cida-des, quando existem, precisam pedir licençaaos donos para continuar persistindo!

A turistificação dos lugares pode, numa in-subordinação generalizada à lógica territorial,representar um atentado ou uma revelaçãodiante dessa trama. Atentado quando entraem choque com a perspectiva de desenvolvermantendo as estruturas de poder local/regio-nal. E revelação, mediante o fato de que essedesenvolvimento conservado, amiúde, não ésustentável. A necessidade de manter os limi-tes hegemônicos de uma cidadania local (for-jada na retórica da autonomia da comunida-de) facilitou o processo de abertura política eo fechamento econômico das últimas décadas- determinando assim um papel mais seguropara os investimentos turísticos em escalanacional. No período em que muitos estudio-sos ponderavam a eminência de uma primeirapolítica pública consistente para o turismo, noBrasil3, pôde-se observar a manutenção deuma perversa reprodução histórica (Silveira,2001). A égide do processo segue a tônicacentralizadora e atinge as localidades em umacompetição intrinsecamente desigual. Algunslugares de alguns estados são interessantespara a política de turismo, merecendo a aten-ção maior ou menor do Estado. É o caso dos1.400 municípios, “incluídos” até 2002, no Pro-grama de Municipalização. Ou mesmo das 219regiões-roteiro previstas pelo atual Programade Regionalização do governo federal.

O estado do Ceará, como um polo esta-

dual privilegiado das experiências emergen-tes de política pública no setor, permaneceem 2008 reconhecendo efetividades turísti-cas em cerca de 15% de seus 184 municípios.Isso significa dizer – e confirmar aos gestorespúblicos, empresários e comunidades locais –que a política de turismo, em mais de 150municípios do estado, é uma “política do es-trangeiro”. Simplesmente não nos pertence!É fundamental observar que o processo deturistização territorial do país, por estas vias,estabelece um apartheid efetivo no interiordos planos de desenvolvimento regional. En-quanto segurança pública, saúde, habitação,educação, comércio e serviços, e meio am-biente, forjam questões de interesse comuma todos os governos municipais e estaduais,a política de turismo se dá ao luxo de imitarimaginário do turista ideal; aquele que corres-ponde à prometida geração de emprego e ren-da, economicamente computável. Nasce ecresce como uma política de atrativos turís-ticos. Tudo a pensar, a fazer e a comemorarrestringe-se à capacidade orgânica de darsustentabilidade ao lugar fixado como recep-tivo. O que significa dizer que, se determi-nado lugar não tem atrativos fixáveis (plane-jados e competitivos), para que pensar empolítica de turismo que o inclua?

A primeira e mais imediata respostacorresponde à dinâmica do turismo como fe-nômeno e movimento geográfico. Se não hou-ver atrativos, “nós” – os turistificadores con-temporâneos – o criamos. Por exemplo, se noTocantins não há turismo (década de 1980),cria-se uma cidade planejada, Palmas; cria-se um deserto novo, Jalapão; criam-se no-vos roteiros para visitar a maior ilha fluvial domundo, Bananal. Mato Grosso do Sul, Ama-zonas, Paraná, Sergipe e todos os demaisestados do Brasil, superexpostos nas feirasdo setor, consolidam essa “indústria imagéticados lugares”. A pergunta agora se torna pa-radoxal. Produzir imagem geográfica de umatrativo não seria mais democrático do queproduzir o próprio atrativo enquanto recurso?Sim e não. Vejamos como o “pré-desenvolvi-mento” turístico do estado do Ceará nos aju-da a resolver essa indagação, encaminhandoa segunda resposta para a questão anterior.

Na imagem turística do estado imperam aspaisagens litorâneas, de praias pouco ocu-padas, dominadas pelo sol, vento e roman-

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tismo. A cooperação contrastante concen-tra-se na capital, Fortaleza, produzida comocidade festeira e polarizadora dos equipamen-tos e serviços que dão acesso às áreas lito-râneas. Estas, regionalizadas pelas costasLeste e Oeste e segmentadas em 21 territó-rios municipais. Subtraindo-os dos 184 quecompõem o estado, questiona-se: Qual polí-tica estadual de turismo para 163 municípioscearenses? Resposta: Desenvolver uma re-tórica de que nas serras semiúmidas e nossertões semiáridos os atrativos não possuemvocação turística. Afinal, “o que é que o tu-rista (o idealizado) vai fazer nesses lugarestão tórridos?”. Da perspectiva dos territóriosperiféricos – a grande maioria dos estadosbrasileiros –, o planejamento possível do tu-rismo é a compensação por sua fragilidade nadivisão territorial do trabalho. Estados e lo-calidades pobres devem apenas “turistificar”– priorizar suas funções de receptivo turísti-co – as riquezas geográficas de menor valoragregado. Assim, podem competir no preço ena selvageria das mentalidades mercantis,afirmando a expansão do setor e mobilizandoa sociedade para as ilusões de sua gestão.

A reivindicação central do trade turístico,no estado, nunca foi a interiorização do tu-rismo. Muito ao contrário, a aposta é de aden-samento litorâneo do setor. Vide a pautasetorial para construção de um novo Centrode Convenções, Feiras e Eventos definida nogoverno Cid Gomes (2007-2010). Enquantoisso para evidenciar onde e como as cartasdo turismo são jogadas em escalas (nacionale global), apenas para chocar os desequi-líbrios, a cidade de São Paulo divulga, em ja-neiro de 20084, a marca de 90 mil eventos/ano (2007-2008), o que equivaleria a umamédia de um evento a cada seis minutos! Umfluxo turístico incomparável e ao mesmo temposincrônico com o cosmopolitismo da cidade edo estado de São Paulo. Algo que se repete,a muita distância, em outros territórios nacio-nais; mas cria condições para a segunda res-posta ao problema da fixação de atrativos e,por conseguinte, aos limites da interiorização.

A sustentabilidade do turismo está direta-mente associada à formação de uma redeurbana nacional, aceleradamente fluida e den-samente diversificada, tanto em oferta quantoem demanda. Mas isso não é estranho aoplanejamento turístico? Sim, é verdade; é tão

estranho quanto dizer que todo investimentoé gasto também. E só pode gastar, investin-do, quem tiver “sobra”, isto é, reservas oucréditos. O que pode ser traduzido na se-guinte fórmula: quanto mais se oferece o atra-tivo regional de um lugar periférico à turisti-ficação desigual, mais se interioriza o turis-mo (enquanto fluência e demanda, portantocomo investimento seguro) nos territóriosdesenvolvidos. Em outras palavras, a “não-interiorização” do turismo cearense corres-ponde à sustentável interiorização do turis-mo paulista.

Raciocínio semelhante deve ser conside-rado em escala internacional mediante a ideiade que o turismo – por fluidez e demanda – émuito mais interiorizado na Alemanha e Japão(países predominantemente emissores de tu-ristas) do que no Brasil. Para não apelar aoexemplo norte-americano, com seu balançofinanceiro do turismo sempre negativo (maissaídas que chegadas); e um desenvolvimen-to turístico incomparavelmente maior do queem qualquer outro país, frente aos rendimen-tos direto e indireto do setor.

Portanto, é a capacidade permanente decriar e recriar atrativos, aliada à geração efe-tiva de demandas e fluxos (internos especial-mente), que constituem a base da interiori-zação do turismo em uma macrorregião, es-tadual ou interestadual.

Em termos metropolitanos, no entorno deFortaleza, tem-se de um lado a impressão deque, para o turismo, a geografia da metrópo-le ainda não foi inventada. Os planos turísti-cos municipais são exclusivamente internosao receptivo municipal /local. Não dialogamcom a vizinhança, dificultando as açõesintersetoriais descentralizadas (Wetsphal eZiglio, 1999). Por outro lado, o “interior” peri-férico dos bairros e municípios sem litoral re-produz-se de maneira completamente alheiaà articulação turística. Tanto que alguns au-tores críticos do setor vão exagerar, afirmandoque ali sim se encontram o Ceará e a Forta-leza reais. Nesta área, pode-se ainda alegarque a confluência de interesses, no âmbitometropolitano, distancia naturalmente qual-quer capacidade de atração turística.

Outro “drama” aparentemente insolúvel,em escala estadual, é constatar a não-inte-riorização do turismo no próprio territóriodesses municípios litorâneos cearenses. Nes-

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te caso, sem qualquer processo de conur-bação. Os investimentos em infraestruturaturística em localidades como Aracati, SãoGonçalo do Amarante, Itapipoca, entre ou-tros – com suas respectivas cidades-sededistanciadas da faixa litorânea imediata – sim-plesmente desaparecem; não se distribuemem condições de alterar, significativamente,o posicionamento da localidade no rankingdo IDH estadual. Jijoca de Jericoacoara–CE,localidade de maior expressão no marketingregional para o turismo de lazer, sol e praia,continua vivendo uma realidade dependen-te, economicamente frágil e ambientalmentedesprotegida. Apesar da área de proteçãoambiental (APA) e do Parque Nacional, a la-goa de Jijoca extingue-se, tendo sido redu-zida a 20 % de sua capacidade no decorrerde uma década.

No sertão central do estado e vale do rioJaguaribe, inúmeros açudes passam por pro-cesso inverso; mas continuam fora dos ro-teiros turísticos, sem qualquer planejamentointegrado. Em localidades assim, ignoradaspelo planejamento e gestão, é que se podeconstatar a alegada “invasão” do turismo.Nesse território imensamente marcado pelopredomínio de espaços considerados não tu-rísticos, está o alvo de nossa reflexão paraa política de interiorização. Pois é dele queemerge o imaginário turístico propulsor (Gastal,2003). Entretanto, para traçá-la (como severá a seguir) é fundamental repactuar a geo-grafia da Federação, tanto em escala nacio-nal como na forma de articulação da rede demunicípios.

As propostas geográficas de

recomposição do pacto

federativo

Para alguns estudiosos do processo decrise e desequilíbrio territorial da estruturafederativa brasileira, as reformas políticas,tributária e fiscal desencadeariam uma redu-ção progressiva nos “abismos” criados pelaaceleração das desigualdades da ordemneoliberal. Regiões mais desenvolvidas de umpaís periférico, mesmo diante da saturaçãoou estrangulamento dos modelos desen-

volvimentistas, transformam índices inferio-res de crescimento em altos indicadoressocioambientais. Se todo caos urbano, am-biental ou demográfico, alardeado para a rea-lidade dos estados de São Paulo (principal-mente), Minas Gerais e Rio de Janeiro, nestesúltimos 20 anos, estivessem refletidos em índi-ces como PIB ou IDH, estes estados já teriamdeixado de liderar 50% da economia nacionale mais de 70 % de todo o fluxo turístico (in-terno e externo). Fato bastante indicativo deque as políticas de fortalecimento da federa-ção reiteram uma desigualdade estrutural pra-ticamente inalterável.

Na lógica de compensação dessa perma-nência estrutural, surgem e se perpetuam osdiscursos de transferências de riquezas doCentro-Sul para a Amazônia e o Nordeste bra-sileiro. Nesta conduta retórica, o que se ig-nora é o fato dos investimentos indiretos (ma-joritariamente, a fundo perdido) fortaleceremo princípio franciscano do é dando que serecebe. Em outras palavras, pode-se visua-lizar neste pacto federativo provinciano areconstrução permanente de uma “periferianacional” do próprio Centro-Sul; ou, dossubcentros hegemônicos regionais que, nestamacrorregião, comandam os rumos do capi-talismo em escala nacional. Nestes termos,não se pode falar de um efetivo avanço po-lítico econômico dos estados amazônicos enordestinos e muito menos no que concerneao peso vetorial do setor turístico quanto àcapacidade de alterar tais desproporções. Opeso socioeconômico do turismo, nos esta-dos mais ricos, é e continuará sendo superioraos demais, mesmo que nos estados maispobres sua representação proporcional sejarelativamente muito maior. O motivo é sim-ples: a rentabilidade do turismo globalizadocorresponde à lucratividade de gerenciar dis-tâncias.

Pela face institucional, a equidade dasrepresentações no poder Legislativo – igua-lando a representatividade no Senado e li-mitando os extremos proporcionais – não al-tera este modelo de ganho. Quanto mais seconverte investimento externo, público ouprivado, em política de promoção do turismoreceptivo (à revelia de outras políticas es-truturais), mais se compromete à região ouo estado-alvo com as necessidades de de-senvolvimento do território de origem do

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investimento. A equidade legislativa, nessalógica, retroalimenta a legitimação de umprocesso de mão única. Não se pode alterartal subserviência sem reconstruir, de algumaforma, o próprio modelo de Federação con-temporâneo. De um lado, a tendência hege-mônica é fomentada e reproduzida nos inte-resses locais para continuar fragmentandoestados e União; de outro, sua característi-ca básica é acirrar a competitividade terri-torial – como em uma “guerra de lugares” –,a fim de drenar novos recursos no fortaleci-mento do capital transnacional e na anuênciaprogressiva do Estado nacional. Afinal, asdespesas são ascendentes e as receitas es-tão cada vez mais comprometidas com asamarras jurídicas e internacionais.

Marcio Antonio Cataia (2001), professorda UNICAMP, discute essa fragmentação “ar-ticulada do território brasileiro” em sua tesede doutorado intitulada “Território nacional efronteiras internas”. Após uma vasta reflexãosobre a geografia política e econômica dasfronteiras territoriais, foca sua análise no pro-cesso de criação dos novos municípios brasi-leiros, favorecidos pela “autonomia” legislativada Constituição de 1988. A partir desta, osestados da Federação poderiam estabelecerseus próprios critérios de aprovação dasemancipações distritais em novos municípios.O resultado desta “democratização” político-intitucional, conforme o autor, foi o alastra-mento da guerra fiscal entre as localidades,originada no guerrymanderismo que assegu-rou vantagens eleitorais ao governadorElbridge Guerry, de Massachusetts, nos Es-tados Unidos (início do século XIX)5. Daí, ou-tras formas vantajosas de “produzir emanci-pações” são detectadas pelo autor na estra-tégia socioterritorial de fomento às individua-lidades locais. Tais vantagens, na contem-poraneidade, são transferidas aos interessesempresariais, que ampliam a produtividadeglobal da própria fragmentação do território.

Encontram-se assim duas situaçõesquanto à manipulação das fronteiras: a)uma ligada ao poder político institucional:o guerrymander com a criação de novasunidades políticas; b) outra ligada ao po-der econômico: a guerra fiscal e a mu-dança de localidade das empresas à pro-

cura de menores impostos. [...] Mas háainda uma terceira situação que se en-contra no território brasileiro: o podercorporativo (empresarial) fomentando acriação de novos municípios. Essa ter-ceira situação diz respeito a uma alie-nação do território, que acontece quan-do à corporações empresariais incitam acriação de novos municípios (Cataia,2001:174).

A discussão avança para o caráter me-tropolitano dessa “guerra” que ultrapassa onível “fiscal” para reencontrar a lógica dadensidade informacional e comunicacionaldos lugares e, consequentemente, a interde-pendência com a gestão empresarial, emcaráter transnacional. Especialmente na es-cala metropolitana:

A competitividade dos lugares é umatensão reguladora entre os lugares eas empresas. Assim como há de fato,uma competição entre os lugares, nointerior dos lugares há uma competi-ção entre os territórios municipais quecom suas fronteiras recortam o lugar,condicionando suas atividades. Ao mes-mo tempo a possibilidade da competi-ção territorial municipal é dada pelo lu-gar. À medida que se aprofunda a pro-dutividade espacial do lugar, para estaou aquela atividade, também se acir-ram as competições territoriais (idem,op. cit.:217).

A ação predominante do Estado nacionale das unidades federativas, contudo, sãoregradas pelos programas reagentes a esseprocesso hegemônico. Constitui-se, na lógi-ca dos projetos e programas institucionais,a vigência de políticas compensatórias, tan-to nos setores sociais (com a promoção de“estatísticas positivas”) quanto nas frentesde investimento em infraestrutura. Mesmonos projetos de incentivo à territorializaçãodo desenvolvimento turístico, é possível de-tectar a lógica da ação compensadora. Aturistificação dos lugares e sua inegávelseletividade excludente (de públicos-alvo eatrativos locais) canalizam a retórica dasustentabilidade ambiental-econômica coma comprovação – visível e palpável, em uma

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série de localidades – de que o setor traduza mais eficiente saída para a inclusão plane-jada das comunidades periféricas. É impor-tante lembrar o caso do distrito de Rio Quen-te, emancipado de Caldas Novas, na décadapassada, “atendendo” aos interesses estra-tégicos da pousada/resort que leva seunome. Até que ponto esse modelo de de-senvolvimento exige um empreendimento pri-vado para “salvar” cada localidade do os-tracismo público?

Há que se considerar também uma pro-posta de rearticulação política para além dasdemarcações desenvolvimentistas de “regiõesproblemas”. André Martin (1993), em sua tesede doutorado intitulada “As fronteiras inter-nas e a questão regional do Brasil”, recuperatodo um conjunto de processos que engessamas divisões estaduais e regionais do paíscomo marca de um desenvolvimento con-servador. Ou seja, reduz-se no século XX onúmero de regiões, favorecendo-se, emcontrapartida, a fragmentação de estados emunicípios para garantir a subordinação delideranças locais. Enquanto estas se atritam,os poderes centrais da República são reite-rados nas tradições imperiais. Conforme oautor:

O que nos interessa sublinhar de qual-quer modo é a coerência, entre os pro-cessos que levam a diminuição de regi-ões de um lado, e o aumento no númerode estados membros de outro [...] Nes-se sentido, a ideia de “fusão de Esta-dos” pode vir a constituir-se no eixo deum novo pacto federativo, o qual deveser o mais amplo possível, e não ficarapenas circunscrito ao âmbito tributárioe da representação parlamentar das uni-dades [...]. Este exercício de participa-ção popular, redefinindo de baixo paracima o quadro político territorial, podevir a expressar, como ajudar a promover,a redistribuição do poder econômico oqual tem permanecido concentrado noEstado de São Paulo (Martin, 1993:247).

O estudo de Martin, ainda no final do sécu-lo XX, assumia os riscos de uma “sugestãofeita para o debate”, dificilmente implementávelna correlação de forças e interesses, já queconsiderava até o reagrupamento de unida-

des federativas, reduzindo de 26 para 17 onúmero de estados brasileiros: “[...] Um prin-cípio de equipotência estadual /regional, é oque deve presidir esta divisão para que emcada região nenhum Estado adquira primaziaabsoluta” (op. cit.: 248-49).

Não se trata de polemizar com o autorpara buscar uma crítica que sustente ou blo-queie cientificamente a proposta. Até por-que seu fundamento maior está no reconhe-cimento de que as territorialidades regionaisnão podem submeter-se à lógica político-mercantil da proliferação das fronteiras. Masé pertinente, sim, questionar qual condiçãode participação das sociedades regionais,neste processo, mediante o princípio histó-rico “norteador” das anexações geográficas,não corresponde ao cotidiano geográfico damaioria delas. Em outras palavras, paraibanos,alagoanos e potiguares de hoje não descen-dem rigorosamente dos “pernambucanos” deontem – muito embora sejam cotidianamen-te “polarizados” pelo desenvolvimento daGrande Recife atual.

E, se a tônica da polaridade urbana de-senvolvimento econômico fosse utilizadacomo premissa para o reordenamento regio-nal, não precisaríamos combater fragmenta-ções territoriais com anexações “agressivase conservadoras”. Bastaria observar os pro-cessos migratórios, do capital e dos cida-dãos, e aperfeiçoar sua lógica na perspecti-va da vivência turística. O que significa in-vestir na exterioridade do lazer/prazer paragarantir a reprodução qualificada dos espa-ços interiores. Isso dispensa o desgaste sau-dosista de uma anexação, mediante a com-posição de estratégias regionais capazes de:

a) facilitar o intercâmbio de pessoas emercadorias entre estados vizinhos;

b) fortalecer a capacidade de enfren-tamento dos problemas socioam-bientais, sem necessariamente recor-rer à cômoda intervenção da União;

c) gerir políticas de interiorização do de-senvolvimento agrário e urbano, deforma multissetorial; e

d) compor uma parceria metropolitana,interestadual, a fim de descentralizarresponsabilidades das capitais admi-nistrativas.

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Se considerarmos que as regionalizaçõesherdadas do planejamento estatal republi-cano foram instituídas no Estado Novo (1937-1945) e no regime militar (1964-1985), pre-dominantemente, constataríamos a ausên-cia sintomática de propostas capazes deredimensionar a questão federativa nas gran-des metas da contemporaneidade: justiçasocial, conservação ecológica e crescimen-to econômico. A demarcação territorial dascinco regiões do IBGE – atualizadas em 1969–, além de ignorar a dinâmica do desenvolvi-mento com o turismo, aposta na última metaem detrimento das duas anteriores.

Desta feita, a recomposição das unidadesfederativas seria fomentada a partir de umaaproximação regional polarizada na parceriaadministrava das áreas metropolitanas; por-tanto, bipolarizada. O quadro a seguir de-monstra a representação populacional e eco-nômica do novo agrupamento (Figura 1), quediscutiremos a fim de expressar o papel deuma política de interiorização do turismo, comoprioritária e difusora dessa gestão macrore-gional.

FIGURA 1 – DADOS POR REGIÕES DO IBGE COMPARADOS À PROPOSTA DE REGIÃO BIPOLAR

Estados e regiões do IBGE População (2007) PIB – R$ (2005)

SUDESTE – (SE) 77.873.120 1.213.790.703

SUL (S) 26.733.595 356.261.428

CENTRO-OESTE (CO) 13.222.854 190.160.672

NORDESTE(NE) 52.778.033 289.587.882

NORTE (N) 13.379.689 94.438.609

Regiões bipolares Metrópoles-Polo Nova pop. Novo PIB

MEIO-SUL (M-S)

SP Campinas /Santos 39.827.570 727.052.824

CENTRO (C)

MG, RJ R. de Janeiro / B.Horizonte 34.693.881 439.546.965

SUDOESTE (SO)

RS, SC, PR, MS. Curitiba /Porto Alegre 28.998.869 377.903.200

LESTE (L)

PB, PE, AL, SE, BA, ES. Salvador / Recife 37.549.373 250.320.928

MEIO-NORTE (M-N)

PA, AP, MA, TO, PI, CE. Fortaleza /Belém 26.233.213 129.974.864

NOROESTE (NO)

MT, GO, DF, RO, AC, AM, RR. Goiânia /Manaus 16.684.385 222.440.513

Considerando-se, por associação, a dis-tribuição populacional e econômica das uni-dades federativas oficiais, atestou-se odesequilíbrio que favorece uma “esperança”da retórica turística para os estados inter-mediários da tabela – aquela maioria com oPIB percentual entre 6 e 1%. Enquanto qua-tro estados MG, RJ, RS, e SP, detentoresterritoriais de aproximadamente 61% da eco-nomia nacional (e 46,3% da população), ex-perimentam vivência turísticas dominante-mente emissivas e uma interiorização de flu-xos que dispensa a visibilidade ostensiva dosdemais.

O retrato deste processo de desigualda-de agrava-se quando seguimos rigorosamentea regionalização do IBGE. Daí as possibilida-des de contrastá-la frente a um novo agru-pamento centrado na perspectiva mais ino-vadora de estabelecer um controle regionalpor duplicidade dos polos de irradiação, tan-to de gerenciamento regional quanto de tu-ristas.

A constatação imediata na representaçãocomparativa desses agrupamentos pode res-

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tringir-se à simples manipulação de informa-ções quantitativas – o que tornaria a substi-tuição técnica da regionalização do IBGE pelaclassificação dita bipolar algo destituído debases científicas. Em que premissas o agrupa-mento das seis regiões apontadas sustenta-se? No reconhecimento de que certas rivali-dades regionais operadas na escala estadualapenas como “reforço” às tradições provincia-nas devem constituir-se como forças motri-zes na cooperação para o desenvolvimentomacrorregional. Para tanto, a dupla de capi-tais metropolitanas funcionariam como forne-cedoras privilegiadas da dinâmica turística desuas áreas de irradiação. Contudo, fariam issonuma criativa competitividade cooperativa.

A ideia, a julgar pelas figuras, não é elimi-nar as desigualdades, mas corresponsabilizaros centros metropolitanos por sua gestão, apartir uma prática política e turística que nãose restrinja à governabilidade estadual.

O eixo central dessa proposição apontapara o desenvolvimento de uma política dedesenvolvimento com turismo como estra-tégia para encaminhar a ultrapassagem dasterritorialidades regionais “fechadas”, isto é,

FIGURA 2 – PERCENTUAIS POR REGIÕES DO IBGE

FIGURA 3 – PERCENTUAIS POR REGIÕES BIPOLARES

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

SE S CO NE N

IBGE – POPULAÇÃO X PIB

POPULAÇÃO 2007 PIB 2005

REGIONALIZAÇÃO BIPOLAR - POPULAÇÃO X PIB60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

POPULAÇÃO 2007 PIB 2005

M-S C L LO M-N NO

FIGURA 4 – AGRUPAMENTOS REGIONAIS BIPOLARES

regionalidades constituídas à base de um idealde União: o desenvolvimento cooperativo daspartes (26 estados) mantém o progresso dotodo. Tal idealização, aqui criticada, dá espa-ço a uma estratégia bem mais competitiva:articular novas regiões pelo influxo do dina-mismo de metrópoles que se rivalizam. O quefomenta outro nível de cooperação, radicali-zando a lógica contraditória do planejamentoregional capitalista, principalmente em áreasfadadas ao atraso estrutural ou condenadasao ciclo dos investimentos “compensatórios”.

Amazônia legal e Nordeste semiárido de-sempenham, nestes últimos 50 anos, a funci-onalidade macrorregional desses desequilíbrios.Por isso, tais “regiões–problema” arrastam aretórica salvacionista do investimento turísti-co, como forma hegemônica de capitalizar eafirmar um “desenvolvimento sustentável”(econômica e ecologicamente). Entretanto, asustentação político-cultural, cada vez maisexigente da vitalidade metropolitana – e deseus sistemas técnicos interiorizados em rede–, é relativamente desprezada. Resultado: ametrópole paulistana confirma, apesar de todoo caos urbano, um reinado monopolista na es-cala nacional. Em termos turísticos, esse rei-nado significa simplesmente: quanto maior aemissão de turistas, maior será o reforço aodinamismo geográfico do centro emissor. Di-ferentemente da emissão de emigrantes, ocentro emissor turistas é um.

Tal proposta de redefinição federativa, ten-de a: refazer os agrupamentos macrorregionaisem função das parcerias concorrentess? dasdemais metrópoles brasileiras; e demarcar for-mações territoriais capazes de reduzir (aomenos parcialmente) o peso da megalópolepaulistana.

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De um lado, a ruptura com o conservado-rismo demarcador de identidades regionaisforjadas, amiúde, de cima para baixo, o quenão desenvolveremos aqui pelo fato de esteensaio não se propor analisar os interessespolíticos das fronteiras internas do territóriobrasileiro. Embora os autores mencionados,reconheçam o peso desse processo históri-co na formação federativa, compreendemosque as novas regiões devam sofrer frequen-te atualização ante as dinâmicas metropoli-tanas.

Portanto, tais agrupamentos necessitariamde um amplo debate político-institucional an-tes de ir a referendo popular – até para nãose restringir aos limites da tecnoburocracia dosórgãos de planejamento e execução.

De outro lado (e com especial interessenessa reflexão), o segundo diferencial políti-co encontra-se na inversão dos incentivosàs práticas do turismo contemporâneo. Aoinvés de se fixarem na “cansativa” e limitantelógica de exploração do receptivo (como serádiscutido no item seguinte), os agentes re-gionais devem incorporar no setor a mesmavalorização dos serviços básicos. Na mesmaperspectiva educacional, o incentivo ao tu-rismo regional é condição básica de para aconquista de uma cidadania geográfica mí-nima. Cidadania esta perdida parcialmenteno violento processo migratório campo-ci-dade resultante da recente industrializaçãodo país, mas que pode ser reconquistada navida urbana hodierna por intermédio do aces-so ao turismo. Eis o grande desafio para umnovo pacto federativo; mais independenteda política clientelista dos neocaciques es-taduais.

Considerações –

Interiorizando a gestão

estratégica de espaços não

turísticos

A dimensão emergente deste conjunto dereflexões sobre a territorialidade federalaponta para a geografia dos espaços turís-ticos como antítese do desenvolvimentoglobalizado e pós-moderno. O trabalho com-

prometido de elucidação dos indicadores desustentabilidade para as políticas com turis-mo ainda insistem em ignorar o desenhoterritorial da Federação. Trata-se de algosemelhante a esconder uma geografia políti-ca nas entranhas silenciosas da geografiafísica e ambiental das regiões – o que permi-te às campanhas publicitárias de “venda” dedeterminados destinos operar muito à von-tade na divulgação das belezas regionais,reforçando, de forma positiva e redentora,os mesmos estereótipos que, historicamen-te, serviram para justificar o atraso de umalocalidade que não conseguiu progredir. As-sim, a temerosa floresta equatorial amazô-nica e o traiçoeiro cangaço nordestino sãoredimidos como riquezas patrimoniais inigua-láveis em suas respectivas regiões. Até aí, oespecífico/extraordinário constitui a explica-ção “miraculosa” capaz de repetir a metáfo-ra do oxigênio: quando um gás venoso trans-forma-se em gás vital pela genialidade ge-nética das algas marinhas. A maior parte deatributos locais transmutados em atrativosturísticos vivenciam essa oxigenação.

O que chamamos de antítese encontra-se na delicada resposta para a indagaçãoum tanto inoportuna: Quem são e onde es-tão “as algas marinhas” capazes de oxigenaros receptivos turísticos contemporâneos?Sabemos a reposta: Não são turísticos eestão fora deles; em geral, nos centros ges-tores da demanda por esses espaços. Emescala nacional, como já afirmamos, em po-laridades metropolitanas que imitam propor-cionalmente o dinamismo da megalópolepaulistana. Daí considerar condição prioritáriaao desenvolvimento territorial das regiõesbrasileira o reagrupamento federativo dosestados a partir da rivalidade gerencial me-tropolitana. O que significa dizer que não épreciso manter a criação de algas marinhasde forma tão distante (nos mesmos centrosemissores) e tão monopolista. É preciso, sim,constituir condições inter e intrarregionais dealimentar os fluxos turísticos.

E, neste momento, por inversão meto-dológica de uma dialética mais criativa, a an-títese recria-se noutra antítese: a políticasustentável do turismo regional é aquela queprioriza recursos permanentes à turistificaçãosocial de espaços não turísticos. Em outraspalavras: é uma política que cria turistas e

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30 JUL/DEZ 2008 ARTIGOS INÉDITOS

estratégias integradas de visitação ao invésde privilegiar a concentração de recursos. Re-criar turistas para recriar destinos, eis o pro-blema. A criação de destinos turísticos, emtermos de efetivação das ditas potencia-lidades, faz da prática política hegemônicaalgo muito semelhante à dotação de investi-mentos em outros setores econômicos:direcionar recursos para as localidades maisrentáveis em curto prazo e diluí-los, ocasio-nalmente, em pontos dispersos para geri-loscomo reserva de mercado. O grande proble-ma é constatar, nas últimas duas décadas,as políticas públicas repetindo esta diretrizcomo política de um conglomerado empresa-rial.

Já a criação de uma cultura turística forja-se, fundamentalmente, na qualificação eremodelamento de espaços não turísticos. Esua vetorização encontra-se no incentivo, cul-tural e econômico, na realização de viagens evisitações a partir do polo emissor (centrosurbanos de escala regional). Se, a cada gran-de fim de semana prolongado ou temporadade férias, os gestores agissem de formaproativa, incentivando as experiências de

visitação, sairíamos do patamar ingênuo domodelo extrativista de turismo para um outroestágio. Aquele que tem na interiorização daspráticas turísticas um aliado do desenvolvi-mento integral do território. Mais competitivo;mais cooperativo e menos desigual.

Para atingir tal modelo, cremos ser urgentepensar geograficamente alguma reforma paraos atuais limites da Federação. Seja com asseis novas regiões bipolares (aqui sugeridas),seja com outra proposta capaz de priorizar aredução dos desequilíbrios regionais. Uma re-forma que inclua a política de turismo em ba-ses estratégicas – não como um complemen-to estético, de quem explora atrativos turísti-cos apenas para “discursar” ou mesmo es-conder outras geografias. Pensar a dinâmicado turismo como política de interiorização dodesenvolvimento é reorientar a articulação dasregiões e das unidades federativas. É remo-delar a geografia regional do país com o forta-lecimento de espaços socioambientais múlti-plos, os quais, devidamente integrados, po-derão até ser convertidos em “originais” des-tinos turísticos. Uma possibilidade importante,mas secundária, a nosso ver.

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Resumen: En el artículo se desarrolla unareflexión sobre la relación entre las políticasde turismo y los obstáculos territoriales alequilibrio regional. El estudio señala la grandependencia de los municipios y los estadosque dependen del turismo como una formade desarrollo local y regional. En primer lu-gar, lanza un debate sobre los problemas dedesequilibrio regional favorecido por ladebilidad de la Federación brasileña. Losejemplos privilegiados destacan la perma-nencia de los problemas del Noreste y de laAmazonía como resultado de las trampas dela naturaleza. La misma naturaleza que seconvierte en el objetivo de planificación tu-rística conservadora, es decir, que noayuda a la internalización del desarrollo. Lapropuesta de trabajo indica un nuevo agrupa-miento regional (región bipolar), basado enla interacción de las metrópoles regionales,a fin de promover la gestión regional a tra-vés del turismo emisivo.

Palabras-clave: turismo; Federación;desarrollo del interior; región bipolar.

Notas

1 Na perspectiva de descentralização administrativa dos bens e recursos turísticos gestada pelo Programa

Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT 1996-2002), vigente no período áureo das políticas

territoriais de natureza neoliberal.

2 Em 2001, o Congresso Nacional retira das Assembleias Legislativas a prerrogativa de votar como última

instância emancipação de novos municípios. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar no 101/

de 4 de maio de 2000) transforma-se no maior instrumento de inibição desse processo de fragmentação

do território.

3 Período correspondente à segunda metade da década de 1990, em que o governo do presidente Fernando

Henrique Cardoso consolidou uma articulação mínima entre o Programa de Desenvolvimento (Regional)

do Turismo – PRODETUR, as ações do Programa Nacional de Municipalização do Turismo – PNMT e o

diálogo com as iniciativas dos governos estaduais e grandes empreendimentos do setor privado. Culmi-

nou em 2003, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, com formação do Ministério do Turismo e o

Programa de Regionalização – Roteiro do Brasil.

4 A divulgação foi feita em reportagem do telejornal Globonews, veiculada em 19/1/2008, enfatizando as

feiras e eventos que culminam, no mês de janeiro, com a São Paulo Fashion Week.

5 O processo é apresentado por Cataia (2001:172-73), citando o estudo “La géographie politique” de A-L

Sanguin (1977), que atribui o termo ao norte-americano C. Sauer, por ocasião de um artigo publicado

em 1918. A circunscrição territorial por ele criada assemelhava-se a uma salamandra (salamander).

Daí a associação de palavras Guerry e salamander para o termo criado.

Resumé: L´article développe une réflexionsur la relation qui prévaut entre les politiquesdu tourisme et les obstacles des territoiresà l’équilibre régional. L’étude souligne la for-te dépendance des municipalités et des Etatsqui se sont fondés sur le tourisme comme unmoyen de développement local et régional.Dans un premier temps, lance une discussionsur les problèmes de déséquilibres régionauxfavorisés par la faiblesse de la Fédérationbrésilienne. Les exemples donnés sont pourle travail permanent sur les problèmes duNord et de l’Amazonie en raison des piègesde la nature. Il en va de même nature quidevient la cible des conservateurs deplanification de voyage, c’est-à-dire, celuiqui ne contribue pas à l’internalisation dudéveloppement. Le travail a proposé unnouveau regroupement régional (régionsbipolaires), basé sur l’interaction des grandscités pour région, à promouvoir la gestionrégionale par le biais du tourisme émissif.

Mots clés: tourisme; Fédération; développe-ment de l´interieur; région bipolar.