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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP FELIPE BELTRAN KATZ O ICONOSTASIS PAULISTANO (Igrejas Orientais em São Paulo: Mediação da Multiplicidade - 1950-2011) MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL SÃO PAULO 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Beltran Katz.… · SP, coordenadores, professores e colegas, pela conivência e troca de experiências. Agradeço a todos os entrevistados,

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

FELIPE BELTRAN KATZ

O ICONOSTASIS PAULISTANO

(Igrejas Orientais em São Paulo: Mediação da Multiplicidade - 1950-2011)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

FELIPE BELTRAN KATZ

O ICONOSTASIS PAULISTANO

(Igrejas Orientais em São Paulo: Mediação da Multiplicidade - 1950-2011)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como

exigência parcial para obtenção de título de MESTRE em

História Social sob a orientação da Profa. Doutora Maria

Izilda Santos de Matos.

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2012

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BANCA EXAMINADORA

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_____________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de externar minha gratidão a todos que, por ações ou palavras, colaboraram

em todo o processo do trabalho. Agradecer a todos não é tarefa fácil, pois devo a muitos. Mas

não posso deixar de mencionar alguns agradecimentos especiais.

Agradeço à professora Maria Izilda Santos de Matos, pela orientação e pelas palavras

de encorajamento e incentivo.

Agradeço aos professores Fernando Torres Londoño e Yvone Dias Avelino,

membros da banca do Exame de Qualificação, pela ajuda durante toda a trajetória da pesquisa

e as sugestões e críticas para o aprimoramento do trabalho.

Agradeço aos professores Antônio Rago Filho e Maria Antonieta Antonacci da PUC-

SP e à professora Lená Madeiros de Menezes da UERJ, pela colaboração na elaboração e nas

primeiras etapas do trabalho.

Agradeço a todos os membros do Curso de Filosofia da PUC-SP, colegas e

professores, pela colaboração, compreensão e auxílio intelectual durante todo o processo da

pesquisa.

Agradeço a todos os membros do Programa de Pós-graduação em História da PUC-

SP, coordenadores, professores e colegas, pela conivência e troca de experiências.

Agradeço a todos os entrevistados, que cederam um pouco de seu tempo e

experiências de vida e colaboraram no trabalho, de maneira definitiva, para a melhor

compreensão da situação das Igrejas Orientais na cidade.

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Agradeço a todos os amigos, em especial a Nelson Mendes, pela transcrição das

entrevistas, a Gabriel Beçak, pela colaboração com as fotografias, a Fábio de Moraes, por

diversas colaborações, e a Heitor Loureiro, colega de mestrado que colaborou em várias

etapas da pesquisa devido à proximidade de nossos temas.

Finalmente, agradeço a meus familiares, especialmente minha mãe, meu avô, minha

avó e meu pai, pela colaboração e incentivo durante a pesquisa.

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“É claro, então, que a prudência (sabedoria

prática) é uma forma de virtude, e não uma

técnica. Havendo, portanto, duas partes da

alma dotadas de razão, a prudência deve ser

uma forma de virtude de uma das duas, ou

seja, da parte que forma opiniões, pois a

opinião se relaciona com o que é variável, da

mesma forma que a prudência.”

Aristóteles

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RESUMO

O trabalho busca apontar a diversidade do cristianismo oriental paulistano, debruçando-se

sobre as Igrejas Orientais. Essas instituições estão associadas a comunidades imigrantes que

vieram para São Paulo desde o final do século XIX até a segunda metade do século XX. Entre

os grupos cristãos orientais emigrados para a cidade estão árabes, armênios, gregos, russos e

ucranianos. Essas comunidades estão divididas em doze Igrejas localizadas em diversos

pontos da região metropolitana. A pesquisa apoia-se em depoimentos coletados entre os

membros do clero de cada uma dessas Igrejas, alguns fiéis cristãos orientais da cidade e

bibliografia acerca da experiência histórica dessas instituições em outras partes do mundo.

Longe de ser algo cristalizado, apresentando Ritos e peculiaridades do antigo cristianismo, as

Igrejas Orientais na cidade de São Paulo estão inseridas no dia a dia da metrópole. Essas

Igrejas pretendem mediar seu passado, associado com a manutenção da fé e cultura das

comunidades imigrantes, e a vivência de sua situação paulistana atual. Uma situação em que a

primeira geração de imigrantes diminui devido ao envelhecimento e aos fluxos imigratórios

que não se renovam. As Igrejas Orientais, de acordo com os depoimentos de clérigos e fiéis,

vivem um momento reflexivo de sua trajetória na metrópole. No entanto, o trabalho não deve

julgar qual Igreja preserva melhor o passado, mas deve compreender que elas fazem parte do

cotidiano da cidade. São Igrejas Orientais paulistanas, portanto, sua situação perpassa

apropriações que melhor respondem à sua experiência em São Paulo.

Palavras-chave: Imigração, São Paulo, Igreja Ortodoxa, Igrejas Católicas Orientais,

Cristianismo Oriental.

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ABSTRACT

This work tries to point out the diversity of the oriental Christianity in Sao Paulo, through the

oriental churches. These institutions are connected to the immigrant communities that came to

Sao Paulo since the 19th

century until the mid – 20th

century. Amongst the oriental Christians

that have come to the city are Arabs, Armenians, Greeks, Russians and Ukrainians. These

communities are divided in twelve different churches, that are located in different areas of the

city. The research is based on the collected testimony of each clergy member of each church,

some oriental Christians from Sao Paulo and bibliography that studies the historical

experience of these institutions in other parts of the world. Far from being something

completely strict, presenting Rites and peculiarities of ancient Christianity, the oriental

churches of Sao Paulo are inserted in the daily life of the metropolis. These churches try to

mediate their past, while maintaining the faith and culture of immigrant groups with their

current situation in the city. A situation where the 1st generation of immigrants is diminishing

trough age and the migratory flux is not being renewed. The oriental churches, according to

the testimony of clerics and faithful, are experiencing a reflexive moment in their course in

the metropolis. However, this work does not try to judge which church best preserves it‟s

past, but understand that they are part of the daily life of the city. They are oriental churches

from Sao Paulo, therefore, their situation permeates appropriations that best respond their

experience in Sao Paulo.

Keywords: Immigration, Sao Paulo, Orthodox Church, Eastern Catholic Churches, Oriental

Christianity.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................12

CAPÍTULO I – ICONOSTASIS PAULISTANO: ESTABELECIMENTO E

FORMAÇÃO DAS IGREJAS ORIENTAIS.............................................25

1.1 MAPA DO CRISTIANISMO ORIENTAL...................................................................26

1.2 LADO ORIENTAL DO CRISTIANISMO: IGREJAS ORTODOXAS.........................32

1.3 ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA DAS IGREJAS ORTODOXAS..........................37

1.4 FORMANDO UMA κοινóτητα PAULISTANA.......................................................48

CAPÍTULO II – DISCURSO, FÉ, MEDIAÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

NA METRÓPOLE PAULISTANA: CLERO ORIENTAL....................64

2.1 MIMESE: MANUTENÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES.............................65

2.1.1 Ritos e Diáspora....................................................................................................67

2.1.2 Relação entre Irmãs..............................................................................................74

2.2 IMPERATIVO DA CONTINGÊNCIA: FUTURO DO ICONOSTASIS.....................81

2.2.1 Apontamentos de Problemáticas.........................................................................82

2.2.2 Projetos e Perspectivas.........................................................................................88

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CAPÍTULO III – MEDIANDO TRADIÇÕES NA METRÓPOLE PAULISTANA:

IGREJAS CATÓLICAS ORIENTAIS..................................................97

3.1 OS OUTROS CATÓLICOS...........................................................................................99

3.2 ROSÁRIO E ICONOSTASIS: ORTODOXOS E CATÓLICOS ORIENTAIS..........107

3.3 ENTRE O UNIVERSAL E O PARTICULAR: IGREJA CATÓLICA LATINA E

CATÓLICOS ORIENTAIS.........................................................................................118

CAPÍTULO IV – PARA ALÉM DOS BELOS PORTÕES: APONTAMENTOS DOS

FIÉIS CRISTÃOS..................................................................................128

4.1 ESCOLHAS.................................................................................................................130

4.2 MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS..................................................................................137

4.3 PENSANDO O FUTURO DO ICONOSTASIS: APONTAMENTOS.......................148

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................155

FONTES E BIBLIOGRAFIA..............................................................................................160

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Iconostasis da Catedral Ortodoxa de Antioquia de São Paulo.........................13

Figura 2 - Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia no bairro do Paraíso...............28

Figura 3 - Mapa da cidade com localização das Igrejas Ortodoxas...................................31

Figura 4 - Igreja Ortodoxa Sirian de Santa Maria na rua Padre Mussa Tuma...............41

Figura 5 - Igreja Ortodoxa Ucraniana de São Valdomiro em São Caetano do Sul..........58

Figura 6 - Igreja Apostólica Armênia na Avenida Tiradentes...........................................66

Figura 7 - Igreja Ortodoxa Grega no bairro do Brás..........................................................69

Figura 8 - Igreja Ortodoxa Copta no bairro do Jabaquara................................................75

Figura 9 - Igreja Católica Melquita na Avenida Paulista...................................................86

Figura 10 - Igreja Ortodoxa Russa no Exílio na Rua Tamandaré.....................................92

Figura 11 - Igreja Católica Maronita na Rua Tamandaré................................................101

Figura 12 - Igreja Católica Russa ao lado do Museu Paulista..........................................106

Figura 13 - Igreja Católica Armênia de São Gregório na Avenida Tiradentes..............113

Figura 14 - Igreja Católica Ucraniana na Vila Prudente..................................................120

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

AC - Membro do clero da Igreja Católica Armênia

AO - Membro do clero da Igreja Apostólica Armênia

CO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta

GO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega

MK - Membro do clero da Igreja Católica Melquita

MN - Membro do clero da Igreja Católica Maronita

PO - Membro do clero da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia

RC - Membro do clero da Igreja Católica Russa

RO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio

SO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Sirian

UC - Membro do clero da Igreja Católica Ucraniana

UO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana

F-AO - Fiel da Igreja Apostólica Armênia

F-MK - Fiel da Igreja Católica Melquita

F-SO - Fiel da Igreja Ortodoxa Sirian

F-UC1 e F-UC2 - Fiéis da Igreja Católica Ucraniana

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APRESENTAÇÃO

Dentro da grande maioria das Igrejas Orientais há uma estrutura muito familiar a

essas instituições religiosas: o Iconostasis. O Iconostasis é uma parede onde estão dispostos

diversos ícones de vários Santos, da Mãe de Deus e do próprio Jesus Cristo. A localização do

Iconostasis é muito importante na construção de uma Igreja Oriental. Ele se situa entre o altar

e a nave, marcando distintamente esses espaços.

O lado voltado para a nave é onde estão dispostos os ícones; o lado contrário, o das

costas do Iconostasis, está voltado para o altar. A circulação entre um lado e outro do

Iconostasis se dá por uma passagem: os Belos Portões. A Divina Liturgia, nome dado à

celebração religiosa Oriental (equivalente à Missa na tradição Católica Romana), depende

muito do Iconostasis. Todas as orações e as leituras do texto sagrado acontecem no altar; no

momento da pregação e da comunhão dos féis, o membro do clero atravessa os Belos Porões e

dirige-se à nave. A todo momento os fiéis estão voltados para o Iconostasis, onde estão

dispostos os ícones.

Essa relação do Iconostasis com a Divina Liturgia e sua posição na Igreja Oriental

sugerem certas reflexões. O Iconostasis seria a representação da divisão entre dois mundos

que se encontram na Igreja: um mundo transcendental, universal e necessário, e um mundo

humano, contingente e circunstancial. O lado do altar seria o mundo transcendental, e o lado

da nave, o humano.

Esse lado do altar é o espaço da oração, da relação com o divino, com o imutável,

pois está localizado atrás dos ícones dispostos, de frente para os fiéis. É lá o local da verdade,

somente acessível aos membros do clero. Somente quem conhece a oração por completo pode

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penetrar nesse espaço. Esse é o local onde se situa o texto sagrado, a palavra verdadeira, a

opinião verdadeira, a ortodoxia, único lugar onde ele pode ser lido de forma plena.

Do outro lado do Iconostasis está a nave. Lá estão os fiéis, os homens. É o lugar da

contingência, do mutável, do livre arbítrio. Nesse espaço os homens recebem a mensagem de

Deus por intermédio da oração vinda do outro lado do Iconostasis. Ali ocorre a pregação,

quando o membro do clero passa pelos Belos Portões e vem aos fiéis tratar de assuntos

terrenos, com a ajuda do texto sagrado. Nesse local também ocorre a comunhão, quando os

fiéis recebem o corpo de Cristo, e o homem torna-se um pouco divino.

Figura 1 - Iconostasis da Catedral Ortodoxa de Antioquia de São Paulo.1

1 Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 5/8/2007.

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As Igrejas Orientais também possuem outra particularidade: elas estão sempre

associadas às comunidades em que se desenvolveram. Portanto, qualquer Igreja Oriental vem

acompanhada de um adjetivo cultural, seja Armênio, Maronita, Ucraniana ou Russa. Assim, o

divino e o humano se misturam.

No lado transcendental do Iconostasis a oração é feita na língua da Igreja, os textos

sagrados estão na língua da Igreja, pois é necessário e divino. No entanto, quando o membro

do clero passa pelos Belos Portões e está fora da região de origem da Igreja, a língua é a

profana e contingente, no caso de São Paulo, o português. Os fiéis dependem sempre da

contingência; o Iconostasis, a parede de ícones que está voltada para eles, só lhes oferece a

verossimilhança, um eikos do que é a realidade de Deus.

O Iconostasis faz mediação entre dois mundos, entre a Igreja e o fiel, entre o que é

certo e o que pode tornar-se certo. Ele é o espaço do meio-termo, onde essas duas

experiências se encontram, o único espaço simbólico da Divina Liturgia em que todas as

experiências podem ser contempladas. Esse é o espaço deste estudo.

Deve-se ter claro que a dissertação buscará esse espaço do Iconostasis, o meio-termo

dessas Igrejas que trabalham de forma aparentemente dicotômica. O estudo procurará

compreender as relações dessas Igrejas na cidade de São Paulo. No lado do altar do

Iconostasis encontra-se o conceito de que essas Igrejas representam comunidades imigrantes

que há muito tempo vieram para a cidade de São Paulo e aqui se estabeleceram. Assim, essas

Igrejas seriam espaço de manutenção das tradições dessas comunidades, lutando contra

qualquer força que tentasse fazer com que elas se modificassem, criando verdadeiros baluartes

de cultura grega, armênia ou russa. Nesse lado do Iconostasis, assim como ocorre na Divina

Liturgia, existe a necessidade de que esses grupos mantenham sua cultura imutável, pois,

como será apontado mais adiante, necessitam disso para manter sua divindade cultural e

espiritual.

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Todavia, do lado da nave do Iconostasis encontram-se as ideias de que esses grupos,

uma vez que vieram para uma região distante do local de origem, estariam fadados a ser

totalmente incorporados à comunidade maior, que seus antigos projetos seriam frustrados e

que terminariam como grupo. Tal como na Divina Liturgia, esse lado do Iconostasis trará

apenas um entendimento parcial e volátil de sua existência na cidade.

O presente trabalho, ao focar justamente o meio-termo dessas duas abordagens,

tentará trazer os diversos elementos e as mediações que perpassam a vida dessas Igrejas na

cidade de São Paulo. Buscará apresentar como os membros do clero e alguns fiéis,

aparentemente em lados opostos do Iconostasis, vivem e se relacionam com a cidade e as

demais comunidades Orientais da metrópole e, de certa forma, com a Igreja Católica Latina

dominante.

Também se verificará que a origem remota dessas comunidades e suas batalhas e

medições anteriores moldaram e ainda moldam esses grupos. Esse meio-termo de

comunidades religiosas e culturais que, na cidade de São Paulo, mediam suas atitudes

contemplando a metrópole na sua atualidade e, concomitantemente, buscam no passado,

muitas vezes remoto, certa continuidade no agir faz-me elaborar uma metáfora: um

Iconostasis Paulistano. Pois estou na busca de um meio-termo das Igrejas Orientais próprio da

cidade de São Paulo. Destarte, tentarei trabalhar com os processos de incorporação dos dois

lados do Iconostasis, ainda que não se possa determinar exatamente o início e o final desse

processo muitas vezes realizado por essas Igrejas2.

As Igrejas Orientais encontradas em São Paulo são diversas, mas sempre pareceram

negligenciadas. Sempre me interessei pelos estudos sobre os diversos grupos imigrantes na

cidade. Mas não aqueles grupos já amplamente estudados: italianos, portugueses e japoneses.

2 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1990. p.17.

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Interessavam-me mais os grupos gregos, armênios e russos. Isso me levou ao primeiro contato

com as Igrejas Orientais, pois sabia que aqui na cidade de São Paulo havia uma grande Igreja

Ortodoxa no bairro do Paraíso. Pesquisando sobre os armênios, que têm uma comunidade

forte em Osasco, onde conheço muitas pessoas, soube que eles também são cristãos orientais.

De certa maneira, essa vivência pesou quando pensei em desenvolver meu projeto. No

entanto, este trabalho deve ser rigoroso e tentar escapar a qualquer tipo de exotismo,

apontando para o fato de que essas Igrejas são objetos históricos com suas características

peculiares e evitando preconceitos.

Para os Cristãos Orientais, “Oriental” é um termo que expressa as suas

identidades e carregado de valores positivos. Oriente é a direção das

orações, a localização bíblica do paraíso terreno, a fonte do nascente e

da iluminação do mundo, o quartel de onde vieram os Três Reis

Magos, os primeiros gentios a procurar Cristo. Para os Cristãos

Ocidentais, o termo “Oriental” pode carregar um senso de exótico, do

remoto, do “outro”, aquilo que é fora do normal e normativo. As

questões levantadas pelo “Orientalismo” foram até agora confinadas

principalmente em discussões que concernem religiões e culturas não-

Cristãs, mas Orientalismo pode afetar a percepção e estudo do

Cristianismo Oriental. Quando os Ocidentais vêm observar seus

companheiros Cristãos no Oriente, eles normalmente exibem atitudes

similares àquelas que eles exibem às culturas e religiões Orientais

não-Cristãs: uma fascinação com o exótico ou uma presunção de

superioridade, condescendida a uma realidade estranha vista com uma

notável falta de empatia.3

Esse tipo de presunção de superioridade e essa fascinação com o exótico se

entrecruzam, pois, como já apontado, contribuem para disseminar a ideia de que essas Igrejas

são objetos estáticos e sem uma experiência real. Isso acompanhado do fato de que são Igrejas

3 PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell Dictonary of Eastern Christianity. Oxford: Blackwell, 1999. p.XIV.

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que normalmente são negligenciadas, pela sua relação com o que talvez alguns chamem de

objetos irreais. Elas também estão, aparentemente, afastadas de uma “experiência ocidental”,

originárias de uma região do planeta onde, para alguns, a superstição e o exotismo grassam:

Houve ainda, no Ocidente, uma Modernidade que o Oriente não

conheceu. Há entre nós mestres, neste sentido, tais como Freud,

Hegel, Marx, Nietzsche e Heidegger que precisam ser ouvidos e

conhecidos no Oriente. Através desta tradição moderna, a inteligência

ocidental perscrutou os fundamentos da mensagem cristã que não é só

patrimônio do Ocidente. A partilha desta “inteligência” com o Oriente

seria frutuosíssima para as duas tradições. Desta forma, o Oriente

cristão conseguiria também se expressar culturalmente.4

Para não aproximar-me dessas afirmações, devo ser cuidadoso e compreender que as

Igrejas Orientais têm suas próprias características, sua própria experiência, que, algumas

vezes, encontra-se com o cristianismo Ocidental. Mas essas relações não podem ser

hierarquizadas.

Além desse tipo de abordagem que, de certa maneira, desvaloriza as experiências

das Igrejas Orientais, encontrei abordagens que são excessivamente zelosas com relação a

elas. Não que isso seja equivocado, mas, se posto de forma exagerada, pode nos levar a uma

fascinação do exótico, ou seja, tornar Igrejas objetos estáticos e não históricos:

À guisa de conclusão deste artigo, deve ser esclarecida que a Igreja

Católica Russa no Exílio, entre as demais, pode ser considerada a que

mais fidelidade guarda aos preceitos ortodoxos. Ela não se permitiu

mesclar-se com outras igrejas, as quais reprova por deixar-se levar a

4 MARTINS, Antônio Henrique Campolina. Católicos e Ortodoxos: duas tradições na Igreja de Cristo. In:

Rhena. Juiz de Fora, v.5, n.20, 1999. p.59.

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uma flexibilização exagerada da doutrina ortodoxa, desviando-se da

tradição. Manteve-se fiel a seus rituais, à observação do antigo

calendário e aos jejuns necessários.5

No presente estudo tentarei evitar esse tipo de observação. A experiência histórica e

cotidiana das Igrejas Orientais na cidade de São Paulo aponta para o fato de que não há uma

Igreja mais fiel aos preceitos ortodoxos. Afirmar isso é também afirmar que existe uma

verdadeira Igreja Oriental, afastada de toda a experiência e mediação cotidiana6. Explicar e

compreender as Igrejas Orientais na cidade de São Paulo perpassa o apontamento das

mediações, tentando conciliar suas antigas referências, sua antiga situação na metrópole e sua

luta cotidiana. Essa mediação se dá na prática e é refletida nos depoimentos de membros do

clero dessas Igrejas e de alguns fiéis. Todavia, foi necessário abandonar todo tipo de pré-

conceitos para que os depoimentos e, posteriormente, a bibliografia indicassem essas

mediações.

Quais e quem são as Igrejas Orientais na cidade de São Paulo? Como já

mencionado, essas Igrejas têm passados e trajetórias diversas que moldaram pouco a pouco a

maneira de interagir com os percalços encontrados e os projetos elaborados. Logo,

inicialmente, essa relação entre certas comunidades étnicas e determinada Igreja deve ser

realçada.

As Igrejas situadas na cidade de São Paulo são doze e estão distribuídas em três

famílias: as Igrejas Ortodoxas Calcedonianas, as Igrejas Ortodoxas não Calcedonianas e as

Igrejas Católicas Orientais.

5 LOIACONO, Mauricio. A Igreja Ortodoxa no Brasil. Revista da USP. São Paulo, n.67, set./nov. 2005. p.130.

6 THOMPSON, Edward P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p.57.

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O maior desses grupos ou famílias é o Bizantino ou Ortodoxo

Calcedônio, contabilizando para a vasta maioria dos Cristãos

Orientais; elas são as Igrejas do Império Romano do Oriente e aquelas

que emergiram das missões bizantinas. Elas estão (normalmente) em

comunhão com o Patriarca de Constantinopla. Depois há o grupo de

igrejas chamadas de Oriental Ortodoxa, que prospera nas áreas ao

leste do Império Bizantino. Essas são chamadas às vezes de Igrejas

não-Calcedônias ou pré-Calcedônias, pois sua separação aconteceu

depois de declinar a aceitar as decisões do Concílio de Calcedônia

(451) [...]. A terceira família são as várias Igrejas Orientais que

aceitaram a autoridade do Papa de Roma, que são conhecidas como

Gregas ou Orientais Católicas.7

Além dessa diversidade confessional, temos a diversidade étnica, que não

necessariamente desassocia-se da confessional. Assim, explicitamente, encontramos na cidade

de São Paulo as seguintes Igrejas Orientais:

1 - Igreja Católica Maronita, Católica Oriental, ligada à comunidade árabe (notadamente

libanesa);

2 - Igreja Apostólica Armênia, não Calcedoniana, ligada à comunidade armênia;

3 - Igreja Sirian Ortodoxa, não Calcedoniana, ligada à comunidade árabe (notadamente síria);

4 - Igreja Católica Russa, Católica Oriental, ligada à comunidade russa;

5 - Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, Calcedoniana, ligada à comunidade russa;

6 - Igreja Católica Armênia, Católica Oriental, ligada à comunidade armênia;

7 - Igreja Ortodoxa Ucraniana, Calcedoniana, ligada à comunidade ucraniana;

7 BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University

Press, 2002. p.9.

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8 - Igreja Católica Melquita, Católica Oriental, ligada à comunidade árabe;

9 - Igreja Católica Ucraniana, Católica Oriental, ligada à comunidade ucraniana;

10 - Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Antioquia, Calcedoniana, ligada à comunidade árabe;

11 - Igreja Ortodoxa Grega, Calcedoniana, ligada à comunidade grega; e

12 - Igreja Ortodoxa Copta, não Calcedoniana, de origem egípcia, porém seus membros, na

sua maioria, não são egípcios ou de origem egípcia.

O trabalho tentará focar temas relacionados às Igrejas Orientais presentes na cidade

de São Paulo, a partir das diversas possibilidades apresentadas pelos depoimentos orais. O

primeiro capítulo será uma introdução à trajetória dessas Igrejas. Abordando o aspecto do

deslocamento, o destaque será dado à vinda desses grupos cristãos orientais para a cidade e à

organização eclesiástica das Igrejas, sugerindo o fato de que essas instituições e os grupos

cristãos orientais estão inseridos numa trama internacional, mas, ao mesmo tempo, vivem as

peculiaridades da metrópole paulistana. Esse capítulo ressaltará as Igrejas Ortodoxas

(Calcedonianas e não Calcedonianas), que sofrem a influência da Igreja Católica Latina. Esta

instituição marca profundamente as relações da família Católica Oriental, questão que será

aprofundada em capítulo posterior.

O segundo capítulo analisará os depoimentos dos membros do clero. Nos

depoimentos orais desses indivíduos encontram-se diversos assuntos que podem ser

discutidos: relação com outras comunidades cristãs orientais na cidade, ritual, construção de

identidade étnica, processo de estabelecimento na metrópole, projetos e dificuldades. Além

disso, segundo os depoimentos, o rito, preservado e propagado pelos membros do clero, tem o

papel de comunicar valores partilhados no interior do grupo para manter unida aquela

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comunidade8. Nos depoimentos, os membros do clero parecem ser indivíduos que estão mais

associados às mediações que essas Igrejas fazem diariamente. Seriam portadores do discurso

oficial de cada Igreja e guardiões9 do passado e da cultura das comunidades a que estão

associados.

No entanto, antecipadamente, pode-se afirmar que essas relações são a todo

momento perpassadas pelas medições feitas por esses indivíduos, que buscam manter o

passado, as origens étnicas dessas Igrejas e a necessária essência de cada uma dessas

instituições. Mas, ao mesmo tempo, estão sempre lidando com a atualidade, a expansão ou o

recuo de suas comunidades e sua contingência. Porém, não existe nenhuma ideia de essência

permanente nem de um texto coletivo único fechado; a mediação, tantas vezes ressaltada, será

o ponto de maior importância no debate envolvendo os relatos dos membros do clero.

O discurso religioso, longe de ser somente uma experiência com o transcendental,

pode ser usado como forma de exercer poder, resistência, autonomia, inserção, manter e criar

identidades culturais, entre outras coisas. Na elaboração do trabalho surgiram elementos que

apontavam para um discurso de poder dentro da relação entre as Igrejas Orientais e a Igreja

Católica Romana. Esse tipo de tensão é mais sensível na associação entre as Igrejas Católicas

Orientais e a Igreja Católica Latina. Como já discutido anteriormente, em última instância, as

Igrejas Católicas Orientais pertencem à Igreja Católica Romana:

Enquanto os Ortodoxos são hostis aos Católicos Gregos, considerando

que eles caíram à sedução da herética Igreja Romana, Católicos

consideram que eles não são verdadeiramente Católicos, pois não

seguem tradições Latinas. Os Católicos Gregos, às vezes vêem a si

mesmos como uma ponte entre Oriente e Ocidente, providenciando

8 CONNERTON, Paul. Como as Sociedades Recordam. Oeiras: Celta, 1993. p.59.

9 Esse termo remete aos homens-memória de Jacques Le Goff. Indivíduos que são depositários da história

"objetiva" e "ideológica" de suas comunidades e Estados. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas:

Editora UNICAMP, 2010. p.425.

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um modelo onde uma futura união pode ser construída, mas mais

freqüentemente eles são vistos como uma barreira, providenciando

ainda mais argumentações para desacordos e tensões entre as duas

grandes tradições do Cristianismo.10

As Igrejas Católicas Orientais estão numa posição delicada, encontram-se entre a

cultura ortodoxa e a cultura católica latina. Esse entre espaços muitas vezes é utilizado como

local de poder da Igreja Católica Latina para “modernizar” os diversos aspectos de suas

“coirmãs” orientais. Esse processo de normatização e descrédito das Igrejas Católicas

Orientais pela Igreja Latina é análogo à ideia de que a tradição oriental é inferior à tradição

oriental11

. Isso se percebe de forma mais clara com um exemplo: um documento apresenta os

“erros” que os padres latinos apontaram na Igreja Católica Maronita. Eles deveriam ser

retirados da liturgia para que essa Igreja pudesse entrar em comunhão com Roma:

1- O Credo Nicenico deve ser revisado para incluir a profissão do

Espírito Santo do Pai e do Filho

2- Os Maronitas devem professar duas naturezas, duas vontades e

duas ações ou energias em Cristo

3- Eles devem retirar a frase Tu que foste crucificado por nós tenha

piedade em nós do Trisagio

4- Devem professar a existência do Purgatório

5- Divórcios nos termos de adultério devem ser proibidos e a Igreja

Maronita não deve abençoar o novo casamento de cônjuges que

divorciaram-se nesses termos

6- O padre não deve ungir o batizado com a Crisma, pois esta é

exclusivamente uma função do bispo

10

BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University

Press, 2002. p.36-37. 11

O discurso de poder da Igreja Latina trata as Igrejas Católicas Orientais como objetos de um orientalismo.

SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras,

2010. p.35.

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7- A Sagrada Comunhão não deve ser administrada aos jovens antes

de chegarem à idade da puberdade12

Mais do que uma série de leis canônicas, o que está presente aqui é um processo de

aculturação, de imposição de poder por meio da Igreja.

O terceiro capítulo, por seu turno, analisará especificamente as Igrejas Católicas

Orientais na cidade de São Paulo. A associação com a Igreja Católica Latina, em última

instância, foi feita porque grupos religiosos ortodoxos sentiram a necessidade de aliarem-se a

uma instituição mais poderosa, portanto, mais um processo de mediação ocorrido nos locais

de origem dessas Igrejas. Contudo, é necessário destacar que essa aliança está longe de ser

perfeita e é, como ressaltado anteriormente, perpassada pela questão do espaço intermediário

dessas Igrejas. Nos depoimentos dos membros do clero esse tipo de mediação aparece de

forma sutil, o discurso nos depoimentos é consensual, mais oficializado, valorizando os

aspectos que promoveram a união entre essas Igrejas e a Igreja Latina.

Já o quarto e último capítulo analisará depoimentos de fiéis de algumas das Igrejas

Orientais da cidade de São Paulo. A escolha desses fiéis foi feita levando em consideração a

anterioridade do indivíduo, ou seja, se nasceu dentro de uma comunidade cristã oriental ou

tornou-se adepto dela depois da idade adulta. Nesses depoimentos o discurso parece mais

distante daquele oficial; a experiência de cada fiel é o que parece ser ressaltado nos relatos.

Esses indivíduos também estão num espaço intermediário, mediando suas relações como fiéis

de suas Igrejas e sua experiência cotidiana pessoal na cidade. A ressignificação é ponto-chave

para se compreender as percepções desses indivíduos. Esses fiéis têm em mente a tradição

(muitas vezes como os membros do clero), mas ela varia de acordo com a pessoa13

. Portanto,

12

Apud: MOOSA, Matti. The Maronites in History. Piscataway: Georgias Press, 2005. p.250. 13

HALL, Stuart; SOVIK, Liv (Orgs.). Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte:

Editora UFMG, 2009. p.63.

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não há uma dicotomia entre fiel e membro do clero, mas múltiplas perfectivas em um só

indivíduo.

Apresentar essas múltiplas relações é procurar apontar as múltiplas mediações feitas

no Iconostasis Paulistano. O trabalho buscará trazer novos aspectos para contribuir no diálogo

sobre a diversidade cultural da cidade, sobre suas diversas comunidades imigrantes e sobre a

diversidade do cristianismo encontrado na metrópole. Todavia, deve-se ter cautela e não tratar

a Igrejas Orientais na cidade de São Paulo de forma exótica, desvalorizando ou

supervalorizando essas instituições. É preciso perceber que esses indivíduos associados a cada

uma delas têm suas perspectivas e subjetividades próprias, e não cumprem um grande papel

teórico que trará a verdade sobre a fé ou uma cultura. Mas deve-se ter em mente que o

discurso religioso, valorizado neste trabalho, pode ser um elemento de posicionamento

político, luta por uma memória, uma experiência pessoal e um elemento capaz de revelar

como essas comunidades e Igrejas conseguem mediar suas relações na megalópole paulistana.

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CAPÍTULO I - ICONOSTASIS PAULISTANO: ESTABELECIMENTO

E FORMAÇÃO DAS IGREJAS ORIENTAIS

O cristianismo oriental paulistano é diverso. Ele é composto por doze Igrejas com

graus distintos de relação. Essas Igrejas estão divididas em dois grupos: Igrejas Ortodoxas,

que serão analisadas com maior densidade neste capitulo, e as Igrejas Católicas Orientais, que

possuem a característica peculiar de pertencer à Igreja Católica (ver capítulo 3). O grupo

Ortodoxo, por sua vez, é dividido em duas famílias: as Igrejas Calcedonianas e as não

Calcedonianas14

.

O corpo documental básico deste capítulo, e de grande parte do trabalho, são os

depoimentos dos membros do clero de cada uma dessas Igrejas. Eles seriam os guardiões da

memória das Igrejas (ver capítulo 2). No entanto, desde já, alguns apontamentos merecem ser

destacados com relação ao uso desses depoimentos no estudo.

Na coleta de depoimentos os entrevistados pediram que não fossem identificados.

Portanto, para melhor compreensão e assimilação da diversidade desses grupos, cada membro

do clero será designado nesta dissertação com um código. A seguir serão apresentadas as

denominações das Igrejas Orientais Paulistanas, divididas em seus respectivos grupos, com o

código de cada membro do clero entrevistado:

14

As Igrejas Ortodoxas não Calcedonianas são Igrejas que não aceitaram as resoluções do Concílio de

Calcedônia no ano de 451, que decidiu sobre a natureza de Cristo. Segundo as resoluções, Cristo teria duas

naturezas (physis em grego), uma humana e uma divina. As Igrejas não Calcedonianas acreditam que Cristo

possui apenas uma natureza divina; portanto, são “pejorativamente” chamadas de monofisitas. Os grupos que

não aceitaram as resoluções de Calcedônia foram justamente aquelas comunidades na periferia do Império

Bizantino, como armênios e egípcios (coptas). BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox

Churches. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p.27-8. Isso denota como a religião pode ser um

elemento de resistência e poder.

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→ Igrejas Católicas Orientais

Igreja Católica Maronita (o membro do clero será identificado pelo código MN), Igreja

Católica Armênia (AC), Igreja Católica Melquita (MK), Igreja Católica Ucraniana (UC),

Igreja Russa Católica (RC).

→ Igrejas Ortodoxas

Igrejas Ortodoxas Calcedonianas: Igreja Ortodoxa Grega (GO), Igreja do Patriarcado

Ortodoxo de Antioquia (PO), Igreja Ortodoxa Ucraniana (UO) e Igreja Ortodoxa Russa no

Exílio (RO).

Igrejas Ortodoxas não Calcedonianas: Igreja Apostólica Armênia (AO), Igreja Ortodoxa

Sirian (SO) e Igreja Ortodoxa Copta (CO).

1.1 MAPA DO CRISTIANISMO ORIENTAL

Na megalópole paulistana as Igrejas Orientais estão distribuídas de forma

diversificada. Algumas possuem várias igrejas, como a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, com

templos em Moema, Liberdade e Vila Prudente (seu templo original). Outras são muito

distantes de seus membros, como a Igreja Católica Ucraniana, conforme afirma UC: “[...] a

expansão de São Paulo é muito grande e, para participar de nossa celebração, muitas vezes as

pessoas tomam três, quatro ônibus.”15

Algumas realizam a celebração da Divina Liturgia

15

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 16/06/2010.

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várias vezes aos domingos, como a Igreja Católica Maronita, enquanto outras, uma vez a cada

mês (o primeiro domingo do mês), caso da Igreja Católica Russa. Há uma multiplicidade de

Igrejas na cidade que vivem as diferentes condições que encontram adaptando-se, procurando

um meio-termo entre necessidade e contingência, como o lugar do Inconostasis na Divina

Liturgia. Esse é o Iconostasis Paulistano.

Observando o mapa da Grande São Paulo e identificando a localização de cada igreja

principal das diversas Igrejas Orientais na cidade, compreende-se certa relação entre elas. As

Igrejas de origem árabe estão distribuídas bem próximas umas da outras. A Igreja Católica

Maronita, com fortes ligações com o Líbano, está localizada na Rua Tamandaré. Bem

próximo a essa, no encontro entre a Rua Vergueiro e a Avenida Paulista, está, talvez, a mais

notável das Igrejas Orientais de São Paulo: a Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia,

instalada numa imensa catedral com cúpulas douradas e arquitetura inspirada na mais famosa

Igreja Oriental do mundo, a de Santa Sofia (Santa Sabedoria), na cidade de Istambul. Esta

Igreja, muitas vezes encontrada em guias turísticos, passou a ser a principal referência na

cidade quando se pensa nas Igrejas Orientais, no entanto, é mais uma das diversas encontradas

na megalópole. Além disso, ao contrário do que muitos imaginam, não está relacionada à

comunidade russa ou grega, mas à comunidade árabe, notadamente síria.

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Figura 2 - Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia no bairro do Paraíso.16

Próximo dali, atravessando o viaduto sobre a Avenida Vinte Três de Maio, a pouco

mais de uma quadra deste, há a Igreja de Nossa Senhora do Paraíso, que pertence à Igreja

Católica Melquita. Essa igreja, que dá nome ao bairro do Paraíso, homenageia essa Virgem do

cristianismo oriental. Nas redondezas encontra-se uma das instituições paulistanas

relacionadas com a comunidade árabe, o Clube Homs, apontando para o fato de que as Igrejas

Orientais estão profundamente relacionadas com suas respectivas comunidades originárias.

Mais ao sul, próximo à Avenida José Maria Whitaker, na Vila Marina, está a Igreja Sirian

Ortodoxa, na Rua Padre Mussa Tuma, que homenageia o fundador da Igreja. Ao lado desta

igreja, a menos de um quilômetro está o Esporte Clube Sírio, uma vez mais relacionado às

Igrejas Orientais e às instituições de suas comunidades em diáspora.

16

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 16/9/2011.

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As Igrejas de origem eslava também estão distribuídas praticamente num mesmo

espaço, notadamente na Vila Prudente. Segundo os depoimentos, diversas comunidades da

Europa Oriental se estabeleceram nesse bairro para escapar das perseguições sofridas pelas

minorias, principalmente na primeira metade do século XX, pelas mãos da União Soviética e,

posteriormente, da Alemanha nazista.

Nessa região encontra-se, na Rua Paratiquara, a Igreja da Santíssima Trindade, sede

da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio na cidade de São Paulo. Como já mencionado, existem

outras paróquias dessa Igreja espalhadas por vários pontos da cidade. Algo excepcional em

relação às demais Igrejas Orientais. Mais ao sul, menos conhecida, está a Igreja Nossa

Senhora da Glória, na Rua das Valerianas, que pertence à Igreja Católica Ucraniana.

Atravessando o rio Tamanduateí e a Avenida dos Estados, está o município de São

Caetano do Sul, que possui uma forte comunidade ucraniana relacionada àquela da Vila

Prudente. Além disso, há nesse município a sede da Igreja Ortodoxa Ucraniana na Grande São

Paulo, a Igreja de São Waldomiro, que está localizada na Rua dos Ucranianos, no bairro

Barcelona. Mais distante, no Ipiranga, na Rua dos Sorocabanos, ao lado do Museu Paulista,

encontra-se a menor de todas as comunidades de cristãos orientais da cidade: a Igreja Católica

Russa. De modo geral, as Igrejas Orientais eslavas estão concentradas num mesmo local, no

entanto, a comunidade eslava espalhou-se pela cidade, como aponta o depoimento de UC e a

presença da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio por diversos bairros da cidade.

Outra comunidade de cristãos orientais na cidade é a dos armênios. As Igrejas

Orientais desse grupo estão localizadas dos dois lados da Avenida Tiradentes, próximo ao

centro de São Paulo. Perto do Museu de Arte Sacra está a Igreja São Gregório o Iluminador,

pertencente à Igreja Católica Armênia. O santo homenageado por essa igreja não é de origem

armênia, e sugere um pouco de como a Igreja Católica Armênia entende-se dentro do

cristianismo oriental e armênio. Do outro lado da Avenida Tiradentes está a Igreja Apostólica

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Armênia, que conta com a maior parte dos fiéis armênios cristãos orientais. Um pouco adiante

na avenida existe a Praça Armênia, com um monumento às vítimas do Genocídio Armênio e,

mais adiante, a estação Armênia do metrô. Assim, essa região está cercada de referências a

essa comunidade.

Todavia, são poucos os indivíduos de origem armênia que vivem nessa região. Como

muitas outras comunidades imigrantes do Bom Retiro, eles deixaram essa região para se

instalar em outras da cidade à medida que enriqueceram (como os judeus). Além disso, os

dois clubes dedicados à comunidade estão instalados nos bairros de Alto de Pinheiros e Vila

Mariana, mostrando não só a distância dessas instituições das igrejas da comunidade (ao

contrário do que se vê no caso da comunidade cristã oriental árabe), como também o

progresso material por que ela passou, já que esses bairros são considerados áreas nobres da

cidade.

A maioria dessas Igrejas instalou-se na cidade ao longo da primeira metade do século

XX. Porém, no bairro do Jabaquara, na Rua São Borja, está a Igreja de São Marcos. Uma

igreja pertencente à Igreja Ortodoxa Copta inaugurada no ano de 2006. A comunidade

iniciou-se a partir do trabalho de Don Aghason nos primeiros anos da década de 9017

e

prosperou a ponto de hoje possuir uma igreja. No entanto, a Igreja Ortodoxa Copta na cidade

de São Paulo possui uma peculiaridade em relação às demais Igrejas Orientais na cidade, mas

isso será analisado mais adiante. A Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo está

localizada na Rua do Bresser, no Brás, que, assim como o Bom Retiro, foi um bairro que

agregou diversos grupos imigrantes a partir do início do século XX. Outra igreja dessa

comunidade está localizada no bairro do Cambuci, na Rua Albuquerque Maranhão.

17

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 22/08/2010.

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Figura 3 - Mapa da cidade com localização das Igrejas Ortodoxas.18

18

Mapa elaborado pelo autor a partir do Google Maps (https://maps.google.com.br/).

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O mapa apresentado mostra a localização dessas comunidades e suas Igrejas. Elas

estão distribuídas em locais específicos e, de alguma forma, moldaram a região à sua volta,

pois há uma forte relação entre essas Igrejas e as comunidades étnicas que elas representam.

A partir da localização das igrejas é possível compreender melhor a trajetória desses grupos

na cidade, seus locais de chegada e o progresso material de alguns grupos. Conhecendo os

locais de encontro dessas comunidades percebe-se o quão diverso pode ser o espaço

paulistano, e como muitas vezes elementos deste podem nos escapar.

1.2 LADO ORIENTAL DO CRISTIANISMO: IGREJAS ORTODOXAS

Este item irá tratar sobre a relação de muitas dessas comunidades com seus locais de

origem. Neste primeiro capítulo, será dada ênfase às Igrejas Ortodoxas. As Igrejas Católicas

Orientais, por possuírem a peculiaridade de pertencer à Igreja Católica Romana, merecem ser

tratadas de forma distinta.

As Igrejas Ortodoxas são aquelas Igrejas que no passado mantiveram relações mais

estreitas, conturbadas ou não, com o Império Bizantino. Portanto, desenvolveram um

cristianismo em conjunto ou em oposição a essa antiga instituição. As Igrejas não

Calcedonianas na cidade de São Paulo, como já dito, estão representadas pela Igreja

Apostólica Armênia, a Igreja Sirian Ortodoxa e a Igreja Ortodoxa Copta. Elas têm sua origem

no cristianismo criado nas fronteiras do Império Bizantino. Assim sendo:

As Igrejas não-Calcedônicas estão nas áreas a leste e ao sul do

Império Bizantino [...]. O coração dessas Igrejas mantém-se na

Armênia, Síria, Egito, Sul da Índia, Etiópia e Eritréia mesmo que as

mudanças no mapa político e as migrações tenham dispersado as

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Igrejas de forma mais abrangente. Enquanto tendo suas raízes no

Cristianismo do Mediterrâneo oriental, elas desenvolveram-se num

ambiente político diferente dos das Igrejas Calcedônicas, numa

atmosfera cultural não-Grega e não-Eslava.19

Esse aspecto fronteiriço marca profundamente essa família de Igrejas Ortodoxas,

pois influiu no seu desenvolvimento em oposição às Igrejas Calcedonianas, associadas ao

cristianismo do Império Bizantino. Isso criou uma série de conflitos entre o poder de Bizâncio

e seu cristianismo, e as Igrejas não Calcedonianas e seu cristianismo periférico e identidade

distinta da grega (bizantina):

A doutrina monofisita por sua vez entrou na Armênia através da

Mesopotâmia e desenvolveu-se rapidamente, principalmente pelo fato

de incentivar o nacionalismo, dando assim incentivo para as

hostilidades entre os gregos.20

Assim sendo, o cristianismo monofisita teria chegado à Armênia pela Mesopotâmia,

ou seja, teria ocorrido uma troca entre os grupos religiosos na periferia do Império Bizantino,

criando uma hostilidade contra os gregos (bizantinos). Isso reforça o fato de que as relações

entre as Igrejas não Calcedonianas e Igrejas Calcedonianas foram tensas. Ocorre que, muitas

vezes, um aspecto aparentemente doutrinário de uma disputa religiosa pode ter relação com os

demais aspectos de uma comunidade, como a busca de afirmação no exercício do poder ou da

resistência. Esses grupos não Calcedonianos pareciam estar resistindo para obter uma

autonomia em relação ao poder bizantino.

19

BINNS, John. An Introduction to the Christian Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University

Press, 2002. p.30. 20

KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas: Tradições Vivas. São Paulo: AM

Edições, 1997. p.151. Khatlab, assim como a grande parte dos autores que tratam do cristianismo ocidental, é um

homem filiado a alguma Igreja, e isso não deve ser deixado de lado, pois implica uma interpretação peculiar que

o autor pode atribuir a um evento específico da história das Igrejas Orientais.

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No entanto, deve haver prudência nessa análise, para evitar certos anacronismos.

Chamar de nacionalismo a força de identidade que havia entre os armênios direcionada contra

os gregos seria um deles. O nacionalismo, como conceituado, foi uma ideia desenvolvida no

século XIX; antes disso havia relações de identidade muito diferentes do que seria um

nacionalismo21

. Além disso, chamar de monofisitas os cristãos não Calcedonianos deve ser

evitado, pois muitos autores consideram o termo pejorativo.

Se por um lado os cristãos não Calcedonianos são um ramo das Igrejas Ortodoxas

que se desenvolveu em oposição e, posteriormente, fora do mundo bizantino, o cristianismo

Calcedoniano surgiu em conjunto, o que não necessariamente significa sem atritos, com o

mundo bizantino. Entre as Igrejas pertencentes à família Calcedoniana presentes em São

Paulo, duas estão diretamente associadas à estrutura religiosa e administrativa do Império

Bizantino (antes Romano): a Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja Ortodoxa do Patriarcado de

Antioquia. E duas ligadas às missões religiosas bizantinas entre os eslavos: a Igreja Ortodoxa

Ucraniana e a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio.

Essas duas primeiras Igrejas, de alguma forma, têm estrutura eclesiástica semelhante

aos modelos administrativos do Império Romano e, posteriormente, Bizantino, apontando

para o fato de que elas, como a Igreja Católica Romana, foram instituições oficiais de um

poderoso Estado:

Com a Cristianização do Império Romano, os bispos das capitais

regionais do império adquiriram reconhecimento formal de sua

autoridade sobre as igrejas de suas dioceses imperiais. Roma,

Alexandria e Antioquia tornaram-se focos organizacionais da igreja, e

o bispo de Constantinopla e Jerusalém foram reconhecidos mais tarde

como possuindo honra e autoridade similar, especialmente em

21

HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1990.

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escutando apelos contra bispos locais e em resolvendo disputas entre

eles. Nos concílios de Constantinopla I (381) e Calcedônia (451) a sé

de Constantinopla foi reconhecida como segunda em honra à Roma,

dando aos bispos das duas capitais do império jurisdição preeminente

no Oriente e Ocidente respectivamente.22

Assim, tendo em vista as semelhanças entre a construção do poder estatal e a

estrutura eclesiástica, observa-se uma aproximação do passado dessas Igrejas com elementos

do poder bizantino. Em São Paulo, a Igreja Ortodoxa Grega está diretamente associada ao

Patriarcado de Constantinopla, também chamado de Ecumênico, pela sua primazia em relação

às demais Igrejas Orientais Calcedonianas; e a Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Antioquia

está ligada à Sé Calcedoniana de Antioquia.

As Igrejas Ortodoxas eslavas na cidade de São Paulo estão associadas às missões

bizantinas na região da planície do rio Volga, na atual Rússia e Ucrânia. Ambas as Igrejas têm

uma origem comum: a conversão ao cristianismo bizantino feita pelo príncipe Vladimir de

Kiev no século X23

. Com o tempo, essas Igrejas gradativamente separaram-se. Os grupos que

foram absorvidos pelo cristianismo ocidental, principalmente pelas mãos do Estado polonês, e

posteriormente pela imigração em massa para a América do Norte (principalmente Canadá),

formam o cristianismo ucraniano. Os grupos que se mantiveram distantes da influência do

cristianismo ocidental desenvolveram o cristianismo russo.

Esse cristianismo ucraniano é forte na diáspora, diferentemente do que ocorre na

Ucrânia, em que os anos de dominação russa quase o extinguiram. Com a independência

ucraniana após o fim da União Soviética, o cristianismo ucraniano foi retomado,

principalmente com a ajuda da diáspora. No entanto, existem ainda disputas com um

segmento do cristianismo da Igreja do Patriarcado Russo na Ucrânia:

22

PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell Dictionary of Eastern Christianity. Oxford: Blackwell, 1999. p.372-3. 23

WARE, Timothy. The Orthodox Church. Londres: Penguin Books, 1997. p.78.

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36

A situação na Ucrânia é especialmente complexa, pois o Patriarcado

de Moscou já foi desafiado diversas vezes através do século XX por

igrejas Ucranianas "nacionais". A Igreja Ortodoxa Autocéfala

Ucraniana surgiu depois de 1920. Foi inicialmente tolerada como

parte do esforço do governo Soviético de semear dissidências dentro

da Igreja Ortodoxa Russa, mas foi tornada clandestina depois de 1930.

A Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana foi brevemente restaurada

durante a 2ª Guerra Mundial no início da ocupação do país pela

Alemanha Nazista, mas depois foi forçada para o exílio, onde

sobrevive nos Estados Unidos. Quando a Ucrânia tornou-se

independente em 1991, o líder da Igreja Ortodoxa Autocéfala

Ucraniana retornou à Kiev, onde foi proclamado Patriarca de Kiev e

de Toda a Ucrânia. A Igreja Autocéfala Ucraniana com sua sede em

Kiev, no entanto, não é reconhecida pelo patriarca ecumênico nem

pelo Patriarca de Moscou. 24

Hoje na Ucrânia existe uma disputa entre um cristianismo ucraniano, posto na

defensiva, e um cristianismo russo, dominante. No entanto, do ponto de vista da organização

eclesiástica, nenhuma das Igrejas Ortodoxas eslavas presentes na cidade de São Paulo tem

relação direta com essas disputas específicas. Estão sim associadas a elas por compartilharem

um passado comum com essas disputas, por isso a importância de ressaltá-las. Mas elas

disputam em um ambiente muito distinto do ucraniano.

24

MAGOCSI, Paul Robert. Historical Atlas of Central Europe: From the Early Fifth Century to the Present.

Londres: Thames & Hudson, 2002. p.220.

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37

1.3 ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA DAS IGREJAS ORTODOXAS

Uma vez examinada a relação entre as comunidades étnicas em diáspora na cidade de

São Paulo e as suas áreas de origem, falta apresentar a estrutura eclesiástica das Igrejas

Ortodoxas de São Paulo, que se inserem em uma rede global de Igrejas.

Com relação à Igreja Apostólica Armênia, o Catholicos é o líder supremo da Igreja,

no entanto, existem dois Catholicos: o Catholicos Armênio da Cilícia, que vive na Sé de

Antelias no Líbano, e o Catholicos de Etchmiadzin, na atual República da Armênia, capital

religiosa desse Estado. Durante muito tempo foi o Catholicos da Cilícia que teve a primazia

entre as igrejas Armênias ao redor do mundo. Porém, desde o fim da União Soviética, da qual

fazia parte a República da Armênia, a Sé de Etchmiadzin, por conta de sua importância

histórica na formação do cristianismo apostólico (ou ortodoxo) armênio, começou a liderar25

.

No caso da cidade de São Paulo, nos últimos trinta anos, houve mudanças

significativas na estrutura eclesiástica da Igreja Apostólica Armênia, como aponta AO:

Até 1980, a Diocese do Brasil estava ligada à Diocese da Argentina,

ou melhor, à Diocese da América do Sul, cuja sede diocesana estava

instalada em Buenos Aires. Mas no ano de 80, foi necessário separar

as dioceses da América do Sul e por ordem do Cathólicós, Patriarca

25

BAILEY, Betty Jane; BAILEY, J. Martin. Who are the Christians in the Middle East. Cambridge: William

B. Eerdman‟s, 2003. p.68.

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38

Supremo dos Armênios, quando visitou a América do Sul ele instalou

os três países com suas próprias dioceses, ou seja, Argentina, Brasil e

Uruguai. A Argentina cuida também do país Chile onde temos uma

pequena comunidade e o Uruguai também tem sua própria diocese e

Brasil também tem sua própria diocese.26

Pelo depoimento é possível observar a importância que possui a comunidade armênia

da Argentina, e isso não ocorre somente no caso da Igreja Apostólica Armênia. Grande parte

das Igrejas Orientais Paulistanas tem como lideranças locais os membros do clero de suas

Igrejas localizadas na Argentina, indicando que naquele país houve grandes diásporas de

cristãos orientais, às vezes maiores que no Brasil.

No entanto, o depoimento também aponta a importância da comunidade apostólica

armênia no Brasil, que, por ordem do Patriarca Supremo dos Armênios, o Catholicos de

Etchmiadzin, ganhou uma diocese independente a partir da década de 80. Essa reorganização

das dioceses da América do Sul ocorreu no mesmo período de fortalecimento do Catholicos

da República da Armênia, em detrimento do Catholicos da Cilícia. Esse fortalecimento

institucional e eclesiástico da Igreja Apostólica Armênia no Brasil continuou durante a década

de 1980, pois, como aponta AO:

E no ano 84, o sacerdote que estava indicado aqui como representante

da Igreja Armênia, como chefe da Igreja Armênia da comunidade, foi

ordenado como bispo e foi o primeiro bispo diocesano de São Paulo.27

26

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 08/02/2010. 27

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 08/02/2010.

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39

Assim, a Igreja Apostólica Armênia ganhou um bispo próprio, representante do

Catholicos de Etchmidzin na cidade, mostrando a preponderância desse Catholicos em São

Paulo. Na entrevista AO também fala da importância de certas instituições para a manutenção

da comunidade na cidade:

E hoje ao lado da Igreja existe também a escola que tem 81 anos essa

escola, e mantém sua missão para a nova geração da comunidade.

Ensinando junto com o ensino brasileiro, a língua portuguesa, o

armênio também. Uma instituição colegial em São Paulo. Neste

momento no Brasil, existem mais ou menos 35 a 40 mil armênios,

cujo 95% estão em São Paulo.28

AO observa a importância de uma escola para manter a missão para as novas

gerações, para preservar o que seria uma cultura armênia necessária para conservar a fé cristã

apostólica armênia. Como na metáfora do Iconostasis Paulistano, o membro do clero está no

lado voltado para o altar do Iconostasis, local da necessidade de manutenção da identidade

cultural e da fé. No entanto, a contingência da cidade obriga-os a repensar estratégias para a

manutenção desses elementos, e uma escola é uma estratégia. O apontamento sobre a

longevidade dessa instituição escolar mostra o orgulho do membro com o sucesso de sua

estratégia para manter os elementos, que ele acredita serem necessários, do cristianismo

apostólico armênio.

28

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 08/02/2010.

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40

Outro fator citado nesse trecho do depoimento de AO é com relação à quantidade de

armênios no país e sua distribuição. Observa-se que a comunidade armênia no Brasil possui

aproximadamente 40 mil membros e que está fundamentalmente localizada na cidade de São

Paulo29

, sugerindo que, diferentemente das comunidades árabes ou ucranianas, esse grupo de

cristãos orientais no país é essencialmente paulistano.

Outra Igreja Ortodoxa não Calcedoniana na cidade é a Igreja Ortodoxa Sirian. Essa

Igreja tem sua sede localizada na cidade de Damasco, na Síria, e a denominação de seu líder é

Patriarca de Antioquia. Será observada no presente trabalho a reivindicação do título de

Patriarcado de Antioquia pela liderança de todas as Igrejas de origem árabe na cidade:

Católica Melquita, Católica Maronita, Sirian Ortodoxa e, é claro, a Igreja do Patriarcado

Ortodoxo de Antioquia. Isso sugere uma disputa de uma memória identitária entre essas

Igrejas, como também os diversos conflitos ocorridos entre elas. A Igreja Sirian Ortodoxa

desenvolveu-se em oposição às Igrejas Melquita e Maronita, que são católicas, e a Igreja do

Patriarcado Ortodoxo, que é Calcedoniana. Essa Igreja, diferentemente de sua irmã

Apostólica Armênia, está espalhada de forma diversa no território nacional, conforme indica o

depoimento de SO:

Mas temos aqui em São Paulo duas Igrejas, a Igreja Sirian Ortodoxa

Santa Maria e a Igreja Sirian Ortodoxa São João Batista, e temos em

Campo Grande a Igreja São Jorge, e em Belo Horizonte a Igreja São

Pedro.30

29

Além da comunidade na cidade de São Paulo, existe uma comunidade numerosa no município de Osasco, na

Grande São Paulo, especialmente no bairro de Presidente Altino. Fora de São Paulo há uma pequena

comunidade em Campo Grande - MS. 30

Depoimento de membro do clero da Igreja Sirian Ortodoxa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 12/02/2010.

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41

Figura 4 - Igreja Ortodoxa Sirian de Santa Maria na rua Padre Mussa Tuma.31

O depoente cita uma diversidade de comunidades ligadas à Igreja Sirian Ortodoxa

estabelecidas no Brasil, no caso, além de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Na

cidade de São Paulo, a Divina Liturgia dominical é celebrada na igreja São João Batista e os

casamentos, na igreja Santa Maria. Outro elemento de destaque, como aponta SO, na

formação dessa Igreja na cidade de São Paulo é a preservação dos restos mortais de Musa

Tuma, homenageado com o nome da rua onde se localiza a igreja de Santa Maria:

Começou a história do nosso povo aqui em São Paulo e o primeiro

pároco que veio foi o padre Musa Tuma, o falecido padre Musa Tuma,

e onde nós temos os restos mortais na Igreja Sirian Ortodoxa Santa

Maria.32

31

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 16/9/2011. 32

Depoimento de membro do clero da Igreja Sirian Ortodoxa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 12/02/2010.

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42

Musa Tuma seria um indivíduo de importância para a memória dessa comunidade e

também como fundador desta. A preservação de seus restos mortais em uma das igrejas da

comunidade seria indício disso. A presença dessa relíquia seria um elemento de busca da

preservação dessa fé e identidade sirian ortodoxa, ou seja, mais uma estratégia desses

membros do clero para cumprir a função que muitos deles assumem de guardião dessa

identidade e fé específica.

Além das Igrejas Apostólica Armênia e Sirian Ortodoxa, há a terceira Igreja

paulistana da família das Ortodoxas não Calcedonianas: a Igreja Ortodoxa Copta, a mais nova

a estabelecer-se na cidade. Essa Igreja tem sua sede no Cairo, capital do Egito, e seu Patriarca

denomina-se Patriarca de Alexandria. Segundo CO, a relação entre ela e a comunidade

egípcia na cidade, de início, não pareceu muito proveitosa:

O povo egípcio veio aqui muito tempo atrás, na época do presidente

Gamar Abdel Nasser. Nós chegamos aqui muito tarde, só... A maioria

deles foi casado com brasileiras, morando em vários Estados aqui no

Brasil. Tentei com eles várias vezes para aparecer, alguns deles

apareceram. Só tenho amizade com eles por telefone, ou na maioria

eles não aparecem. Porque você sabe, o Brasil está muito livre e a

maioria não se interessa pela Igreja mais.33

33

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 22/08/2010.

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43

Nesse trecho do depoimento encontram-se alguns elementos acerca da existência da

Igreja Copta na cidade de São Paulo: a ocorrência de uma comunidade cristã oriental egípcia

no país e sua pouca relação com a Igreja recentemente instalada na metrópole. No entanto,

parece que a relação que essa Igreja tem com a cidade é distinta daquela verificada na maioria

das Igrejas Orientais instaladas em São Paulo.

É importante ressaltar o descontentamento de CO em relação ao que ele denomina de

muito livre, o Brasil seria um país muito livre. Mais uma vez está presente o compromisso do

membro do clero com sua missão como guardião dessa cultura necessária à manutenção da fé.

Essa indignação com a liberalidade excessiva do país é uma reclamação sobre as

contingências que vive essa Igreja e a comunidade copta egípcia à qual ele está estreitamente

relacionado. Todavia, a maneira de aproximação da Igreja Copta com os habitantes da cidade

de São Paulo, como será apresentado no próximo item, está bem distante da relação entre ela

e sua comunidade egípcia original.

Agora será dada ênfase às Igrejas Ortodoxas Calcedonianas da cidade de São Paulo,

começando com a Igreja Ortodoxa Grega. Sobre essa Igreja pode-se ressaltar que não possui

relação eclesiástica com a Igreja Ortodoxa Grega na Grécia; ela está inteiramente associada ao

Patriarcado Ecumênico de Constantinopla:

Nós pertencemos à Igreja Grega, Grega, não da Grécia. Porque a

Igreja da Grécia é uma Igreja autônoma, ela tem um Arcebispo Primaz

que hoje chama Ieronymos... Aliás a Igreja Grega até, por incrível que

pareça, ela como Igreja autocéfala ela é jovem. A Grécia foi libertada,

ou se libertou dos turcos em 1821, um ano antes da nossa

independência aqui de Portugal; mas parece-me que a independência

da Igreja Grega como Igreja autônoma se deu em 1850 parece, ela é

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44

jovem, como Igreja que tem um sínodo próprio que tem um arcebispo

chefe Primaz.34

Essa criação de uma Igreja Grega independente do Patriarcado de Constantinopla

deve-se às lutas nacionalistas ocorridas no início do século XIX35

. Contudo, segundo GO, o

Patriarcado Ecumênico possui jurisdição sobre algumas regiões na Grécia e a diáspora grega

ao redor do mundo:

Pois bem, ou seja, os gregos fora da Grécia eles obedecem ao

Patriarca Ecumênico, os gregos na Grécia obedecem o arcebispo de

Atenas, exceto os gregos do norte da Grécia... Apesar de ser uma terra

antiquíssima, vamos dizer: Tessalônica, Macedônia, aquela região

toda ali. Mas como, uma vez independente a Grécia dos turcos, aquele

território ainda ficou sob o regime turco. Depois que veio a liberdade,

a libertação... Como também as ilhas, vamos dizer: Rodes, não sei o

que. Então estas terras, apesar de serem antiquíssimas, mas como

liberdade são terras novas, então as terras novas, ou seja, Tessalônica

e todo o norte da Grécia, Monte Athos, Agios Oros, também,

pertencem ao Patriarca Ecumênico [...].36

A liderança regional dessa Igreja em São Paulo é exercida pela diocese Ortodoxa

Grega de Buenos Aires, apontando mais uma vez para o fato de que é na Argentina que

muitas sedes das Igrejas Orientais Paulistanas estão localizadas. No Brasil, segundo GO, a

Igreja possui representações nas principais capitais do Centro-Sul:

34

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/08/2011. 35

No processo de independência grego, o Patriarca de Constantinopla estava associado ao Estado Otomano,

portanto, o clero que apoiou o movimento de autonomia grego organizou uma Igreja Grega nacional. BINNS,

John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

p.180-1. 36

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/08/2011.

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45

Muito bem, agora nós temos em Brasília, temos uma comunidade,

temos em São Paulo a catedral na rua Bresser 793, temos aqui no

Cambuci, que é a paróquia dedicada à missão de Nossa Senhora, a

Mãe de Deus, Theotokos, na rua Albuquerque Maranhão 211,

Cambuci [entrevistado se identifica]; temos em Vitória, Rio de

Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Florianópolis, agora estão abrindo

uma outra comunidade em Joinville, e Rio Grande do Sul.37

A outra Igreja na cidade de São Paulo associada a um Patriarcado Ortodoxo

Calcedoniano é a Igreja do Patriarcado de Antioquia. A sede mundial dessa Igreja se localiza

em Damasco, na Síria, e a sede nacional está na própria cidade de São Paulo, na famosa igreja

de cúpula dourada no bairro do Paraíso. A Igreja do Patriarcado Ortodoxo da Antioquia talvez

seja a Igreja Ortodoxa mais bem representada no país, com paróquias no interior do Estado de

São Paulo, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do país, acompanhando a imigração sírio-libanesa

nessas regiões.

Sobre as relações eclesiásticas entre os Patriarcados Ortodoxos Calcedonianos de

Constantinopla e de Antioquia, PO relata:

Da parte da Igreja Grega, o que há, por causa do Patriarcado de

Constantinopla, é o um primado de honra, não há um primado de

jurisdição. Então a nossa relação com os gregos é a mesma que com

todos os outros ortodoxos que estejam presentes no Brasil, onde quer

que haja também a nossa Igreja.38

37

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/08/2011. 38

Depoimento de membro do clero da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia da cidade de São Paulo, em

entrevista concedida ao autor em 07/07/2010.

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PO destaca um assunto já há muito tempo debatido, que é a relação hierárquica entre

os Patriarcados Ortodoxos Calcedonianos (da qual, em última instância, o Papa de Roma faria

parte como o Patriarca de Roma). Para PO, a relação entre sua Igreja e o Patriarcado de

Constantinopla é marcada por uma subordinação relativa à honra, ou seja, simbolicamente,

Constantinopla seria superior à Antioquia. Isso, segundo PO, não implica uma sujeição pela

jurisdição, ou seja, Antioquia não está subjugada aos interesses de Constantinopla.

Entretanto, como será observado mais adiante, a relação da hierarquia dos Patriarcados

Calcedonianos na diáspora é conturbada.

A Igreja Ortodoxa Ucraniana na cidade de São Paulo também está sob a jurisdição

do Patriarcado de Constantinopla, diferentemente do que ocorre na Ucrânia, pois lá se

encontram Patriarcados Ucranianos. Essa Igreja está fundamentalmente associada à diáspora

ucraniana na América do Norte39

e tem sua sede no Brasil na cidade de Curitiba, no Paraná,

onde a comunidade ucraniana ortodoxa é bem maior do que em São Paulo. Outro elemento de

destaque é que todas as igrejas dessa comunidade estão localizadas no município de São

Caetano do Sul: a igreja de São Valdomiro, a principal, e a igreja de Proteção de Nossa

Senhora, onde ocorre a Divina Liturgia.

A Igreja Ortodoxa Russa no Exílio vive uma situação eclesiástica distinta. Esse

complemento “no Exílio” denota um elemento que a difere da Igreja Ortodoxa Russa na

Rússia. Não há relação entre essas Igrejas. Além disso, a sede eclesiástica dessa Igreja

encontra-se em um país que há poucos anos não possuía boas relações com a Rússia. Segundo

39

A origem dessa Igreja está nas áreas cristianizadas da planície do Volga que ficaram longe do alcance da

Igreja Ortodoxa Russa e seu patriarca, portanto, estavam sob a jurisdição do Patriarca de Constantinopla.

Quando, no século XIX, esses grupos emigraram para a América do Norte (em maior parte) e América do Sul

(menor parte), a jurisdição continuou, enquanto que na Ucrânia os cristãos ortodoxos foram absorvidos na Igreja

Ortodoxa Russa. Com o fim da União Soviética, muitas das Igrejas Ucranianas da diáspora estão se

estabelecendo na Ucrânia. PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell Dictionary of Eastern Christianity. Oxford:

Blackwell, 1999. p.501-3.

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RO: “Sim. A sede é nos Estados Unidos, o nosso metropolita, o cabeça da nossa Igreja é nos

Estados Unidos. A sede aqui no Brasil da Diocese Brasileira, aqui na Rua Tamandaré.”40

Como aponta RO, a sede de sua Igreja está localizada nos Estados Unidos,

especificamente na cidade de Nova York. Isso seria aparentemente antagônico, no entanto,

como mais tarde será abordado, as relações entre essa Igreja Ortodoxa Russa no Exílio e a

Igreja Ortodoxa Russa na Rússia (ou do Patriarcado Ortodoxo Russo) explicam por que ela

escolheu um país rival da Rússia como local de sua sede. A representação da Igreja Ortodoxa

Russa no Exílio no país é essencialmente paulistana, pois as demais comunidades russas no

Brasil estão associadas à Igreja do Patriarcado de Moscou, com sede no Rio de Janeiro e com

sua sede latino-americana em Buenos Aires41

. Isso sugere uma especificidade do cristianismo

ortodoxo russo de São Paulo.

Com esses apontamentos, pode-se obter um entendimento mais claro de como estão

organizadas de forma eclesiástica as comunidades cristãs ortodoxas da cidade de São Paulo,

suas relações com o cristianismo de seus locais de origem e como essas Igrejas fazem parte de

uma comunidade global, à qual estão associadas por laços de afinidade em intensidades

variadas. Com esse primeiro olhar tem-se a impressão de que essas Igrejas agem de acordo

com esses laços internacionais, como se recebessem ordens de seus superiores mundiais ou

latino-americanos. Porém, esse seria apenas um lado do movimento dessas Igrejas na sua

vivência paulistana. Essa é a metáfora do Iconostasis Paulistano, ou seja, estar num espaço

intermediário entre seguir as diretrizes impostas pelos superiores eclesiásticos e adaptá-las à

realidade paulistana, o poder de mediar relações que essas Igrejas possuem.

40

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 24/02/2010. 41

Depoimento de membro do clero da Igreja Russa Católica da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/02/2010.

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48

Desse modo, será importante ressaltar os dois lados desse processo: a trama global

em que essas Igrejas estão inseridas; e, posteriormente, a adaptação à especificidade

paulistana. Assim sendo, torna-se necessário compreender como essas comunidades

diaspóricas deixaram seus lugares de origem e se estabeleceram nessa cidade, procurando, por

intermédio dos membros do clero, reestruturar e realocar no horizonte paulistano essas Igrejas

Ortodoxas.

1.4 FORMANDO UMA κοινóτητα PAULISTANA

Nos depoimentos dos membros do clero das Igrejas Ortodoxas de São Paulo emerge

o tema do restabelecimento das comunidades imigrantes cristãs na cidade. Nesta parte do

estudo, como em outras deste capítulo, será dada ênfase às Igrejas Ortodoxas, pois,

diferentemente das Igrejas Católicas Orientais, elas não tiveram o apoio da Igreja Católica

Romana para se estabelecerem na cidade, muito embora os fluxos imigratórios dessas

comunidades cristãs ortodoxas estejam relacionados com as comunidades católicas orientais,

como no caso de armênios e ucranianos.

Na fala dos membros do clero sobre esse tema é possível mais uma vez notar o papel

que esses indivíduos atribuem a si próprios de guardiões de uma identidade e fé do grupo

diaspórico que representam. Uma memória que guardaria a experiência de reorganização

desses grupos na capital paulista.

Grande parte dos cristãos ortodoxos chegou à cidade em busca de um ambiente

político mais favorável ou, em casos mais extremos, procurando preservar a sua própria

existência. Diferentemente dos fluxos imigratórios mais reconhecidos, esses grupos cristãos

ortodoxos deixaram seu país de origem a partir do início do século XX até pouco mais da

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49

segunda metade do século XX. Salvo os grupos árabes, que imigraram a partir do século XIX,

como a maioria das grandes imigrações ocorridas na cidade.

Esse grupo cristão ortodoxo, como já dito, tem origem nas áreas do Oriente Médio e

Europa Oriental. Esses locais passaram por mudanças radicais ao longo do século XX.

Sofreram a influência de movimentos nacionalistas, socialistas e nazistas, e isso marcou de

forma indelével as comunidades que ali viviam. Para muitos grupos, isso significou

banimentos e perseguições políticas e até mesmo genocídios, e talvez os grupos cristãos

ortodoxos e orientais em geral tenham sido o alvo principal de muitas das atitudes desmedidas

vistas no passado e no presente nessas regiões. Quando chegaram a São Paulo, procuraram

restabelecer vínculos antigos, uma certa coesão, ou reorganizar a κοινóτητα (koinótēta),

palavra grega que significa “comunidade”:

Então sempre todas as colônias, elas sempre construíram um templo, e

no templo desenvolvem tudo. Tanto é que se chama koinótēta, uma

comunidade aonde ali se reúne, ali eles falam a língua, ali fazem as

festas, festas religiosas, festas cívicas, enfim, é um ponto de

encontro.42

O depoimento de GO apresenta esse conceito caro aos cristãos orientais na cidade.

Mas, por mais que tentem manter a koinótēta original, os membros do clero devem mediar a

realidade paulistana que os rodeia.

Os cristãos ortodoxos armênios são um grupo cuja trajetória permite ter uma ideia de

quão trágica foi a causa da vinda de muitos desses grupos cristãos ortodoxos à cidade de São

Paulo. Segundo AO,

42

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/08/2011.

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50

A Igreja Armênia no Brasil começou no princípio do século 20,

principalmente depois do Genocídio Armênio que aconteceu na

Turquia, de onde os armênios fugiram de todas as partes do mundo e

uma pequena parte veio também para o Brasil. E na década de 20 do

século XX, começaram a se reorganizar os armênios que se radicaram

no Brasil.43

Neste depoimento é citado algo que está no horizonte dos membros do clero das

Igrejas Orientais Armênias da cidade de São Paulo e talvez do mundo, um acontecimento que

marca profundamente a trajetória dos armênios: o Genocídio Armênio ocorrido em 1915. Foi

esse evento que, segundo AO, fez com que armênios de várias partes do mundo emigrassem

para o Brasil, principalmente para São Paulo, na década de 20 do século XX. Esses elementos

apontam para o fato de que essa imigração armênia foi mais uma forma de preservação desse

grupo.

AO continua a falar sobre a imigração armênia:

A primeira preocupação dos Armênios foi instalar uma escola para

manter a língua, a cultura e as tradições armênias. Mas os Armênios,

que são todos em sua totalidade cristãos porque foi também a primeira

nação que adotou o cristianismo como religião de Estado no ano 301,

não podiam ficar sem a Igreja. Através da fé, através da língua,

através da cultura e da história milenar, eles resistiram e resistem até

hoje.44

43

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 08/02/2010. 44

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 08/02/2010.

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51

Com este relato pode-se notar a relação forte que os membros do clero oriental

paulistano percebem entre fé, identidade cultural e a koinótēta. Segundo os apontamentos de

AO, a primeira preocupação é a manutenção e preservação das tradições armênias e da fé. A

reiteração de AO em afirmar a qualidade cristã da comunidade armênia sugere que esse

elemento é importantíssimo na construção da memória do grupo. Assim sendo, ele destaca o

pioneirismo armênio em escolher a fé cristã como a sua, afirmando que há uma história

milenar desse cristianismo armênio. Uma história de resistência, como afirma o membro do

clero. O Genocídio Armênio teria sido mais uma prova de resistência que os armênios tiveram

de enfrentar para manter sua fé e cultura, e mais uma vez foram vencedores, pois, como o

depoente afirma, “[...] eles resistiram e resistem até hoje”.

A sobrevivência ao Genocídio com a imigração é uma conquista, pois a memória

dessa comunidade caracteriza-se pela resistência. Outro elemento que denota a resistência

armênia com o Genocídio é o entendimento de que este ainda não teria sido reconhecido

totalmente:

Graças à história milenar do povo armênio que os armênios têm uma

fama no Brasil, como em outros países, como gente trabalhadora,

como bons cidadãos e em toda parte os armênios são considerados

bons cidadãos, e por isso que muitos países apoiaram e reconheceram

o Genocídio Armênio. Ainda estamos com a esperança de que algum

dia a nossa pátria Brasil também oficialmente reconhecerá a verdade e

declarará, defendendo o direito dos armênios. Porque defender os

armênios é defender os Direitos Humanos, não pertence só aos

armênios, não é problema dos turcos, é um problema humano. Para

que não se repita os genocídios, devem condenar ou aceitar os seus.

Quando os turcos cometeram o Genocídio Armênio massacrando 1,5

milhão de armênios simplesmente porque eram armênios e cristãos.

Mas o mundo cristão ficou calado, por motivos, cálculos políticos, até

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52

hoje estão silenciosos, não deixaram nada defendendo os direitos dos

armênios.45

AO faz um apelo para que muitos países, inclusive o Brasil, reconheçam o Genocídio

Armênio, quando 1,5 milhão de armênios foram mortos pelos turcos. Na avaliação de AO, o

reconhecimento e a condenação do Genocídio não é somente uma condenação à morte dos

armênios, mas sim uma condenação de todos os genocídios humanos, uma forma de defender

os Direitos Humanos.

O apelo de AO pelo reconhecimento do Genocídio Armênio reflete o poder que esse

evento possui na construção da comunidade armênia na cidade de São Paulo, como também

denota uma atitude de AO como membro do clero da Igreja Apostólica Armênia que entende

sua posição como guardião dessa memória e da koinótēta.

A Igreja Ortodoxa Sirian também foi vítima de perseguição. Segundo SO,

A presença da Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia aqui no Brasil,

podemos dizer que começou no início do século XX. Então a maioria

do povo veio da Turquia, da Palestina, da Síria, do Iraque, do Líbano,

da Jordânia [...].46

Isso ocorreu porque as comunidades sirian ortodoxas dessas regiões sofreram, pelas

mãos dos turcos, o mesmo ataque que seus coirmãos armênios:

45

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 08/02/2010. 46

Depoimento de membro do clero da Igreja Sirian Ortodoxa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 12/02/2010.

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53

As primeiras intimidações vieram com a repressão sangrenta dos

Armênios em 1894-1896. Os massacres, no entanto, não eram

limitados aos Armênios, e os Cristãos Sirians da região também

sofreram terríveis perdas. Os dados variam, mas um relato

contemporâneo coloca o número de Sirians mortos em 25.000,

incluindo 3.000 queimados vivos na catedral de Edessa (Urfa), onde

eles buscaram refúgio. Ainda mais terrível foram os massacres

perpetrados de forma disfarçada pela Primeira Guerra Mundial em

1915. Uma vez mais, juntamente com o genocídio Armênio, Cristãos

das igrejas Sirians pereceram em grande número. [...] Os dados

fornecidos pelo Bispo (mais tarde Patriarca) Ephrem Barsaum em

1919 colocam os dados somente para as perdas dos Sirians Ortodoxos

em mais de 90.000, mais de um terço de sua população no Oriente

Médio.47

Esse massacre, assim como o ocorrido contra os armênios, obrigou os grupos sirian

ortodoxos a migrarem como estratégia de sobrevivência. No depoimento, SO pouco falou

desse ocorrido, ao contrário de seu colega da Igreja Apostólica Armênia. Independentemente

disso, é prudente ter em mente que esses acontecimentos mostram o trauma que essas

comunidades e Igrejas levam consigo, e como isso as obrigou a imigrarem, preservando,

porém, a koinótēta.

A outra Igreja não Calcedoniana presente em São Paulo, que sofreu e ainda sofre

com perseguições em seu local de origem, é a Igreja Ortodoxa Copta, a principal Igreja do

Egito. Essa população cristã representa uma minoria no país. No entanto, é uma Igreja

perseguida, tanto de forma oficial como extraoficial. O próprio atual líder dessa comunidade,

Papa Chenuda III, sofreu perseguição oficial durante o governo do presidente egípcio Anwar

Al Sadat, que governou o país entre 1971 e 1981.

47

O'MAHONY, Antony. Syriac Christianaty in the Modern Middle East. In: ANGOLD, Michel (Org.). The

Cambridge History of Christianity - Eastern Christianity. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

p.512.

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54

No dia 5 de setembro de 1981, após vários conflitos, o Presidente

Sadat destituiu o Patriarca Chenuda III e nomeou em seu lugar um

conselho Papal de cinco membros. [...] Em 23 de setembro de 1981

Sadat declarou oficialmente a destituição do Patriarca Chenuda III e

juntamente com ele foram presos oito bispos e treze sacerdotes em um

mosteiro no deserto. O reconhecimento novamente do Patriarca

Chenuda III aconteceu somente em 1985 com o Presidente

Moubarak.48

Além desse momento apreensivo, os cristãos coptas do Egito vivem até hoje

perseguição. Isso pode ser observado nos recentes acontecimentos ocorridos com essa

comunidade naquele país, como o atentado à Igreja dos Santos em Alexandria na passagem do

ano de 2010 para 201149

e os conflitos entre grupos muçulmanos e cristãos durante o delicado

momento político do Egito no ano de 201150

.

Toda essa perseguição e violência contra esse grupo ratifica a importância da

fomentação de missões coptas ao redor do mundo, inclusive na cidade de São Paulo. Segundo

um depoimento gravado em vídeo pelo bispo da Igreja Ortodoxa Copta na cidade de São

Paulo, Don Aghasson, na Igreja de São Marcos em Washington, nos EUA, a missão teria

começado de forma particular. Ao contrário do que ocorreu com os outros párocos

incumbidos de criar uma missão copta no Brasil, Don Aghasson recebeu somente uma

passagem de ida para o país, ou seja, foi obrigado a ficar em São Paulo e criar a missão51

. O

resultado foi satisfatório e hoje a comunidade conta com uma igreja própria.

48

KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas: Tradições Vivas. São Paulo: AM

Edições, 1997. p.192-3. 49

EFE. Hizbollah condena atentado contra igreja no Egito. Folha de São Paulo. Mundo. São Paulo, 01/01/2011. 50

AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS. Mortes em confronto entre cristão e muçulmanos no Egito chegam a 13. Folha

de São Paulo. Mundo. São Paulo, 09/03/2011. 51

GOOGLE VÍDEOS. On Mission in Brazil. Disponível em: <http://video.google.com/videoplay?docid=-

3554261381711987619&hl=en#>. Acesso em: 11/8/2010.

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55

Todavia, diferentemente das demais comunidades cristãs orientais em São Paulo, os

cristãos coptas paulistanos não têm origem numa diáspora egípcia na cidade. Como CO

relatou, houve muita dificuldade em contatar esse grupo quando do estabelecimento da igreja

na cidade. Portanto, a missão foi direcionada a grupos não egípcios e prosperou. Essa atitude

da Igreja Ortodoxa Copta de abrir-se inteiramente, abrangendo indivíduos fora do grupo

cultural e religioso a que está tradicionalmente associada, seria uma forma de manter essa

Igreja em áreas distantes do Egito, onde ocorriam perseguições. O detalhe sobre a passagem

só de ida para o Brasil que Don Aghasson recebeu possibilita vislumbrar a importância

extrema que a missão no país tinha para a cúpula da Igreja Ortodoxa Copta. Aumentar seus

fiéis fora do Egito seria uma forma de a Igreja Copta preservar sua fé e sua identidade cultural

específica. Expandir e criar uma koinótēta nova, distinta da copta egípcia.

O grupo grego também emigrou devido às dificuldades sociais em seu país, ligadas,

segundo GO, à:

[...] guerra civil, com a queda do rei. Então, muitos fugiram porque

estavam, vamos dizer, com correntes partidárias um pouco adversas,

então fugiram. Muitos vieram para cá mesmo para o trabalho, porque

empobreceu muito a Grécia, como hoje está, uma situação crítica, não

somente a Grécia, mas também grandes países da Europa.52

A Guerra Civil Grega da década de 1950, a queda da monarquia e a posterior

instalação de uma ditadura na Grécia, nos anos 1970, motivaram a emigração desses grupos

para São Paulo. GO também comenta sobre a atual situação econômica grega, apontando para

uma possível nova emigração.

52

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/08/2011.

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56

A comunidade sírio-libanesa que está associada à Igreja do Patriarcado Ortodoxo de

Antioquia tem como motivo principal de sua imigração para São Paulo a busca de um refúgio,

já que guerras assolaram a região do Levante durante todo o século XX, especialmente a

Guerra Civil Libanesa, que durou quase 20 anos e devastou o país por completo. Segundo

MK, membro da Igreja coirmã mais próxima da Igreja Ortodoxa de Antioquia:

A maioria que estão aqui são de origem libanesa. Os sírios temos uma

parte grande, mas não chega a ser comparada pelo número dos

libaneses por causa da guerra, ou seja, da Primeira Guerra Mundial,

Segunda ou última atual nos anos 70 no Líbano. Muitos libaneses

acabaram viajando para países exteriores, inclusive o Brasil, que

recebeu uma grande quantidade de pessoas.53

A comunidade cristã oriental árabe, mesmo distribuída entre várias denominações,

portanto, tem na busca de um refúgio ou na fuga desses conflitos uma motivação comum para

sua vinda para São Paulo.

Por sua vez, a Igreja Ortodoxa Ucraniana e os grupos ucranianos, assim como os

demais cristãos orientais da metrópole, refugiaram-se na cidade tentando recuperar suas

filiações culturais após a Segunda Guerra Mundial. Segundo UO:

53

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 20/05/2010.

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57

Falando de modo geral, a comunidade Ortodoxa Ucraniana aqui em

São Caetano são todos eles, digamos assim, fora os que nasceram aqui

no Brasil, mas os primeiros que vieram, são pessoas assim, ditas da

segunda imigração. Porque tem os imigrantes da primeira imigração,

esses aqui de São Paulo são os ucranianos que vieram depois da

Segunda Guerra Mundial, quando acabou a Segunda Guerra, o pessoal

que estava na Alemanha, que os nazistas levaram para a Alemanha

[...] Então, e alguns ainda remanescentes da imigração que veio depois

da Segunda Guerra, outros nascidos na Alemanha e outros nascidos

aqui no Brasil.54

Esse grupo ucraniano no município de São Caetano é composto por famílias que

foram usadas como força de trabalho compulsório pela Alemanha nazista, ou seja, esse grupo,

somente pelo fato de ser ucraniano, foi cooptado pelos nazistas para realizar os mais ingratos

serviços. UO indica que muitos indivíduos da comunidade nasceram na Alemanha, ou seja,

muitos nasceram enquanto seus pais estavam realizando trabalhos forçados para os nazistas.

Com o fim da guerra, decidiram se transferir para países com comunidades ucranianas

significativas:

Enfim, quando terminou a guerra, uns foram para o Canadá, outros

para os Estados Unidos e alguns vieram para o Brasil. A comunidade

daqui especificamente de São Caetano, são pessoas que vieram depois

da Segunda Guerra e se estabeleceram aqui em São Caetano. Foi na

década de 50 que começaram a construir, construíram essas duas

igrejas aqui em São Caetano [...].55

54

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/04/2010. 55

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/04/2010.

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58

Figura 5 - Igreja Ortodoxa Ucraniana de São Valdomiro em São Caetano do Sul.56

Essas Igrejas referidas são especificamente Igrejas Ortodoxas. Os grupos Católicos

Orientais Ucranianos, que têm uma trajetória igual à do grupo ortodoxo, também possuem

uma Igreja própria. UO explica o porquê da escolha de São Caetano como local para o

estabelecimento dessa comunidade:

Eles vieram aqui e se estabeleceram por causa do emprego. Se você

for ver, todas as pessoas que são já aposentadas, todas elas, a maioria,

trabalhou nas montadoras da época, antiga Vemag e outras que

existiam. Então o trabalho aqui era farto realmente, então eles se

estabeleceram aqui, eram pessoas pobres, que começaram do nada,

mas construíram essas duas comunidades: a São Valdomiro e a

Proteção de Nossa Senhora.57

56

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 7/9/2011. 57

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/04/2010.

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59

A nascente indústria da região paulista do ABC teria influído na ida desses

imigrantes ucranianos para essa região, pois havia trabalho farto. Muitos desses imigrantes

teriam se empregado na fábrica de filtros industriais Vemag, entre outras. Segundo UO, foi a

partir da inserção no processo industrial da metrópole que esse grupo ucraniano ortodoxo, que

começou do nada, pôde reestruturar sua comunidade, construindo suas Igrejas e tentando

recuperar o que havia perdido.

Essa situação da comunidade ucraniana na metrópole paulistana contrasta com a dos

grupos ucranianos que vivem no sul, região que recebeu a maior parte dos imigrantes

ucranianos no país:

No sul, precisamente em Curitiba, região de Prudentópolis, e outros

municípios daquela redondeza, como os próprios livros de História já

nos mostram, eles são os descendentes, falando em ucraniano, Sperchi

Immigraja, da primeira imigração, é o termo que se usa. [...] O

restante, filhos desses primeiros imigrantes. O restante aqui em São

Paulo todos, pelo menos que eu saiba, que eu conheça, imigrantes da

chamada “Segunda Imigração”, que é quando acabou a Segunda

Guerra.58

O grupo sulista (ou paranaense) está associado à primeira imigração, ou seja, a uma

imigração ocorrida na virada do século XIX para o XX, caracterizada por ser rural. A segunda

imigração, a ocorrida em São Caetano, é uma imigração urbana, motivada pela perseguição e

imposição sofridas pelas comunidades ucranianas durante a Segunda Guerra pelas mãos dos

nazistas. Os russos ortodoxos, assim como os ucranianos, também sofreram destino parecido.

58

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/04/2010.

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60

A Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, a representante do cristianismo ortodoxo russo na

metrópole, é, como o nome revela, uma Igreja em refúgio. RC, membro do clero da Igreja

Russa Católica, coirmã no cristianismo russo na cidade de São Paulo, fala um pouco das

dificuldades enfrentadas pela Igreja Ortodoxa Russa no Exílio para buscar um espaço mais

conveniente para o exercício de sua fé:

[...] os outros da Vila Alpina, da Rua Tamandaré, porque são uma

jurisdição que saiu da Rússia contra o Comunismo, ficou todo o tempo

dando testemunho do Cristianismo fora [...] São pessoas que estão

servindo, dão testemunho do Evangelho, mas eles querem segurar do

jeito que eles tinham no tempo da Revolução, quando saíram foram

para a Iugoslávia, para a Sérvia, quando o Comunismo dominou ali,

foram para os Estados Unidos, e hoje é uma grande Igreja nos Estados

Unidos.59

Esse grupo ortodoxo saiu da Rússia em decorrência da Revolução Comunista

naquele país, ou seja, fugindo daquele movimento. Isso reflete ainda hoje no cisma que há

entre a Igreja do Patriarcado de Moscou e essa Igreja. Num segundo momento, como refere

RC, esse grupo de Moscou instalou-se na Iugoslávia, para depois, com o avanço do

Comunismo, refugiar-se nos Estados Unidos.

O processo de perseguição e refúgio sofrido pela Igreja Ortodoxa Russa no Exílio é

comentado pelo depoente a partir da relação de sua instituição com as demais Igrejas. No

depoimento pode-se observar que essa relação é tensa, o que se percebe na crítica

mencionada: “[...] quer segurar do jeito que eles tinham no tempo da Revolução [...]”. A

relação entre os dois cristianismos russos na metrópole será examinada no terceiro capítulo,

59

Depoimento de membro do clero da Igreja Russa Católica da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/02/2010.

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61

mas, como relata RC, a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio é vista como muito conservadora por

sua irmã Católica. Isso talvez ocorra pelo fato de ela ter sofrido com esse deslocamento,

segurar as coisas como no tempo da Revolução é tentar manter aquele cristianismo que esses

grupos acreditam ser necessário para manter a fé e a sua identidade após anos de perseguição.

De modo geral, o trecho do depoimento de RO destacado a seguir mostra uma

percepção que talvez seja compartilhada por muitos desses grupos cristãos ortodoxos que

emigraram para a cidade de São Paulo:

Logicamente as nossas Igrejas são pequenas, construções de templos

reduzidos. Não no sentido de “as Católicas Romanas são enormes” e

mesmo na Rússia aquelas catedrais enormes que contém quatro, cinco,

seis, dez mil pessoas. Aqui não, as igrejas são pequenas porque não se

tinha a noção de que isso fosse crescer. Era basicamente para manter a

comunidade russa que se espalhou no mundo todo após a Revolução

Russa, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, que foi a

grande leva de fugitivos do regime. Nós não nos consideramos

imigrantes, porque imigrante é uma pessoa que vem por livre e

espontânea vontade, para progredir, talvez escolher um local melhor

de vida. Eu era criança quando meus pais vieram para cá. As famílias

que saíram da Europa fugindo do regime Comunista eram exilados

políticos, eram fugitivos do regime Comunista, e o número também

não era tão grande assim para se construir catedrais enormes.60

Esses cristãos ortodoxos não seriam somente imigrantes, pois não teriam vindo por

livre e espontânea vontade. Eles muitas vezes foram perseguidos e encontraram nessa

emigração uma forma de se refugiar num local onde não seriam vítimas dessa violência. Os

cristãos orientais paulistanos sugerem que, diferentemente de outros grupos mais

60

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 24/02/2010.

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62

reconhecidos, como italianos ou japoneses, chegaram ao país por imposição política. Isso é

uma marca desses grupos. O que não significa afirmar que outros grupos imigrantes, como

italianos e japoneses, não tenham emigrado por conta de discordâncias ou perseguições

políticas. Mas essa é uma característica marcante na construção da memória feita pelos

membros do clero.

Muitas vezes imaginou-se que essa vinda seria temporária e que, quando a situação

melhorasse, haveria a possibilidade de voltar aos seus locais de origem, o que em alguns casos

não ocorreu. Isso não impediu que esses grupos construíssem Igrejas para manter a

comunidade, manter essa relação que os membros do clero oriental acreditam ser necessária

para a manutenção da sua identidade e fé.

Sendo assim, deve-se tentar entender certos aspectos que marcariam essa

manutenção da koinótēta, observando-se como esses grupos tentam reproduzir na cidade de

São Paulo elementos que acreditam estar associados aos seus locais de origem. A memória

criada por essas Igrejas por intermédio dos seus membros clericais nos depoimentos é indicio

dessa preservação. Apontar as dificuldades sofridas por esses grupos também é uma estratégia

de manutenção da koinótēta. Como se eles tentassem produzir uma mimese de sua cultura e

suas relações na metrópole. No entanto, eles estão vivenciando o dia a dia da metrópole e,

portanto, são obrigados a adaptar-se a essa realidade. O resultado não é somente a preservação

da comunidade, mas a criação de uma koinótēta paulistana.

No decorrer deste capítulo os membros do clero das Igrejas Orientais na cidade de

São Paulo falaram de seus horizontes e perspectivas. Esses indivíduos, mais que quaisquer

outros nessas comunidades, seriam os guardiões de memória e, portanto, seus depoimentos

representariam um discurso quase oficial dessas Igrejas na realidade paulistana.

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63

São eles que, de certa forma, estão intrinsecamente associados à metáfora do

Iconostasis Paulistano. Entre a necessidade de manter e guardar a fé e a identidade da

comunidade e, ao mesmo tempo, a necessidade de adaptar-se à nova situação vive esse grupo

minoritário e em constante mudança. Nesse meio-termo é que estaria o membro do clero,

como o Iconostasis está na Divina Liturgia, dividindo simbolicamente dois mundos: o

necessário e o contingente. O próximo capítulo será dedicado a essa situação peculiar dos

membros do clero oriental paulistano.

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64

CAPÍTULO II – DISCURSO, FÉ, MEDIAÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

NA METRÓPOLE PAULISTANA: CLERO ORIENTAL

Este segundo capítulo se dedicará a analisar o caráter de guardiões de memória dos

membros do clero oriental paulistano. Estes apresentam referências de subjetividade61

, e é

nessa subjetividade que está um ponto fundamental em todos os seus discursos: a perspectiva

de que eles teriam uma espécie de discurso oficial dessas Igrejas. Eles zelam pela manutenção

da comunidade e, ao mesmo tempo, se deparam com a diversidade da cidade e o correr do

tempo, que criam novas possibilidades. Aquela antiga identidade (que por si foi criada por

intermédio do conflito com a contingência) tem de se adaptar às novas práticas e perspectivas

do dia a dia, como no caso de AC:

Nós temos consciência que trabalhamos na diáspora e a diáspora é

grande formação dos armênios espalhados pelo mundo depois do

Genocídio que iniciou-se em 1915, pelo Império Turco. Nós temos

condições, consciência de que essa armenidade vai diminuindo.

Temos consciência também que não é necessário um território para

manter uma identidade nacional e cultural, mas é necessário escola.62

AC preocupa-se em manter a identidade da comunidade armênia em diáspora, mas

entende que a armenidade da comunidade, um termo que representa esse caráter de identidade

necessária, está se esvaecendo, pois a circunstância se impõe. Assim, o projeto, a adaptação

para essa contingência seria uma escola que procuraria mediar a realidade do cotidiano e as

necessidades da armenidade.

61

PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos: Narração, interpretação e significado nas memórias e nas

fontes orais. Tempo. Rio de Janeiro, vol. 1, n° 2, 1996, p.59-72. 62

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 9/3/2010.

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65

Ao longo do capítulo serão apresentadas as diversas maneiras como esses membros

do clero trabalham suas intuições para melhor adaptarem-se às contingências da metrópole, e

como guardam os elementos mais fortes de uma identidade. Isso através das angústias e

orgulhos das Igrejas que eles representam.

2.1 MIMESE: MANUTENÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES

Os membros do clero entendem que suas Igrejas funcionariam como uma espécie de

local de mimese, de reprodução daquela identidade que está associada aos seus locais de

origem. Isso aparece de forma oficial numa publicação da Igreja Apostólica Armênia na

cidade63

, a qual diz que tem a prerrogativa de apresentar:

A história milenar da Igreja Apostólica Armênia, sua doutrina,

peculiaridades, tradições e ritos, bem como o papel no

desenvolvimento da cultura armênia e na preservação do espírito

nacional.

63

KARIBIAN, Datev. Ecos Ressonantes: noções gerais sobre a história, festas e santos mais populares da Igreja

Apostólica Armênia. São Paulo, Publicação da Diocese da Igreja Apostólica Armênia do Brasil, 2008. p.8.

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66

Figura 6 - Igreja Apostólica Armênia na Avenida Tiradentes.64

O Rito é rezado na língua tradicional de cada Igreja e ele seria o elemento de mimese

principal de toda essa encenação que é a Divina Liturgia. A Igreja como local de preservação

da diáspora. A celebração apresenta um tempo ritual65

, um tempo que busca sempre as

mesmas perspectivas: repetição, simetricamente idêntica, ou mimese das cerimônias do

passado e dos locais de origem dessas Igrejas. Mas o tempo ritual, a mimese dos ritos

originais, é apenas um dos tempos das Igrejas Orientais paulistanas. A reelaboração da

comunidade mistura o tempo ritual com as múltiplas experiências das Igrejas na diáspora

metropolitana.

64

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 16/9/2011. 65

CONNERTON, Paul. Como as Sociedades Recordam. Oeiras: Celta Editora, 1993. p.81.

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2.1.1 Ritos e Diáspora

O Rito reforça a identidade e a fé, relembra a memória coletiva de uma comunidade,

sendo motivo de orgulho e originalidade da comunidade:

Com certeza. O Rito é diferente, as orações são diferentes, e temos

alguma coisa excepcional, que nenhuma outra tem: as palavras de

consagração rezamos sempre em língua siro-aramaica, que era língua

de Jesus Cristo mesmo.66

Essa foi a resposta de MN quando perguntado acerca da diferença entre sua Igreja e a

Igreja Católica Latina. Ambas estão em comunhão, mas mantêm certas peculiaridades, que

são reforçadas no Rito. MN relembra com orgulho que sua Igreja é excepcional, pois o as

palavras de consagração são rezadas em siro-aramaico67

, a língua do próprio Jesus. MN marca

a distinção entre sua Igreja e a Igreja Latina e relaciona sua identidade Maronita com sua fé.

Fé e identidade são inseparáveis e necessariamente têm de ser mantidas e guardadas para que

os Maronitas continuem Maronitas.

Assim, a Língua Litúrgica, a língua do Rito, é importante para essa manutenção. Este

item do estudo deve focar especificamente esse aspecto linguístico que perpassa todo o tema

do Rito e a Diáspora. A Língua Litúrgica seria uma espécie de núcleo do Rito na Divina

Liturgia e o domínio dela é essencial ao membro do clero. O lugar metafórico da Língua

Litúrgica original dessas Igrejas é o lado voltado para o altar do Iconostasis, juntamente com

os outros elementos necessários à fé cristã oriental.

66

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Maronita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 3/2/2010. 67

Língua semita falada na região do Levante antes da chegada do Islã. PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell

Dictonary of Eastern Christianity. Oxford: Blackwell, 1999. p.466.

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68

Observa-se que essa relação permeia a totalidade das Igrejas Orientais presentes na

cidade de São Paulo, ou seja, não é privilégio do grupo Ortodoxo. As Igrejas Católicas

Orientais também têm esses elementos como preocupação no horizonte de seus membros

clericais.

Este capítulo dará ênfase às relações de mimese, às problemáticas e aos projetos

futuros de todas as Igrejas Orientais paulistanas. A exceção ocorrerá no próximo item, em que

será abordada a relação entre as Igrejas pela perspectiva dos membros do clero. Nesse caso, o

destaque será dado somente às Igrejas Ortodoxas, pois o próximo capítulo, dedicado

exclusivamente às Igrejas Católicas Orientais, tratará da relação entre estas e a demais Igreja

Orientais. Essa divisão se deve ao fato de que todas as relações das Igrejas Católicas Orientais

com quaisquer outros grupos religiosos são permeadas pelo peso da Igreja Católica Latina,

instituição a que, em última instância, elas pertencem.

Retomando a questão da mimese na metrópole, GO resume bem o que seria essa

relação fundamental entre essas Igrejas e suas respectivas diásporas:

Mas vieram e um grande segmento esteve aqui em São Paulo e sempre

onde tem uma comunidade, de qualquer povo, eles se unem, é

culturalmente para manter a língua, manter as tradições, manter os

cânticos, manter também a comida, alimentação, porque eu acho que

quando termina o cardápio, terminou um povo. O Rito também é

importantíssimo, porque o rito, em qualquer igreja, é expressão

também de uma fé, tem uma força grandiosa o rito. Então sempre

todas as colônias, elas sempre construíram um templo e no templo

desenvolvem tudo.68

68

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011.

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69

Figura 7 - Igreja Ortodoxa Grega no bairro do Brás.69

GO relembra elementos essenciais dessa mimese, da reprodução da cultura e da fé

grega na metrópole. A língua, os cânticos e, inclusive, a comida típica aparecem como

recursos aglutinadores. Relembrar o cardápio, segundo GO, seria uma forma de refazer a

experiência da comunidade, ao passo que esquecê-lo seria anular as referências do grupo. No

entanto, mais uma vez, é o Rito que tem destaque como elemento fundamental dentro das

Igrejas Orientais.

Durante o Rito na Divina Liturgia existe a figura do coro. O coro é formado

basicamente por membros da comunidade que cantam durante toda a celebração:

69

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 7/9/2011.

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70

E todos os religiosos têm obrigação de aprender essa língua, Grabar,

Armênio Clássico e todos os cânticos da Igreja... E outra coisa

também, a Igreja Armênia pratica sua missa com um coral. Sem coral

não se pode fazer a cerimônia da missa. Então todos os domingos

praticam, celebram a missa cantada em Grabar, em Armênio Clássico.

E o Rito como um Rito Oriental, como um Rito próprio Armênio, com

cultura armênia, é bastante, digamos assim, dá motivo de inspiração

ao ouvinte que está presente na missa, e nós temos muitos

testemunhos quando realizamos casamentos, batizados, mesmo

enterros, além das missas dominicais [...].70

O coro é indispensável para a Divina Liturgia. A língua utilizada, no caso, é o

Armênio Clássico (Grabar), a Língua Litúrgica da Igreja Armênia. AO destaca o fato de que o

membro do clero, o religioso, tem obrigação de aprender essa língua. No entanto, o coro, de

certa maneira, também conhece a Língua Litúrgica, ou seja, o momento da Divina Liturgia

também é um momento em que os féis colaboram em conjunto para a preservação da cultura

da comunidade.

Como guardião dessa identidade, AO afirma com orgulho o impacto que essa sua

identidade causa nos “brasileiros”: “[...] todos os brasileiros que assistem essas cerimônias

admiravelmente expressam as suas admirações e parabenizam a nós.” 71

Quando destaca isso

em seu depoimento, ele estaria orgulhosamente sugerindo que seu papel dentro de sua Igreja é

cumprido. Ele e sua comunidade são parabenizados por indivíduos que não pertencem a ela

(os “brasileiros”), pela manutenção de sua cultura e de sua fé.

70

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 8/2/2010. 71

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 8/2/2010.

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71

No final desse trecho do depoimento, AO retoma o fato de o coro ser um elemento

importante na metáfora da Divina Liturgia, como fator de manutenção cultural promovido de

forma coletiva pela comunidade:

E para um armênio, para cada armênio, é um motivo de orgulho

manter essa tradição que até hoje a nossa comunidade... Apesar que

não entendem nada em armênio, eles exigem para nós manter essa

tradição sempre, para manter a alma.72

Mesmo que os fiéis não entendam o armênio clássico, eles ainda exigem a tradição

para manter a alma, ou seja, muitos fiéis compartilham com o membro do clero a manutenção

dessa fé e identidade, mesmo frente à contingência de não falarem mais armênio.

A contingência impera sobre o Rito e causa situações problemáticas para muitas

Igrejas. Entre as várias Igrejas Orientais na cidade há a Igreja Russa Católica. Como já

mencionado, essa Igreja é a menor de todas as encontradas na cidade e não possui um pároco

próprio, pois o último faleceu em 2004. Outras Igrejas Orientais auxiliam a Igreja Russa

Católica, no entanto, RC lamenta:

A única orientação que se tinha era do padre na missa, e o padre que

morreu, padre João, ele, com três palavrinhas, o sermão dele, a

Homilia não ia mais que dez minutos. E ele com aquela vozinha ele

tinha dois ou três pontos que ele insistia, e que formava as pessoas. O

que não acontece se a cultura não é a russa.73

72

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 8/2/2010. 73

Depoimento de membro do clero da Igreja Russa Católica, em entrevista concedida ao autor em 14/2/2010.

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72

Se a cultura não for russa, dificilmente o poder dessa fé católica oriental chagará aos

fiéis em plenitude. RC fala de como a simplicidade do falecido padre João, aliada a essa

cultura russa, formava as pessoas.

No entanto, recentemente, a Igreja Russa Católica conseguiu o auxílio da Igreja

Ortodoxa Ucraniana, e os membros do clero desta passaram a ajudar na celebração da Divina

Liturgia naquela. UO comenta:

[...] foi essa a única oportunidade em que a gente esteve lá, mas fui

muito bem-recebido, gostaram muito da minha celebração, minha não,

não é o padre que celebra, é o padre juntamente com sua comunidade,

mas fizemos uma celebração assim, como disseram algumas senhoras,

que há tempos não tinha uma celebração realmente eslava, no Rito

como deve ser. 74

UO reitera o fato de que a celebração é realizada em conjunto com os fiéis, indicando

o papel da Divina Liturgia em unir a comunidade, os dois lados do Iconostasis na Igreja.

UO também relembra o comentário que algumas senhoras fizeram a respeito da

celebração realizada pelo pároco ortodoxo ucraniano na Igreja Russa Católica. Elas sugerem

de forma saudosista que há muito tempo não havia uma celebração realmente eslava. Como

RC já havia notado, a relação entre fé cristã e cultura russa havia se perdido com a morte do

pároco de sua Igreja. Com a chegada do clero ucraniano ortodoxo, que possui também um

Rito Bizantino-Eslavônico75

, essa relação pôde ser retomada, e a comunidade teve um Rito

74

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/4/2010. 75

O Rito Bizantino-Eslavônico é a base de todos os Ritos das Igrejas Orientais eslavas. Esse Rito, de certa

forma, une essas Igrejas numa só tradição. A elaboração desse Rito deve-se aos esforços das missões de São

Cirilo e São Metódio, sacerdotes gregos que, no século IX, evangelizaram os tchecos, macedônicos e búlgaros.

Para facilitar o processo de evangelização, Cirilo e Metódio desenvolveram o alfabeto cirílico, adaptando o

alfabeto grego à cultura eslava. Esse alfabeto ainda é utilizado pelos povos eslavos majoritariamente ortodoxos,

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73

como deve ser. Os fiéis russos católicos puderam, de certa maneira, reestruturar a relação

entre a fé e identidade cultural.

O poder da contingência obriga os membros do clero a reelaborar os Ritos. As

Igrejas Orientais paulistanas não são entidades sem história, elas estão inseridas numa trama

de relações e vivências em transformação constante. Assim, é natural que o Rito, elemento

necessário para a preservação da comunidade, que promove a mimese de uma memória

coletiva na metrópole, passe por modificações devido à sua situação paulistana.

Um elemento de reelaboração do Rito é o uso do português, a língua da contingência,

na Divina Liturgia: “As celebrações vão ter que ser só em português, agora a gente ainda faz

meio a meio, um pouco ucraniano um pouco português [...].”76

Esse aspecto pode ser

percebido em todos os depoimentos dos membros do clero: “Os ofícios são celebrados em

português [...]”77

. Isso aponta para o futuro desses grupos: “E aqui, por exemplo, no Cambuci,

tem uma comunidade, vamos dizer, de língua portuguesa, Igreja Ortodoxa Grega de língua

portuguesa.”78

Os membros do clero pensam o uso da língua portuguesa na Divina Liturgia como o

elemento que reuniria a comunidade nessa nova, mas necessária, maneira de mimetizar os

antigos tempos. A mimese na metrópole ainda será realizada, cultura e fé armênia, russa,

ucraniana, grega etc. ainda serão relembradas. No entanto, isso será feito com o uso do

português, unindo necessidade e contingência, num meio-termo preciso.

como o caso de russos e ucranianos. WARE, Timoty. The Orthodox Church. Londres: Penguim Books, 1997.

p.73-74. 76

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/4/2010. 77

Depoimento de membro da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 24/2/2010. 78

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011.

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74

Além da mimese no Ritual, essas Igrejas compartilham outra função: tentar

reproduzir a relação entre elas. Essas comunidades são marcadas pela sua fé cristã oriental,

um aspecto em comum entre elas. Assim sendo, o vínculo entre elas deve ser destacado. Em

seus locais de origem, essas comunidades e Igrejas mantêm relações com maior ou menor

grau de cooperação. Na diáspora paulistana elas tentariam reproduzir essas relações como

forma de mimese.

2.1.2 Relação entre Irmãs

O fato de serem paulistanas permeia as relações entre as Igrejas, como também as

suas escolhas e as tramas em que estão inseridas. O pertencimento a determinada família

cristã oriental também pesa nessas relações. Portanto, este item do estudo dará destaque às

relações entre Igrejas Ortodoxas, pois estas não possuem uma relação de poder com a Igreja

Católica Romana, diferentemente das Católicas Orientais.

Nos depoimentos dos membros do clero é possível notar o peso da Igreja Católica

nas relações das Igrejas Ortodoxas com suas coirmãs Católicas Orientais. No entanto, torna-se

mais prudente destacar essas relações no próximo capítulo, dedicado exclusivamente às

Igrejas Católicas Orientais. Logo, neste primeiro momento serão abordadas exclusivamente as

relações entre Igrejas Ortodoxas.

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75

Figura 8 - Igreja Ortodoxa Copta no bairro do Jabaquara.79

Dentro desse grupo – Igrejas Ortodoxas –, como já apontado, há também a família

das Igrejas não Calcedonianas, com três representações na cidade: Igreja Apostólica Armênia,

Igreja Ortodoxa Sirian e Igreja Ortodoxa Copta. Os discursos dos membros do clero dessas

Igrejas são consensuais:

Acreditamos, ou temos o mesmo dogma da Igreja, e inclusive no

século V a Igreja Copta Ortodoxa e a Igreja Siríaca Ortodoxa de

Antioquia ficaram juntas. Desde aquele tempo, as duas Igrejas são

unidas, e com a Igreja Armênia Ortodoxa é a mesma coisa também.

Nós temos o mesmo dogma. Mas em relação com outras Igrejas, nós

temos sempre a nossa presença em qualquer atividade, ou congressos,

79

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 16/9/2011.

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76

tudo isso nós temos relação forte, não só com a Igreja Armênia, ou a

Igreja Copta.80

O membro do clero procura manter esse consenso, uma vez que ele, sendo o

guardião da comunidade, da mimese e de suas características na metrópole, deve zelar

também pelas relações harmoniosas de sua Igreja com suas coirmãs da mesma família. Deve

reproduzir um tempo ritual em que as Igrejas de uma mesma família vivem sempre em

harmonia. No entanto, o consenso não é completamente harmonioso.

Quando perguntado acerca das relações entre a Igreja Apostólica Armênia e a Igreja

Ortodoxa Copta, AO comenta:

Eu acho que é difícil que a Igreja Copta que eu conheci aqui através

de seu bispo, eu frequentei essa Igreja uma vez quando chegou o

Patriarca deles, o Shenouda do Egito, e percebi que a maior parte dos

fiéis não pertencia à Igreja Copta. Eram brasileiros e brasileiras

convertidos, e entravam na família da Igreja Copta. Porque, primeiro

que em São Paulo eu acho, eu penso que não tem muitos coptos,

egípcios cristãos. Mas existe a Igreja com seu sacerdote e faz tudo

para manter a Igreja através de seus fiéis, mesmo sendo convertidos.81

AO relembra a peculiaridade da Igreja Copta entre as Igrejas Orientais paulistanas: o

fato de seus fiéis não serem originalmente membros de uma diáspora. Para AO, que tem em

seu horizonte a preservação da cultura e fé armênia, é necessário que haja uma relação entre

pertencer à Igreja Armênia e ser de origem armênia:

80

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 12/2/2010. 81

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 8/2/2010.

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77

Igreja Armênia é uma exceção: ela considera seus filhos todos que são

batizados na Igreja, que pertencem à Igreja nacional armênia e

praticam todas as cerimônias na língua armênia e são descendentes

dessa nação [...].82

Apesar desses apontamentos críticos acerca da Igreja Copta, AO é solidário com seu

colega egípcio. Reconhece que, assim como ele próprio, o membro do clero copta faz de tudo

para manter a Igreja.

CO, representando a Igreja Copta, fala sobre a família de sua Igreja na cidade. A

cooperação ocorre, pois AO, como verificado anteriormente, afirma que esteve na Igreja

Copta durante a visita do Papa Shenouda. CO, por sua vez, aponta que tentou aprofundar a

cooperação entre as Igrejas não Calcedonianas na cidade:

Aliás, a Igreja Armênia e a Igreja Sirian são da mesma família nossa.

Ou mesmo as outras Igrejas, eles não são da mesma família, mas

temos muito respeito, tenho muito carinho para com eles e toda hora

que tem festa tem um convite para uma ordenação, alguma coisa, eu

sempre apareço, se estou aqui no Brasil eu apareço. Se eu não estou

aqui no Brasil, eu mando o padre representante nessas festas. Eu tentei

com eles no começo fazer outro clima, tipo de uma família ortodoxa

aqui no Brasil. Dar palestras, eu chamei eles para dar palestras, mas eu

falo de verdade, eu não vi ninguém interessado por isso.83

No entanto, o projeto falhou. A cooperação entre as Igrejas existe, mas é marcada por

particularidades de cada uma delas. Os membros do clero preocupam-se muito com suas

próprias comunidades. Assim, a relação entre Igrejas, muitas vezes, torna-se secundária.

82

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 8/2/2010. 83

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 22/8/2010.

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78

Por vezes as Igrejas isolam-se, mesmo reconhecendo na cidade a existência das

demais Igrejas Orientais. Isso ocorre com a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, como revela

RO:

E a nossa Igreja Ortodoxa Russa, chamada no Exílio, ou Fora da

Rússia, ela é autônoma, independente, ela não é autocéfala; e não

mantém contatos, nunca manteve, com o Patriarcado de Moscou [...].

E a nossa Igreja Ortodoxa Russa, desde que ela se formou, após a

Revolução Russa, ela não é ecumênica, ela não mantém contatos

litúrgicos com outras Igrejas, nem a Católica Romana nem a

Ucraniana Autocéfala, nem essas outras Igrejas denominadas

Ortodoxas atualmente. Já manteve anteriormente, antes de alguma

dessas Igrejas não entrarem para o Movimento Ecumênico, como a

Grega antes de entrar... A Antioquina também, antes de ela fazer parte

do Ecumenismo, nós mantínhamos contato litúrgico. Mas atualmente,

devido a essa tendência da maior parte deles já entrar nesse

movimento, da união das Igrejas, o Movimento Ecumênico, a Igreja

Ortodoxa Russa no Exílio não faz parte disso.84

No depoimento é possível perceber que a Igreja Ortodoxa Russa em São Paulo

reconhece a existência dos demais grupos cristãos ortodoxos na cidade, pois seu representante

cita quase todos: gregos, ucranianos, a Igreja de Antioquia. No entanto, prefere não alinhar-se

com esses grupos por conta do Movimento Ecumênico. RO também aponta para o fato, já

mencionado, de que sua Igreja não mantém contatos com o Patriarcado de Moscou, que seria

a Igreja Ortodoxa Russa na Rússia. Segundo o depoimento, essa opção da Igreja Ortodoxa

paulistana se deve ao fato de não compactuar com o Movimento Ecumênico e a união das

Igrejas Ortodoxas com não Ortodoxas.

84

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 24/2/2010.

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79

O isolamento dessa Igreja está associado à mimese das tradições desses grupos na

diáspora. Como já foi verificado, a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio é uma Igreja em diáspora

e, desde a Revolução Russa, sua sede está localizada nos Estados Unidos. Ela está em

diáspora pois não concorda com os rumos tomados pela Igreja Ortodoxa na Rússia após a

Revolução. Rejeitar isso e marcar posição contra a Igreja Russa na Rússia é tentar manter, ao

custo de isolar-se das demais Igrejas Ortodoxas paulistanas, elementos que fariam parte da

essência de uma fé e cultura russa maculada antes da Revolução.

Outro elemento que produziria essa mimese está na relação hierárquica entre as

Igrejas. Como foi visto anteriormente, as Igrejas Ortodoxas Calcedonianas estão associadas ao

Patriarcado de Constantinopla, que tem na cidade sua representação na Igreja Ortodoxa

Grega. GO relembra em seu depoimento essa primazia do Patriarca Ecumênica no

cristianismo ortodoxo calcedoniano:

Nós temos o correspondente ao Papa de Roma seria o Patriarca de

Constantinopla, que seria honorificamente, honorificamente, ele tem

um poder de honra, de primazia, de primus inter pares também entre

os demais Patriarcas e Bispos Primazes e demais bispos.85

GO mantém que esse primado deva ser respeitado pelos demais grupos na diáspora,

pois, nessa situação, o primado do Patriarca de Constantinopla deixa de ser honorífico e torna-

se jurídico:

Agora, o que acontece todos... Deveria ser todos os ortodoxos ou

todas as missões nas terras novas deveriam estar sob a jurisdição do

85

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011.

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80

Patriarcado Ecumênico. Você me diria: "Ah, mas aqui no Brasil nós

temos a Igreja Antioquina”, que ele tem um bispo local, um bispo

próprio, tem a Igreja Ucraniana, tem a Igreja Russa etc., todas com

arcebispos, ou seja, várias jurisdições no mesmo território. Não

deveria ser assim. Deveria ser vários povos várias tradições, até com

bispos próprios, até falantes com a mesma língua, mas todos eles

deveriam reportar ao Patriarca Ecumênico.86

GO lamenta que na diáspora a jurisdição do Patriarcado Ecumênico não seja

respeitada, também que os acordos feitos por esses grupos em seus locais de origem não

sejam cumpridos. Aponta que não ocorre uma mimese dos costumes e leis cristãs ortodoxas

calcedonianas na diáspora. No entanto, os anseios de GO seria m contrários aos de seus

colegas ortodoxos calcedonianos na metrópole. Se eles modificassem as jurisdições de suas

Igrejas na cidade, não poderiam reproduzir na diáspora a sua cultura e a fé tal qual em seus

locais de origem. Portanto, não haveria a mimese que os membros do clero tanto desejam

manter.

A relação entre as Igrejas Ortodoxas na cidade sugere que elas têm conhecimento da

existência de suas coirmãs, havendo diálogo, mas também disputas. O que mobiliza esses

membros do clero é a preocupação com a situação de suas comunidades, mais que a

elaboração de um projeto de cooperação do cristianismo ortodoxo paulistano como um tudo.

Talvez isso nunca esteja no horizonte desses religiosos, pois o objetivo maior seria a

manutenção de suas comunidades frente às diversidades que a cidade apresenta, sendo que a

atualidade se mostra como um desafio hercúleo para esses membros do clero oriental

paulistano.

86

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011.

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81

2.2 IMPERATIVO DA CONTINGÊNCIA: FUTURO DO ICONOSTASIS

A questão da mimese está profundamente associada ao lado voltado ao altar do

Iconostasis. Metaforicamente, ela está relacionada com os elementos necessários das

comunidades, a preservação dos Ritos e das relações eclesiásticas das Igrejas. A mimese está

intimamente ligada ao membro do clero. No entanto, observar somente esse lado do

Iconostasis é negar o fato de que essas Igrejas são objetos históricos, é como buscar uma

essência imutável nelas. Isso é negar o Iconostasis Paulistano, as sutilezas particulares dessas

Igrejas na cidade de São Paulo, especificidades da contingência da sua existência na

metrópole.

Metaforicamente, faz-se necessário atravessar os Belos Portões do Iconostasis,

caminhar em direção à nave da igreja e integrar-se à situação da comunidade. Visitar o espaço

da comunhão entre fiéis e membros do clero no cotidiano dos cristãos orientais paulistanos. A

continuação do capítulo tem por objetivo analisar o lado voltado para a nave do Iconostasis, o

local metafórico da contingência, o local do dia a dia dos membros do clero na perspectiva do

futuro do Iconostasis Paulistano.

Com os depoimentos é possível notar que as Igrejas Orientais na cidade de São

Paulo, sejam Ortodoxas ou Católicas Orientais, vivem um momento de inflexão. Os membros

do clero apontam os problemas diários que enfrentam neste momento delicado do

cristianismo oriental paulistano. No entanto, ao mesmo tempo, elaboram novos projetos, que,

muitas vezes, alteram radicalmente a composição dessas Igrejas.

O presente trabalho não deve julgar se essas atitudes estão corretas ou não, nem

prever os resultados desses projetos. O importante é apontar que as possibilidades que essas

Igrejas encontram para resolver suas problemáticas denotam esse outro lado do Iconostasis

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82

Paulistano: o poder e autonomia que essas Igrejas têm, ou buscam ter, para repensar-se.

Portanto, é identificar que elas são verdadeiros objetos históricos, longe de qualquer exotismo,

ou orientalismo, que imagine essas instituições como estanques no tempo e distantes da vida

cotidiana. Deve-se compreender que esses membros do clero estão num entre lugar:

Esses “entre lugares” fornecem o terreno para a elaboração de

estratégias de subjetivação - singular ou coletiva - que dão início a

novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e

contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade.87

Esses senhores buscam guardar as tradições de suas Igrejas em seus locais de origem,

no entanto, não estão em seus lugares de origem, estão na metrópole paulistana, onde são

minoria e sofrem a contingência das mudanças de suas comunidades. Portanto, são Igrejas

Orientais gregas, armênias, eslavas, árabes, mas também paulistanas. Esse lugar

intermediário é a sua danação, mas também seu trunfo. É nesses entre-lugares que a busca

por novas inserções e novos movimentos de resistência ocorre. Pelo simples fato de estarem

num meio-termo, os membros do clero oriental paulistano podem jogar com sua tradição e

suas novas perspectivas. Combinadas, elas estabelecem a originalidade de suas atitudes

perante os desafios de manter-se na metrópole.

2.2.1 Apontamentos de Problemáticas

Segundo muitos membros do clero oriental paulistano, suas Igrejas estão num

momento de inflexão. Passados quase 100 anos da vinda das diásporas que engendraram essas

87

BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p.20.

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83

Igrejas, tudo parece estar se modificando rapidamente. Os movimentos imigratórios cessaram

há quase 50 anos e isso, de certa forma, preocupa os membros do clero:

A comunidade grega no Brasil é pequena, eu diria que não ultrapassa

20 mil pessoas. Pelo menos, eu perguntei ao cônsul esses dias: “Ah,

cadastrados são poucos”. E a última imigração foi por volta do ano 60,

de lá para cá, não teve, assim, significativa imigração, e com o tempo

é como você disse: os velhos vão morrendo [...].88

GO ressalta também o envelhecimento dos primeiros imigrantes. Assim, são as

famílias desses primeiros imigrantes que dão continuidade à comunidade. Porém, existem

outras perspectivas que devem ser contempladas. A vivência dessas gerações numa diáspora

tem de ser levada em conta. MK, da Igreja Católica Melquita, aponta para o fato de que há

uma diferença entre as diversas gerações:

A de primeiro tipo, a geração que chegou do Líbano, da Síria e

embarcou no Brasil e começou a viver, essa primeira geração ela é

muito rígida, antiga e segue muito as tradições. Temos uma outra,

aquela que é descendente de sírio-libanês, esse ficou a tradição bem

leve, porque ela acabou casando com terceira pessoa que não é mais

de origem árabe e começou a abrir para o mundo brasileiro. Aqui

começaram a perder um pouquinho. Terceira geração totalmente

perdeu, não pertence mais ao Rito e as origens e os costumes orientais.

E eles se sentem mais confortáveis vivendo na maneira brasileira, isto

é o correto, isto é o certo. Porque já estão aqui, não é mais um, dois,

dez anos, já estamos falando de trinta, quarenta anos de convivência.89

88

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011. 89

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 20/5/2010.

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84

A primeira geração mais associada ao Líbano e à Síria estaria mais próxima da

Igreja. A segunda geração, muitas vezes, acaba por associar-se com uma terceira pessoa que

não é de origem árabe, portanto, os indivíduos tornam-se mais brasileiros. A terceira geração

não possui mais os costumes orientais. Quanto mais distante da associação com o país de

origem, mais próxima da cultura brasileira. No que diz respeito às Igrejas Orientais, isso

também é um elemento de mudança religiosa. A assimilação cultural dessas comunidades na

cidade de São Paulo pressupõe, muitas vezes, a conversão religiosa fora do cristianismo

oriental.

Isso está no horizonte dos depoimentos de MK e GO. Esses indivíduos, como

membros do clero de suas Igrejas, sentem que isso dificulta a manutenção de suas Igrejas. A

assimilação das novas gerações da comunidade e a não renovação da diáspora poderiam

ameaçar a estabilidade dessas Igrejas. UO também está de acordo com seus colegas:

Então, e alguns ainda remanescentes da imigração que veio depois da

Segunda Guerra, outros nascidos na Alemanha e outros nascidos aqui

no Brasil. Aí vem a pergunta: “Por que tão poucos?” A principal

resposta é casamentos mistos. Casa com quem não é ucraniano,

brasileiro, de outra... Daí não entendem o idioma, daí preferem ir na

Igreja Latina, na Igreja aonde entende melhor, ou casa com católico,

vai para Igreja Católica. Enfim, existe uma comunidade bem

minúscula, realmente pequena.90

UO aponta os casamentos mistos como forma de esfacelamento da comunidade, eles

impulsionariam a desagregação da comunidade. Seria como se o fiel escolhesse deixar essa

sua cultura oriental. O poder da Igreja Católica Latina é levado em conta.

90

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/4/2010.

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85

Diante dessas perspectivas, muitos membros do clero sentem que estão deixando de

cumprir sua missão, ficam indignados com o aparente fim de suas comunidades e a suposta

negligência de seus fiéis:

A comunidade foi reduzindo cada vez mais. Em 50 anos. Por quê? Os

russos ficavam aqui, muitos se integravam na comunidade brasileira

[...]. Daí que a comunidade foi diminuindo [...]. Os católicos aqui não

tinham muito o que fazer, porque um católico não segue a lei ortodoxa

e nem a católico-ortodoxa, então o indivíduo está chupando bala e vai

para a comunhão.91

RC considera a suposta rigidez das celebrações das Igrejas Orientais como um dos

motivos do abandono de muitos féis. A caricatura do indivíduo que está chupando bala e vai

para a comunhão ilustra essa crítica. O catolicismo latino é encarado como elemento de

aproximação com a comunidade brasileira, mas também como negligência dos membros da

comunidade russa católica com sua Igreja. No depoimento de MK, a indignação com relação

a certas atitudes dos fiéis também aparece:

[...] temos aqui um centro cultural sírio que ensina às pessoas o idioma

árabe, mostra para eles os costumes, a paisagem de lá, mas mesmo

assim as pessoas não frequentam, quem mais frequenta são os

brasileiros.92

91

Depoimento de membro do clero da Igreja Russa Católica da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010. 92

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 20/5/2010.

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86

Figura 9 - Igreja Católica Melquita na Avenida Paulista.93

Muitos dos fiéis melquitas não estariam mantendo a necessária cultura dessa

comunidade. Então, MK, como membro do clero, buscou uma solução: manter um centro

cultural sírio. Todavia, esse projeto teria falhado, mas há esses brasileiros, indivíduos à parte

da comunidade cristã oriental original, que entram em contato com essa fé e cultura.

A indignação desses membros do clero perpassa a sua função de guardiões da

memória desses grupos diaspóricos e dessa fé cristã específica. O aparente fim das

comunidades sugere que eles não estariam cumprindo sua missão. Porém, eles procuram

reorganizar sua comunidade, pois muitos acreditam que seu papel não foi terminado.

Entendem que representam culturas que devem ser valorizadas e propagadas dentro da

metrópole.

93

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 16/9/2011

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87

O fato de indivíduos de fora da comunidade original, os brasileiros, aproximarem-se

dessas Igrejas parece ser uma nova tendência constituindo-se. Se por um lado as imigrações

das comunidades originais não se renovam, a incorporação dos brasileiros torna-se uma nova

perspectiva escolhida por muitas dessas Igrejas na cidade. O depoimento de GO é ilustrativo:

Mas, realmente, está um pouco difícil a coisa. Também nós não

fazemos proselitismo, nós não fazemos. Nem placa, eu não gosto, aqui

fui forçado a colocar uma placa, coloquei uma de 30 x 15 [cm], que

uma velha olhou domingo e disse: “Padre, isso aqui é realmente para

ninguém enxergar que o senhor colocou?” Mas tem uma cruz enorme

em cima, acho que o maior logotipo está em cima, para quê fazer esse

fuá...94

GO afirma que está um pouco difícil, referindo-se ao gradual fim da comunidade

grega original. Ele afirma que sua Igreja não faz proselitismo, no entanto, foi obrigado a

colocar uma pequena placa na porta de sua Igreja. Afirma que o maior logotipo de sua Igreja é

a cruz em cima do templo. Mas GO reitera:

Temos uma história Apostólica ininterrupta, ou seja, uma sucessão

Apostólica ininterrupta, retilínea. Tanto quanto à origem como quanto

à sucessão Apostólica e também quanto à doutrina. Então isso nos dá

muita segurança e as pessoas nos procuram muito pelo amor à

tradição e à conservação deste tesouro que não deve ser simplesmente

trancado a sete chaves, mas abrir o tesouro, porque também ortodoxia

não é propriedade nem de grego, nem de russo e nem de árabe. O

Cristo mandou que os apóstolos fossem para o mundo inteiro: pregar,

94

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011.

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fazer discípulos, discipular e batizar. Então nós tentamos seguir e

fazer isso.95

O relato sugere um caminho duplo do membro do clero entre dois mundos da

metáfora do Iconostasis. GO tenta abrir sua Igreja para os brasileiros, para a contingência da

cidade, colocando uma pequena placa na porta de sua igreja, identificando o crucifixo como

logotipo, traduzindo parte do Rito para o português, asseverando que a tradição ortodoxa não

é propriedade de gregos, russos ou árabes. No entanto, ele afirma categoricamente que não

faz proselitismo, que não quer negar a sua identidade, mas prega, faz discípulos e batiza. Ele

está criando um Iconostasis Paulistano, expondo a questão do entre-lugar. Ele está criando

uma Igreja Ortodoxa Grega paulistana, associando a fé ortodoxa grega à realidade paulistana.

Através dessa contingência, os membros clericais elaboram, cada qual à sua maneira,

estratégias e projetos para responder a esses desafios específicos da cidade de São Paulo.

2.2.2 Projetos e Perspectivas

Os projetos são variados. Diante da contingência da vida na metrópole, os membros

do clero pensam as mais variadas estratégias. Seus horizontes, longe de serem uniformes, são

múltiplos. A situação diaspórica dessas Igrejas impõe aos membros do clero a necessidade de

tomar atitudes diversas para fazer frente a circunstâncias diversas.

Em última instância, os projetos dos membros do clero passam por um processo de

transculturação: não a integração completa da comunidade, mas o surgimento de comunidades

95

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011.

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89

cosmopolitas96

. O estabelecimento dessas Igrejas na diáspora sugere a manutenção de Igrejas

Orientais, mas também paulistanas.

Algumas preferem se fixar na manutenção e auxílio às comunidades originais, como

a Igreja Católica Armênia:

Nós temos procurado, diante deste quadro, valorizar a Pátria Mãe,

sabemos que ali é o futuro, nós estamos na diáspora, não para

conquistar ninguém, mas para atender as nossas comunidades. Se um

dia elas não existirem mais, não tem mais sentido. Nós não estamos

procurando nada mais e não tem sentido... O Rito Armênio é para o

povo armênio, na sua língua, nas suas tradições.97

Em seu depoimento, AC sugere que a atenção e o futuro de sua Igreja estão na

Pátria-Mãe, na República da Armênia. Ele indica que não quer conquistar ninguém na

diáspora, pois o Rito Armênio é para o povo armênio. A estratégia usada pela Igreja Católica

Armênia na cidade de São Paulo é manter sua comunidade até que ela termine. Sua coirmã, a

Igreja Apostólica Armênia, também entende assim:

Mas as outras Igrejas aceitam de todas as nações como seus filhos,

como membros da Igreja, e, com esse sentido, a Igreja Copta aqui fica

uma Igreja só com o nome Copta, mas com a língua portuguesa, como

as outras Igrejas Ortodoxas também praticam hoje com língua

portuguesa, e a Armênia é uma exceção.98

96

HALL, Stuart; SOVIK, Liv (Orgs.). Da Diáspora: Identidade e Mediação Culturais. Belo Horizonte: Editora

da UFMG, 2009. p.64. 97

Depoimento de membro da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 9/3/2010. 98

Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 8/2/2010.

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90

AO usa como exemplo a Igreja Copta para contrapor os projetos da sua Igreja aos

das demais Igrejas na cidade. Para AO, a abertura da Igreja Copta para os brasileiros, assim

como a atitude das outras ao aceitarem todas as nações, estaria maculando o sentido dessas

Igrejas. Assim sendo, a Igreja Apostólica Armênia coloca-se distante desse projeto de futuro

e, como sua coirmã, dedica-se ao apoio de sua comunidade original.

Os projetos de ambas as Igrejas – Católica Armênia e Apostólica Armênia – têm

como intuito a manutenção das comunidades originais, com pouca abertura para fora da

diáspora. O despontar do fim dessa diáspora não é encarado como o fim da cultura e fé

necessária, mas apenas uma mudança de perspectiva. Como sugere AC, o futuro não estaria

na contingência da cidade, mas fora dela: na Armênia. Mesmo assim, na sua estada na

diáspora, as Igrejas Armênias pensam em sua situação paulistana, uma configuração cultural

muito distinta de uma Igreja Armênia supostamente livre de transculturação.

Entretanto, sendo os projetos dos membros do clero múltiplos, muitas vezes não há

essa reflexão teleológica sobre o futuro:

Agora, é que nem eu disse: só o tempo que vai nos dizer o que fazer.

Pode ser que chegue um dia que não acabe a comunidade, mas que a

comunidade seja composta só de pessoas brasileiras, e que estejam

participando da comunidade ucraniana Ortodoxa, mas que não têm

nada de ucraniano. Não sei, o tempo é quem vai dizer.99

UO sugere que o elemento ucraniano de sua Igreja pode desaparecer, mas ele parece

não ter um projeto claro, como muitos de seus companheiros. Ele acredita que o tempo irá

99

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/4/2010.

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91

dizer. O membro tem a perspectiva de um guardião da memória da diáspora ucraniana na

cidade, porém, na sua percepção, o futuro de sua comunidade é algo distante.

Na grande trama dos projetos para as Igrejas Orientais paulistanas existem aqueles

membros do clero receosos quanto à abertura de suas instituições para fora da comunidade em

diáspora, como também aqueles que não possuem um projeto hermético para o futuro.

Existem membros do clero que têm em seus horizontes e subjetividades a manutenção de suas

comunidades pela inserção profunda na contingência da metrópole, assumindo a formação de

uma comunidade cosmopolita. Muitas vezes isso significa uma abertura à comunidade

brasileira: “Então, temos muitos fiéis brasileiros e aqui rezamos em grego e português

exatamente para a gente se situar posteriormente no habitat no qual nós estamos.”100

Essas

Igrejas tentam adaptar-se de forma radical a esse habitat.

Esse habitat sugerido por GO é a situação de diáspora das Igrejas Orientais. O fato

de estarem presentes em São Paulo faz com que elas sejam convocadas a se reestruturar a

todo momento. A transculturação está presente sempre na subjetividade dos membros do

clero, mesmo aqueles que somente têm a comunidade original no horizonte, como os

armênios.

Adaptar-se ao habitat é pensar estratégias e experiências dessa situação de

transculturação. A presente dissertação foca essas questões das experiências, forças,

subordinações, contradições101

, que apontam para a diversidade de perspectivas dos membros

do clero. Não deve ser prudente sugerir definições fixas, tampouco compreender essas Igrejas

como estáticas e associadas ao passado remoto.

100

Depoimento de membro da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 17/8/2011. 101

THOMPSON, Edward. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p.58.

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No depoimento de RO observa-se todo esse processo de adaptação de sua Igreja na

contingência da metrópole:

Mas, com o tempo, justamente pelo fato de as pessoas não falarem o

idioma local, os padres, principalmente, já eram pessoas de meia-

idade para cima, não tinham possibilidade de aprender já a língua

fluentemente; e não faziam o trabalho com relação, digamos, aos

brasileiros aqui tendo em vista o Brasil especialmente. Então os

casamentos mistos colaboraram para que houvesse uma força

centrífuga entre os paroquianos e... Quando se deu conta disso já era

um pouquinho tarde, começamos a trabalhar nesse sentido.102

Figura 10 - Igreja Ortodoxa Russa no Exílio na Rua Tamandaré.103

102

Depoimento de membro da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 24/2/2010. 103

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 7/9/2011.

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A contingência se impõe: os membros do clero e os fiéis envelhecem, os casamentos

mistos ocorrem, muitos abandonam aquela fé e cultura. Assim, os membros do clero passam a

considerar novas atitudes para adaptarem suas Igrejas:

Hoje, 60% de nossos paroquianos são brasileiros. Os ofícios são

celebrados em português, então nós temos hoje um reverso, nós temos

brasileiros se convertendo [...]. Procurando, então, achando essa

possibilidade na Igreja Ortodoxa, principalmente a nossa Russa, que

mantém uma diretriz mais rigorosa com relação, digamos, a essas leis

fundamentais Ortodoxas. Hoje a comunidade não é grande, é pequena,

não é tão grande quanto nos anos 40, 50, 60, mas continua viva e

estamos aqui.104

Segundo RO, a Igreja Ortodoxa Russa na cidade de São Paulo optou pela abertura

aos brasileiros, sendo que o proselitismo aparece como forma de transformação dessa

comunidade. O resultado é visto na nacionalidade da maioria dos paroquianos da Igreja –

brasileira. No entendimento do membro do clero, a vinda desses brasileiros ocorre devido ao

que seria uma diretriz mais rigorosa, ou seja, a própria cultura e fé russa, sendo mais um

exemplo do Iconostasis Paulistano. Uma Igreja Oriental carregada de elementos de sua

comunidade original, mas frequentada principalmente por fiéis brasileiros.

Outra Igreja que tem como direção a incorporação dos brasileiros em seu projeto é a

Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia. Ela parece muito preocupada em divulgar a

celebração de matrimônios em sua publicação oficial, que aponta ainda para o fato de que

realiza, inclusive, segundas núpcias. Existe um projeto bem elaborado, com o objetivo de que

esses novos casais, muitas vezes brasileiros, participem do dia a dia dessa Igreja, que está

104

Depoimento de membro da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 24/2/2010.

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94

exemplificado no panfleto distribuído gratuitamente na catedral. Nele se encontra uma relação

de compromissos dos noivos recém-casados com a Igreja:

Aqueles que se casam na Catedral devem estar cientes de seu

compromisso com a Igreja.

1 - Compromisso obrigatório de receber o Crisma e participar nas

palestras para os noivos.

2 - Compromisso de batizar os filhos na Igreja Ortodoxa Antioquina.

3 - Compromisso de participar nas festas litúrgicas durante o ano nas

celebrações da missa dominical.

4 - Compromisso de participação como membros da Igreja na

contribuição anual.105

A Igreja do Patriarcado de Antioquia parece ter como objetivo incentivar que os

novos casais interajam com a Igreja. Os compromissos estabelecidos nesse documento

sugerem a busca pela continuidade da Igreja, ao exigir, por exemplo, o batismo dos filhos

desses casais nela própria. A incorporação da identidade brasileira é algo que está no

horizonte dessa Igreja. Isso aparece claramente no discurso de PO:

Todos que quiserem se unir a nós são bem-vindos, não importa a

etnia, não importa origem, não importa cor, não importa idioma. A

Igreja Ortodoxa, nas suas origens, os vários Patriarcados, eles se

abriram muito e, embora com o passar do tempo tenham alguns se

fechado por questões históricas, políticas, por toda uma história muito

traumática, pela qual alguns grupos passaram, não é nosso ideal.106

105

Texto retirado do material oficial da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia da cidade de São Paulo,

distribuído gratuitamente aos visitantes de sua Catedral no bairro do Paraíso. 106

Depoimento de membro do clero da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia da cidade de São Paulo, em

entrevista concedida ao autor em 7/7/2010.

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Levando-se em conta que o membro do clero é quase um portador do discurso oficial

da Igreja, PO admite a abertura de sua Igreja para os fiéis brasileiros. Diferentemente de seu

colega AO, por exemplo.

De todas as Igrejas Orientais paulistanas, a Igreja Copta talvez seja a mais aberta aos

brasileiros. Como já abordado no capítulo anterior, a razão do estabelecimento dessa Igreja na

metrópole foi a de criar uma comunidade cristã ortodoxa copta longe das pressões do Egito.

CO discorre sobre esse projeto em seu depoimento:

De todos, eu comecei esse tipo de missão aqui no Brasil começando

essas pessoas me conhecendo na época que eu estava morando no

mosteiro de São Bento, porque eu cheguei aqui em 93. Morei no

mosteiro de São Bento no centro, um ano e meio. Eu conheci muita

gente lá, eu conheci o povo no supermercado, nas ruas, no metrô.

Comecei a batizar muita gente, e eles começaram a conhecer a nossa

Igreja, ficou contente e ficou continuando, sempre aparece gente nova

na nossa Igreja.107

A missão, o projeto da Igreja Copta foi aumentar os seus fiéis pela aproximação de

brasileiros. Com esse depoimento é possível identificar os membros do clero como

indivíduos que guiam essas comunidades e criam projetos para a sua manutenção. CO e seus

colegas são responsáveis pela construção de uma Igreja Copta na cidade de São Paulo, assim

como os demais membros do clero são os responsáveis por pensar o futuro de suas Igrejas,

aglutinando transculturações.

107

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 22/8/2010.

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No entanto, os membros do clero por si só não podem construir essa diversidade das

Igrejas Orientais na cidade de São Paulo. Isso porque os membros clericais das Igrejas

Orientais, que seriam guardiões de uma cultura aparentemente estática, se deparam com

diversas experiências; portanto, sua existência na metrópole está longe de sugerir um

ambiente estático. A transculturação desses grupos na metrópole perpassa forças diversas,

subordinações e contradições.

Em seu depoimento, CO destaca outro ponto fundamental para as Igrejas Orientais

paulistanas: o peso da Igreja Católica Latina nas relações com a cidade. Ele diz que se

hospedou no mosteiro de São Bento, ou seja, dependeu da boa vontade dos monges católicos

latinos para levar seu projeto adiante. O peso da Igreja Latina é notório nas perspectivas das

Igrejas Ortodoxas paulistanas, mas é ainda mais notável nas relações das Igrejas Católicas

Orientais paulistanas. Muitas vezes esse peso dificulta os próprios projetos dessas Igrejas.

Desse modo, verifica-se que os membros do clero católico oriental devem medir de

forma muito cautelosa as implicações da influência da Igreja Latina em sua função de

guardiões de suas comunidades. O próximo capítulo será dedicado ao peso que a Igreja

Católica Latina tem na existência e nos projetos das Igrejas Orientais paulistana,

especialmente em relação às Igrejas Católicas Orientais.

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97

CAPÍTULO III – MEDIANDO TRADIÇÕES NA METRÓPOLE PAULISTANA:

IGREJAS CATÓLICAS ORIENTAIS

Entre os dois grandes grupos de Igrejas Orientais encontrados na cidade de São Paulo

está o das Igrejas Católicas Orientais. Este capítulo tratará exclusivamente desse grupo. Essas

Igrejas no passado eram parte indistinta das Igrejas Ortodoxas, mas, pelos mais diversos

motivos, acabaram aceitando o Papa de Roma como sua máxima liderança. Hoje elas

pertencem à Igreja Católica Romana e são canonicamente chamadas de Igrejas sui juris:

A Igreja Católica é formada atualmente por 22 Igrejas, que o Código

Oriental, dizendo mais precisamente, o Código dos Cânones das

Igrejas Orientais define como Igrejas sui juris, palavras latinas que

significam: de direito próprio. Naturalmente na unidade da fé, na

unidade do governo do Santo Padre, na unidade dos Sacramentos, mas

na diversidade dos Ritos, das línguas, da liturgia, da disciplina, e

mesmo da espiritualidade. Essas 21 Igrejas Orientais, mais a Igreja

Latina, a mais numerosa de todas, compõem hoje a Igreja Católica

Apostólica Romana.108

Segundo esse trecho do depoimento de AC, a Igreja Latina109

é a mais numerosa de

todas as Igrejas Católicas. Sua influência é profunda nas relações das Igrejas Católicas

Orientais, e numa cidade como São Paulo, onde a Igreja Latina é extremamente influente, esse

poder é notório.

108

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 9/3/2010. 109

O adjetivo latino(a) sugere a origem dessa Igreja nas regiões ocidentais do Império Romano, de fala latina,

em detrimento do grego, falado na parte oriental do Império. Latino passa assim a designar as formas cristãs da

Europa Ocidental. PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell Dictonary of Eastern Christianity. Oxford:

Blackwell, 1999. p.292.

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Por sua relação com a Igreja Latina e seu antigo pertencimento ao mundo cristão

ortodoxo, as Igrejas Católicas Orientais são muitas vezes entendidas como desviadas das

tradições: “Enquanto os Ortodoxos são hostis aos Católicos Gregos, considerando que eles

caíram à sedução da herética Igreja Romana, Católicos consideram que eles não são

verdadeiramente Católicos, pois não seguem tradições Latinas."110

Essa é a origem do nome

que muitos cristãos ortodoxos dão a seus coirmãos católicos orientais: uniatas. Eles estariam

em conluio com o Papa de Roma e subvertendo a ordem eclesiástica.

A situação das Igrejas Católicas Orientais na cidade de São Paulo parece ser

delicada. No entanto, como suas irmãs Ortodoxas, elas são capazes de mediar suas tradições

na cidade. Mas, ao contrário das Igrejas Ortodoxas, elas encontram em seus horizontes o

poder da Igreja Latina, o que faz com que tenham de ser ainda mais perspicazes. O presente

capítulo tentará apontar alguns elementos dessa nem sempre fácil convivência dessas outras

Igrejas Católicas paulistanas, bem como as relações que elas mantêm na cidade com as Igrejas

Ortodoxas e, principalmente, com a Igreja Latina.

As Igrejas Católicas Orientais situadas na cidade de São Paulo já foram apresentadas,

no entanto, é importante relembrá-las: a Igreja Católica Maronita e a Igreja Católica Melquita,

ambas associadas à comunidade árabe; a Igreja Católica Armênia; e as Igrejas Católica Russa

e Ucraniana, ambas da comunidade eslava. Deve-se também ressaltar que essas Igrejas

dividem suas comunidades em diáspora com as Igrejas Ortodoxas, ou seja, as Igrejas

Católicas Orientais e as Igrejas Ortodoxas na cidade de São Paulo são muitas vezes compostas

por membros de uma mesma comunidade imigrante residente na cidade. Assim sendo, o

estabelecimento dessas instituições na cidade seguiu linhas semelhantes às das Igrejas

Ortodoxas, mas existem algumas nuances.

110

BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University

Press, 2002. p.36.

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99

3.1 OS OUTROS CATÓLICOS

Essa relação com as Igrejas Ortodoxas faz com que as Igrejas Católicas Orientais

sejam quase um duplo de suas coirmãs. Em outras palavras, as Igrejas Católicas Orientais

reorganizaram suas tradições baseando-se nas Igrejas Ortodoxas a que pertenciam no passado.

Portanto, não é coincidência que as comunidades imigrantes na cidade muitas vezes estejam

associadas às duas Igrejas Orientais: uma Ortodoxa e uma Católica. Um exemplo irá tornar

essas relações mais claras.

A Igreja Católica Ucraniana divide com a Igreja Ortodoxa Ucraniana os membros da

diáspora ucraniana na cidade. A Igreja Católica Armênia divide com a Igreja Apostólica

Armênia os membros da comunidade armênia. Assim sendo, essa proximidade criaria uma

relação especial entre Igrejas de uma mesma comunidade. Além das Igrejas mencionadas,

existe uma relação especial entre a Igreja Católica Maronita e a Igreja Ortodoxa Sirian, a

Igreja Católica Melquita e a Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia e entre a Igreja

Ortodoxa Russa no Exílio e a Igreja Russa Católica. A Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja

Ortodoxa Copta não possuem irmãos católicos na cidade de São Paulo.

As influências dessas Igrejas nas suas comunidades variam, não há uma divisão

igualitária entre fiéis ortodoxos e católicos. A Igreja Apostólica Armênia é muito mais

influente na comunidade paulistana que sua irmã católica. Por outro lado, os católicos

maronitas são muito mais numerosos do que os ortodoxos sirian na cidade e no país. Essas

Igrejas Católicas Orientais têm uma organização própria que, muitas vezes, depende da

hierarquia latina paulistana, mas o passado dessas comunidades e sua emigração para a

metrópole as tornam próximas das Igrejas Ortodoxas.

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100

A Igreja Católica Maronita está associada à comunidade árabe e intimamente

relaciona à imigração libanesa. A associação entre o Líbano e a Igreja Maronita é antiga e está

ancorada no mito de que os verdadeiros libaneses seriam membros dessa Igreja, os católicos

orientais de tradição siro-aramaica, para muita contestação das demais comunidades culturais

do Líbano.111

As origens da Igreja Maronita remontam ao século V, quando os seguidores de São

Marun fundaram, com o Imperador Romano, o Mosteiro de Beit Marun na atual Síria:

Não foi por acaso que o imperador Marciano mandou construir o

convento de São Marun um ano após o Concílio de Calcedônia.

Constatando o poder de persuasão daqueles monges e sua influência

crescente sobre o povo arameu da região, resolveu apoiá-los para

receber em troca seu apoio nos domínios políticos e religiosos.112

Numa história oficial, os Maronitas estão, desde sua fundação, associados a uma

união com as Igrejas Calcedonianas e, em última instância, também com a Igreja Católica

Romana. Essa antiga relação com Roma é algo, como será visto mais adiante, de suma

importância para a criação de uma tradição Maronita.

Essa associação com a Igreja Latina pode ser encontrada na organização da Igreja

Católica Maronita na cidade de São Paulo. Ao contrário do que ocorre com muitas Igrejas

Católicas Orientais na cidade, a Igreja Maronita está subordinada à Arquidiocese de São

111

MOOSA, Matti. The Maronites in History. Piscataway: Georgias Press, 2005. p.284. 112

EDDÉ, Emile. A Igreja Maronita e o Líbano. Vol.I. Rio de Janeiro: Edições do Centro Cultural de Missão

Libanesa Maronita do Brasil, 1989. p.142.

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101

Paulo113

. Assim, ela estaria subordinada à hierarquia Católica Latina da cidade. A Igreja

Católica Melquita também divide esse destino.

Figura 11 - Igreja Católica Maronita na Rua Tamandaré.114

Os Melquitas115

também estão ligados à imigração árabe na cidade, síria e libanesa.

Por sua ligação profunda com o imperador bizantino, a Língua Litúrgica da Igreja Melquita

era o grego, mas aos poucos o árabe foi tomando esse lugar116

. Diferentemente da Igreja

Maronita, que tem como Língua Litúrgica o siro-aramaico (língua mais falada no Levante

113

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Maronita da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 3/2/2010. 114

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 7/9/2011. 115

A palavra Melquita tem origem no siro-aramaico malik, que significa senhor, rei, imperador. No início do

cristianismo, no Levante, os cristão calcedonianos eram chamados assim, pois professavam a mesma doutrina

religiosa do imperador romano/bizantino. Com o passar dos séculos, esse nome foi associado exclusivamente aos

membros da Igreja Católica Melquita. SHOFANY, Saba. The Melkites at the Vatican Concil II: Contribution

of the Melkites Prelates to the Vatican Concil II. Bloomington: Authorhouse, 2005. p.3. 116

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 20/5/2010.

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102

antes da chegada do Islã). Ambas as Igrejas sofreram com as convulsões da região que

culminaram com a Guerra Civil libanesa nas décadas de 1970 e 1980. Problemas políticos e

econômicos, além das perseguições a esses grupos, provocaram a emigração dessas

populações:

O precário balanço de nações e religiões do Líbano foi testado durante

o século XX. [...] Cerca de 670.000 Cristãos dispersaram-se pelo

conflito comparados com 158.000 Mulçumanos; as consequências

sociais e econômicas para todas as comunidades Cristãs foram

imensas e levaram à uma generalizada emigração.117

Maronitas e Melquitas dividem esse passado, como Igrejas de origem árabe e como

Católicas Orientais. Outra Igreja que sofreu com as convulsões do Oriente Médio foi a Igreja

Católica Armênia, que, como sua coirmã Apostólica Armênia, assistiu ao Genocídio

Armênio118

.

Com relação à organização da Igreja Católica Armênia na cidade, cumpre notar que

ela é independente da arquidiocese, pois é um Exarcado119

:

Vindo a Igreja Armênia Católica na América Latina, em 1981 foi

criado um Exarcado Apostólico para toda a América Latina. Exarcado

na Teologia Oriental Eclesiástica significa uma diocese em formação

e, para usar a terminologia oriental, uma eparquia em formação.

Estende-se desde o México até a Argentina [...] na realidade nós temos

117

O‟MAHONY, Antony. Syriac Christianaty in the Modern Middle East. In: ANGOLD, Michel (Org.). The

Cambridge History Of Christianity - Eastern Christanity. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

p.522. 118

Ver Capítulo 1. 119

O Exarcado é uma divisão eclesiástica do cristianismo oriental que possui origem nas divisões provinciais do

Império Bizantino. Ela denomina uma eparquia (diocese oriental) em formação, sua autonomia é limitada e está

submetida diretamente à autoridade máxima da Igreja. PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell Dictonary of

Eastern Christianity. Oxford: Blackwell, 1999. p.195.

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103

seis países somente com comunidade armênia católica. O México, a

Venezuela, o Brasil, o Uruguai, a Argentina e o Chile. A Argentina,

em 1989, foi elevada à categoria de diocese, ou seja, de eparquia e [...]

naturalmente eu tenho uma sede para cada país, tem uma catedral em

São Paulo na Avenida Tiradentes, no bairro da Luz, tenho outra em

Montevidéu para aquela comunidade e na Argentina em Buenos

Aires.120

Esse Exarcado com sede em São Paulo está diretamente subordinado ao Papa de

Roma. Pode-se perceber que a representação da Igreja Católica Armênia na cidade comanda

as decisões das demais comunidades armênias católicas da América Latina, salvo a Argentina,

que possui uma Eparquia121

própria. As Igrejas Católicas Eslavas também não estão

subordinadas à arquidiocese latina da cidade.

A Igreja Católica Ucraniana em São Paulo, assim como a Igreja Ortodoxa Ucraniana

de São Caetano do Sul, também é formada pelos grupos que imigraram após a Segunda

Guerra Mundial:

As Igrejas que tem aqui em São Caetano e na Vila Bela na realidade,

elas foram feitas com a ajuda mais da segunda imigração, que foi

depois da Segunda Guerra Mundial. Começou a chegar em 49, mais

ou menos, até 52, que veio a grande maioria.122

Tanto os grupos ucranianos ortodoxos como os católicos foram forçados a colaborar

como força de trabalho para a Alemanha nazista123

. Com o fim da guerra, temeram sofrer

120

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 9/3/2010. 121

Nome dado às dioceses no cristianismo oriental. 122

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

20/8/2011. O código de identificação desses entrevistados será F-UC. 123

Ver Capítulo 1.

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104

represálias na União Soviética como desertores. Assim sendo, com a colaboração da Cruz

Vermelha e das comunidades imigrantes do Canadá, conseguiram emigrar para países com

comunidades ucranianas já estabelecidas (da Primeira Imigração), como o Brasil124

. A Igreja

Católica Ucraniana em São Paulo depende de sua sede brasileira localizada em Curitiba, que,

por sua vez, é subordinada à arquidiocese latina daquela cidade.

O caso da Igreja Católica Russa é peculiar. Ela está intricadamente ligada à sua

condição de paulistana, diferentemente das demais Igrejas Católicas Orientais na cidade, que

muitas vezes estão associadas a uma trama de relações mundiais. O grupo de cristãos russos

que compõem essa Igreja tem origem na cidade de Harbin, no norte da China. Esse grupo

estabeleceu-se na cidade para evadir-se da perseguição religiosa ocorrida na Rússia logo após

a Revolução de 1917:

E quando o Comunismo chegou bem perseguindo mesmo, tudo,

inclusive os ortodoxos. Nós temos canonizados agora mais de 2 mil

entre bispos, sacerdotes, padres com suas famílias, mulheres e filhos e

leigos, simples leigos, que estavam engajados na ortodoxia. Então,

mais de 2 mil mártires, fora os confessores que foram torturados, mas

não chegaram a morrer. Muitos foram para Harbin, na China. Foi uma

verdadeira cidade russa, Harbin. Depois tinha também... Na China e

em vários lugares, várias cidades... Xangai tinha.125

Segundo RC, as revoltas socialistas na China após a Segunda Guerra Mundial

fizeram com que padres latinos interviessem em favor dessa comunidade russa naquele país:

124

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

20/8/2011. 125

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010.

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105

Quando o Comunismo chegou lá, aí havia padres relacionados com o

Vaticano, aí que a globalização ajudou, porque um grupo foi

encarregado de acompanhar russos. Creio eu, não propriamente para

convertê-los ao catolicismo, mas para manter aquela cultura deles, a

religião deles. Um deles era inglês; foi preso em Xangai, depois foi

solto, veio parar aqui no Brasil. Trabalhou muito pelos russos. Não

creio que ele tivesse intenção de dar coisas para os russos, para

depois... Trabalho, atendimento, para depois trazer para a Igreja

Católica. Isso está comprovado que não foi assim. Veio o primeiro,

que foi reitor do famoso Colégio Russico, que preparava os padres que

iam para a Rússia. Esse chama-se Felipe de Régis. Ele fundou uma

igreja, um centro, em Buenos Aires e veio para o Brasil, outro centro.

Tudo combinado com o governo brasileiro, governo argentino,

diplomaticamente, para receber levas dessa população russa da China,

que vinha para o Brasil e para Buenos Aires. E foi assim que

começaram a chegar. Era Juscelino Kubistchek, dispensaram muitas

exigências de imigração, que já havia na época, e vieram muitos.126

No depoimento de RC sobre a fundação de sua Igreja na cidade destacam-se alguns

aspectos: o patrocínio oficial do governo brasileiro, que trouxe esse grupo para o país, durante

o governo do presidente Juscelino Kubistchek, e principalmente a atuação da Igreja Católica e

seu ramo latino no apoio a esses imigrantes. Percebe-se no depoimento um cuidado de RC em

não apontar nenhum tipo de proselitismo da Igreja Católica na direção desses grupos russos,

que eram na sua maioria ortodoxos.

No entanto, esses grupos russos vindos da China acabaram por associar-se, como

será discutido mais adiante, a instituições criadas pela Igreja Católica no país. Isso, em última

instância, criou na cidade uma Igreja Católica Oriental Russa, inexistente na própria Rússia.

Esse tipo de projeto da Igreja Católica com as comunidades russas da China não ocorreu

126

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010.

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106

somente no Brasil, mas também em outros países como Estados Unidos e Austrália, para onde

alguns membros da comunidade russa de São Paulo reemigraram127

.

Figura 12 - Igreja Católica Russa ao lado do Museu Paulista.128

Um indício de que esse apoio às comunidades russas da China foi encarado como

proselitismo está nas queixas e atitudes da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio presente na cidade

em relação à sua coirmã Católica Oriental, como se nota no depoimento de RC:

Não eram bem vistos pelos ortodoxos já existentes em São Paulo.

“Vocês vão converter”, pois, olha, todos nós temos que nos converter,

127

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010. 128

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 7/9/2011.

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mas não assim, que você vai deixar sua religião para passar para essa.

Não estamos nessa vontade.129

RC sugere a relação entre as Igrejas. A Igreja Ortodoxa Russa na cidade encara a

atitude da Igreja Católica como proselitismo, a conversão de seus possíveis fiéis. Em

contrapartida, RC afirma que não há proselitismo por parte da Igreja Católica. Mas, de fato, a

comunidade russa vinda da China para a cidade de São Paulo, ou o pouco que restou dela, está

firmemente associada à Igreja Católica Russa na cidade, e não à Igreja Ortodoxa Russa no

Exílio. Isso é obra da influência da Igreja Católica no estabelecimento dessa comunidade

específica na cidade.

Esse é um pequeno exemplo da relação entre as Igrejas Orientais presentes na cidade,

principalmente a relação entre Igrejas que dividem uma mesma comunidade. Muitas vezes,

ela é cordial, mas esbarra na luta pela própria afirmação dessas Igrejas e na fabricação de uma

memória coletiva que por vezes é usada para justificar a união de determinado ramo com a

Igreja Católica. Alguns desses conflitos serão evidenciados a seguir.

3.2 ROSÁRIO E ICONOSTASIS: ORTODOXOS E CATÓLICOS ORIENTAIS

As Igrejas Católicas Orientais estariam num lugar intermediário, entre a tradição

Católica Latina, por conta de sua filiação ao Papa de Roma, e as tradições das Igrejas

Ortodoxas. Elas passam por um processo de hibridismo130

. Não uma mistura de relações entre

o moderno e o arcaico, mas um processo que nunca está completo, e propõe múltiplas

129

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010. 130

HALL, Stuart; SOVIK, Liv (Orgs.). Da Diáspora: Identidade e Mediação Culturais. Belo Horizonte: Editora

da UFMG, 2009. p.71.

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108

direções e experiências. Isso é evidente no depoimento de AC sobre a retomada do

catolicismo armênio na República da Armênia após o fim da União Soviética:

Veja, por exemplo, na Armênia Soviética, Geórgia etc. Os países da

antiga União Soviética, terminado depois de 70 anos o Comunismo.

Foi fácil reconhecer as cidades que eram Católicas, porque eles

tinham o terço e rezavam o terço. A oração da Ave Maria e,

consequentemente, o Rosário são tradições Católicas.131

A identificação dos católicos orientais armênios era realizada observando-se o uso

que esses fiéis faziam do rosário, diferente do uso entre os apostólicos armênios. Os católicos

orientais possuem práticas culturais semelhantes às dos católicos latinos, ao mesmo tempo

que partilham certas características com os ortodoxos, como o Rito, as denominações

eclesiásticas e as comunidades imigrantes. São iguais, mas diferentes.

Retomando o caso das Igrejas Russas na cidade, cabe notar que ambas têm uma

característica singular: são basicamente paulistanas, levando em conta a situação brasileira. A

Igreja Ortodoxa Russa no Exílio existe somente na cidade, já que as outras Igrejas Ortodoxas

Russas do país estão associadas ao Patriarcado de Moscou. A Igreja Católica Russa nasceu a

partir de uma comunidade russa que emigrou para a cidade com a ajuda da Igreja Latina.

Talvez justamente por essa condição paulista o diálogo entre elas seja tão reduzido.

RC aponta para a aparente disputa que há entre sua Igreja a Igreja Ortodoxa Russa na

cidade:

131

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 9/3/2010.

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109

Chegando aqui ao Brasil, esses padres começaram a divulgar.

Divulgar a união, ainda que os ortodoxos não tivessem muita estima

nossa, mas com o tempo eles adquiriram bastante estima. [...] Mas

ficou um grupo que não se abriu, eles não admitem nada da Igreja

Católica. Para eles, a Igreja Católica, os sacramentos não são válidos,

a missa não serve e mandam rebatizar, é uma espécie de anabatista

[...] então caíram nessa teoria e essa teoria está de pé até hoje.132

A Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, identificada aqui como o grupo russo que não se

abriu, de certa maneira, entendeu que a vinda desses imigrantes russos da China com a ajuda

dos padres latinos seria uma forma de trazer esse grupo para dentro da Igreja Católica. Isso

seria uma afronta a esse grupo ortodoxo. Como RO afirmou133

, a Igreja Ortodoxa Russa na

cidade de São Paulo é contra qualquer tipo de aproximação com as demais Igrejas,

principalmente a Católica. O fato é que existe entre o cristianismo russo paulistano uma

disputa pelos féis.

Porém, as Igrejas Russas em diáspora ligadas ao Patriarcado de Moscou (como a do

Rio de Janeiro e a de Buenos Aires) dialogam com os russos católicos de São Paulo e,

inclusive, cooperam com esse grupo, uma vez que eles não contam nem com um pároco

próprio:

Por exemplo, vinha os padres ortodoxos para celebrar aqui, porque

juntos não podem, eles mesmos têm suas leis. Fizeram... Esse padre

que morreu aqui fez amizade na Argentina. O representante do

Patriarcado de Moscou na Argentina é que comanda também aqui no

132

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010. 133

Ver Capítulo 1.

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110

Brasil. Nós temos no Rio de Janeiro o padre [...] já veio fazer

cerimônia.134

Assim sendo, as filiações da Igreja Católica Russa estabelecida na cidade, no que diz

respeito às relações entre russos em diáspora, são com comunidades fora da cidade. O que

acarreta dificuldades para a comunidade e para a Igreja.

Contudo, nem todas as aproximações entre as Igrejas que dividem uma mesma

comunidade na cidade são tão antagônicas como a relação entre as Igrejas Russas. A

aproximação entre a Igreja Católica Ucraniana e a Igreja Ortodoxa Ucraniana parece ser bem

cordial. Os depoimentos são consensuais:

É uma proximidade muito grande, são Igrejas irmãs, porque o povo

que participa, o povo se conhece, se entende, se acolhe, se respeita,

isso que é muito importante. E quando se fala da questão ucraniana, o

que prevalece justo e que mais une é a nossa cultura. Tanto ortodoxos

quanto católicos, eles se entendem muito bem e de modo especial

quando se fala de representatividade da nossa cultura ucraniana, é um

laço muito forte que identifica e aproxima. Então não existe naquele

espaço distinção.135

Parece que tanto UC como seu colega UO, da Igreja Ortodoxa, mantêm um discurso

semelhante:

Essa relação é uma relação bastante forte, bastante intensa porque, em

primeiro lugar, eu acho porque temos um clube, uma sociedade aqui

134

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010. 135

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 16/6/2010.

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111

em São Caetano, onde essa sociedade ela já existe desde a década em

que os imigrantes vieram para cá, construíram a sociedade juntos.

Então foi um elo que já desde o início uniu, ou seja, não existem

divergências, não existem brigas, entre aspas, falando: “Eu sou da

Igreja Católica Ucraniana”, “Eu sou da Igreja Ortodoxa”. Nesse

aspecto, jamais pude ouvir que houve no passado, pelo contrário, as

pessoas mais de idade sempre comentam que sempre trabalharam

juntas, que tem o grupo folclórico inclusive atuante, eles se

apresentam para fora, para até, inclusive, daqui de São Paulo e o

grupo folclórico é composto pelas comunidades tanto Católica como

Ortodoxa, então isso une bastante.136

UO ratifica a forte relação entre os fiéis das duas Igrejas, inclusive citando a

existência do grupo folclórico. Segundo os depoimentos, haveria uma identidade ucraniana

que estaria acima das relações entre as Igrejas. No entanto, deve-se ter em mente que nos

depoimentos os conflitos e diferenças entre essas Igrejas aparecem de forma sútil, salvo

algumas exceções.

Desse modo, deve-se dar atenção às sutilezas, principalmente no que diz respeito à

construção da memória dessas Igrejas. Pois a diferenciação entre as Igrejas Católicas

Orientais e suas coirmãs Ortodoxas perpassa a criação de um passado que legitime essas

diferenças. Isso está presente no depoimento de PO acerca da relação entre a Igreja do

Patriarcado Ortodoxo de Antioquia e sua coirmã Igreja Católica Melquita:

Nós temos uma relação maior por causa da comunidade. Os árabes,

sírios, libaneses e outros que nas duas Igrejas se conhecem têm os

mesmos parentescos, então é natural que nós tenhamos uma relação

dentro da própria comunidade sírio-libanesa. Mas, por outro lado,

como Igreja nós os vemos como católicos, eles são Católicos

136

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano do Sul, em

entrevista concedida ao autor em 18/4/2010.

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112

Romanos de Rito Oriental. Não sentimos nem mais próximos, nem

mais distantes. Para nós, são Católicos Romanos.137

Segundo PO, existe uma relação próxima entre sua Igreja e a Igreja Melquita, uma

vez que ambas, como já mencionado, dividem uma mesma comunidade. Entretanto, essa

relação especial entre as duas Igrejas está condicionada à criação de uma memória que

legitime o passado de uma Igreja como mais autêntico que o da outra.

No depoimento de PO, os Melquitas são tratados como Católicos Romanos. Assim

sendo, todas as características específicas da Igreja Melquita que são divididas com a Igreja

do Patriarcado, como o Rito, são desvalorizadas pelo fato de a Igreja Melquita ser uma Igreja

Católica Oriental. PO tem como objetivo sugerir que a sua Igreja é aquela que guarda

verdadeiramente os preceitos de uma cultura religiosa greco-árabe. Para PO, a Igreja

Melquita, por sua associação com a Igreja Católica, teria perdido essas características e se

tornado meramente uma Igreja Católica.

Essa memória construída aparece de forma sutil nos depoimentos, em que os

membros do clero, invariavelmente, procuram valorizar a trajetória de sua Igreja. No

horizonte desses religiosos está presente a luta por legitimar um passado. Eles, como

guardiões da memória oficial de suas comunidades e Igrejas, têm por obrigação guardar e

valorizar esse passado construído para lembrar a comunidade da ordem divina das coisas138

.

Quando isso ocorre na relação entre Igrejas Ortodoxas e Igrejas Católicas Orientais coirmãs, a

preocupação aprofunda-se. Como no caso da Igreja Católica Armênia e Igreja Apostólica

Armênia.

137

Depoimento de membro do clero da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia da cidade de São Paulo, em

entrevista concedida ao autor em 7/7/2010. 138

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora UNICAMP, 2010. p.432.

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113

Figura 13 - Igreja Católica Armênia de São Gregório na Avenida Tiradentes.139

Na cidade de São Paulo a Igreja Católica Armênia tem como santo padroeiro de sua

igreja principal São Gregório o Iluminador. A escolha desse santo é indício da disputa de

memória que há entre as duas Igrejas armênias presentes na cidade. Segundo o depoimento de

AC: “O Apóstolo da Armênia, São Gregório, lembremos, não era armênio. Nasceu na

margem do Mar Negro, no chamado Pontus, que nunca foi parte da Armênia [...].”140

Segundo a tradição católica armênia, São Gregório não era armênio. O santo teria viajado à

Armênia para converter os armênios ao cristianismo. Descoberto como cristão, teria sido

jogado num poço. Passado doze anos, o rei da Armênia, Tiriades III, estava mentalmente

doente:

139

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 16/9/2011. 140

Depoimento de membro da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 9/3/2010.

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114

Foi acometido de uma grande doença psicológica, que se julgava um

animal e vagava pelos pastos, somente a irmã num sonho foi

informada que só aquele Gregório, jogado no fosso, poderia curar o

seu irmão. Haviam passado doze anos, e lá ele estava vivo, o tiraram e

a segunda festa é justamente a saída do fosso. São Gregório curou o

rei, e o rei, admirado, quis ter a mesma fé e se converteu, e com ele

toda a nação.141

O mesmo rei Tiriades III havia sido um grande perseguidor de cristãos, perseguira

inclusive pretendentes cristãs enviadas de Roma:

O rei cometeu vários crimes, inclusive perseguindo as virgens que

vinham de Roma, fugindo da perseguição de Roma, e não querendo

casar com o rei, as matou. Gaiane, Hripsime, grandes santas que hoje

temos as primeiras igrejas na Armênia, foram para essas santas

mártires que vinham de Roma.142

Com a explicitação desse trecho, a intenção não é avaliar a veracidade dos fatos

apresentados. A disputa de memória é construção, e a elaboração do passado dessas

comunidades não é estática, ela perpassa a invenção e, muitas vezes, a obliteração de práticas

culturais preexistentes143

. O que AC parece tentar evidenciar é que o cristianismo foi trazido

de fora da Armênia, e que houve resistência à penetração deste naquela região. São Gregório

foi jogado num fosso por doze anos por ser cristão. Gaiane e Hripsime foram mortas por

serem cristãs. Com isso, o objetivo é apontar que a Igreja Católica Armênia:

141

Depoimento de membro da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 9/3/2010. 142

Depoimento de membro da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 9/3/2010. 143

HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1990. p.19.

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115

Não tem nada de Igreja Nacional, isso surgiu por circunstâncias dos

tempos e das circunstâncias políticas dos séculos. Então, é por isso

que eu sustento e estou consciente de que nós católicos, embora

poucos, 20%, somos aquele resto que permaneceu fiel à Igreja, não

Nacional, mas Universal e Católica iniciada por São Gregório o

Iluminador.144

A Igreja Católica Armênia está associada a São Gregório, que levou o cristianismo

para a Armênia e foi perseguido por isso. Associando a sua Igreja a São Gregório, AC sugere

que sua Igreja é mais antiga que a Apostólica Armênia. Que sua Igreja possui mais

legitimidade, pois não só é mais antiga, como foi perseguida pelos próprios armênios na busca

por cristianizá-los.

Então, em conclusão, o que eu estou convencido e afirmo que nós,

armênios católicos, embora sejamos hoje 20% da população armênia

no mundo, somos aqueles chamados na Bíblia “o resto de Israel”.

Aqueles que ficaram fiéis ao Apóstolo São Gregório, chamado o

Iluminador, por ter transmitido a Luz de Cristo ao povo armênio. São

Gregório, ele não fundou uma Igreja nacional, e a Igreja Armênia

Apostólica hoje, ela se declara Igreja Nacional [...].145

A Igreja Apostólica Armênia seria a Igreja criada por Tiriades, pelo rei, e, portanto,

seria nacional. Um rei que, no passado, perseguira os cristãos. A Igreja Católica Armênia foi

criada por São Gregório, que havia sido perseguido por Tiriades por tentar implantar o

cristianismo na Armênia. Esse arranjo tem por objetivo legitimar uma Igreja Armênia em

detrimento de outra. AC não retira a legitimidade da Igreja Apostólica Armênia, mas acredita

144

Depoimento de membro da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 9/3/2010. 145

Depoimento de membro da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 9/3/2010.

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que a sua Igreja é mais verdadeira, menos mundana, não necessita ser nacional, pois não

nasceu na armênia, mas é maior, é universal.

Outra disputa de memória existe entre a Igreja Católica Maronita e a Igreja Ortodoxa

Sirian, ambas representantes do cristianismo sírio-aramaico. A Igreja Maronita, como já

mencionado, está intimamente ligada à construção de uma identidade libanesa. O fato de os

maronitas serem católicos orientais reforça essa identidade peculiar desse grupo em seu lugar

de origem:

Assim, para os Maronitas, Líbano e Maronismo tornaram-se

sinônimos. Além disso, os Maronitas começaram a considerar a si

mesmos como uma comunidade única, que, em relação à religião e

cultura, era distinta de um mundo predominantemente Árabe

Muçulmano. É este conceito de exclusividade da Comunidade

Maronita que é o motivo primário da busca dos Maronitas por uma

identidade distinta.146

Para reforçar essa ligação entre as especificidades Católica, Maronita e libanesa, MN

ressalta o papel dos Maronitas no Concílio de Calcedônia:

O Concílio de Calcedônia no ano 451 e os principais defensores

Orientais eram Maronitas. Principalmente era um importantíssimo

bispo, esse bispo chamado Teodoreto de Siro. Ele com o Papa Leão

Magno são os principais homens que trataram esse tema: Jesus Cristo,

Deus e homem. Esse Concílio de Calcedônia que dá isso. Logo os

discípulos de São Maron com Teodoreto de Cyro eram os grandes

defensores deste dogma da Igreja. E, de outro lado, o Papa de Roma,

146

MOOSA, Matti. The Maronites in History. Piscataway: Georgias Press, 2005. p.2.

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117

por esta razão, estava em contato contínuo com Leão o Grande, Papa

de Roma.147

MN preocupa-se em destacar o fato de que os Maronitas estiveram ao lado do Papa

de Roma durante toda a discussão do Concílio de Calcedônia. Isso sugere uma união remota

entre sua Igreja e a Igreja Latina, além de marcar a peculiaridade do maronitas na defesa da

mesma concepção católica latina de cristianismo148

.

Todavia, a tradição sirian ortodoxa apresenta um passado diferente para a Igreja

Maronita. Segundo SO:

Inclusive a Igreja Maronita saiu da Igreja Siríaca Ortodoxa no século

VII, desde aquele tempo a Igreja Maronita, como era um povo da

mesma Igreja, mesmo povo da nossa Igreja, continua celebrando e

usando a língua aramaica ou a língua siríaca nos Ritos atuais e em

todas as cerimônias.149

No depoimento de SO, a Igreja Maronita está intimamente ligada à Igreja Sirian –

seus fiéis eram da mesma Igreja. Assim sendo, não haveria peculiaridades entre a Igreja

Maronita e a Igreja Sirian, a não ser o fato de uma estar subordinada ao Papa de Roma e a

outra, não. Além disso, SO sugere que a separação entre as Igrejas ocorreu no século VII, ou

seja, muito depois do Concílio de Calcedônia.

147

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Maronita da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 3/2/2010. 148

Tanto as Igrejas Ortodoxas Calcedonianas como a Igreja Católica aceitam as resoluções do Concílio de

Calcedônia (451), que discutiu a natureza de Cristo. O Concílio decidiu que Jesus possui duas naturezas (physis):

uma humana e outra divina. Os maronitas foram uma das poucas correntes siro-aramaicas do cristianismo que

adotaram essa resolução, diferentemente de sua coirmã na cidade. Marcar essa distinção é uma forma de

distinguir os maronitas dos demais grupos religiosos do Líbano. PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell

Dictonary of Eastern Christianity. Oxford: Blackwell, 1999. p.305-308. 149

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 12/2/2010.

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118

Enquanto a Igreja Maronita destaca sua anterioridade como membro da Igreja

Católica, sua peculiaridade como membro distinto do cristianismo aramaico, em última

instância, como aponta Moosa150

, justificaria seu caráter libanês. Já a Igreja Ortodoxa Sirian

apresenta uma Igreja Maronita cismática e sem tentas peculiaridades, retirando, de certa

forma, o caráter libanês desta. A construção da memória tangencia problemáticas

contemporâneas, como o recente conflito libanês. As Igrejas, de certo modo, são espaços de

disputa dessa memória. No processo de relacionar passado com presente, a antiguidade de

uma Igreja denota sua autoridade e grandeza perante as demais151

.

Como já mencionado, as Igrejas Católicas Orientais estão associadas à Igreja

Católica Latina. A ligação com esta instituição foi o principal fator de rompimento entre esses

grupos e suas antigas comunidades ortodoxas, como sugere o que ocorreu com a comunidade

russa católica na cidade. Assim, surgiram disputas de legitimidade pela memória e pelos fiéis.

A penetração da Igreja Latina nas demais Igrejas Católicas é notável, destacando-se a cidade

de São Paulo, onde a Igreja Latina tem um puder substancial e as outras Igrejas Católicas são

minoria. O poder latino, então, se engrandece.

3.3 ENTRE O UNIVERSAL E O PARTICULAR: IGREJA CATÓLICA LATINA E

CATÓLICOS ORIENTAIS

A palavra grega καθολικόρ (katholikós) significa universal. A Igreja Católica

pretende-se universal, afirmando o acolhimento de várias tradições numa Igreja. No entanto,

as Igrejas Católicas Orientais possuem a denominação de sui juris, têm jurisdição própria, ou

seja, possuem certos particularismos. A prerrogativa de sui juris não é dada à Igreja Latina.

150

MOOSA, Matti. The Maronites in History. Piscataway: Georgias Press, 2005. 151

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora UNICAMP, 2010. p.221.

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119

Nesse mundo universal e, ao mesmo tempo, particular é que se dá a existência das

Igrejas Católicas Orientais na cidade, com a manutenção de certos particularismos dentro do

que seria uma Igreja Universal. Mas a prática se mostra distinta das denominações

eclesiásticas. Como já discutido152

, não existe uma renovação dos fluxos migratórios das

regiões de origem das Igrejas Orientais na cidade. Assim sendo, ocorre a diminuição numérica

dos fiéis. Diferentemente das Igrejas Ortodoxas na cidade, as Igrejas Católicas Orientais

talvez possuam menos autonomia na busca de sua manutenção, pois estariam mais expostas à

influência da Igreja Latina. A preocupação dos membros do clero é grande, diante das

circunstâncias; eles temem perder seus particularismos e a sua forma de catolicismo:

Porque a quantidade, ela vai, digamos, sobrepondo aos poucos. Então

a gente também corre esse risco, devido à questão proporcional. Mas

se... Em questão de perseverança, é algo assim que vai se prevalecer, e

também se não houver, digamos, uma divulgação da nossa parte

quando vem a questão cultura ucraniana católica, se a gente não fizer

um trabalho em cima disso, eu creio que em pouco tempo, no máximo

um século, a questão latina, ela vai prevalecer.153

UC teme a concorrência da Igreja Latina em sua paróquia. Nesse trecho do

depoimento pode-se entender o “peso” da Igreja majoritária no horizonte do membro do clero.

UC aponta para a questão numérica, proporcional.

152

Ver Capítulo 2. 153

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 16/6/2010.

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120

Figura 14 - Igreja Católica Ucraniana na Vila Prudente.154

Essa situação de minoria na cidade preocupa muitos católicos orientais paulistanos.

Porém, não é somente o fato de ser minoria que causaria o fim dos particularismos dessas

Igrejas. Como mencionado155

, os casamentos mistos, muitas vezes, impedem a renovação dos

fiéis. Muitos católicos orientais tornam-se latinos pelo casamento:

Diminuíram porque muitos casamentos são feitos na Igreja, mas só o

casamento, depois vão pelo mundo. Batizados, poucos batizados,

quero dizer, o futuro da comunidade não é ter uma comunidade de

russos porque eles vão se integrando. Aqueles que estão batizados

ali... Eu mesmo tenho um afilhado que foi batizado aqui, mas vai casar

na Igreja Católica [Latina].156

154

Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 7/9/2011. 155

Ver Capítulo 2. 156

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010.

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No depoimento de RC a questão geracional também é retomada. O próprio afilhado

do membro do clero resolveu casar-se na Igreja Latina. Mesmo que RC tenha tentado manter

a comunidade, batizando seu afilhado na Igreja Católica Russa, o poder da Igreja Latina

desfez o projeto de RC. Para ele, o futuro seria uma integração completa dos russos católicos,

entendida como a absorção desse grupo na Igreja Latina. A universalidade do catolicismo

russo, a sua integração acarretaria o fim de suas particularidades.

O papel da integração, a questão geracional e os casamentos mistos são retomados no

depoimento de AC:

Prevalece sempre a religião do noivo. Mas tenho constatado nesses

meus 30 anos [...] de que a cada geração que passa, descemos ao

menos um degrau na armenidade. Aumenta o número dos

matrimônios mistos entre católicos latinos. [...] E recentemente surgiu

já um caso de noivo armênio católico casando com a noiva católica

latina na Igreja da noiva. Isso é porque diminui, como disse, essa

sensibilidade oriental.157

A relação entre sua Igreja e a Igreja Latina na cidade está no horizonte de AC. Ele

parece intrigado com a existência de casamentos em que o noivo aceita realizar o matrimônio

na Igreja Latina da noiva. Isso talvez sugira o poder e a influência que a Igreja Latina tem

sobre os católicos orientais na cidade.

AC ressalta a questão do particularismo, sua armenidade, a sensibilidade oriental

dentro da Igreja Universal. Parece que para o depoente é preferível o casamento misto entre

Igrejas armênias:

157

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 9/3/2010.

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122

Então, se uma católica armênia casa com um armênio apostólico,

certamente a liturgia é feita na Igreja Armênia Apostólica, na Igreja do

noivo. Precisa autorização do bispo, da parte Católica “tudo bem”, é

mista a religião, mas se faz, nem se discute; e se também uma moça

apostólica casa um jovem armênio católico, é certo que se faz, nem se

discute.158

Mesmo sendo membro da Igreja Católica, AC valoriza mais os casamentos de noivos

de origem armênia feitos na Igreja Apostólica Armênia do que aqueles realizados na Igreja

Latina. A questão da manutenção da armenidade aparece. Essa atitude não é discutível.

Diferentemente do que ocorre entre Igrejas Católicas quando o assunto é casamento.

Em última instância, o casamento de armênios católicos na Igreja Apostólica

Armênia contribui para a manutenção da própria comunidade católica armênia. A Igreja

Latina, com substancial influência na cidade, está decompondo os particularismos, o sui juris,

da Igreja Católica Armênia. Integração e latinização cruzam-se no catolicismo oriental

paulistano.

A possível perda dos particularismos preocupa muitos dos membros das Igrejas

Católicas Orientais paulistanas. Contudo, são Igrejas Católicas, institucionalmente, em pé de

igualdade com a Igreja Latina. Portanto, têm prerrogativas similares, como a divulgação de

sua fé. Mas, num espaço dominado pela influência da Igreja Latina, em que muitas Igrejas

Católicas Orientais estão submetidas à hierarquia da Igreja predominante, essa tarefa torna-se

complicada. Segundo um fiel da Igreja Católica Melquita, a Igreja Latina, de forma sutil, não

é muito condescendente:

158

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 9/3/2010.

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123

A sensação que se passa é que as Igrejas Orientais, é como se elas

tivessem direito de existir só para o seu redio [sic], só para quem já é

oriental. É como se o trabalho de evangelização, ele fosse apenas da

Igreja Latina, da Igreja Romana. Então, às vezes você vai numa

favela, você vai em determinada região, é muito comum, às vezes, um

bispo e um padre perguntar: "O que vocês estão fazendo aqui?"

Porque é como fosse assim, "Olha, vocês têm os seus fiéis, então

vocês têm direito de existir para quem já é fiel melquita". Então é

como se a Igreja Melquita não tivesse o direito de anunciar o

Evangelho.159

Segundo sugere F-MK, a Igreja Latina apresenta-se como a única Igreja

verdadeiramente universal (katholikós) na cidade. Enquanto as Orientais são verdadeiramente

sui juris; com uma jurisdição especial, atenderiam somente fiéis orientais. A divisão parece

patente. Além disso, esse processo está marcado pela questão da assimilação das comunidades

católicas orientais por meio da latinização. Assim, a Igreja Latina atua e se expande

livremente, muitas vezes em detrimento dos próprios católicos orientais.

O que ocorre é a formulação de um discurso orientalista160

. Esse discurso tem por

projeto a valorização dos elementos da Igreja Latina, que sugerem um verdadeiro

cristianismo, mais elevado e possível a todos. Assim sendo, as Igrejas Católicas Orientais são

tratadas como um estágio anterior ao cristianismo latino, pois estão associadas a comunidades

particulares. Para deixar de ser um cristianismo subterrâneo, as Igrejas Católicas Orientais

devem abandonar suas peculiaridades, para tornarem-se verdadeiramente universais. No

entanto, a Igreja Latina possui tradições e ritos próprios de sua experiência histórica. A

hierarquização de tradições no interior da Igreja Católica é produto do discurso orientalista.

159

Depoimento de fiel de Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011. O código para designar essa fiel será F-MK. 160

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras,

2003. p.30.

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124

Todavia, a análise das relações entre Igrejas Católicas deve ser prudente. As Igrejas

Católicas Orientais possuem um espaço de autonomia. Tratar essas Igrejas como vítimas de

uma Igreja Latina mais poderosa e dominante é retirar do catolicismo oriental paulistano a

capacidade de elaborar estratégias para sua existência na cidade. Fazer isso é não

compreender a experiência dessas Igrejas e, principalmente, o caráter de intermediação que

elas possuem.

As Igrejas Católicas Orientais na cidade de São Paulo têm de contemporizar o poder

da Igreja Latina para a sua manutenção e existência. Esse poder pode ser o agente de

manutenção dessas comunidades. Muitas situações são apontadas pelos membros do clero que

sugerem esse tipo de estratégia. O caso mais exemplar é o da Igreja Católica Russa. Essa

Igreja é a menor de todas as Igrejas Católicas Orientais na cidade (também é menor no

conjunto total das Igrejas Orientais paulistanas), sua manutenção ocorre principalmente pela

maneira prudente de lidar com as condições impostas a ela. Como já apontado161

, essa Igreja

não possui pároco próprio, portanto, é auxiliada pela Igreja Católica Melquita:

Ah, sim, temos um padre que atualmente ele está celebrando uma vez

por mês, porque, como você acabou de colocar, a Igreja é muito

pequena, a comunidade tem quinze famílias, então até quando não sei

vai continuar essa tradição, porque em geral quando essas famílias

antigas de origem não brasileira, eles tentam conservar algum cheiro

do seu próprio país. Então, por essa razão, eles estão aqui e a Igreja

sempre, como todas as Igrejas, nós somos abertos a todas as Igrejas,

seja a Igreja Latina Romana, Latina de Rito Romano, ou seja, Igreja

Oriental Católica em comunhão com a Santa Sé. Somos no final

irmãos, e quando tem uma necessidade, a Igreja cobre a falta de

qualquer Igreja, seja qual for.162

161

Ver Capítulo 2. 162

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 20/5/2010.

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125

MK permite perceber que há uma irmandade entre as Igrejas Católicas Orientais na

cidade. Em última instância, a manutenção da Igreja Católica Russa na cidade ocorre pelo

apoio recebido dentro da Igreja Católica. Suas irmãs Católicas Orientais vêm ao seu auxílio

nesse momento de necessidade. Nesse caso, o pertencimento e a associação com a Igreja

Católica tornam-se elementos de suporte básico para a existência dessa Igreja na cidade.

Retomando o estabelecimento da Igreja Católica Russa na cidade, é de se destacar o

auxílio dos padres latinos. Foi graças a esses indivíduos que a maior parte dos russos da China

pôde emigrar para o Brasil. A atuação junto ao governo brasileiro foi fundamental. Chegando

aqui, a Igreja Latina (principalmente por meio dos jesuítas) ajudou a estruturação desses

grupos na cidade, como relata RC:

E os padres jesuítas que estavam mais à frente desse trabalho vieram

para São Paulo. Conseguiram o colégio em Itu, na igreja de Itu, para

as meninas, conseguiram em Resende. Depois aqui, adquiriram aqui

em São Paulo, na Rua Progresso, lá em Santo Amaro, casinha

pequena, uma pobreza muito grande, mas o Vaticano ajudava. Dali se

mudaram para o Ipiranga, na Rua Pouso Alegre, aqui perto. E os

padres adquiriram essa igreja, doação. [...] Quinta-feira dava audiência

para os russos, tinham advogados, médicos, especialistas e os padres

que orientavam.163

A orientação da Igreja Latina parece ter sido fundamental para que esses grupos de

russos vindos da China pudessem se fixar na cidade. Além disso, cabe notar que a Igreja

Latina contribuiu para o estabelecimento de uma Igreja Católica Oriental de rito russo.

Anteriormente, foi destacado o caráter de proselitismo da influência que a Igreja Latina

exerceu sobre esse grupo de russos vindos da China. Ela foi responsável pelo estabelecimento

163

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010.

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126

de uma Igreja Russa desagregada dos grupos ortodoxos que já viviam na cidade. Contudo, as

peculiaridades do rito russo foram preservadas e, como denotam os depoimentos, o auxílio

recebido foi essencial para esses imigrantes.

Posteriormente, muitos membros da comunidade russa católica emigraram para os

EUA, o Canadá e para a Austrália, onde também se fixaram comunidades russas católicas:

Hoje tem um igreja em Nova York, que funciona, atende a população

russa desse grupo, católicos orientais, se chamam greco-católicos

como os ucranianos. Outra igreja na Austrália, que tem um grupo

bom, foram muitos do Brasil, outros da China, e tem essa aqui. Outras

maiores que essa, mais importantes que essa, já fecharam. [...] Os

russos ficavam aqui, muitos se integravam na comunidade brasileira,

diferente dos Estados Unidos, que não ficam juntos. Muitos iam para

os Estados Unidos, e esses padres tinham bastante aceitação junto aos

consulados, e conseguiram. Canadá, muitos foram para o Canadá,

muitos para os Estados Unidos, muitos lá para São Francisco, outros

para Nova York, outros para lugares onde havia comunidades

russas.164

Muitos imigrantes russos que primeiramente vieram para São Paulo acabaram por

reforçar comunidades imigrantes no estrangeiro. A atuação da Igreja Latina parece ter sido

primordial para criar uma rede entre esses grupos. A aceitação de muitos jesuítas nos

consulados norte-americanos, segundo RC, foi fundamental para a “reimigração” desses

russos.

164

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Russa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

autor em 14/2/2010.

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127

Nesse sentido, o caráter intermediador das Igrejas Católicas Orientais, associando as

tradições dos cristianismos latino e ortodoxo, faz com que elas elaborem estratégias originais

e, portanto, distintas das antigas tradições. Nas brechas deixadas pelos católicos latinos é que

a autonomia dessas Igrejas ocorre na cidade, mesmo com o auxílio da Igreja Latina.

A questão da intermediação atravessa o cristianismo oriental paulistano de várias

maneiras. Retomando a metáfora do Iconostasis Paulistano, a questão da atuação do membro

do clero já foi abordada. No entanto, para que a metáfora seja completada, é necessário

deslocar-se em direção à nave e observar alguns apontamentos dos fiéis orientais paulistanos.

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128

CAPÍTULO IV – PARA ALÉM DOS BELOS PORTÕES:

APONTAMENTOS DOS FIÉIS CRISTÃOS

Imaginar que somente os membros do clero oriental paulistano são fundamentais na

manutenção dessas Igrejas na cidade é temerário. Além desses senhores, guardiões da

memória das Igrejas que coordenam a adaptação de suas comunidades na metrópole, existem

os fiéis. Os fiéis são os membros da comunidade. São a comunidade por excelência.

Da mesma forma que a Divina Liturgia depende dos dois lados do Iconostasis para

ser celebrada, as Igrejas Orientais na cidade de São Paulo também precisam do membro do

clero e dos fiéis para existir. Se o espaço do membro do clero na Divina Liturgia é o lado

voltado para o altar, o espaço dos fiéis é o voltado para a nave. Os fiéis estão além dos Belos

Portões. Seriam pura contingência.

Afirmar que somente os membros do clero contribuem para a manutenção dessas

Igrejas é desconhecer as dinâmicas dos fiéis cristãos orientais. É denotar uma dicotomia em

que os membros do clero seriam aqueles que guardam a fé e a cultura dessas comunidades

com mais fidelidade e, do outro lado, os fiéis seriam aqueles que apenas conhecem essa fé e

essa cultura de maneira rasa, tendo acesso só à sombra imperfeita dessa fé e dessa cultura.

Os fiéis são diversos, assim como as Igrejas. Cada um mantém uma perspectiva

acerca do que são as Igrejas Orientais Paulistanas. Não são guardiões da memória dessas

comunidades, pois isso é condição dos membros do clero. No entanto, podem corroborar as

afirmações desses guardiões. Por outro lado, podem ter uma visão completamente distinta

daquela dos membros do clero de suas Igrejas. Muitas vezes, por não pertencerem a uma voz

oficial dessas intuições, apontam conflitos e disputas entre as Igrejas.

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129

As Igrejas Orientais na cidade de São Paulo não são lugares em que se pode

encontrar o exótico e o pitoresco. Essas Igrejas não cumprem um papel de redentoras de uma

fé e cultura necessárias. Elas estão integradas na realidade paulistana e tentam lidar com as

adversidades um dia de cada vez. Um fiel da Igreja Católica Melquita observa:

Muitas vezes, as pessoas entendem a Igreja Oriental como museu,

como peça de museu, e, portanto, elas vão lá simplesmente para fazer

um turismo, para ver como se celebrava a missa lá no século quarto,

no século quinto. E muitas vezes isso é um pouco difícil de ser

digerido. Você está lá rezando, e as pessoas ficam tirando foto e

olhando e só vão de vez em quando, como se fosse objeto de museu,

como se eu estivesse ali para satisfazer a fantasia de alguém, ou a

curiosidade de alguém.165

O diálogo com os fiéis sugere o contrário. Eles seriam uma representação da

atualidade das Igrejas na cidade, da multiplicidade de situações que elas encontram na sua

existência. Mesmo que muitos se orgulhem da representação ancestral dos Ritos de suas

Igrejas, o fato é que isso também faz parte da dinâmica dessas instituições, como foi sugerido

em capítulos anteriores.

De maneira geral, este capítulo tentará apresentar algumas percepções desses fiéis

cristãos orientais paulistanos. Em vez de pensar numa dicotomia entre fiel e membro do clero,

entre necessidade e contingência, o objetivo aqui é pensar a experiência do fiel como algo

múltiplo.

165

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011.

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130

4.1 ESCOLHAS

Para que esta experiência fosse completada, cinco fiéis de diferentes Igrejas e com

trajetórias distintas foram chamados a participar deste estudo. A seleção dos entrevistados

procurou comtemplar de forma resumida vários aspectos do cristianismo oriental paulistano.

Foram escolhidos dois fiéis membros de Igrejas Ortodoxas e três de Igrejas Católicas

Orientais. Entre os fiéis ortodoxos, um frequenta a Igreja desde jovem e o outro passou a

frequentá-la depois da maturidade. O mesmo ocorre em relação aos fiéis católicos orientais:

dois são membros da Igreja desde a infância e um se “converteu” na idade adulta. Como os

entrevistados não quiseram se identificar durante as entrevistas, seus nomes estão codificados.

Assim sendo, explicitamente, os fiéis entrevistados são: um fiel nascido na Igreja

Apostólica Armênia, cujo código será F-AO; um fiel convertido para a Igreja Ortodoxa Sirian

(F-SO); dois fiéis nascidos na Igreja Católica Ucraniana (F-UC1 e F-UC2); e um fiel

convertido para a Igreja Católica Melquita (F-MK). O diálogo nos depoimentos irá pautar o

estudo.

Identificados os fiéis, torna-se necessário fazer alguns apontamentos acerca das

origens desses indivíduos. F-SO apresenta-se como brasileiro: “Eu não sou de origem síria.

Eu sou brasileiro mesmo, brasileiro puro, arretado.”166

Este trecho do depoimento do fiel

remete à distinção muitas vezes feita pelos membros do clero entre os fiéis brasileiros e os

originários. A afirmação de F-SO denota que ele percebe esse tipo de distinção no interior da

Igreja. Posteriormente, no seu depoimento, o fiel apresenta as questões que o fizeram

aproximar-se da Igreja Ortodoxa Sirian:

166

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011.

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131

Foi o seguinte: eu vim da Igreja Católica, entretanto, lá na Igreja

Católica eu sempre aprendi desde pequeno que padre não pode casar.

De repente eu vi o padre lá... Quem que é aquele lá? Aquele é o filho

do padre. Mas pô, padre não pode casar! Que história do filho do

padre... Aí eu fui verificar que história é essa. 167

F-SO era membro da Igreja Católica Latina. O contato com o cristianismo oriental

deu-se pelo conhecimento das diferenças entre certos preceitos latinos e orientais. Talvez essa

situação sugira o “peso” da Igreja Latina na cidade e no país, já que há um desconhecimento

de outras vertentes do cristianismo (salvo a vertente protestante, amplamente divulgada no

país). Esse certo ineditismo das Igrejas Orientais, para muitos fiéis, torna-se elemento

favorável à conversão:

Aí comecei a conversar e tudo mais, e descobri que é uma Igreja

Cristã onde o padre pode casar. Assim como também depois eu

verifiquei que os Maronitas também podem casar. Eu não sabia desse

detalhe. Aí eu me interessei, fui conversando e eu frequento a Igreja

aqui. O gozado é que todas as simbologias são as mesmas, de Jesus

Cristo, tudo igual, são respeitosos, é uma maravilha.168

Em contato com a Igreja Sirian, F-SO conheceu o cristianismo oriental. Parece que a

questão do casamento dos sacerdotes foi algo fundamental para a empatia desse fiel com sua

Igreja. F-SO também afirma que as simbologias da Igreja Latina são muito próximas daquelas

da Igreja Sirian, o que para ele é uma maravilha. Conforme indica o fiel, há uma relação

167

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011. 168

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011.

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132

profunda entre sua opção pela Igreja Sirian e a questão do casamento dos padres, bem como a

proximidade entre os ritos latinos e da Igreja Sirian.

Outro fiel convertido entrevistado foi F-MK. A trajetória desse fiel da Igreja Católica

Melquita no que se refere à conversão mostra certa similaridade com a experiência de F-SO:

No meu caso faz mais ou menos dez, onze anos que eu participo da

Igreja Greco-Melquita. No momento eu participava da Igreja Católica

de Rito Latino, depois, por problemas pessoais, questões pessoais, eu

resolvi mudar de Rito na medida que eu fui conhecendo a Igreja

Oriental. Eu conhecia as Igrejas chamadas Ortodoxas, mas

desconhecia um pouco a existência de católicos de Rito Oriental,

como Melquitas, Maronitas, Ucranianos, enfim... Armênios.169

As questões que fizeram F-MK aproximar-se da Igreja Melquita parecem ser bem

íntimas, uma vez que ele procura preservá-las e não identificá-las. F-MK era membro da

Igreja Católica Latina e seu conhecimento acerca do cristianismo oriental se restringia às

Igrejas Ortodoxas. Ele possuía pouco conhecimento das Igrejas Católicas Orientais. Isso pode

denotar, como o próprio F-MK sugeriu anteriormente (ver capítulo 3), a dificuldade que as

Igrejas Católicas Orientais encontram na divulgação de sua fé e cultura. A Igreja Católica

Latina parece impor-se na cidade como única vertente do catolicismo romano.

Diferentemente de F-SO, que adentrou o cristianismo oriental por intermédio de uma

Igreja Ortodoxa, F-MK optou por uma Igreja Católica Oriental:

Então, na medida em que eu fui descobrindo esse mundo, essa

tradição, digamos assim, esse cristianismo oriental, isso foi me

169

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011.

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133

ajudando por vários motivos no meu processo pessoal humano, enfim,

descoberta de Deus, e me ajudou muito. E aí eu fui participando no

primeiro momento, uma coisa muito prática, ou seja, o fato de

simplesmente ir na missa, que é a Santa Divina Liturgia, como os

orientais chamam, e na medida que eu fui participando, fui

conhecendo pessoas, conhecendo a tradição oriental cristã, fui

estudando cada vez mais isso e me aprofundando e me encantando, até

que eu decidi mudar de Rito pedindo autorização etc.170

Conforme se depreende do depoimento, F-MK parece tocado profundamente pelo

cristianismo oriental, ficou encantado com esse contato. A conversão do fiel sugere algo mais

oficioso: F-MK pediu a autorização das autoridades eclesiásticas para que pudesse mudar de

Rito. Diferentemente do que ocorreu com F-SO, que passou a frequentar sua Igreja de modo

informal.

As migrações entre Igrejas permitem vislumbrar que, por vezes, o indivíduo vê sua fé

como um projeto pessoal, uma vez que antigas instituições que buscam abarcar a totalidade

estão se fragmentando. Mudar de fé, muitas vezes, significa tentar reconstruir,

individualmente, recuperar essa antiga vivência coletiva171

. Aparentemente, existe uma

liberdade maior nas relações dos fiéis cristãos orientais do que nas dos membros do clero.

Estes estão, de certa forma, atados a uma necessidade de suas Igrejas. No entanto, há questões

específicas desse cristianismo oriental:

Essa inserção, essa inclusão, eu acho que em alguns lugares é um

pouquinho delicado, porque são Igrejas muito ligadas à cultura. Por

outro lado, aqueles que resolvem participar, você tem que ter ciência

170

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011. 171

MONTES, Maria Lucia. As Figuras do Sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz

(Org.). História da Vida Privada no Brasil. Vol.4: Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Cia.

das Letras, 2000. p.141-142.

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também de que você vai celebrar uma missa que é greco-árabe, e aí as

pessoas não são obrigadas a mudar a língua por causa de você. Então

isso para mim foi muito bom, porque fez com que eu estudasse mais

grego e mais árabe.172

O fiel aponta para o fato de que a inserção no cristianismo melquita perpassa a

incorporação de certas características, o entendimento de que existe uma relação entre o

cristianismo praticado e uma cultura greco-árabe. No entanto, F-MK parece satisfeito com

esse processo de inclusão na sua vivência, pois teve mais contato com o grego e o árabe.

Outro tipo de experiência que pode ser contemplada dentro do cristianismo

paulistano é a dos fiéis nascidos na Igreja. Estes partilham com o clero a origem comum.

Estão associados àquelas imigrações que trouxeram essas Igrejas para a cidade. Muitas vezes,

são assíduos frequentadores dos templos e tomam parte na Divina Liturgia, como é o caso de

F-AO:

Eu sou um fiel, frequento desde criança, fui batizado nessa Igreja,

tenho muito orgulho dela, por ela ser a Igreja mais antiga que abraçou

o cristianismo no mundo, a Igreja Armênia. Eu tenho orgulho de fazer

parte e cantar no coral dessa Igreja.173

Esse fiel parece reproduzir elementos da construção da memória do cristianismo

armênio, como a referência ao fato de a Armênia ter sido a primeira região a aceitar o

cristianismo como religião oficial174

. Além disso, F-AO evidencia o orgulho que possui por

172

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011. 173

Depoimento de fiel da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 13/3/2011. 174

Esse entendimento tradicional de que as Igrejas Armênias são as primeiras Igrejas estabelecidas oficialmente

é algo repetido continuamente pelas diásporas armênias ao redor do mundo e marca profundamente a construção

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135

integrar o coral da Igreja Apostólica Armênia. Como já mencionado175

, o coro promove a

relação entre os dois lados do Iconostasis. Participar do coro faz com que F-AO esteja numa

situação semelhante à do membro do clero. Cantar no coro significa conhecer o Rito, significa

conhecer a língua sagrada.

Todavia, F-AO é um fiel, seu lugar metafórico é a nave, é a contingência. Mas ele

mantém o orgulho às tradições supostamente necessárias à sua Igreja. F-AO, como os demais

fiéis, estão numa região de hibridismo, de múltiplas possibilidades. Não há na figura do fiel

uma sobreposição entre sua fé e suas aspirações e a fé e as aspirações do membro do clero.

Ocorre com o fiel um processo de apropriação do discurso e da fé oriental, que se

incorporaram como uma liga metálica176

na sua experiência. Não há pressupostos.

Os fiéis entrevistados da Igreja Católica Ucraniana são indivíduos associados aos

grupos imigrantes estabelecidos na Vila Prudente e no município de São Caetano do Sul.

Assim como F-AO, são membros de sua Igreja desde o nascimento. Ambos os fiéis são

membros da associação ucraniana de São Caetano do Sul.

Bom, isto já não é do meu tempo. Mas a gente sabe um pouco da

história que os velhos contavam pra gente e fotos antigas também que

a gente vê e pergunta, e gosta. E então aí em 60, 61, muitos desses

imigrantes reemigraram para os Estados Unidos e para o Canadá. Aí

aqui caiu o número de ucranianos, por uns 40% só do que era antes. E

esse pessoal que foi pra lá, muitos eram compadres. Os compadres

ficaram aqui e tudo. [...] A Sociedade nossa é de 69. E estamos firmes

aí até hoje, tanto a Sociedade quanto a Igreja. Infelizmente hoje em

de uma memória oficial desse grupo. MAGLIORINO, Nicola. (Re)Constructing Armenia in Lebanon and

Syria: Ethno-Cultural Diversity and the State in the Aftermath of a Refugee Crisis. Nova York: Berghahn

Books, 2008. p.8-9. 175

Ver Capítulo 2. 176

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1990. p.56-57.

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136

dia... Há uns seis anos atrás ainda tinha bastante desses velhos, hoje

em dia a maioria foi embora.177

Por sua proximidade com a comunidade por meio da associação, F-UC1 conhece

bem a trajetória dos imigrantes na cidade, mesmo sendo de uma geração nascida no Brasil.

Ele relembra o fato de que muitos ucranianos vindos após a Segunda Guerra Mundial178

reemigraram para a América do Norte, o que causou uma diminuição no número de

ucranianos na cidade de São Paulo. F-UC1 ressente-se ainda do falecimento de antigos

membros da comunidade. Ambos os fiéis da Igreja Católica Ucraniana relembram o

estabelecimento da associação:

E que na Segunda Guerra foi proibido. O governo brasileiro também

proibiu de ter organizações estrangeiras aqui no país. Quem conseguiu

a licença para criar essa organização, que é a mesma aqui hoje, porque

teve três antes dessa, que era desses primeiros imigrantes, tudo, que se

reuniam na casa deles, tal... E na Segunda Guerra, quem conseguiu a

licença do presidente Eurico Gaspar Dutra foi o padre Youssef

Skursky, porque, se não me engano, a sogra desse presidente, ela era

de origem eslava, também ortodoxa. E o padre Skursky foi lá na

orelhinha e conseguiu uma... (F-UC1)

Sendo o primeiro pároco da comunidade ucraniana. O primeiro

pároco.179

(F-UC2)

Para os entrevistados, a construção da associação perpassa o entendimento de sua

comunidade e de sua fé. O padre Skursky parece responsável pela sustentação dessa

177

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

21/8/2011. 178

Ver Capítulo 3. 179

Depoimentos de fiéis da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 21/8/2011.

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137

comunidade na cidade de São Paulo. Ocorre, assim, uma relação entre a religião e a

manutenção da comunidade.

Isso sugere que não necessariamente há uma dicotomia entre membro do clero e fiel.

Aqui há uma apropriação do discurso, inclusive invocando a própria prerrogativa do membro

do clero como guardião da comunidade. Ela ocorre à maneira do fiel, como integrante do

cristianismo oriental paulistano.

4.2 MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS

Nos depoimentos dos fiéis cristãos orientais paulistanos estão presentes

apontamentos sobre a situação da fé cristã oriental na cidade. No caso dos fiéis católicos

orientais, esses apontamentos ressaltam a condição de rito minoritário na cidade. Essa

condição existencial é expressa nos depoimentos, muitas vezes de maneira menos sutil que no

caso dos membros do clero, pois esses últimos têm em seus horizontes o fato de estarem

sujeitos a uma autoridade eclesiástica latina. Então, o discurso consensual quase sempre é

regra.

F-UC1 e FUC2 apresentam a busca de um templo próprio para a comunidade

católica ucraniana de São Paulo e de São Caetano:

E até 54 mais ou menos era rezada a missa com a autorização da igreja

católica matriz antiga de São Caetano, cediam a igreja para a

realização do Rito Ucraniano, aqui na igreja Fundação, a matriz velha

de São Caetano, e a partir de 56 mais ou menos que terminou a

construção da igreja lá... (F-UC1)

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138

A primeira parte. Que a igreja levou praticamente de quinze a vinte

anos para fazer ela. (F-UC2)180

Segundo o primeiro depoimento, desde a chegada dos imigrantes à região

metropolitana181

, os ucranianos católicos contavam com a colaboração da Igreja Latina para a

celebração de sua fé. A Igreja Matriz do bairro Fundação em São Caetano era cedida para a

realização da Divina Liturgia no Rito Ucraniano. Depois de vinte anos foi estabelecida uma

igreja própria para os ucranianos.

Após a construção do templo ucraniano, a comunidade teve a interferência da Igreja

Latina: “Antes era só ucraniano. Depois teve esse acordo com a Sé uns trinta anos atrás. Os

padres fazem a missa latina também, no Rito Latino também.”182

Assim, houve uma

separação na estrutura do templo:

A nossa Igreja tem dois nomes: Nossa Senhora da Glória é para os

latinos, e Nossa Senhora Imaculada Conceição é o nome ucraniano.

Ela foi construída pelos ucranianos, só que na época a Cúria da Sé fez

tipo um acordo para conseguir registrar a Igreja aí na Vila Prudente,

pediu para que fosse cedida também para o Rito Latino, porque ali nas

proximidades não tinha igreja. Então, apesar de os ucranianos terem

construído e feito tudo, foi partilhado com a comunidade latina.

(F-UC1)

A estrutura física do templo católico ucraniano se divide entre a Igreja Latina e a

Igreja Católica Ucraniana. No depoimento nota-se certo ressentimento de F-UC1 com respeito

180

Depoimentos de fiéis da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 21/8/2011. 181

Ver Capítulos 1 e 3. 182

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

21/8/2011.

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139

à atitude da Igreja Latina na estruturação do templo. Segundo ele, apesar de os ucranianos

terem construído tudo, o templo foi partilhado com os latinos. Talvez ocorra certa concepção

de tutelagem da Igreja Latina em relação a essa comunidade. Diferentemente do que revelam

os depoimentos dos membros do clero, que sugerem uma relação com a Igreja Latino sem

conflitos: “É necessário, porque ela é a Igreja mais numerosa aqui. No Brasil todo, não

somente em São Paulo. Devemos ter essa amizade. Quando eu estava no Rio, eu também

tinha grande amizade com o Cardeal do Rio.”183

Os fiéis parecem ter mais liberdade para

fazer apontamentos menos consensuais.

Mesmo assim, os fiéis ucranianos entrevistados entendem que o momento da Divina

Liturgia é um momento de congregação da comunidade. Para esses fiéis, ativos membros da

associação ucraniana, o encontro dominical é a realização da comunidade:

É o que eu falei: a gente tá acostumado e gosta, se encontra. Que,

além de ir rezar, é uma comunhão com os amigos, com todo mundo,

não é ir lá e só rezar para Deus e... Muitos vão se lamentar lá, vai de

cada um. Mas é bom porque a comunidade também se reúne, é

comunhão realmente. Não apenas com Deus, mas também com seu

semelhante, seu amigo, sua comunidade.184

No horizonte desses senhores também está a preocupação com a manutenção da

comunidade, mas talvez numa perspectiva menos religiosa, uma vez que entendem que o

encontro não ocorre somente para falar com Deus. No entanto, a percepção acerca da Divina

Liturgia é compatível com o entendimento do membro do clero a esse respeito:

183

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Maronita da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 3/2/2010. 184

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

21/8/2011.

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140

Então as pessoas muitas vezes elas contam os dias e horas. “Que horas

vai ser a nossa celebração?”, ou “Está chegando o nosso momento de

a gente se reunir, como comunidade para Deus”. E participar dessa

nossa celebração aqui que é tão bonita e importante também, aqui na

cidade São Paulo.185

Não ocorre uma dicotomia entre o pensado pelo clero (apontado como necessidade) e

o pensado pelo fiel (sugerido como pura contingência). Os discursos se entrelaçam.

Completam a experiência do Iconostasis Paulistanos.

A proximidade entre o discurso do membro do clero e o discurso do fiel também

ocorre em outras experiências do cristianismo oriental na cidade, como no caso de F-AO:

Pois é. Os nossos costumes são bem preservados durante séculos e,

como houve uma cisão lá pelo século terceiro para o quarto, das

Igrejas Cristãs, a Armênia preservou os seus costumes primordiais e

está mantendo até hoje, cuja sede na Armênia é em Etchmiadzin [...] e

isso é manter e preservar os costumes primórdios cristãos, como

também os costumes do país, a Armênia, que é um país dado e não

voltado a guerras, e sim à cultura e religião.186

A Igreja Apostólica Armênia, conforme sugeriu o seu membro clerical, é uma das

Igrejas Orientais mais fechadas no âmbito da cidade187

. Ela orgulha-se de sua ancestralidade e

de sua atuação com a comunidade. Dificilmente busca uma restruturação na realidade

paulistana para ampliar seu número de fiéis.

185

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 16/6/2010. 186

Depoimento de fiel da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 13/3/2011. 187

Ver Capítulo 2.

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141

F-AO parece ter essas relações em seu horizonte. Ele valoriza a cultura e a religião

armênia. Terminada a entrevista, o depoente pediu para comentar acerca do Genocídio

Armênio:

Como nós tivemos uma invasão bárbara do Império Otomano, no

governo do Império Otomano, e o povo turco pressionou muito

fortemente, houve um Genocídio de um milhão e meio de armênios

que está nos nossos corações até hoje, foi muito grave e isso fez com

que a fé na nossa Igreja se fortalecesse e fosse um escudo contra todo

esse infortúnio que foi esse massacre em cima dos armênios.188

O Genocídio é elemento fundamental na construção da memória armênia. A sua

divulgação, entende-se, é importante para a manutenção da comunidade. No depoimento do

membro do clero AO189

·, guardião da memória de seu grupo, a referência a esse fato na

construção da memória foi notável, e o mesmo se pode dizer acerca do relato do fiel F-AO,

que pediu a retomada da entrevista para que pudesse comentar sobre esse evento. Existe

afinidade entre seus discursos, suas perspectivas. A aproximação dos discursos do fiel e do

membro do clero pode sugerir uma vontade de verdade por parte do fiel190

. Uma busca por

tornar seu discurso mais legítimo. Como no que se refere ao coro na Divina Liturgia, há

harmonia entre os fiéis e o membro do clero em se tratando do Genocídio Armênio.

No entanto, fazer uma afirmação categórica generalizando tal harmonia seria

imprudente. Seria anular o caráter distinto entre membro do clero e fiel. Se por um lado a

relação não é dicotômica, por outro ambos não partilham perspectivas iguais. O membro do

188

Depoimento de fiel da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 13/3/2011. 189

Ver Capítulo 2. 190

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 2006. p.17.

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142

clero representa um discurso fechado e o fiel, um discurso aberto. Nesse sentido, as distinções

devem ser apontadas, pois há apropriação.

Ao final da entrevista, F-AO fala de suas relações com os católicos latinos: “Nós

vamos e recebemos eles também, e também eu, como frequentador, particularmente vou em

outras igrejas cristãs também, como a do padre Marcelo Rossi, como da Canção Nova, que

são Igrejas Católicas Romanas.”191

F-AO, fiel da Igreja Apostólica Armênia – fiel às tradições, histórias e preceitos de

sua Igreja e comunidade, membro do coro e com um discurso semelhante ao do membro do

clero armênio –, frequenta a vertente carismática da Igreja Católica Romana. Dicotomias e

unidades não dão conta da experiência dos fiéis orientais na cidade de São Paulo. Cada fiel

apropria-se dos elementos que o cercam, seja o discurso do membro do clero, sua situação

como membro da comunidade armênia ou sua vivência fora dessa comunidade.

Outras questões levantadas no âmbito do cristianismo oriental paulistano emergem

no depoimento de F-MK. Esse fiel convertido permite entrever sua vivência pessoal como

católico oriental. Na experiência desse fiel se destaca a questão da conversão do Rito. Uma

situação delicada na situação paulistana, influenciada pela Igreja Latina. F-MK menciona:

Eu digo assim, é delicado, é complicado, tanto que muitas vezes eu até

já desisti de explicar o que significa ser Católico de Rito Oriental.

Porque não adianta. A maioria das pessoas chega à conclusão de que

você é um fiel da Igreja Ortodoxa, de tradição ortodoxa. Enfim, para

quem estuda, nós sabemos que essas terminologias são bem

complexas, ou seja, o que significa ser ortodoxo, o que significa ser

católico.192

191

Depoimento de fiel da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor

em 13/3/2011. 192

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011.

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143

A vivência de F-MK encerra duas influências: sua relação mais antiga como fiel

católico latino, e sua relação atual como católico melquita. Todavia, apesar dessa experiência,

pessoalmente, o fiel parece ter percepção semelhante à do membro do clero. Talvez exista

mais vontade de verdade nos discursos dos convertidos para legitimar sua nova fé:

Há uma dificuldade às vezes dessa inclusão, eu diria, ou dessa

participação. [...] Na medida em que você começa a fazer parte da

comunidade e as pessoas percebem... Porque às vezes também o

oriental... O porquê dessa resistência, essa é a verdade. Porque hoje eu

entendo, por mais de dez anos, eu estou dos dois lados, então eu

consigo compreender melhor isso. [...] Então os orientais acabam

testando mesmo, na medida em que você vai à missa, a sensação que

eu tenho, é como se eles tivessem a seguinte postura: "Vamos ver até

que ponto essa pessoa está disposta a participar da nossa comunidade,

ou se é fogo de palha, se ela está aqui simplesmente para conhecer um

pouquinho, para satisfazer e daqui a dois, três meses ela já foi para

outra comunidade, já foi para outro lugar." [...] Chega um momento

que elas falam: "Realmente esse aí não vai mais embora, porque já faz

não sei quantos anos que está aqui, se era para ter ido, já teria ido."193

Mesmo sendo um fiel convertido, o que denotaria uma falta de compromisso e um

desconhecimento da nova Igreja, F-MK posiciona-se a favor da posição do membro do clero

com relação aos novos fiéis. Essa relação é marcada pela questão debatida anteriormente194

sobre a necessária preservação da cultura original e da fé, buscada pelos membros do claro,

para guardar suas comunidades:

193

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011. 194

Ver Capítulo 2.

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144

Não tem mais essa, como dizer, a nossa Igreja sempre vai ficar aberta

enquanto tiver a tradição mantida, acabou a tradição, acabou a Igreja.

Nós não estamos aqui para passear, mas para fazer missão.195

Portanto, F-MK comunga com o membro do clero de sua Igreja as mesmas

perspectivas. Parece imprescindível que o fiel esteja ciente de seu compromisso com a

tradição da Igreja. Assim como F-AO, F-UC1 e F-UC2 , fiéis nascidos dentro da Igreja, F-

MK, convertido, apropria-se em muitos aspectos do discurso do membro do clero. No

entanto, ao contrário de F-AO, que frequenta outras instituições, F-MK parece valorizar o

compromisso de manter-se ligado somente ao cristianismo oriental. Mais uma vez os fiéis

cristãos orientais apresentam suas escolhas na apropriação e incorporação da fé oriental na

cidade.

A perspectiva de F-SO também é muito distinta. Ele, assim como F-MK, é um

convertido do catolicismo latino. Todavia, os motivos da aproximação com a Igreja Sirian

foram outros. F-SO julga os dogmas e preceitos ortodoxos como próximos daqueles do

catolicismo latino:

É muito natural. Porque, na verdade, a mudança que eu fiz não foi

radical. É diferente, se eu fosse, saísse, por exemplo, de ser católico

para ser um judeu, ou de ser católico para ser do islã, é uma mudança

brutal. Essa não: você pode entrar dentro da igreja, você vê os mesmos

símbolos da Igreja Católica, o mesmo Jesus Cristo, o mesmo cálice, as

mesmas velas, as mesmas orações. O próprio Pai Nosso é igualzinho.

Então não há muita diferença não.196

195

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 20/5/2010. 196

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011.

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145

F-SO vê similaridades entre a Igreja Ortodoxa e a Igreja Católica197

. Segundo ele, a

conversão não foi radical. Aqui o fiel fala de sua relação com o protestantismo. Como será

observado mais adiante, F-SO parece discordar de algumas vertentes protestantes. Talvez em

sua mudança de Igreja F-SO tenha levado em conta elementos do rito ortodoxo também

praticados por católicos, mas abandonados por muitos grupos protestantes. Pode ser que isso

desqualifique os grupos protestantes frente aos ortodoxos na perspectiva de F-SO. Assim

sendo, a aproximação de F-SO da Igreja Sirian deu-se pela semelhança ritualista.

Quando perguntado sobre sua vivência como cristão ortodoxo na cidade de São

Paulo, o fiel respondeu: “Ser ortodoxo é o seguinte: a própria palavra orthos, certo, correto.”

Nisso seus apontamentos assemelham-se aos do membro do clero: “Então os ortodoxos,

retilineamente, mantiveram toda aquela experiência das primeiras comunidades, e nós nos

ufanamos de sermos herdeiros dessas primeiras comunidades [...].”198

A questão do caminho correto e retilíneo perpassa o entendimento da palavra

“ortodoxo”199

, associada à manutenção de preceitos e à rigidez. Muitos fiéis identificam essa

rigidez no próprio rito oriental, comparando-o com o da Igreja Latina, tida como mais

flexível:

Eu acho que é mais diferente para os outros, para os latinos. Porque a

missa latina, eu acho que é mais curta, é mais rápida. A nossa é mais

demorada [...]. É mais comprida, então a gente tá acostumado, para a

gente não tem diferença nenhuma. Para quem é de fora, talvez é mais

complicado do que para nós.200

197

Note-se que F-SO não faz nenhuma referência às diferentes Igrejas sui juris da Igreja Católica. O catolicismo

está meramente associado à vertente romana. 198

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/8/2011. 199

A palavra ortodoxa (οπθόδοξορ) significa correta, reta (ὀπθόρ) opinião (δόξα). Existe, nessa perspectiva, um

caminho linear e correto seguido por Igrejas e fiéis. 200

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

21/8/2011.

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No entanto, isso não se apresenta igualmente na experiência de fé e de cultura de F-

SO. Para ele, a Igreja Ortodoxa:

Ela não é radical a religião, embora dê a impressão, é uma religião

extremamente parecida com a Igreja Romana, não tem grandes

conflitos. [...] O ortodoxo é absolutamente neutro, tranquilo, não tem

grandes dogmas a serem seguidos, não tem grandes pressões, nada

disso.201

Para esse fiel, a Igreja Ortodoxa não tem postura ligada à rigidez, não existem

grandes dogmas a serem seguidos. Para F-SO, a Igreja dogmática é a Igreja Católica:

A religião católica tem muitos dogmas. Por exemplo, começa daí: o

padre não pode casar. Pô, aqui o padre pode casar. É um ponto a mais.

Eu acho que, na verdade, deveria-se migrar muitas pessoas religiosas

que gostariam de ser líderes religiosos, eu acho que teoricamente

deveriam migrar para serem ministros religiosos da Igreja Maronita ou

Sirian Ortodoxa, porque o padre lá pode casar. E ele celebra a missa,

ele faz as comunhões, faz os casamentos. E tem o mesmo poder,

vamos dizer assim, que os padres católicos. Mas infelizmente é uma

Igreja muito minoritária aqui. A Igreja Católica Apostólica Romana,

não só no Brasil, como na América Latina, ela é avassaladora.202

201

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011. 202

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011.

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A Igreja Católica Latina é apresentada por F-SO como muito dogmática,

principalmente no que se refere à questão do matrimônio dos sacerdotes. O fiel sugere que

membros do clero da Igreja Latina deveriam migrar para as Igrejas Ortodoxas e Católicas

Orientais, para que possam casar-se e manter-se padre. Essa flexibilidade da Igreja Ortodoxa

aliada à semelhança dos ritos foram elementos que pesaram na conversão de F-SO (não tão

oficial, como a de F-MK). O depoimento sugere isso, pois o depoente aponta que essa relação

é uma maravilha. Esta parece ser a forma como F-SO lida com o processo de restruturação

individual de uma vivência religiosa coletiva atualmente fragmentada. Ele busca conferir

significado à sua existência num “mercado dos bens da salvação”203

.

As perspectivas são variadas. Fiéis convertidos, vindos de uma vivência distinta,

mostram um discurso semelhante aos dos membros do clero, que têm a Igreja como ponto

principal de sua experiência. Ao passo que alguns fiéis de Igrejas mais reclusas estão abertos

a experiências religiosas diferentes, outros revelam ainda conflitos ocultos nas relações entre

Igrejas, conflitos esses dissimulados pelo membro do clero enquanto portador de um discurso

oficial. Há ainda fiéis que apresentam total dissonância com apontamentos aparentemente

cristalizados. Enfim, os fiéis têm múltiplas perspectivas, fora de qualquer entendimento

preestabelecido.

F-SO trata sobre a questão das diferenças entre a Igreja Católica (Latina) e as Igrejas

Orientais na cidade. Encontrar esse tema no depoimento denota uma preocupação com o

futuro do cristianismo oriental paulistano. Esse tipo de preocupação perpassa o entendimento

dos fiéis sobre o Iconostasis Paulistano. A medição entre necessidade e contingência desse

cristianismo na metrópole.

203

MONTES, Maria Lucia. As Figuras do Sagrado: entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz

(Org.). História da Vida Privada no Brasil. Vol.4: Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Cia.

das Letras, 2000. p.72-73.

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4.3 PENSANDO O FUTURO DO ICONOSTASIS: APONTAMENTOS

O cristianismo oriental paulistano vive um momento de inflexão. Os fluxos

migratórias das regiões ligadas a esse cristianismo diminuíram e os antigos fiéis,

envelhecidos, estão morrendo. Além disso, a concorrência de outros segmentos religiosos,

muitos vezes, acaba contribuindo para a diminuição de féis. Assim sendo, o futuro de suas

comunidades é uma preocupação dos fiéis, assim como dos membros do clero.

Para F-SO, que é um indivíduo convertido para a Igreja Sirian, o futuro não parece

promissor:

Se você entrar dentro da igreja nesse momento, você vai verificar que

a maioria dos adeptos que estão hoje são todos de cabeça branca. Esse

é o grande detalhe. São os velhos. Dá impressão para mim que é uma

Igreja que está morrendo. Tipo, daqui a vinte, trinta anos

provavelmente não haverá uma renovação. São os cabeças brancas

que frequentam. Não está tendo uma juventude, ou é muito pouco que

vai repor os fiéis. Na minha impressão é a tendência, não extinguir,

mas diminuir e se juntar com outra. No meu entendimento.204

F-SO enxerga a questão do envelhecimento da comunidade como principal entrave

para a continuidade da Igreja. O futuro de sua Igreja, então, estaria na junção com outra. Ele

identifica os principais elementos que atrapalhariam a manutenção de sua Igreja:

O que eu acho, me perdoe, no meu entendimento é ao contrário: a

Sirian, por exemplo, a tendência é a nova safra de juventude se

204

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011.

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assimilarem a outras religiões, e não outras religiões virem para cá. Eu

acho que a tendência é ao contrário. Tanto é que na própria televisão

está massificado esses evangélicos. De manhã, de tarde, de noite, de

madrugada fica malhando, o cara que escuta, a tendência se for para lá

é de tanta lavagem cerebral. Então, na minha opinião, não é que a

cultura síria vai penetrar na sociedade brasileira, vai interferir. Não,

não, ao contrário. Aqui não.205

A questão essencial para a não renovação dos fiéis ortodoxos sirian é o proselitismo

das demais religiões, notadamente a vertente protestante do cristianismo. Mesmo sendo um

recente frequentador da Igreja Sirian, F-SO crê que sua situação seja exceção. Poucos seriam

os indivíduos que, como ele, deixariam uma vertente religiosa para se aproximar da Igreja

Ortodoxa Sirian. Para o fiel, o que ocorre é o contrário.

Essa perspectiva de um cristianismo oculto na cidade de São Paulo também está no

horizonte de F-MK. Ele trata do futuro de sua Igreja com base em sua experiência pessoal

como convertido para a Igreja Católica Melquita. A vivência da fé desse fiel é marcada pelo

fato de ser um católico oriental, algo em geral pouco compreendido no cristianismo

paulistano:

Mas, para o povo, no dia a dia, a divisão que se faz é isso, ou seja,

você tem os católicos, você tem os protestantes, evangélicos, e você

tem os ortodoxos. Então, quando as pessoas veem o jeito de você fazer

o sinal da cruz, as vestimentas dos padres, o modo de celebrar a

Eucaristia. Porque no fundo se você pega um católico de Rito Oriental

e compara com um católico ortodoxo, ortodoxo da Igreja Ortodoxa, as

diferenças são externamente falando pouco. Você vai numa Santa

Divina Liturgia ortodoxa, o que é que muda? Que tem um

determinado momento que nós falamos o nome do Papa, enquanto que

205

Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

30/1/2011.

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o ortodoxo não vai pronunciar o nome do Papa, o restante é

praticamente igual.206

O hibridismo característico das Igrejas Católicas Orientais, elaborando estratégias

com as perspectivas do Catolicismo Latino e das Igrejas Ortodoxas, é ignorado pela maioria

dos cristãos paulistanos. F-MK encontra-se num espaço delicado. A questão da alteridade

aparece. O fiel, como antigo católico latino, sofreu as consequências da sua conversão na

vivência familiar:

Então para um católico de Rito Latino ele realmente fica desconfiado.

A sensação que dá... E eu sei porque, como eu nasci em família

Latina, como eu vim de família Latina e Romana, muitas vezes eu

senti que muitos me olhavam como um traidor, como alguém que

tinha traído as suas origens, como alguém que tinha traído as suas

raízes.

A questão tornou-se muito complexa para F-MK. Sua própria mãe pareceu não

compreender sua conversão de um rito para outro. Essa reflexão é fundamental para que se

possa pensar o futuro das Igrejas Católicas Orientais na cidade. A experiência de F-MK

apresenta uma dificuldade no entendimento da complexidade das relações entre Igrejas na

metrópole:

Minha mãe, até morrer, enfim, ela sempre me perguntava e dizia por

que eu tinha deixado de ser católico, o que tinha acontecido, que ela

tinha me educado, e eu dizia para ela: "Mas eu não deixei de ser

católico, eu continuo pertencendo à Igreja Católica. Mas ser católico

206

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011.

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não significa ser Romano, não significa ser Latino”. Mas não adianta,

ela não conseguia entender. E não era só minha mãe, a maioria das

pessoas não consegue compreender que quando você fala Igreja

Católica, você está falando no mínimo de uma comunhão de 21, 23

Igrejas. [...] Então, no fundo, você apanha dos dois lados. Você não é

nem Católico Latino, e também não é um Ortodoxo no sentido mais

tradicional. Enfim, você tem claro o que você é, mas as pessoas nem

sempre conseguem entender o que você é. Tanto que na grande

maioria das vezes eu prefiro dizer simplesmente que eu sou

católico.207

A dificuldade do fiel é evidente: “Então em São Paulo ser fiel da Igreja Melquita em

São Paulo é difícil.”208

Isso se torna um entrave para a própria expansão das Igrejas Católicas

Orientais:

Então, isso muitas vezes aconteceu, mas o que eu sinto é assim, não é

uma preocupação da Igreja Melquita em roubar fiel da Igreja Latina,

mas o que existe é uma preocupação de evangelizar, de levar o

Evangelho. E nós vivemos numa cidade onde muitas pessoas se dizem

católicas, foram batizadas, mas nós sabemos que não são católicas.

Elas não frequentam a Igreja. Então, no entendimento do meu bispo e

de vários outros, deveria existir, digamos assim, uma liberdade maior

para as pessoas poderem escolher que Rito ou com que tradição cristã

elas se identificam mais, já que nós estamos na mesma Igreja.209

A experiência de F-MK como fiel convertido da Igreja Latina para uma Católica

Oriental marca profundamente seus apontamentos sobre o futuro de sua Igreja na cidade. Essa

207

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011. 208

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011. 209

Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

28/3/2011.

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complexidade foi amplamente debatida210

no âmbito dos membros do clero, permitindo notar

que o depoimento do fiel apresenta perspectivas às vezes aproximadas, mas num lugar

distinto.

A questão do envelhecimento da comunidade e da conversão de novos indivíduos

para a fé cristã oriental também é parte das preocupações dos fiéis católicos ucranianos. No

entanto, as sugestões apresentadas por F-UC1 e F-UC2 são de membros antigos da

comunidade ucraniana observando as mudanças e contingências no interior da Igreja:

Então a comunidade vai diminuindo, mas é o que a gente fala:

enquanto ainda tiver meia dúzia lá, vai ter. E a mesma coisa aqui na

Sociedade, porque os jovens têm outras oportunidades, hoje a maioria

infelizmente não se interessa muito. É um ou outro, tal. Aqui na

Sociedade é um pouco mais fácil, mas na Igreja dá para contar nos

dedos os jovens que participam, tal. E a gente já fez alguma coisa

assim em termos de escrever a própria Liturgia com letras latinas,

traduções também, para facilitar, ver se os jovens vinham um pouco,

mas não deu muito resultado. Realmente, eles têm outras

prioridades.211

A questão geracional aparece. Os entrevistados são membros da segunda geração da

comunidade ucraniana, filhos dos imigrantes que vieram após a Segunda Guerra. Eles

parecem ter um comprometimento com a Igreja, mas lamentam as atitudes dos indivíduos da

terceira geração, netos desses primeiros imigrantes. Apontam o desinteresse dos mais jovens

pela Igreja, mas notam uma proporção maior de interessados na Sociedade Ucraniana, que

promove grupos folclóricos de dança. A tradução da liturgia do alfabeto cirílico para o latino

210

Ver Capítulo 3. 211

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

21/8/2011.

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foi uma tentativa de promover a sua abertura para os jovens, mas falhou. Essas preocupações

tangenciam as mesmas dualidades dos membros do clero.

No entanto, a comunidade religiosa ucraniana é penetrada por elementos de fora da

comunidade. Assim como visto nas experiências de F-SO e F-MK, a Igreja Católica

Ucraniana possui fiéis convertidos depois de adultos frequentando a Divina Liturgia:

Tanto que vem gente, que não são ucranianos e frequentam lá já há

muitos anos. Acho que é mais de vinte anos que eles frequentam lá, e

gostam, e seguem os Ritos. Tanto que agora há pouco tempo faleceu

um senhor lá, e foi feita a Panaheda tudo no Rito Ucraniano para ele

também.212

Os fiéis de origem ucraniana mantêm uma distinção entre eles próprios e esses fiéis

convertidos, marcando uma diferença latente em muitas Igrejas Orientais da cidade. Mesmo

F-SO ressaltou o fato de ser brasileiro em detrimento da comunidade árabe, frequentadora de

sua Igreja. Aqui está sugerida a relação dessas Igrejas com comunidades imigrantes na cidade.

Contudo, F-UC1 aponta o quanto esses indivíduos não ucranianos foram

influenciados pela fé e cultura da comunidade imigrante. No funeral de um desses fiéis foi

feita a Panaheda (панахеда), ritual fúnebre da Igreja Católica Ucraniana, cantado em

eslavônio. Para F-UC1: “Se tornaram parte da comunidade religiosa. Aqui na comunidade

como ucraniano só não. Em termos religiosos tudo o que tem eles participam, tem bastante

gente lá.”213

. Esses fiéis convertidos são tidos como parte da comunidade na fé, na Igreja.

212

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

21/8/2011. 213

Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em

21/8/2011.

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Mesmo assim, são considerados distantes da comunidade ucraniana, não são só ucranianos.

No horizonte dos fiéis naturais há distinção entre eles e os fiéis convertidos.

Os fiéis orientais paulistanos estão localizados num ponto de intermediação de

relações, entre suas referências à fé que professam, seja ela armênia russa ou ucraniana, e suas

experiências pessoais, como habitantes de uma metrópole múltipla. Devem-se destacar suas

apropriações. A maneira de usar toda a tradição com que entram em contato marca,

silenciosamente, de maneira quase invisível, o modo como se elabora o cristianismo oriental

paulistano214

. Algo específico dos habitantes dessa metrópole, cada um à sua maneira.

Nenhum fiel usa essa tradição da mesma maneira que outro, assim como o cristianismo

oriental de São Paulo é distinto daquele de Buenos Aires. A experiência perpassa

distintamente indivíduos e lugares215

, mesmo que declarem uma tradição comum.

214

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1990. p.59. 215

THOMPSON, Edward. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p.58-59.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva do Iconostasis Paulistano já foi mencionada diversas vezes. A

metáfora que sugere a mediação das Igrejas Orientais na cidade São Paulo. De certa forma,

essa metáfora perpassa todas as relações do cristianismo oriental paulistano. Como já

mencionado, o Iconostasis é a parede de ícones religiosos que divide a nave e o altar de

grande parte das Igrejas Orientais. Sua posição é estratégica e demarca metaforicamente dois

mundos durante a Divina Liturgia: o mundo divino, oficial e necessário, partilhado pelo

membro do clero; e o mundo humano, mundano e contingente, partilhado pelos fiéis. Pensar o

Iconostasis é pensar o lugar de encontro dessas relações.

As Igrejas Orientais, à primeira vista, parecem espaços de manutenção de uma antiga

tradição:

[...] mas nós nos ufanamos de manter aqui as tradições Apostólicas,

tanto é que, por exemplo, nós pertencemos à Igreja de Constantinopla.

Qual foi o apóstolo que chegou até lá? Santo André o Protokletos, o

primeiro chamado por Jesus Cristo, irmão de Pedro. A Igreja

Antioquena ou Antioquina, como eles falam agora, teve lá como

primeiro bispo Pedro. Antes de ir para Roma ele esteve em Antióquia

ou Antioquia, onde os cristãos, seguidores de Cristo, foram apelidados

de cristãos. Jerusalém, por exemplo, o primeiro bispo: Santo Iakobos,

São Tiago, adelphoutios, chamado irmão de Jesus. Em Alexandria,

por exemplo, qual foi o apóstolo que esteve lá? São Marcos. Na

Rússia também, vamos dizer, até em Kiev teria chagado lá também

Santo André, ou seja, temos uma história Apostólica ininterrupta, ou

seja, uma sucessão Apostólica ininterrupta, retilínea. Tanto quanto à

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origem como quanto à sucessão Apostólica e também quanto à

doutrina.216

Mais do que uma apresentação do passado das Igrejas Orientais, esse discurso tenta

apontar a trajetória retilínea e correta que essas Igrejas mantiveram e manteriam até hoje. No

entanto, o estudo sugeriu que o cristianismo oriental paulistano é obrigado a lidar com o

presente a todo momento, com sua situação atual na cidade, a tentar abarcar as singularidades

da vivência em São Paulo, a repensar esse cristianismo passado na contingência

metropolitana. Enfim, a ligar esse passado distante com a experiência atual:

Nós não temos mais essa mentalidade de que estamos aqui fechados

para atender só o povo oriental. Nós somos para atender o povo em

geral, quem pode frequentar a nossa Igreja, seja bem-vindo. Quem

acha que o Rito é agradável é a maneira de agir em nossa missão, seja

bem-vindo.217

Atualizar sua comunidade e abraçar a comunidade brasileira muitas vezes faz parte

das várias estratégias dessas Igrejas paulistanas. Assim como o Iconostasis na Divina Liturgia,

as Igrejas Orientais na cidade estão num espaço intermediário, entre a tradição e a situação

atual. Por isso a sugestão da metáfora de um Iconostasis Paulistano, referente à metrópole.

Entre a manutenção de uma memória e a criação de uma nova perspectiva mais condizente

com a experiência na cidade. A questão do entre perpassa a vivência da situação do

cristianismo oriental paulistano, passando por praticamente todas as relações apontadas no

decorrer do trabalho.

216

Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17∕8∕2011. 217

Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 20∕5∕2010.

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Os membros do clero talvez sejam aqueles que mais reflitam sobre essa situação.

Eles têm de fixar e relembrar essa memória construída de suas Igrejas, ao mesmo tempo que

têm de elaborar novas estratégias para incorporar a situação paulistana de suas instituições. O

importante é pensar esses indivíduos numa situação de fronteira, numa situação entre: “É

nesse sentido que a fronteira se torna o lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente

em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante, ambivalente, do além que

venho traçando.”218

É justamente na fronteira que ocorre a síntese do Iconostasis Paulistano, feita pelos

membros do clero, a estruturação de um cristianismo oriental que responde a uma situação

paulistana. A ponte que liga a vivência paulistana com a tradição dessas Igrejas cria algo

novo: “Sempre, e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos ou

apressados dos homens para lá e para cá, de modo que eles possam alcançar outras margens...

A ponte reúne enquanto passagem que atravessa.”219

As Igrejas Orientais paulistanas, com os

seus membros clericais, criam pontes entre suas necessidades e contingências e reúnem novas

estratégias para o cristianismo paulistano.

Outra situação situada no espaço do entre é a vivida pelas Igrejas Católicas Orientais

na cidade. Elas, como já mencionado, estão numa região entre as Igrejas Ortodoxas e a Igreja

Latina. Suas subjetividades dependem muito das relações que mantêm com essas duas

famílias de Igrejas. A relação de poder também perpassa o caráter entre dessas instituições:

“As identidades, portanto, são construídas no interior das relações de poder. Toda identidade é

fundada sobre um exclusão e, nesse sentido, é „um efeito de poder‟.”220

218

BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p.24. 219

HEIDEGGER, Martin. Apud: Ibidem. p.24. 220

HALL, Stuart; SOVIK, Liv (Orgs.). Da Diáspora: Identidade e Mediação Culturais. Belo Horizonte: Editora

da UFMG, 2009. p.81.

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Assim sendo, é na relação de poder, já discutida, entre as Igrejas Católicas Orientais

e a Igreja Latina que seria construída a identidade dessas Igrejas. A sua peculiaridade de

estarem entre duas tradições cristãs e serem a todo momento influenciadas pela Igreja Latina.

Essa relação de poder – não ser Igreja Latina, estar dissociada dela, mas ter de parecer com

ela, buscar ser incluída nela – marca constantemente a construção de identidade das Igrejas

Católicas Orientais. Sua diferenciação da Igreja Latina está na igualdade com as Igrejas

Ortodoxas, num processo dinâmico.

A experiência dos fiéis também atravessa a questão da mediação do cristianismo

oriental paulistano. Ela resume bem o processo de apropriação que esse cristianismo

específico da metrópole suscita entre a tradição passada e o presente da cidade. Compreender

os fiéis orientais é compreender a dinâmica de suas Igrejas. Eles, assim como os membros do

clero, também estão num entre-lugar, num local de fronteira cultural:

O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que

não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia

do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não

apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela

renova o passado, reconfigurando-o como um “entre-lugar”

contingente, que inova e interrompe a atuação do presente.221

A situação paulistana do fiel e sua apropriação da tradição criam um novo; ele traduz

para sua condição o passado e a tradição daquela fé e cultura. No entanto, isso não é privilégio

dos fiéis, todas as Igrejas Orientais na cidade também têm essa perspectiva. Sua situação

específica distante dos locais de origem, integradas ao cotidiano da metrópole, faz com que

sejam Igrejas Orientais paulistanas. Não são um museu pitoresco, onde encontra-se a

221

BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p.27.

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identidade original de armênios, russos ou coptas. São lugares que traduzem passados e criam

um novo, apesar de entendimentos contrários:

Mesmo em meio a algumas dificuldades, procura manter seu corpo de

alguns milhares de fiéis, sintonizando-se no conjunto de tradições não

só religiosas, mas de todo o contexto cultural originário da pátria de

seus ancestrais. Esse esforço de preservação religiosa e cultural visa a

evitar o que ocorreu com outros emigrados instalados no Brasil e em

países da América Latina, que, através dos tempos, deixaram-se

aculturar, permitindo assim o desaparecimento de sua cultura de

origem, dessa forma, legando ao esquecimento sua herança nacional,

pondo fim às suas identidades originais.222

Este trecho sobre a situação da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio presente na cidade

sugere uma dicotomia entre o passado original, que deve ser preservado, e uma força contrária

de aculturação e diluição da tradição dessa Igreja. Contudo, deve-se ter em mente que essas

Igrejas já são híbridas, passam a todo momento por processos de tradução cultural. A

experiência cotidiana na Rússia é distinta daquela verificada na cidade de São Paulo. Não há

identidades originais, não há uma lei original nessas comunidades. Formações sociais não

obedecem a leis223

.

Assim como na Divina Liturgia o Iconostasis faz a fronteira cultural entre o divino e

o humano, metaforicamente, o Iconostasis Paulistano é a tradução cultural, mediação, que a

totalidade do cristianismo oriental paulistano, membros do clero e fiéis, faz entre tradição e

cotidiano. Cada indivíduo ou grupo decifrando-o à sua maneira.224

222

LOIACONO, Mauricio. A Igreja Ortodoxa no Brasil. Revista da USP. São Paulo, nº.67, set./nov. 2005.

p.130-131. 223

THOMPSON, Edward P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p.61. 224

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1990. p.55.

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Depoentes

- Membro do clero da Igreja Católica Maronita da cidade de São Paulo.

Entrevista concedida ao autor em 3/02/2010.

- Membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo.

Entrevista concedida ao autor em 8/02/2010.

- Membro do clero da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo. Entrevista

concedida ao autor em 12/02/2010.

- Membro do clero da Igreja Russa Católica da cidade de São Paulo. Entrevista

concedida ao autor em 14/02/2010.

- Membro do clero da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo.

Entrevista concedida ao autor em 24/02/2010.

- Membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo.

Entrevista concedida ao autor em 9/03/2010.

- Membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana do município de São Caetano

do Sul. Entrevista concedida ao autor em 18/04/2010.

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- Membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo.

Entrevista concedida ao autor em 20/05/2010.

- Membro do clero da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo.

Entrevista concedida ao autor em 16/06/2010.

- Membro do clero da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia da cidade de

São Paulo. Entrevista concedida ao autor em 7/07/2010.

- Membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta da cidade de São Paulo. Entrevista

concedida ao autor em 22/08/2010.

- Membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo. Entrevista

concedida ao autor em 17/08/2011.

- Fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo. Entrevista concedida ao

autor em 30/01/2011.

- Fiel da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo. Entrevista

concedida ao autor em 13/03/2011.

- Fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo. Entrevista concedida

ao autor em 28/03/2011.

- Fiéis da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo. Entrevista

concedida ao autor em 21/08/2011.