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POLÍTICAS DE ÁGUA: INSTRUMENTOS PARA O MERCADO DA ÁGUA EM BENEVIDES PA DANA AGUIAR 1 SHIRLEY CAPELA TOZI 2 MICHEL PACHECO GUEDES 3 CARLOS ALEXANDRE LEÃO BORDALO 4 RESUMO A relação água-poder-homem é inerente a evolução da sociedade, desde outrora as relações de poder lhe atribuem símbolos. Água, no sentido terminológico, não significa conflito, mas as relações estabelecidas a partir dela empregam esse caráter, tornando-a palco de disputas, um campo de poder, sobretudo, um recurso para o desenvolvimento das sociedades. Enquanto recurso finito, a água é limitada, social e fisicamente; social, por o campo de poder estabelecer limites, e física, pois existem áreas de escassez e profusão. O bem social passou a conter significado político e valor econômico, logo se tornou um instrumento do Estado, objeto das políticas públicas. Perante as políticas de recursos hídricos, a água é um bem inalienável, possuindo tutores do setor público e privado (os Senhores das Águas), com relativa autonomia no território, estes se reinventam conforme os movimentos dentro do campo político, ampliando suas tessituras.O município de Benvides (PA) é reconhecido da Região Metropolitana de Belém como a terra dos mananciais, por conta do universo de empresas instaladas no território que utilizam o recurso para envase, ou tenham este como principal elemento para produção de mercadoria. Entender o processo da realidade municipal. A partir disso, cabe o questionamento: de que forma as políticas de recursos hídricos em escala local contribuem para a existência dos Senhores das Águas em Benevides PA? Logo, este trabalho tem por objetivo principal analisar o exercício do poder político local a partir de políticas voltadas para os recursos hídricos em Benevides PA. Logo, tal análise perpassa relações de poder entre atores do setor público e privado, assim como a sociedade civil. Para isto, a metodologia consistiu em três momentos: na leitura do referencial teórico, campo (sendo visitadas as instituições como a Prefeitura Municipal de Benevides, a Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Benevides), e a análise de dados obtidos. Constatou-se que mediante as políticas o uso da água tem um apelo notadamente econômico, principalmente as águas subterrâneas, sobrepondo o uso social. Sobretudo, as políticas não fazem jus a realidade do município, deixando lacunas em pontos importantes, tal qual a potencialidade hídrica, o que pode dificultar os desdobramentos das práticas da gestão. Assim, as relações de mercado podem vim a reorganizar as relações do poder local, que constroem o que pode ser chamado de Geopolítica da Mercantilização da Água, resultado de uma combinação entre: logística, localidade e oferta. Entende-se que seja uma Geopolítica, pois os atores e agentes envolvidos no processo, alocaram-se onde há abundância do recurso como estratégia, sobretudo, a políticas de recursos hídricos contribuem para a insurgência dos Senhores da Água. Palavras-chave: Poder local. Políticas de água. Instrumentos. Mercado. 1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará. Email de contato: [email protected] 2 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo. Email de contato: [email protected] 3 Professor na Universidade do Estado do Pará. Email de contao [email protected] 4 Professor da Universidade Federal do Pará. Email de contato: [email protected]

POLÍTICAS DE ÁGUA: INSTRUMENTOS PARA O MERCADO DA ÁGUA … · ser chamado de Geopolítica da Mercantilização da Água, resultado de uma combinação entre: logística, localidade

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POLÍTICAS DE ÁGUA: INSTRUMENTOS PARA O MERCADO DA

ÁGUA EM BENEVIDES – PA

DANA AGUIAR1

SHIRLEY CAPELA TOZI2

MICHEL PACHECO GUEDES3

CARLOS ALEXANDRE LEÃO BORDALO4

RESUMO

A relação água-poder-homem é inerente a evolução da sociedade, desde outrora as relações de poder lhe atribuem símbolos. Água, no sentido terminológico, não significa conflito, mas as relações estabelecidas a partir dela empregam esse caráter, tornando-a palco de disputas, um campo de poder, sobretudo, um recurso para o desenvolvimento das sociedades. Enquanto recurso finito, a água é limitada, social e fisicamente; social, por o campo de poder estabelecer limites, e física, pois existem áreas de escassez e profusão. O bem social passou a conter significado político e valor econômico, logo se tornou um instrumento do Estado, objeto das políticas públicas. Perante as políticas de recursos hídricos, a água é um bem inalienável, possuindo tutores do setor público e privado (os Senhores das Águas), com relativa autonomia no território, estes se reinventam conforme os movimentos dentro do campo político, ampliando suas tessituras.O município de Benvides (PA) é reconhecido da Região Metropolitana de Belém como a terra dos mananciais, por conta do universo de empresas instaladas no território que utilizam o recurso para envase, ou tenham este como principal elemento para produção de mercadoria. Entender o processo da realidade municipal. A partir disso, cabe o questionamento: de que forma as políticas de recursos hídricos em escala local contribuem para a existência dos Senhores das Águas em Benevides – PA? Logo, este trabalho tem por objetivo principal analisar o exercício do poder político local a partir de políticas voltadas para os recursos hídricos em Benevides – PA. Logo, tal análise perpassa relações de poder entre atores do setor público e privado, assim como a sociedade civil. Para isto, a metodologia consistiu em três momentos: na leitura do referencial teórico, campo (sendo visitadas as instituições como a Prefeitura Municipal de Benevides, a Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Benevides), e a análise de dados obtidos. Constatou-se que mediante as políticas o uso da água tem um apelo notadamente econômico, principalmente as águas subterrâneas, sobrepondo o uso social. Sobretudo, as políticas não fazem jus a realidade do município, deixando lacunas em pontos importantes, tal qual a potencialidade hídrica, o que pode dificultar os desdobramentos das práticas da gestão. Assim, as relações de mercado podem vim a reorganizar as relações do poder local, que constroem o que pode ser chamado de Geopolítica da Mercantilização da Água, resultado de uma combinação entre: logística, localidade e oferta. Entende-se que seja uma Geopolítica, pois os atores e agentes envolvidos no processo, alocaram-se onde há abundância do recurso como estratégia, sobretudo, a políticas de recursos hídricos contribuem para a insurgência dos Senhores da Água.

Palavras-chave: Poder local. Políticas de água. Instrumentos. Mercado.

1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará. Email de contato: [email protected] 2 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo. Email de contato: [email protected] 3 Professor na Universidade do Estado do Pará. Email de contao [email protected] 4 Professor da Universidade Federal do Pará. Email de contato: [email protected]

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WATER POLICIES: INSTRUMENTS FOR THE WATER MARKET IN BENEVIDES - PA

ABSTRACT

The water-power-man relationship is inherent in the evolution of society, since power relations have once given it symbols. Water, in the terminological sense, does not mean conflict, but the relations established from it employ this character, making it the scene of disputes, a field of power, above all, a resource for the development of societies. As a finite resource, water is limited, socially and physically; social, because the field of power establish limits, and physical, because there are areas of scarcity and profusion. The social good came to contain political significance and economic value, soon became an instrument of the State, object of public policies. In the face of water resources policies, water is an inalienable asset, with tutors from the public and private sectors (the Lords of Water), with relative autonomy in the territory, these are reinventing themselves according to the movements within the political field, increasing their tessituras. Benvides municipality (PA) is recognized as a land of water resources in the Metropolitan Region of Belém because of the universe of companies installed in the territory that use the resource for packaging, or have this as the main element for the production of merchandise. Understand the process of the municipal reality. From this, the question is: how do local water resources policies contribute to the existence of the Lords of Water in Benevides - PA? Therefore, the main objective of this work is to analyze the exercise of local political power based on policies directed to water resources in Benevides - PA. Thus, such analysis permeates power relations between public and private sector actors, as well as civil society. For this, the methodology consisted of three moments: in the reading of the theoretical reference, field (being visited the institutions like the City Hall of Benevides, the Department of Environment and Tourism of Benevides), and the analysis of data obtained. It has been found that through the policies the use of water has a notable economic appeal, especially groundwater, overlapping social use. Above all, policies do not live up to the reality of the municipality, leaving gaps in important points, such as water potential, which may hamper the unfolding of management practices. Thus, market relations can reorganize the relations of local power, which build what can be called the Geopolitics of the Merchantilization of Water, the result of a combination of: logistics, locality and supply. It is understood to be a Geopolitics, because the actors and agents involved in the process, were allocated where there is abundance of the resource as a strategy, above all, water resources policies contribute to the insurgency of the Lords of Water. Key-words: Local power. Water policies. Instruments. Market.

1 – Introdução

A água é e sempre foi um trunfo (RAFFESTIN, 1993). A história da

humanidade não nega que a água sempre foi usada como estratégia de dominação

e submissão. Imbuída de caráter simbólico, político e econômico, permeado por

relações de poder.

Os limites que as relações de poder tecem os mecanismos de acesso,

definindo as áreas de abundância e escassez, determinando quais indivíduos o

direito a agua enquanto subsistências da vida humana. Tais mecanismos tendem a

ser instrumentalizados pelo Estado, sendo ele um dos responsáveis legais,

possuindo, também tutores, tutores do setor privado.

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Petrella (2002) chama os responsáveis legais de Senhores da Água, a diz

que a existência deles só é possível através de três elementos fundamentais: o

dinheiro, a informação e a tecnologia. Esses elementos garantirão os

desdobramentos desses atores sintagmáticos no campo político, ocasionando a

expansão da malha das tessituras no território. Por isso, empresas que exploram ou

que insiram a água no processo de produção, estabelecem suas dependências em

territórios onde haja abundância do recurso.

O território o qual a pesquisa faz referência é o institucionalizado, ou seja,

o exercício de poder do Estado numa escala municipal, o poder local. Benevides é o

município onde as relações de poder tecem características de um território recurso,

por ser conhecido por suas águas superficiais e subterrâneas. As águas sempre

despertaram encanto aos visitantes e moradores, desde o início de sua história. E foi

essa construção através do tempo e do espaço que modelaram a existência da

exploração existente hoje.

Portanto, este trabalho tem como objetivo entender como a legislação

municipal contribui para a existência dos Senhores da Água no município. Para isto,

foram consultadas a Lei Orgânica Municipal (1990), o Plano Diretor de Benevides

(2006), e a Lei Municipal nº 1.160/15 que Política Municipal de Recursos Hídricos.

Levando-se em consideração o contexto histórico. Cabendo a estes o importante

papel para compreender os mecanismos que transformam as águas do território

numa mercadoria

2 – Localizando a área de estudo

O município de Benevides/PA possui diversos codinomes, cujos quais

estão ligados a ocupação e uso do território: terra da liberdade, das flores, dos

mananciais ou cidade das águas. Atrelado a sua história, de primeira cidade a

libertar os escravos no Pará, a procura do município por seus igarapés de livre

acesso, ou o fato de ter a maior aglomeração de empresas de envase de água da

Região Metropolitana de Belém (RMB).

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Localizado a 30 km da capital paraense, no último censo do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) uma população de 51.651

pessoas e uma população estimada de 61.689 pessoas em 2018, num território de

187,826 km². Na porção norte o município faz limite com município de Santa Bárbara

do Pará, a leste o município de Santa Isabel do Pará, ao sul temos o Rio Guamá, e a

oeste os municípios de Ananindeua e Marituba (Figura 01).

Figura 01 – Mapa de localização do município de Benevides/PA Fonte: IBGE, 2016

Elaborado por Dana Aguiar e Pablo Cunha, 2017

Segundo a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do

Pará (FAPESPA, 2016), a rede hidrográfica tem o principal rio da rede o Guamá,

que faz limite ao Sul com o município de Acará e Bujarú; à margem direita tem o

Guajará, um limite natural, na porção Sudeste com Santa Isabel do Pará e o igarapé

Oriboquinha, o afluente da margem direita, também, limitando-se com Ananindeua, a

Sudoeste. Na porção Oeste, encontra-se o rio Benfica e o furo do Mutum, que

também fazem limite com Ananindeua, dispondo de furos e igarapés: furo da

Fumaça, do Rocha, Sirituba e os igarapés Mutuí, Itapepucu, Tucunarequara,

Maritubinha e outros. Fazendo limite com a capital paraense, a Noroeste, temos o

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furo de Mosqueiro e das Marinhas, que recebem os rios: Paricatuba, Santa Bárbara,

Araci e o Tauá, este último limitando o Município ao Norte com Santo Antônio do

Tauá (FAPESPA, 2016, p.11).

As águas subterrâneas são provenientes de dois aquíferos, a

hidrogeologia destes têm características do Grupo Barreiras e Pirabas, que servem

para a captação de água mineral e potável de mesa. A qualidade da água apresenta

pequena concentração dos constituintes dissolvidos, baixos pH, sendo hipotermal na

fonte (CORTEZ; TAGLIARINI & TANCREDI, sem data).

Benevides é um dos principais municípios das empresas de envase de

água da RMB, ou que destas utilizem para a produção de suas mercadorias,

construindo um tecido de relações econômicas e sociais, dada a abundância do

recurso; as relações com águas benevidenses mudaram conforme o tempo,

surgindo novos atores e novas formas de usar o recurso.

3 – Metodologia

A metodologia empregada consiste em três momentos: a leitura

bibliográfica, coleta de dados e campo. No momento da leitura bibliográfica,

debruçamo-nos em textos pertinentes ao tema ou afins. Sendo presente a leitura

sobre território, poder e poder local (RAFFESTIN, 1993; CELSO DANIEL, 1988),

Geografia Política e Geopolítica (RIBEIRO, 2008; CATRO, 2011; COSTA, 2013;

BEREZUK & IORIS, 2017), recurso hídrico (PETRELLA, 2002; BORDALO, 2002;

REBOUÇAS, 2002, 2006) e a história de Benevides (NUNES, 2008; SOUZA, 2011;

PENTEADO, 1967).

Os dados e legislação do município foram constituídos em campo na

Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Benevides (SEMAT). Dados da

Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará (FAPESPA, 2016),

a Lei Orgânica do Município de Benevides, 1990; a Lei Municipal n°. 1.031/06, de 11

de outubro de 2006, que dispõe sobre o ordenamento territorial do município de

Benevides; a Lei nº 1.160, de 23 de setembro de 2015 que institui a Política

Municipal de Recursos Hídricos; o Decreto 149 que institui o Regimento Interno do

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Conselho Municipal do Meio Ambiente. Informações hidrogeológicas, geológicas e

geomorfológicas (CORTEZ; TAGLIARINI & TANCREDI, s.d).

4 – Poder local: implicações nas leis e políticas do território

Entendemos por poder local as afirmativas de Celso Daniel em seu artigo

de 1988. Para o autor o poder local não está subentendido apenas ao poder legal

institucionalizado, mas levam-se em conta as elites locais, agentes econômicos e os

movimentos sociais, por conta da sua autonomia relativa na organização.

Os atores possuem maneiras diferentes de produzir o território, e a

partilha do poder pode gerar conflitos, pois há interesses diferentes. Podendo ser

analisado a partir de três vieses: o poder econômico local, o poder social local e o

poder político local.

Dada a nossa escala, Benevides constitui-se num recorte federativo, o

qual nos permite compreender o exercício do Estado sobre o território. Por tratar-se

de um produto do Estado, estabelecido pela Constituição de 1988, no artigo 18.º, o

município de Benevides será mediado pelo Poder Político Local tendo como

protagonistas o executivo (prefeito e vice-prefeito), o legislativo (câmara de

vereadores) e o administrativo (servidores do município, concursados ou não).

Para Daniel (1988, p. 27) a ação do poder político local tem sua

objetividade direcionada à manutenção da força de trabalho e, portanto, a

reprodução do capital; somando isso a outros setores do uso e ocupação do solo

(construção civil, pavimentação, saneamento e etc.). E então para sua

regulamentação e legitimação, ele contará com as outras modalidades do poder

local. A nível material, o econômico, a nível social, a elite local e os movimentos

sociais.

Geralmente o poder econômico e social (a elite) têm os mesmos sujeitos

operando na malha do território. Ambos manterão uma relação dialética, ocorrendo

assim uma “privatização do Estado”, mesmo que esta não seja declarada, o Estado

corrobora para a rentabilidade capitalista no sentido da manutenção e

desdobramentos de suas ações.

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Dessa forma, sob o prisma do Poder Político Local, as relações

estabelecidas, material e econômica, emparelhado ao poder social de elites locais,

bem como nos movimentos sociais, irão definir a forma que o território é manipulado,

por consequência na gestão territorial, expressando assim os interesses dos

vinculados.

Interesses estes refletidos nas políticas e leis presentes no município, e

que aqui serão objetos de análise, tal qual a Lei Orgânica (1990), o Plano Diretor

Municipal de Benevides (2006) e a Política Municipal de Recursos Hídricos (2015).

4 – Resultados

4.1 Políticas de Água em Benevides: papeis da divergência

Discutir recursos hídricos de um município deve-se levar em conta as leis

pertinentes ao ordenamento do território, sendo assim cabe aqui breve consideração

sobre a Lei Orgânica (1990), o Plano Diretor Municipal de Benevides – PDM (2006),

e suas implicações na Lei 1.160/15 que dispõe sobre a Política Municipal de

Recursos Hídricos de Benevides.

• Lei Orgânica de Benevides (1990)

A CF (1988) estabelece que a Lei Orgânica é a lei regente do território

municipal, logo a efetivação do exercício do poder local – a estrutura deste dar-se-á

a partir dela. A Lei Orgânica reafirma as competências constitucionais do poder

executivo e legislativo, assim como dá a orientação para as políticas de tributação e

de finanças, o desenvolvimento social, ambiental, econômico e urbano.

A parte pertinente aos recursos hídricos de Benevides encontra-se na

sessão de meio ambiente, no art. 157, e frisa:

§1º - Os manguezais, as praias, os costões e a mata do território municipal ficam sob a proteção do Município e sua utilização far-se-á na forma da Lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de recursos naturais. §2º - Aquele que explora recursos minerais, inclusive extração de areia, cascalho ou pedreiras, fica obrigado a recuperar o meio ambiente degrado de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente e na forma da Lei. §3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções administrativas e penais, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (BENEVIDES, 1990).

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Os parágrafos parecem ter sido pensados numa outra realidade.

Benevides não integra a região costeira, não possui manguezais, praias de água

doce, não há extração de areia, cascalhos tampouco “pedreiras”. É algo

preocupante, pois como dito, esta é a lei mais importante do território municipal e

deve levar em conta os recursos que possui.

No parágrafo único, a lei estabelece a criação do Conselho de Defesa do

Meio Ambiente, órgão normativo das questões pertinentes:

Parágrafo Único – O conselho de Defesa do Meio Ambiente do Município desenvolverá suas atividades objetivando: I - Definir política de preservação do meio ambiente; II - Receber, analisar reclamação, sugestões ou propostas de entidades representativas ou de qualquer munícipe; III - Proceder a estudo de aperfeiçoamento contra poluição dos cursos de água, do ar, e do devasta mento do município; IV - Informar, conscientizar e motivar os munícipes por todos os meios de divulgação, escrita, falada cursos e conferências e outras promoções com o mesmo objetivo; V - Assegurar o ensino público municipal, da disciplina que leve o estudante do primeiro grau ter conhecimento para que possa haver maior respeito pelo meio ambiente; VI - Propor ao Executivo Municipal a confecção de uma cartilha de conscientização do homem rural para o controle da extração do palmito do açaí e madeira; VII - Proibir o recorte de açaizais para comercialização do palmito antes de 03 (três) anos de renovação; VIII - Proibir o corte de árvores para comercialização em toras para fora do Município, com menos de 100 (cem) centímetros de diâmetro (BENEVIDES, 1990, 54).

Nota-se no parágrafo, a participação da sociedade civil, inclusive a

possibilidade de fazer proposições às questões ambientais; abrangendo inclusive a

educação ambiental, porém, somente até o primeiro grau.

O artigo art. 159 estabelece as áreas de proteção permanente as

nascentes de igarapés, sendo proibida a derrubada e/ou queimada a 100 metros das

margens, e os locais onde abrigue espécies raras de da flora e da fauna. Contudo,

de acordo com a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará

(FAPESPA, 2016), mediante as imagens de satélite (LANDSAT-TM), em 1986, a

alteração vegetacional apontou 95,75%, depreendendo-se que não há registro

relevante de patrimônio florestal, tendo as áreas mais críticas ao longo da rede

hidrográfica (FAPESPA, 2016, p. 10). Quanto ao povoado de Maurícia, este não

corresponde mais ao território de Benevides, mas de Santa Bárbara, município

vizinho.

• Plano Diretor Municipal

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O Plano Diretor é uma ferramenta das políticas de desenvolvimento e

expansão urbana, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes.

Contempla toda extensão territorial municipal, levando-se em conta que a totalidade

está inserida no planejamento.

No âmbito municipal o PDM, na hipótese de um município não ter

legislações específicas ambientais, é ele quem ficará incumbido do mesmo. Veloso

(2010) aponta que na RMB os planos diretores foram feitos na primeira década de

2000, por pressão do Governo Federal, a não realização implicaria na perda de

repasses de verbas e políticas provenientes do governo federal aos municípios

pertencentes a região metropolitana, e estes foram elaborados mais para atender a

conjuntura político-institucional que por preocupações com a forma de crescimento e

desenvolvimento desses Municípios (VELOSO, 2010, p. 77-78).

Os recursos hídricos aparecem no PDM de Benevides na Sessão IV,

voltada apenas para políticas de turismo, discorridos em dois artigos, Art.93 e Art.94,

onde estabelece a criação de um programa de visitas turísticas as floriculturas e rios

do município, sendo este último a partir da criação do projeto “Caminho das Águas”.

Contando com as parcerias da “Marinha do Brasil, Prefeitura Municipal, SECTAM,

UFPA, UFRA, etc...; IV. Criar trilhas ecológicas e passeios fluviais”(BENEVIDES,

PLANO DIRETOR 2006)

No mais, as águas aparecem de forma velada nos artigos que tratam

sobre o saneamento básico, no tratar de salubridade e demanda para a população.

Porém, não se faz menção ao recurso subterrâneo, e aparecem somente a título de

citação.

• Política Municipal de Recursos Hídricos de Benevides

Em 23 de setembro de 2015 é sancionada a Lei nº 1.160, a qual dispõe a

Política Municipal de Recursos Hídricos de Benevides – PMRHB, estabelecendo as

normas e diretrizes para preservação e conservação dos recursos hídricos, e

também cria o Sistema Municipal de Gerenciamento dos Recursos Hídricos –

SMGRHB. São objetivos da PMRHB:

I - assegurar a disponibilidade dos recursos necessários ao desenvolvimento socioeconômico do município de forma sustentável; II -

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buscar a recuperação, preservação e conservação do regime dos corpos d’água localizados no Município, em termos de quantidade e qualidade; III - preservar a qualidade e racionalizar o uso das águas superficiais e subterrâneas; IV - proporcionar e otimizar o uso múltiplo dos recursos hídricos; V - integrar o Município ao sistema de gerenciamento da Região Hidrográfica da Costa Atlântica – Nordeste, contemplando os rios Guamá, Guajará, Benfica e igarapés de Oriboquinha, Mutuí, Itapepucu, Tucunareguara, Maritubinha e furos do Mutum, Fumaça, Rocha, Sirituba e Mosqueiro ou das Marinhas; VI - fazer cumprir as legislações federal, estadual e municipal, relativas ao meio ambiente, uso e ocupação do solo e recursos hídricos; VII - buscar a universalização do acesso da população à água potável, em qualidade e quantidade satisfatórias; VIII - garantir o saneamento ambiental; IX - promover o desenvolvimento sustentável; X – tomar providência e defender a população e bens contra eventos hidrológicos críticos; I - instituir o efetivo controle social da gestão dos recursos hídricos, por parte de todos os segmentos da sociedade; XII - desenvolver ações para a implantação da Agenda 21 local integrada a Agenda 21 Brasileira (Lei 1.160/15).

Observe nos objetivos III os termos preservar e racionalizar como

desígnios das águas superficiais e subterrâneas, contudo, não expressa se é a

sociedade civil ou os agentes modeladores do território, ou se ambos. Em

contrapartida é assegurado o uso necessário para aproveitamento socioeconômico,

complementando isso a otimização do uso múltiplo.

Para tanto, planejamento, gestão e execução será levado em conta o

zoneamento urbano do município, encontrado no PDMB, as zonas dividem-se em: “I

– Zona Central; II – Zona Intermediária; III – Zona de Expansão Urbana; IV – Zona

Especial de Interesse Social; V – Zona Especial de Interesse Ambiental; VI – Zona

Especial de Interesse Comercial e Industrial” (Lei 1.160, 2015, p. 8). Como parte dos

instrumentos da política, além do PDMB, também constará:

I – a Avaliação Anual dos Recursos Hídricos; II – o Plano Municipal de Recursos Hídricos - PMRH; III – o Fundo Municipal Meio Ambiente - FMMA; IV – os Programas de Educação Ambiental; V – o Plano de Uso e ocupação do Solo; VI – o Plano Diretor; VII – o Código Municipal de Meio Ambiente; VIII – os convênios e parcerias de cooperação técnica, científica e financeira. (Lei 1.160, 2015, p. 4)

São estas que darão subsídios à aplicabilidade do gerenciamento do

recurso, que sintetizamos no organograma a seguir (na Figura 3), para uma melhor

compreensão adotamos as siglas já existentes e adaptamos as demais – Avaliação

Anual dos Recursos Hídricos, AARH; Programas de Educação Ambiental, PEA;

Plano de Uso e Ocupação do Solo, PUOS; Código Municipal de Meio Ambiente,

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CoMMA; os convênios e parcerias de cooperação técnica, científica e financeira,

CPTC –.

Figura 02 – Organograma da Política Municipal de Recursos Hídricos e Gestão dos Recursos Hídricos de Benevides – PA. Organizado por Dana Aguiar, 2018.

Apesar da Lei 1.160/15 construir uma gestão com autonomia relativa no

território, até o ano de 2018 as ações da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo –

SEMAT (tendo

em vista que a

gestão funciona

na própria

secretaria), ainda não funcionava sob essa organização, sem contar a inexistência

de alguns setores, tal qual o Sistema Municipal de Controle, Acompanhamento e

Fiscalização dos Recursos Hídricos (SISF-RH) ainda não funcionava. Ou seja, três

anos após a criação da política a gestão ainda estava na forma embrionária,

comprometendo a execução da política.

5 – Conclusões

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A discussão de água perpassa a discussão de politicas públicas. Apesar

da Lei 1.160 ter sido promulgada em 2015, no período de realização da pesquisa o

Sistema de Gestão dos Recursos Hídricos ainda não havia se efetivado na prática, o

que pode acarretar em problemas estruturais para a eficiência da política

estabelecida.

Outro ponto importante a ser destacado é a ausência de uma sessão

específica para empresas de envase, visto o universo constante no município. E

comumente as empresas aparecem nas mídias fora da regulamentação de uso do

recurso, por ausência de outorga, problemas quanto a vigilância sanitária, e afins.

E o que diz respeito a Lei Orgânica (1990) e o Plano Diretor Municipal de

Benevides (2006), Além de ser tratado superficialmente, o recurso hídrico é voltado

apenas para o turismo, mesmo com a exploração já vigente no ano de promulgação,

não levando em consideração o potencial mercadológico o qual já estava inserido.

As políticas precisam levar as características do território, caso contrário

serão apenas leis de papel. Além do mais, o texto das mesmas deveria ser revisado,

a má interpretação corrobora para a reafirmação da atuação dos Senhores das

Águas, instrumentalizando as ações destes, num mercado que está ganhando cada

vez mais espaço.

6 – Referências bibliográficas BENEVIDES. Lei Orgânica do Município de Benevides. 1990. Disponível em: <http://www.benevides.pa.leg.br/leis>. Acesso em 09 de junho de 2019. _______. Lei Municipal n° 1.031/06, de 11 de outubro de 2006. Dispõe sobre o ordenamento territorial do município de Benevides. Disponível em: <http://www.sedurb.pa.gov.br/pdm/benevides/PDM_%20BENEVIDES.pdf>. Acesso em 09 de junho de 2019. _______. Lei Municipal nº 1.160/15, de 23 de setembro de 2015. Institui a Política Municipal de Recursos Hídricos. Disponível em: <http://www.benevides.pa.leg.br/leis>. Acesso em 10 de junho de 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. - Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação, 2017. Disponível em:

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