106

Pragatecno

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Há um esforço tremendo por trás das imagens e textos que você verá a partir de agora. Há muita felicidade também, e persistência. Esse livro resgata e apresenta uma parte da história, dos conceitos e desejos que movem o coletivo Pragatecno desde os idos de 1998 até agora. Muitos jeitos de narrar, contar e explicar. Muitas memórias, algumas imprecisas (tanta gente que está só na lembrança e não aqui).Isso é o visível. O que não dá para ver são os incontáveis começos de dia carregando equipamento, os cabos que não funcionaram, aqueles dez minutos de felicidade absoluta em pista e depois mais dez em outra festa. E em outra e outra. As amizades construídas, as tardes de ressaca, as brigas e as pazes. Os contratos escrotos mas-vamos-nessa. E tudo que, não dando certo, valeu para depois. Valeu para a próxima. E todas as pessoas lindas que passaram pelas pistas e decks de nossas vidas. Porque sempre foi e é dançar e fazer dançar. Boa festa pra você.

Citation preview

  • PRAGATECNOuma outra cena da mesma

    Adriana Prates Sacramento Cludio Manoel Duarte de SouzaORGANIZADORES

    casaeditorial

  • Palavras em negrito sublinhado so hiperlinks para locais fora do livro

    No sumrio o descritivoleva at a pgina indicada

    Volta-se ao sumrio clicando neste smbolo, na parte inferior esquerda

  • 05 APRESENTAO

    06 DE ONDE VIEMOS

    MSICA E TECNOLOGIA

    10 MSICA E TECNOLOGIAS?

    15 SOFT E MSICA

    18 MASHUPANDO O POP

    21 ARTE, TECNOLOGIA E PROCESSOS CRIATIVOS

    MSICA E CENA

    30 MSICA E AFETO

    34 UMA OUTRA CENA DA MESMA - anotaes sobre a origem e o

    agito no Nordeste

    39 VOC SABE O QUE DANCETERIA?

    42 O ENTORNO DA CULTURA DO DJ

    48 WERE YOU SAMPLED?

    52 THOMAS MELCHIOR E O FOCO NA MSICA

    58 A HOUSE UM SENTIMENTO

    MSICA E MERCADO

    63 CRISE DA ELETRNICA OU DO MERCADO FONOGRFICO?

    67 UMA PEA NA ENGRENAGEM DA BALADA

    NOES E FUNES

    70 FUNO DO DJ

    83 DO OUTRO LADO DOS DECKS: DJS NA PISTA

    84 O VISUAL JOCKEY

    86 NOO DE CENA

    94 O PRAGATECNO E SEUS CONCEITOS

    97 Pragatecno, o netvdeo

    99 Quando um som binrio

    100 Na enciclopdia

    101 Cena em livro

    101 Cena em vdeo

    102 Cena em Filme

    103 Alguns links

  • 5

    H um esforo tremendo por trs das imagens e textos que voc

    ver a partir de agora. H muita felicidade tambm, e persistncia.

    Esse livro resgata e apresenta uma parte da histria, dos concei-

    tos e desejos que movem o coletivo Pragatecno desde os idos de

    1998 at agora. Muitos jeitos de narrar, contar e explicar. Muitas

    memrias, algumas imprecisas (tanta gente que est s na lem-

    brana e no aqui).

    Isso o visvel. O que no d para ver so os incontveis come-

    os de dia carregando equipamento, os cabos que no funciona-

    ram, aqueles dez minutos de felicidade absoluta em pista e depois

    mais dez em outra festa. E em outra e outra. As amizades cons-

    trudas, as tardes de ressaca, as brigas e as pazes. Os contratos

    escrotos mas-vamos-nessa. E tudo que, no dando certo, valeu

    para depois. Valeu para a prxima. E todas as pessoas lindas que

    passaram pelas pistas e decks de nossas vidas. Porque sempre foi

    e danar e fazer danar. Boa festa pra voc.

    o editor

  • 6

    DEONDEVIEMOS

    Adriana Prates

    Em 2013 o Pragatecno completou quinze anos. Uma dcada e meia

    construindo e movimentando a cena de msica eletrnica em v-

    rias cidades do Norte e Nordeste do pas, provocando e agregando

    pessoas, realizando palestras, fanzines, oficinas de discotecagem

    e produo, incentivando e lanando a criao musical dos mem-

    bros do coletivo no Brasil, exterior e, principalmente, fazendo fes-

    tas. Neste perodo, muita coisa aconteceu no universo da msica

    eletrnica, que acabou caindo nas graas da mdia e de um grande

    pblico, se transformando em rentvel produto de mercado. Acre-

    ditamos que este seja o momento de fazer um aparte para refletir.

    E festejar, claro.

    Comeamos l em 1998, em Macei, com o desejo de abrir es-

    pao em nossas cidades para a msica que gostvamos de ouvir

    e danar. Mais que conseguir espao fsico, nosso maior desafio

    sempre foi abrir a mente das pessoas para o nosso som e tornar

    a msica eletrnica uma realidade no local onde vivamos. Segui-

    mos em frente, derrubando barreiras e multiplicando ncleos, sem

    abrir mo de priorizar a arte e a cultura.

    Durante esse tempo de existncia, vimos muita coisa acontecer.

    Presenciamos a apropriao comercial da msica eletrnica, que

    j ajudou a vender desde roupas e bebidas at pacotes de fim de

    semana em hotis luxuosos (os weekends eletrnicos que abun-

    dam pelo nosso litoral afora). Vimos a msica eletrnica abalar

    no carnaval da Bahia, onde subiu no trio eltrico inicialmente sob

    vaias para depois passar a atrao principal de blocos e cintilar na

    ostentao de carssimos camarotes.

    Tambm observamos que a msica eletrnica, alm de alegrar

    coraes, teve, atravs de seus diferentes gneros, um papel de

    DEONDEVIEMOS

  • 7

    definir e mesmo opor identidades, inclusive sexuais! A house, por

    exemplo, j foi classificada como som de gay e esta classificao

    foi muitas vezes usada para depreciar o estilo, em guerras concei-

    tuais que parecem ter ficado no passado. At porque atualmente

    vivemos um momento em que as fronteiras que dividiam gneros

    (no somente musicais) se encontram borradas. Ao lado disso, a

    influncia da msica eletrnica e da cultura relacionada a esta se

    disseminou para outras esferas. Musicais e existenciais.

    Hoje, independente de ter ou no o perfil que um dia sonhamos,

    a cena de msica eletrnica se tornou realidade em muitas das

    nossas cidades. Festas acontecem regularmente e surgem djs s

    pencas. Diante deste cenrio, qual a melhor forma do Pragatecno

    seguir em frente? Acreditamos que buscando promover, espe-

    cialmente entre apreciadores mais recentes, reflexes que favo-

    ream o apoio a iniciativas que levam

    a msica adiante, em vez de se deixar

    levar pelas que visam unicamente ex-

    plorar seu potencial de mercado.

    convidar a refletir sobre a evoluo e

    disseminao da tecnologia, que trans-

    forma todos os interessados em poten-

    ciais djs ou produtores, algo que pode

    representar tanto a diluio dessas ar-

    tes quanto a sua potencializao.

    Em nosso seminrio musicado, rea-

    lizado em 2015, em Salvador (BA) refletimos sobre todos esses

    aspectos, atravs da realizao de sesses de bate papo com mem-

    bros do coletivo, dj sets e festas, claro. Investimos no histrico

    criativo da nossa primeira vertente, the groove of all grooves a

    house, que iniciou uma trajetria esttica e cultural que viria a ter

    grande influncia no mundo. Comeamos pela disco music, explo-

    rando a forma como esta originou a msica eletrnica de pista

    do modo como hoje conhecemos (porque, todos sabemos, antes

    da disco, experimentaes musicais com artefatos eletrnicos j

    existiam) a partir da tcnica de estender o instrumental das faixas

    e mix-las. Em seguida, atravs da conexo Chicago/ New York/

    Jersey, abordamos a consolidao do conceito de criar msicas a

    partir da forma de tocar dos pioneiros djs da Disco.

    O segundo vero do amor, no final da dcada de oitenta, outra

    Refletir sobre a evoluo e

    disseminao da tecnologia, que

    transforma todos os interessados em

    potenciais djs ou produtores

  • 8

    parte importante desta histria por marcar a chegada da House

    Europa, primeiro via Espanha (Ibiza) e em seguida Londres, onde

    a linguagem eletrnica se encontra com o rock e ganha massiva

    influncia no (e do) pop. Os anos 90 trouxeram a ascenso da m-

    sica eletrnica em nvel mundial, especialmente a segunda meta-

    de da dcada, momento de segmentao da house em subgneros

    e da comercializao mais pesada de alguns desses. Nos anos

    2000 aconteceu o boom da eletrohouse e do minimal, levando, pelo

    menos aqui no Brasil, a House de volta s raves. Ao longo deste

    percurso, estimamos o papel das mquinas que foram apropria-

    das ou inventadas com a finalidade de produzir msica eletrnica.

    Como, em sua interao com crebros criativos, deram forma a

    uma esttica apaixonante e singular.

    Em nosso seminrio relembramos esta histria, explorando as

    conexes entre tecnologia, arte, cultura e mercado, inclusive em

    nossas cidades. Tambm lanamos a pergunta: para onde vamos?

    Texto de apresentao do seminrio Msica Eletrnica: de Onde Viemos, para Onde Vamos? que aconteceu em Salvador (ba) entre 14 e 16 de maio

    de 2015. Adriana Prates dj e Mestre em Sociologia.

  • 9

  • 10

    Cludio Manoel Duarte

    Desde quando o ser humano usou um invento para produzir e orde-

    nar sons, alm de seu corpo, na medida em que tecnologia uma

    inveno. Mas vou me dedicar ao tema da e-music. A referncia co-

    mum da deflagrao da msica eletrnica tem sido as experincias

    da Eletroacstica nos anos 1950, na Alemanha e, na seqncia, nos

    anos 1970, tambm na Alemanha, com o kraut rock e prototech-

    no do Kraftwerk. Essa msica ganha mais visibilidade nos anos

    1985/1986, com a inveno do techno de Detroit e da house de Chi-

    cago, nos EUA, associando msica/pblico, msica/cena.

    No entanto, se formos buscar historicamente as primeiras ten-

    tativas de gerao de novos instrumentos sonoros para produo

    de sons sintticos, no acsticos, encontramos referncias desde

    1860. Objetos tcnicos foram criados desde ento para, baseados

    em fontes eletrnicas, sintetizar sons sons novos, outros sons.

    Interessante notar que, nesse perodo, o fsico e matemtico ale-

    mo Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz refletia sobre o

    tema, em seu ensaio Sensations of Tone: Psychological Basis for

    Theory of Music1, onde o autor se apoiava em experincias tcni-

    cas para discutir a relao entre tecnologia e som.

    Helmholtz construiu um controlador eletrnico musical, o Hel-

    mholtz Resonator, para analisar combinaes de tons. Sua pes-

    quisa, no entanto, tinha carter meramente cientfico, tendo como

    referncia a Fsica e no a Msica, ou seja, sem finalidades est-

    ticas. Tambm a essa poca, o italiano Ferruccio Busoni, com-

    positor e pianista, produziu o ensaio Sketch of a New Aesthetic of

    Music2 esse sim, discutindo questes de carter esttico sobre

    as novas tecnologias para a produo musical.

    1 www.obsolete.com/120_years2 Mais informaes em www-camil.music.uiuc.edu/Projects/eam/busoni.html, janeiro de 2003

    MSICA E TEC-NOLO-GIAS?

    MSICA E TEC-NOLO-GIAS?

  • 11

    E, em 1876, o inventor americano Elisha Gray cria o seu The

    Musical Telegraph. Nessa inveno, esto presentes dois ele-

    mentos associados msica eletrnica. Primeiro, a gerao de

    sons sintetizados no acsticos; e, segundo, a sua ordenao,

    a ordenao desses sons. Gray descobriu que poderia controlar

    o som a partir de um circuito eletromagntico e gerar uma timbre

    novo, alm de ter construdo um dispositivo de alto-falante para

    fazer suas notas audveis, podendo ser transmitido atravs de li-

    nhas telefnicas eletromagnticas. O objeto era tambm Harmo-

    nic telegraph.

    Uma das grandes invenes aparece em 1917, na Rssia. Lev

    Sergeivitch Termen cria o theremin (tambm chamado de aethe-

    rophone som do ter). O theremin um instrumento que usa

    circuitos eletrnicos e produz tons audveis. O incomum deste ob-

    jeto a forma de manipulao. O the-

    remin controlado virtualmente pelos

    movimentos da mo. interessante fri-

    sar que, nesta inveno, o carter expe-

    rimental aparece em 3 momentos. Na

    inveno ela mesma; na elaborao de

    sons sintticos baseados na eletrnica;

    e na forma de produo e controle dos

    sons. Como o movimento das mos

    que produz o som ou o movimento

    do corpo o theremin abriu espao para seu prprio desdobra-

    mento, sua prpria reinveno. Aparece em seguida o terpistone,

    um theremin adaptado por Leon Termen, para ser usado por dan-

    arinos. Os movimentos do corpo desses danarinos seriam cap-

    tados pelas antenas da mquina e gerariam a msica.

    Nos anos 30, com a assimilao de novos objetos geradores de

    msica, o que chama ateno nesse perodo o fato de composito-

    res escreverem partituras especificamente para esses instrumen-

    tos. O compositor Paul Hindemith escreve a pea musical Concer-

    tina for Trautonium and Orchestra.

    Ainda na dcada de 30 (1935) inventado o magnetophone

    conhecido como o primeiro gravador de fita magntica. Aqui

    aparece a primeira possibilidade de armazenamento e um novo

    tipo de manipulao do som. Esse equipamento foi reapropriado

    e resignificado. Sua funo principal era gravar (arquivar) sons

    Ainda na dcada de 30 (1935)

    inventado o magnetophone,

    conhecido como o primeiro

    gravador de fita magntica

  • 12

    para posterior audio. Mas seu sistema mecnico possibilitava

    a reverso dos sons, alterao da velocidade de reproduo e at

    a sobreposio de diferentes trechos sonoros. Havia, portanto, a

    possibilidade da utilizao deste objeto tcnico como produtor (e

    no apenas reprodutor) sonoro, como instrumento musical, cria-

    dor de novas experimentaes, de inovaes estticas.

    O francs Edgar Varse ao utilizar esses recursos, discute a re-

    lao entre a mquina e processos criativos. Ele mostra que novas

    mquinas e funes tcnicas dessas no s interferem nos proces-

    sos criativos, mas alteram e propem novas estticas. Isso nos re-

    mete aos anos 80, com o surgimento da tb 30333. Esse instrumen-

    to serviria como um msico virtual (linha de baixo sequenciado),

    a ser acompanhado por outros instrumentistas. No deu certo. As

    linhas meldicas produzidas pela tb 303 saam distorcidas e esse

    objeto se tornou lixo industrial. Um erro de mercado. Um erro da

    indstria. Um erro? Lixo tecnolgico,

    at que foi reapropriado pelos produ-

    tores de msica eletrnica no final dos

    anos 1980.

    At aquele perodo, tinha-se duas

    principais vertentes (estilos) predomi-

    nantes de msica eletrnica: a house

    music de Chicago e o techno de Detroit

    (incluindo o gnero eletro). Com o uso da tb 303, a house music

    se reinventa em um novo estilo chamado acid house, pela incluso

    de timbres cidos, agudos e distorcidos, sados da tb 303. A acid

    house foi um momento de extrema importncia para a cena inicial

    da msica eletrnica, principalmente na Inglaterra, onde as festas

    de multides fora da cidade (de 5 a 15 mil pessoas) eram chamada

    de acid house parties (antes de a imprensa sensacionalista inglesa

    denomin-las de raves).

    Ou seja, a histria da emusic tem bases no na informtica, mas

    nos primeiros equipamentos sonoros desde 1860.

    E a eletroacstica eis uma das experincias de maior expres-

    so do ponto de vista da sistematizao de ideias sobre tecnologia

    e msica. Acontece na Alemanha. Em 1952, em Koln (Colnia),

    pesquisadores usam e desenvolvem um novo conceito esttico.

    3 A indstria de instrumentos musicais eletrnicos produziu a famosa tb 303, uma caixa de sequenciamento de linhas de baixo

    A histria da emusic tem bases no

    na informtica, mas nos primeiros

    equipamentos sonoros desde 1860

  • 13

    So jovens compositores, entre os quais Karlheinz Stockhausen e

    Pierre Boulez. So os pensadores da elektronische musik ou msi-

    ca eletrnica pura: sons so sintetizados ou gerados utilizando-se

    aparelhos eletrnicos. Posteriormente, aps os avanos desses es-

    tudos, surgem mais experimentaes e a eletroacstica concei-

    tuada como a conexo entre timbres eletrnicos puros e timbres

    acsticos. A pea Gesang der Jngling (O Canto dos Adolescentes),

    de Stockhausen, a principal referncia dessas experimentaes.

    Depois aparecem os samplers, as grooves boxes, os softwares

    (anos 50) mas a haja conversa.

    Cludio Manoel Duarte professor na ufrb, Mestre em cibercultura e douto-

    rando pela ufba. Trecho de artigo publicado no ebook Linklivre_1

  • 14

    seminrio de onde viemos, para onde vamos? salvador (ba) 2015

  • 15

    SOFTS X MSICA

    o fim da virtuo-sidade na msica eletrnica

    SOFTS X MSICA

    o fim da virtuo-sidade na msica eletrnica

    Cludio Manoel Duarte

    O surgimento dos samplers (mquinas que tiram amostras de

    sons para serem coladas ou repetidas infinitamente) de groove bo-

    xes (caixas de ritmos) e sequencers (sintetizadores que reprodu-

    zem tunes, melodias, linhas de baixos que podem ser alternados,

    manipulados) do poderes criativos para aqueles que no tm for-

    mao em teoria musical. So novos instrumentos musicais que

    geram uma msica experimental, tribal (no sentido do repetitiva,

    hipntica), voltada para as pistas de dana e pode ser produzida

    por quem queira assim djs passam a ser produtores, msicos

    eletrnicos.

    Esse outro (novo) formato de produo musical, ao questionar

    o artista virtuoso resgata o principal discurso do iderio punk do

    do it yourself (faa voc mesmo). A produo d(ess)a msica no

    propriedade de poucos eleitos apesar das relaes de msicos

    mais tradicionalistas. A msica experimental, eletrnica, que bus-

    ca novidades, novas texturas sonoras, no , alis, propriedade

    de ningum: os samplers autorizam a cpia e pe um fim obra

    intocvel, definitiva, nica. O que vale o processo; a que resi-

    de, no processo, o original, a autenticidade. O produto a msica

    em si apenas uma track, uma trilha, um elemento do banco

    de dados de sons disponvel para nova manipulao, novo recorte,

    nova colagem. A msica eletrnica uma obra sempre inacabada,

    portanto, pois se dispe a uma nova verso, uma remistura, ao

    remix. Ela , em si mesma, um banco de dados manipulvel. Uma

    trilha que rompe com a ortodoxia da cano tradicional mesmo

    fazendo algo similar, como no gnero trip hop, e sua estrutura for-

    mal de incio-refro-meio-refro-fim-refro passvel de recortes.

    A msica tecnolgica no comea, no termina: ela sugere (des)

  • 16

    continuidade, infinitude, hipersonoridade, mixagem, novas cola-

    gens, novas conexes. uma obra em constante estado de fluxo,

    pois intermediada pelos softs e por toda ordem de interfaces

    digitais, que possibilitam a cpia e a colagem e a potencializao

    do cidado comum como um (grande) produtor.

    Esse contexto inovador do processo criativo da msica eletr-

    nica baseado nas tecnologias contemporneas, incluindo a os

    softs, aceleram a disseminao dessa cultura pelo mundo, j que

    essa disponibilidade (a tecnologia como suporte criativo) est em

    todo o planeta. Salto fantstico dessa produo acontece com a

    utilizao da Web (nos anos 90) e os vrios sites com arquivos

    de sons temporrios (o mp3 garante a qualidade de cd em padro

    128) disponveis para o surgimento de novos produtores. Aliado

    a isso, surgem softwares gratuitos na Internet que simulam sinte-

    tizadores, editores de som e groove box

    (equipamento de produo de ritmos),

    alm da enorme carga de aplicativos

    em gadget mveis, sugerindo apresen-

    taes em tempo real (live pa e live act).

    A prpria indstria de software in-

    veste nessa rea e produz programas

    musicais que no exigem nenhum

    conhecimento de teoria musical. So

    imagticos, intuitivos. Softwares que

    apelam para a criao musical baseada em recursos eminente-

    mente visuais a serem arrumados, ordenados em trilhas (grficos

    coloridos, cones, colocados, arrastados pelo mouse em diferentes

    trilhas, faixas de canais).

    De novo reforado (agora pelo mercado, com os programas de

    computador que editam msica) o conceito punk do it yourself,

    retirando mais poderes do msico virtuoso e facilitando, por outro

    lado e de forma negativa a produo sem qualidade, sem

    pesquisa. Essa a face dupla desta facilidade advinda dos novos

    suportes tecnolgicos associados criatividade.

    Artigo publicado no blog Rudos Ordenados

    A msica tecnolgica no

    comea, no termina: ela sugere

    (des)continuidade, infinitude,

    hipersonoridade, mixagem

  • 17

    seminrio de onde viemos, para onde vamos?salvador (ba) 2015

    1 dj benjamin ferreira e vj mateus ribeiro na festa discology/salvador2 dj mpa na festa big bang3 vj pixel na festa big bang

    1

    2 3

  • 18

    Cludio Manoel Duarte

    O mashup (ou bastard pop ou bootleg) hoje um conceito alm

    da msica. Na msica passou a ser um gnero com a insero de

    trechos de uma sobre a outra. Mas o manshup tambm pode ser

    aplicado web, com site que combinam contedos de diferentes

    sites; e no vdeo, com a fuso de takes de outros vdeos j prontos

    para formar um novo.

    Pouco tempo atrs Stephen Dewaele, do 2ManyDJs, falou que

    esse j um formato superado. Besteira dele dizer isso, porque o

    mashup se transformou em uma tcnica, podendo ser recorrida a

    qualquer momento, assim como fazemos filmes em pb em tempos

    efeitos especiais. Creio que foi mesmo o dj Danger Mouse quem

    jogou de forma miditica o conceito para as pessoas, quando ele

    irritou a indstria fonogrfica mashupando o intocvel e venerado

    lbum Branco dos Beatles, gerando o Grey Album, com os vocais

    do Black Album do rapper Jay-Z. Foi uma desobedincia mercado-

    lgica aos olhos dos donos dos diretos autorais.

    Mas The BeatlesLove, esse mashup feito pelo Sir George Mar-

    tin e seu filho Giles, um exemplo de como o mercado, que re-

    clama inicialmente daquilo que o apavora, entra em contradio

    l na frente, apropriando-se da tcnica em benefcio prprio. A

    indstria assim: reclama da pirataria e lana gravador de dvd.

    Sim, a msica eletrnica, ou melhor, os equipamentos digitais,

    aceleraram essa tcnica do mash up.

    Est a disponvel para quem quer fazer. uma proposio

    cyberpunk. Passa pela apropriao tecnolgica, recupera o faa-

    -voc-mesmo e ainda desmonta o poder do controle autoral e da

    circulao.

    O bacana que artistas como David Bowie veem o poder pop

    MASH-UP-ANDO O POP

    MASH-UP-ANDO O POP

  • 19

    dos bootlegs. A gente lembra que ele, aps autorizar mashup de

    suas musicas, promovendo roubos criativos, ainda deu um carro

    de prmio ao vencedor do concurso, o californiando David Choi,

    de 18 anos. Mesmo com a indstria j utilizando o mashup como

    produto de consumo, ele ser sempre desobedincia, anarquia e

    criatividade, com humor. Texto publicado no site do Pragatecno

  • 20

    seminrio de onde viemos, para onde vamos?salvador (ba) 2015

    1 djs mauro telefunksoul e angelis sanctus (aka claudio m) na festa pragatecno

    1

  • 21

    Pedro Nunes Filho

    H uma intrnseca relao entre Arte e Tecnologia que atraves-

    sa temporalidades passadas e presentes. Essas instncias semi-

    ticas geradoras de sentidos so resultantes dos mecanismos de

    interveno relacionados com a capacidade humana que por sua

    vez opera com as dimenses da subjetividade para a produo

    do conhecimento. O termo tekhne que designa tecnologia tam-

    bm significa arte ou ofcio em sua origem grega. Assim devemos

    entender o conceito de tecnologia por uma acepo mais ampla,

    na condio de artefato da cultura. Nesse sentido, a escrita, por

    exemplo, tambm tecnologia social visto que enquanto sistema

    de representao associada inveno passou por convenes e

    regras de articulaes. Em seu contexto social especfico, cada

    modalidade escrita dispe de suas prprias regras de combinao

    e linguagem para se estruturar enquanto cdigo que tambm se

    modifica ou opera com deslocamentos.

    Em sua feio atual, afirmamos que a tecnologia habitual-

    mente resultante dos processos de pesquisas que envolvem a

    construo do conhecimento cientfico. H, ento, uma forte vin-

    culao entre as tecnologias produzidas pelos sujeitos sociais e

    a cincia. Posso ento destacar que as tecnologias so tambm

    as mquinas, as ferramentas, os artefatos ou dispositivos tcni-

    cos decorrentes dos avanos cientficos. Trata-se de relaes que

    envolvem o paradigma da complexidade, visto que as tecnolo-

    gias existentes, em movimentos contrrios, tambm impulsionam

    a cincia. Algumas tecnologias que revolucionaram no passado

    hoje so ferramentas banais face aos prprios avanos do conhe-

    cimento e transformaes quanto ao uso e rearranjos da prpria

    tecnologia. Assim, as tecnologias evidenciam estgios de amadu-

    ARTE, TEC-NOLO-GIA E PRO-CES-SOS CRIATI-VOS

    ARTE, TEC-NOLO-GIA E PRO-CES-SOS CRIATI-VOS

  • 22

    recimento do conhecimento humano e espelham as prprias din-

    micas do ser e estar no mundo em todas suas esferas simblicas,

    socioculturais e organizacionais.

    Diante dessa contextualizao que evidencia os dilogos e

    entrecruzamentos entre tecnologia e cincia, ns tambm pode-

    mos estabelecer conexes com a arte. Ao contrrio da cincia, a

    arte no necessita de comprovao. Com a sua dimenso projetiva

    e especulativa, a arte pode dispor da liberdade de questionar a pr-

    pria cincia. Pode atuar livremente como interrogante da realidade

    ou dispe da possibilidade de recriar realidades presentes, passa-

    das ou futuras. A fico enquanto nova realidade pode remeter

    realidade em si. A realidade na arte pode muito bem se confundir

    com a fico e, com seus jogos combinatrios, plenamente ca-

    paz de transformar-se em hiper-realidade plurisignificante.

    A arte em sua condio espectral opera com premissas situadas

    no campo conotativo das ambiguida-

    des. Essa caracterstica que se distin-

    gue da cincia denotativa possibilita

    graus de abertura interpretativa junto

    aos pblicos, receptores ou usurios

    interagentes com a obra artstica. As

    possibilidades conotativas da arte

    amplificam a produo de sentidos

    face s possibilidades combinatrias

    materializadas em trabalhos que demandam interao. O movi-

    mento interpretativo de semiose possibilita que a arte e a prpria

    comunicao adquiram vida com novos contornos de ressignifi-

    cao.

    Vale frisar que a arte em sua pluralidade de manifestaes ,

    tambm, expresso meticulosa do gesto criativo que evidencia

    marcas prprias da atividade humana. Assim, toda expresso ar-

    tstica tem o seu estilo, possui a sua marca, revela os traos do seu

    criador, reclama por interao ou nos provoca o xtase seguido da

    repulsa. Esses traos da criao que revelam o estilo so engen-

    drados pelo artista-criador-orquestrador que estabelece combina-

    es formais com diferentes classes de signos visuais, sonoros,

    verbais, espao-temporais, gestuais, signos hbridos entre outros.

    Por vezes ficamos atnitos diante obras com os seus arranjos inu-

    sitados que provocam os nossos sentidos. Em outras situaes

    Com a sua dimenso projetiva

    e especulativa, a arte pode

    dispor da liberdade

    de questionar a prpria cincia

  • 23

    a estrutura significante da arte provoca ou reclama o nosso dis-

    tanciamento com a finalidade de utilizarmos as nossas armas

    crticas para melhor compreender as quebras de paradigmas de

    obras conceituais pensamentais. Arte em si pura combinao de

    signos, cdigos e linguagem. Pode ser a extrema ousadia da an-

    tilinguagem, da no narratividade, dos fragmentos de sons, ima-

    gens, palavras soltas, grunhidos, rudos e silncios descontnuos.

    Quem pensa a arte o sujeito que se debate com a obra e que

    tambm necessita de um mergulho para depois poder respirar e

    evitar a asfixia. A arte, ao encampar a dimenso esttica, torna-se

    reflexo das intervenes conscientes e das aes decorrentes da

    imaginao inventiva. Dizemos que a arte, com sua carga polifni-

    ca impregnada por seu criador, mobiliza determinadas linguagens

    que esto estreitamente relacionadas aos dispositivos tecnolgi-

    cos acessveis em cada poca.

    importante destacar que ao lon-

    go da histria da humanidade viven-

    ciamos transies, transformaes e

    entremesclas dos distintos modos de

    produo, circulao e trnsitos das

    artes. Fao aqui um desenho-sntese

    adaptado desses estudos com base

    em interpretaes que j so de dom-

    nio pblico. Grosso modo, a primeira

    modalidade de manifestaes da

    arte de cunho nitidamente artesanal como a pintura, os grafismos,

    a escultura, o canto... foi nomeada por Lcia Santaella como ex-

    perincias situadas no campo do paradigma pr-tcnico. Abraam

    o paradigma pr-fotogrfico as obras materiais nicas com singu-

    laridades no seu processo construtivo que evidenciam o original.

    A segunda modalidade envolve uma ampla faixa de experin-

    cias estticas associadas aos processos mecnicos cujo trao

    distintivo demanda a mediao de suportes tecnolgicos. Trata

    de uma era que apresenta como caracterstica principal a repro-

    dutibilidade. As narrativas, produtos e poticas que compem o

    paradigma da multiplicidade dependem da existncia de disposi-

    tivos mecnicos, automticos adotados para a criao, produo

    e reproduo em srie. Matrizes, copio, negativos, modelos, pro-

    ttipos decorrentes da sociedade industrial possibilitaram a ma-

    Ao longo da histria da humanidade

    vivenciamos transies, transformaes

    e entremesclas dos distintos modos de

    produo, circulao e trnsitos das artes

  • 24

    ximizao da produo em larga escala a partir de infraestrutura

    de base mecnica e que rapidamente comea a dialogar com os

    avanos da eletrnica. Regis Debray denomina essa modalidade

    como grafosfera. Abrange um perodo elstico que compreende

    desde o surgimento da imprensa at a Televiso em cores. J Lu-

    cia Santaella intitula como paradigma fotogrfico associando s

    idades do processo construtivo das modalidades de narrativas vi-

    suais e audiovisuais que tambm dialogam com outros sistemas

    narrativos. Essa era em que se dispe de matrizes para a produo

    e reproduo de cpias tambm abarca as artes e demais narrati-

    vas produzidas com os dispositivos de matriz tecnoeletrnica.

    Outro paradigma que avana e dialoga com os estgios prede-

    cessores envolve uma lgica paradoxal designada por Santaella

    como paradigma Ps-fotogrfico. Diz respeito aos processos de

    produo, circulao ou transmisso em tempo real e mecanismos

    de interatividade que esto vincula-

    dos aos sistemas digitais. H visi-

    velmente nessa dinmica digital dos

    processos imateriais uma mudana

    paradigmtica vinculada fluidez, as

    dinmicas de colaborao, aos refi-

    namentos da interao, mobilidades,

    velocidade, valorizao do fragmen-

    to, vivncias do efmero, lgicas rizo-

    mticas, propostas transfronteirias

    e ampliao da autonomia nos processos de produo e circula-

    o de contedos em rede. Os sistemas digitais desestabilizam

    ou dinamitam lgicas antecessoras ou reforam a necessidade da

    existncia do dilogo na prpria arte e nos demais campos que

    envolvem a atividade humana.

    Em sua forma de produtos, meios ou processos interligados os

    tecnolgicos digitais, so partes orgnicas dessa lgica paradoxal

    ps-fotogrfica; reconfiguram as artes que operam com todas as

    classes de signos que mobilizam a viso, audio, tato, olfato e

    paladar. Atravs das diferentes tecnologias, notadamente de ma-

    triz digital, a arte tem se empenhado, por meio dos criadores, em

    produzir poticas que adotam como premissa a sincronizao dos

    sentidos. Em perspectiva ampla destacamos que diferentes tec-

    nologias ampliaram as possibilidades para o nascedouro de pro-

    A arte tem se empenhado,

    por meio dos criadores, em produzir

    poticas que adotam como premissa a

    sincronizao dos sentidos

  • 25

    postas de cunho potico que apostaram ou ainda apostam no

    extremo da inveno com vistas a produo do estranhamento.

    A seduo e o encantamento previamente pensados para eno-

    velar o intrprete que faz a imerso em determinadas propostas

    tecnolgicas podem, tambm, a partir dos arranjos formais, inci-

    tar para a averso dessas mesmas poticas experimentais onde

    a tecnologia uma base de apoio indispensvel para o aporte do

    conhecimento que necessita ser decifrado e movimentado.

    Arte ento estranhamento que nos impacta e pode nos auxi-

    liar enquanto oxignio para repensarmos as normatizaes co-

    tidianas da prpria vida. A arte reinventa a vida ou questiona

    as misrias da condio humana. Toda manifestao artstica

    requer intrpretes, participantes ou coautores para dar-lhe vida.

    As tecnologias funcionam enquanto instrumentos que podem

    ser manejados de modo crtico-criativo por artistas para a cons-

    truo de poticas tecnolgicas deli-

    beradamente experimentais seja no

    campo da musica, da poesia, dana,

    teatro, performance, instalaes, pro-

    jetos multimdia, mdia, hipermdia,

    web arte, cinema expandido experi-

    ncias em rede, propostas sincroni-

    zadas, entre outras.

    Em tempos de modernidade lqui-

    da, vidas lquidas e afetos lqui-

    dos h ainda o paradigma da hibridez que mistura ou congrega

    lgicas artesanais, analgicas, mecnicas, eletrnicas e digitais.

    Esse paradigma das misturas para produo da arte expandida

    abrange dispositivos, meios, mdias, hipermdias, processos di-

    gitais, satlites, softwares, sensores, rastreadores, robtica, in-

    teligncia artificial, ambientes virtuais, simuladores, bancos de

    imagens e sons, metadados, repositrios, aplicativos para cria-

    o em tempo real, mixers, osciladores, filtros, samplers, aplica-

    tivos para programao, tradutores automticos, sintetizadores

    analgicos e digitais, programas de edio de imagem e som, tra-

    tamento da imagem, correo, ps-produo entre outros. Essa

    hibridez ultrapassa os meios, hipermeios e processos envolvem

    a mistura de tcnicas, entrelaamento de linguagens, reapropria-

    es de estilos e misturas no prprio campo da cultura.

    As tecnologias funcionam enquanto

    instrumentos que podem ser manejados

    de modo crtico-criativo por artistas para

    a construo de poticas tecnolgicas

  • 26

    Os processos hbridos no campo da arte, atravs de seus mento-

    res, admitem acasalamentos, alargamentos, fuses, justaposies

    de mdias, aes em redes e misturas de culturas para gerar no-

    vas formas de produo de narrativas. Assim, as poticas tecno-

    lgicas exalam essas misturas e ressignificaes decorrentes de

    temporalidades distintas que se fundem em processos hbridos

    que reorganizam sons, rudos, silncios, oralidades, escritas, ta-

    tilidades e visualidades em distintos sistemas de representao.

    Esses trnsitos, novimentos dos processos criativos hbridos se

    efetivam ou se contaminam de forma recproca.

    Essas experincias tecnolgicas materializadas no espectro da

    arte eletrnica e da arte digital tambm se distinguem pelo seu

    modo singular de organizao e pela forma de como os seus cria-

    dores se apropriam das ferramentas tecnolgicas disponveis em

    cada poca.

    Atravs do recuo temporal pos-

    svel enxergarmos o gesto criativo

    de Pierre Schaeffer que, em 1948,

    utilizou materiais sonoros diversos

    produzidos por objetos, rudos, es-

    tampidos, vozes e sons humanos no

    processo de construo da obra mu-

    sical Etudes de bruits apresentada

    ao vivo e que misturava sons obtidos

    com gravaes e regravaes em fita

    magntica associados aos sons originais.

    Artistas como Pierre Schaeffer e Pierre Henry, que trabalharam

    com as experimentaes da msica concreta evidenciando cama-

    das de sons a incorporao das tecnologias, tambm promoviam

    o exerccio acurado da escuta, a exemplo da Symphonie pour um

    Homme Seul (194950) que considerada como preldio da msi-

    ca eletroacstica.

    Por sua vez os primrdios da elektronische musik tem como des-

    taque uma corrente de pesquisadores/compositores da Escola de

    Colnia antiga Alemanha Ocidental liderada por Herbert Eimerte

    e as participaes de Werner Meyer-Eppler, Karlheinz Stockhau-

    sen, Henri Pousseur entre outros nomes de destaque. Essa esco-

    la, tambm denominada de Senoidal, radicalizou atravs de seus

    pesquisadores/compositores nessa primeira absoro criativa

    Experincias tecnolgicas materializadas

    no espectro da arte eletrnica e da arte

    digital tambm se distinguem pelo seu

    modo singular de organizao

  • 27

    com dos dispositivos tecnolgicos eletrnico-analgicos. Tem-se

    nesse processo de estruturao inicial da msica eletrnica um

    conjuntos de equipamentos como os sintetizadores, moduladores,

    geradores de som entre outros que iro subsidiar a produo, ma-

    nipulao e desenvolvimento de timbres e sonoridades de com-

    posies mediadas pelas tecnologias, inventividades dos artistas,

    quebras de cnones musicas e rduos trabalho de pesquisa. Elek-

    tronische Studie I (1953) e (1954) de Stockhausen onde emprega

    misturas sonoras com base em ondas senoidais.

    Apesar do clima de tenses e rivalidades entre a Msica Concre-

    ta de origem francesa e a Msica Eletrnica Senoidal de origem

    alem, desencadeia-se um dilogo construtivo entre ambas pela

    capacidade inventiva de ambas. Essa conversao ocorre em 1955

    quando Stockhausen e o grupo alemo bebem na fonte da escola

    francesa de Msica Concreta tendo como exemplo a composio

    de Ernst Krenek para soprano, tenor

    e sons eletrnicos intitulada Pfingso-

    ratorium Intelligentiae Sanctus (1955),

    Esse hibridismo tambm ocorreu por

    parte dos franceses e, em 1958, ca-

    racteriza essas inter-relaes compo-

    sicionais de msica eletroacstica.

    Esses so dois veios da msica

    eletrnica com seus dilogos, apro-

    ximaes e diferenas cujos proces-

    sos criativos tem por base usos das tecnologias e que integram

    o campo da arte eletrnica. H ainda experincia inovadoras do

    americano John Cage que fez brotar a msica aleatria, conse-

    guiu destaque com a msica eletroacstica, incorporou silncios,

    rudos e instrumentos no convencionais em seus happenings e

    desenvolveu performances colaborativas que previam a interven-

    o do pblico.

    visvel uma certa ascendncia de Stockhausen em inme-

    ras bandas do cenrio do rock a exemplo de Kraftwerk que no

    anos 1970 fizeram uso de sintetizadores, percusso eletrnica com

    batidas robticas e adensaram as suas experincias musicais na

    relao humano x mquina. Assim vrias experincias musicas

    afloraram nas dcadas seguintes aprofundando essa relao da

    Arte Eletrnica, particularmente da musica, com o uso inventivo

    John Cage fez brotar a msica aleatria,

    conseguiu destaque com a msica

    eletroacstica, incorporou silncios,

    rudos e instrumentos no convencionais

  • 28

    das tecnologias eletrnicas, digitais, experincias no campo da

    cibercultura, das redes, interconexes com satlites dentre outras.

    Na esfera das poticas eletrnicas com o vdeo e a televiso

    importante destacar as vdeo-instalaes performticas do sul co-

    reano Nam June Paike, dos alemes Wolf Vostell e Joseph Beuys

    e as intervenes criativas envolvendo o suporte televiso desen-

    volvidas pelo francs Jean-Christophe Averty e do hngaro Er-

    nie-Kovacs. Esses artistas precursores do vdeo-arte promoveram

    quebras de paradigmas estticos ao ressignificarem o tradicional

    papel das mdias vdeo e televiso tendo como apoio o gesto cria-

    tivo da inveno alm de promoverem dilogos com a msica, es-

    cultura e dana, dentre outras artes.

    O destaque quanto a ancestralidade e importncia da arte ele-

    trnica por fim dedicado Nam June Paike, um dos precursores

    do vdeo-arte com formao msica em piano clssico e gradu-

    ao em Histria da Msica na Uni-

    versidade de Tquio. Integrou o Mo-

    vimento Fluxus sendo o seu trabalho

    fortemente marcado pela presena e

    contribuies dos compositores Sto-

    ckhausen e John Cage. A sua obra

    inicial Exposition of Music-Electronic

    Television, em que distribuiu inme-

    ros televisores na rea da instalao

    com ims que distorciam as ima-

    gens. Desenvolveu uma serie de vdeos-arte com a violoncelista

    clssica Charlotte Moorman e com o msico e ator japons Ryui-

    chi Sakamoto.

    Por fim interessante frisar que as experincias diversificadas

    da nossa contemporaneidade, em termos de arte eletrnica e arte

    digital, possuem autonomia e desfrutam dos avanos da tecnolo-

    gia e cincia. A existncia dessas experincias criativas do passa-

    do que marcaram contextos de poca especficos com o uso critico

    e inventivos das tecnologias, podem muito bem iluminar o presen-

    te. O futuro ns humanos construmos com as marcas presente.

    Prof. Dr. Pedro Nunes Filho (ufpb)

    O destaque quanto a ancestralidade e

    importncia da arte eletrnica por fim

    dedicado Nam June Paike, um dos

    precursores do vdeo-arte

  • 29

  • 30

    Entrevista de Jeder Janotti Jr.

    a Cludio Manoel Duarte

    Cludio Quando pensamos em msica pop, podemos localizar

    (sub)culturas bastante definidas em torno de alguns estilos musi-

    cais. O que caracteriza essas (sub)cultura musicais, no sentido de

    formatarem um estilo de vida?

    Jeder Antes de mais nada o consumo de um determinado gne-

    ro musical. S que ouvir, comprar, danar e viver msica tambm

    significam, nesses casos, determinados modos de andar, de dan-

    ar, de se vestir, de frequentar determinados lugares, de prefern-

    cias por certos filmes e/ou programa televisivos, enfim, uma srie

    de valoraes do mundo. O que significa que consumir msica

    estar aberto a sonoridades especficas, mas tambm, muito mais

    do que consumir um gnero musical.

    Cludio Em que sentido o afeto gera essas (sub)culturas?

    Jeder No acredito que o afeto gere essas subculturas, o que

    acontece que os gneros musicais possuem diferentes modos

    de valorar o mundo, portanto de gosto e afetividades. O mundo

    miditico que compe um certo consumo musical pressupe de-

    terminadas forias (afetos), ou seja traos eufricos em direo a

    alguns elementos associados a um gnero musical e disfricos em

    relao a elementos considerados negativos dentro dessa cultura

    musical.

    Cludio Cenas anteriores, como a dos punks nos anos 70/80,

    buscavam a ocupao de espao pblicos (as ruas, concretamen-

    te) como forma de visibilidade, assim como a do hippies e sua

    contra-cultura em fins dos anos 60 talvez como um embate

    direto com outras culturas mais tradicionais? Algumas cenas

    hoje, no entanto, buscam outras formas de circulao - inclusive

    MSICA E AFETO

    MSICA E AFETO

  • 31

    semi-ocultas, como a do indie-rock, e alguns setores da msica

    eletrnica. O que houve para essa mudana de posturas das (sub)

    culturas?

    Jeder Acredito que elas refletem uma mudana geral em relao

    as possibilidades da atuao poltica, no que esses movimentos

    abandonem o campo poltico, mas que essas relaes so efetiva-

    das de maneira diferenciada em relao s dcadas de sessenta

    e setenta. Por exemplo, manter um selo independente, brigar por

    canais de produo e distribuio uma forma de interveno po-

    ltica bastante interessante quando se olha para o domnio do mer-

    cado fonogrfico por um nmero pequeno de grandes empresas.

    Cludio O underground sempre esteve associado pouca circu-

    lao. Hoje, com as redes telemticas e a absoro (apropriao)

    dessa cultura pelos mercados mainstreams, nos faz pensar: onde

    circula o underground?

    Jeder Acho que os canais de comu-

    nicao contemporneos tiraram um

    pouco do romantismo que envolvia a

    pequena circulao, de qualquer modo,

    se ainda possvel pensar o undergrou-

    nd, com certeza ele est associado ao

    consumo segmentado, o que aconteceu

    (e ainda bem!!!!) que os pequenos se-

    los e gravadoras se profissionalizaram

    em um quesito fundamental: distribuio!!! Mas, ainda acho que

    uma das caractersticas do underground a tiragem pequena, pelo

    menos aos olhos dos participantes das cenas musicais que ainda

    se valem desse termo. S para se pensar como difcil demarcar

    de maneira precisa o termo underground, as duas msicas brasi-

    leiras mais bem colocadas na histria dos charts internacionais

    so LK (drumnbass) e Roots (heavy metal), gneros musicais que

    a princpio seriam underground. Acho que para quem se interes-

    se em estudar a msica pop mais importante preocupar-se com

    o modo como fs, crticos, produtores e msicos se valem desse

    termo (e aqui preciso reconhecer que quase a totalidade dos pes-

    quisadores de msica pop so fs) do que tentar definir de manei-

    ra generalista The Underground.

    Cludio As redes telemticas, atravs da tecnologia p2p, asso-

    ciadas possibilidade de controle das etapas de mercado (pro-

    Gneros musicais possuem

    diferentes modos de valorar o

    mundo, portanto

    de gosto e afetividades

  • 32

    duo / circulao / consumo) trouxe msica (e da informao em

    geral) a circulao livre da msica, sob o domnio dos prprios

    artistas. Em que sentido esse dado alterou o comportamento na

    produo de (sub)culturas?

    Jeder Isso varia de acordo com os gneros musicais, no indie

    rock vrias pessoas deixaram de comprar cds, j no heavy metal

    esse fenmeno parece no ter afetado de maneira substancial

    o mercado das pequenas gravadoras. Uma coisa certa o pro-

    cesso de circulao e acesso msica se alterou completamente

    nos ltimos dez anos. Esse um fenmeno bastante complexo,

    no caso do Brasil, se lembrarmos que apenas 10% da popula-

    o possui acesso regular internet e que, uma grande parte do

    mercado fonogrfico dedicado aos segmentos populares, acre-

    dito que mais substancial que a circulao p2p a proliferao

    de gravadores de cds e a circulao de cds piratas, fato que de-

    monstra no s a fragilidade tcnica das grandes corporaes,

    bem como, o preo abusivo dos produtos musicais no Brasil.

    Jeder Janotti Doutor em Cincias da Comunicaopela Unisinos (rs) e professor na ufpe. Entrevista publicada no site do Pragatecno em 2013

  • 33

    seminrio de onde viemos, para onde vamos?salvador (ba) 2015

    1 camilo rocha (sp) na roda de conversa de onde viemo para onde vamos?2 cludio manoel (ba)3 adriana prates (ba)4 mauro telefunksoul (ba) palestra-demo tcnicas e equipamentos de discotecagem5 benjamin ferreira (sp) no dj set comentado da disco house music6 joo ricardo (ma) 1

    32

    4 5

    6

  • 34

    UMA OUTRA CENA DA MESMAanotaes sobre a origem e o agito no Nordeste

    Cludio Manoel Duarte

    As culturas emergentes, essas que surgem fora do mainstream,

    subterraneamente, aparecem por um triz normalmente em pe-

    quenssimos agrupamentos identitrios em grandes espaos ur-

    banos e j aparecem com identidade, um afeto comum. essa

    identidade que se espalha para outros centros, s vezes perifri-

    cos, como sempre foi o nordeste brasileiro e suas cidades. Mas,

    surpreendentemente, ao chegar nessas cidades mais perifricas,

    elas sobrevivem de suas vidas prprias, de seus desafios locais, e

    no mais dos centros.

    A cena eletrnica nordestina de base histrica no eixo su-

    deste do Brasil no fugiu regra. No falo da cultura do dj, ou

    da figura do dj, em si. Esse, o dj, esteve presente em quase todo o

    Brasil, a partir dos anos 70, por empreendimentos locais. Falo do

    entorno, do que chamamos de e-music, da cena, que se expande

    no pas desde meados dos anos 90. Se por cena entendemos o

    encontro de dois conceitos localidade e temporalidade (lugares

    e acontecimentos frequentes nesses lugares) o que nos faltou

    (e falta ainda) no Nordeste do Brasil foram espaos destinados a

    esse entorno, a essa cena (os empreendimentos comerciais como

    bares, clubes, lojas de discos, equipamentos). E at mesmo os

    espaos unders, que abrigassem essa cena inicial, no existiam

    (quase), como os nossos pontos do groove, do agito. Entre a lo-

    calidade e a temporalidade quase inexistentes, a cena nordestina

    (e creio que tambm a do Norte do Pas), brigava consigo mesma

    para poder nascer e sobreviver. Foi a rotina (e a teimosia) em man-

    ter alguns eventos sistemticos que fizeram a cena existir, mesmo

    sem localidades fixas.

    As dificuldades e o desejo se juntam e surgem, da, ideias fortes

    UMA OUTRA CENA DA MESMAanotaes sobre a origem e o agito no Nordeste

  • 35

    que soam quase como ideologias. Via-se na cena da e-music algo

    alm da mera diverso, via-se um plus: um plur, peace, love, unity

    and respect, hoje quase esquecido. Surgem os coletivos de emu-

    sic, quase militantes, para fazer a cena existir. Ainda em fins de 97

    e incio de 98 dois coletivos pioneiros assinavam os eventos, como

    Soononmoon, da Bahia e Pragatecno, de Alagoas. O primeiro fa-

    zendo as primeiras raves na regio e o segundo, com uma atuao

    mais urbana, as festas na cidade de Macei e o lanando o primei-

    ro cd duplo de e-music do pas, o Sombinrio#1. Sim! Produtores

    de emusic, em live pas e produo de estdio, j lanavam suas

    primeiras faixas, com artistas de Macei. A conexo da e-music

    local com a global no se dava com o sudeste brasilero, mas, sim,

    via internet, com o mundo. As tecnologias do digital efetivamente

    entram nessa cena como um suporte diy, do-it-yourself, faa-voc-

    -mesmo, e a cena local ganha autono-

    mia, com seus djs locais.

    A cena teve incio: ser dj de emusic,

    selecionar selos e produtores, esco-

    lher vertentes e subgneros. O pblico

    se forma. As festas ganham nome, os

    flyers, os designers, os doors, os pro-

    moters, os equipamentos...O entorno

    construdo e um entorno comprome-

    tido com a Cultura do dj, essa hoje j

    bastante solapada pelo apropriao do mainstream.

    As iniciativas do Soononmoon e Pragatecno espelham-se para

    outras cidades. Surgem ncleos do Pragatecno em Belm (Co-

    tonete), So Lus (Maranho), Fortaleza (Undergroove), Paraiba,

    Pernambuco, Sergipe, Bahia (e Alagoas, onde o Pragatecno surge

    em 24 de janeiro de 1998).

    Ps 2000, a massificao e a apropriao da figura do dj traz

    elementos positivos como maior aceitao mercadolgica e po-

    ltica de apoios de empresas, com foco em marketing, cultural ou

    no , mas banaliza a atuao. Se tnhamos djs que assinavam

    seus sets, a partir de uma pesquisa pessoal e particular de selos e

    produtores dentro de sua vertente, os setlists on line (tops 10, top

    20) e os sucessos impostos pela pista, retiram do (novo) dj a figura

    do pesquisador, banalizando-o como um animador. Esse panora-

    ma no exige tanto do dj que surge em todas as partes .

    As dificuldades e o desejo se juntam

    e surgem, da, ideias fortes que soam

    quase como ideologias. Via-se na cena

    da e-music algo alm da mera diverso

  • 36

    De uma forma ou de outra, esse novo panorama minimiza a ne-

    cessidade de se ter um conceito nos eventos, trazidos princi-

    palmente pelos coletivos unders, inicialmente. Um conceito numa

    atividade under estava associado uma proposio esttica nova,

    emergente. Hoje, mesmo no Nordeste, convivemos com essa di-

    luio da cultura do dj enquanto subcultura, no sentido da cultura

    identitria. O mercado, esse mais pop, tem sido o demarcador.

    Talvez o grande desafio, hoje no somente para o Nordeste

    mas igualmente para o Brasil e sua cena da e-music seja produ-

    zir msica. Produzir msica (e no apenas tocar/djing). E produzir

    com a cara do Brasil. Riqueza de ritmos temos, para exportao

    e no a toa que produtores de nu-soul e nu-jazz estrangeiros be-

    bem de nossas fontes do samba-rock, samba-soul e bossa nova. Se

    pensarmos no Norte e Nordeste como fontes msica, a se amplia

    tudo, com os sons dos folguedos e rit-

    mos da msica popular. A cena bra-

    sileira ainda de esttica importada

    (nada contra, mas se limita esttica

    da msica principalmente americana

    e inglesa, com seus selos e produto-

    res). Inclusive no Nordeste: tocamos o

    que se toca e se produz l fora. Olha-

    mos pouco para ns mesmos, como

    veiculadores de sons e estticas.

    Nesse sentido, destaco a atuao do dj Dolores, sergipano ra-

    dicado em Pernambuco, e de Chico Correa, paraibano, que sem-

    pre se dedicaram produo sonora onde se associam timbre

    sintticos aos grooves regionais. Destacando ainda o argentino

    radicado na Bahia (hoje falecido) Ramiro Musotto com sua obra

    synthafrobeatberimbau.

    Lembro que uma de minhas melhores experincias de djing e

    produtor, na busca de conectar rudos sintticos com sons regio-

    nais, foi a performance que fizemos (dj Angelis Sanctus e Beto

    Farias) em So Paulo (Sesc Pompia) quando tocamos com o

    grupo Baianas de Santa Luzia do Norte, grupo de cco, folclore

    alagoano, formado por senhoras cinquentenrias e msicos de

    percusso. Com isso quero dizer que h um nicho aberto e igno-

    rado em conectar beats e grooves locais, que poderia ser o centro

    de nossa cena regional.

    Esse novo panorama minimiza a

    necessidade de se ter um conceito nos

    eventos, trazidos principalmente pelos

    coletivos unders, inicialmente

  • 37

    Chamo ateno para o fato de que a cena do dj no Nordeste

    mais do que (somente) a cena de e-music tem feito surgir novos

    agrupamentos (coletivos ou no) que tocam outros gneros, como

    black music (samba-rock, samba-soul...), reggae, rock... Gerando

    novos entornos com novos promoters, divulgadores, consumido-

    res de festas. Isso interessante porque amplia o panorama est-

    tico local, absorvendo e gerando diversidade musical, to presen-

    te na regio.

    Por ltimo, em que pese o boom de novos e jovens djs que pes-

    quisam pouco a msica, documento a enorme quantidade de djs

    espalhados em todos os estados nordestinos inclusive muitas

    mulheres e com talento destacado no s no campo da pesqui-

    sa dos gneros musicais, mas com excelente tcnica de mixagem.

    Reforando a idia inicial, ao olhar essa cena de dj com tantos

    desafios locais (falta de infra-estrutura comercial, principalmente)

    possvel identificar que a qualidade desses artistas os djs de-

    dicados pesquisa to destacada como a de qualquer parte

    do planeta. E isso no exagero. s ir para a festa certa.

    Artigo produzido para a revista do evento Gerao Eletrnica

  • 38

    seminrio de onde viemos, para onde vamos?salvador (ba) 2015

    1 djs pix (sp) e adriano suares (al) 2 djs adriana prates e mpa (ba)3 dj andr urso (ba)4 dj joo ricardo (ma)

    1

    3

    2

    4

  • 39

    Adriana Prates

    Danceteria, alm de ter sido o nome de um famoso clube nova-

    -iorquino, o termo usado para designar as festas e espaos, em

    Salvador, onde se pode ouvir e danar um ritmo conhecido como

    miami beat ou house miami. Mas voc sabe o que o miami beat?

    No final de 1987, incio de 1988 eu fui passar um ms de frias

    na ilha de Itaparica. Como tinha pouca coisa para fazer alm de

    ir praia e assistir belos rituais de candombl, comecei a pres-

    tar ateno na programao da Rdio Manchete, atravs da qual

    a dance music dava as caras em Salvador. Na Manchete, o som

    de artistas como Madonna, Sidney Youngblood, Tone Loc, Soul II

    Soul e Adeva, por exemplo, rolava ao lado de muitas faixas de um

    estilo que, depois vim a saber, era conhecido como miami beat ou

    house miami, caracterizado por batidas quebradas e vocais melodio-

    sos. A rdio apresentava tambm programas de mixagem, onde djs

    soteropolitanos misturavam, sempre com muita tcnica, faixas de

    Tony Garcia, Fascination, Cintia, enfim, dos artistas do estilo.

    2005. Setembro. Domingo. Oito da noite. No estava preparada

    para a exploso de grave e energia que presenciei, acreditem, na

    laje de uma construo no Engenho Velho de Brotas, bairro po-

    pular de Salvador. Na ocasio, o dj comandava uma pista super

    animada, onde se ouviam gritos a cada virada e onde danarinas

    e danarinos se esbaldavam em verdadeiras orgias coreogrficas,

    aos pares, trios, quartetos eu estava finalmente tendo o prazer

    de conhecer a Emoes, Danceteria capitaneada pelo dj Eraldo,

    um dos pioneiros da cena miami beat de Salvador. Pois , cerca

    de vinte anos depois o estilo, que conheceu seu auge em meados

    da dcada de oitenta, ainda sobrevive, especialmente atravs do

    trabalho dos djs Eraldo e Amilton, proprietrio da Danceteria Pop

    VOC SABEO QUE DANCE-TERIA?

    VOC SABEO QUE DANCE-TERIA?

  • 40

    Dance, localizada na Rua Carlos Gomes, no centro de Salvador.

    A histria desta cena curiosa. Segundo o dj Lucio K. que

    foi um dos expoentes do estilo em meados da dcada de oiten-

    ta, um dos poucos locais onde era possvel adquirir discos impor-

    tados era uma loja carioca localizada em Copacabana, chamada

    Billboard, que recebia os singles da parada norte-americana. De

    acordo com Lcio K., os discos do Top Ten americano eram rapi-

    damente adquiridos pelos djs do Rio de Janeiro. Assim, restava

    aos djs baianos, em uma poca em que as fontes de informao

    eram escassas, confiar nas sugestes dos vendedores da loja, que

    indicavam os discos que sobravam, faixas, justamente, da cena

    de Miami e Porto Rico na verdade discos de Freestyle que

    tambm conseguiam boas colocaes na parada americana, por

    venderem bastante entre os jovens americanos de ascendncia

    latina. Aos poucos os djs baianos assumiram o estilo e o circuito

    do miami beat se formou na periferia de Salvador. As danceterias

    Emoes e Pop Dance so, na verdade, espaos remanescentes

    deste circuito que, h vinte anos atrs, inclua bairros populares

    como Liberdade, So Caetano, Periperi, Paripe

    Para finalizar (por enquanto) gostaria de dedicar este texto a

    todos os djs das antigas da minha cidade, que abraaram a pro-

    fisso num tempo em que, como me disse um amigo, o dj entra-

    va pela porta dos fundos e no lhe era oferecido sequer um copo

    dgua.Artigo publicado no site do Pragatecno em 2005

  • 41

    seminrio de onde viemos, para onde vamos? salvador (ba) 2015

  • 42

    Adriana Prates e Cludio Manoel Duarte

    A sociloga e mestre em Sociologia, Adriana Prates, e o jorna-

    lista e mestre em Cibercultura, Cludio Manoel (aka dj Angelis

    Sanctus) so djs. Eles entrevistam a si prprios sobre as questes

    da cultura do dj. Morando em Salvador, onde so pesquisadores

    e professores universitrios, atuam no coletivo Pragatecno, que,

    desde 1998, fixou-se como um projeto cultural no norte e nordeste

    para disseminar a cultura do dj e a msica experimental eletrni-

    ca. Confira!

    Adriana dj artista?

    Cludio H uma polmica. Produtores eletrnicos defendem

    que artista o que produz arte; e dj reproduziria, apenas. O dj est

    num meio campo, entre arte e tcnica, um artista-tcnico, pois

    seus equipamentos tambm produzem e manipulam o pronto.

    E a funo da arte no provocar sensaes? Isso o dj faz com

    tcnica e seleo musical, ondulando a sensibilidade do pblico.

    Cludio Do underground ao overground?

    Adriana Creio que sim. O termo overground objetiva descrever

    a chegada de produtos culturais underground ao mercado sem

    perder, porm, seu carter artstico alternativo. Como exemplo de

    overground podemos citar o punk: de repente, todas as lojas co-

    mearam a vender roupas j detonadas! Isso vem ocorrendo com

    a msica eletrnica, e, nos ltimos tempos, podemos acompa-

    nhar sua apropriao pela grande mdia e pelo mercado, acarre-

    tando uma conseqente popularizao de estilos relacionados e

    a ampliao do pblico consumidor. Essa popularizao envolve

    tambm, alm do overground, a pura massificao, como quando

    ocorre, por exemplo, a produo em srie de faixas baseadas em

    uma track que atingiu o overground. Como exemplo de overground,

    O EN-TOR-NO DA CUL-TURA DO DJ

    O EN-TOR-NO DA CUL-TURA DO DJ

  • 43

    em relao msica eletrnica, acho que possvel citar tambm

    a realizao de festivais como o Nokia Trends e o Tim: grandes

    eventos que possuem inteno puramente comercial, mas cujo

    line up composto por djs e projetos experimentais de msica

    eletrnica. So eventos onde a produo underground absorvida

    pelo mercado e pelo grande pblico sem que os artistas precisem

    abrir mo de seu ponto de vista esttico.

    Cludio Antes se falava em tribos da e-music. Mas com essa

    massificao, podemos identificar ainda essas tribos do ps-mo-

    derno?

    Adriana Essa questo no diz respeito apenas s comunidades

    de apreciadores da musica eletrnica, visto que, de modo geral,

    essas aglutinaes que compem o que voc est chamando de

    tribos constituem um fenmeno urbano disseminado, funcionan-

    do como referncia identitria num

    ambiente complexo, caracterizado

    por elementos como a velocidade,

    a diversidade, a impessoalidade, o

    anonimato, a falncia de valores tra-

    dicionais O que acontece, e talvez

    por isso voc mencione a questo da

    massificao, que praticamente

    impossvel que essas, digamos, tri-

    bos, se mantenham no underground,

    visto que as grandes empresas procuram acompanhar tendncias

    emergentes de comportamento, no sentido de circunscrever novos

    nichos de mercado. Alis, no somente para circunscrever, mas

    tambm para criar esses nichos e produzir novas demandas de

    consumo. Esse movimento provoca alguma diluio, pois disse-

    mina os cdigos das comunidades alternativas para muito alm do

    grupo original. Por outro lado, os sinais distintivos de tais grupos

    so constantemente recriados, num processo contnuo. O mesmo

    acontece quando uma nova tendncia musical chega ao mains-

    tream, mas as produes experimentais continuam a existir e a

    propor novos pontos de vista, que sero, por sua vez, novamente

    apropriados pelo mercado e assim sucessivamente.

    Adriana Ao menos no Nordeste, a existncia de coletivos foi fun-

    damental para a expanso da msica eletrnica. Agora que este

    tipo de msica se tornou mainstream, qual seria o papel dos cole-

    As grandes empresas procuram

    acompanhar tendncias emergentes

    de comportamento, no sentido de

    circunscrever novos nichos de mercado

  • 44

    tivos. E em outros pases? Existem coletivos? A finalidade /foi a

    mesma? Qual o papel deles para a cena?

    Cludio Os coletivos grupos de pessoas envolvidas com o

    mesmo projeto cultural rompe com a ideia de hierarquia. A fun-

    o do lder diluda frente produo cooperativa e prazerosa

    dos integrantes. No Nordeste, os coletivos de e-music foram fun-

    damentais para a deflagrao da cena, pois significaram uma rede

    livre para a circulao da informao em uma regio fora do um

    circuito (sp e rj). A internet foi e o brao de apoio dos coleti-

    vos atuantes, ainda. Naquela poca, a funo principal dos coleti-

    vos era criar a rotina de eventos em torno da msica underground

    para gerar temporalidade (rotina) e localidade (point), bases para a

    existncia de uma cena, entendida como a superproduo exposta

    de uma comunidade. Foram os coletivos e iniciativas de promo-

    ters ligados ao underground que fi-

    zeram essa cena ganhar visibilidade

    miditica. Depois, obviamente, ela foi

    apropriada comercialmente desti-

    no reservado a qualquer cena under.

    Lembre-se que, antes, a cultura under

    da e-music era negada e perseguida

    pela mdia e algumas instituies e

    at alguns promoters que hoje a to-

    mam como negcio; hoje fonte de

    lucro e geradora de agregaes de valores; mdia. Mas negao

    nova msica acontece desde os anos 50, com o jazz, rock and

    roll, reggae, punk. Antes marginais, depois massivos. A partir dos

    anos 90, coincidentemente com a cena dos djs, no Brasil, a pro-

    duo simblica dos grupos das ruas chama a ateno dos mcm

    e de empresas. Ora, se a msica experimental lucro, hoje, os

    coletivos tm uma de suas principais funes eleger e publi-

    cizar o que experimental diluda. A eles, alm da funo de

    agenciamento de seus artistas, dado como tarefa manter eventos

    rotineiros e conceituais, onde se podem explorar as novas pes-

    quisas sonoras dos djs, dos msicos e as gens dos vjs. Creio tam-

    bm que o desafio, talvez o principal, seja produzir msica (j que

    a reproduo foi tomada). Produzir essencial nesse momento,

    para propor novas experincias estticas. Outro aspecto: a pouca

    circulao era um elemento do underground (e por isso ele existia

    A negao nova msica acontece

    desde os anos 50, com o jazz, o rock and

    roll, o reggae, o punk. Antes

    marginais, depois massivos

  • 45

    como under e no como over). Sem d: o underground acabou. A

    prpria circulao hoje livre, massiva e descontrolada, via inter-

    net e novas mdias mveis. Os coletivos no so uma experincia

    brasileira. Os coletivos so uma experincia global. E engana-

    -se quem pensa que ela pertence eletrnica. Lembre-se que em

    1976, o empresrio Dennis Rowe dirigia o Muscle Head (Londres),

    o mais famoso sound system do Reino Unido nos anos 80. E ele

    fazia batalhas de potncias de eventos com outros SSs como o

    Third World (NY), Sir Coxsone, Bodyguard, Afrique, King Addies

    e Kebra Negus. Esse clima de disputa do bem continuou nos pri-

    meiros sound systems ingleses de e-music o que motivava e mo-

    tiva (pois eles existem ainda) eram diferentes conceitos estticos,

    que demarcavam territrios de (sub)cultura. No Brasil, essa ideia

    de coletivo chegou meio pobre dentro da cena eletrnica, onde os

    grupos no tinham e nem eram, em sua maioria, sound systems.

    Os coletivos so uma ps-verso dos

    sound systems. A experincia autn-

    tica brasileira de sound systems so

    as aparelhagens dos bailes funks

    iniciais (sim, do funk carioca) e das

    festas bregas ao Norte do pas. Eles

    os coletivos e as aparelhagens

    ajudam na circulao da informao,

    democratizao da msica e a incre-

    mentao e autonomia das cenas.

    Adriana Qual a relao entre o uso de drogas e a preferncia por

    msica eletrnica?

    Cludio No a msica eletrnica. a juventude. claro que

    uma cena que se espalha, espalha junto com ela os seus elemen-

    tos moda, gria, droga, comunidades virtuais que a mdia,

    que sobrevive da notcia, procura, quase sempre, o caminho mais

    curto para explicar algo complexo e ganhar audincia.

    Cludio O dj e o entorno da msica eletrnica hoje so produtos

    de consumo, resultado da indstria cultural, que se instalou como

    projeto de marketing para empresas. dj e sua msica so mdias -

    exatamente o contrrio de alguns anos atrs. O que o consumo,

    quando o tema o dj?

    Adriana Esta sua questo propicia vrias possibilidades de an-

    lise... poderamos falar em consumo no sentido da fruio desta

    A prpria circulao hoje livre, massiva

    e descontrolada, via internet e novas

    mdias mveis. Os coletivos no so uma

    experincia brasileira

  • 46

    msica e dos ambientes onde ela executada ou do consumo como

    a aquisio de elementos materiais, como, por exemplo, discos e

    demais artefatos relacionados esta msica ou outras prefern-

    cias concebidas como prprias de seus apreciadores, por exem-

    plo. Mas voc mencionou a questo do marketing e isso remete

    especificamente forma atual de operao das grandes empresas,

    atravs de segmentos de mercado, contando, para auxili-la nesta

    tarefa, com um poderoso aparato publicitrio, tcnicas de pesquisa,

    etc. A comunidade eletrnica precisa construir uma postura crtica

    em relao a essas questes. Em relao a este ponto, lembro de

    uma discusso ocorrida na lista do Pragatecno, faz algum tempo,

    a respeito de qual, dentre os festivais de msica eletrnica, tinha o

    perfil mais comercial. Na berlinda estavam o Skol Beats, o Sonar-

    sound SP (patrocinado pela Nokia). Algumas pessoas defendiam

    que o Sonar possua um perfil menos comercial, por ter trazi-

    do artistas de minimal, uma tendncia

    ainda pouco conhecida, naquela po-

    ca, aqui no Brasil, e que o Skol Beats

    possua o carter mais comercial,

    por trazer artistas de tendncias j

    mais disseminadas. Essa discusso,

    a meu ver estril, tornou evidente que

    as pessoas no conseguiam perceber

    que no fundo todos esses eventos so

    a mesma coisa: aes de marketing cuja finalidade no apenas

    promover uma marca de celular ou de cerveja, mas que objetivam,

    especialmente, criar um senso de grupo, de pertencimento, rela-

    cionado ao consumo da msica eletrnica. Em ltima instncia,

    estamos diante do mesmo tipo de lgica mercadolgica que mo-

    tiva uma empresa a patrocinar um rodeio ou um torneio de tnis,

    por exemplo: propiciar um espao onde se favorea a constitui-

    o de uma relao entre a preferncia por um determinado estilo

    musical, esporte, seja l o que for, e outras opes de consumo.

    Publicada na revista Global Brasil, n07, em 2007

    Em ltima instncia, estamos diante do

    mesmo tipo de lgica mercadolgica que

    motiva uma empresa a patrocinar um

    rodeio ou um torneio de tnis

  • 47

    seminrio de onde viemos, para onde vamos? salvador (ba) 2015

  • 48

    Adriana Prates

    Lembro do flyer parecido com um carto postal anunciando a pri-

    meira apresentao ps Blitz da Fernanda Abreu em Salvador, s

    vsperas de lanar Sla Radical Dance Disco Club, seu primeiro dis-

    co solo. Vestindo uma roupa preta de vinil, Fernanda arrebentou,

    fazendo um show super danante e cheio de ideias originais, ape-

    sar das abundantes citaes do passado, especialmente do funk e

    da disco music. Sla Radical Dance Disco Club representou para mim

    a existncia de possibilidades musicais diferentes e acompanhei

    desde ento o trabalho desta artista que, infelizmente, anda sumi-

    da da cena musical.

    Com uma introduo feita na base da colagem de fragmentos

    sonoros, Sla Radical Dance Disco Club pioneiro na utilizao de

    recursos tpicos da produo de msica eletrnica, apresentando

    canes construdas atravs da interao de instrumentos tradi-

    cionais com equipamentos como macintoshs, prophets, vocoders,

    baterias eletrnicas, teclados, sequencers e, principalmente, o

    sampler. Alm da sonoridade inusitada para a poca, proporciona-

    da pelo uso de tal parafernlia, estiveram colados com a Fernanda

    Abreu os DJs Mem e Marlboro, mandando ver na programao,

    edio e scratches.

    A ode ao sampler, assim como a orgia sonora onde tudo permi-

    tido, desde colagens, menes e releituras criao de msicas a

    partir de outras msicas to cara msica eletrnica conti-

    nuaram em SLA 2 Be Sample. Com citaes e levadas de baixo

    clssicas da soul music e do funk, o segundo disco trazia tambm

    as primeiras tentativas de fundir influncias gringas mais moder-

    nas, de grupos como o Soul II Soul, por exemplo, com sons brasi-

    leiros. O disco traz pelo menos duas prolas: a j clssica Rio 40 e

    WERE YOU SAM-PLED?

    WERE YOU SAM-PLED?

  • 49

    a cover de Jorge de Capadcia, com um grave que ainda hoje deixa

    meu juzo retorcido. Tem tambm scratches do Marlboro e vocais

    dos rappers Nino Rap e Eddy MC.

    O Brasil aparece mesmo em Da Lata. Nele a artista festeja o

    samba e o funk inclusive o carioca fundindo-os em arranjos

    que incluem metais Maceo Parker, promovendo assim um formi-

    dvel encontro de culturas musicais. O disco dedicado a todos

    os ritmos e levadas desta cidade maravilhosa a cidade de So

    Sebastio do Rio de Janeiro e traz participaes do Funkn Lata

    e de ritmistas da mangueira.

    Em Raio X Fernanda Abreu prope releituras e remixagens de

    algumas de suas msicas, por parte de artistas diversos. O disco

    abre com um rap-repente e segue com o samba-enredo Aquarela

    Brasileira, no qual a artista canta a diversidade cultural brasileira

    em estilo velha guarda, mas no mui-

    to: surdo, agog, repique, apito, gan-

    z, tamborim, pandeiro, reco-reco,

    reco de mola, zabumba, cavaquinho,

    violo sete cordas e coro de pastoras

    so unidos a sons tirados de caixa de

    fsforo, garrafa, prato, faca e acresci-

    dos de programao e sampler. Pas-

    sando por colaboraes de Carlinhos

    Brown, Chico Science e Nao Zum-

    bi, o disco vai chegando ao final em clima de baile funk, com di-

    reito grito da galera e tudo. A ltima msica, apesar do astral

    funk, um sambo com direito a surdo, repique, cuca, caixa e

    pandeiro. Misturas nem um pouco indigestas, tanto que continu-

    am em alta no falta quem continue a fazer e muito menos quem

    se disponha a ouvir.

    Fernanda Abreu foi uma artista antenada com seu tempo, at

    mesmo frente dele, talvez. H mais de vinte anos ela j citava,

    sampleava, picotava, colava e misturava sons com a colaborao

    de djs, usando funk, soul e disco music como bases para dar seu

    recado na cadncia do samba e do funk carioca isso tudo muito

    antes que a inteligncia eletrnico-musical brasileira enxergasse

    algum valor neste estilo. E o melhor de tudo: botando o povo para

    danar!

    Gostando ou no dos seus discos, inevitvel reconhecer que,

    H mais de vinte anos ela j citava,

    sampleava, picotava, colava e misturava

    sons com a colaborao de djs, usando

    funk, soul e disco music dar seu recado

  • 50

    alm de possuir inteligncia, cultura musical e referncias luxu-

    osas, esta artista sempre celebrou elementos caros ao processo

    criativo que envolve a msica eletrnica. E mais do que utilizar al-

    guns desses recursos em suas msicas, ela exaltou desde sempre

    as possibilidades que eles representam para a msica em geral.

    Salve Fernanda Abreu!

    Publicado no site do Pragatecno, em 2006

  • 51

    seminrio de onde viemos, para onde vamos ?salvador (ba) 2015

    1 dj gabo oliveira (sp) no warm up 2 dj camilo rocha (sp) na festa discology/salvador

    1 2

  • 52

    Entrevista de Thomas Melchior a Adriana Prates

    Adoro experincias novas. Por isso, meu primeiro pensamento

    quando recebo qualquer proposta : porqu no? Embora no te-

    nha experincia em escrever textos de carter jornalstico, foi pen-

    sando assim que aceitei o convite para ser colaboradora do site

    Cafetina, dedicado msica eletrnica e eletroacstica. Entretan-

    to, a mesma fleuma quase me faltou quando recebi a proposta de

    estrear entrevistando o produtor alemo Thomas Melchior, que

    aparece de vez em quando aqui em Salvador e, por acaso, um

    dos expoentes do som minimal a tendncia eletrnica que mais

    vem dando o que falar nos ltimos tempos. Imagine: eu, que nun-

    ca tinha tido a experincia de entrevistar algum, encarar logo

    de primeira um top produtor, considerado um dos mais influentes

    na linha de som qual se dedica e que vem a ser a mais comen-

    tada atualmente Dureza! Mas logo me veio minha costumeira

    resposta/pergunta: porqu no? Afinal, a proposta do site trazer

    informao especializada, sim, mas de uma forma que esta seja

    acessvel ao grande pblico. Ento, parei de perder tempo e come-

    cei logo a pensar nas perguntas que faria ao Melchior.

    minimal creio que foi ano passado, mais especificamente de-

    pois do Snar, que o minimal danante passou a despertar maiores

    interesses aqui no Brasil. Eu particularmente gosto da ideia de

    trabalhar com economia, eficincia, sinteticidade e sobriedade,

    caractersticas que identifico no minimal, mas nunca me dediquei

    a pesquisar com afinco o estilo, os produtores, etc., me limitando

    a passear rapidamente pelas faixas de lbuns lanados por se-

    los como Perlon e Kompakt, durante as minhas visitas s lojas de

    disco virtuais. Entretanto, numa noite quente em Salvador, tive a

    THO-MAS MEL-CHIOR E O FOCO NA MSI-CA

    THO-MAS MEL-CHIOR E O FOCO NA MSI-CA

  • 53

    sorte de ser conduzida numa jornada sonora minimalista pelas

    mos de Thomas Melchior. Considerado na Europa como um

    dos grandes artistas do minimal, Melchior apresentou em janeiro

    de 2005 um live pa no Miss Modular, clube soteropolitano onde

    todas as sextas-feiras vem acontecendo a Opsom, noite promo-

    vida pelo coletivo Pragatecno e dedicada msica eletrnica un-

    derground.

    Na ocasio, me joguei na pista desde o momento em que pisei

    no clube e l permaneci at a hora que o dj parou o som, como

    sempre acontece quando est rolando a maravilhosa house mu-

    sic. Um tempinho depois me chegou a proposta de realizao

    da entrevista para o site. Consegui entrar em contato com Mel-

    chior atravs de um amigo em comum e, acertados os detalhes,

    comecei a pensar no que pessoas que gostam de msica ele-

    trnica mas que no possuem gran-

    des conhecimentos sobre o minimal

    como eu gostariam de saber a

    respeito do assunto. A conversa com

    Thomas Melchior pode ser conferida

    logo abaixo e eu espero que a leitora

    ou leitor consiga vislumbrar o lance

    mais legal nessa histria que me deu

    o privilgio de conhecer um pouco

    mais sobre o Thomas: o fato deste su-

    per produtor, apesar de ser top no que faz, manter a simplicidade

    pessoal e o foco na msica. Sem nada de afetao. Exatamente

    como sua msica.

    Adriana No incio do ano eu tive o prazer de apreciar seu som

    em Salvador, quando voc fez um live no Miss Modular. esse o

    seu formato preferido de apresentao?

    Melchior Ol. Fazer um live uma coisa mais nova para mim,

    ento mais interessante. Mas tambm gosto fazer dj set, porque

    sou amante de msica e colecionador de discos bons

    Adriana Voc se importaria de dizer que equipamentos que

    usou naquela apresentao? Consta que voc trouxe aparelhos

    valvulados

    Melchior um segredo ;)No Miss Modular eu usei um kor-

    g-sequencer ET-Mix e um sampler ETS. Normalmente eu uso

    tambm um sintetizador com teclados e mais uma outra magna

    Este super produtor, apesar de ser top no

    que faz, manter a simplicidade pessoal e

    o foco na msica. Sem nada de afetao.

    Exatamente como sua msica

  • 54

    do ritmo.

    Adriana Quanto de improviso e quanto de pr- planejamento h

    num live pa?

    Melchior A maioria pr-planejado. Eu improviso com arranjos,

    os sons e variaes de ritmos.

    Adriana Voc se considera um dj ou um produtor?

    Melchior Um produtor musical.

    Adriana Se importaria de dizer quais os softwares e equipamen-

    tos que costuma usar para produzir suas faixas?

    Melchior Eu uso Cubase para computador e vrios tipos de sin-

    tetizadores e magnas do ritmo. Kurzweil k-2000, Alesis micron,

    Roland jd 800, SH101, TR 8o8 e R8, Nord rack, Verona analogue

    drum synthesiser, Korg electribe, t.c electronics reverb e delay, e

    um mixer soundcraft 24 canal, monitor de referncia Yamaha ns

    10, caixas JBL control, etc

    Adriana Poderia nos falar um pou-

    co sobre sua trajetria e tambm nos

    dizer porque resolveu migrar do for-

    mato de banda para o de produtor de

    msica eletrnica?

    Melchior Nasci na Alemanha e

    cresci na Espanha. Morei nos eua e fi-

    nalmente na Inglaterra, onde comecei

    a tocar numa banda de jazz funk, na escola. Eu tocava teclados

    e cantava. Com o tempo eu descobri que quanto menos pessoas

    estiverem na banda, mais controle voc ter sobre o som. Usan-

    do computadores foi possvel (trabalhar sozinho). Tambm nessa

    poca entrou em cena a acid house (1987) que eu gostei muito e

    imediatamente vi o futuro.

    Adriana Se voc j fez parte de uma banda, ento certamente

    deve conhecer msica, tocar instrumentos Gostaria de saber

    o que este tipo de experincia acrescenta na criao de msica

    eletrnica?

    Melchior Quando jovem estudei musica clssica e composio,

    o que me deu conhecimento sobre harmonia (e desarmonia). To-

    cando em banda voc aprende que todos os instrumentos so

    importantes, ento voc aprende tambm a dar mais ateno para

    todas as partes da msica.

    Adriana Fale sobre a histria do som minimal danante

    Quando jovem estudei musica clssica e

    composio, o que me deu conhecimento

    sobre harmonia (e desarmonia)

  • 55

    Melchior Existe o minimal techno, minimal house, micro house,

    etc. O minimal um movimento velho e na verdade est na cena

    musical j h muito tempo. Comeou com a msica avant garde de

    Phillip Glass e Steve Reich e mais tarde, com ajuda dos computa-

    dores, cresceu mais rpido.

    Adriana Embora o minimal seja associado mais comumente ao

    techno, sinto o seu som mais como house estou enganada? Voc

    se considera um produtor / dj de house?

    Melchior A diferena entre house e techno na verdade est na

    velocidade e na sonoridade. Eu trabalho o lado funky sensual

    da house e o lado cabea experimental do techno.

    Adriana Poderia nos dizer quais as suas influncias musicais?

    Melchior Primeiro gostei da msica clssica, depois vieram os

    Beatles, msica eletrnica dos anos 70 e 80, como Kraftwerk, De-

    peche Mode, Yello, The Residents

    mas tambm black music como jazz,

    funk, fusion, Parliament, Herbie Han-

    cock, James Brown, The Meters e

    ainda msica brasileira como Srgio

    Mendes, Azymuth, Joo Gilberto, Ca-

    etano Veloso e finalmente as msicas

    avant garde, bizzaras e interessantes.

    Adriana Em quais djs e produtores

    devemos prestar ateno?

    Melchior Luciano, Ricardo Villalobos, Zip (Dimbiman), Mathew

    Dear, Marc Leclair (Akufen, Horror Inc), Robag Wruhme (Whig-

    nomy Brothers). E mais antigos como Derrick Carter, Chez Da-

    mier , Ron Trent, Robert Hood, Brett Johnson

    Adriana Seus prximos planos para sua carreira, para o seu

    selo?

    Melchior Quero continuar a fazer msica. o que mais sei e

    gosto de fazer. Msica minha vida.

    Adriana A pergunta mais previsvel (e inevitvel) O que acha

    da cena brasileira? Leva alguma influncia do Brasil para sua

    msica?

    Melchior Para mim a msica brasileira tem influncia de um

    modo geral. No so os ritmos tradicionais e sim a atmosfera

    cultural, lingustica e sonora que estou comeando a usar dentro

    minha msica, inclusive estar saindo agora meu novo vinil com

    A msica brasileira tem influncia de

    um modo geral. No so os ritmos

    tradicionais e sim a atmosfera

    cultural, lingustica e sonora

  • 56

    uma faixa que se chama Galera da Bahia, e que promete. E eu amo

    a msica brasileira, especialmente a da Bahia, onde ficam muitas

    razes da msica do Brasil.

    Adriana Em sua opinio, o que representa a msica eletrnica

    na histria da msica? E o que representa o minimal na histria da

    msica eletrnica?

    Melchior A msica eletrnica uma forma nova da msica e

    representa uma outra viso. Usando sons diferentes e estranhos

    voc pode reinterpretar estilos antigos e criar estilos novos. A m-

    sica eletrnica consegue expressar nossos tempos modernos e

    tambm ajudar as pessoas, no sentido de aprender a ser criativo.

    Os computadores mostram a lgica da msica, mas mesmo assim

    voc precisa de algum para program-los, ter ideias originais e

    incluir a alma dentro da msica. Quanto ao minimal, o progresso

    futurstico da msica eletrnica.

    Adriana No Brasil, o minimal est

    num momento de grande prestgio

    mas, por outro lado, aqui as coisas

    costumam acontecer com certo atra-

    so Eu gostaria de saber se o minimal

    est realmente em um bom momen-

    to, na atualidade, ou se essa uma

    tendncia que j est se esgotando

    Enfim, como andam as coisas na Eu-

    ropa?

    Melchior Nos ltimos dez anos o minimal foi fashion por um tem-

    po e depois sumiu, voltou para o underground e depois retornou

    novamente, voltando sempre um pouco diferente. Pode-se dizer

    que tivemos ondas de minimalismo. Hoje o minimal um som mais

    constante e o futuro chegou na msica. A emergncia de mais

    produtores de minimal foi algo que, junto com o progresso tecno-

    lgico, tambm ajudou no processo de evoluo do minimal. Eu

    pessoalmente acho que o minimal hoje est melhor, graas ao fato

    de que os produtores atuais entendem melhor a importncia do

    ritmo. Creio que msica sempre uma reinterpretao do passado

    e o minimal, portanto, faz parte de uma evoluo lgica, incluindo

    todas as msicas do passado. O minimal vai ficar.

    Publicada no site Cafetina em 2005

    Computadores mostram a lgica da

    msica, mesmo assim voc precisa de

    algum para program-los, ter ideias

    originais e incluir a alma

  • 57

    seminrio de onde viemos, para onde vamos? salvador (ba) 2015

  • 58

    dj Mpa conversa com outros djs do Pragatecno

    Conhea um pouco da histria do dj Mpa atravs desta conversa

    com seus colegas djs do Pragatecno (cada um deles faz duas ou

    trs perguntas). Mpa fala da House, seu estilo do corao, e de

    suas influncias

    Mauro Telefunksoul Defina house music, qual subgnero da

    house que mais lhe encanta e porqu?

    Mpa Essa pergunta uma das mais difceis de se responder,

    como querer definir o amor, entende? algo meio sem explicao,

    mas vou tentar falar: para mim, a house um sentimento de amor

    eterno, completo, algo que voc leva e sente para o resto da sua

    vida e que ningum pode tirar de voc. A frase not everyone un-

    derstand house music perfeita, a house para mim um sentimen-

    to que tento compartilhar em meus sets, e vejo isso no rosto das

    pessoas quando estou tocando, o sorriso, o jeito de danar, enfim,

    a house te leva a viajar sem sair do lugar. Gosto de muitos subg-

    neros na house, mas tenho bastante identificao com a jazzy hou-

    se, acho fantsticas as possibilidades que este estilo proporciona.

    Voc pode ter vrios momentos em que solos de instrumentos vo

    compondo a msica, ou simplesmente um s instrumento solando

    na forma de improviso, um