23
1 PRÁTICAS E CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE Paola Caroline Spadoto José Carlos de Oliveira ∗∗ 1-Introdução. 2- Contrato de abertura de crédito em conta- corrente: conceito e natureza jurídica. 3- Relação de Consumo derivada do contrato de abertura de crédito em conta-corrente. 4- Práticas e Cláusulas Abusivas no contrato de abertura de crédito em conta-corrente. 5-Considerações finais. 1- Introdução O sistema creditício bancário destacou-se ao longo dos anos no cenário econômico em função do interesse público que representa, configurando, dessa maneira, um verdadeiro modelo de sustentação da economia. Esse sistema não atende tão somente às necessidades de crédito das pessoas, mas também propicia segurança e fomento ao desenvolvimento da nação. Na sociedade moderna, o crédito tornou-se um instrumento indispensável na participação no mercado de consumo. As instituições financeiras conscientes dessa nova necessidade criaram vários tipos de contrato visando a atrair novos clientes que, até então, não possuíam acesso ao crédito fornecido por essas instituições. Nesse contexto, um dos destaques nessa fase de captação de clientela foi o contrato de abertura de crédito em conta-corrente que, no decorrer dos anos, se tornou um contrato indispensável à satisfação das necessidades creditícias imediatas dos consumidores, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas. Dessa maneira, a abertura de crédito e a utilização do limite em conta corrente, contrato popularmente conhecido como contrato de cheque especial, tornaram-se a praxe mais utilizada pelos clientes bancários dada à facilidade e à Paola Caroline Spadoto é advogada e pesquisadora. ∗∗ José Carlos de Oliveira é professor da graduação e do programa de pós-graduação (Mestrado) em Direito da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Franca-SP e, Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal-SP

PRÁTICAS E CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CONTRATO DE ABERTURA DE ... · contrato de abertura de crédito em conta-corrente que, no decorrer dos anos, se tornou um contrato indispensável

  • Upload
    dokien

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

1

PRÁTICAS E CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE

Paola Caroline Spadoto∗ José Carlos de Oliveira∗∗

1-Introdução. 2- Contrato de abertura de crédito em conta- corrente: conceito e natureza jurídica. 3- Relação de Consumo derivada do contrato de abertura de crédito em conta-corrente. 4- Práticas e Cláusulas Abusivas no contrato de abertura de crédito em conta-corrente. 5-Considerações finais.

1- Introdução

O sistema creditício bancário destacou-se ao longo dos anos no cenário

econômico em função do interesse público que representa, configurando, dessa maneira,

um verdadeiro modelo de sustentação da economia. Esse sistema não atende tão

somente às necessidades de crédito das pessoas, mas também propicia segurança e

fomento ao desenvolvimento da nação.

Na sociedade moderna, o crédito tornou-se um instrumento indispensável na

participação no mercado de consumo. As instituições financeiras conscientes dessa nova

necessidade criaram vários tipos de contrato visando a atrair novos clientes que, até

então, não possuíam acesso ao crédito fornecido por essas instituições.

Nesse contexto, um dos destaques nessa fase de captação de clientela foi o

contrato de abertura de crédito em conta-corrente que, no decorrer dos anos, se tornou

um contrato indispensável à satisfação das necessidades creditícias imediatas dos

consumidores, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas.

Dessa maneira, a abertura de crédito e a utilização do limite em conta

corrente, contrato popularmente conhecido como contrato de cheque especial,

tornaram-se a praxe mais utilizada pelos clientes bancários dada à facilidade e à

∗ Paola Caroline Spadoto é advogada e pesquisadora. ∗∗ José Carlos de Oliveira é professor da graduação e do programa de pós-graduação (Mestrado) em Direito da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Franca-SP e, Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal-SP

2

simplicidade da movimentação do empréstimo, ainda que as taxas incidentes sobre a

operação sejam as mais elevadas do mercado.

Disso resulta o interesse que circunda a matéria, tornando-se claro que a

questão é de interesse geral e público, tendo-se em vista a área de abrangência e suas

conseqüências diretas e indiretas no mercado de consumo.

2- Contrato de abertura de crédito em conta-corrente: conceito e

natureza jurídica

O contrato em tela é uma junção de duas modalidades contratuais: a abertura

de crédito e a conta-corrente bancária, sendo, portanto, um instrumento de contratação

atípico e de feições próprias.

Nessa modalidade contratual bancária, tem-se um contrato consensual

oneroso, bilateral, não solene e de execução continuada. Importante destacar que

representa um contrato oneroso porque envolve uma concessão de crédito, e ainda

bilateral, pois gera direitos e obrigações para ambas as partes. Ao creditado é

assegurado o direito de dispor da quantia, não podendo o banco frustrar tal direito se o

contrato for por tempo indeterminado, pois, se assim não ocorrer, estaria a instituição

financeira praticando uma conduta lesiva ao correntista, que provavelmente ocasionaria

danos.

A abertura de crédito contratada pode ser tanto rotativa quanto fixa, ficando

a critério das partes a forma de disposição dos valores pactuados. A movimentação

desse crédito opera-se através da conta-corrente bancária, e não a ordinária, sendo que,

na maioria das vezes, é uma operação financeira garantida, não tão somente pela

abertura de crédito, como também por outras garantias, tais como o aval.

Os atos de utilização do crédito, que se operam através de operações

contábeis de débito e crédito em conta-corrente bancária, constituem mera execução do

contrato. Geralmente, essa movimentação exterioriza-se mediante a utilização de

cheques e saques. Essa movimentação gera novas obrigações, como a de pagamento de

juros sobre o saldo devedor e a de restituição das quantias utilizadas. Não possui o

banco a faculdade de cortar o crédito no curso do contrato, e, se este é por tempo

3

indeterminado, a rescisão contratual deve ser prescindida de aviso. É possível,

entretanto, determinar a utilização do crédito até certa data.1

É importante frisar que, para a configuração do contrato de abertura de

crédito em conta-corrente, não se faz necessário que o valor referente ao crédito

contratado permaneça depositado em conta vinculada ao creditado, pois a

disponibilidade não decorre da efetiva entrega do dinheiro. Basta que o banco se

comprometa a abrir o crédito (obrigação de fazer), e o cliente ou creditado a recebê-lo,

formalizando, dessa maneira, o negócio jurídico.

Em suma, a abertura de crédito em conta-corrente é o contrato pelo qual o

banco coloca à disposição do correntista um limite de crédito a ser movimentado em sua

conta-corrente, facultando-lhe a sua efetiva utilização, que, ocorrendo, impõe a

cobrança de juros e outros encargos. Na execução desse contrato, estabelece-se uma

relação jurídica de débito e crédito entre banco e cliente, apurando-se ao final do

contrato o saldo das operações, definindo-se os pólos dessa relação: o credor e o

devedor. Consigna-se que a cobrança de juros e encargos deverá ocorrer dentro dos

patamares exigidos pela lei, devendo-se informar previamente o cliente desses valores.

3- Relação de consumo derivada do contrato de abertura de crédito em

conta-corrente

Na atualidade, não há qualquer dúvida sobre a aplicabilidade das normas

esculpidas no Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias.

Contudo, a Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro) está

tentando, através de uma ação direta de inconstitucionalidade nº 2.591, afastar a

incidência da legislação consumerista das relações bancárias. Pelos posicionamentos e

pareceres apresentados ao caso, a Suprema Corte caminha para o entendimento de

reconhecer que não há inconstitucionalidade alguma no artigo 3º do referido diploma

que dispõe que a atividade financeira, incluindo-se a bancária, possa caracterizar uma

relação de consumo, desde que preencha os pressupostos legais.

1 COVELO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. São Paulo: Saraiva, 1981.

4

Todavia, para não restar dúvidas quanto à incidência da legislação

consumerista nas relações oriundas da modalidade contratual examinada, passa-se a

discorrer algumas considerações acerca da questão.

O Código de Defesa do Consumidor enumera os pressupostos básicos para a

sua incidência nas relações contratuais em seus artigos 2º2, §2º3, 3º e caput4, que

estabelecem os conceitos de consumidor stricto sensu, consumidor por equiparação

(coletividade de pessoas) e fornecedor, denunciando o grau de abrangência do referido

diploma.

No tocante ao conceito de fornecedor, o referido diploma é explícito ao

especificar, no artigo 3º, “as atividades de natureza bancária”, não deixando qualquer

dúvida quanto ao enquadramento das instituições financeiras como fornecedoras de

serviços e produtos.

Dessa maneira, as instituições financeiras são fornecedoras nos moldes do

art. 3º da legislação consumerista, posto que a elas se atribui a industrialização do

crédito, o favorecimento da circulação de riquezas, a concentração de riquezas e das

poupanças individuais. Além disso, o banco exerce a função monetária, de crédito e

também de investimentos.

Questionamento importante e talvez o único capaz de ensejar alguma dúvida

sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias

derivadas do contrato de abertura de crédito em conta-corrente, é o fato de se identificar

quem será o correntista, no caso, o tomador de crédito.

Em relação à pessoa física correntista, que toma recursos junto à instituição

financeira, existe uma “presunção hominis, juris tantum, de que se trata de relação de

consumo, quer dizer, de que o dinheiro será destinado ao consumo”5. Neste caso, trata-

2 OLIVEIRA, J.Carlos. Código de Defesa do Consumidor. 3.ed. São Paulo: Lemos e Cruz,

2002, p. 17. 3 Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que

indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 4 Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem

como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

5 NERY JUNIOR, Nelson. A defesa do consumidor de crédito em juízo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 42, 2000.

5

se do consumidor stricto sensu, pessoa que utiliza os recursos obtidos como destinatário

final, cabendo ao banco fazer prova em contrário caso queira afastar a incidência da

legislação consumerista.

Tratando-se de correntistas profissionais liberais e pessoas jurídicas, surge a

alegação de suas relações jurídicas com as instituições financeiras não se enquadrando

como típicas relações de consumo, tendo em vista que a utilização do crédito seria para

o fomento de suas atividades empresariais e não como destinatário final.

Contudo, esclarece-se que o cerne da questão não reside no fato da

destinação fática do crédito obtido junto à instituição financeira, mas, sim, na análise da

vulnerabilidade da pessoa contratante.

Esclarece-se, primeiramente, que o Código de Defesa do Consumidor não

estabelece tão somente o conceito de consumidor stricto sensu, mas também abarca a

definição de consumidor por equiparação em seu art. 29. Trata-se de uma proteção legal

baseada no dispositivo constitucional da defesa do consumidor que se assenta na própria

ordem econômica. Assim elucida Cláudia Lima Marques:

No caso de extensão do campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor face

ao art.29, a vulnerabilidade continua sendo elemento essencial, superado, apenas, foi o

critério da destinação final.6

Dessa maneira, o artigo 29 do Código não contempla em seu texto a

conceituação do consumidor destinatário final (art. 2º, caput), mas, sim, considera a

vulnerabilidade das pessoas físicas ou jurídicas expostos às práticas previstas em todo o

Capítulo V do CDC - art. 29. Assim, mesmo não sendo destinatário final do produto ou

serviço, pode o agente econômico ou profissional liberal vir a ser beneficiado pelas

normas tutelares do Código enquanto consumidor-equiparado.

A justificativa para tal ampliação reside no fato de que as pessoas jurídicas

podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado,

existindo, mais tipicamente, no caso das relações com as instituições financeiras, a

vulnerabilidade fática ou socioeconômica. Nesse tipo de vulnerabilidade, o ponto de

concentração é outro parceiro contratual, no caso as instituições financeiras, que, por

sua posição monopolística, por seu significativo poder econômico e em razão da 6 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

6

essencialidade do serviço que presta, impõe sua superioridade a todos os que com elas

contratam.

Logo, as relações jurídicas estabelecidas por pessoas jurídicas e

profissionais liberais devem ser consideradas relações de consumo, desde que haja a

vulnerabilidade da parte contratante, como assim impõe o preceituado no artigo 29 do

CDC.

Em razão disso, especificamente no contrato de abertura de crédito em

conta-corrente, a proteção do art.29 do CDC às pessoas jurídicas e profissionais liberais

é de suma importância, pois trata-se de um dos instrumentos mais utilizados por elas no

fomento de suas necessidades creditícias imediatas, ainda mais na modalidade de

crédito rotativo em conta-corrente. Convém consignar que, na maioria dos casos, a

contratação desse crédito rotativo é condição exigida pela instituição financeira para a

realização de outros contratos7, que são vitais às atividades que desenvolvem.

Cabe ainda ressaltar que o art. 4º, em seu inciso VI, estabelece como norma-

objetiva do CDC, princípio norteador da interpretação do art. 29, “a coibição e repressão

eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo”. Tal interpretação,

além da proteção conferida aos consumidores-profissionais, tutela indiretamente os

interesses dos consumidores destinatários finais, que podem sofrer prejuízos por

estarem na posição final da cadeia de consumo.

Em suma, pelo art. 29 do CDC, tem-se um poderoso instrumento para a

proteção dos interesses econômicos dos correntistas das instituições financeiras, e para

que os consumidores-equiparados combatam as práticas comerciais abusivas que os

lesam diretamente e que, mediatamente, prejudicam outros consumidores e a harmonia

do mercado.

7 Tais como o contrato de desconto de títulos e duplicatas, contratos de financiamento de produção. Os valores obtidos nesses contratos, ou o pagamento de parcelas derivadas deles, geralmente se efetuam com débito na conta-corrente do consumidor-profissional. Assim, a instituição financeira utiliza o contrato de abertura de crédito como uma forma de garantia do adimplemento dos outros contratos, haja vista que, por exemplo, quando da inadimplência de um contrato de financiamento, os valores são debitados em conta-corrente, que geralmente possuem um limite de crédito rotativo, que cobre o valor devido. Nisso, além dos encargos oriundos desse contrato de financiamento, com a utilização do limite de crédito posto à disposição do correntista, incidirá também, nesses valores debitados, os encargos e taxas do contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Portanto, há a biincidência de encargos sobre um mesmo valor: os provenientes do empréstimo propriamente dito e o da abertura de crédito em conta-corrente, com a utilização do limite de crédito.

7

Infere-se, assim, das prescrições alhures destacadas, a necessária

subordinação das relações jurídicas oriundas do contrato de abertura de crédito em

conta-corrente aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor.

4. Práticas comerciais ilegais e cláusulas abusivas no contrato de

abertura de crédito em conta-corrente

O legislador consumerista inova com uma progressista forma de defesa do

consumidor, preceito constitucional anteriormente mencionado. Estabelece princípios

de proteção do consumidor que possibilitam o equilíbrio contratual nas relações de

massa, que, anteriormente, eram tão-somente utilizados na interpretação das relações

contratuais quando a lei aplicável ao caso era omissa na regulamentação de

determinadas situações.

Dessa forma, o CDC positivou princípios que devem ser obedecidos quando

da formação e execução dos contratos de adesão, tais como: a boa-fé objetiva, equidade,

transparência e confiança, que serão contextualizados na análise de cláusulas e práticas

no contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Ressalta-se que a incidência

desses princípios na relação contratual oriunda do contrato de abertura de crédito em

conta-corrente é imperiosa, haja vista tratar-se de um contrato relacional, que tem por

base uma relação de tratos sucessivos.

No tocante às práticas comerciais, esclarece-se que o Código de Defesa do

Consumidor se reveste de maior cautela legislativa, uma vez que o consumidor,

geralmente, é a parte menos favorecida economicamente e necessita, portanto, de

manifesta proteção legal. Essa proteção é ainda mais importante quando se trata de

relações consumeristas estabelecidas com instituições financeiras, haja vista o

acentuado desnível contratual que ocorre entre banco e seu cliente.

Já o capítulo da Proteção Contratual stricto sensu do CDC apresenta uma

seção sobre cláusulas abusivas, trazendo um rol exemplificativo dessas cláusulas que

ferem nitidamente os princípios básicos do consumidor. Essas estipulações contratuais

favorecem a situação contratual daquele que redige o contrato ou detém posição

preponderante, no caso em tela, as instituições financeiras, constituindo, em verdade,

um desvio da finalidade social ou econômica que lhe fixa o direito.

8

Em suma, a solução adotada pelo CDC no que concerne às práticas e

cláusulas abusivas visa à correção da vulnerabilidade do consumidor na relação

contratual e, em conseqüência, sua proteção no mercado de consumo - art. 4º, inc. I.

Para evitar que o consumidor ficasse inferiorizado ao contratar, notadamente quando

sua manifestação de vontade viesse materializada em contratos de adesão – cujas

cláusulas são redigidas de maneira unilateral sem ampla negociação entre as partes –, é

que o legislador previu expressamente o cumprimento dos princípios consumeristas nas

contratações, inadmitindo de forma cogente qualquer desnível nessa esfera.

Diante de tais considerações, passamos a analisar algumas práticas e

cláusulas contratuais do contrato de abertura de crédito em conta-corrente.

4.1 Apropriação de valores em conta-corrente

Constitui-se prática comum das instituições financeiras a apropriação de

valores positivos de seus clientes, em aplicações e cadernetas de poupança, por

exemplo, para a liquidação de débito junto ao banco.

Mais grave ainda a situação quando a apropriação se refere aos proventos e

verbas salariais recebidos pelo consumidor através de sua conta-corrente.

O legislador, visando a proteger o devedor, assegurou-lhe alguns bens

indispensáveis para uma vida digna, como ser humano, impedindo que seja reduzido a

uma condição sub-humana, protegendo-os da constrição e apropriações, cravando-os

como impenhoráveis.8

Tal ato atenta contra o “Estado Democrático de Direito”, e, nos termos da

Constituição de 1988, impõe-se coibir sua prática, que atenta, ainda, contra a economia

popular (art.173, §5º da CF), configurando abuso de Poder Econômico - art.173,§ 4º da

CF.

Trata-se evidentemente de uma prática abusiva, em vista de se mostrar

excessivamente onerosa para o consumidor na execução do contrato de abertura de 8 O art. 649 do Código de Processo Civil dispõe dos bens que são absolutamente impenhoráveis, dentre os quais: [...] as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberalidade de terceiro, quando destinado ao sustento do devedor (VII).

9

crédito em conta-corrente, sendo desrespeitados os princípios norteadores da relação

consumerista, principalmente no tocante à confiança e à boa-fé objetiva.9

Ressalta-se que é expressamente proibida, mesmo que seja para cobrir o

saldo negativo em conta-corrente.10

4.2 Lançamentos na conta-corrente e a prestação de contas

Como já se afirmou, tem-se que esse contrato não implica tão somente

outorga da importância pecuniária, mas também visa a outros objetivos, que se

caracterizam numa gama variada de serviços por conta e ordem do cliente. O banco

compromete-se a realizar pagamentos, cobranças e outras operações inerentes ao

serviço de caixa.

Nesse diapasão, essa modalidade contratual transcende os limites do mero

depósito. O estabelecimento bancário praticamente administra o dinheiro do cliente,

constituindo sua atividade uma prestação de serviço segundo as ordens que recebe.

Trata-se de uma relação negocial baseada na confiança de ambas as partes contratantes.

Acontece que, na maioria das vezes, o correntista não sabe nem identificar o

que está sendo debitado em sua conta-corrente. Assim, mesmo que a instituição

financeira coloque à disposição do correntista funcionários para que elucidem suas

dúvidas, este fato não exclui o direito da prestação de contas por via jurisdicional; pois

esta se destina a resolver conflitos, que podem ocorrer quando o correntista não aceita

os valores creditados ou debitados pelo estabelecimento financeiro, circunstância esta

que ocorre com freqüência.

9 Art. 51, § 1º: Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza do conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.” 10 Sobre o tema, o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul pronunciou-se: Ação cautelar. Depósito de cheque. O titular da conta e depositante é dono do dinheiro. Os ingressos de numerários na conta não podem ser apropriados pelo Banco, mesmo pelo fundamento de haver dívida em aberto. Imprestabilidade da anuência para tanto, desde que obtida através de forma adesiva. Restrição descabida, colocando o consumidor à completa mercê do prestador de serviço (TACRS, Ap. Civ, 194237368, rel. Juiz Breno Moreira Mussi).

10

O correntista, ao utilizar a ação de prestação de contas, pode identificar

algum erro no lançamento de algum débito, ou, até mesmo, a ocorrência da inclusão de

encargos não pactuados. Caso isso não fosse possível, estaria sendo desrespeitado o

direito do consumidor à informação adequada e clara (art.6º, III, CDC), estando tal

prática em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor - art.51, XV.

Caso seja verificado erro de lançamento de algum débito, o banco deve

proceder, na restituição do valor cobrado indevidamente, com juros e correção

monetária.11

4.3 Correntista com débito no cartão de crédito

O banco não pode impedir a livre movimentação da conta-corrente pelo fato

de o correntista estar em débito no contrato de cartão de crédito. Essa prática constitui

autodefesa, em flagrante desrespeito a princípios constitucionais12 e consumeristas. No

caso de ocorrência, o correntista faz jus à tutela cautelar, para que se assegure a livre

movimentação de sua conta, ressalvando-se ao credor, como é óbvio, o uso das medidas

legais cabíveis para receber seu crédito.13

Ocorre que, em alguns casos, o correntista pretende quitar outros contratos,

mas estando em débito sua conta-corrente, o banco o obriga a depositar o valor da

parcela em sua conta-corrente, ou até mesmo insere no contrato uma cláusula que assim

11 Assim decidiu o Magistrado Narcizo Pinto do TJRJ: Crédito feito por erro do banco. Obrigação de restituir a quantia corrigida monetariamente. O fato de o depósito, na conta da apelante, haver sido feito por erro do banco é irrelevante. No caso, o que interessa é que a recorrente utilizou o dinheiro indevidamente e, se procedeu, deve restituir o respectivo quantum com o seu valor atualizado, pois, do contrário, não estaria devolvendo o que utilizou e sim a importância menor, uma vez que a correção nada acrescenta. Ap. nº2414/95; TJRJ; Rel. Des. Narcizo Pinto; j.6.6.95. 12 Princípio do devido processo legal e da ampla defesa, CF, art. 5º, LIV e LV. 13 Cartão de crédito. Lançamento de débito indevido em conta-corrente. Tutela antecipada. Cadastro de informações bancárias. Serviço de proteção ao crédito – SPC. O desconto em conta-corrente só pode ser realizado com a concordância do correntista, impondo-se a antecipação da tutela para proibi-lo, se o débito está sendo objeto de discussão judicial, o que também afasta a possibilidade de inclusão no rol dos inadimplentes. Recurso provido por maioria. (TJRJ – AI 11951/1999 – 1ª C.Cív. – Relª Desª Valeria Maron – J. 02-05-2000).

11

obrigue o consumidor, sendo totalmente ilegal e abusiva nos termos do art. 39, inciso V,

e art. 51, incisos IV e XV.

Ressalta-se ainda que essa prática visa a compelir o correntista a pagar seu

débito, infringindo claramente os preceitos do art. 42 do CDC, que veda o

constrangimento do consumidor pelo credor na cobrança de seus créditos.

4.4 Fornecimento de cópias de documentos

As instituições financeiras, não raras vezes, deixam de fornecer cópias de

contrato de abertura de crédito firmado com seu cliente. Isto também ocorre quanto ao

fornecimento de extratos bancários ou demonstrativos de débito. Não é justificável

qualquer recusa do banco no fornecimento de fotocópia de contrato, tendo como

argumento que já teria sido entregue uma via deste ao cliente por ocasião da

contratação.

Ocorre que a instituição financeira deixa de fornecer cópias de documentos

aos clientes, receosa de que tais fotocópias revelem o preenchimento posterior e

indevido do contrato.

Assim, em qualquer situação, inexiste justificativa para que a instituição

financeira não forneça ao seu cliente cópia do contrato de “cheque especial” ou quanto à

apresentação de esclarecimentos sobre as circunstâncias que envolvam os negócios das

partes, vez que a informação é direito básico do consumidor, restando abusiva a prática

que contrarie o pleno exercício deste direito - art.6º, III e 51, XV do CDC.

4.5 Venda Casada

É comum, na prática de abertura de contas-correntes, a exigência das

instituições financeiras para que os futuros correntistas comprem simultaneamente

outros produtos, ou seja, condiciona a abertura dessa conta à aquisição de um outro

serviço ou contrato, como, por exemplo, a contratação de um seguro de vida.

12

Trata-se efetivamente da venda casada, o que é vedada expressamente pela

norma do art. 39, II 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse caso, ainda temos de considerar o interesse público que emerge dessa

prática, pois trata-se de flagrante ofensa ao art. 5º, incs. II e IV da Lei nº 8137/90 que

trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.15

Cabe lembrar que o art. 6º do CDC prevê os direitos básicos dos

consumidores, sendo que a prática da venda condicionada ofende os incisos II, III, IV e

VII desse dispositivo, dentre os quais preceitua a educação e divulgação sobre o

consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas à liberdade de escolha e à

igualdade nas contratações.

4.6 Cláusula mandato

Por meio dessa cláusula16, expressamente proibida pelo art. 51, inciso VIII,

do Código, o consumidor outorga poderes ao banco para a instituição financeira sacar

títulos abstratos ou para modificar unilateralmente as bases de negócio em curso.17 Essa

cláusula deturpa o instituto do mandato, quebrando-se dois importantes princípios das

relações de consumo: a transparência e a confiança.

14 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: I- condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativo. 15 Constitui crime da mesma natureza: II- subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ao uso de determinado serviço. 16 Exemplo de cláusula-mandato nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente: “para a apresentação do cumprimento de todas as obrigações aqui assumidas, o Cliente entrega ao banco, neste ato, notas promissórias de sua emissão, não à ordem e à vista de apresentação, em valor equivalente a 150% (cento e cinqüenta por cento) do valor do contrato, que corresponde a uma previsão do principal e dos encargos, devidamente avalizada pelo devedor solidário, que assina este ajuste anuindo aos seus termos e obrigando-se solidariamente por todas as responsabilidades assumidas pelo cliente, sem prejuízo de outras garantias complementares que foram ou vierem a ser outorgadas em virtude do crédito concedido. 17 Ensina Cláudia Lima Marques que a utilidade da cláusula-mandato é conceder ao credor o poder contratual de fazer líquida a dívida conforme seu interesse e entendimento, sem necessidade de qualquer participação do devedor consumidor - consumidor, que somente assina o contrato e esta autorização em branco (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 506).

13

Portanto, a estipulação de cláusula conferindo ao fornecedor poderes para

emitir cambiais em nome do consumidor ou para contrair empréstimos em seu nome,

podendo para tanto negociar e ajustar prazos, acertar as condições e o custo do

financiamento e demais encargos da dívida é notoriamente abusiva.18

4.7 Cláusula de eleição de foro

Prescreve o art. 6º do Código, em seus incisos VII e VIII, que é direito

básico do consumidor, além do acesso aos órgãos judiciários, a facilitação da defesa de

seus direitos. Uma vez inserida em contrato de abertura de crédito em conta-corrente, a

cláusula de eleição do foro deverá, segundo o disposto no art. 47, como qualquer

cláusula contratual, ser interpretada de maneira a beneficiar o consumidor.

Por dificultar ao consumidor a busca da tutela jurisdicional é que tal

cláusula configura-se abusiva, pois, além de colocar o consumidor em desvantagem

exagerada (art. 51, IV, do CDC), está em desacordo com o sistema de proteção do

consumidor (art. 51, XVI) e restringe direitos fundamentais inerentes à natureza do

contrato - art. 51, par. 1º, inc. II.

Nota-se que a cláusula de eleição de foro impõe a discussão atinente ao

mencionado contrato em comarca que não seja domicílio ou residência do consumidor,

dificultando a defesa efetiva dos seus direitos. Ressalta-se, ainda, que impede o

consumidor de contestar a ação, no caso de litígio, e mesmo de acompanhá-la.19

18 Corroborando esse entendimento, há a Súmula n. 60 do STJ, que diz: “É nula a obrigação cambial assumida por procuradores do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. Como se vê, o fornecedor agiria não no interesse do consumidor, mas em seu próprio benefício. 19 Processual civil. Competência. Direito do Consumidor. Contrato de adesão. Cláusula de eleição. Nulidade. Foro do domicílio do réu. Reconhecida nas instâncias ordinárias a relação de consumo estabelecida entre banco e beneficiário de crédito bancário em contrato sujeito à execução judicial, bem como à nulidade de cláusula de eleição de foro em contrato de adesão, estabelece-se a competência absoluta, definida pelo foro do domicílio do réu (art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90), nos termos da jurisprudência assentada na egrégia Segunda Seção (CC nº 17.735-CE, Rel. Min. Costa Leite, DJU de 16-11-98). II – Recurso não conhecido. (STJ – REsp 128122 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 14-02-2000 – p. 33)

14

Portanto, no contrato de cheque especial com estipulação de eleição de foro,

esta deverá ser desconsiderada sempre que colocar o consumidor em situação

desvantajosa perante o fornecedor ou desrespeitar os seus direitos de ampla defesa.

4.8 Cláusula de rescisão unilateral do contrato

Configura-se cláusula expressamente abusiva, pois permite a extinção do

contrato a qualquer tempo, sequer dando um prazo para o consumidor. Veja-se que os

reflexos da extinção de um contrato para o fornecedor nada significa em termos

financeiros, ao passo que, para o consumidor vulnerável, pode corresponder à

inviabilização da sua vida, reconhecido que na atualidade muitas pessoas trabalham com

cheques especiais, com os chamados cheques pré-datados, sendo notório que esta é uma

conduta normal na sociedade moderna.

Assim ocorrendo, tal cláusula, atribuindo às instituições financeiras a opção

de rescisão unilateral do contrato, em realidade, é nula de pleno direito por infringir

expressamente o disposto no artigo 51, inciso XI do CDC.

Sugere-se, portanto, que seja determinado ao demandado colocar na

cláusula um prazo de 30 dias a contar da ciência do consumidor, a fim de que não seja

surpreendido no seu planejamento familiar.

4.9 Cláusula de prorrogação tácita do contrato

Em geral, essas cláusulas dispõem que o contrato de abertura de crédito em

conta-corrente é celebrado por prazo determinado, podendo ser prorrogado

automaticamente, desde que haja interesse das partes contratantes, e de acordo com as

normas do Conselho Monetário Nacional ou órgão competente mediante comunicação

escrita, que será endereçada previamente pelo Banco ao Cliente, informando as

alterações do valor do crédito originariamente concedido e o novo prazo de vigência do

contrato, importando o silêncio na aceitação tácita.

Evidentemente que se trata de uma cláusula abusiva, pois não fixa um prazo

para que o consumidor possa concordar ou discordar das alterações estipuladas

15

unilateralmente pelo banco, limitando-se a disposição a dizer que importará o “silêncio

na aceitação tácita”.

Também não está estabelecido que eventual prazo para a concordância ou

não terá um marco inicial, o qual deveria ter efetiva ciência do consumidor e não a mera

expedição do comunicado, como é comum na atividade bancária.

Assim, surgem situações em que o cliente sequer recebeu a comunicação e,

automaticamente, “aderiu” às condições de renovação que sequer pode adimplir,

podendo ser este motivo de grandes controvérsias, resultando em ações judiciais. Por

isso, esse tipo de cláusula é abusiva, haja vista desrespeitar os princípio da transparência

e da ampla informação do consumidor, nos moldes dos art.51, XV e 6º, III, ambos do

CDC.

4.10 Estipulação genérica dos encargos

Em sua maioria, os contratos de abertura de crédito em conta-corrente não

dispõem sobre os encargos a serem cobrados pela utilização da conta-corrente e do

limite de crédito contratualmente estabelecido. Simplesmente consta no contrato que

“sobre o crédito concedido incidirão encargos financeiros praticados pelo Banco,

encargos esses que, com o principal, formarão o saldo devedor de responsabilidade do

cliente”.

Ou ainda aparece escrito que o consumidor correntista, que adere às

cláusulas contratuais impostas, autoriza “a debitar na conta-corrente vinculada ao

crédito concedido, quando do vencimento das parcelas a serem adimplidas, encargos e

demais despesas decorrentes do referido contrato, comprometendo-se o cliente a

provisionar saldo suficiente nessas ocasiões para a normalidade do procedimento”.

É fundamental, ante o princípio da transparência e da boa-fé das relações de

consumo, que sejam explicitados quais sejam os encargos financeiros referidos na

disposição, em atendimento ao que determinam os arts. 6º, inciso III; 30 e 31, todos do

CDC, que versam sobre o direito à informação.

Nessas cláusulas, como se trata de outorga de crédito, percebe-se claramente

o flagrante desrespeito ao art. 52 do CDC, pois o consumidor-correntista deveria ser

16

previamente informado de todos os “encargos” e “demais despesas”, pois as disposições

integram o preço total do contrato, não podendo ser genéricas.

4.11 Cláusula de alteração de cobrança de taxas

A alteração de cobrança de taxas pode efetuar-se de duas maneiras: a) a

alteração quanto às taxas contratadas (índices, percentual de juros, encargos, comissões,

etc.); b) a modificação das taxas cobradas pelos serviços bancários prestados aos

consumidores (emissão de talonário de cheques, extratos, débito automático, dentre

outros).

No primeiro caso, as cláusulas inseridas no contrato de abertura de crédito

em conta-corrente possibilitam à instituição financeira a opção pela adoção de outro

índice ou a aplicação de novas taxas, seguindo as regras vigentes no mercado. Trata-se

de alteração unilateral, que sequer consulta previamente o consumidor para que o

mesmo aceite tal modificação.

No segundo caso, ocorre quando, em determinado momento, o banco

fornecedor delibera, unilateralmente, a elevação do preço pelos serviços prestados,

emissão de talonário de cheques, extratos, débito automático.

Em tempos de inflação com índices baixos, é comum que os bancos

procurem sustentar seus lucros com a cobrança de diversas taxas que, em períodos de

inflação alta, não são cobradas. Logo, serviços gratuitos, como, por exemplo, os débitos

efetuados em conta-corrente (tais como água, energia elétrica, telefone, etc.), passam a

ser cobrados pelo banco fornecedor.

Atenta-se ao fato de que constitui direito básico do consumidor a

informação adequada e clara20; contudo, essas informações sobre o preço e demais

condições muitas vezes não são prestadas ao consumidor pelo banco fornecedor. Logo,

entende-se que a alteração dessas taxas por serviços prestados somente pode obrigar o

consumidor ao seu pagamento quando informada previamente ao mesmo. Ressalta-se

ainda que, oportunizada a informação, tão-somente poderão ser cobradas as taxas que 20 Art. 6º, III: “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentam.”

17

tiveram a anuência do consumidor. Consigna-se que: A cláusula que permita ao

fornecedor alterar unilateralmente as taxas de juros e outros encargos, ou aquela que lhe

possibilite a modificação unilateral do fator de indexação dos reajustes das prestações

financeiras contratuais são consideradas abusivas pelo Código. Sendo nulas, não

produzem efeito, e, por conseqüência, não obrigam o consumidor.21

O art. 122 do Código Civil também trata do assunto e dispõe que são lícitas

em geral, todas as condições não contrárias à lei. Entre as condições defesas incluem-se

as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes. 22

Em suma, a alteração da cobrança de taxas constitui um evidente flagrante

de abuso do poder econômico, pois é praticamente impossível para o consumidor saber

o valor a ser pago por esses contratos, pois as estipulações são genéricas, não

informando o valor dos encargos pactuados.

Evidente que, à luz dos art. 51, XI, e 52 do CDC, tais cláusulas são nulas de

pleno direito porque colocam o consumidor na incerteza do valor final contratado, isto

é, repercutem no preço final do crédito concedido. 23

4.12 Cláusula de cobrança de encargos ilegais

Importante analisar, ainda, a questão da estipulação genérica das instituições

financeiras para a cobrança da comissão de permanência ao seu puro critério.

Acrescenta-se que esse tipo de cláusula permite às instituições financeiras a

cumulação dos juros de mora com a comissão de permanência. Contudo, tal prática é

21 Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6.ed. Forense Universitária, p. 518. 22 Comissão de permanência. Taxa oscilante. Cláusula potestativa. Observância do disposto no art. 115 do Código Civil (1916). É inadmissível a aplicação de taxas oscilantes a título de comissão de permanência, “pois não há segurança quanto ao efetivo percentual utilizado, sujeitando-se os devedores ao arbítrio do banco, com desrespeito à regra do art. 115 do Código Civil”. (TJSC – AC 97.002746-0 – SC – 2ª C.Cív.Esp. Rel. Des. Nilton Macedo Machado – J. 13-08-1998). 23 Ademais, conforme a dicção do inciso XI do art. 51, são nulas as cláusulas que “permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral”; e ainda, no artigo 52 que no fornecimento de produtos ou serviços que envolvam a outorga de crédito, deverá o fornecedor informar previamente o consumidor dos juros de mora, taxa de juros efetiva e acréscimos legalmente previstos (incisos II e III).

18

vedada, pois a comissão de permanência embute não apenas o fator de atualização

monetária, como também os juros remuneratórios, os quais incorretamente incidem no

capital acrescido de juros compensatórios e nos juros de mora pactuados. 24

Na maioria dos casos, a cobrança da comissão de permanência é baseada na

taxa referencial. Tem-se que “TR” é um tipo de taxa de juros que se baseia em taxas de

mercado, incorporando a expectativa dos agentes econômicos sobre a remuneração

futura dos ativos financeiros.

Sendo a taxa referencial considerada como um indexador do mercado

financeiro, identificando-se desse modo como um padrão referencial que expressa a taxa

média ponderada do custo da captação da moeda por instituição financeira para efeito

de sua aplicação, esta não constitui índice que exprima a variação do poder aquisitivo da

moeda. Assim, a “TR” não é índice de determinação do valor de troca da moeda.

Não sendo índice neutro, de mera atualização monetária, não poderá a taxa

referencial ser utilizada como índice-parâmetro dos reajustes do saldo devedor do

contrato de abertura de crédito em conta-corrente.

Logo, a taxa referencial não pode ser utilizada como índice de correção

monetária, ou seja, um indexador monetário, como assim já proclamou o STF na ADIN

493-0/DF, pois essa taxa “não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo

da moeda”.

Cabe ainda esclarecer que, quando o consumidor aceita uma cláusula de

correção monetária em seu contrato, ele guia-se pela noção de que o estipulado seja um

reajuste do valor nominal da dívida em face da inflação, não constituindo senão a mera

atualização monetária do saldo devedor.

Em conseqüência, independentemente do nomem juris que se lhe dê

funcionalmente no contrato, a cláusula que estipula a correção monetária, não pode

assim caracterizar uma ilicitude civil absoluta resultante de capitalização anatocista

24 É ilegítima a incidência de comissão de permanência sobre o principal acrescido de juros remuneratórios e compensatórios, por caracterizar anatocismo.(Ap.666946-5. 1º TACivSP; Rel. Juiz Cunha Garcia).

19

interna e externa juridicamente desautorizada, que enseja ainda o enriquecimento ilícito

da instituição financeira e o simultâneo empobrecimento sem causa correntista25.

Dessa maneira, a cláusula contratual que estipula correção monetária que

não representa atualização monetária dos valores cobrados, é abusiva nos termos do

inciso XIII do art. 39 e, ainda, é nula, nos moldes do parágrafo 1º, inciso III, ambos do

Código de Defesa do Consumidor.

4.13 Multa contratual

A grande maioria dos contratos de abertura de crédito em conta-corrente

estipula, no caso de não-adimplemento do consumidor, uma multa contratual no valor

de 10% (dez por cento), incidente sobre o saldo devedor apurado unilateralmente pelo

banco fornecedor. Tal cobrança é, expressamente, vedada pela legislação consumerista

em seu art. 52, § 1º, pois somente poderá ser cobrado 2% (dois por cento) do valor da

dívida.

Além de infringir o disposto no artigo supra-referido, a cláusula que estipula

uma multa contratual acima do preceituado pelos ditames consumeristas, é nula de

pleno direito nos termos do art. 51, §1º, inciso III, por se tratar de obrigação

excessivamente onerosa ao consumidor, devendo ser expurgados os percentuais

cobrados a maior de uma eventual dívida.

25 Nesse sentido, o acórdão do egrégio Superior Tribunal de Justiça: Embargos infringentes. Interpretação de cláusula de contrato. Vedação de uso da TR/D como Indexador de Correção Monetária Pura. Diante da economia inflacionária, a correção monetária pura é um plus aditado ao capital principal investido, cuja única finalidade é evitar um minus consistente na perda do poder aquisitivo nominal da moeda circulante, tendo natureza jurídica e econômica distinta e inconfundível com a dos juros - componente estrutural externo remuneratório do capital principal -, sendo vedada a sua indexação na TR/D, TBF, TBC, taxa ANBID/CETIP, variação cambial ou qualquer outro índice remuneratório-financeiro, que contém internamente um componente estrutural de remuneração financeira. Assim, por conter componente remuneratório-financeiro interno, é nula a cláusula contratual que adota a TR/D, ou qualquer outro índice remuneratório-financeiro, como indexador de correção monetária pura do capital investido, pois configura espécie de anatocismo interno no cálculo estrutural das obrigações pecuniárias derivadas de negócios jurídicos ao qual se agrega o tradicional anatocismo externo que resulta da sobreposição de juros sobre juros.

20

4.14 Capitalização mensal de juros

Juro é a composição exigida por quem cede o uso de um capital em

dinheiro. De forma simplificada, o juro é o aluguel pago pelo uso do dinheiro. A razão

entre os juros recebidos (pagos) num determinado período e o capital empregado

denomina-se taxa de juros.

Os juros capitalizados são juros devidos e já vencidos que são

periodicamente incorporados ao principal, isto, é unem-se ao capital representativo da

dívida ou obrigações para constituírem um novo total. Pode-se então concluir que

capitalização é a incorporação dos juros ao principal, para constituir um novo saldo, e

sobre este incidir novos juros, caracterizada na matemática financeira pela variação

exponencial dos juros em função do tempo.

A função estrutural da capitalização dos juros no preço do dinheiro é lateral

incidental, sendo lícita quando houver expressa autorização legal para a sua previsão e

periodicidade de incidência. Portanto, não é admissível capitalização de espécie alguma

nos negócios jurídicos em que ela não esteja expressamente autorizada em lei.

Portanto, no contrato de abertura de crédito em conta-corrente, não é

permitida a prática do anatocismo por não estar autorizado por lei 26. Não estando

expressamente autorizada, a capitalização deve ser anual, sendo repugnada pelo direito

essa prática, por expressa disposição proibitiva do art.4º do Decreto nº 22626/33 de

contar juros sobre juros.27

Salienta-se ainda que a cobrança de juros capitalizados no contrato ora

discutido constitui flagrante desrespeito aos preceitos da legislação consumerista, haja

vista infligirem o disposto no art. 39 e 51, §1º, inciso III, do Código.

26 Neste sentido, temos o entendimento do 1º Grupo Cível, segundo o qual: Descabe, outrossim, a capitalização mensal de juros em contrato de abertura de crédito rotativo em conta-corrente, por ser espécie negocial não-enquadrável na legislação permissiva da medida . Julgados (TARGS 102/159). 27 Contrato de abertura de crédito. Cheque Especial. Juros. Inadmissibilidade. Financiamento que não se inclui no elenco em que leis especiais admitem a prática do anatocismo. BRASIL. Superior Tribunal Regional de Justiça. Cível. Resp. 16684.0, Rel. Ministro Athos Carneiro, 4a T., São Paulo, 29-03-93 in Revista dos Tribunais n. 697, p.191.

21

5- Considerações Finais

A complexidade do tema impede o seu total esgotamento, sendo que as

considerações apontadas expõem um panorama geral de algumas das cláusulas e

práticas abusivas encontradas no contrato de abertura de crédito em conta-corrente.

Todavia, pelo exposto, evidencia-se que essas cláusulas e práticas abusivas

constantes do contrato de “cheque especial” são utilizadas de forma constante e

indiscriminada pelo sistema financeiro, visando a alcançar lucros exorbitantes.

Dessa forma, esse tipo de abuso de poder econômico deve ser coibido, sendo

que, evidenciada qualquer cláusula ou prática que afronte a sistemática consumerista,

restará ao cliente usuário, na qualidade de consumidor da instituição financeira, a

revisão de tais cláusulas, para sua adequação e restabelecimento do equilíbrio

contratual, ou até, pleitear a declaração da nulidade da mesma, se for o caso.

Acrescenta-se ainda que, identificando-se cláusulas práticas abusivas nos

contratos de abertura de crédito em conta-corrente, e essas demandarem onerosidade

excessiva ao correntista, impõe-se a revisão do mesmo, não importando que eles tenham

sido novados ou até extintos, pois as normas do Código de Defesa do Consumidor são

de ordem pública e de interesse social.

BIBLIOGRAFIA

ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

ALBUQUERQUE, J. B. Torres. Abuso dos estabelecimentos bancários: pareceres,

jurisprudência e legislação. São Paulo: Serrano, 1999.

ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, Tereza; MARINS, James. Código de Defesa do

Consumidor comentado. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Os contratos por adesão e o controle de cláusulas

abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991.

COVELO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. São Paulo: Saraiva, 1981.

22

DALL’ AGNOL JUNIOR, Antônio Janyr. Direito do consumidor e serviços bancários e

financeiros - Aplicação do CDC nas atividades bancárias. Revista de Direito do

Consumidor. São Paulo: RT, n. 27: 7-17, jul./set. 1998.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 11.ed. v.3. São Paulo:

Saraiva, 1997

DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção do consumidor - conceito e extensão.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de

Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1999.

GOMES, Orlando. Contratos, 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor

(comentado pelos autores do anteprojeto). 6.ed. São Paulo: Forense Universitária, 1999.

LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios Jurídicos Bancários. São Paulo: RT, 1996.

LUCCA, Newton de. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à atividade

bancária. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo,

n. 112, p.66-74, out./dez.1998.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001.

______. Os contratos de crédito na legislação Brasileira de proteção do consumidor.

Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 18, p.76, abr./jun. 1996.

MOLLE, Giacomo. I contratti bancari. In Coleção Trattato di Diritto Civile e

Comerciale. Milão: Giuffrè, 1966, v.XXXV, t.

NERY JUNIOR, Nelson. A defesa do consumidor de crédito em juízo. Revista de

Direito do Consumidor, São Paulo, n. 42, 2000.

OLIVEIRA, José Carlos de. Código de Defesa do Consumidor: doutrina, jurisprudência

e legislação correlata. 3.ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2002.

PENTEADO, Luciano de Camargo. As cláusulas abusivas e o Direito do Consumidor.

Revista dos Tribunais, São Paulo, n.725, p. 91-100, março, 1996.

REALE, Miguel. Lições Preliminares. São Paulo: RT, 1990.

23

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário, 4.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999.

WALD, Arnold. O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições

financeiras. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 666, p.7-17, abr., l991.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Os contratos bancários e o Código de Defesa do

Consumidor - urna nova abordagens. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 742, p. 57-66,

ag. 1997.