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Porque não gosto das facas tipo scandi! Bem, como eu havia “prometido” em um tópico sobre novas Moras com maiores espessuras de lâmina, vou emitir e embasar minha opinião sobre as chamadas lâminas tipo scandi em geral. Criei um tópico específico porque irei falar genericamente sobre as scandi e com isso não gostaria de “seqüestrar” o tópico dos amigos. Pensei bastante antes de escrever este post pois sei que vou mexer com algumas paixões, em que pese as scandi não serem assim tão comuns em nosso meio ( Brasil ). Por isso mesmo me determinei fortemente a embasar da melhor maneira que foi possível meu ponto de vista, pois assim além de não ficar algo do tipo “não gosto porque não gosto”, o que é

Porque não gosto das facas tipo scandi!

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Porque não gosto das facas tipo scandi!

Bem, como eu havia “prometido” em um tópico sobre novas Moras com maiores espessuras de lâmina, vou emitir e embasar minha opinião sobre as chamadas lâminas tipo scandi em geral.

Criei um tópico específico porque irei falar genericamente sobre as scandi e com isso não gostaria de “seqüestrar” o tópico dos amigos.

Pensei bastante antes de escrever este post pois sei que vou mexer com algumas paixões, em que pese as scandi não serem assim tão comuns em nosso meio ( Brasil ). Por isso mesmo me determinei fortemente a embasar da melhor maneira que foi possível meu ponto de vista, pois assim além de não ficar algo do tipo “não gosto porque não gosto”, o que é vago e fortemente influenciado por puro gosto pessoal, permitirá a quem quer que seja que contra-argumente também baseado em aspectos técnicos e não em impressões subjetivas pessoais.

Vamos contextualizar geograficamente a origem destas lâminas, com suas implicações culturais e de recursos naturais tanto para confecção quanto aplicação prática das mesmas.

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Sua origem inegavelmente, ao menos a mais difundida e onde há ampla utilização é a nórdica/escandinava. Não vamos aqui entrar em detalhes das mais representativas variantes existentes, Moras e Puukkos pois em essência usam a mesma filosofia com as mesmas implicações culturais e de cenários.

Estamos tratando de uma região de clima polar a temperado com um rigoroso e desafiador ambiente que é um verdadeiro desafio ao ser humano.

Nos primórdios, quando surgiu tal conceito de lâmina que consiste basicamente em uma barra de aço relativamente fina, com espessura integral e homogênea a partir da qual de faz um único desbaste de cada lado, desbastes estes que irão originar o fio em V propriamente dito, tang mais fino que a lâmina e “embutido” em uma empunhadura de madeira.

Ora, aço era um material relativamente raro, difícil de se trabalhar, que exigia conhecimento altamente especializado ( ferreiro/cuteleiro ) e caro!

Isso inicialmente norteou a confecção destas facas, pois é muito mais fácil obter por forjamento ( originalmente todas eram forjadas ) uma lâmina relativamente fina e plana. Nesta lâmina fazer-se um fio com um único desbaste de cada lado também implica em maior facilidade. O próprio ângulo utilizado facilita ( hoje varia entre 10 e 13 graus ) tal operação, pois relativamente pouco metal tem que ser removido. O tang totalmente embutido em um cabo de madeira também faz todo sentido em um ambiente congelante pois é excelente isolante térmico e o toque da pele com o aço exposto, mesmo que uma estreita porção, não é nada desejável!

Este tipo de desbaste básico, que mantêm a integralidade da espessura da lâmina em mais de 2/3 de sua largura, proporciona a mais alta resistência mecânica à flexões, torções e impactos, e desde que a secção transversal do aço logo acima do ombro do fio se mantenha na casa de 1mm, haverá boa habilidade de corte.

Mas como sabemos, hoje as difundidas Moras tem entre 2 e 2,5mm imediatamente acima do ombro, o que já implica em boa redução da habilidade de corte.

Mas temos que ter em mente que em ambiente tão hostil e em que além de relativamente difícil obtenção, uma faca deveria desempenhar todas as funções dela exigidas, então mesmo que se tivesse que empenhar maior força para efetuar cortes em caças, peles, cordas, vegetais, etc, isto era preferível a uma lâmina com maior habilidade de corte porém com maior fragilidade estrutural. O fator peso também deve ser acrescido neste somatório de características que levaram à adoção e difusão deste perfil de lâmina nesta região, inicialmente!

Vale lembrar que outro item com frequência portado por quem se aventurava no ambiente hostil destas regiões era a “machadinha de neve/gelo”, talvez não na configuração como a conhecemos hoje, já que sua utilização data pelo menos da idade média.

A esta altura alguns já estão bravos porque o Cabral citou o que ele ACHA que sejam desvantagens mas não falou nadinha de nada da área em que as scandi realmente

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brilham: a lida com madeira!

Hehehehehehehe, ai eu pergunto: será que isto realmente é uma realidade quando feita a transposição para regiões com climas tropicais?

Mais uma vez embaso o meu ponto: as espécies arbóreas e por conseqüência madeiras predominantes nas regiões de tundra, taiga e mesmo de florestas temperadas é de gimnospermas, marcadamente coníferas, sendo os pinus os representantes mais reconhecidos.

Mas o que uma coisa tem haver com a outra? Simples, como para os aços de cutelaria existe uma escala de dureza conhecida da maioria, que é a escala Rockwell C, para madeiras há uma escala semelhante chamada Janka!

Salvo uma ou duas ( talvez um cadiquinho mais ) exceções, os pinus não ultrapassam 1000 na escala Janka, sendo 600/700 a média mais comum. Mesmo as chamadas madeiras duras do norte, como o red oak, hard maple e hickory ( muito utilizadas por sinal como cabo para facas ) ficam na casa de 1300, 1500 e 1900 respectivamente.

Para os amigos terem uma idéia de nossas madeiras, que por causa das intempéries tropicais se apresentam mais lignificadas ( lignina é um composto fenólico que confere rigidez estrutural aos feixes vasculares e eventualmente ao cerne para maior sustentação e robustez, ajudando também na dureza ) têm durezas bem mais elevadas.

A nossa simples goiabeira por exemplo, emplaca 2320 na escala Janka. O ipê 3600, Angelim pedra cerca de 3400 e por ai vai...

Mas vamos traduzir isto para a prática! Já ouvi histórias de gringos afamados e experts que ministram cursos de bushcraft e que em síntese são mais ou menos isso: os cerca de 10 ou 12 alunos chegam com suas mais variadas facas, apesar do curso oferecer uma Mora a cada um. Ao fim do curso todos estão usando as Moras pois são simplesmente perfeitas para lidar com madeira!

Alega-se que o relativamente grande desbaste scandi que origina o fio propicia excelente apoio para maior controle dos cortes e entalhes a serem efetuados e a SUPOSTA maior facilidade de afiação, pois bastaria deitar aquele enorme desbaste na pedra e seguí-lo para refazer o fio. “Tá bom”!!!

Os amigos já sabem a diferença que é o fio de uma faca com dureza de 50 a 54 RC para um fio de dureza de 58 a 60 RC! Agora imaginem a diferença da dureza de uma madeira de 700 pontos na escala Janka para uma 2300! Ou uma de 1500 ou 2000 para uma de 3600!!!

Agora imaginem uma faca scandi verdadeira, ou seja sem micro-fio ( atentem que algumas Moras mesmo sendo “scandi” vem com micro-fio ), com cerca de 58 a 59 RC de dureza ( a dureza das Moras à exceção do core das Triflex e laminadas ) e com ângulo total incluso de 20 a 26 graus ou seja, de 10 a 13 graus de cada lado! Este fio vai rolar mais rápido que um pião!!! Agora imagine à campo toda hora tendo que realinhar este fio!

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É amigos, madeira tropical não é moleza não!!! hehehehehehehe

Este é um detalhe apenas! Outra coisa que todo mundo acha que uma faca deve fazer é o tal do battoning. Imagine aquelas enormes paredes paralelas em 2/3 ou mais de uma lâmina scandi e o atrito que elas devem provocar contra as fibras resilientes da madeira. Sua pouca espessura que até melhora um pouco sua habilidade de corte aqui joga absolutamente contra, pois não tem significativo efeito de cunha para ajudar no serviço o que implica em maior esforço concentrado no seu FRÁGIL fio scandi!!!

Ah, mas e se tiver uns 4 ou 5mm de espessura de espinha? Bom, ai já facilita o rachar de lenha mas vira um pesadelo em termos de habilidade e corte!

Ah, e se eu fizer nesta faca com maior espessura de lâmina um desbaste scandi “mais alto”? Ótimo, aumentará e muito a habilidade de corte mas se não aplicar um micro-fio, em termos práticos transformando a lâmina em saber grind, terá um fio tão frágil que só de se olhar para ele irá rolar!!!

Agora me permitam abordar a tão decantada facilidade de afiação propiciada pelo desbaste scandi. A alegação como já expliquei, se deve à suposta facilidade...

Pois bem, pergunto simples e diretamente, o que é mais fácil de ser afiado, uma faca em aço x ou y com uma dureza h em perfil scandi ou a mesma faca em perfil saber, full flat e hollow com micro-fio ou mesmo uma lâmina com perfil convexo onde para se refazer o fio basta uma ou no máximo duas passadas em uma pedra de afiar por exemplo, ou a scandi em que você tem que remover uma quantidade muito maior de aço ( todo aquele desbaste scandi ) ?

Ah, mas tem a questão do controle e precisão do entalhe em madeira... Me desculpem, mas para isso existem ferramentas dedicadas chamadas cinzéis, formões, plainas, etc! O nível de precisão que se requer à campo é facilmente obtido com qualquer tipo de desbaste de lâmina, desde que esta esteja afiada, tenha um perfil compatível ( não vai querer entalhar com precisão usando um facão de 18 polegadas! Até dá para fazer, mas... ) e não fique perdendo o fio à todo instante!

Agora para limpar um pouco a minha barra com os amigos que são fãs das scandi, notadamente as Moras, devo reconhecer que pelo preço pelo qual podem ser adquiridas ( no ebay, lá fora, não aqui no Brasil ) NÃO HÁ NENHUMA FACA NO MERCADO COM QUALIDADE CONSTRUTIVA, QUALIDADE DE AÇO E DE DUREZA DESTE que bata as Moras! As que mais se aproximam são as Condors, mas não ficam no mesmo patamar!!!

Após toda esta “desancada” nas scandis, as Moras inclusas, abro uma exceção, pois como dizem toda regra tem sua exceção: as Moras 2010, 2000 e Forest ( e qualquer eventual outro modelo com mesma geometria de lâmina ).

Contra-senso? Incoerência? Não! Estas Moras tem um desempenho realmente superior às scandi verdadeiras por um motivo simples: elas são uma “trapaça”, pois não são scandis verdadeiras, já que apresentam geometria variável na lâmina, indo do scandi ao full flat. E além disso apliquei à minha Mora 2010 um micro-fio de 20 graus de cada lado o que confere robustez e durabilidade ao seu fio! Além disso há relatos que elas

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vêm de fábrica com um micro-fio... isso não posso afirmar, pois minha primeira providência assim que a minha chegou foi lhe aplicar o micro-fio!

Bom, expus minhas objeções às scandis e acho que o fiz de maneira técnica e de quebra já deixei implícito porque não acho que seja vantajoso as Moras de maior espessura de lâmina.

Agora cabe aos amigos discordarem da forma que melhor lhes aprouver; mas claro que só irei me posicionar quanto as argumentações técnicas, pois quanto à gosto pessoal nenhum argumento se faz suficiente como contra-ponto.

Abraço