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PRÁTICAS E CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE
Paola Caroline Spadoto∗ José Carlos de Oliveira∗∗
1-Introdução. 2- Contrato de abertura de crédito em conta- corrente: conceito e natureza jurídica. 3- Relação de Consumo derivada do contrato de abertura de crédito em conta-corrente. 4- Práticas e Cláusulas Abusivas no contrato de abertura de crédito em conta-corrente. 5-Considerações finais.
1- Introdução
O sistema creditício bancário destacou-se ao longo dos anos no cenário
econômico em função do interesse público que representa, configurando, dessa maneira,
um verdadeiro modelo de sustentação da economia. Esse sistema não atende tão
somente às necessidades de crédito das pessoas, mas também propicia segurança e
fomento ao desenvolvimento da nação.
Na sociedade moderna, o crédito tornou-se um instrumento indispensável na
participação no mercado de consumo. As instituições financeiras conscientes dessa nova
necessidade criaram vários tipos de contrato visando a atrair novos clientes que, até
então, não possuíam acesso ao crédito fornecido por essas instituições.
Nesse contexto, um dos destaques nessa fase de captação de clientela foi o
contrato de abertura de crédito em conta-corrente que, no decorrer dos anos, se tornou
um contrato indispensável à satisfação das necessidades creditícias imediatas dos
consumidores, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas.
Dessa maneira, a abertura de crédito e a utilização do limite em conta
corrente, contrato popularmente conhecido como contrato de cheque especial,
tornaram-se a praxe mais utilizada pelos clientes bancários dada à facilidade e à
∗ Paola Caroline Spadoto é advogada e pesquisadora. ∗∗ José Carlos de Oliveira é professor da graduação e do programa de pós-graduação (Mestrado) em Direito da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Franca-SP e, Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal-SP
2
simplicidade da movimentação do empréstimo, ainda que as taxas incidentes sobre a
operação sejam as mais elevadas do mercado.
Disso resulta o interesse que circunda a matéria, tornando-se claro que a
questão é de interesse geral e público, tendo-se em vista a área de abrangência e suas
conseqüências diretas e indiretas no mercado de consumo.
2- Contrato de abertura de crédito em conta-corrente: conceito e
natureza jurídica
O contrato em tela é uma junção de duas modalidades contratuais: a abertura
de crédito e a conta-corrente bancária, sendo, portanto, um instrumento de contratação
atípico e de feições próprias.
Nessa modalidade contratual bancária, tem-se um contrato consensual
oneroso, bilateral, não solene e de execução continuada. Importante destacar que
representa um contrato oneroso porque envolve uma concessão de crédito, e ainda
bilateral, pois gera direitos e obrigações para ambas as partes. Ao creditado é
assegurado o direito de dispor da quantia, não podendo o banco frustrar tal direito se o
contrato for por tempo indeterminado, pois, se assim não ocorrer, estaria a instituição
financeira praticando uma conduta lesiva ao correntista, que provavelmente ocasionaria
danos.
A abertura de crédito contratada pode ser tanto rotativa quanto fixa, ficando
a critério das partes a forma de disposição dos valores pactuados. A movimentação
desse crédito opera-se através da conta-corrente bancária, e não a ordinária, sendo que,
na maioria das vezes, é uma operação financeira garantida, não tão somente pela
abertura de crédito, como também por outras garantias, tais como o aval.
Os atos de utilização do crédito, que se operam através de operações
contábeis de débito e crédito em conta-corrente bancária, constituem mera execução do
contrato. Geralmente, essa movimentação exterioriza-se mediante a utilização de
cheques e saques. Essa movimentação gera novas obrigações, como a de pagamento de
juros sobre o saldo devedor e a de restituição das quantias utilizadas. Não possui o
banco a faculdade de cortar o crédito no curso do contrato, e, se este é por tempo
3
indeterminado, a rescisão contratual deve ser prescindida de aviso. É possível,
entretanto, determinar a utilização do crédito até certa data.1
É importante frisar que, para a configuração do contrato de abertura de
crédito em conta-corrente, não se faz necessário que o valor referente ao crédito
contratado permaneça depositado em conta vinculada ao creditado, pois a
disponibilidade não decorre da efetiva entrega do dinheiro. Basta que o banco se
comprometa a abrir o crédito (obrigação de fazer), e o cliente ou creditado a recebê-lo,
formalizando, dessa maneira, o negócio jurídico.
Em suma, a abertura de crédito em conta-corrente é o contrato pelo qual o
banco coloca à disposição do correntista um limite de crédito a ser movimentado em sua
conta-corrente, facultando-lhe a sua efetiva utilização, que, ocorrendo, impõe a
cobrança de juros e outros encargos. Na execução desse contrato, estabelece-se uma
relação jurídica de débito e crédito entre banco e cliente, apurando-se ao final do
contrato o saldo das operações, definindo-se os pólos dessa relação: o credor e o
devedor. Consigna-se que a cobrança de juros e encargos deverá ocorrer dentro dos
patamares exigidos pela lei, devendo-se informar previamente o cliente desses valores.
3- Relação de consumo derivada do contrato de abertura de crédito em
conta-corrente
Na atualidade, não há qualquer dúvida sobre a aplicabilidade das normas
esculpidas no Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias.
Contudo, a Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro) está
tentando, através de uma ação direta de inconstitucionalidade nº 2.591, afastar a
incidência da legislação consumerista das relações bancárias. Pelos posicionamentos e
pareceres apresentados ao caso, a Suprema Corte caminha para o entendimento de
reconhecer que não há inconstitucionalidade alguma no artigo 3º do referido diploma
que dispõe que a atividade financeira, incluindo-se a bancária, possa caracterizar uma
relação de consumo, desde que preencha os pressupostos legais.
1 COVELO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. São Paulo: Saraiva, 1981.
4
Todavia, para não restar dúvidas quanto à incidência da legislação
consumerista nas relações oriundas da modalidade contratual examinada, passa-se a
discorrer algumas considerações acerca da questão.
O Código de Defesa do Consumidor enumera os pressupostos básicos para a
sua incidência nas relações contratuais em seus artigos 2º2, §2º3, 3º e caput4, que
estabelecem os conceitos de consumidor stricto sensu, consumidor por equiparação
(coletividade de pessoas) e fornecedor, denunciando o grau de abrangência do referido
diploma.
No tocante ao conceito de fornecedor, o referido diploma é explícito ao
especificar, no artigo 3º, “as atividades de natureza bancária”, não deixando qualquer
dúvida quanto ao enquadramento das instituições financeiras como fornecedoras de
serviços e produtos.
Dessa maneira, as instituições financeiras são fornecedoras nos moldes do
art. 3º da legislação consumerista, posto que a elas se atribui a industrialização do
crédito, o favorecimento da circulação de riquezas, a concentração de riquezas e das
poupanças individuais. Além disso, o banco exerce a função monetária, de crédito e
também de investimentos.
Questionamento importante e talvez o único capaz de ensejar alguma dúvida
sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias
derivadas do contrato de abertura de crédito em conta-corrente, é o fato de se identificar
quem será o correntista, no caso, o tomador de crédito.
Em relação à pessoa física correntista, que toma recursos junto à instituição
financeira, existe uma “presunção hominis, juris tantum, de que se trata de relação de
consumo, quer dizer, de que o dinheiro será destinado ao consumo”5. Neste caso, trata-
2 OLIVEIRA, J.Carlos. Código de Defesa do Consumidor. 3.ed. São Paulo: Lemos e Cruz,
2002, p. 17. 3 Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 4 Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
5 NERY JUNIOR, Nelson. A defesa do consumidor de crédito em juízo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 42, 2000.
5
se do consumidor stricto sensu, pessoa que utiliza os recursos obtidos como destinatário
final, cabendo ao banco fazer prova em contrário caso queira afastar a incidência da
legislação consumerista.
Tratando-se de correntistas profissionais liberais e pessoas jurídicas, surge a
alegação de suas relações jurídicas com as instituições financeiras não se enquadrando
como típicas relações de consumo, tendo em vista que a utilização do crédito seria para
o fomento de suas atividades empresariais e não como destinatário final.
Contudo, esclarece-se que o cerne da questão não reside no fato da
destinação fática do crédito obtido junto à instituição financeira, mas, sim, na análise da
vulnerabilidade da pessoa contratante.
Esclarece-se, primeiramente, que o Código de Defesa do Consumidor não
estabelece tão somente o conceito de consumidor stricto sensu, mas também abarca a
definição de consumidor por equiparação em seu art. 29. Trata-se de uma proteção legal
baseada no dispositivo constitucional da defesa do consumidor que se assenta na própria
ordem econômica. Assim elucida Cláudia Lima Marques:
No caso de extensão do campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor face
ao art.29, a vulnerabilidade continua sendo elemento essencial, superado, apenas, foi o
critério da destinação final.6
Dessa maneira, o artigo 29 do Código não contempla em seu texto a
conceituação do consumidor destinatário final (art. 2º, caput), mas, sim, considera a
vulnerabilidade das pessoas físicas ou jurídicas expostos às práticas previstas em todo o
Capítulo V do CDC - art. 29. Assim, mesmo não sendo destinatário final do produto ou
serviço, pode o agente econômico ou profissional liberal vir a ser beneficiado pelas
normas tutelares do Código enquanto consumidor-equiparado.
A justificativa para tal ampliação reside no fato de que as pessoas jurídicas
podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado,
existindo, mais tipicamente, no caso das relações com as instituições financeiras, a
vulnerabilidade fática ou socioeconômica. Nesse tipo de vulnerabilidade, o ponto de
concentração é outro parceiro contratual, no caso as instituições financeiras, que, por
sua posição monopolística, por seu significativo poder econômico e em razão da 6 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
6
essencialidade do serviço que presta, impõe sua superioridade a todos os que com elas
contratam.
Logo, as relações jurídicas estabelecidas por pessoas jurídicas e
profissionais liberais devem ser consideradas relações de consumo, desde que haja a
vulnerabilidade da parte contratante, como assim impõe o preceituado no artigo 29 do
CDC.
Em razão disso, especificamente no contrato de abertura de crédito em
conta-corrente, a proteção do art.29 do CDC às pessoas jurídicas e profissionais liberais
é de suma importância, pois trata-se de um dos instrumentos mais utilizados por elas no
fomento de suas necessidades creditícias imediatas, ainda mais na modalidade de
crédito rotativo em conta-corrente. Convém consignar que, na maioria dos casos, a
contratação desse crédito rotativo é condição exigida pela instituição financeira para a
realização de outros contratos7, que são vitais às atividades que desenvolvem.
Cabe ainda ressaltar que o art. 4º, em seu inciso VI, estabelece como norma-
objetiva do CDC, princípio norteador da interpretação do art. 29, “a coibição e repressão
eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo”. Tal interpretação,
além da proteção conferida aos consumidores-profissionais, tutela indiretamente os
interesses dos consumidores destinatários finais, que podem sofrer prejuízos por
estarem na posição final da cadeia de consumo.
Em suma, pelo art. 29 do CDC, tem-se um poderoso instrumento para a
proteção dos interesses econômicos dos correntistas das instituições financeiras, e para
que os consumidores-equiparados combatam as práticas comerciais abusivas que os
lesam diretamente e que, mediatamente, prejudicam outros consumidores e a harmonia
do mercado.
7 Tais como o contrato de desconto de títulos e duplicatas, contratos de financiamento de produção. Os valores obtidos nesses contratos, ou o pagamento de parcelas derivadas deles, geralmente se efetuam com débito na conta-corrente do consumidor-profissional. Assim, a instituição financeira utiliza o contrato de abertura de crédito como uma forma de garantia do adimplemento dos outros contratos, haja vista que, por exemplo, quando da inadimplência de um contrato de financiamento, os valores são debitados em conta-corrente, que geralmente possuem um limite de crédito rotativo, que cobre o valor devido. Nisso, além dos encargos oriundos desse contrato de financiamento, com a utilização do limite de crédito posto à disposição do correntista, incidirá também, nesses valores debitados, os encargos e taxas do contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Portanto, há a biincidência de encargos sobre um mesmo valor: os provenientes do empréstimo propriamente dito e o da abertura de crédito em conta-corrente, com a utilização do limite de crédito.
7
Infere-se, assim, das prescrições alhures destacadas, a necessária
subordinação das relações jurídicas oriundas do contrato de abertura de crédito em
conta-corrente aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor.
4. Práticas comerciais ilegais e cláusulas abusivas no contrato de
abertura de crédito em conta-corrente
O legislador consumerista inova com uma progressista forma de defesa do
consumidor, preceito constitucional anteriormente mencionado. Estabelece princípios
de proteção do consumidor que possibilitam o equilíbrio contratual nas relações de
massa, que, anteriormente, eram tão-somente utilizados na interpretação das relações
contratuais quando a lei aplicável ao caso era omissa na regulamentação de
determinadas situações.
Dessa forma, o CDC positivou princípios que devem ser obedecidos quando
da formação e execução dos contratos de adesão, tais como: a boa-fé objetiva, equidade,
transparência e confiança, que serão contextualizados na análise de cláusulas e práticas
no contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Ressalta-se que a incidência
desses princípios na relação contratual oriunda do contrato de abertura de crédito em
conta-corrente é imperiosa, haja vista tratar-se de um contrato relacional, que tem por
base uma relação de tratos sucessivos.
No tocante às práticas comerciais, esclarece-se que o Código de Defesa do
Consumidor se reveste de maior cautela legislativa, uma vez que o consumidor,
geralmente, é a parte menos favorecida economicamente e necessita, portanto, de
manifesta proteção legal. Essa proteção é ainda mais importante quando se trata de
relações consumeristas estabelecidas com instituições financeiras, haja vista o
acentuado desnível contratual que ocorre entre banco e seu cliente.
Já o capítulo da Proteção Contratual stricto sensu do CDC apresenta uma
seção sobre cláusulas abusivas, trazendo um rol exemplificativo dessas cláusulas que
ferem nitidamente os princípios básicos do consumidor. Essas estipulações contratuais
favorecem a situação contratual daquele que redige o contrato ou detém posição
preponderante, no caso em tela, as instituições financeiras, constituindo, em verdade,
um desvio da finalidade social ou econômica que lhe fixa o direito.
8
Em suma, a solução adotada pelo CDC no que concerne às práticas e
cláusulas abusivas visa à correção da vulnerabilidade do consumidor na relação
contratual e, em conseqüência, sua proteção no mercado de consumo - art. 4º, inc. I.
Para evitar que o consumidor ficasse inferiorizado ao contratar, notadamente quando
sua manifestação de vontade viesse materializada em contratos de adesão – cujas
cláusulas são redigidas de maneira unilateral sem ampla negociação entre as partes –, é
que o legislador previu expressamente o cumprimento dos princípios consumeristas nas
contratações, inadmitindo de forma cogente qualquer desnível nessa esfera.
Diante de tais considerações, passamos a analisar algumas práticas e
cláusulas contratuais do contrato de abertura de crédito em conta-corrente.
4.1 Apropriação de valores em conta-corrente
Constitui-se prática comum das instituições financeiras a apropriação de
valores positivos de seus clientes, em aplicações e cadernetas de poupança, por
exemplo, para a liquidação de débito junto ao banco.
Mais grave ainda a situação quando a apropriação se refere aos proventos e
verbas salariais recebidos pelo consumidor através de sua conta-corrente.
O legislador, visando a proteger o devedor, assegurou-lhe alguns bens
indispensáveis para uma vida digna, como ser humano, impedindo que seja reduzido a
uma condição sub-humana, protegendo-os da constrição e apropriações, cravando-os
como impenhoráveis.8
Tal ato atenta contra o “Estado Democrático de Direito”, e, nos termos da
Constituição de 1988, impõe-se coibir sua prática, que atenta, ainda, contra a economia
popular (art.173, §5º da CF), configurando abuso de Poder Econômico - art.173,§ 4º da
CF.
Trata-se evidentemente de uma prática abusiva, em vista de se mostrar
excessivamente onerosa para o consumidor na execução do contrato de abertura de 8 O art. 649 do Código de Processo Civil dispõe dos bens que são absolutamente impenhoráveis, dentre os quais: [...] as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberalidade de terceiro, quando destinado ao sustento do devedor (VII).
9
crédito em conta-corrente, sendo desrespeitados os princípios norteadores da relação
consumerista, principalmente no tocante à confiança e à boa-fé objetiva.9
Ressalta-se que é expressamente proibida, mesmo que seja para cobrir o
saldo negativo em conta-corrente.10
4.2 Lançamentos na conta-corrente e a prestação de contas
Como já se afirmou, tem-se que esse contrato não implica tão somente
outorga da importância pecuniária, mas também visa a outros objetivos, que se
caracterizam numa gama variada de serviços por conta e ordem do cliente. O banco
compromete-se a realizar pagamentos, cobranças e outras operações inerentes ao
serviço de caixa.
Nesse diapasão, essa modalidade contratual transcende os limites do mero
depósito. O estabelecimento bancário praticamente administra o dinheiro do cliente,
constituindo sua atividade uma prestação de serviço segundo as ordens que recebe.
Trata-se de uma relação negocial baseada na confiança de ambas as partes contratantes.
Acontece que, na maioria das vezes, o correntista não sabe nem identificar o
que está sendo debitado em sua conta-corrente. Assim, mesmo que a instituição
financeira coloque à disposição do correntista funcionários para que elucidem suas
dúvidas, este fato não exclui o direito da prestação de contas por via jurisdicional; pois
esta se destina a resolver conflitos, que podem ocorrer quando o correntista não aceita
os valores creditados ou debitados pelo estabelecimento financeiro, circunstância esta
que ocorre com freqüência.
9 Art. 51, § 1º: Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza do conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.” 10 Sobre o tema, o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul pronunciou-se: Ação cautelar. Depósito de cheque. O titular da conta e depositante é dono do dinheiro. Os ingressos de numerários na conta não podem ser apropriados pelo Banco, mesmo pelo fundamento de haver dívida em aberto. Imprestabilidade da anuência para tanto, desde que obtida através de forma adesiva. Restrição descabida, colocando o consumidor à completa mercê do prestador de serviço (TACRS, Ap. Civ, 194237368, rel. Juiz Breno Moreira Mussi).
10
O correntista, ao utilizar a ação de prestação de contas, pode identificar
algum erro no lançamento de algum débito, ou, até mesmo, a ocorrência da inclusão de
encargos não pactuados. Caso isso não fosse possível, estaria sendo desrespeitado o
direito do consumidor à informação adequada e clara (art.6º, III, CDC), estando tal
prática em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor - art.51, XV.
Caso seja verificado erro de lançamento de algum débito, o banco deve
proceder, na restituição do valor cobrado indevidamente, com juros e correção
monetária.11
4.3 Correntista com débito no cartão de crédito
O banco não pode impedir a livre movimentação da conta-corrente pelo fato
de o correntista estar em débito no contrato de cartão de crédito. Essa prática constitui
autodefesa, em flagrante desrespeito a princípios constitucionais12 e consumeristas. No
caso de ocorrência, o correntista faz jus à tutela cautelar, para que se assegure a livre
movimentação de sua conta, ressalvando-se ao credor, como é óbvio, o uso das medidas
legais cabíveis para receber seu crédito.13
Ocorre que, em alguns casos, o correntista pretende quitar outros contratos,
mas estando em débito sua conta-corrente, o banco o obriga a depositar o valor da
parcela em sua conta-corrente, ou até mesmo insere no contrato uma cláusula que assim
11 Assim decidiu o Magistrado Narcizo Pinto do TJRJ: Crédito feito por erro do banco. Obrigação de restituir a quantia corrigida monetariamente. O fato de o depósito, na conta da apelante, haver sido feito por erro do banco é irrelevante. No caso, o que interessa é que a recorrente utilizou o dinheiro indevidamente e, se procedeu, deve restituir o respectivo quantum com o seu valor atualizado, pois, do contrário, não estaria devolvendo o que utilizou e sim a importância menor, uma vez que a correção nada acrescenta. Ap. nº2414/95; TJRJ; Rel. Des. Narcizo Pinto; j.6.6.95. 12 Princípio do devido processo legal e da ampla defesa, CF, art. 5º, LIV e LV. 13 Cartão de crédito. Lançamento de débito indevido em conta-corrente. Tutela antecipada. Cadastro de informações bancárias. Serviço de proteção ao crédito – SPC. O desconto em conta-corrente só pode ser realizado com a concordância do correntista, impondo-se a antecipação da tutela para proibi-lo, se o débito está sendo objeto de discussão judicial, o que também afasta a possibilidade de inclusão no rol dos inadimplentes. Recurso provido por maioria. (TJRJ – AI 11951/1999 – 1ª C.Cív. – Relª Desª Valeria Maron – J. 02-05-2000).
11
obrigue o consumidor, sendo totalmente ilegal e abusiva nos termos do art. 39, inciso V,
e art. 51, incisos IV e XV.
Ressalta-se ainda que essa prática visa a compelir o correntista a pagar seu
débito, infringindo claramente os preceitos do art. 42 do CDC, que veda o
constrangimento do consumidor pelo credor na cobrança de seus créditos.
4.4 Fornecimento de cópias de documentos
As instituições financeiras, não raras vezes, deixam de fornecer cópias de
contrato de abertura de crédito firmado com seu cliente. Isto também ocorre quanto ao
fornecimento de extratos bancários ou demonstrativos de débito. Não é justificável
qualquer recusa do banco no fornecimento de fotocópia de contrato, tendo como
argumento que já teria sido entregue uma via deste ao cliente por ocasião da
contratação.
Ocorre que a instituição financeira deixa de fornecer cópias de documentos
aos clientes, receosa de que tais fotocópias revelem o preenchimento posterior e
indevido do contrato.
Assim, em qualquer situação, inexiste justificativa para que a instituição
financeira não forneça ao seu cliente cópia do contrato de “cheque especial” ou quanto à
apresentação de esclarecimentos sobre as circunstâncias que envolvam os negócios das
partes, vez que a informação é direito básico do consumidor, restando abusiva a prática
que contrarie o pleno exercício deste direito - art.6º, III e 51, XV do CDC.
4.5 Venda Casada
É comum, na prática de abertura de contas-correntes, a exigência das
instituições financeiras para que os futuros correntistas comprem simultaneamente
outros produtos, ou seja, condiciona a abertura dessa conta à aquisição de um outro
serviço ou contrato, como, por exemplo, a contratação de um seguro de vida.
12
Trata-se efetivamente da venda casada, o que é vedada expressamente pela
norma do art. 39, II 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse caso, ainda temos de considerar o interesse público que emerge dessa
prática, pois trata-se de flagrante ofensa ao art. 5º, incs. II e IV da Lei nº 8137/90 que
trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.15
Cabe lembrar que o art. 6º do CDC prevê os direitos básicos dos
consumidores, sendo que a prática da venda condicionada ofende os incisos II, III, IV e
VII desse dispositivo, dentre os quais preceitua a educação e divulgação sobre o
consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas à liberdade de escolha e à
igualdade nas contratações.
4.6 Cláusula mandato
Por meio dessa cláusula16, expressamente proibida pelo art. 51, inciso VIII,
do Código, o consumidor outorga poderes ao banco para a instituição financeira sacar
títulos abstratos ou para modificar unilateralmente as bases de negócio em curso.17 Essa
cláusula deturpa o instituto do mandato, quebrando-se dois importantes princípios das
relações de consumo: a transparência e a confiança.
14 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: I- condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativo. 15 Constitui crime da mesma natureza: II- subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ao uso de determinado serviço. 16 Exemplo de cláusula-mandato nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente: “para a apresentação do cumprimento de todas as obrigações aqui assumidas, o Cliente entrega ao banco, neste ato, notas promissórias de sua emissão, não à ordem e à vista de apresentação, em valor equivalente a 150% (cento e cinqüenta por cento) do valor do contrato, que corresponde a uma previsão do principal e dos encargos, devidamente avalizada pelo devedor solidário, que assina este ajuste anuindo aos seus termos e obrigando-se solidariamente por todas as responsabilidades assumidas pelo cliente, sem prejuízo de outras garantias complementares que foram ou vierem a ser outorgadas em virtude do crédito concedido. 17 Ensina Cláudia Lima Marques que a utilidade da cláusula-mandato é conceder ao credor o poder contratual de fazer líquida a dívida conforme seu interesse e entendimento, sem necessidade de qualquer participação do devedor consumidor - consumidor, que somente assina o contrato e esta autorização em branco (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 506).
13
Portanto, a estipulação de cláusula conferindo ao fornecedor poderes para
emitir cambiais em nome do consumidor ou para contrair empréstimos em seu nome,
podendo para tanto negociar e ajustar prazos, acertar as condições e o custo do
financiamento e demais encargos da dívida é notoriamente abusiva.18
4.7 Cláusula de eleição de foro
Prescreve o art. 6º do Código, em seus incisos VII e VIII, que é direito
básico do consumidor, além do acesso aos órgãos judiciários, a facilitação da defesa de
seus direitos. Uma vez inserida em contrato de abertura de crédito em conta-corrente, a
cláusula de eleição do foro deverá, segundo o disposto no art. 47, como qualquer
cláusula contratual, ser interpretada de maneira a beneficiar o consumidor.
Por dificultar ao consumidor a busca da tutela jurisdicional é que tal
cláusula configura-se abusiva, pois, além de colocar o consumidor em desvantagem
exagerada (art. 51, IV, do CDC), está em desacordo com o sistema de proteção do
consumidor (art. 51, XVI) e restringe direitos fundamentais inerentes à natureza do
contrato - art. 51, par. 1º, inc. II.
Nota-se que a cláusula de eleição de foro impõe a discussão atinente ao
mencionado contrato em comarca que não seja domicílio ou residência do consumidor,
dificultando a defesa efetiva dos seus direitos. Ressalta-se, ainda, que impede o
consumidor de contestar a ação, no caso de litígio, e mesmo de acompanhá-la.19
18 Corroborando esse entendimento, há a Súmula n. 60 do STJ, que diz: “É nula a obrigação cambial assumida por procuradores do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. Como se vê, o fornecedor agiria não no interesse do consumidor, mas em seu próprio benefício. 19 Processual civil. Competência. Direito do Consumidor. Contrato de adesão. Cláusula de eleição. Nulidade. Foro do domicílio do réu. Reconhecida nas instâncias ordinárias a relação de consumo estabelecida entre banco e beneficiário de crédito bancário em contrato sujeito à execução judicial, bem como à nulidade de cláusula de eleição de foro em contrato de adesão, estabelece-se a competência absoluta, definida pelo foro do domicílio do réu (art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90), nos termos da jurisprudência assentada na egrégia Segunda Seção (CC nº 17.735-CE, Rel. Min. Costa Leite, DJU de 16-11-98). II – Recurso não conhecido. (STJ – REsp 128122 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 14-02-2000 – p. 33)
14
Portanto, no contrato de cheque especial com estipulação de eleição de foro,
esta deverá ser desconsiderada sempre que colocar o consumidor em situação
desvantajosa perante o fornecedor ou desrespeitar os seus direitos de ampla defesa.
4.8 Cláusula de rescisão unilateral do contrato
Configura-se cláusula expressamente abusiva, pois permite a extinção do
contrato a qualquer tempo, sequer dando um prazo para o consumidor. Veja-se que os
reflexos da extinção de um contrato para o fornecedor nada significa em termos
financeiros, ao passo que, para o consumidor vulnerável, pode corresponder à
inviabilização da sua vida, reconhecido que na atualidade muitas pessoas trabalham com
cheques especiais, com os chamados cheques pré-datados, sendo notório que esta é uma
conduta normal na sociedade moderna.
Assim ocorrendo, tal cláusula, atribuindo às instituições financeiras a opção
de rescisão unilateral do contrato, em realidade, é nula de pleno direito por infringir
expressamente o disposto no artigo 51, inciso XI do CDC.
Sugere-se, portanto, que seja determinado ao demandado colocar na
cláusula um prazo de 30 dias a contar da ciência do consumidor, a fim de que não seja
surpreendido no seu planejamento familiar.
4.9 Cláusula de prorrogação tácita do contrato
Em geral, essas cláusulas dispõem que o contrato de abertura de crédito em
conta-corrente é celebrado por prazo determinado, podendo ser prorrogado
automaticamente, desde que haja interesse das partes contratantes, e de acordo com as
normas do Conselho Monetário Nacional ou órgão competente mediante comunicação
escrita, que será endereçada previamente pelo Banco ao Cliente, informando as
alterações do valor do crédito originariamente concedido e o novo prazo de vigência do
contrato, importando o silêncio na aceitação tácita.
Evidentemente que se trata de uma cláusula abusiva, pois não fixa um prazo
para que o consumidor possa concordar ou discordar das alterações estipuladas
15
unilateralmente pelo banco, limitando-se a disposição a dizer que importará o “silêncio
na aceitação tácita”.
Também não está estabelecido que eventual prazo para a concordância ou
não terá um marco inicial, o qual deveria ter efetiva ciência do consumidor e não a mera
expedição do comunicado, como é comum na atividade bancária.
Assim, surgem situações em que o cliente sequer recebeu a comunicação e,
automaticamente, “aderiu” às condições de renovação que sequer pode adimplir,
podendo ser este motivo de grandes controvérsias, resultando em ações judiciais. Por
isso, esse tipo de cláusula é abusiva, haja vista desrespeitar os princípio da transparência
e da ampla informação do consumidor, nos moldes dos art.51, XV e 6º, III, ambos do
CDC.
4.10 Estipulação genérica dos encargos
Em sua maioria, os contratos de abertura de crédito em conta-corrente não
dispõem sobre os encargos a serem cobrados pela utilização da conta-corrente e do
limite de crédito contratualmente estabelecido. Simplesmente consta no contrato que
“sobre o crédito concedido incidirão encargos financeiros praticados pelo Banco,
encargos esses que, com o principal, formarão o saldo devedor de responsabilidade do
cliente”.
Ou ainda aparece escrito que o consumidor correntista, que adere às
cláusulas contratuais impostas, autoriza “a debitar na conta-corrente vinculada ao
crédito concedido, quando do vencimento das parcelas a serem adimplidas, encargos e
demais despesas decorrentes do referido contrato, comprometendo-se o cliente a
provisionar saldo suficiente nessas ocasiões para a normalidade do procedimento”.
É fundamental, ante o princípio da transparência e da boa-fé das relações de
consumo, que sejam explicitados quais sejam os encargos financeiros referidos na
disposição, em atendimento ao que determinam os arts. 6º, inciso III; 30 e 31, todos do
CDC, que versam sobre o direito à informação.
Nessas cláusulas, como se trata de outorga de crédito, percebe-se claramente
o flagrante desrespeito ao art. 52 do CDC, pois o consumidor-correntista deveria ser
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previamente informado de todos os “encargos” e “demais despesas”, pois as disposições
integram o preço total do contrato, não podendo ser genéricas.
4.11 Cláusula de alteração de cobrança de taxas
A alteração de cobrança de taxas pode efetuar-se de duas maneiras: a) a
alteração quanto às taxas contratadas (índices, percentual de juros, encargos, comissões,
etc.); b) a modificação das taxas cobradas pelos serviços bancários prestados aos
consumidores (emissão de talonário de cheques, extratos, débito automático, dentre
outros).
No primeiro caso, as cláusulas inseridas no contrato de abertura de crédito
em conta-corrente possibilitam à instituição financeira a opção pela adoção de outro
índice ou a aplicação de novas taxas, seguindo as regras vigentes no mercado. Trata-se
de alteração unilateral, que sequer consulta previamente o consumidor para que o
mesmo aceite tal modificação.
No segundo caso, ocorre quando, em determinado momento, o banco
fornecedor delibera, unilateralmente, a elevação do preço pelos serviços prestados,
emissão de talonário de cheques, extratos, débito automático.
Em tempos de inflação com índices baixos, é comum que os bancos
procurem sustentar seus lucros com a cobrança de diversas taxas que, em períodos de
inflação alta, não são cobradas. Logo, serviços gratuitos, como, por exemplo, os débitos
efetuados em conta-corrente (tais como água, energia elétrica, telefone, etc.), passam a
ser cobrados pelo banco fornecedor.
Atenta-se ao fato de que constitui direito básico do consumidor a
informação adequada e clara20; contudo, essas informações sobre o preço e demais
condições muitas vezes não são prestadas ao consumidor pelo banco fornecedor. Logo,
entende-se que a alteração dessas taxas por serviços prestados somente pode obrigar o
consumidor ao seu pagamento quando informada previamente ao mesmo. Ressalta-se
ainda que, oportunizada a informação, tão-somente poderão ser cobradas as taxas que 20 Art. 6º, III: “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentam.”
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tiveram a anuência do consumidor. Consigna-se que: A cláusula que permita ao
fornecedor alterar unilateralmente as taxas de juros e outros encargos, ou aquela que lhe
possibilite a modificação unilateral do fator de indexação dos reajustes das prestações
financeiras contratuais são consideradas abusivas pelo Código. Sendo nulas, não
produzem efeito, e, por conseqüência, não obrigam o consumidor.21
O art. 122 do Código Civil também trata do assunto e dispõe que são lícitas
em geral, todas as condições não contrárias à lei. Entre as condições defesas incluem-se
as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes. 22
Em suma, a alteração da cobrança de taxas constitui um evidente flagrante
de abuso do poder econômico, pois é praticamente impossível para o consumidor saber
o valor a ser pago por esses contratos, pois as estipulações são genéricas, não
informando o valor dos encargos pactuados.
Evidente que, à luz dos art. 51, XI, e 52 do CDC, tais cláusulas são nulas de
pleno direito porque colocam o consumidor na incerteza do valor final contratado, isto
é, repercutem no preço final do crédito concedido. 23
4.12 Cláusula de cobrança de encargos ilegais
Importante analisar, ainda, a questão da estipulação genérica das instituições
financeiras para a cobrança da comissão de permanência ao seu puro critério.
Acrescenta-se que esse tipo de cláusula permite às instituições financeiras a
cumulação dos juros de mora com a comissão de permanência. Contudo, tal prática é
21 Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6.ed. Forense Universitária, p. 518. 22 Comissão de permanência. Taxa oscilante. Cláusula potestativa. Observância do disposto no art. 115 do Código Civil (1916). É inadmissível a aplicação de taxas oscilantes a título de comissão de permanência, “pois não há segurança quanto ao efetivo percentual utilizado, sujeitando-se os devedores ao arbítrio do banco, com desrespeito à regra do art. 115 do Código Civil”. (TJSC – AC 97.002746-0 – SC – 2ª C.Cív.Esp. Rel. Des. Nilton Macedo Machado – J. 13-08-1998). 23 Ademais, conforme a dicção do inciso XI do art. 51, são nulas as cláusulas que “permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral”; e ainda, no artigo 52 que no fornecimento de produtos ou serviços que envolvam a outorga de crédito, deverá o fornecedor informar previamente o consumidor dos juros de mora, taxa de juros efetiva e acréscimos legalmente previstos (incisos II e III).
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vedada, pois a comissão de permanência embute não apenas o fator de atualização
monetária, como também os juros remuneratórios, os quais incorretamente incidem no
capital acrescido de juros compensatórios e nos juros de mora pactuados. 24
Na maioria dos casos, a cobrança da comissão de permanência é baseada na
taxa referencial. Tem-se que “TR” é um tipo de taxa de juros que se baseia em taxas de
mercado, incorporando a expectativa dos agentes econômicos sobre a remuneração
futura dos ativos financeiros.
Sendo a taxa referencial considerada como um indexador do mercado
financeiro, identificando-se desse modo como um padrão referencial que expressa a taxa
média ponderada do custo da captação da moeda por instituição financeira para efeito
de sua aplicação, esta não constitui índice que exprima a variação do poder aquisitivo da
moeda. Assim, a “TR” não é índice de determinação do valor de troca da moeda.
Não sendo índice neutro, de mera atualização monetária, não poderá a taxa
referencial ser utilizada como índice-parâmetro dos reajustes do saldo devedor do
contrato de abertura de crédito em conta-corrente.
Logo, a taxa referencial não pode ser utilizada como índice de correção
monetária, ou seja, um indexador monetário, como assim já proclamou o STF na ADIN
493-0/DF, pois essa taxa “não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo
da moeda”.
Cabe ainda esclarecer que, quando o consumidor aceita uma cláusula de
correção monetária em seu contrato, ele guia-se pela noção de que o estipulado seja um
reajuste do valor nominal da dívida em face da inflação, não constituindo senão a mera
atualização monetária do saldo devedor.
Em conseqüência, independentemente do nomem juris que se lhe dê
funcionalmente no contrato, a cláusula que estipula a correção monetária, não pode
assim caracterizar uma ilicitude civil absoluta resultante de capitalização anatocista
24 É ilegítima a incidência de comissão de permanência sobre o principal acrescido de juros remuneratórios e compensatórios, por caracterizar anatocismo.(Ap.666946-5. 1º TACivSP; Rel. Juiz Cunha Garcia).
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interna e externa juridicamente desautorizada, que enseja ainda o enriquecimento ilícito
da instituição financeira e o simultâneo empobrecimento sem causa correntista25.
Dessa maneira, a cláusula contratual que estipula correção monetária que
não representa atualização monetária dos valores cobrados, é abusiva nos termos do
inciso XIII do art. 39 e, ainda, é nula, nos moldes do parágrafo 1º, inciso III, ambos do
Código de Defesa do Consumidor.
4.13 Multa contratual
A grande maioria dos contratos de abertura de crédito em conta-corrente
estipula, no caso de não-adimplemento do consumidor, uma multa contratual no valor
de 10% (dez por cento), incidente sobre o saldo devedor apurado unilateralmente pelo
banco fornecedor. Tal cobrança é, expressamente, vedada pela legislação consumerista
em seu art. 52, § 1º, pois somente poderá ser cobrado 2% (dois por cento) do valor da
dívida.
Além de infringir o disposto no artigo supra-referido, a cláusula que estipula
uma multa contratual acima do preceituado pelos ditames consumeristas, é nula de
pleno direito nos termos do art. 51, §1º, inciso III, por se tratar de obrigação
excessivamente onerosa ao consumidor, devendo ser expurgados os percentuais
cobrados a maior de uma eventual dívida.
25 Nesse sentido, o acórdão do egrégio Superior Tribunal de Justiça: Embargos infringentes. Interpretação de cláusula de contrato. Vedação de uso da TR/D como Indexador de Correção Monetária Pura. Diante da economia inflacionária, a correção monetária pura é um plus aditado ao capital principal investido, cuja única finalidade é evitar um minus consistente na perda do poder aquisitivo nominal da moeda circulante, tendo natureza jurídica e econômica distinta e inconfundível com a dos juros - componente estrutural externo remuneratório do capital principal -, sendo vedada a sua indexação na TR/D, TBF, TBC, taxa ANBID/CETIP, variação cambial ou qualquer outro índice remuneratório-financeiro, que contém internamente um componente estrutural de remuneração financeira. Assim, por conter componente remuneratório-financeiro interno, é nula a cláusula contratual que adota a TR/D, ou qualquer outro índice remuneratório-financeiro, como indexador de correção monetária pura do capital investido, pois configura espécie de anatocismo interno no cálculo estrutural das obrigações pecuniárias derivadas de negócios jurídicos ao qual se agrega o tradicional anatocismo externo que resulta da sobreposição de juros sobre juros.
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4.14 Capitalização mensal de juros
Juro é a composição exigida por quem cede o uso de um capital em
dinheiro. De forma simplificada, o juro é o aluguel pago pelo uso do dinheiro. A razão
entre os juros recebidos (pagos) num determinado período e o capital empregado
denomina-se taxa de juros.
Os juros capitalizados são juros devidos e já vencidos que são
periodicamente incorporados ao principal, isto, é unem-se ao capital representativo da
dívida ou obrigações para constituírem um novo total. Pode-se então concluir que
capitalização é a incorporação dos juros ao principal, para constituir um novo saldo, e
sobre este incidir novos juros, caracterizada na matemática financeira pela variação
exponencial dos juros em função do tempo.
A função estrutural da capitalização dos juros no preço do dinheiro é lateral
incidental, sendo lícita quando houver expressa autorização legal para a sua previsão e
periodicidade de incidência. Portanto, não é admissível capitalização de espécie alguma
nos negócios jurídicos em que ela não esteja expressamente autorizada em lei.
Portanto, no contrato de abertura de crédito em conta-corrente, não é
permitida a prática do anatocismo por não estar autorizado por lei 26. Não estando
expressamente autorizada, a capitalização deve ser anual, sendo repugnada pelo direito
essa prática, por expressa disposição proibitiva do art.4º do Decreto nº 22626/33 de
contar juros sobre juros.27
Salienta-se ainda que a cobrança de juros capitalizados no contrato ora
discutido constitui flagrante desrespeito aos preceitos da legislação consumerista, haja
vista infligirem o disposto no art. 39 e 51, §1º, inciso III, do Código.
26 Neste sentido, temos o entendimento do 1º Grupo Cível, segundo o qual: Descabe, outrossim, a capitalização mensal de juros em contrato de abertura de crédito rotativo em conta-corrente, por ser espécie negocial não-enquadrável na legislação permissiva da medida . Julgados (TARGS 102/159). 27 Contrato de abertura de crédito. Cheque Especial. Juros. Inadmissibilidade. Financiamento que não se inclui no elenco em que leis especiais admitem a prática do anatocismo. BRASIL. Superior Tribunal Regional de Justiça. Cível. Resp. 16684.0, Rel. Ministro Athos Carneiro, 4a T., São Paulo, 29-03-93 in Revista dos Tribunais n. 697, p.191.
21
5- Considerações Finais
A complexidade do tema impede o seu total esgotamento, sendo que as
considerações apontadas expõem um panorama geral de algumas das cláusulas e
práticas abusivas encontradas no contrato de abertura de crédito em conta-corrente.
Todavia, pelo exposto, evidencia-se que essas cláusulas e práticas abusivas
constantes do contrato de “cheque especial” são utilizadas de forma constante e
indiscriminada pelo sistema financeiro, visando a alcançar lucros exorbitantes.
Dessa forma, esse tipo de abuso de poder econômico deve ser coibido, sendo
que, evidenciada qualquer cláusula ou prática que afronte a sistemática consumerista,
restará ao cliente usuário, na qualidade de consumidor da instituição financeira, a
revisão de tais cláusulas, para sua adequação e restabelecimento do equilíbrio
contratual, ou até, pleitear a declaração da nulidade da mesma, se for o caso.
Acrescenta-se ainda que, identificando-se cláusulas práticas abusivas nos
contratos de abertura de crédito em conta-corrente, e essas demandarem onerosidade
excessiva ao correntista, impõe-se a revisão do mesmo, não importando que eles tenham
sido novados ou até extintos, pois as normas do Código de Defesa do Consumidor são
de ordem pública e de interesse social.
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