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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rodrigo Antonio da Rocha Frota Fontes do Direito Tributário: reflexão sobre a vontade na enunciação normativa DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rodrigo Antonio da Rocha Frota

Fontes do Direito Tributário:

reflexão sobre a vontade na enunciação normativa

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2012

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Rodrigo Antonio da Rocha Frota

Fontes do Direito Tributário:

reflexão sobre a vontade na enunciação normativa

DOUTORADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito sob a orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho

SÃO PAULO 2012

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Banca Examinadora

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Agradeço profundamente àquelas pessoas que me

acompanharam e me apoiaram nesta longa caminhada e para elas dedico este

trabalho. Aos meus pais, Maria Helena e Antonio, à minha amada esposa,

Isabella, aos meus caros professores, em especial ao meu orientador e amigo

Professor Paulo de Barros Carvalho, aos colegas de doutorado e amigos que

muito enriqueceram este estudo com as discussões e reflexões sobre o tema.

A todos, meu muito obrigado.

Rodrigo Antonio da Rocha Frota

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Resumo

O presente trabalho trata da vontade como fonte do direito, em

especial do direito tributário. Para desenvolvê-lo foi necessário estudo do

direito como objeto da cultura e, neste sentido, como ato comunicacional,

estabelecendo a identidade entre o direito e a linguagem que o constitui.

Fase crucial foi estudar a teoria dos atos de fala de John Austin e

John Searle, permitindo entender o direito como ato performativo. Neste ponto

passou-se à analise da norma jurídica, sob o ponto de vista da linguagem,

envolvendo as visões: positivista, sintática, semântica e pragmática.

Feito este estudo, partiu-se para a análise das fontes do direito,

comparando os conceitos clássicos à visão lógico-semântica, bem como

separando o direito da fonte do direito.

A seguir trabalhou-se o discurso normativo do ponto de vista

formal, mas também semântico, interpretativo, além da aplicação da teoria dos

atos de fala ao discurso normativo, finalizado com o papel da prova nesse

discurso.

Por fim, a análise da vontade como requisito à construção da

realidade jurídica, passando pelo estudo de sua atuação no direito positivo, na

Ciência do Direito e no discurso normativo, para se deparar com a vontade

como fonte do direito e qual sua utilidade como ferramenta de análise jurídica.

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Abstract

The present paper treats the will as source of law, particularly tax

law. To develop the paper it was necessary to study the law as a cultural object,

and in this sense, as an act of communication, establishing the identity between

law and language.

It was crucial to the study the speech acts theory of John Austin

and John Searle, allowing to understand the law as a performative act. At this

point we moved on to analyze the rule of law, from the point of view of

language, involving visions: positivism, syntactic, semantic and pragmatic.

After, came the analysis of sources of law, comparing the classical

concepts of the logic-semantic vision, and separating the law from the source of

law.

Then a study of legal discourse from the point of view of logic

analysis, but also semantic interpretation, and application of the theory of the

speech acts to the normative discourse, ending with the role of proof in this

discourse.

Finally, the analysis of will as a prerequisite to the construction of

legal reality, through it´s role in positive law, the science of law and legal

discourse, to face the will as source of law and how is it useful as a tool of legal

analysis.

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Índice

Introdução

1. O direito como ato comunicacional 11

1.1. O direito como objeto cultural 11

1.2. O direito e a linguagem 14

1.3. A comunicação e o direito 18

2. A teoria dos atos de fala 26

2.1. John Austin 28

2.2. John Searle 34

2.3. A relação entre os atos de fala e o direito 38

3. Norma Jurídica: conceito e análise 42

3.1. A visão clássica do positivismo 43

3.2. A visão pragmática 46

3. 3. O constructivismo lógico-semântico e sua visão de norma 48

4. Direito x fontes do direito 56

4.1. Os conceitos clássicos de fonte do direito 58

4.1.1. Fontes de produção 59

4.1.2. Fontes de cognição 60

4.1.3. Fontes de conhecimento do saber jurídico 70

4.1.4. Fontes de informação do saber jurídico 71

4.2. O conceito de fonte trabalhado no costructivismo lógico-semântico 72

5. Análise do discurso normativo 79

5.1. Linguagem prescritiva x descritiva: direito posto x Ciência do Direito

80

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5.2. O caminho da construção de sentidos 86

5.3. A construção de sentidos e a classificação das normas 91

5.4. O papel do ato de fala no discurso normativo 94

5.5. O discurso normativo como comunicação jurídica 98

5.6. A prova e a verdade no discurso normativo 102

6. A vontade como requisito à construção da realidade jurídica 107

7. Análise clássica da vontade no direito: uma visão crítica 116

7.1. A unicidade do direito posto 117

7.2. A Ciência do Direito e seus ramos 127

7.3. Direito privado e a vontade: problema de vício 136

7.4. Direito público e a legalidade 140

7.5. Legalidade e vontade 151

8. Análise da vontade como fonte do direito 161

8.1. Direito como comunicação 168

8.2. Fonte do direito: enunciação x enunciação-enunciada 173

8.3. Vontade na enunciação 174

8.4. Vontade na enunciação-enunciada 177

Conclusão 180

Bibliografia

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Introdução

Nestes últimos anos tem se tornado premente um estudo

aprofundado do direito como discurso normativo, nas suas esferas semântica,

gramatical e pragmática. Uma análise do direito por esta ótica implica a revisão

de conceitos jurídicos clássicos e a verificação de sua aplicabilidade ao

constructivismo lógico-semântico do direito preconizado pelo Professor Lourival

Vilanova e difundido no Direito Tributário pelo trabalho do Professor Paulo de

Barros Carvalho e de seus discípulos, naquela que podemos chamar de Escola

de Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Trabalho este desenvolvido no âmbito do giro linguístico,

movimento filosófico que busca o conhecimento através do estudo da

linguagem. Neste contexto trabalha o constructivismo lógico-semântico, que

estuda a estrutura formal da linguagem jurídica somada ao conteúdo valorativo

da norma.

O objetivo do presente trabalho é analisar o tema de fontes do

direito sob tal enfoque, assumindo um prisma teórico do giro linguístico e do

constructivismo lógico-semântico, verificando como as fontes podem se

coadunar com as premissas dessa visão revolucionária da Teoria Geral do

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Direito, confrontando-a com as posições clássicas, para, a partir disto,

introduzir a discussão acerca da vontade como fonte do direito tributário.

Busca-se aqui relativizar a exclusão da vontade no Direito

Tributário, abordando, nesta perspectiva, a vontade verificada no próprio texto

normativo, seja pela simples existência deste, seja por ser passível de ser dele

depreendida, em decorrência das marcas nele encontradas. Posição que surge

do estudo do tema pelo prisma normativo-discursivo, bem como do tratamento

do conceito de legislador no discurso normativo.

A partir do tratamento da vontade no direito, passa-se a verificar

os limites da validade de uma norma, pela análise desta vontade marcada no

corpo do texto normativo pelo discurso do legislador em sentido amplo.

Para que o estudo seja viável, imprescindível percorrer os

caminhos da Teoria dos Atos de Fala, na figura dos dois principais autores

sobre o tema: John Austin e John Searle. É com este ferramental que se

pretende demonstrar a importância da vontade na enunciação normativa, em

perfeita congruência com o constructivismo lógico-semântico aplicado ao

Direito Tributário.

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Esta é, aliás, a inovação pretendida, haja vista a posição clássica

de ser a obrigação tributária uma obrigação ex lege. O objetivo é trabalhar a

vontade na enunciação do discurso prescritivo e as marcas que ela deixa no

texto. Bem como verificar se estas marcas são suficientes para um controle de

licitude do discurso emitido ou não.

Com a análise da vontade do discurso normativo, pretende-se

verificar as possibilidades de vício apresentadas e seus efeitos no produto: a

norma. Mas para que isto seja possível é necessário fincar raízes nos

conceitos de direito e de norma. Adiantando-se, em conformidade com o

constructivismo lógico-semântico.

Busca-se aproximar tal linha de pensamento dos efeitos

pragmáticos da linguagem prescritiva do direito. O quê, no nosso entender,

configura uma inovação na teoria dos Professores Lourival Vilanova e Paulo de

Barros Carvalho.

Por fim, é relevante ressaltar que o estudo pretendido parte do

direito pátrio atual, evitando análises históricas, sociológicas, psicológicas ou

econômicas, para seguir nos caminhos da Dogmática Jurídica.

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1. O direito como ato comunicacional

O termo direito tem diversas acepções e, por isso, traz consigo

uma multiplicidade de perspectivas de apreensão e abordagem por parte da

doutrina. Como ensina Lourival Vilanova1

, devido diversos pontos de vista, o

direito cognoscitivamente pode ser tido como uma realidade complexa. Seria

possível aprendê-lo sob uma ótica histórica, científico-filosófica, científico-

política, entre outras. Resultando nos estudos de história do direito, sociologia

do direito, política legislativa, antropologia jurídica, filosofia entre tantas outras

abordagens próprias.

Segundo o autor, a multiplicidade de enfoques sobre o direito só é

possível por ser ele um objeto cultural. Se fosse um objeto ideal, tal

multiplicidade não seja possível, dada sua indiferença ao tempo e ao espaço.

1.1. O direito como objeto cultural

Para entender porque o direito é um objeto cultural, há que se

perguntar primeiramente o que viria a ser objeto. Segundo Carlos Cossio2

1 Sobre o Conceito de Direito, in Escritos Jurídicos e Filosóficos, pág. 32.

, se

baseando nos ensinamentos da lógica proposicional, objeto seria qualquer

2 El derecho en el derecho judicial, Las lacunas Del derecho, La valoración judicial, pág. 27.

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coisa que possa ser colocada como sujeito num juízo, ou seja: que possa

receber predicados, qualificações, características, etc. Por exemplo, no

enunciado: o céu é azul; “céu” é o objeto e “azul” seu predicado.

Seguindo este raciocínio, Cossio trabalha as categorias ônticas de

Edmund Husserl. Também neste sentido trabalha Paulo de Barros Carvalho3

,

que bem explica a classificação dos objetos do conhecimento acerca das

quatro regiões ônticas. São elas: objetos naturais, objetos ideais, objetos

culturais e objetos metafísicos.

Os objetos naturais são aqueles tidos por reais, pois possuem

suas existências determinadas pelo tempo e pelo espaço, estão sujeitos a

serem colhidos pela experiência, mediante enunciados constatativos, mas são

neutros de valor. São apreensíveis pela explicação, através de um método

empírico-indutivo.

Os objetos ideais são tidos por irreais, por lhes faltar uma

existência determinada pelo tempo e pelo espaço. Em decorrência disso não

são suscetíveis à experiência. E, assim como os objetos naturais, são

valorativamente neutros. Só podem ser conhecidos através da intelecção. Seu

método mais adequado, portanto, seria o racional-dedutivo.

3 Direito Tributário Linguagem e Método, págs. 14-18.

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Os objetos culturais são reais, pois têm sua existência

determinada no tempo e no espaço, estão sujeitos a serem conhecidos pela

experiência e, diferente dos anteriores, são valorizados positiva ou

negativamente. Estão sujeitos ao conhecimento pela compreensão, através do

método empírico-dialético.

Por fim, os objetos metafísicos são reais, têm sua existência

determinada no tempo e no espaço, mas não estão sujeitos à experiência,

apesar de valiosos, positiva ou negativamente. Não são passíveis de serem

conhecidos por qualquer ato gnosiológico ou método de aproximação.

Esta perspectiva de ser o direito um objeto cultural, produzido e

modificado pelo ser humano, será nosso ponto de partida para a análise do

direito e em especial suas fontes. Haja vista a impossibilidade de ser

encontrado solto na natureza, de existir apenas na mente das pessoas, ou

mesmo de se acreditar nele sem que este possa ser comprovado ou

conhecido.

Colocada esta premissa, se torna possível analisar de uma

perspectiva da linguagem o direito tomado como direito positivo, o

ordenamento, entendido como sistema.

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1.2. O direito e a linguagem

O direito posto, do ponto de vista positivista, é formado pelo

conjunto dos enunciados prescritivos emitidos pelos Poderes Legislativo,

Judiciário, Executivo e, por que não dizer, setor privado. Diga-se, aliás, o mais

fecundo e numeroso. Consubstanciado em objeto cultural, o direito é produzido

e modificado pelo homem.

Neste sentido, o direito, tomado como sistema, pode ser

analisado, como ensinou Hans Kelsen4

, segundo dois pontos de vista: estático

e dinâmico.

No primeiro, se percebe a derivação das normas superiores nas

inferiores, segundo um critério de hierarquia utilizado para explicar o sistema

jurídico estaticamente observado.

No segundo, o enfoque ocorre na produção do direito através da

positivação, onde a autoridade competente, através do procedimento

4 Teoria Pura do Direito, pág. 217.

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adequado, pré-estabelecido em norma, produz nova norma, em conformidade

com a norma de superior hierarquia.

Em ambas as análises, evidencia-se a importância da linguagem

para o direito positivo. Sua realidade só poder ser tida, formada, criada e

propagada por enunciados articulados implicacionalmente, típicos das

estruturas normativas.

O direito como forma de linguagem possibilita ao legislador

absorver fatos sociais atribuindo-lhe consequências jurídicas, ou seja:

prescreve condutas criando relações jurídicas a partir do reconhecimento dos

fatos sociais. Para Kelsen5

o direito observa os fatos da vida social e sobre eles

impõe consequências jurídicas, segundo uma relação implicacional entre o

antecedente e um consequente. Tal relação só pode ser estabelecida pela

linguagem prescritiva do direito positivo.

Vilem Flusser6

5 Teoria pura do direito, pág. 4.

, ao explicar a construção da realidade pela língua,

propôs que os fatos do mundo componham um caos desorganizado, um sem

sentido. Quando o ser humano percebe estes fatos, cria linguagem para

entendê-los e ser capaz de explicá-los; conscientiza-se deles. Através da

consciência, cria a realidade.

6 Língua e realidade, pág. 131.

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O mundo seria “aparentemente” caótico, mas, pela linguagem,

pode ser ordenado, constituindo a “realidade”. Haveria, assim, um mundo

“aparente” caótico e um mundo “real” ordenado. O espírito humano, segundo

Flusser, avançaria da “aparência” para a “realidade”.

Para que tal análise possa fazer sentido, Flusser esclarece: só é

possível o pensamento pela linguagem7

. É com a produção desta que se

organiza o caos, constituindo a realidade ao expor seus pensamentos.

A partir dos sentidos o homem entra em contato com o mundo

dos dados, enquanto a construção da realidade, a organização desses dados,

ocorre através da linguagem. Assim, ao ouvir, enxergar, tocar, sentir ou cheirar

o ser humano tem contato com o caos do mundo dos dados e através da

linguagem o organiza, criando sua realidade.

Não se esqueça: a linguagem pode ser um dado bruto, ser

perceptível e, a partir disso, articulado e interpretado até que se chegue ao

entendimento pela consciência daquele dado, dentro de uma dada perspectiva

focalizada pela pessoa8

.

7 Idem, pág. 40. 8 FLUSSER, Vilém, ob. cit., págs. 81 e 82.

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Essa análise feita por Flusser é de suma importância para explicar

a visão de que o direito constrói sua própria realidade, separada da chamada

verdade real. O que reforça os fundamentos do movimento do giro-linguístico

de contestar a chamada verdade absoluta da filosofia analítica e exaltar a

verdade como construção linguística, em nome da qual se fala, como explica

Paulo de Barros Carvalho9

.

O direito cria sua própria realidade, através da linguagem, a partir

de autoridades estabelecidas que se utilizam de procedimentos pré-

determinados. Essa realidade jurídica não exclui as demais que possam ser

criadas a partir do contato sensível das pessoas com os acontecimentos

sociais, estes tidos por dados brutos. Antes, estabelece formas de absorção

destes pela realidade jurídica, mas é independente deles.

A ligação entre direito e linguagem é íntima. Mais do que isso, se

pode afirmar que, seguindo a linha de raciocínio exposta neste trabalho, há

verdadeira identidade entre direito e linguagem. O direito positivo pode ser tido

como um corpo de linguagem específica, aquela prescritiva de condutas criada

por autoridade competente dentro de procedimento adequado.

9 Direito Tributário – Linguagem e Método, Editora Noeses, 1ª Ed., São Paulo, 2008, pág. 159: “A cada

dia, com o cruzamento vertiginoso das comunicações, aquilo que fora tido como “verdade” dissolve-se

num abrir e fechar de olhos, como se nunca tivesse existido, e emerge nova teoria para proclamar, em alto

e bom som, também em nome da “verdade”, o novo estado de coisas que o saber científico anuncia”.

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Assim, seguindo as lições de Flusser, temos que os enunciados

jurídicos são, formam, criam e propagam a realidade jurídica. Impossível falar,

portanto, em direito sem a linguagem que forma sua realidade.

1.3. A comunicação e o direito

O direito, como exposto acima, é formado, criado e propagado por

enunciados jurídicos: a linguagem; aquela verbal-escrita, na qual se estabilizam

as condutas intersubjetivas, objetivadas no universo do discurso. O

pressuposto do “cerco inapelável da linguagem”, como ensina Paulo de Barros

Carvalho10

, nos leva a uma concepção semiótica dos textos jurídicos, onde um

estudo que considere dimensões sintáticas ou lógicas, semânticas e

pragmáticas são instrumentos preciosos do aprofundamento cognoscitivo.

O direito positivo tomado como linguagem é fator integrante da

comunicação jurídica, criando sua realidade na conformidade das ideias de

Flusser. Mas a comunicação jurídica, para ser jurídica, deve antes ser tomada

como comunicação.

10 Direito Tributário: linguagem e método, pág. 162.

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O termo comunicação é mais um daqueles dotados de

ambiguidade. Pode ser tido em diversas acepções. Naquela mais popular

designa a troca de mensagem entre emissor e receptor. Mas para um trabalho

científico será necessário buscar apoio, como já mencionado, na Semiótica,

ciência que estuda os signos, a fim de se precisar a acepção do termo.

A Semiótica, segundo Roman Jakobson11

, elenca seis elementos

essenciais da comunicação. São eles: remetente, mensagem, destinatário,

contexto, código e contato. O remetente envia a mensagem ao destinatário, a

qual para ser eficaz necessita de um contexto através de um código comum ao

remetente e ao destinatário, a partir de um contato ocorrido por um canal físico

e uma conexão psicológica entre os dois sujeitos da comunicação, que os

capacite para a comunicação.

Esta acepção de comunicação nos permite analisar o direito

positivo como ato comunicacional. O que na visão de Kelsen12

pode ser

explicado pela relação implicacional entre a conduta pretendida e o dever

jurídico a ela atrelado, o qual deve ser expresso em linguagem, ainda que por

vezes não em palavras, mas por gestos.

11 Linguística e comunicação, pág. 123. 12 Ob. Cit., pág. 6.

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Gregório Robbles Morchòn13

também assimila estes

ensinamentos ao propor sua Teoria Comunicacional do Direito. Para ele o

direito é a forma mais relevante de organização social. Serve para regular os

conflitos na sociedade. Esta é formada não pelos indivíduos, mas pela

comunicação entre eles. O direito, nesta perspectiva, seria uma das formas de

comunicação.

Assim, temos por objeto o ordenamento jurídico pátrio, do ponto

de vista de sua linguagem. Em nossa perspectiva para estudar o ordenamento

é necessário o estudo da linguagem jurídica, através da qual aquele é

transmitido, constituído e modificado. Sem ela, seria impossível conhecer o

direito.

Aliás, o que seria conhecer o direito senão produzir linguagem a

seu respeito? Todo conhecimento se dá pela linguagem. É através dela que se

pensa e se comunica qualquer objeto. Neste sentido, assumimos que quanto

mais se produz linguagem sobre um objeto, mais se sabe dele.

Para Lourival Vilanova14

13 Teoría del derecho: fundamentos de teoria comunicacional del derecho. Volume I, págs 65 e segs.

, a linguagem pode ser expressada em

diversas direções, tratando de estados interiores do sujeito, situações e objetos

que compõem o mundo externo. Pode funcionar com fim cognoscitivo (a

14 As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, pág. 39.

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linguagem-de-objetos), como veículo de ordens, com o objetivo de alterar o

estado das coisas, como transmissora de perguntas, ou mesmo com finalidade

meramente expressional da alteração emocional do sujeito em função do trato

com os objetos. Assim, levando em consideração a multiplicidade das facetas

da linguagem, para fins da análise pela Lógica Clássica, apenas as estruturas

de linguagem expressivas de proposições são consideradas: asserções de que

algo tem tal propriedade (S é P). São suscetíveis de valores de verdade e

falsidade, verificáveis empiricamente por quem assuma uma atitude

cognoscente. É a atitude típica do cientista do direito em sentido estrito.

Tendo em mente que todo e qualquer conhecimento só pode

acontecer através da linguagem, torna-se indispensável refletir sobre o que

vem a ser o direito.

Já se concluiu que o direito é um objeto cultural. Produzido pelo

ser humano para possibilitar seu convívio em sociedade. Só pode ser

apreendido, conhecido, e transmitido através da linguagem. Sua função: a

regulação das condutas das pessoas na sociedade em que se inserem,

permitindo-as, obrigando-as ou proibindo-as.

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Lourival Vilanova15

esclarece ser o direito um fenômeno histórico,

com origem e trajetória de evolução próprias, variando de acordo com

circunstâncias de tempo, lugar e cultura e, portanto, não pode ser estável, mas

mutável em conjunto com a sociedade que o organiza. O direito pode ser tido,

a partir dessas afirmações, um objeto cultural.

Segue esta linha de raciocínio Clarice von Oertzen de Araújo16

para quem o direito seria uma das diversas formas sociais institucionais

manifestadas pela linguagem. Esta constitui um campo maior que o direito,

mas seria apenas uma entre as instituições humanas resultantes da vida em

sociedade. Além disso, se caracteriza por ser o veículo utilizado pelo homem

para se comunicar.

Das diversas acepções do termo “direito”, pretendemos tratar de

duas delas: ordenamento e Ciência do Direito. Mas, independente da acepção,

terá sempre como significado um objeto cultural, criado, modificado e

desenvolvido pelo homem através da linguagem. Desta forma, reforce-se:

direito, sob nosso ponto de vista, é linguagem e só pode ser apreendido por

ela, criado através dela e por ela propagado.

15 Idem, pág. 33. 16 Semiótica do Direito, pág. 19.

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Sem a linguagem não pode haver conhecimento sobre ele,

constituindo também a Ciência do Direito, sendo-a, criando-a e propagando-a.

O direito posto, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho17, “é o

complexo de normas jurídicas válidas num determinado país”. Na mesma linha,

Maria Rita Ferragut, o entende como “... o conjunto de regras jurídicas gerais e

abstratas, individuais e concretas, existentes em determinado tempo e espaço

social”18, ou ainda: “(i) significações dos enunciados com conteúdo deôntico

incompleto e (ii) significações dos enunciados com conteúdo deôntico

completo”19

.

Conteúdo deôntico está relacionado com a prescrição da norma,

seu dever ser modalizado, passível de ser completado com os valores:

obrigatório (O), permitido (P) ou proibido (V). Será completo quando apresentar

sua consequência jurídica, caso das regras. Será incompleto quando não

apresentá-la expressamente, como no caso dos princípios.

O direito, tomado como ordenamento, é expresso por seus

enunciados prescritivos, a partir dos quais se obtém as significações, que

tomadas em conjunto, compõem um feixe de proposições prescritivas, com

17 Curso de Direito Tributário, São Paulo, pág. 02. 18 Presunções no Direito Tributário, pág. 16. 19 Idem

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escopo de ordenar as relações intersubjetivas da vida em uma sociedade

determinada pelo tempo e espaço.

Organiza-se segundo um critério de especialidade, sob a ótica de

Tércio Sampaio Ferraz Jr.20 com suas normas de calibração, bem como de

processos de fundamentação e derivação, segundo os ensinamentos de Hans

Kelsen21

. Constitui um corpo de linguagem técnica prescritiva, formulada de

acordo com os critérios da Lógica Deôntica. Esta se difere da Lógica Clássica

por não estar atrelada ao ser e aos valores de verdade e falsidade, mas ao

conectivo dever ser, a partir dos valores de validade e invalidade.

O direito, como ordenamento, é um corpo de linguagem

prescritiva. Contudo, ao analisar a Ciência do Direito se vê que esta tem aquele

como objeto de seu conhecimento, sendo sua função analisá-lo e descrevê-lo.

Sua forma de expressão é descritiva daquela, constituindo verdadeira

linguagem de sobrenível em relação ao ordenamento.

O propósito do direito como ordenamento é, por mais que pareça

um evidente pleonasmo, ordenar. Prescreve condutas intersubjetivas. Mas não

é só o direito que faz isto. Outros tipos normativos morais, religiosos, familiares

20 Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, págs.159-162. 21 Ob. Cit., págs. 217-220.

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25

também o fazem. Assim, genericamente, seria possível, em princípio, definir

norma como comando ou regramento de conduta.

O que distinguirá o direito dos demais tipos normativos será a

coercibilidade, a possibilidade de o Estado fazer cumprir suas normas através

da sua função judiciária. Kelsen22

trabalhou este conceito como coatividade.

O direito, como produto humano, só pode ser criado e difundido

pela linguagem. Esta por sua vez decorre de um ato de fala. Daí a importância

da análise do conteúdo do ato de fala, mas principalmente do ato de fala em si.

22 Ob. Cit., págs. 35 e segs.

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26

2. A teoria dos atos de fala

A criação da realidade pela linguagem a partir do caos do

universo, explicada pela teoria de Vilém Flusser, como já mencionado acima,

explica a organização do caos pelo homem a partir do contato que este

mantém com aquele pela apreensão sensível.

A Bíblia traz no livro do Genesis um relato muito parecido,

segundo o qual Deus organiza o cosmo através de um ato de linguagem,

dando sentido ao mundo. O poder do Criador é exercido pela linguagem, que

tem um poder ilocucionário de organizar o mundo. É o caso do seguinte trecho:

“Deus disse: “Faça-se a luz”. E a luz foi feita. E viu Deus que a luz

era boa: e separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz DIA, e às trevas

NOITE. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia.” (1.3,5).

Esta força ilocucionária, contida em todo ato performativo, é

objeto de análise da chamada Teoria dos Atos de Fala, uma linha de estudos

da Filosofia da Linguagem.

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27

A Teoria dos Atos de Fala surgiu com os estudos de John

Langshaw Austin entre o fim da década de cinquenta e o início da década de

sessenta. Posteriormente, estudiosos preocupados com a Pragmática da

Linguagem adotaram os pontos tratados por ela para explicar como a

linguagem pode ser utilizada a fim de obter certos resultados.

John L. Austin23, primeiro, John Searle24

, depois, entendiam ser a

linguagem uma forma de ação: o dizer seria também um fazer. A partir desta

idéia, desenvolveram estudos sobre diversos tipos de ações humanas

realizadas através da linguagem, através dos "atos de fala".

Para ser possível estudar a produção de atos normativos, através

da ação de enunciação da norma, visando a análise das fontes do direito

tributário, se revela imprescindível um estudo, ainda que breve, sobre estes

dois filósofos e sua Teoria dos Atos de Fala. A qual, como veremos, pode ser

perfeitamente aplicada ao direito, ao menos segundo a concepção do

constructivismo lógico-semântico.

23 How to do things with words, pág. 5. 24 Speech acts, págs. 22 e segs.

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2.1. John Austin

A Teoria dos Atos de Fala, explicada por John Austin a partir de

um grupo de aulas na Universidade de Harvard em 1955 e posteriormente

publicadas em 1962 no livro How to do things with words, busca ir além do

significado e da significação dos termos utilizados, trabalhando o significado do

ato em si, por vezes em dissonância com o conteúdo da própria fala, em

circunstâncias determinadas. São os chamados atos performativos. O que

pode ser depreendido do título do livro de Austin.

A teoria se baseia na idéia de que o dizer pode ser analisado

separadamente do que foi dito pelo interlocutor, o falante. O dizer, para Austin,

seria transmitir informações, mas, além disso, uma forma de agir sobre o

interlocutor e sobre o mundo circundante.

Austin25

25 Idem, págs 5 e segs.

critica a posição de linguistas e filósofos de que as

afirmações só serviriam para descrever coisas ou fatos e sujeitas à valoração

de verdade e falsidade. Afirma que existem certas proposições que ao invés de

descrever realizam ações.

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29

Distingue os atos performativos dos constatativos. Os primeiros

seriam os atos de dizer algo configurando situações fáticas. Seriam assim

denominados, pois em inglês o termo “to perform” significa realizar. Realizam a

ação, dentro de um contexto e segundo a intenção do locutor. Por exemplo: o

sim dito durante uma cerimônia de casamento, como ato de se casar; o

condeno ao pagamento de 10 salários, como ato de sentenciar; ou o ordeno

que entregue a arma, como ato de ordenar de um policial exercendo sua

função. Este tipo de enunciado não afirma, descreve, relata ou constata

qualquer coisa. Não se submete aos valores de verdade ou falsidade.

Os atos constatativos, a seu turno, teriam por objetivo, como seu

próprio nome diz, a constatação, o relato ou a descrição de um acontecimento

ou situação de coisas. Os filósofos da linguagem os chamam de afirmações,

descrições ou relatos. Por exemplo: eu nado diariamente, a Terra é redonda ou

o céu está azul hoje. Estes sim se submetem aos valores de verdade ou

falsidade.

Assim, dizer, falar, escrever, enfim: enunciar, só é possível

através de um ato de fala. O enunciado performativo realiza mais que o ato de

fala em si, a ação denotada pelo verbo contido neles, ou a conotação conforme

o contexto. Este é o foco do trabalho de Austin.

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30

Porém, este ato performativo exige mais que o simples ato em si

para que seja eficaz, ou nas palavras de Austin26

, “feliz”. Para atender seu

objetivo, o ato de fala precisa atender a alguns pressupostos:

a) Deve existir um procedimento convencionalmente aceito com o

correspondente efeito convencionalmente atribuído. Esse procedimento deve

incluir o dizer de certos termos por determinadas pessoas em certas

circunstâncias.

b) As pessoas e as circunstâncias, em particular, para

determinado caso, devem ser aquelas apropriadas para a invocação do

procedimento adotado.

c) O procedimento deve ser executado por todas as pessoas

envolvidas, correta e

d) completamente.

26 Ibidem, págs. 14 e 15.

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e) Quando, usualmente, o procedimento deve ser adotado por

quem tiver certos pensamentos ou sentimentos, ou para a inauguração de

certa conduta consequente da parte de qualquer participante, então a pessoa

participante e envolvida no procedimento deve de fato ter aqueles

pensamentos ou sentimentos e os participantes devem ter o real intuito de

assim proceder.

f) Esses atos dentro do procedimento devem ser adotados pelos

participantes de forma subsequente uns aos outros.

Com base nesta ideia, passa Austin27

a trabalhar um critério

gramatical para enunciados performativos, a começar pelo verbo. Busca

demonstrar que este verbo seria apresentado na primeira pessoa do indicativo

na forma afirmativa e na voz ativa. Porém encontra sérios problemas, a

começar porque nem todo enunciado performativo se apresenta assim.

Se numa placa está escrito “proibido fumar”, se um professor diz a

um aluno “você está autorizado a sair” ou se um comunicado interno de uma

empresa avisa que “todos os funcionários estão convidados para a festa de

final de ano”, então os atos de proibição, autorização e convite que não utilizam

27 Ibidem, págs. 32 e segs.

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a primeira pessoa do indicativo na forma afirmativa e na voz ativa: proíbo,

autorizo ou convido.

Da mesma maneira, Austin percebeu que nem todo enunciado,

utilizado na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, na forma

afirmativa e na voz ativa, pode ser tido como performativo. São exemplos desta

situação: “eu nado”, “eu jogo polo aquático” ou “eu estudo direito”. Os atos de

nadar, jogar polo aquático e estudar direito não se realizam ao se enunciar tais

sentenças.

Outro problema encontrado é o fato de poderem existir

enunciados performativos sem que nenhuma de suas palavras esteja

relacionada ao ato que executam. São exemplos os enunciados: “cuidado, área

de passagem de animais”, “voltarei amanhã” e “saia”. Os quais equivalem,

respectivamente, a: “eu te advirto: cuidado, esta é uma área de passagem de

animais”,“eu prometo: voltarei amanhã” e “eu ordeno que você saia”.

Existe, no entanto, uma diferença entre estes enunciados no que

se refere à quão precisos são os atos performativos neles contidos. Diante

disto, Austin propõe a distinção: performativo explícito e implícito ou primário.

No primeiro caso, a performatividade seria explicitada no próprio enunciado,

como em “eu ordeno que você saia”. No segundo caso, a performatividade não

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seria expressa de forma explícita, mas ao invés disso seria vaga ou implícita,

como em “saia”. Esta pode ser uma ordem, um pedido ou um conselho. Será

uma forma reduzida daquele explícito e dependerá do contexto em que se

insere para que seu conteúdo atinja a plenitude de significação.

Neste ponto, Austin28

constata que o enunciado performativo

primário (ou implícito) não é aplicável apenas aos atos performativos, mas

também aos constatativos. Conclui que a distinção entre estes dois tipos de

enunciados (constatativo e performativo) não resistiria a uma análise mais

profunda. Isto porque seria possível transformar qualquer enunciado

constatativo em performativo. Para tanto bastaria inserir a sua frente formas

verbais que representassem ações, por exemplo: declarar, afirmar, dizer, entre

outros. Como seria o caso em enunciados como estes: “(eu afirmo que) vai

chover”, “(eu afirmo que) o céu é azul”, “(eu declaro que) nado todos os dias”

ou “(eu digo que) aceito mais purê”.

Tendo todos os enunciados por performativos, uma vez que no

momento de sua enunciação realizam algum tipo de ação, Austin29

identifica

três atos que se realizam simultaneamente em cada enunciado: o locucionário,

o ilocucionário e o perlocucionário.

28 Ibidem, págs 83 e segs.. 29 Ibidem, págs. 101 e segs.

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34

O ato locucionário é realizado pela enunciação da frase “eu

prometo que retornarei mais tarde”; Enuncia-se cada elemento linguístico que

compõe a frase. Ao mesmo tempo, o ato ilocucionário se realiza na linguagem,

ou seja: a enunciação em si do enunciado, configurando o ato em si da

promessa. Aquele que para obter o resultado pretendido deve passar pelos

seis requisitos de Austin. O ato perlocucionário, ao seu turno, não se realiza na

linguagem, mas pela linguagem, configurada no resultado desta por ameaça,

agrado ou desagrado.

Assim, a construção de Austin revoluciona os estudos linguísticos,

constituindo verdadeiro divisor de águas. Inaugura uma nova concepção da

linguagem: performativa e pragmática de seu uso. Rompe com os estudos

linguísticos caracterizados por uma concepção meramente descritiva da

linguagem, baseada na visão de que os enunciados seriam sempre

constatativos.

2.2. John Searle

John Searle30

30 Speech acts, págs. 31 e segs.

também trabalha estas noções sobre os atos de

fala e busca sistematizá-las. Para tanto, distingue cinco grandes categorias de

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35

atos de linguagem: representativos, diretivos, comissivos, expressivos e

declarativos.

Os atos representativos demonstram a crença do locutor. Este se

propõe a se referir à verdade em sua proposição. Neste sentido: afirma,

assevera ou diz algo.

Os atos diretivos têm como objetivo fazer com que o destinatário

faça algo. Assim, ordena, pede ou manda o destinatário fazer ou deixar de

fazer uma determinada conduta.

Os atos comissivos estabelecem uma relação de

comprometimento entre o locutor e uma ação futura. O locutor promete ou

garante fazer algo ao destinatário da mensagem.

Os atos expressivos expressam os sentimentos do sujeito do

enunciado. Expressam seus sentimentos de agradecimento, desculpas, amor,

ódio, boas vindas etc.

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36

Os atos declarativos tem por objeto a produção de atos numa

situação externa ao discurso. Assim, reconhecem uma relação como

casamento, batizado, paternidade etc.

Searle31

afirma que o ato de comunicação se realiza através de

um ato proposicional e um ato ilocucionário. O ato proposicional corresponderia

a conteúdo comunicado, enquanto o ato ilocucionário seria aquele que se

realiza pela enunciação em si da linguagem.

Porém, é relevante ressaltar que não há correspondência direta

entre conteúdo proposicional e força ilocucionária. Isto porque um mesmo

conteúdo proposicional pode ter diferentes significados. Assim, o enunciado:

“Pedro, trabalhe duro” pode, por exemplo, significar uma ordem, um pedido ou

um conselho.

Essa discrepância entre a estrutura sintática dos enunciados e o

seu significado permite estabelecer outra distinção, esta no interior dos atos de

fala: diretos e indiretos. O ato de fala direto seria realizado por meio de formas

linguísticas especializadas, típicas daquele tipo de ato. O ato de fala

indireto seria realizado indiretamente, por meio de formas linguísticas típicas de

outro tipo de ato.

31 Idem, pág. 25; e: Consciência e linguagem, pág. 233

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37

Como exemplo do primeiro podem ser citados: a entonação típica

das perguntas, as formas imperativas usadas para dar ordens ou fazer

pedidos, expressões típicas como “por favor”, “por gentileza”, entre outras.

Assim como nos seguintes enunciados: “que dia é hoje?” como um ato de

perguntar, “entre!” como um ato de ordenar e “por favor, me passe o saleiro”

como um ato de pedir.

No caso dos atos de fala indiretos, busca o locutor dizer algo sob

a aparência de outro ato. Nesse sentido: “tem um cigarro?”, que significa um

pedido sob a aparência de uma pergunta ou “como está abafada esta sala!”,

cujo significado é um pedido, mas a aparência é de uma constatação,

buscando que o destinatário tome alguma providência para solucionar o calor,

como ligar o ar condicionado ou abrir as janelas.

Seria possível afirmar que o valor de pergunta e constatação é

"literal", e o valor de pedido, "derivado". Do que Searle32

conclui que no caso

dos atos de fala indiretos, quanto menor for sua convenção, mais se apoiará no

contexto para esclarecer seu significado, seu valor ilocucionário.

32 Consciência e linguagem, pág. 278.

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38

O contexto, aliás, entrou pela Teoria dos Atos de Fala no foco dos

estudos linguísticos fornecendo importantes índices para a compreensão dos

enunciados. Percebe-se, portanto, que os atos de fala são fontes inesgotáveis

dos trabalhos linguísticos, seja na área da Pragmática, seja área da Semântica,

como na Linguística em geral.

2.3. A relação entre os atos de fala e o direito

Pelo exposto até aqui, se tem como premente relacionar a Teoria

dos Atos de Fala com o direito, seja o ordenamento ou a Dogmática Jurídica.

Tal relação, seguindo os ensinamentos de Austin, Searle e Vilanova, pode ser

claramente estabelecida pelas convenções necessárias aos atos performativos.

Estas convenções podem ser encaradas como as normas que

estabelecem a produção normativa, as chamadas normas de estrutura,

naquele sentido estabelecido por Kelsen33

, como as que estabelecem o

procedimento de produção, incluindo tanto o órgão criador da norma como seu

fundamento de validade, numa perspectiva hierárquica.

33 Ob. Cit., pág. 260.

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39

Assim, relacionando os elementos de felicidade do ato de fala,

segundo Austin34

, com a estrutura do direito positivo, se tem:

a) Se para um ato performativo há de se ter um procedimento

convencionalmente aceito com o correspondente efeito convencionalmente

atribuído, que inclui o dizer de certos termos por determinadas pessoas em

certas circunstâncias, então o ordenamento estabelece as situações jurídicas e

os procedimentos a serem seguidos para que as normas possam ser criadas.

b) Se as pessoas e as circunstâncias estabelecidas para que em

determinado caso sejam elas as capazes de invocar o procedimento a ser

adotado, então as normas jurídicas estabelecem quem é o órgão e o

procedimento adequados a tanto, em seu sistema.

c) Se o procedimento deve ser executado por todas as pessoas

envolvidas, correta e completamente, então o direito assim o estabelece, como

forma de exteriorizar a vontade dos envolvidos, bem como seguir os

procedimentos de criação normativa no ordenamento.

34 Ob. Cit., págs. 14 e 15.

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d) Se quando, usualmente, o procedimento deve ser adotado por

quem tiver certos pensamentos ou sentimentos, ou para a inauguração de

certa conduta consequente na parte de qualquer participante, então a pessoa

participante e envolvida no procedimento deve de fato ter aqueles

pensamentos ou sentimentos e os participantes devem ter o real intuito de

assim proceder. O direito estabelece o procedimento para que os órgãos

emissores de normas o sigam, segundo um dever de moralidade ou adequação

aos fundamentos de validade deste procedimento.

e) Se os atos dentro do procedimento devem ser adotados pelos

participantes de forma subsequente uns aos outros, assim também determina o

direito para que a norma só seja criada ao final de todos os atos integradores

do procedimento estabelecido para a criação normativa.

Tomando por base a identidade entre os requisitos de felicidade

dos atos performativos e aqueles de validade expostos por Kelsen35

, mesmo

que com outras palavras, podemos afirmar que os enunciados normativos

consubstanciam verdadeiros atos performativos.

35 Ob. Cit., págs. 235 e segs.

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O direito cria sua própria realidade pela linguagem, sendo esta

passível de análise pelos atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários

do órgão competente para a produção dos enunciados normativos.

O ato locucionário, realizado pela enunciação do enunciado

normativo em si, o texto legal em sentido amplo. Ao mesmo tempo, o ato

ilocucionário que se realiza na linguagem pela enunciação em si do enunciado,

ou seja: o ato de prescrever condutas. O primeiro trata da enunciação do

enunciado, focando o enunciado, enquanto o segundo foca o ato enunciativo

em si. Concomitantemente, o ato perlocucionário não se realiza na linguagem,

mas pela linguagem, configurada no resultado desta por: permitir, proibir ou

obrigar.

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42

3. Norma Jurídica: conceito e análise

Norma jurídica é conceito chave para o ordenamento jurídico e

para a Ciência do Direito. É a partir dela que se poderá enxergar o sistema

jurídico. Justamente por sua importância deve ser analisada com certo grau de

profundidade neste trabalho sobre fontes do direito.

Saber qual a relação e se há semelhança ou identidade entre as

normas jurídicas e as fontes do direito é fundamental ao desenvolvimento da

reflexão sobre o tema aqui tratado. Será necessária determinação clara do que

venha a ser norma, para ser posteriormente tratada, dentro do sistema de

referência aqui adotado.

Nesta análise, será trabalhada a norma pelo prisma do direito

posto, afastando qualquer estudo pré-positivista, para a partir do positivismo

ser traçado um estudo dentro dos limites do que Kelsen denominou de Teoria

Pura do Direito.

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43

Afastando, portanto, visões sociais, psicológicas, jus naturalistas,

entre outras. As visões de norma das esferas do positivismo, do pragmatismo e

do constructivismo lógico semântico serão foco do presente capítulo.

3.1. A visão clássica do positivismo

O positivismo jurídico teve diversos expoentes. Muitos autores

seguiram as ideias do chamado Círculo de Viena. Porém, dois autores em

diferentes épocas tiveram um destaque especial na cultura jurídica brasileira.

São eles Hans Kelsen e Norberto Bobbio.

Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito trata a norma de

maneira nobre, dignifica o direito ao tratá-lo como ciência autônoma da

sociologia, da psicologia, da antropologia e de tantas outras, trabalhando com

conceitos estritamente jurídicos.

Neste sentido, o tema norma jurídica é central em seu trabalho.

No qual desenvolve a ideia de que as normas seriam aquelas ordens

coercitivas da conduta humana36

.

36Ob. Cit., pág. 36.

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44

Kelsen37

baseia esta noção de coercibilidade numa relação de

causalidade, não da causalidade natural, mas da implicação, pois a sanção ou

consequência são atributos conferidos aos atos jurídicos, os quais assim se

classificam em decorrência de sua eleição pelas normas jurídicas como tal.

Neste sentido, norma jurídica teria como sinônimo a sanção. Esta no sentido de

consequência jurídica.

Kelsen38

se preocupou com a estrutura da norma, antes mesmo

de existir uma Lógica Deôntica. Estabeleceu uma relação de causalidade, não

natural, mas induzida, através de uma formula: H→C; segundo a qual se H é, C

deve ser. Estrutura esta que foi aprimorada posteriormente pelos estudos

lógicos.

Aliás, seria muito difícil fugir desta estrutura implicacional, pois,

como é confirmado pela Lógica, por se tratar ainda de lógica proposicional: é

assim que se fundamenta formalmente o raciocínio humano. Mas este

fundamento, apresentado pela Teoria das Classes, só surgiu com o

desenvolvimento da Lógica Deôntica, que será mais bem tratada no

subcapítulo relativo ao pensamento do constructivismo lógico-semântico.

37 Idem, págs.4-10. 38 Ob. Cit., pág 4.

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45

É característico das normas, das jurídicas em especial, se

expressarem por meio do conectivo “dever-ser”, segundo os valores de

validade e invalidade. O que difere as normas jurídicas das demais, nas lições

de Kelsen39

, é justamente sua coercibilidade: a possibilidade do Estado

sancionar quem as desrespeita.

Norberto Bobbio trabalha a norma jurídica em obra de tema

exclusivo, denominada Teoria da Norma Jurídica. Na qual analisa as

características interna e externa da norma jurídica.

Bobbio40

entende por norma as ordens de conduta, proposições

prescritivas. Separa o texto literal da norma, a partir de seus estudos de lógica.

Mas as normas jurídicas seriam diferentes em alguma medida.

Esta diferença, segundo Bobbio41, surgiria de um fator externo ao

critério formal da norma, a sanção. Para Bobbio42

, não há identidade entre o

dever ser e o ser, ou seja: não é por estar prescrita uma determinada conduta

que ela será seguida.

39 Idem, págs. 35 e segs. 40 Teoria da norma jurídica, págs. 69 e segs. 41 Idem., pág. 145. 42 Ibidem, págs. 152 e segs.

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Tal fator externo dependeria da autoridade determinar o

cumprimento da norma e aplicar a sanção jurídica pelo seu descumprimento.

Bobbio43

visualiza que tão importante quanto a forma e o conteúdo normativo

seria o ato de aplicação da norma, fazendo-se cumprir e trazendo uma maior

eficácia.

Conclui-se que a norma jurídica, numa visão positivista, tem uma

estrutura formal decorrente da causalidade jurídica, um conteúdo depreendido

do texto, mas não encerrado por ele, e uma força decorrente de sua

institucionalização, o que confere autoridade aos órgãos produtores e

aplicadores dessa norma.

3.2. A visão pragmática

Uma análise da visão pragmática da norma no direito posto tem

no Brasil seu grande expoente em Tércio Sampaio Ferraz Jr., com estudos de

semiótica aplicados em sua teoria do direito, exposta na obra Introdução ao

Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação.

43 Ibidem, págs. 159-162.

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47

Tércio Sampaio Ferraz Jr.44

define norma jurídica como

expectativa contrafática expressa através de proposições de dever-ser,

estabelecendo relações complementares institucionalizadas em alto grau entre

comunicadores sociais. Relações estas cujo conteúdo tem um sentido

generalizável conforme o grau de abstração.

Dessa definição tiram-se alguns elementos básicos à análise da

norma jurídica: a hipótese da norma, relacionada na expressão “expectativa

contrafática”; a prescrição normativa em si, na expressão “proposições de

dever-ser”; organizadas estruturalmente, pela expressão “relações

complementares”; promulgadas pelo ou fundamentadas no Estado, exposta em

“institucionalizadas em alto grau”, sendo esta a característica da juridicidade da

norma; e com um espectro amplo de pessoas a serem atingidas sem, contudo,

individualizá-las, segundo a expressão “generalizável conforme o grau de

abstração”.

O conteúdo normativo será constituído por situações hipotéticas,

as condições de implementação, e implicativas das respectivas consequências:

prescrições de ações ou relações jurídicas.

44 Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação, pág. 87.

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48

Mas a visão pragmática repousa na preocupação de Tércio

Sampaio Ferraz Jr.45

com relação ao cometimento normativo, ou seja: a

relação institucionalizada entre autoridade e o sujeito ao qual a norma se

destina. Para o autor, esta relação tanto se expressa pelos conectivos do dever

ser (proibido, obrigatório ou permitido), expostos nas suas mais variadas

versões, como também por modos não verbais: um olhar ou um gesto. Mesmo

admitindo a prevalência das formas verbais no direito atual.

Esta preocupação é o que se destaca na visão pragmática do

direito, a qual não afasta as outras dimensões da linguagem (gramática ou

sintática e semântica), tampouco distancia o direito da linguagem, mas

enaltece os resultados da comunicação e as diversas formas de atingi-lo.

3. 3. O constructivismo lógico-semântico e sua visão de norma

O constructivismo lógico-semântico compõe uma faceta do giro

linguístico, movimento doutrinário que enfatiza a linguagem no centro de sua

análise. O discurso, por este prisma, tem um papel de destaque; será analisado

mais adiante em capítulo próprio.

45 Idem, pág. 88.

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49

Neste sentido o constructivismo lógico-semântico proposto por

Lourival Vilanova sofre influência do positivismo, trabalhado a partir do texto

positivado, com profunda reflexão das figuras da Lógica Deôntica, e se soma

ao culturalismo, através da aplicação dos valores ao conteúdo semântico das

proposições.

O direito positivo, tomado como sistema de linguagem,

consubstancia uma estrutura formal proposicional, onde o antecedente e o

consequente se relacionam através de um modal deôntico, dentro dos

parâmetros do que se convencionou chamar de Lógica Deôntica. Esta é a

ciência cujo objeto de estudo é a proposição prescritiva jurídica, formalizada

através de um processo de generalização.

No decorrer de seu estudo, Lourival Vilanova46 conseguiu

depreender uma fórmula básica da norma jurídica, a partir de seu núcleo, o

dever ser, podendo ser transcrita em linguagem formalizada na seguinte

estrutura D [F→C(S’,S”)]. Esta fórmula é explicada pelo próprio Vilanova47

: “se

se dá um fato F qualquer, então o sujeito S’ deve fazer ou deve omitir ou pode

fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito S” – assim deve ser”.

46 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, pág. 95. 47 Idem.

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50

Tal visão estrutural da norma enfatiza uma grande diferença em

relação à norma em Kelsen48

.

, na qual o dever ser é aplicado ao consequente

“quando A é, B deve ser”. Em Vilanova, o conectivo é distribuído entre os todos

os elementos da proposição, estando em evidência no início da fórmula.

A norma jurídica, tomada como proposição prescritiva, pode ser

vista como a significação obtida da leitura dos textos do direito positivo, através

de um processo de percepção do mundo exterior. Estes enunciados normativos

podem ser expressos e implícitos, porém, a norma jurídica estará sempre

implícita nos textos positivados. Existindo a partir de uma construção de

sentido, extraída dos textos legais.

Este sentido, contudo, apresenta uma particularidade, qual seja: a

prescrição de condutas humanas. Sobre este sentido Vilanova49

escreveu não

ser a proposição jurídica descritora de fatos biológicos ou psicológicos da razão

da liberdade de ir-e-vir no espaço físico e social. Muito menos estabelece

qualquer relação entre esse movimento e os efeitos de causas físicas,

biológicas, psicológicas e sociológicas. A proposição jurídica estabelecerá,

diversamente, que existe uma relação entre o direito de ir-e-vir e o correlato

dever de não o impedir.

48 Ob. Cit., pág. 87. 49 Ob. Cit., pág. 69.

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51

Estudando esta linguagem prescritiva, os lógicos, e antes deles

Hans Kelsen, perceberam que não poderiam se utilizar dos valores da Lógica

Clássica de verdade/falsidade nas proposições jurídicas, pois não se aplicam.

A estas devem ser aplicados valores de validade/invalidade, típicos da Lógica

Deôntica, criada justamente para explicá-las.

Vilanova50

evidencia o trabalho dos lógicos deônticos na

proposição jurídica ao escrever sobre o conectivo deôntico (dever ser) em

diferentes valências. Para ele, os functores “é obrigatório” (O), “é permitido”

(P)” e “é proibido (V)”, não pertencem à linguagem descritiva ou apofântica,

estudada pela Lógica Clássica, Alética ou Apofântica, mas à linguagem

prescritiva ou deôntica, estudada pela Lógica Deôntica. Se caracterizam por

serem relacionais, isto é: o sujeito S’ fica obrigado a fazer ou omitir conduta C

perante outro sujeito S”, assim como a proibição a permissão são relacionais.

Aplica-se, portanto, uma lógica diferente para o direito, em

oposição à lógica aplicada até então a qualquer proposição: a Lógica

Apofântica. Surge a partir da conclusão dos lógicos de que o modal deôntico é

irredutível ao apofântico, por qualquer que seja a operação lógica. Isto decorre

da sua natureza relacional, enquanto o modal alético é intrínseco ou extrínseco

à proposição, mas nunca relacional.

50 Idem, pág. 71.

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52

Neste sentido, ensina Ricardo Guibourg51

: “Sin embargo, el

comportamiento de los operadores deónticos no es idéntico al de los

correspondientes aléticos. Los operadores “M” y “N” nos servían para calificar

proposiciones que describían estados de cosas. Vale la pena preguntarse qué

califican los operadores deónticos: cuáles son las “cosas” de las que decimos

que son obligatorias, permitidas o prohibidas. Hay una respuesta plausible: son

las conductas. De ellas predicamos la obrigatoriedad, la permisión o la

prohibición.”

Novamente se recorre às lições de Vilanova52

, para explicar que

o modal alético pode estar no interior da proposição, ou fora dela, num infixo ou

prefixo. Tal proposição é passível de ser expressa na fórmula clássica: “S é

necessariamente P”, “S é realmente P”, “S é possivelmente P”, “é necessário

que S é P”, “é contingente que S é P”, “é possível que S é P”. Todas essas

possibilidades de proposição apofântica se verifica estarem completas, sem

qualquer necessidade de modal. Sua estrutura sintática completa é a fórmula

“S é P”.

Esta análise lógica dos modais tem efeitos evidentes no estudo do

direito positivo. Estudar as relações jurídicas, em última análise, é estudar

como atuam os modais deônticos nas proposições prescritivas. Para tanto se

51 Lógica, proposición y norma, pág. 120. 52 Ibidem, pág. 72 e 73.

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53

busca, mais uma vez, o pensamento de Vilanova53

, que ao tratar da relação

jurídica, seja em sentido amplo seja estrito, analisa o efeito de uma hipótese

fáctica sobre o que ele chama de um “dado-de-fato”. Assim ocorre a incidência

da hipótese, configurando o fato jurídico a partir da relação estabelecida entre

fato jurídico e sua eficácia, produzindo um plexo de efeitos. É a relação de

causalidade jurídica: constituída por norma jurídica. Somente a norma pode

constituir ou desconstituir esta relação.

Relação jurídica essa que, como salientado acima, pode produzir

um plexo de efeitos, dentre os quais os efeitos tributários surgidos a partir das

normas jurídicas tributárias. Neste campo, Paulo de Barros Carvalho é o

expoente do constructivismo lógico-semântico.

Se a hipótese, funcionando como “descritor”, anuncia os critérios

conceituais para o reconhecimento de um fato, o consequente, como

“prescritor”, nos dá, também, critérios para a identificação do vínculo jurídico

que nasce, possibilitando-nos saber quem é o sujeito portador do direito

subjetivo; a quem foi cometido o dever jurídico de cumprir certa prestação; seu

objeto: o comportamento que a ordem jurídica espera do sujeito passivo; e que

satisfaz, a um só tempo, o dever que lhe fora atribuído e o direito subjetivo de

que era titular o sujeito pretensor.

53 Causalidade e Relação no Direito, pág. 286.

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54

Em seus trabalhos científicos, Paulo de Barros Carvalho,

seguindo os ensinamentos de Lourival Vilanova e amplamente influenciado por

Edmund Husserl, desenvolve tanto o estudo da Lógica Deôntica como da

Teoria dos Valores no campo de estudo do Direito Tributário, buscando sempre

a aplicação prática de seus conceitos.

Tomando por base os ensinamentos de Kelsen e de Vilanova

sobre a norma e sobre a causalidade, Paulo de Barros Carvalho54

busca, num

estudo eidético, a essência da norma tributária. Chega ao que se denomina de

Regra Matriz de Incidência Tributária, que como as demais normas é composta

de uma hipótese e um consequente. A hipótese apresenta três critérios:

material (constituído pelo núcleo verbal do evento), espacial (local de

incidência) e temporal (momento de incidência), enquanto o consequente é

composto por critérios pessoal (sujeito ativo, detentor do direito subjetivo e

sujeito passivo, quem tem o dever jurídico de recolher o tributo) e quantitativo

(base de cálculo e alíquota).

A versatilidade desse instrumento jurídico se apresenta em três

funções distintas: a) medir as proporções reais do fato, b) compor a específica

determinação da dívida, e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério

material da descrição contida no antecedente da norma.

54 Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, pág. 80.

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55

Quanto às relações jurídicas tributárias, são de dois tipos: as de

natureza patrimonial (tributárias estrito senso) e os vínculos que fazem irromper

meros deveres administrativos. As primeiras, previstas pela Regra Matriz de

Incidência. As outras ao seu redor. São estas que tornam possível

operacionalizar aquelas: são os deveres instrumentais. A norma que institui a

obrigação tributária em sentido estrito é chamada de regra matriz de incidência

tributária.

No direito tributário brasileiro, a Regra Matriz de Incidência (a

norma tributária) é matéria submetida ao regime de reserva legal, seguindo o

princípio da estrita legalidade tributária.

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56

4. Direito x fontes do direito

Pelo exposto até aqui, é possível afirmar que o direito, no sentido

de direito positivo, é o conjunto de normas jurídicas válidas num determinado

país, expresso por linguagem. Esta é, forma, cria e propaga a realidade

jurídica, através dos enunciados jurídicos. Impossível falar, portanto, em direito

sem a linguagem.

Não é qualquer linguagem que compõe o direito positivo. Mas

apenas aquela constituída pelas proposições prescritivas, perpetuadas pelos

enunciados correlatos, de acordo com as lições da Lógica Deôntica.

O problema das normas serem válidas ainda é obstáculo a ser

transposto para que as proposições prescritivas componham o direito positivo.

Importante então entender o conceito de validade.

Será aqui adotado o entendimento de Paulo de Barros

Carvalho55

55 Curso de Direito Tributário, pág. 114.

, segundo o qual: uma norma será válida, num determinado sistema,

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57

se pertencer a ele. É, portanto, uma relação de pertinencialidade entre a norma

jurídica e o sistema jurídico.

Neste sentido, o sistema jurídico indica quais os requisitos para a

produção normativa, seguindo as lições de Kelsen56

; uma norma não vale em

razão de seu conteúdo, mas porque é produzida na forma determinada, de

acordo com cada sistema.

Classicamente esta linguagem é tratada pelos autores como

“direito” e como “fonte do direito”. É o caso, por exemplo, de Celso Ribeiro

Bastos, que definiu fontes, tratando de fontes formais, como conjunto de

normas que compõe o direito.

Tal posição, como será demonstrada adiante, configura um

equívoco, ao menos sob o prisma do giro linguístico. Isto porque ou bem a

linguagem é o direito ou é sua fonte. Mas para trabalharmos esta diferença

precisamos entender o significado do termo “fonte do direito”.

Assim como tantos outros termos, “fonte do direito” sofre da

pluralidade de significados, até porque se pode falar em fonte do direito positivo

56 Ob. Cit., pág. 221.

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58

e fonte da ciência do direito. E nesta perspectiva, cada ciência poderá ter suas

fontes.

Concorda com esta afirmação Tárek Moysés Mousallem57

, que

explica a multiplicidade de sentidos como tendo início na linguagem vulgar

empregada pela Ciência do Direito para designar origem, proveniência ou foco

criador do direito. Não se pode esquecer: o sentido metafórico da palavra

“fonte” ainda ajuda a aumentar sua pluralidade significativa.

A Ciência do Direito é também formada por um corpo de

linguagem, a qual são atribuídas fontes, ou é tida como tal em relação ao

direito positivo, dependo da linha de pesquisa, como será demonstrado

adiante.

4.1. Os conceitos clássicos de fonte do direito

No Brasil o tema das fontes do direito tem sido, em geral, mal

tratado pelos autores de cursos e manuais, que em sua grande maioria

acabam por trabalhar da mesma forma o direito posto e as fontes do direito.

57 Fontes do Direito Tributário, pág. 118.

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59

Assim também pensa Moussallem58

, para quem sob o pretexto de

se realizar Dogmática Jurídica, o problema das fontes tem sido resolvido

recorrendo-se à lei, ao costume, à doutrina e à jurisprudência.

O problema parece ser mais um com base nos chamados

“fundamentos óbvios”, os quais, segundo os ensinamentos de Alfredo Augusto

Becker59

, seriam a principal vicissitude do Direito Tributário, tomado como

Ciência, pois tornam o estudo do direito míope e criam obstáculos praticamente

intransponíveis.

4.1.1. Fontes de produção

Também denominadas de fontes materiais ou substanciais. As

fontes do direito tomadas como fonte de produção seriam aqueles focos dos

quais emerge a legislação. A autoridade competente para emitir a norma.

Assim trabalham Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique

Pierangeli60

58 Idem.

ao tratarem das fontes de produção do direito penal no Brasil.

59 Teoria Geral do Direito Tributário, pág. 11. 60 Manual de Direito Penal Brasileiro, vol. 1, págs. 113 e 114.

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60

Atribuem à União esta característica (ser fonte), com fundamento no artigo 22, I

da Constituição Federal. No mesmo sentido trabalha E. Magalhães Noronha61

.

Buscar a fonte de produção do direito é buscar o agente

competente para legislar (em sentido amplo) em dado campo do direito, no

caso sobre direito tributário. Em outras palavras é estudar a competência

tributária.

No dizer de Roque Antonio Carrazza62

, competência tributária é a

aptidão para criar tributos em abstrato. Mas salienta o autor: de acordo com o

artigo 150, I da Constituição Federal, deve ser exercida por lei.

4.1.2. Fontes de cognição

Fontes de cognição, também denominadas fontes do

conhecimento ou formais, são representadas pela própria legislação, no dizer

de Zaffaroni e Pierangeli63

. Utilizam este prisma de análise autores dos

diferentes ramos do Direito.

61 Direitro Penal, pags. 49-53 62 Curso de Direito Constitucional Tributário, pág. 505. 63 Ob. Cit., pág. 113 e 115.

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61

No caso do direito tributário, pode-se citar Regina Helena Costa64

,

para quem: “Fontes do direito são os modos pelos quais o direito se expressa.”

Sua abordagem representa bem o que seria a fonte de cognição, partindo da

legislação para se ter contato com o direito, proporcionando conhecimento

sobre ele.

A autora ainda ressalta que a importância de seu estudo se

revela nas categorias de fontes jurídicas e nas distintas limitações de cada uma

delas. Isto porque trabalha fontes como sinônimo de tipos legislativos.

No mesmo sentido trabalha Hely Lopes Meirelles65

ao discutir as

fontes do direito administrativo. Também as entende como fontes de cognição,

e as elenca: lei, doutrina, jurisprudência e costumes.

Maria Helena Diniz66, ao tratar das fontes do direito civil, trabalha

a classificação de Kelsen67

64 Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional, pág. 35

, separando o conceito de fundamento de validade

daquele de fonte. No primeiro haveria uma relação material entre a norma

hierarquicamente superior e a inferior, enquanto no segundo seria tratada a

forma de produção normativa. Mas a autora acaba por aderir à teoria egológica

de Cossio, preferindo se apoiar no conceito de fonte formal-material, segundo o

65 Curso de Direito Administrativo Brasileiro, pág. 46. 66 Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, pás 19-21. 67 Ob. Cit., pág. 221.

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62

qual toda fonte formal contém implicitamente uma valoração, só apreensível

através da ideia de fonte material.

Assim, os autores da linha clássica têm como fontes do direito

tributário: a Constituição Federal, as leis, os tratados e as convenções

internacionais, os decretos e as normas complementares. Essas

compreendidas como os atos normativos expedidos pelas autoridades

administrativas, as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição

administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa, as práticas reiteradamente

observadas pelas autoridades administrativas e os convênios que entre si

celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Passa-se a tecer alguns comentários sobre cada uma das fontes

do direito tributário. De início pelo tratamento clássico, para só então analisar o

ponto de vista do constructivismo lógico-semântico.

A primeira é a Constituição Federal, que no ordenamento

brasileiro inaugura o sistema tributário nacional, regulando-o dos artigos 145 a

162. Estabelece as competências para instituição e modificação dos tributos e

as delimita através de imunidades e princípios. É tida pela linha clássica como

a principal fonte do direito tributário brasileiro.

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63

Segundo Regina Helena Costa68

é peculiar o fato do direito

tributário pátrio estar tão largamente regrado na Constituição, quando

comparado ao de outros países, onde o regramento constitucional pouco ou

nada trata sobre ele, deixando o encargo à legislação infraconstitucional.

A Lei Complementar tem como papel fundamental exatamente

complementar o sentido da Constituição69. O faz através das normas gerais em

direito tributário, no que se refere a conflitos de competência e a regular as

limitações constitucionais ao poder de tributar, como assevera Paulo de Barros

Carvalho70

68 Idem, pág. 16.

. Esta posição dicotômica, adotada pelo autor, se afasta da chamada

linha comportada do direito tributário, que entende o papel da lei complementar

de maneira mais presa à literalidade do artigo 146, e seus três incisos.

Também chamada de teoria tricotômica.

69 “Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)” 70 Ob. Cit., págs 265-267.

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64

Contudo, entender o papel da lei complementar pela teoria

tricotômica acaba por ser um contracenso à competência estabelecida na

própria Constituição. Permite um campo de atuação tão grande à União que

pouco sobraria aos entes competentes.

Já na posição dicotômica, a União poderia também tratar

amplamente dos tributos por lei complementar, mas com limitação, qual seja:

apenas na hipótese da norma geral dispor sobre conflitos de competência ou

regular as limitações ao poder de tributar.

A Lei Ordinária no direito tributário tem como papel principal o

tributo em si: sua criação e sua modificação, em especial sua majoração. É o

que disciplina o princípio da estrita legalidade tributária exposto no inciso I do

artigo 150 da Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias

asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o

estabeleça;”

Os tratados e as convenções internacionais têm a força e a

hierarquia das leis internas, sendo absorvidos pela legislação pátria na

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65

conformidade da Constituição Federal e do que estabelece o artigo 98 do

Código Tributário Nacional71

.

Os decretos, atos legislativos do chefe do executivo, são restritos

pelo conteúdo estabelecido pelas leis em função das quais são expedidos,

conforme o artigo 99 do mesmo diploma legal72

.

As chamadas “normas complementares” são tipos legislativos em

sentido amplo, compreendidos os assim estabelecidos no artigo 100 do Código

Tributário Nacional73

, a saber: os atos normativos expedidos pelas autoridades

administrativas, as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição

administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa, as práticas reiteradamente

observadas pelas autoridades administrativas e os convênios que entre si

celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

71 Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha. 72 Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei. 73 Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

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A Doutrina, enquanto Ciência do Direito, também tida por parte

dos autores clássicos como fonte do direito, teria sua função psicológica de

induzir por argumentos de razão e autoridade científica o convencimento do

juiz. Contudo, do ponto de vista estrutural do direito, compõe um corpo de

linguagem totalmente diferenciado.

A Ciência do Direito é verdadeiro ramo da ciência e do

conhecimento; tem como escopo descrever seu objeto de análise, o direito,

através de uma metalinguagem descritiva, formulada segundo os valores da

Lógica Alética ou Clássica: verdadeiro e falso. Afinal, conhecer é descrever, ou

melhor, depreender características próprias do objeto em estudo.

Jurisprudência, outro termo dotado de ambiguidade, pode ser

entendida como Ciência do Direito, no conceito de Maria Helena Diniz74

, como

um julgado, ou mesmo como um conjunto de julgados que acata uma

determinada posição. O primeiro significado já foi tratado acima, e os outros

dois, pode-se afirmar que a doutrina os vê como fonte formal.

Assim, também a jurisprudência é vista por alguns doutrinadores

como fonte, devido a sua influência psicológica nos julgadores e demais

aplicadores do direito. Contudo, não vincula sistemicamente aqueles não

74 Compêndio de introdução ao estudo do direito, pág. 219.

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envolvidos no processo julgado. Sua linguagem só se direciona aos

demandantes. Não se poderia falar dela como fonte do direito do ponto de vista

de sua produção.

Recentemente esta posição teve de ser revista em decorrência da

Emenda Constitucional nº 45, quando se passou a ser exigida a repercussão

geral pelo parágrafo 3º do artigo 102 da Constituição, como requisito de

conhecimento do recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal75

.

Mas é preciso esclarecer: a repercussão geral é um requisito à

análise do recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal. Uma decisão

tomada neste contexto, tem o condão de vincular as decisões de tribunais

inferiores, conforme determinado artigos 543-B e 543-C do Código de Processo

Civil, inseridos pela Lei nº 11.418/200676

75 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)

. O intuito claro é diminuir o número de

processos a serem analisados pelo Tribunal Supremo.

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)” 76“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

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Assim, não se pode negar que uma decisão tomada em recurso

extraordinário, que tenha cumprido tal requisito, reconhecendo a repercussão

geral, insira norma no sistema, pois vincula a atuação dos tribunais inferiores.

§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). § 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). § 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). § 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). § 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006). Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). § 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).”

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Neste sentido, configura fonte do direito, se esta for encarada como fonte de

cognição pelo entender da linha clássica.

Dentro do tema jurisprudência, há de se analisar, ainda, se as

súmulas seriam consideradas fonte do direito. A súmula é um enunciado

emitido por um tribunal a fim de aplicar entendimento pacificado por ele ao

longo do tempo. Neste sentido, ensina Eduardo Marcial Ferreira Jardim77. É

disciplinada pelo artigo 479 do Código de Processo Civil78

. A súmula não teria

a princípio força vinculante das decisões, ficando adstrita a um direcionamento

interno do tribunal que a emitiu. Não seria fonte do direito. Isto antes de ocorrer

modificação na legislação, que alterou este quadro.

A súmula vinculante foi criada pela Emenda Constitucional nº 45,

que inseriu o artigo 103-A na Carta Constitucional79

77 Dicionário jurídico tributário, pág. 190.

e regulamentada pela Lei

78“Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência. Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.” 79“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006). § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.

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nº 11.417/2006. Seu objetivo é vincular as decisões das cortes inferiores ao

tribunal que as edita. Neste caso, sob a ótica da doutrina clássica, a súmula

vinculante poderá ser fonte cognoscitiva do direito.

4.1.3. Fontes de conhecimento do saber jurídico

As fontes de conhecimento do saber jurídico seriam, como

asseveram Zaffaroni e Pierangeli80

, aquelas empregadas pelas ciências do

direito, em sentido amplo, para a elaboração de conceitos, dentre os quais

podem ser citados: a lei, dados históricos, jurisprudência, informação fática,

etc. O conceito envolve ideia muito ampla.

Estes dois autores, ao tratarem das fontes do direito penal,

ampliam as possibilidades para englobar qualquer situação que possa informar

o cientista das diversas áreas das ciências jurídicas, independentemente do

meio utilizado. Parecem buscar uma visão integral do objeto, na tentativa de

enxergar o objeto cultural direito como um todo.

80 Ob. Cit., pág. 113-115.

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4.1.4. Fontes de informação do saber jurídico

As fontes de informação do saber jurídico são aquelas das quais

se obtém informações sobre o estado passado ou presente do saber jurídico.

São fontes as ciências do direito irrestritamente tomadas no trabalho de

Zaffaroni e Pierangeli81

, sendo irrestritamente tomadas por absorverem mais do

que o direito posto, toda a produção científica sobre o direito.

Analisando a utilização de diversos enfoques sobre o termo

“ciência do direito”, Maria Helena Diniz82

enfatiza serem possíveis duas

abordagens, uma em sentido amplo, outra em sentido restrito. Enquanto

naquela poderia ser considerada qualquer ciência que tivesse o direito como

objeto, nesta há referência à Dogmática Jurídica, a qual atua sobre o direito

posto num determinado espaço e tempo (atual para o observador).

Neste sentido seria mais plausível a análise de fontes da Ciência

do Direito sob um olhar positivista, de modo que as fontes não fossem

sinônimos de objetos, mas caracterizadas pelas regras de sua produção.

81 Idem, pág. 113-115 82 Ob. Cit., págs. 218 e 219.

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Assim, pode-se afirmar que, do ponto de vista das fontes

cognoscitivas, todas as formas normativas seriam consideradas fontes do

direito.

4.2. O conceito de fonte trabalhado no constructivismo lógico-

semântico

O constructivismo lógico-semântico, através do trabalho de Tárek

Moysés Moussallem83

, critica as posições até aqui expostas por apresentarem

confusão de objetos, seja na posição positivista de Kelsen, com a dualidade

“fontes formais” e “fontes materiais”, seja no caso das fontes da ciência do

direito, trabalhadas como fonte do conhecimento e de informação.

Tal crítica repousa na confusão da dualidade processo/produto.

As posições clássicas apresentadas neste trabalho sofrem deste vício, que

acaba por confundir mais do que explicar o fenômeno de criação de normas

jurídicas.

O trabalho do autor buscou evidenciar a diferença entre o

processo de produção da norma jurídica e seu conteúdo, partindo de conceitos

83 Ob. Cit., pág. 136.

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típicos da filosofia da linguagem: enunciação, enunciado, enunciação-

enunciada e enunciado-enunciado.

A enunciação, para Moussallem84

, pode ser encontrada no plano

da facticidade social, compondo o ato da comunicação ou o processo

comunicacional entre dois ou mais sujeitos, com intuito de emitir um enunciado

jurídico. A enunciação como qualquer fato social pode se perder no tempo se

não for perpetuada através do que se chamará enunciação-enunciada.

O enunciado, como já tratado acima, neste trabalho, pode ser

encarado como o texto, o meio para que a comunicação possa ser expressa.O

enunciado pode ser tido como texto escrito, que possibilita a perpetuação da

comunicação, mas também como fala ou gesto que acaba por se perder no

tempo, inviabilizando sua posterior análise. Por isso há prevalência do

enunciado escrito no direito.

A enunciação-enunciada comporá o texto, deixando evidenciados

os dêidicos da enunciação, como lugar, tempo, sujeito emissor, sujeito

receptor, ideologia e, da mesma forma, vontade do emissor. Através das

marcas deixadas no texto se torna possível reaver importantes informações do

processo comunicacional normativo, possibilitando a análise de sua validade.

84 Idem, pág. 146.

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O enunciado-enunciado é o texto, aquele referente ao conteúdo a

comunicar, afastando as marcas de sua enunciação. Dele serão extraídos os

conteúdos normativos a serem seguidos.

O estudo dessas categorias linguísticas possibilitou afastar a

confusão do processo com o produto. Admitindo serem fontes do direito as

enunciações, mas apreensíveis apenas através das enunciações-enunciadas.

O tratamento das fontes do direito apresentado por Tárek Moysés

Moussallem85

também foi adotado por Paulo de Barros Carvalho, que afastou

as categorias positivistas clássicas de fonte material e formal e passou a utilizar

a análise do discurso por entender, acertadamente, ser esta mais adaptável ao

constructivismo lógico-semântico.

Assim, Paulo de Barros Carvalho86

85 Ibidem, pág. 135.

assumiu o entendimento de

fontes do direito como focos ejetores de normas jurídicas, constituídos pelos

órgãos habilitados pelo sistema à produção de normas e pela atividade

desenvolvida por eles para chegar a este fim. A existência do órgão não é,

86 Curso de Direito Tributário, págs. 79 e 80.

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portanto, suficiente para a análise das fontes, sendo necessária a verificação

de sua atividade segundo as normas estabelecidas no sistema jurídico.

Nesse processo produtivo, percebe Paulo de Barros Carvalho87

,

as normas se apresentam em duplas, sendo introduzidas umas por outras. As

normas introdutoras e as normas introduzidas compõe, em última análise o

direito positivo. As primeiras com o único condão de introduzir as outras no

sistema. Enquanto estas prescrevem condutas conforme depreendidas do

enunciado-enunciado.

A norma jurídica, nesta perspectiva, figura como linguagem

tipificada, uma proposição jurídica prescritiva, com alto grau de

institucionalização. Tal linguagem, como qualquer outra, é expressa através de

um ato de fala: um discurso. Este ato em si seria a fonte do direito, mas apenas

quando este ato de fala seguisse o procedimento jurídico de produção

normativa pela atuação da autoridade competente em dizer o direito.

Como afirma Paulo de Barros Carvalho88

87 Idem.

, os fatos absorvidos

pela ordem jurídica como necessários à enunciação, e não como enunciado,

formam o território das fontes do direito, permitindo que as fontes do direito

88 Idem, pág. 81.

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sejam trabalhadas como algo diferente do direito posto. Afastando a confusão

entre o processo e o produto, típico das teorias clássicas expostas acima.

Seguindo este raciocínio, se percebe que as normas de

competência e as normas do procedimento legislativo, previstas no sistema,

incidem em fatos, que se tornam jurídicos. O que Lourival Vilanova89

denomina

como fontes do direito são aqueles fatos jurídicos criadores de normas. Em

suas palavras: “fatos sobre os quais incidem hipóteses fácticas, dando em

resultado normas de certa hierarquia”.

Frise-se: estes fatos a que alude Vilanova90 são aqueles

analisados do prisma da enunciação normativa, o processo, não do enunciado,

o produto; como enfatiza Paulo de Barros Carvalho91

.

Esta característica de processo da enunciação diz respeito à

dinâmica do sistema. Refere-se ao ato de fala. Enquanto a validade do produto,

pelo enunciado, se refere à derivação, numa visão estática do sistema jurídico.

Operação onde se coloca em evidência a mensagem, o produto, quando a

incidência da norma cria o fato jurídico.

89 Causalidade e relação no direito, pág. 24. 90 Idem. 91 Ob. Cit., pág. 83.

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77

Desse modo, as normas que prescrevem quais condutas devem

ser tomadas pela autoridade para que a sua enunciação resulte no enunciado-

enunciado, assim como as marcas deixadas no enunciado de como foram

seguidas, compõe a norma introdutora. Enquanto a norma introduzida pode ser

extraída do enunciado-enunciado pelo intérprete no processo de interpretação,

produzindo a proposição prescritiva.

Nas palavras de Tárek Moysés Moussallem: “O fato produtor de

normas é o fato-enunciação, ou seja, a atividade exercida pelo agente

competente. Falamos em fato-enunciação porque a atividade de produção

normativa é sempre realizada por atos de fala”92

.

A verificação de validade de uma norma perante o sistema,

portanto, dependerá de uma análise de fundamentação dessa em outra norma

de superior hierarquia e do procedimento adotado na sua produção, passível

de se verificar através das marcas deixadas no texto instrumento introdutor

dela.

Esta é a lição de Tárek Moysés Moussallem: “A partir da

linguagem do veículo introdutor (enunciação-enunciada), reconstruímos a

linguagem do procedimento produtor de enunciados (enunciação), e realizamos

92 Fontes do Direito Tributário, pág. 150.

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o confronto entre esta e a linguagem da norma de produção normativa

(fundamento de validade do veículo introdutor) para aferirmos se a produção

normativa se deu ou não em conformidade com o prescrito no ordenamento”93

93 Idem, pág. 152.

.

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79

5. Análise do discurso normativo

Nos capítulos anteriores foi demonstrada a relação entre o direito

e a cultura, assim como a configuração do direito como objeto cultura,

modificável pelo homem no tempo e no espaço.

Também foi caracterizada sua forma de existir, sua construção e

sua propagação pela linguagem. Sendo esclarecido que este posicionamento

filosófico do giro linguístico encara assim seu objeto. Concluindo que como

linguagem o direito, por este enfoque, deve ser estudado.

Assim, como linguagem, o direito se mostrou um ato

comunicacional, permitindo a sua análise do ponto de vista do discurso, seja

por seu conteúdo, seja por sua elaboração, incluindo os limites de sua

abordagem. Limites expostos também em linguagem, deixando marcas no

enunciado daquele processo enunciativo.

Essa será a abordagem desse capítulo.

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80

5.1. Linguagem prescritiva x descritiva: direito posto x Ciência do

Direito

Nos capítulos anteriores já ficou estabelecida a diferença entre a

linguagem do direito positivo e a linguagem da Ciência do Direito. Contudo é

importante seu tratamento no contexto do discurso, de seu conteúdo , de sua

forma, a que se pretende e por quem é propagada e como isto é feito.

A linguagem do direito positivo é primordialmente prescritiva.

Mesmo quando o legislador utiliza formas descritivas ou expressivas de

linguagem, estas são voltadas à imperatividade do ordenamento.

A Ciência do Direito apresenta linguagem descritiva daquela típica

do direito positivo. Da mesma forma, quando o cientista se utiliza de formas

inquisitivas ou prescritivas, estas são voltadas à descritividade típica da Ciência

do Direito. Constitui verdadeira linguagem de sobrenível, podendo ser tratada

como metalinguagem em relação ao ordenamento.

Para Paulo de Barros Carvalho: “Linguagem descritiva,

informativa, declarativa, indicativa, denotativa ou referencial é o veículo

adequado para a transmissão de notícias, tendo por finalidade informar o

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receptor acerca de situações objetivas ou subjetivas que ocorrem no mundo

existencial. Apresenta-se como um feixe de proposições, afirmadas ou

negadas, que remetem o leitor ou o ouvinte aos referentes situacionais ou

textuais. É a linguagem própria à transmissão de conhecimentos (vulgares ou

científicos) e de informações das mais diferentes índoles, sendo muito utilizada

no intercurso da convivência social” 94

.

Justamente em função deste caráter informativo, referencial, é

que ressalta a possibilidade de verificação da assertiva frente à situação fática,

com valores de verdade/falsidade. Tão característico da ciência.

Já quanto à linguagem prescritiva, Paulo de Barros Carvalho

esclarece: “Linguagem prescritiva de condutas: presta-se à expedição de

ordens, de comando, de prescrições dirigidas ao comportamento das pessoas.

Seu campo é vasto, abrangendo condutas intersubjetivas e intra-subjetivas.

Todas as organizações normativas operam com essa linguagem para incidir no

proceder humano, canalizando as condutas no sentido de implantar seus

valores” 95

.

O legislador utiliza enunciados prescritivos na produção de leis,

numa linguagem técnica, através de um discurso natural com palavras e

94 Apostila de Lógica para o Curso de Mestrado em Direito da PUC-SP, pág. 17. 95 Idem, págs. 18 e 19

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expressões de caráter científico. Mas nãoficam afastadas atecnias, lacunas

aparentes e aparentes contradições, que deverão ser sanadas no trabalho do

aplicador do direito. O qual precisará necessariamente interpretar o direito.

Assim entende Hans Kelsen96

.

É natural, numa democracia, a coexistência da pluralidade de

formação dos representantes populares no poder legislativo: quanto maior a

diversidade dos representantes, mais autêntica é a representatividade dos

diversos setores da comunidade. Em decorrência disto, não há que se falar em

rigor científico na atividade legislativa.

A democracia exige um preço a pagar do sistema jurídico. As

impropriedades, os erros, as atecnias, as deficiências e as ambiguidades dos

textos legais. Resta ao estudioso do direito sanar tais deficiências, buscando

construir um sentido mais apurado, produzindo ciência.

Esta interpretação feita pelo estudioso, poderá ter diferentes

naturezas, variando conforme a aplicação que for dada a ela. Um professor de

direito, no exercício da função, produzirá enunciados descritivos do

ordenamento. A seu turno, um magistrado, como intérprete legitimado, terá sua

interpretação expressa na função prescritiva. Produz normas a partir de outras.

96 Ob. Cit., pág. 387.

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83

Em geral, produz a norma individual e concreta pela interpretação e

correspondente aplicação da norma geral e abstrata, num processo de

positivação.

A linguagem do cientista do Direito, mais do que técnica, é

científica. Seus enunciados descritivos são dotados da harmonia característica

da linguagem assertiva, passível de formalização nos moldes da Lógica Alética

ou Apofântica. Suas unidades são organizadas segundo critérios de identidade,

não contradição e terceiro excluído; próprios deste tipo de raciocínio.

Tanto a linguagem técnica como a científica utilizam vocábulos

especializados de um determinado ramo, no caso: o direito. Isto, apesar de

essencial, acarreta problematização ainda maior. Demanda um grande esforço

semântico.

A Teoria Geral do Direito não escapa do problema. Apenas com

os processos de generalização e abstração, típicos dos estudos lógicos,

poderá a problemática ser afastada. Até porque decorre do conteúdo

semântico, afastado pela lógica. No caso do direito posto: a lógica jurídica.

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84

O papel do jurista, portanto, é analisar e depreender o sentido dos

enunciados, dentro do sistema jurídico em que se inserem. Se torna

importante, por isso, diferenciar o enunciado da proposição.

Paulo de Barros Carvalho define enunciado como: “o produto da

atividade psicofísica de enunciação. Apresenta-se como um conjunto de

fonemas ou de grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de

determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor

para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação” 97

.

E continua o professor ao comentar os ensinamentos dos lógicos

ingleses: “Para os ingleses, “oração” e “sentença” teriam o mesmo valor

semântico de “enunciado”, isto é, a expressão oral ou gráfica de uma

proposição, enquanto esta seria o conteúdo significativo que o enunciado

sentença ou oração exprimem.”98

Assim, percebe-se que o enunciado é a

expressão enquanto a proposição é ideia contida nela, seu sentido.

Como o direito positivo é formado não pelos enunciados, mas

pelas proposições prescritivas, depreendidas dos enunciados, dos quais

surgem interpretações diversas e, por conseguinte, diversas proposições, há

que se perceber que apenas algumas podem ser tidas como normas.

97 Ibidem, pág. 56. 98 Ibidem.

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85

Enquanto o direito positivo disciplina o comportamento humano, o

convívio social, através de uma fórmula linguística prescritiva, de forma a

regular a conduta das pessoas nas relações intersubjetivas, a Ciência do

Direito estuda este feixe de proposições prescritivas, observando, investigando,

interpretando e, sobretudo, descrevendo, sempre segundo uma metodologia

predeterminada. Para tal, o cientista utiliza-se sobremaneira de uma linguagem

descritiva.

Nas lições de Lourival Vilanova: “Inseparáveis, mas discerníveis,

são os seguintes componentes do conhecimento: a) o sujeito cognoscente; b)

os atos de percepção e de julgar; c) o objeto do conhecimento (coisa,

propriedade, situação objetiva); d) a proposição (onde diversas relações de

conceitos formam estruturas)”99

.

O jurista, sujeito cognoscente, ao conhecer o direito positivo, seu

objeto de conhecimento, através de atos de percepção, executáveis pelos

sentidos (no caso a leitura ou o estudo), dos enunciados prescritivos, produz a

linguagem descritiva: uma linguagem de sobre nível, sobrelinguagem ou uma

metalinguagem em relação ao direito positivo. Àquela, esta se refere,

descrevendo-a como sistema empírico.

99 Ob. Cit., pág. 37.

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86

As unidades do sistema do direito posto são as normas jurídicas.

Estas são depreendidas dos textos legais e interligadas cognoscitivamente

mediante relações de coordenação de funções e de subordinação hierárquica.

Este sistema de normas jurídicas de determinado país também se

denomina sistema empírico do direito positivo, uma vez que se destina a uma

região material, uma sociedade, historicamente determinada no espaço e no

tempo.

5.2. O caminho da construção de sentidos

O exame do ordenamento como sistema ressalta, desde logo, a

existência de lacunas, imprecisões e contradições entre as unidades do

conjunto. A função do intérprete é tentar impedi-las ou, ao menos, minimizar

seus efeitos de fato; de maneira que, ao descrever seu objeto o sistema do

direito como Ciência do direito solucione as aparentes lacunas, imprecisões e

contradições, buscando sempre a certeza e a segurança do sistema.

O ordenamento é uno, sua divisão, feita pela Ciência do Direito,

tem fim meramente didático. Claro é que o direito positivo é indissociável. No

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caso do Direito Tributário, a Ciência do Direito busca estudar a instituição, a

arrecadação e a fiscalização de tributos.

A linguagem, neste sentido, não só fala do objeto (Ciência do

Direito), como participa de sua constituição (direito positivo). Se for verdade

que não há fenômeno jurídico sem prescrições escritas ou não escritas,

também é certo que não podemos cogitar de manifestação do direito sem uma

linguagem, idiomática ou não, que lhe sirva de veículo de expressão.

Mantenha-se presente a concepção pela qual interpretar é atribuir valores aos

símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a

objetos.

Um dos alicerces que suportam tal construção reside na distinção

entre enunciados e normas jurídicas, com os diferentes campos de irradiação

semântica. Análise que pressupõe, como ensina Paulo de Barros Carvalho100

,

a aceitação de que a linguagem guarda quatro planos de significação a serem

trabalhados por todos aqueles dispostos a conhecer o sistema jurídico

normativo: S1) o conjunto de enunciados, tomados no plano da expressão; S2)

o conjunto de conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; S3) o

domínio articulado de significações normativas; e S4) os vínculos de

coordenação e de subordinação que se estabelecem entre as regras jurídicas.

100 Curso de Direito Tributário, págs. 147-166.

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A lei, em sentido amplo, nesta perspectiva, pode ser tida como o

texto, na sua dimensão de veículo de prescrições jurídicas. Constituição,

emenda constitucional, lei complementar, lei delegada, lei ordinária, medida

provisória, resoluções, decretos, sentenças, acórdãos, contratos e atos

administrativos, enquanto suportes materiais de linguagem deôntico-jurídica,

pertencem à plataforma da expressão dos textos prescritivos e, como tais, são

veículos introdutórios de normas jurídicas.

Este conjunto de textos legais que constitui a base empírica do

conhecimento do direito posto só pode ser apreendido pela intuição sensível,

pois, enquanto dados brutos. Já a norma jurídica, como juízo implicacional

construído pelo intérprete em função da experiência no trato com esses

suportes comunicacionais, compõe a realidade jurídica.

Os textos são formados por signos, criados pelo poeta de

Flusser101, que estabelece relação lógica entre o suporte físico, a significação e

o significado. Toda linguagem, como esclarece Vilanova102

, oferece esses três

ângulos de análise: compõe-se de um substrato material, de natureza física,

que lhe sirva de suporte; uma dimensão ideal na representação que se forma

na mente dos falantes (significação); e os objetos referidos pelos signos e com

os quais eles mantêm relação semântica (significados).

101 Ob. cit., págs. 144. 102 Ob. Cit., pág. 45.

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É justamente desta forma que o direito se relaciona com os dados

da chamada “realidade social”, absorvendo relações entre signos e objetos

através da ação do poeta. O legislador, em sentido amplo, assim entendido

como juiz, particular, autoridade administrativa ou qualquer outro que crie

textos normativos, ao elaborar textos, estabelece uma relação linguística entre

texto e contexto, atribuindo-lhe significado pela linguagem. O problema é que

não são eles os únicos a estabelecerem tal relação.

Isto porque os enunciados linguísticos não contêm em si mesmos

significações, mas configuram objetos percebidos pelos nossos órgãos

sensoriais que, a partir de tais percepções, ensejam intra-subjetivamente as

correspondentes significações.

Esses estímulos desencadeiam em nós produções de sentido.

Vê-se, desde agora, que não é correta a proposição segundo a qual, dos

enunciados prescritivos do direito posto, extraímos o conteúdo, o sentido e o

alcance dos comandos jurídicos. De tais enunciados partimos para a

construção dos sentidos, no processo conhecido como “interpretação”.

É neste ponto que surgem as dúvidas quanto à significação dos

textos legais. Causam a própria aplicação do direito. Ao buscar o judiciário,

este interpreta a fim de aplicá-lo. Neste caminho, sua função é atribuir à norma

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individual e concreta a prescritividade decorrente da interpretação

aparentemente final, haja vista também demandar interpretação. Esta é

inesgotável em essência, mas limitável pelo sistema.

Será sempre possível uma nova interpretação, num processo

infinito que em algum momento resulta na compreensão. Daí, continuarmos a

interpretar ou não é um ato de vontade, que dependerá das circunstâncias e

das necessidades de cada um. Circunstâncias estas criadas pelo ordenamento

para garantir a segurança jurídica, sob pena de se discutir eternamente

determinada demanda judicial.

A partir desta compreensão, através de um ato de vontade do

aplicador do direito, será possível a produção de nova linguagem constituindo o

fato jurídico e fazendo a norma incidir na realidade, sem, contudo, coincidir com

ela, pois a modifica.

Isto porque a compreensão do objeto sem a vontade de emiti-la,

resulta numa linguagem não comunicacional, mas interna ao ser humano.

Resta, assim, estranha ao direito, permanecendo no âmbito do pensamento,

como será abordado em item apropriado.

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5.3. A construção de sentidos e a classificação das normas

O caminho de construção de sentidos da norma jurídica, através

de processo de positivação do aplicador do direito, leva a um questionamento

acerca de eventuais diferenças no discurso normativo, nos diferentes tipos de

normas. O quê só pode se dar pela classificação das normas em conformidade

com essas diferenças.

Como ensina Roque Antonio Carrazza103

, não existem

classificações certas ou erradas, mas úteis ou inúteis. Ao mesmo tempo a

teoria das classes ensina que para classificar é necessário um fator de

discriminação, que balize a separação dos elementos em duas classes. Cada

uma, por sua vez pode ser repartida em mais duas e assim consecutivamente.

Segue nessa mesma esteira o lógico Alfred Tarski104

103 Curso de Direito Tributário, pág. 528.

, ao tratar da

Teoria das Classes: “Diz-se frequentemente de uma função sentencial variável

livre que expressa uma determinada propriedade das coisas, uma propriedade

possuída por aquelas e somente aquelas, coisas que preenchem a função

104 Introduction to Logic and to the Methodology of Deductive Sciences , pág. 72. Tradução livre do trecho: “It is frequently said of a sentential function with on free variable that it expresses a certain property of things, – a property possessed by those, and only those, things which satisfy the setential function (the sentential function “x is divisible by 2”, for example, expresses a certain property of the number x, namely, divisibity by 2, or the property of being even). The class corresponding to this function contains as its elements all things possessing the given property, and no others”.

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sentencial (a função sentencial “x é divisível por 2”, por exemplo, expressa uma

certa propriedade do número x, ou seja, divisibilidade por 2, ou a propriedade

de ser mesmo). A classe correspondente a esta função contém como seus

elementos todas as coisas que possuem a propriedade dada, e não outros”

Assim, para classificar as normas, é necessário um fator de

discriminação para o estabelecimento de duas classes. No presente estudo

elencam-se dois destes fatores, criando duas classes e em cada uma delas

duas subclasses. O primeiro diz respeito ao antecedente normativo e a

situação nele prevista, se abstrata ou concreta. O segundo se revela pela

atenção às pessoas atingidas pelo consequente normativo, se é aplicável a

todos ou apenas a alguns indivíduos: geral ou individual.

Isto possibilita a separação inicial em duas classes e cada uma

delas em mais duas, criando quatro classes normativas: a) abstratas e gerais;

b) abstratas e individuais; c) concretas e gerais; e d) concretas e individuais,

como ensina Paulo de Barros Carvalho105

.

As normas abstratas e gerais prescrevem para condutas abstratas

(futuras e incertas) consequências gerais. É o caso das leis, dos decretos, das

instruções normativas, que prescrevem condutas para todas ou grande parte

105 Direito Tributário: linguagem e método, pág. 140.

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das pessoas que, se praticarem o evento previsto no antecedente normativo,

estarão sujeitas à aplicação do consequente. Para tanto passam por um

processo de individualização e concretização.

As normas abstratas e individuais prescrevem condutas para uma

pessoa ou um grupo de pessoas, que se praticarem o evento previsto no

antecedente normativo, estarão sujeitas à aplicação do consequente. Seria o

caso de uma consulta fiscal que quando realizada trata de situações futuras e

incertas, mas vincula o consulente e a administração tributária.

As normas concretas e gerais reconhecem determinado evento

como jurídico e prescrevem consequências para todas ou grande parte das

pessoas, que reconhecidamente praticaram o evento absorvido pelo direito no

antecedente normativo imputando consequências gerais. Estas são estruturas

típicas das normas introdutoras de outras normas no sistema.

As normas concretas e individuais absorvem o evento tipificado

como jurídico para atribuir um consequente a uma pessoa ou um pequeno

grupo de pessoas. Essas normas são o resultado da aplicação das normas

abstratas e gerais a um caso específico.

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Em cada uma dessas normas o intérprete precisará passar pelos

quatro planos no caminho de construção de sentido, a fim de se chegar ao

momento no qual a reflexão para por um ato de vontade para a emissão de

outra linguagem; seja científica ou normativa.

Assim, a passagem da norma geral e abstrata para aquela

individual e concreta acontece por um processo de aplicação baseada na

interpretação para a positivação e, neste sentido, dependerá da aplicação de

um ato de vontade do aplicador para ser enunciada.

5.4. O papel do ato de fala no discurso normativo

Nas palavras de Tárek Moysés Moussallem: “O fato produtor de

normas é o fato-enunciação, ou seja, a atividade exercida pelo agente

competente. Falamos em fato-enunciação porque a atividade de produção

normativa é sempre realizada por atos de fala”106

.

Percebe-se a importância dos atos de fala tomados como fonte do

direito, no sentido de fonte de produção, na visão do construtivismo lógico-

semântico. Portanto, fonte de produção do discurso do direito positivo.

106 Ob. Cit., pág. 150.

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Conclui-se ser plausível a afirmação de que os fatos-enunciação

podem ser encarados como atos de fala performativos, pois sua prática cria

normas para o sistema jurídico. Portanto, lhes são aplicáveis os elementos

característicos destes atos para alcançar sua efetividade, ou felicidade como

expressa por Austin107

, produzindo normas:

a) O ordenamento estabelece as situações jurídicas e os

procedimentos a serem seguidos para que as normas possam ser criadas, pois

para um ato performativo há de se ter um procedimento convencionalmente

aceito com o correspondente efeito convencionalmente atribuído, com a

correspondente formalidade.

b) As normas jurídicas estabelecem quem deve ser a autoridade

competente ou o órgão escolhido para efetuar o procedimento adequado para

a produção da norma, assim como a teoria dos atos de fala requer o

estabelecimento das pessoas e das circunstâncias para que em determinado

caso sejam elas as capazes a invocar o procedimento a ser adotado.

c) O procedimento estabelecido pelo sistema jurídico requer que a

pessoa ou todas as pessoas necessárias e competentes para o ato o

107 Ob. Cit., págs. 14 e 15.

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pratiquem, assim como a teoria dos atos de fala requer a execução do

procedimento por todas as pessoas envolvidas, correta e completamente (é o

caso do ato legislativo).

d) Se, pela teoria dos atos de fala, quando, usualmente, o

procedimento deve ser adotado por quem tiver certos pensamentos ou

sentimentos, ou para a inauguração de certa conduta consequente na parte de

qualquer participante, então a pessoa participante e envolvida no procedimento

deve de fato ter aqueles pensamentos ou sentimentos e os participantes

devem ter o real intuito de assim proceder. O direito assim estabelece para que

os órgãos emissores de normas sigam os procedimentos, segundo um dever

de moralidade ou adequação aos fundamentos de validade deste

procedimento. Nos quais se pode incluir a vontade de produzi-los.

e) O direito determina: a norma só será criada ao final de todos os

atos integradores do procedimento estabelecido para a criação normativa. Da

mesma forma estabelece a teoria de Austin, segundo a qual os atos dentro do

procedimento devem ser adotados pelos participantes de forma subsequente

uns aos outros.

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O ato de enunciação só será apreensível pelas marcas deixadas

no texto. Neste sentido afirma José Luis Fiorin108

que o linguista não opõe a

enunciação ao enunciado como o ato a seu produto, mas impossibilitado de

estudar diretamente o ato da enunciação, tenta identificar e descrever as

características desse ato no produto.

A partir da enunciação-enunciada o estudioso do direito terá

condições de conseguir algumas informações importantes deixadas no texto.

Contudo, surge a dúvida de saber se todas as informações sobre a enunciação

estarão enunciadas. Para afirmar isso, seria necessário saber quais seriam as

informações. Isto seria impossível, pois demandaria enxergar a enunciação

sobre todos os ângulos ao mesmo tempo.

Um exemplo seria saber se a discordância entre o enunciado e a

enunciação poderia ser extraída do enunciado. A resposta é dada por Fiorin109

,

para quem a discordância entre enunciado e enunciação não configuram

desacordo entre o conteúdo manifesto e a intenção comunicativa. Isto porque

as únicas intenções do sujeito apreensíveis são aquelas inscritas no discurso,

através da enunciação-enunciada. O conflito, corretamente analisado, seria,

então, aquele estabelecido entre a enunciação-enunciada e o enunciado-

enunciado.

108 As astúcias da enunciação, pág. 31. 109 Idem, pág. 39.

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Este conflito justifica o presente trabalho, permitindo uma análise

jurídica dos atos que integram a enunciação, demarcados no enunciado pela

enunciação-enunciada. Assim, é de suma relevância o estudo de quais seriam

estes atos que levam ao ato de fala.

5.5. O discurso normativo como comunicação jurídica

O direito positivo, pelo olhar do giro linguístico, é um corpo de

linguagem, que constitui sua própria realidade. Seguindo um raciocínio

próximo, Flusser desenvolveu toda uma teoria da construção da realidade pela

linguagem. O sistema jurídico, neste sentido, absorve informação externa a seu

sistema e oferece respostas típicas. O direito pode, então, ser encarado como

linguagem. Criado, modificado e propagado pela linguagem. O que viabiliza

enxergá-lo como ato cultural, produzido e modificado pelo homem. Mas

também um ato comunicacional.

Relevante discutir se pode ser o direito uma forma de

comunicação. Para tanto, é necessária a análise dos ensinamentos de Roman

Jakobson110

110 Linguística e comunicação, pág. 123.

sobre os seis elementos essenciais da comunicação. São eles:

remetente, mensagem, destinatário, contexto, código e contato. O remetente

envia a mensagem ao destinatário, a qual para ser eficaz necessita de um

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contexto e de um código comum ao remetente e ao destinatário, a fim de que a

mensagem possa fazer sentido. Mas esta mensagem precisa de um contato

ocorrido por um canal físico e uma conexão psicológica entre os dois sujeitos

da comunicação, que os capacite para a comunicação. Sem qualquer destes

seis elementos não há que se falar em comunicação.

Paulo de Barros Carvalho aprofundou o estudo da comunicação

e, sem afastar a lição deixada por Jakobson, apresentou uma teoria sobre as

etapas pelas quais deve passar o emissor e o receptor para que a

comunicação se estabeleça. Enfatiza neste estudo que antes da mensagem

existem fases tão importantes como o ato de fala em si para que a mensagem

seja emitida e recepcionada. Teoria esta apresentada, analisada e discutida no

Grupo de Estudo de Lógica Jurídica do IBET.

Este processo passa por nove etapas: dúvida, aporia, decisão,

estímulo, vontade, resistência, ato de fala, mensagem e recepção.

O emissor da mensagem apresenta num primeiro momento a

“dúvida” quanto ao que se falar. Este momento é crucial para dar início ao que

pode vir a ser o ato de fala. É uma fase introspectiva, mas relevante. A nosso

ver, contudo, não pode ser diretamente apreendida, pois só acontece no

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intelecto do emissor, não sendo expressa na linguagem. Esta só existirá se a

dúvida for solucionada a favor da fala.

Para que isso ocorra, a “dúvida” é seguida da fase de “aporia”, na

qual são elencados argumentos a favor e contra o conteúdo da mensagem a

ser expressa, configurando uma fase reflexiva.

Pela “decisão”, o emissor escolhe o conteúdo que pretende emitir.

Neste ponto, o emissor sofre um “estímulo” externo que o induz ao ato de fala.

Com o “estímulo”, o emissor desenvolve a “vontade” de emitir o

ato comunicacional. A vontade seria aquela força que empurra o emissor a

produzir o ato de fala. Porém, é nítida a dificuldade de apreensão desta

vontade pelo direito, pelo menos numa primeira análise. Contudo, esta conduta

intrassubjetiva, que não teria importância para o direito, deixa necessariamente

marcas na mensagem, no texto: o enunciado. Tornando-se passível de ser

depreendida a partir deste enunciado.

Mesmo apresentando vontade de falar, o emissor precisa vencer

algumas “resistências” maiores ou menores: a timidez, o medo, a falta de

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oportunidade de falar etc. Vencida esta fase, o emissor procede o ato de fala,

enviando a mensagem.

Enquanto isso, havendo um contato, através de uma conexão,

física e psicológica, entre o emissor e o receptor, este produz o ato de

“recepção”.

Assim, o processo comunicacional não configura apenas o ato de

fala em si, mas é certo que este ato é a objetivação da vontade do emissor.

Paralelamente, o processo de produção normativo, a enunciação, configura a

objetivação da vontade do legislador em sentido amplo.

Esse processo enunciativo não pode ser apreendido na

totalidade, pois é anterior ao direito, não é totalmente enunciado e, portanto, se

consubstancia em sua fonte. Mas como deixa marcas no enunciado normativo,

a enunciação-enunciada, permite ao intérprete do direito refazer este caminho,

com o intuito de verificar a licitude da produção normativa. Esta é a lição de

Fiorin111 e Moussallém112

.

111 Ob. CIt., pág. 38. 112 Ob. Cit., pág. 80.

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102

Para Fiorin113

: “A enunciação enunciada compreende todos os

adjetivos e advérbios apreciativos e substantivos carregados de subjetividade,

os dêidicos etc. Enfim, todos os elementos que remetem à instância da

enunciação”.

Essa enunciação-enunciada, porém, não está às margens do

texto jurídico, do enunciado, como ensina Moussallém114

, mas vai além. É

passível de ser extraída do próprio corpo do texto, podendo ser depreendida do

próprio enunciado. Pois o que está enunciado é um só produto, extraindo-se

dele as significações que o intérprete for capaz de construir.

5.6. A prova e a verdade no discurso normativo

O discurso normativo se relaciona intrinsecamente com estes dois

termos: prova e verdade. Aparentemente, o discurso normativo, com o intuito

de regular as condutas intersubjetivas, absorveria a verdade através das

provas produzidas com referência a ela. Lembrando que a preocupação com a

multiplicidade de sentidos dos dois termos deve ser considerada.

113 Idem, pág. 37. 114 Ob. Cit., pág. 139.

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103

Porém, há de se atentar para o fato do movimento do giro

linguístico ter quebrado os paradigmas tradicionais. Através de seu enfoque na

linguagem, contribuiu para o caminho do conhecimento em busca de maior

precisão dos estudos do direito. Adotou um corte metodológico nítido do direito,

se comparado a outros prismas, elegendo o método dogmático por excelência

para o estudo do direito, fundado em premissas sólidas. Escolheu a norma

jurídica como unidade do ordenamento e objeto central de sua atenção.

Esta precisão, como defende Paulo de Barros Carvalho115

,

decorre de uma preocupação típica do movimento de “escrever bem e

pensando”; tomando força na comunidade científica e gerando repercussões

interessantes às suas iniciativas.

Para o autor, a linguagem expressa a forma de ver e entender os

eventos do mundo, criando a realidade, em consonância com os pensamentos

de Fusser expressos em capítulos anteriores. Neste sentido, deixa para trás o

valor “verdade”, como verdade absoluta, buscando a relação entre o sujeito

cognoscente, o objeto e o próprio conhecimento, através do estudo da

linguagem, que seria a condição primeira para a apreensão do objeto.

115 Direito tributário: linguagem e método, pág. 159.

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104

Com esta ideia em mente, é possível afirmar que o sujeito

cognoscente, ao produzir enunciados a respeito do objeto de seu

conhecimento, reduz a complexidade do objeto, pois só o enxerga sob o prisma

analisado. Sendo, portanto, parcial.

Pelo prisma jurídico, a linguagem prescritiva compreende a

maneira como o direito absorve as situações do mundo social pelo fenômeno

da tradução da linguagem factual para a linguagem jurídico-prescritiva.

Contudo, há que se lembrar de que a linguagem não toca o real,

mas dele se aproxima. Sendo necessária tanto para a produção da norma geral

e abstrata, como da geral e concreta, da individual e abstrata e da individual e

concreta. É através desta que se constitui, modifica e extingue um fato jurídico

em sentido estrito. Trabalhando a criação da realidade jurídica.

A criação da realidade jurídica pela constituição do fato jurídico

requer a utilização de linguagem competente. No caso, a linguagem das

provas. Sem ela não se terá fato jurídico, mas mero evento, independente de

ser considerado fato social, econômico, político etc.

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Esta visão de prova como linguagem suscita a pergunta de poder

ou não ser considerada uma fonte do direito. A resposta é dada por Fabiana

Del Padre Tomé116

, que afirma ser isto possível. O que decorre de um

problema semântico típico da ambiguidade processo/produto, dentre tantas

outras acepções do termo prova.

A dualidade semântica de processo/produto permite tomar a

prova como a ação de provar, sendo seu resultado consubstanciado na

linguagem, conforme exposto acima.

Para a autora117

, tomar a prova no sentido de ação de provar

configura a produção de atos de fala ou enunciação destinada à constituição

dos fatos jurídicos. Compõe um objeto dinâmico, sendo cognoscível apenas

pelas marcas no enunciado. Neste sentido, tem-se a prova como enunciação-

enunciada. A qual será apreensível pelo intérprete na busca de reconstruir os

passos do processo de enunciação.

Assim, o direito cria sua própria realidade, pela linguagem

competente, absorvendo eventos pelo processo de enunciação e, com isso,

criando fatos jurídicos. A imputação causal da consequência jurídica segue o

116 A prova no direito tributário, págs. 68-70. 117 Idem, pág. 69 e 70

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mesmo trâmite de positivação para estabelecer relações jurídicas pela norma

individual e concreta.

Para Paulo de Barros Carvalho118

, relação jurídica é o vínculo

abstrato, que por força de imputação normativa, faz com que uma pessoa (o

sujeito ativo) tenha o direito subjetivo de exigir de outra (o sujeito passivo) o

cumprimento de certa prestação.

O processo de enunciação cria o direito pela produção de

enunciados e, a partir deles, as proposições prescritivas, normas gerais e

abstratas, são construídas pelo intérprete e aplicador, que emite outros

enunciados, dos quais se extraem as normas individuais e concretas. Estas

prescrevem relações jurídicas em concreto. Individualizam os sujeitos ativos e

passivos, quantificando ou estabelecendo a prestação determinada. Tal

processo ocorre num contexto comunicacional.

118 Ob. Cit., pág. 830.

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6. A vontade como requisito à construção da realidade jurídica

Como exposto acima, o giro linguístico trabalha o direito como

linguagem. Esta deve ter uma função específica: a função prescritiva. Com ela

é, cria e propaga a realidade jurídica.

Neste sentido, o direito é comunicação. Sua produção constitui

verdadeiro ato comunicacional e configura a enunciação da norma como um

ato de fala. Este ato tem significação na linguagem emitida, mas também no

ato em si. Daí a importância de buscar sentido neste ato: separar o direito das

fontes do direito.

A partir desta diferenciação torna-se possível um controle, quanto

à validade, do direito produzido. Buscando seu fundamento de validade numa

visão estática do direito. Mas também quanto à licitude de sua produção, num

prisma dinâmico.

Tal posição é de grande interesse do direito tributário, pois

possibilita ao administrado, passível de ser colocado na posição de sujeição

passiva pela norma tributária, controlar democraticamente os atos que o levam

figurar nesta posição.

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Atos estes que podem ou não depender diretamente dos seus

próprios, como aqueles que produzam leis, decretos, contratos, lançamentos,

confissões etc.

Mas para que haja controle é necessária a objetivação dos atos

em linguagem, criando a realidade jurídica e absorvendo outros externos ao

direito para dentro de sua juridicidade, em conformidade com Flusser119 e

Vilanova120

.

Todos os atos anteriores àquele consubstanciado na fala da

linguagem jurídica só podem ser conhecidos através de sua representação por

ela. Neste sentido afirma Arthur Schopenhauer121

ser o mundo uma

representação, devido a impossibilidade do conhecimento da essência das

coisas, mas apenas de suas formas. Como exceção, para ele, a situação do

homem analisando sua vontade, pois esta seria externa a ele.

Schopenhauer122

119 Ob. Cit., pág. 131.

utiliza o termo representação como aquela dada

pelo homem aos objetos com que tem contato, sem ela não consegue

120 Causalidade e Relação no Direito, pág. 286. 121 O mundo como vontade e como representação, pág. 43 122 Idem, pág. 156.

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conhecê-los. Mas isso o leva a conhecer apenas a representação, não o objeto

em si.

Schopenhauer123

ensina: “Ao sujeito do conhecimento que entra

em cena como indivíduo mediante sua identidade com o corpo, este corpo é

dado de duas maneiras completamente diferentes: uma vez como

representação na intuição do entendimento, como objeto entre objetos e

submetido às leis destes; outra vez de maneira completamente outra, a saber

como aquilo conhecido imediatamente por cada um e indicado pela VONTADE.

Todo ato verdadeiro de sua vontade é simultânea e inevitavelmente também

um movimento de seu corpo. Ele não pode realmente querer o ato sem ao

mesmo tempo perceber que este aparece como movimento corporal. O ato da

vontade e a ação do corpo não são dois estados diferentes, conhecidos

objetivamente e vinculados pelo nexo de causalidade; nem se encontram na

relação de causa e efeito; mas são uma única e mesma coisa, apenas dada de

duas maneiras totalmente diferentes, uma vez imediatamente e outra na

intuição do entendimento. A ação do corpo nada mais é senão o ato de

vontade objetiva.”

Deste ensinamento, tem-se que a vontade pode ser tomada como

objeto do conhecimento do próprio agente que indissociavelmente age

produzindo tal conhecimento. Contudo, pode ser observada no objeto, como

123 Idem, pág. 157.

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110

vontade objetivada, por terceiro interessado em estudá-la. Este só a

apreenderá pela representação, sua forma objetivada. Diga-se: com limites, em

decorrência da perspectiva do observador.

Isto acontece em razão da vontade ser um conhecimento a priori

do corpo do próprio agente, enquanto a ação do corpo configura objeto do

conhecimento a posteriori da vontade.

Conclui-se, a partir das reflexões de Schopenhauer124

: as

decisões da vontade seriam simples ponderações da razão sobre o que se

quer, enquanto os atos de vontade configuram a pré-existência da decisão.

Através da reflexão, a vontade e o ato de vontade se diferenciam, mas sendo

efetivados configuram a mesma coisa.

Desta conclusão, se percebe que o termo “vontade” apresenta

pluralidade de sentidos, tão comum entre os termos essenciais ao presente

trabalho. A começar pela possível confusão processo/produto demonstrada.

A vontade, tomada como o querer agir em si, só seria apreensível

pela reflexão do próprio agente, mas o ato de vontade, objetivação daquela,

124 Idem, pág. 158.

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111

pode ser apreendido por sua representação. No caso do direito isto se dá pelo

ato de fala, conforme explicado por Austin e Searle, e objetivado pela

linguagem produzida e apreensível pelo texto, através do contato sensível,

como leciona Flusser.

Este ato de vontade, tomado como simultâneo do ato de fala, está

contido entre os requisitos de efetividade dos resultados pretendidos pela

vontade para que a comunicação ocorra, o que Austin125

denomina “felicidade”.

Recordando, são os requisitos:

a) Deve existir um procedimento convencionalmente aceito com o

correspondente efeito convencionalmente atribuído. Esse procedimento deve

incluir o dizer de certos termos por determinadas pessoas em certas

circunstâncias.

b) As pessoas e as circunstâncias, em particular, para

determinado caso, devem ser aquelas apropriadas para a invocação do

procedimento adotado.

125 Ob. Cit., págs. 14 e 15.

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112

c) O procedimento deve ser executado por todas as pessoas

envolvidas, correta e

d) completamente.

e) Quando, usualmente, o procedimento deve ser adotado por

quem tiver certos pensamentos ou sentimentos, ou para a inauguração de

certa conduta consequente da parte de qualquer participante, então a pessoa

participante e envolvida no procedimento deve de fato ter aqueles

pensamentos ou sentimentos e os participantes devem ter o real intuito de

assim proceder.

f) Esses atos dentro do procedimento devem ser adotados pelos

participantes de forma subsequente uns aos outros.

Estes requisitos, quando relacionados ao direito, podem ser tidos

da seguinte forma:

a) Se para um ato performativo há de se ter um procedimento

convencionalmente aceito com o correspondente efeito convencionalmente

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113

atribuído, que inclui o dizer de certos termos por determinadas pessoas em

certas circunstâncias, então o ordenamento estabelece as situações jurídicas e

os procedimentos a serem seguidos para que as normas possam ser criadas.

b) Se as pessoas e as circunstâncias estabelecidas para que em

determinado caso sejam elas as capazes de invocar o procedimento a ser

adotado, então as normas jurídicas estabelecem quem é o órgão e o

procedimento adequados a tanto, em seu sistema.

c) Se o procedimento deve ser executado por todas as pessoas

envolvidas, correta e completamente, então o direito assim o estabelece, como

forma de se exteriorizar a vontade dos envolvidos, bem como seguir os

procedimentos de criação normativa no ordenamento.

d) Se quando, usualmente, o procedimento deve ser adotado por

quem tiver certos pensamentos ou sentimentos, ou para a inauguração de

certa conduta consequente na parte de qualquer participante, então a pessoa

participante e envolvida no procedimento deve de fato ter aqueles

pensamentos ou sentimentos e os participantes devem ter o real intuito de

assim proceder. O direito estabelece o procedimento para que os órgãos

emissores de normas os sigam, segundo um dever de moralidade ou

adequação aos fundamentos de validade deste procedimento.

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e) Se os atos dentro do procedimento devem ser adotados pelos

participantes de forma subsequente uns aos outros, assim também determina o

direito para que a norma só seja criada ao final de todos os atos integradores

do procedimento estabelecido para a criação normativa.

Assim, o requisito da letra “e”, dos atos de fala, e da letra “d”,

desta relação com o direito, segundo o qual há necessidade do procedimento

do ato performativo deva ser adotado por quem tiver certos pensamentos e

sentimentos da parte de quem tenha a vontade de produzi-lo, pode ser

transportado para o direito como um requisito de eficácia da norma produzida.

Fiorin126

explica que existem fatos enunciativos em sentido lato e

em sentido estrito. Aqueles são compostos por traços linguísticos da presença

do locutor no seio do enunciado, configurando a subjetividade da linguagem.

Enquanto estes são as projeções da enunciação no enunciado, relativas à

pessoa, ao espaço e ao tempo, configurando a formalidade da enunciação.

Mas evidencia que ambos constituem a enunciação-enunciada.

Com relação à vontade, é possível afirmar que pode ser

visualizada na enunciação-enunciada, dentro do conceito de enunciação em

126 Ob. Cit., pág. 38.

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115

sentido lato, pela simples objetivação dela no resultado, o enunciado; bem

como na enunciação em sentido estrito, como característica da pessoa do

locutor.

O locutor, falante ou emissor, é o sujeito capaz de produzir a

norma jurídica, através do ato de fala que representa a objetivação da vontade

dele.

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116

7. Análise clássica da vontade no direito: uma visão crítica

A posição do giro linguístico de que o direito é formado por um

conjunto de proposições prescritivas dotadas de coercibilidade e válidas em

determinado país é, até certo ponto, revolucionária na Ciência do Direito. Do

mesmo modo é revolucionário o tratamento das fontes do direito como um

processo enunciativo. Ainda mais se dependente da vontade do emissor, a

autoridade competente para produzir determinada norma.

Assim, uma proposta como esta precisa analisar diferenças e

vantagens frente à posição dominante da linha clássica da doutrina sobre as

fontes do direito e, sendo assim, da análise da vontade na enunciação

normativa.

Já foi feita a análise das posições tradicionais acerca das fontes

do direito, tendo sido tratadas como: fontes de produção, fontes de cognição,

fontes de conhecimento do saber jurídico e fontes de informação do saber

jurídico. Tais posições foram criticadas logo após, ao serem trabalhadas as

fontes do direito pelo tratamento do constructivismo lógico-semântico.

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117

A seguir pretende-se comparar algumas das abordagens

tradicionais da vontade entre si, mas para tanto precisam ser fixadas algumas

premissas quanto a como analisar as teorias, para que sejam úteis ao

raciocínio que se pretende demonstrar.

Parte-se de uma análise do direito posto quanto à unicidade, para

depois trabalhar a Ciência do Direito com seus ramos didaticamente

autônomos, então verificar como as diferentes abordagens enxergam a

vontade pela visão clássica.

7.1. A unicidade do direito posto

A análise aqui proposta de unicidade do direito posto tem como

premissa inicial ser o ordenamento formado por um conjunto de normas postas.

Posição adotada pelo positivismo de Kelsen127, e mais tarde absorvida por

Vilanova128

.

Posição esta que encara o direito mesclando duas questões

fundamentais, os aspectos lógico e axiológico. O aspecto lógico traz a forma ao

127 Ob. Cit., pág. 33. 128 Sobre o conceito do direito, in Escritos jurídicos e filosóficos., pág. 61.

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direito, baseada na estrutura da norma jurídica. O aspecto axiológico traz

conteúdo semântico às normas.

Do aspecto lógico é possível encontrar uma única forma às

normas, caracterizadas por um conectivo deôntico modalizado, como ensina

Vilanova129

, em diferentes valências, através dos functores: “é obrigatório” (O),

“é permitido” (P)” e “é proibido (V)”; típicos da Lógica Deôntica.

Tais functores trabalham numa estrutura relacional, a qual pode

ser, segundo Vilanova130, exposta em linguagem formalizada: D [F→C(S’,S”)].

Esta fórmula é explicada pelo próprio Vilanova131

: “se se dá um fato F qualquer,

então o sujeito S’ deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C

ante outro sujeito S” – assim deve ser”.

A essa estrutura formalizada da norma se soma seu conteúdo

axiológico, atribuído pela aplicação dos valores de determinada sociedade.

Neste sentido, o Professor Paulo de Barros Carvalho132

129 Idem, pág. 71.

explica: “Sendo objeto

do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas jurídicas

estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico,

invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de

130 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, pág. 95. 131 Idem. 132 Ob. Cit., pág. 143 e 144.

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intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos

fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no

conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do

ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos

segmentos”133

.

Para que isto se verifique, porém, existem algumas condições a

serem vencidas para que o conteúdo valorativo de uma norma possa ser

encarado como princípio. Afinal, segundo Miguel Reale: “Toda sociedade

obedece a uma tábua de valores, de maneira que a fisionomia de uma época

depende da forma como seus valores se distribuem ou se ordenam”134

.

Neste contexto é oportuno ressaltar os ensinamentos de Miguel

Reale135 de que os valores não configuram uma realidade idealizada, mas

antes, algo realizado pela própria experiência humana e que sofre alterações

através do tempo. Neste estudo elenca as características essenciais aos

valores: bipolaridade, implicação recíproca, referibilidade, preferibilidade,

incomensurabilidade, graduação hierárquica, objetividade, historicidade e

inexauribilidade136

.

133 Ob. Cit., pág. 143 e 144. 134 Filosofia do Direito, 1o vol., pág. 173. 135 Idem, pág. 189. 136 Ibidem.

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120

Paulo de Barros Carvalho137

, seguindo as lições de Miguel Reale,

também labora os valores no direito. Enaltece o trabalho do eminente

professor, que desvincula os valores dos objetos ideais, obtendo êxito ao

proclamar a autonomia da Axiologia ou Teoria dos Valores.

Onde houver valor haverá o desvalor, como contraponto; os valores

positivos e negativos são correlatos. Sendo esta a característica da

bipolaridade. Por exemplo: bem e mal, bonito e feito etc.

Estes valores positivos e negativos implicam-se mutuamente, daí a

implicação recíproca. Só existe o bonito porque o feio existe e vice-versa.

Valores apresentam necessidade de sentido, uma tomada de

posição do ser humano em relação a algum objeto, por isso chamada de

referibilidade. O belo não existe em si, mas apenas em relação ao objeto que o

adjetiva.

A atribuição de valor pressupõe a preferência de um objeto em

relação a outro, apresentando-se em vetores que apontam numa determinada

137 Ob. Cit., pág. 177-179.

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direção, para um fim determinado. É a característica da preferibilidade. O bem

é preferido em razão do mal. O bom em relação ao ruim.

Mas apesar dessa preferibilidade, os valores não podem ser

medidos objetivamente, pois são incomensuráveis. No entanto, a preferência

de um objeto em relação a outro leva à hierarquização dos valores, de modo a

se acomodarem escalonadamente. É a característica da hierarquia.

Os valores sempre requerem objetos da experiência para se referir,

assumindo objetividade. Ao referir o belo a um quadro, sua beleza se objetiva.

Nesse sentido, precisam de um suporte físico dado pelo objeto,

mas também do ser humano, que através de sua consciência individual ou

coletiva, às quais se referiram. Valores são construídos em uma dada cultura,

num tempo determinado, através do processo histórico-social, o que lhes

conferem historicidade.

Por fim, a inexauribilidade, exibida a cada vez que os valores são

atribuídos. Não se exaurem em cada atribuição, sempre excedendo os bens

em que se objetivam. Ainda que o belo seja atribuído a um objeto, este valor

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122

ainda será passível de ser atribuído a outro. O objeto, assim, não o contém,

nem o aprisiona.

Mas Paulo de Barros Carvalho138

, ao trabalhar as características

dos valores lecionadas por Miguel Reale, ainda soma outra característica dos

valores: a atributividade. Refere-se à atividade de valoração dos objetos pelo

ser humano.

Assim, é possível afirmar que a norma apresenta uma estrutura

formalizada, mas também, como linguagem, atribui valores às condutas

humanas, como seu objeto. Requerendo-as, rejeitando-as ou sendo-lhes

complacente, como se percebe da análise de seus conectivos deônticos de

obrigatório (O), proibido (V) ou permitido (P).

Com base até aqui exposto, conclui-se que a posição do giro

linguístico, de que o direito é formado pelo conjunto de proposições prescritivas

dotadas de coercibilidade e válidas em determinado país, se baseia nessas

lições para determinar a unicidade formal e variação semântica. Mas não para

por aí.

138 Idem pág. 178.

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123

A unicidade do direito também está fundada em sua perspectiva

sistêmica, seja estática, seja dinâmica. No primeiro caso, decorre do

fundamento único do sistema representado pela norma fundamental

kelseniana, enquanto no segundo, da possibilidade dinâmica do direito regrar a

produção do próprio direito. Assim também pensa Vilanova139

, para quem,

quando se fala em sistema se tem a reunião de elementos de um dado

conjunto e as relações entre eles por uma referência comum.

Isto é extremamente relevante, como lembra Paulo de Barros

Carvalho140

: um sistema é formado por um conjunto de elementos relacionados

entre si, com uma característica comum, uma referência determinada.

Para Marcelo Neves141

os sistemas podem ser classificados em

reais e proposicionais. Os primeiros são formados por objetos do mundo físico

e social, extralinguísticos, agrupados mediante laços constantes, como o

sistema solar. Enquanto os sistemas proposicionais são formados de

proposições, portanto linguagem.

Os sistemas proposicionais, por sua vez, subdividem-se em

nomológicos, os meramente formais, onde as partes componentes são

139 Ob. Cit., pág. 173. 140 Ob. Cit., pág. 171. 141 Teoria da inconstitucionalidade das leis, pág. 4.

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124

entidades ideais, como na Lógica e na Matemática; e nomoempíricos, os

formados por proposições que com referência empírica.

Os sistemas nomoempíricos podem ser constituídos por

proposições descritivas, típicas dos enunciados científicos, ou prescritivas,

próprias de sistemas que se dirigem à conduta social, para alterá-la.

Analisando tal classificação, Aurora Tomazini de Carvalho142

esclarece que o critério para se classificar sistemas entre reais e proposicionais

é o linguístico. O primeiro composto por elementos do mundo natural e o

segundo pelo relato daquele. Porém, como propõe a análise dos objetos

apenas pela constituição de uma realidade linguística, para adequação ao giro

linguístico entende ser preciso propor outra classificação.

Assim, a autora143

afasta o critério linguístico para assumir o

critério comunicacional, pelo qual separa os sistemas entre aqueles em que a

linguagem pretende comunicar algo, daqueles em que esta linguagem, cujos

elementos, embora linguísticos, não visam a comunicação, mas permanecem

internos na mente humana.

142 Curso de Teoria Geral do Direito, pág. 127. 143 Idem, págs. 128 e 129.

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125

Entre os sistemas comunicacionais separa os nomológicos dos

nomoempíricos. Estes se classificam em descritivos e não descritivos, pois a

comunicação não existiria apenas nas formas descritiva e prescritiva, mas

também, por exemplo, inquisitiva, como perguntas estruturadas destinadas a

testar conhecimentos. Assim, propõe que os não descritivos se subdividam em

prescritivos e não prescritivos.

Apesar da ressalva da classificação formulada por Marcelo

Neves, necessário entender que tomada a premissa de que todo conhecimento

só existe enquanto linguagem, pois toda percepção do mundo exterior só é

possível através desta, haveria a impossibilidade de absorver o conceito de

sistema real, no campo científico. Parece ser mais precisa a classificação de

Aurora Tomazini de Carvalho, dentro da perspectiva do giro linguístico.

As normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se

relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador. O direito

posto, assim, aparece no mundo integrado numa camada de linguagem

prescritiva. Contudo, é produto do homem para disciplinar a convivência social,

pertencendo à região ôntica dos objetos culturais, com fim no campo material

da conduta. Como lecionado por Paulo de Barros Carvalho144

.

144 Ob. Cit., pág. 175.

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126

Porém, o sistema do direito positivo apresenta uma singularidade.

Apresenta a possibilidade de reprodução. Regulamenta a produção de normas

pelo próprio sistema. Normas estas dispostas hierarquicamente e regidas pela

fundamentação ou derivação.

Normas jurídicas que podem ser classificadas em regras de

comportamento e de estrutura. As regras de comportamento se dirigem

diretamente às condutas interpessoais, enquanto as regras de estrutura,

mesmo se dirigindo às condutas pessoais, são mais específicas quanto ao

assunto. Direcionam-se ao comportamento relacionado à produção de normas.

Neste sentido lecionam Paulo de Barros Carvalho145, Tácio Lacerda Gama146 e

Aurora Tomazini de Carvalho147

.

As regras de estrutura não estão fora do sistema, mas dele fazem

parte, conforme ensina Lourival Vilanova148

: “As normas que estatuem como

criar outras normas, isto é, normas-de-normas, ou proposições-de-proposições

não são regras sintáticas fora do sistema. Estão no interior dele”.

145 Ob. Cit., pág. 187. 146 Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade, pág. 103. 147 Ob. Cit., pág. 352. 148 Ob. Cit., pág. 164.

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127

O direito positivo, assimilando estas lições, pode ser tido como um

sistema comunicacional, nomoempírico, não descritivo e prescritivo. Nele a

racionalidade do homem é empregada com fim de direcionar a conduta

humana. O quê se dá através de linguagem técnica.

A Ciência do Direito, ressalte-se, não regula, mas descreve este

sistema, formando seu próprio. Apresenta-se como um sistema

comunicacional, nomoempírico e descritivo, vertido em linguagem científica.

Sistema esse que será melhor trabalhado no próximo subcapítulo.

7.2. A Ciência do Direito e seus ramos

Se, como exposto, o direito positivo pode ser definido como

complexo de normas jurídicas válidas num determinado país; a Ciência do

Direito pode ser definida o ramo da Ciência que estuda o direito positivo,

segundo um ponto de vista específico. Aquele de descrevê-lo na atualidade,

não se importando com visões históricas, sociológicas, antropológicas ou

políticas.

Cabe, portanto, a este ramo de estudo a descrição do complexo

normativo, ordenando-o, sistematizando-o, através de sua hierarquia e das

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formas lógicas que entrelaçam as várias unidades do sistema jurídico positivo.

Sua função primordial é esclarecer o conteúdo de sua significação.

Assim, enquanto o direito positivo disciplina o comportamento

humano no convívio social, através de uma fórmula linguística prescritiva, a

Ciência do Direito estuda este feixe de proposições prescritivas, observando,

investigando, interpretando e, sobretudo, descrevendo, tendo sempre em vista

uma metodologia predeterminada. Para tal, o cientista utiliza-se sobremaneira

de uma linguagem descritiva.

Em relação ao direito positivo, a Ciência do Direito é uma

sobrelinguagem, uma metalinguagem, uma linguagem de sobre nível. Está

acima da linguagem do direito positivo, pois discorre sobre ela, descrevendo-a

como sistema empírico. Neste sentido, Lourival Vilanova149

.

Segundo o autor, aplicam-se a essas duas formas de linguagem,

a do direito positivo e a da Ciência do Direito, duas lógicas distintas: ao

primeiro, a lógica deôntica, referente à valência válido/não válido e à tripartição

dos modais obrigatório/permitido/proibido; à Ciência do Direito, a lógica alética

ou apofântica (é a lógica clássica), referente à valência verdade/falsidade.

149 Ob. Cit., pág. 78.

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129

A linguagem do legislador é uma linguagem técnica, um discurso

natural com palavras e expressões de caráter científico. Contudo, a pluralidade

de formação dos representantes populares apresenta a possibilidade do

surgimento de atecnias e imperfeições; isso ao mesmo tempo em que, quanto

maior a diversidade dos representantes, mais autêntica é a representatividade

dos variados setores da comunidade social. Como esclarece Paulo de Barros

Carvalho150

.

É justamente em função da representatividade popular que

aparecem as impropriedades, os erros, as atecnias, as deficiências e as

ambiguidades comuns aos textos legais. As quais surgem em função de não

ser o legislador um técnico no assunto, mas um representante de seu

estamento social.

Já a linguagem do cientista do Direito, mais do que técnica é

científica. Suas proposições descritivas são dotadas de harmonia,

característica dos sistemas enquadrados no formato da lógica alética.

Organizam as unidades segundo critérios da identidade, da não-contradição e

do terceiro excluído, próprios do pensamento apofântico.

150 Ob. Cit., pág. 36.

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130

Porém, as dificuldades com vocabulário especializado não

cessam no nível da linguagem científica. A solução aqui viria através de um

grande esforço semântico. Mas o problema persiste no nível da Teoria Geral do

Direito, ao qual se chega através de sucessivas generalizações. Só sendo

resolvido através de um processo de formalização extrema, típico da Lógica

Jurídica.

Assim, o problema semântico permanece no nível da linguagem

científica, que para permitir um maior aprofundamento e facilitar a

aprendizagem, apresenta didaticamente divisão em ramos de estudo.

Contudo, há de ser ressaltado, neste ponto, que se a divisão de

diversos ramos do direito, didaticamente útil, carece de possibilidade de ser

efetivada, a ponto de se falar em autonomia dos ramos do direito, pois se

referem ao mesmo e uno objeto, o direito positivo. Além disso, não há institutos

exclusivos de um ramo do direito.

A primeira classificação se dá entre o Direito Público e o Direito

Privado. Tem como fator de discriminação o tipo de relação jurídica que as

normas descritas por estes ramos da Ciência do Direito estudam. Leciona

Maria Helena Diniz151

151 Ob. Cit., pág. 256.

que o Direito Público estuda as normas que regem as

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131

relações em que um dos sujeitos é o Estado, tutelando interesses gerais e

visando o fim social, perante seus membros ou outros Estados. O Direito

Privado, por sua vez, trata de relações entre particulares.

O Direito Público pode ser dividido em Interno e Externo. O Direito

Público Interno pode ser classificado em: Direito Constitucional, Direito

Administrativo, Direito Tributário, Direito Financeiro, Direito Processual, Direito

Penal, Direito Previdenciário e Direito Internacional Público.

Nesse sentido tem-se que o Direito Constitucional trata das

normas que regulam a estrutura básica do Estado, com relação a sua

organização, a sua divisão de poderes, suas funções e limites de seus órgãos

bem como das relações entre governantes e governados.

O Direito Administrativo, por sua vez, tem como objetivo as

normas referentes à atividade estatal, exceto o que se refere aos atos

jurisdicionais e legislativos, estudando a busca pelos fins sociais e políticos

através da organização dos atos do executivo.

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132

Ao Direito Tributário compete descrever aquelas normas que

visam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de

tributos.

O Direito Financeiro o complementa. Estuda as normas que

tratam das receitas e despesas do Estado, organizadas de forma a atingir seus

fins sociais e políticos. Excetuando-se aquelas tratadas pelo próprio Direito

Tributário.

O Direito Processual trata das relações processuais jurisdicionais.

Estuda as atividades do Judiciário. Basicamente pode ser classificado em

Direito Processual Civil, que trabalha as normas processuais

instrumentalizadoras daquelas que regulam as relações civis, ou seja, entre

particulares na vida civil; e Direito Processual Pena,l que objetiva as normas

que instrumentalizam aquelas estudadas pelo Direito Penal.

O Direito Penal, por sua vez, estuda as normais penais, as quais

estabelecem crimes e contravenções, além das penas correlatas, de aplicação

estatal.

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133

O Direito Previdenciário trata das normas que amparam os

trabalhadores, garantindo-lhes benefícios da previdência e da assistência

social.

O Direito Internacional Público estuda as normas disciplinadoras

das relações entre os diversos Estados e as Organizações Internacionais.

Na seara do Direito Privado a classificação se dá em: Direito Civil,

Direito Empresarial ou Comercial, Direito do Trabalho e Direito do Consumidor.

Contudo, é relevante ressalvar a atual publicização do Direito Privado em

decorrência cada vez maior do papel do Estado na vida do cidadão. Também

aqui deve-se apontar a existência de questão sobre a unificação entre o Direito

Civil e o Direito Empresarial, a partir da unificação da legislação pelo Código

Civil de 2002, mas ainda amplamente controvertida. É a lição de Maria Helena

Diniz152

.

O Direito Civil estuda as normas que regulam os direitos e

deveres de todos os indivíduos, enquanto assim entendidos, abrangendo

normas sobre capacidade, personalidade, relações familiares, sucessão etc.

152 Idem, pág. 257.

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134

O Direito Empresarial ou Comercial trata das normas que

disciplinam a atividade do empresário e de qualquer pessoa, física ou jurídica,

destinada à finalidade econômica, desde que habitual e dirigida a resultados

patrimoniais.

O Direito do Trabalho estuda as normas que regem as relações

entre empregador e empregado, compreendendo normas sobre organização do

trabalho e produção.

O Direito do Consumidor estuda o conjunto de normas

disciplinadoras das relações do consumo existentes entre fornecedor e

consumidor, tutelando este frente aqueles em razão da desproporção de poder

econômico existente entre eles.

Tal classificação, segundo a própria Maria Helena Diniz153 pode

ser feita tanto no âmbito da Ciência do Direito como no direito positivo. Este

também é o entendimento de Paulo de Barros Carvalho154

, que estudando o

Direito Tributário, estipula duas formas de enxergá-lo.

153 Idem. 154 Ob. Cit., pág. 33.

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135

Primeiramente, trata do direito tributário positivo, como ramo

didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto de proposições

jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição,

arrecadação e fiscalização de tributos.

Quanto à Ciência do Direito, salienta que a ela compete descrever

seu objeto, o direito positivo tributário, através de proposições declarativas,

permitindo ao cientista conhecer e entender suas articulações lógicas, bem

como seu conteúdo orgânico, dentro de uma concepção unitária do sistema

jurídico vigente.

Contudo, dada a unicidade do direito posto, conforme tratada no

item anterior, permite ao estudioso concluir ser esta visão de utilidade

meramente didática. A aplicação do direito posto não se dá por ramos, mas

pelo sistema como um todo. Isto porque não há texto sem contexto, logo para

haver a incidência de uma norma isolada, há necessariamente o trabalho de

todo o sistema, objetivado pelo aplicador por um ato de vontade concluído pelo

ato de fala, de enunciação normativa. No que pode ser chamado de uma

processo de positivação.

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Segue o aplicador do direito neste percurso, não apenas os

quatro estágios interpretativos, como os requisitos da comunicação e do ato de

fala, consubstanciados na enunciação, objetivados na enunciação-enunciada.

Para analisar esta afirmativa, nos próximos dois subcapítulos

trataremos do sistema jurídico, entendido como ordenamento, em seu trabalho

de regrar as condutas, mas com ênfase na positivação, evidenciando a

incidência dentro das perspectivas do Direito Privado e do Direito Público, em

especial do Direito Tributário.

7.3. Direito privado e a vontade: problema de vício

O Direito Privado tomado como ciência, como visto no item

anterior estuda as relações jurídicas entre os indivíduos, sejam pessoas físicas

ou jurídicas.

Justamente por estudar as normas sobre relações entre

indivíduos, percebe o relevante papel da vontade, amplamente tratada na

juridicidade destas relações, em especial no ato jurídico e nos negócios

jurídicos.

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Maria Helena Diniz155

enfatiza o papel da vontade na produção do

ato jurídico em sentido estrito, pois afirma que ele é a mera manifestação da

vontade do agente.

Pontes de Miranda156

trata a vontade na teoria dos atos jurídicos

como essencial, mas enfatiza que apenas a vontade manifestada é

reconhecida pelo direito. Aquela expressa na produção do ato jurídico em

sentido estrito. Ao direito não interessa a vontade internalizada do agente.

A visão de Pontes de Miranda coaduna com aquela elencada por

Austin, quando trata da “felicidade” dos atos performativos, enfatizando que

para que o ato obtenha o resultado pretendido é necessário que a vontade dos

participantes dele esteja de acordo com aquela expressa no ato de fato.

O direito presume, portanto, que a vontade expressa segue no

mesmo vetor da vontade interna do agente. Presunção esta que só pode ser

revertida por prova em contrário, o que demanda prova de manifestação em

sentido oposto àquela tomada no primeiro momento.

155 Teoria Geral das Obrigações, pág. 45. 156 Tratado de Direito Privado, vol. 2, pág. 395.

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Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho157

têm a vontade

como fonte mediata das obrigações, quando analisado o ato jurídico negocial.

Mas o Código Civil é mais amplo no tratamento da vontade. Em

seu artigo 3º158

, por exemplo, elenca a possibilidade de sua manifestação como

um dos requisitos à capacidade civil, ao tratar como absolutamente incapaz de

exercer pessoalmente os atos da vida civil as pessoas que não possam

exprimi-la.

A vontade também tem papel de destaque no ordenamento civil

quando o assunto é o negócio jurídico. O artigo 104159

do Código Civil exige

para a validade do negócio jurídico, agente capaz. Para ser capaz, o agente

precisa poder exprimir sua vontade.

Nesse sentido, os artigos 107, 110,111 e 112 do mesmo diploma

legal enaltecem o papel da vontade, regulando como ela deve ser expressa

157 Novo Curso de Direito Civil, vol. II, pág. 24. 158 “Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.” 159“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

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para que o negócio jurídico seja válido. Não exige forma especial160, mantendo

sua forma expressa mesmo em contradição com a vontade reservada

mentalmente161. Reconhece o papel do silêncio quando a manifestação da

vontade não for necessária162, além da preferência da intenção à literalidade da

expressão da vontade163

.

Assim, percebe-se a intrínseca relação entre o Direito Privado e a

manifestação da vontade, como elemento essencial aos negócios jurídicos.

Tendo papel de destaque no ordenamento civil, como forma de garantir a

liberdade das pessoas ao praticarem atos da vida civil.

Conclui-se que mesmo sob outras premissas, a doutrina civilista

vem em grande parte reconhecendo a importância da manifestação da vontade

como fonte do direito e como ato necessário à formalidade dos negócios

jurídicos.

160 “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.” 161“Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.” 162“Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.” 163“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”

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7.4. Direito público e a legalidade

O Direito Público, como visto acima, estuda as normas que regem

as relações nas quais um dos sujeitos é o Estado, tutelando interesses gerais e

visando o fim social, perante seus membros ou outros Estados.

Nesta relação com o Estado, sofre o cidadão com uma

desigualdade ínsita de forças. Aquele, com suas funções legislativas, judiciais e

executivas, exerce grande poder sobre a vida deste. Por isso Maria Sylvia

Zanella Di Pietro164

esclarece que o Direito Administrativo nasceu e se

desenvolveu com base em duas ideias opostas: proteção aos direitos

individuais e necessidade de satisfação dos interesses coletivos. Daí surgiu,

segundo a autora, a bipolaridade entre a liberdade do indivíduo e a autoridade

da Administração, apresentadas sob a forma de restrições e prerrogativas. As

restrições decorrem do princípio da legalidade, enquanto as prerrogativas da

supremacia do interesse público sobre o particular.

Para a autora165

164 Direito Administrativo, pág. 65.

, o princípio da legalidade e o controle da

Administração pelo Judiciário surgem com o Estado de Direito e constituem

verdadeira garantia dos direitos individuais. De acordo com a legalidade, a

165 Idem, pág. 67

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Administração Pública só pode fazer o que a lei determina, como consta no

artigo 37 da Constituição Federal166

.

Seguindo essa linha de raciocínio, segundo a qual a legalidade é

uma garantia do cidadão, Fernando Facury Scaff167

defende ser a legalidade

uma interdição de proibição à realização da vontade de uma dada pessoa.

A legalidade ainda configura uma limitação da Administração

Pública no que concerne às contas públicas, tanto suas receitas como

despesas, no âmbito do Direito Financeiro. Configura relevante ponto de

controle pelo Tribunal de Contas que, conforme destaca Celso Ribeiro

Bastos168, constitui um dos principais fatores a serem verificados. Podendo ser

encarado como critério tanto do controle interno169 como do controle externo170

166“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” 167 Quando as medidas provisórias se transformam em decretos-lei ou notas sobre a reserva legal tributária, in Teoria Geral da Obrigação Tributária: estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges, pág. 215. 168 Curso de Direito Financeiro e Tributário, págs 88 a 94. 169“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.” 170 “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

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A importância da legalidade, como limitação da atuação estatal,

também se vê no Direito Tributário. Regina Helena Costa171 afirma estar a

legalidade fundada no primado da segurança jurídica e nas ideias de igualdade

e certeza. Trabalha com a classificação de legalidade genérica, extraída do

inciso II do artigo 5º da Constituição Federal172, e específica, extraída do inciso

I do artigo 150 da Carta Magna173

.

A primeira versa sobre: imposição de obrigações aos particulares,

proibição de comportamentos dos particulares, previsão de infrações e

cominação de penalidades. Em suma, tem seu conteúdo voltado à conduta do

particular.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;” 171 Ob. Cit., pág. 74. 172“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” 173“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

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A legalidade específica em matéria tributária tem, como ensina a

autora174

, origem histórica na Carta Magna de 1215, expedida pelo rei da

Inglaterra, João Sem Terra, que assegurou a garantia de participação

parlamentar na criação de tributos.

Em nosso sistema, seu fundamento repousa no inciso II do artigo

150 da Constituição, como mencionado acima. Visa limitar a atuação dos entes

federativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, impondo forma

específica à criação e ao aumento de tributo, a lei em sentido estrito. É

complementada pelo parágrafo 6º175

do mesmo artigo, que também a exige

para a concessão de: subsídio, isenção, redução da base de cálculo, crédito

presumido, anistia ou remissão.

Assim, também em nosso sistema é necessária a participação

parlamentar, através de veículo específico, a lei.

Contudo, há que se verificar se outros tipos legislativos se

encaixam nestas disposições, a saber: lei delegada, medida provisória, decreto

e tratado internacional.

174 Ob.Cit., pág. 79. 175“§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).”

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A lei delegada e a medida provisória têm força de lei ordinária e

causam dúvidas ao intérprete quanto a atenderem ou não o princípio da estrita

legalidade tributária.

No caso das leis delegadas, ficam afastadas as matérias que

requeiram leis complementares, por força do artigo 68 da Constituição

Federal176

. Artigo que também exclui as matérias: a) organização do Poder

Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, b)

nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais e c) planos

plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

As medidas provisórias, instrumentos tão utilizados em nossa

legislação e combatidos pela doutrina, pois como lembra Scaff177

176“Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

, têm origem

nos decretos-leis da época ditatorial, também têm força de lei e deveriam ser

utilizados em casos de relevância e urgência. Isto poderia dar a impressão de

§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. § 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício. § 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.” 177 Ob. Cit., pág. 214.

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que não coaduna com a imposição tributária, que salvo raríssimas exceções

não se encaixa nessas premissas.

Para Roque Antonio Carrazza178, a medida provisória configura

ato administrativo em sentido amplo, com algumas características de lei, que o

Presidente pode expedir em casos de relevância e urgência. Mas vencidos

estes dois requisitos gerais, existe a possibilidade de medidas provisórias

versarem sobre matéria tributária, como determina o parágrafo 2º do artigo 62

da Constituição Federal179

. Com a observação de que só podem produzir

efeitos a partir de sua conversão em lei.

No que se refere aos decretos, o parágrafo 1º do artigo 153 da

Constituição Federal180

178 Curso de Direito Constitucional Tributário, pág. 284.

estabelece poder o Presidente da República, atendidas

as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos

impostos sobre: importação de produtos estrangeiros; exportação, para o

exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; produtos industrializados; e

179 “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (...) § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)” 180 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”

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operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores

mobiliários.

Nesse ponto há divisão doutrinária. Parte da doutrina,

representada por Hugo de Brito Machado181, entende ser este um caso de

exceção ao princípio da estrita legalidade, enquanto outra parte, representada

por Regina Helena Costa182

, não vê aí exceção. Isto porque haveria, no seu

entender, uma mitigação de intensidade, em razão da praticabilidade e da

extrafiscalidade dos impostos sob este regime.

Da mesma forma, o ICMS, imposto sobre a circulação de

mercadorias e prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal

e de telecomunicações, incidente sobre combustíveis e lubrificantes, com base

no inciso IV do parágrafo 4º do artigo 155 da Constituição Federal183

181 Curso de Direito Tributário, pág. 82.

, poderia

182 Ob. Cit., pág. 183 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) X - não incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; (...) XII - cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

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escapar à estrita legalidade ou mitigar sua intensidade. Assim como no caso

da CIDE, contribuição de intervenção no domínio econômico, de que trata a

alínea “b” do inciso I do parágrafo 4º do artigo 177 da Carta Magna184

, passível

de alteração por decreto do Presidente da República.

Resta a análise dos tratados internacionais em matéria tributária.

Podemos afirmar que não há menção explícita a eles na Constituição, mas o

artigo 98 do Código Tributário Nacional185

h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b;

confere posição privilegiada aos

tratados, pois lhes dá força de lei, para alterar a lei e estabelecer o dever de

obediência pela legislação que sobrevenha. Quando tratarem de direitos e

(Incluída pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) (...) § 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) (...) IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)” 184 “Art. 177. Constituem monopólio da União: (...) § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) diferenciada por produto ou uso; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)” 185“Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

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garantias individuais, pelos parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da Constituição186

,

têm força de emenda constitucional.

Podem, portanto, tratar de matéria tributária, mas sua amplitude e

hierarquia ainda são bastante discutidas. Machado187

não concorda com a

posição hierárquica privilegiada dos tratados e trabalha com ordens jurídicas

diversas, absorvendo o ditame do artigo 98 do Código Tributário Nacional como

uma impropriedade. O tratado não teria o condão de revogar lei interna, pois

caso seja denunciado o tratado, a lei anterior volta a poder ser aplicada.

Percebe-se de tudo isso a importância da legalidade para o

Direito Público, dada a quantidade de normas sobre o tema e de doutrinas que

as descrevem.

Mas a legalidade no Direito Tributário vai além do que fora até

aqui tratado, pois saber que a criação ou majoração de tributos deva ser feita

por lei não é suficiente à sua compreensão. Deve-se buscar saber quais os

186“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)” 187 Ob. Cit., pág. 86.

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elementos essenciais ao tributo para sua criação. Tema já mencionado neste

trabalho.

Paulo de Barros Carvalho188

esclarece ser matéria exclusiva de

lei, no contexto até aqui exposto, os elementos da sua Regra Matriz de

Incidência Tributária.

Assim, tomada a norma tributária em sentido estrito, a Regra

Matriz de Incidência Tributária, de autoria de Paulo de Barros Carvalho189

, que

como as demais normas é composta de uma hipótese e um consequente.

Onde a hipótese prescreve um evento em abstrato, representado por três

critérios: material (constituído pelo núcleo verbal do evento e seu

complemento), espacial (local de incidência) e temporal (momento de

incidência); ao ocorrer tal evento, se liga ao consequente por um conectivo

deôntico obrigacional que estabelece a relação jurídica tributária

consubstanciada por dois critérios: pessoal (sujeito ativo, detentor do direito

subjetivo e sujeito passivo, quem tem o dever jurídico de recolher o tributo) e

quantitativo (base de cálculo e alíquota).

188 Ob. Cit., pág. 208. 189 Ob. Cit., págs. 414-425.

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Nesse sentido, é imprescindível tratar a obrigação tributária e

entender como surge. Segundo o artigo 113 do Código Tributário Nacional190, a

obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador, entendido

nos termos do artigo 114 do mesmo diploma legal191

como situação necessária

e suficiente à ocorrência desta obrigação.

Para Machado192, a obrigação tributária principal é uma obrigação

de dar, enquanto a acessória não envolve cunho patrimonial. Esclarece ainda

que apesar de no Direito Privado obrigação e crédito serem dois aspectos da

mesma relação, assim não acontece no Direito Tributário. Onde uma obrigação

ilíquida surge com a ocorrência do fato gerador e o crédito, através do

lançamento, é constituído para dar liquidez a ela. No mesmo sentido, em outros

termos, trabalha Carrazza193

.

Machado194

190“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

ainda salienta que as obrigações podem ter três

naturezas distintas: legais (quando decorrerem de lei), contratuais (quando

surgirem de manifestação da vontade) e decorrentes de ato ilícito (nascem da

prática de um ato contrário ao direito). Nesse contexto, classifica a obrigação

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorrente da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.” 191“Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.” 192 Ob. Cit., pág. 122. 193 Reflexões sobre a obrigação tributária, págs 183-197. 194 Ob. Cit., pág. 125.

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tributária como legal. No mesmo sentido entendem: Regina Helena Costa195,

Roque Antonio Carrazza196, Celso Ribeiro Bastos197, Ruy Barbosa Nogueira198

entre tantos outros.

Paulo de Barros Carvalho, trabalhando no prisma do giro

linguístico, acredita que este fato gerador seria a versão em linguagem

competente do evento ocorrido no mundo. Dando novos ares à teoria da

obrigação tributária. Não afasta a legalidade, mas enaltece a necessidade do

reconhecimento pelo direito de que o evento tenha ocorrido para lhes serem

atribuídas as consequências tributárias próprias. Esta posição possibilitará, no

próximo item, uma aproximação entre a legalidade e a vontade da autoridade

competente para produzir tal linguagem.

7.5. Legalidade e vontade

A legalidade e a vontade apresentam numa primeira vista uma

contradição entre si: ou o ato é baseado na legalidade ou na vontade. Neste

sentido trabalha Di Pietro199

195 Ob. Cit., pág. 191.

, pelo princípio da legalidade, a Administração

Pública só pode fazer o que a lei determina, enquanto no âmbito das relações

privadas o princípio correspondente é o da autonomia da vontade.

196 Ob. Cit., pág. 191. 197 Ob. Cit., pág. 192 198 Curso de Direito Tributário, pág. 142. 199 Ob. Cit., pág. 68.

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Mas independente da linha de pesquisa, alguns autores

vislumbram a relacionalidade entre os conceitos, como Nogueira200

, para quem

a obrigação, no Direito Privado, para surgir precisa da manifestação da vontade

das partes, obrigação ex voluntate, mas para surgir a obrigação tributária

principal é essencial a manifestação da vontade da lei, pois configura uma

obrigação ex lege, ou seja: com fundamento em lei.

Heleno Taveira Torres201

enaltece a autonomia privada como

poder de criar normas válidas, atribuído constitucionalmente aos particulares,

pelo negócio jurídico, mas, ao mesmo tempo, ressalta ser diferente o campo e

a forma de aplicação da norma tributária. A qual não visa obriga, permitir ou

proibir o negócio jurídico, mas apresentar outro prisma para enxergá-lo e

atribuir-lhe efeitos tributários.

Esta visão coaduna com o giro linguístico, pois tem por objeto a

linguagem, interpretando-a e atribuindo-lhe sentidos, num processo

hermenêutico do direito positivado. Possível pela escolha de um método

dogmático, restritivo do conteúdo da realidade semântica difusa, fundando este

corte metodológico em premissas sólidas, como as do próprio giro linguístico.

200 Ob. Cit. Pág. 142. 201 Direito tributário e direito privado, pág. 131.

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Uma dessas premissas é deixar de lado a concepção de verdade

absoluta da filosofia analítica e adotar o conceito de verdade como uma

construção linguística em nome da qual se fala.

Paulo de Barros Carvalho202

esclarece que a superação dos

métodos científicos tradicionais pelo movimento do giro linguístico deixou de

buscar puramente o valor da “verdade”, para assumir uma nova postura

cognoscitiva perante o que se entende por “sujeito”, por “objeto” e pelo próprio

“conhecimento”. A mudança de paradigma passou a exigir o próprio conhecer

da linguagem, condição primeira para a apreensão do objeto. Eis o resultado

desta transposição de sistemas referenciais. Uma vez estabelecidas as

fronteiras da nova visão científica.

Nessa perspectiva é que se analisa a relação entre legalidade e

vontade. Partimos dos pressupostos de legalidade expostos acima para

trabalharmos a vontade, dentro da legalidade. Sem perder de vista o Direito

Tributário.

Já foi apresentado o tratamento jurídico dos termos “legalidade” e

“vontade”, mas para entendê-los se faz necessário analisar qual o papel de

cada um desses termos na positivação do direito. Processo definido por Paulo

202 Ob. Cit., pág. 159.

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154

de Barros Carvalho203

como sequência de atos ponentes de normas, dentro da

dinâmica do sistema, com percurso uniforme e direção hierárquica sempre

descendente.

Neste contexto, parece que a “legalidade” está para o ato de fala

como, nos termos de Austin204

, o procedimento convencionalmente aceito com

o correspondente efeito convencionalmente atribuído, que inclui o dizer de

certos termos por determinadas pessoas em certas circunstâncias, então o

ordenamento estabelece as situações jurídicas e os procedimentos a serem

seguidos para que as normas possam ser criadas.

A lei tributária estabelece os elementos da Regra Matriz de

Incidência Tributária, composta de uma hipótese e um consequente. A hipótese

prescreve um evento em abstrato, representado por três critérios: material,

espacial e temporal. Este evento, ao ser verificado, dá causa à aplicação do

consequente, formado por dois critérios: pessoal e quantitativo.

Contudo, o simples estabelecimento linguístico do que deva

ocorrer não faz com que aconteça. É imprescindível a atuação do ser humano

para aplicar a norma geral e abstrata pela construção linguística da norma

individual e concreta. Há, portanto, comunicação entre diferentes autoridades,

203 Derivação e positivação no direito tributário, vol. I, pág. XIX. 204 Ob. Cit., págs. 14 e 15.

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sujeitos competentes para a produção de determinados atos previamente

regrados no processo de positivação. Aliás, com os ensinamentos de Austin

podemos afirmar que se as pessoas e as circunstâncias estabelecidas para

que em determinado caso sejam elas as capazes de invocar o procedimento a

ser adotado, então as normas jurídicas estabelecem quem é o órgão e o

procedimento adequados a tanto, em seu sistema.

A legalidade é aplicada tanto na norma de conduta, como na

norma de estrutura, para estabelecer por quem e como pode ser estabelecida a

norma. Segundo o que está estabelecido nela se encontra qual a vontade

relevante, pois se o procedimento deve ser adotado por quem tenha certos

pensamentos ou sentimentos, ou para a inauguração de certa conduta

consequente na parte de qualquer participante, então essa pessoa deve de fato

ter aqueles pensamentos ou sentimentos, tendo o real intuito de assim

proceder.

O direito estabelece o procedimento para que os órgãos

emissores de normas o sigam, segundo um dever de moralidade ou adequação

aos fundamentos de validade deste procedimento. A vontade está sempre

presente no ato de fala, inclusive da norma. Só que no direito só interessa a

vontade manifestada, como visto acima.

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Assim, estabelecida uma proximidade entre a legalidade e a

vontade passa-se no próximo capitulo a tratar a vontade como fonte do direito e

analisar quais as consequências que isto induz no sistema.

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8. Análise da vontade como fonte do direito

O giro linguístico é, até certo ponto, uma revolução na Ciência do

Direito. Do mesmo modo é revolucionário o tratamento das fontes do direito

como um processo enunciativo, como descrito por Tárek Moysés Moussallem.

Propomos um passo a mais nessa teoria, ao analisar a vontade do emissor, a

autoridade competente para produzir determinada norma, como fonte do direito

dentro do que se convencionou chamar de enunciação normativa.

Assumimos no presente trabalho o enfoque de fontes do direito

proposto por Paulo de Barros Carvalho205

como focos ejetores de normas

jurídicas, constituídos pelos órgãos habilitados pelo sistema à produção de

normas e pela atividade desenvolvida por eles para chegar a este fim.

Da mesma forma, assumimos a posição do autor206

205 Curso de Direito Tributário, págs. 79 e 80.

quanto às

normas se apresentarem em duplas, sendo introduzidas umas por outras.

Ambas compõe o direito positivo. As primeiras com o único objetivo de

introduzir as outras no sistema. Enquanto estas prescrevem condutas conforme

depreendidas do enunciado-enunciado.

206 Idem.

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Cabe agora, um breve estudo da multiplicidade de sentidos do

termo vontade, para situar a exposição dos demais pontos.

Podemos afirmar que a língua portuguesa utiliza pelo menos

cinco acepções para o termo “vontade”207

: faculdade de livremente praticar ou

deixar de praticar certos atos; firmeza moral, determinação; desejo, intenção;

capricho, veleidade; e necessidade física ou psíquica.

A partir dessas cinco acepções podemos trabalhar como o direito

regula sua produção e como absorve ou não tais acepções.

A vontade, como faculdade de livremente praticar ou deixar de

praticar certos atos, é a adotada pelo Código Civil208 ao tratar dos negócios

jurídicos, mas na sua forma manifestada, pois o direito não se interessa por

situações intrassubjetivas, como vista ao longo desse estudo. Como reconhece

também Pontes de Miranda209

ao tratar dos atos jurídicos em sentido estrito.

207 Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa, pág. 919. 208“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.” 209 Ob. Cit., pág. 395

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A vontade, tomada como firmeza moral ou determinação, se por

uma lado parece de difícil apreensão pelo direito, é passível de se comparar

com a moralidade administrativa, expressa no caput do artigo 37 da

Constituição Federal210

como requisito dos atos da Administração Pública.

Nesse sentido leciona Hely Lopes Meirelles211

, ao afirmar que a

moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato da Administração

Pública. Não se trataria da moral comum, mas da moral jurídica, entendida

como aquele conjunto de normas de conduta extraídos da disciplina interior da

Administração. Ressalva ainda o dever de atendimento, além do direito, à ética

da própria instituição.

A vontade, como desejo ou intenção, nos parece típica dos atos

jurisdicionais e dos atos administrativos que com base na análise da legislação

e dos fatos jurídicos, buscam produzir resultados intencionais. Daí a

necessidade de motivação das sentenças e dos atos administrativos.

No caso das primeiras, conforme determinação do artigo 458 do

Código de Processo Civil212

210 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

, que exige a fundamentação em que o juiz

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” 211 Ob. Cit., pág. 89. 212“Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

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analisará as questões de fato e de direito. O que servirá de controle de sua

vontade.

No caso dos atos administrativos, Hely Lopes Meirelles213 lembra

que da interpretação conjunta do inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna214,

com a moralidade expressa no caput do artigo 37 do Texto Maior215

, surge o

entendimento de que a motivação lhe é essencial.

A vontade, como capricho ou veleidade, pode ser tomada como

pressuposto do abuso de direito, seja no âmbito civil, como disciplinado pelo

artigo 187 do Código Civil216, seja no campo do direito público, quando dará

ensejo à interposição do Mandado de Segurança, conforme o inciso LXIX do

artigo 5º da Constituição Federal217

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

.

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem.” 213 Ob. Cit., pág. 151. 214 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” 215 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” 216 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” 217“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

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161

Por fim, a vontade, tomada como necessidade física ou psíquica,

configura estado de necessidade, excluindo a ilicitude da conduta, conforme o

inciso I do artigo 23 do Código Penal218

.

Em todos estes sentidos de vontade, o agente, capaz de produzir

determinadas consequências jurídicas, dela precisa a fim de que o processo

enunciativo seja possível. Contudo, há de se ressaltar que a enunciação

relevante para que o direito enxergue sua fonte, possibilitando a recomposição

dos atos que levaram à enunciação, é apenas aquela enunciada.

8.1. Direito como comunicação

Aquilo que nos chega pela via dos sentidos, pela intuição

sensível, e que chamamos de “realidade”, é, na visão de Flusser219

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”

, dado

bruto, que se torna real apenas pela língua, única responsável pelo seu

aparecimento.

218“Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II - em legítima defesa;(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” 219 Ob. Cit., pág. 40.

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O mundo, nessa perpectiva, é “aparentemente” caótico, mas, pela

linguagem, pode ser ordenado, constituindo-se a “realidade”. Haveria, portanto,

um mundo “aparente” caótico e um mundo “real” ordenado. O espírito humano

avançaria da “aparência” para a “realidade”.

O território das condutas intersubjetivas, campo de eleição do

direito, sendo, como de fato pensamos ser, a realidade jurídica por excelência,

é construído pela linguagem do direito positivo, tomado aqui na sua mais ampla

significação. Quer dizer, o conjunto dos enunciados prescritivos emitidos pelo

Poder Legislativo, pelo Poder Judiciário, pelo Poder Administrativo e também

pelo setor privado.

São tais enunciados articulados na forma implicacional das

estruturas normativas e organizados na configuração superior de sistema, que,

podemos dizer, são, formam, criam e propagam a realidade jurídica.

Tomado o direito como linguagem que busca a comunicação

visando a prescrição de condutas, configura ato comunicacional. Seguindo os

ensinamentos da Semiótica, através das lições de Roman Jakobson220

220 Linguística e comunicação, pág. 123.

, pode-

se analisar os elementos que compõe esse agir. São seis os elementos

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essenciais da comunicação: remetente, mensagem, destinatário, contexto,

código e contato.

O remetente envia a mensagem ao destinatário. Tal mensagem

para ser eficaz necessita de um contexto, mas também ser transmitida através

de um código comum ao remetente e ao destinatário. Porém, sem um contato

ocorrido por um canal físico e uma conexão psicológica entre os dois sujeitos

da comunicação, esta não se estabelece.

Paulo de Barros Carvalho, como mencionado, aprofundou tal

teoria quanto às etapas pelas quais deve passar o emissor e o receptor para

que a comunicação se estabeleça.

A ênfase dessa análise, apresentada no Grupo de Estudo de

Lógica Jurídica do IBET, é dada ao fato de que antes da mensagem existem

fases tão importantes como o ato de fala em si, para que a mensagem seja

emitida e recepcionada.

Esta análise é feita sobre o longo processo de comunicação,

partindo de atividades mentais dos sujeitos até a recepção da mensagem,

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passa por nove etapas: dúvida, aporia, decisão, estímulo, vontade, resistência,

ato de fala, mensagem e recepção.

No início surge a “dúvida” quanto ao que falar e se deve ser

falado. Este momento é crucial para começar o procedimento do que pode vir a

ser o ato de fala. Configura uma fase introspectiva, mas de suma relevância.

Porém, não pode ser diretamente apreendida pelo observador, pois acontece

no intelecto do emissor, não sendo expressa na linguagem. Resultado esse

que só existirá se a dúvida for solucionada a favor da fala.

A segunda fase é da “aporia”, na qual são elencados pelo sujeito

emissor os argumentos a favor e contra a mensagem e o conteúdo a ser

expresso, configurando uma fase reflexiva.

A “decisão” permite ao emissor escolher o conteúdo que pretende

emitir. Neste ponto, o emissor sofre um “estímulo” externo que o induz ao ato

de fala.

Com o “estímulo”, o emissor desenvolve a “vontade” de emitir o

ato comunicacional. A vontade, neste sentido, seria aquela força que empurra o

emissor a produzir o ato de fala. Assim como nas outras fases internas do

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intelecto do emissor, é nítida a dificuldade de apreensão desta vontade pelo

observador ou mesmo pelo receptor, pelo menos numa primeira análise.

Contudo, esta conduta intrassubjetiva assume intersubjetividade através de sua

manifestação. A partir do quê permite a análise por terceiros, pois deixa

necessariamente marcas na mensagem, no texto. Tornando-se passível de ser

depreendida.

Mesmo apresentando vontade de falar, o emissor precisa vencer

algumas “resistências” maiores ou menores: a timidez, o medo, a falta de

oportunidade de falar etc. Vencida esta fase, o emissor procede o ato de fala,

enviando a mensagem.

Não se pode esquecer que durante todo este processo, há um

contato entre o emissor e o receptor, através de uma conexão, física e

psicológica, produzindo o ato de “recepção”.

Assim, o processo comunicacional não configura apenas o ato de

fala em si, mas pode ser também tido como a objetivação da vontade do

emissor. Paralelamente, o processo de produção normativo, a enunciação,

configura a objetivação da vontade do legislador em sentido amplo.

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Esse processo enunciativo não pode ser apreendido na

totalidade, pois é anterior ao direito, não é totalmente enunciado e, portanto, se

consubstancia em fonte do direito. Mas como deixa marcas no enunciado

normativo, a enunciação-enunciada, permite ao intérprete do direito refazer o

caminho, com o intuito de verificar a licitude da produção normativa. Esta é a

lição de Fiorin221 e Moussallém222

.

Neste sentido, a produção do direito pressupõe o ato de fala que,

ao ser realizado, emite linguagem; a qual não só constitui o direito, mas fala

dele, consubstanciando seus dois sistemas: ordenamento e Ciência do Direito.

Sendo certo que não se imagina a manifestação do direito sem linguagem,

idiomática ou não, seu veículo de expressão. Também o é a interpretação. Pois

atribui valores aos símbolos, suas significações e, por elas, estabelece

referências a objetos.

Esse processo enunciativo pressupõe interpretação da norma de

superior hierarquia, fundamento de validade da norma de hierarquia inferior,

como limite material a tratar no conteúdo daquela recém-produzida.

Esse processo interpretativo, tomado do ponto de vista interno do

sistema, para aplicá-lo no caso concreto, configura aquela atividade tida por

221 Ob. CIt., pág. 38. 222 Ob. Cit., pág. 80.

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Paulo de Barros Carvalho223 como positivação. Quando o aplicador do direito

assume a figura de poeta em Flusser224

numa atitude ponente de normas.

Um dos alicerces que suportam esta construção figura na

diferença entre enunciados e normas jurídicas, com os diferentes campos de

irradiação semântica.

Seguindo a premissa da unicidade do texto jurídico-positivo, pode-

se alcançar os quatro subsistemas pelos quais se locomovem obrigatoriamente

todos aqueles que se dispõem a conhecer o sistema jurídico normativo: a) o

conjunto de enunciados, tomados no plano da expressão; b) o conjunto de

conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; c) o domínio articulado

de significações normativas; e d) os vínculos de coordenação e de

subordinação que se estabelecem entre as regras jurídica. Como leciona Paulo

de Barros Carvalho225

.

A lei, vista sob certo ângulo, representa o texto, na sua dimensão

de veículo de prescrições jurídicas. Constituição, emenda constitucional, lei

complementar, lei delegada, lei ordinária, medida provisória, resoluções,

decretos, sentenças, acórdãos, contratos e atos administrativos, enquanto

suportes materiais de linguagem prescritiva, configuram veículos introdutórios 223 Ob. Cit., pág. XIX. 224 Ob. Cit., pág. 144. 225 Ob. Cit., págs. 181 e segs.

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de normas jurídicas, constituindo a base empírica do conhecimento do direito

posto. Já a norma jurídica é juízo implicacional, construído pelo intérprete, em

decorrência da atividade humana no trato com os suportes comunicacionais.

É preciso atentar que o discurso produzido pelo legislador, em

sentido amplo, é passível de redução a uma norma jurídica, cuja composição

sintática é constante: um juízo condicional que associa a realização de um

acontecimento eventual previsto no antecedente, e passível de ser absorvido

faticamente por linguagem adequada, à uma consequência. Tal associação

ocorre pela atuação dos conectivos deônticos: obrigatório, permitido e proibido.

O direito, portanto, manifesta-se invariavelmente pela linguagem,

seja ela escrita ou não escrita, configurando um sistema de signos utilizado

para a comunicação, com função de conteúdos prescritivos voltados para o

setor específico das condutas intersubjetivas.

8.2. Fonte do direito: enunciação x enunciação-enunciada

Tárek Moysés Moussallem226

226 Ob. Cit., pág. 136.

trabalha a produção normativa, sob

a ótica do giro linguístico, a partir da ação de fala, ou seja, a partir da

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enunciação. Enfatiza a separação dos conceitos de direito e fontes do direito,

criticando as posições clássicas baseadas na dualidade “fontes reais ou

materiais” e “fontes formais”, defendida por Ruy Barbosa Nogueira227

.

O autor buscou evidenciar a diferença entre o processo de

produção da norma jurídica e seu conteúdo, partindo de conceitos típicos da

filosofia da linguagem: enunciação, enunciado, enunciação-enunciada e

enunciado-enunciado.

A enunciação, para Moussallem228

, pode ser encontrada no plano

da facticidade social, compondo o ato da comunicação ou o processo

comunicacional entre dois ou mais sujeitos, com intuito de emitir um enunciado

jurídico. A enunciação, como qualquer evento social, pode se perder no tempo

se não for perpetuada através do que se chamará enunciação-enunciada.

O enunciado, como já tratado neste trabalho, pode ser encarado

como o texto, o meio para que a comunicação possa ser expressa. O

enunciado pode ser tido como texto escrito, que possibilita a perpetuação da

comunicação.

227 Ob. Cit., págs 47 e 48. 228 Idem, pág. 146.

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A enunciação-enunciada comporá o texto, deixando evidenciadas

as marcas da enunciação, como lugar, tempo, sujeito emissor, sujeito receptor,

ideologia e, em nossa opinião, vontade do emissor. Através das marcas

deixadas no texto, se torna possível reaver importantes informações do

processo comunicacional normativo, possibilitando analisar sua validade.

O enunciado-enunciado é o texto, aquele referente ao conteúdo,

afastando as marcas de sua enunciação. Dele serão extraídos os conteúdos

normativos a serem seguidos.

O estudo dessas categorias linguísticas possibilitou ao autor que

se afastasse da confusão do processo com o produto, admitindo serem as

fontes do direito as enunciações, mas que estas só poderiam ser apreensíveis

através das enunciações-enunciadas.

Para Eurico Marcos Diniz de Santi229

229 Decadência e prescrição no direito tributário, pag. 67.

, a enunciação configura

fonte de produção, enquanto a enunciação-enunciada configura fonte de

cognição. Isto porque com a enunciação se tem os fatos juridicizados por

normas de produção jurídica, idôneos para dar origem a novas unidades.

Enquanto as fontes de cognição seriam os documentos legais que funcionam

como veículos oficiais de mensagem jurídica.

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Mas não concordamos com a posição deste autor, pois tomada a

premissa do giro linguístico de que o direito é linguagem, sua fonte deve ser

algo diferente da linguagem, consubstanciando os atos que levem a sua

produção. Enquanto na enunciação-enunciada não se abrangeria o veículo

introdutor de normas jurídicas, papel realizado pelo enunciado, mas as marcas

deixadas nele daqueles atos que levaram a sua efetiva emissão.

Concordamos com Paulo de Barros Carvalho230

, quando afirma

serem os fatos absorvidos pela ordem jurídica como necessários à enunciação,

e não como enunciado, aqueles que formam o território das fontes do direito. O

que nos permite trabalhar as fontes do direito como algo diferente do direito

posto. Afastando a confusão entre o processo e o produto, típico das teorias

clássicas expostas acima.

Seguindo este raciocínio, se percebe que as normas de

competência e as normas do procedimento legislativo, previstas no sistema,

incidem em fatos, que se tornam jurídicos. Estes fatos são aqueles analisados

do prisma da enunciação normativa, o processo, não do enunciado, o produto;

como enfatiza Paulo de Barros Carvalho231

.

230 Idem, pág. 81. 231 Ob. Cit., pág. 83.

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Para Tárek Moysés Moussallem232

, o fato produtor de normas é o

fato-enunciação, aquela atividade exercida pelo agente competente, realizada

por atos de fala. Contudo apenas com a enunciação-enunciada é possível o

controle da enunciação, pois sem as marcas deixadas no texto pelo processo

enunciativo, não há como controlá-lo.

Neste sentido surgem dúvidas quanto à verificação da validade de

uma norma e sua relação com a enunciação. Podemos afirmar que tal relação

só pode acontecer com a enunciação-enunciada, dada sua perpetuação pela

forma escrita no texto jurídico.

A validade de uma norma quanto ao sistema dependerá de uma

análise da fundamentação desta em outra norma de superior hierarquia, além

do procedimento adotado na sua produção, passível de se verificar através das

marcas deixadas no texto instrumento introdutor da norma.

Concordamos com Tárek Moysés Moussallem233

232 Fontes do Direito Tributário, pág. 150.

, quando afirma

que a partir da enunciação-enunciada é possível reconstruir a linguagem da

enunciação, para realizar o confronto da enunciação-enunciada com o

fundamento de validade do enunciado e aferir se ocorreu em conformidade

com o prescrito no ordenamento.

233 Ob. Cit.,, pág. 152.

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173

8.3. Vontade na enunciação

Todo ato pressupõe uma vontade de produzi-lo. A enunciação

engloba, nos paradigmas do giro linguístico, todo processo que leva ao ato de

fala. Esta é a lição de Paulo de Barros Carvalho ao apresentar sua análise

deste ato, com as nove fases: dúvida, aporia, decisão, estímulo, vontade,

resistência, ato de fala, mensagem e recepção. Diga-se, englobando etapas

intrassubjetivas e intersubjetivas.

A vontade na enunciação consta do conjunto das condutas

intrassubjetivas, predecessora, mas essencial ao ato de fala. Como ensina

Schopenhauer234

, a vontade pode ser tomada como objeto do conhecimento do

próprio agente, que indissociavelmente age produzindo tal conhecimento.

Contudo, pode ser observada no objeto, como vontade objetivada, por terceiro

interessado em estudá-la. Este só a apreenderá pela representação, sua forma

objetivada. Diga-se: com limites, em decorrência da perspectiva do observador.

A vontade é essencial à realização do ato, mas pode ser viciada,

na produção de um ato quando se pretendia a prática de outro. Resta saber se

tal situação interessa ao direito ou não. O que já foi objeto de análise neste

234 Ob. Cit., pág. 157.

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trabalho, quando tratadas as diversas acepções de vontade pelo direito. A

conclusão foi de que em muitos casos tal vontade é relevante, mas apenas

quando manifestada. Diga-se enunciação-enunciada.

Mas o ato de fala, conforme vislumbrado por Austin, requer que

haja uma correlação entre a vontade interna e aquela manifestada, no decorrer

dos atos que levam ao ato performativo, para que ele se efetue.

8.4. Vontade na enunciação-enunciada

A vontade na enunciação-enunciada é a aquela manifestada. Mas

deve, conforme exposto até aqui, corresponder à vontade interna para que o

ato de fala performativo se efetive, como é o caso das normas jurídicas.

Nesse sentido, a discrepância entre as vontades a interna e a

manifesta gera uma incongruência entre o ato realizado e o pretendido,

levando à ineficácia e à invalidade. Aquela em razão da natureza

comunicacional do direito. Esta, eventual, em razão das normas que

prescrevam os atos que levam à produção normativa, relegando o problema à

matéria de prova.

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A prova no caso teria por objetivo não a vontade em si, pois não

mensurável pelo direito, mas a manifestação desta vontade. Frise-se: a

vontade interna não será conhecida enquanto não manifestada.

Logo, a vontade relevante ao direito é aquela manifestada no

enunciado jurídico: a enunciação-enunciada. A partir daí, poderá o jurista

buscar as informações relevantes ao direito para verificar a adequação da

vontade manifesta ao fundamento de validade e às normas de estrutura,

reguladoras da produção normativa.

A vontade interna só pode ser conhecida, segundo as lições de

Schopenhauer235

, pelo sujeito do conhecimento que trata da própria. Quando

observada por terceiro só pode ser conhecida por sua objetivação, no caso, o

enunciado. Isto acontece em razão da vontade ser um conhecimento a priori do

corpo do próprio agente, enquanto a ação do corpo configura objeto do

conhecimento a posteriori da vontade.

Cabe aqui estabelecer se há um lugar específico no texto para

que a vontade seja expressa.

235 Ob. Cit., pág. 157.

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Nas lições de Tárek Moysés Moussallem, a Lei Complementar 95

de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre elaboração, redação, alteração e

consolidação das lei, prescreve em seus artigos 3º, inciso I236, 4º237 e 6º238

as

partes do enunciado em que a enunciação-enunciada pode figurar. Tais

dispositivos elegem a parte preliminar das leis, compreendendo a epígrafe, a

ementa, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das

disposições normativas. Compreendendo as particularidades de cada uma,

como: a epígrafe apresenta a identificação da lei, enquanto o preâmbulo indica

o órgão ou instrumento para a prática do ato.

Embora a indicação geográfica no enunciado das marcas da

enunciação seja útil, não são as únicas marcas que podem ser extraídas. Do

enunciado pode-se também extrair valores da autoridade competente, que

levaram tal autoridade a decidir enunciar a norma daquela forma, configurando

assim a vontade. Esta sucede a decisão e o estímulo externo, para enunciar a

236 “Art. 3o A lei será estruturada em três partes básicas: I - parte preliminar, compreendendo a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas; II - parte normativa, compreendendo o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada; III - parte final, compreendendo as disposições pertinentes às medidas necessárias à implementação das normas de conteúdo substantivo, às disposições transitórias, se for o caso, a cláusula de vigência e a cláusula de revogação, quando couber.” 237“Art. 4o A epígrafe, grafada em caracteres maiúsculos, propiciará identificação numérica singular à lei e será formada pelo título designativo da espécie normativa, pelo número respectivo e pelo ano de promulgação” 238 “Art. 6o O preâmbulo indicará o órgão ou instituição competente para a prática do ato e sua base legal.”

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norma a partir dos valores eleitos, deixando de fora aqueles preteridos. É o

caso do preâmbulo da Constituição239

.

Neste caso os valores eleitos foram: a garantia dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade, a justiça, a fraternidade, a pluralidade, a

harmonia, o rechaço dos preconceitos, a paz e a religião.

8.5. Vontade na análise da validade

A validade, nas lições de Paulo de Barros Carvalho240

, não

constitui propriedade ou atributo que qualifica a norma jurídica, mas se realiza

no vínculo entre a proposição normativa, considerada na sua inteireza lógico-

sintática, e o sistema do direito posto. Ser norma é pertencer ao sistema.

239“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” 240 Ob. Cit., pág. 114.

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Segue o mesmo raciocínio Eurico Marcos Diniz de Santi241

, para

quem definir validade implica a identificação da forma, momento, local e

autoridade competente para a produção normativa.

A vontade compõe a análise feita pela autoridade competente,

seja no caso do livre convencimento do juiz, ou mesmo naquele ato

administrativo plenamente vinculado, pois ambos exigem, como exposto,

motivação. O que deixa marcas quanto à vontade manifesta.

Tárek Moysés Moussallem242

ressalta: “A partir da linguagem do

veículo introdutor (enunciação-enunciada), reconstruímos a linguagem do

procedimento produtor de enunciados (enunciação), e realizamos o confronto

entre esta e a linguagem da norma de produção normativa (fundamento de

validade do veículo introdutor) para aferirmos se a produção normativa se deu

ou não em conformidade com o prescrito no ordenamento”.

No modelo kelseniano, como já exposto no presente trabalho, é

considerada norma válida aquela produzida por órgão credenciado pelo

sistema e na conformidade com o procedimento também previsto pela

ordenação total. Ao lado de um critério de dedutibilidade lógica da norma no

241 Ob. Cit., pág. 68. 242 Ob. Cit.,, pág. 152.

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sistema. Ingressará no ordenamento a norma que se adequar a tais requisitos,

de forma a estabelecer o conceito de validade da norma jurídica.

Contudo, a norma entra no sistema e, apenas quanto contestada

judicialmente, terá tais requisitos avaliados. De forma que a norma é criada

jurídica e só depois pode deixar a relação de pertinencialidade, de acordo com

os meios estabelecidos em dado sistema. E mesmo nesta hipótese permanece

válida para o período anterior a sua revogação, ab-rogação ou declaração de

inconstitucionalidade.

Nesse contexto, a vontade tomada naquelas cinco acepções

trabalhadas no início deste capítulo, quais sejam: faculdade de livremente

praticar ou deixar de praticar certos atos; firmeza moral, determinação; desejo,

intenção; capricho, veleidade; e necessidade física ou psíquica; pode figurar

como requisito legal à enunciação de uma determinada norma jurídica. Mas

mesmo não sendo assim eleita, figura como fonte do direito sob o prisma dos

atos de fala.

Tomada a vontade como requisito do ato de fala jurídico, cabe a

análise da efetivação performativa da norma, caracterizada pela eficácia. Mas

também cabe a análise da vontade como requisito de validade da norma,

quando assim requerida pelo direito.

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Conclusão

A partir do que foi exposto no presente trabalho chegou-se às

seguintes conclusões:

I – O direito configura ato comunicacional, caracterizado pela

prescrição de condutas, expresso numa estrutura sintática própria e com

conteúdo semântico variável.

2 – O direito positivo apresenta relação íntima com a linguagem,

sendo vistos pelo giro linguístico como sinônimos.

3. – A linguagem constrói a realidade jurídica, sendo, criando,

modificando e propagando o direito, com o intuito de regrar condutas

intersubjetivas.

4 – O direito é criado por um ato de fala, consubstanciado num

ato performativo, apresentando-se em três esferas: o ato locucionário

(realizado na enunciação da frase), o ato ilocucionário (realizado pela produção

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do ato que se pretende produzir com a enunciação da frase) e o ato

perlocucionário (configura o resultado da linguagem utilizada nos demais)..

5 – O direito como ato comunicacional figura no campo de estudo

da Semiótica, permitindo a análise dos elementos desta comunicação:

remetente, mensagem, destinatário, contexto, código e contato.

6 – Mas também analisando fases anteriores à intersubjetividade,

começando pela dúvida, aporia, decisão, estímulo, vontade, resistência, ato de

fala, mensagem até a recepção da mensagem pelo destinatário.

7 – O direito como ato comunicacional pode ser analisado,

portanto, como ato de fala performativo. Precisa cumprir as seis fases de

“felicidade” estabelecidas por Austin para que produza os efeitos desejados:

a) Deve existir um procedimento convencionalmente aceito com o

correspondente efeito convencionalmente atribuído. Esse procedimento deve

incluir o dizer de certos termos por determinadas pessoas em certas

circunstâncias.

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b) As pessoas e as circunstâncias, em particular, para

determinado caso, devem ser aquelas apropriadas para a invocação do

procedimento adotado.

c) O procedimento deve ser executado por todas as pessoas

envolvidas, correta e

d) completamente.

e) Quando, usualmente, o procedimento deve ser adotado por

quem tiver certos pensamentos ou sentimentos, ou para a inauguração de

certa conduta consequente da parte de qualquer participante, então a pessoa

participante e envolvida no procedimento deve de fato ter aqueles

pensamentos ou sentimentos e os participantes devem ter o real intuito de

assim proceder.

f) Esses atos dentro do procedimento devem ser adotados pelos

participantes de forma subsequente uns aos outros.

8 – O direito ao percorrer as etapas descritas nos itens 5, 6 e 7,

acaba por percorrer o caminho da positivação.

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9 – A positivação pressupõe intertextualidade entre normas gerais

e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas, e individuais e

concretas.

10 – O caminho da positivação começa pela interpretação

normativa, que tende ao infinito, pois é inesgotável.

11 – Contudo a interpretação não leva sempre à positivação,

sendo também utilizada pela Ciência do Direito.

12 – Há independência entre os sistemas normativos e científicos.

13 – As fontes do direito podem ser analisadas sob diversos

ângulos, mas se analisadas a partir do giro linguístico deverão tomar por base

a diferença entre o processo de produção normativa e o produto: a norma.

14 – As fontes do direito tratadas por essa ótica englobam os

processos enunciativos: a enunciação normativa. Mas só são apreensíveis pelo

intérprete através da enunciação-enunciada.

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15 – O direito tomado como ato comunicacional e analisado

segundo a teoria dos atos de fala tem como elemento integrante da enunciação

a vontade, que ser tida como fonte do direito.

16 – A vontade pode ser analisada, quanto interna, apenas pelo

agente que a detém, mas quando externalizada, por outros observadores, pois

é objetivada em seu produto.

17 – A objetivação da vontade no direito só pode ser analisada

através do enunciado, mais precisamente da enunciação-enunciada, pois a

vontade integra a enunciação e sua manifestação só ocorre quando enunciada.

18 – A vontade, materializada na enunciação-enunciada, e objeto

de análise pelo intérprete do ato de fala do direito, apresenta-se em cinco

acepções que são trabalhadas pelas normas como requisitos à produção do

direito: faculdade de livremente praticar ou deixar de praticar certos atos;

firmeza moral, determinação; desejo, intenção; capricho, veleidade; e

necessidade física ou psíquica.

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19 – A vontade pode ser critério de análise de eficácia da norma,

mas também de validade, a depender do requisito estabelecido pelo próprio

direito. Nesse sentido pode ser provada quando manifesta. Mas impossível

averiguar a vontade interna do agente. Cabe a prova apenas quanto a sua

manifestação.

20 – A aplicação da norma tributária também demanda o exercício

da vontade da autoridade para produzi-la, sendo fase integrante do processo

enunciativo da norma jurídica.

21 – A enunciação-enunciada pode estar contida em alguns

pontos geográficos do texto jurídico, mas também é passível de ser

depreendida do próprio enunciado, não havendo uma separação fixa.

22 – O presente trabalho logrou êxito ao refletir sobre o papel da

vontade com fonte do direito, estabelecendo, em consonância com uma análise

do direito como linguagem, seu foco de aplicação. A vontade pode ser

elemento para configurar a validade de alguns atos jurídicos quando for

expressamente estabelecido, mas quando o direito não for expresso quanto a

seu papel, a vontade serviria para analisar a eficácia das normas produzidas

sob sua égide.

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