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Práticas performáticas nas relações educativas

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Page 1: Práticas performáticas nas relações educativas

A Filosofia na escola: uma visão e uma proposta

Filosofia na escola é tema recorrente na educação. Sabe-se da importância

do pensamento filosófico e o quanto a disciplina colabora na elucidação do saber.

Contudo, é notório o quanto se negligencia a qualidade desse conhecimento. Nesse

sentido, o presente texto tem por objetivo expor a visão de Yves de La Taille sobre

filosofia na construção da moral e da ética e uma proposta metodológica por parte do

norte-americano Matthew Lipman do uso da disciplina na sala de aula através do

diálogo investigativo.

A visão de Yves de La Taille

Yves de La Taille, francês radicado no Brasil, professor do Instituto de

Psicologia da Universidade de São Paulo, especialista em Psicologia Moral, em seu

livro Formação Ética: do tédio ao respeito de si, reflete sobre os desdobramentos da

palavra ética no cotidiano levando em consideração os frágeis sentidos da vida que

a sociedade vive na atualidade. Em contraposição, propõe uma educação que

possibilite a construção de uma “cultura do sentido” através das reflexões sobre

moral e ética.

Sua principal contribuição revela-se na discussão da moral e da ética. A

identificação do SER e, a partir dessa constituição de caráter individual, a

conscientização deste SER a partir de questionamentos pertinentes sobre a

felicidade e como alcançá-la permeiam a definição dos termos moral e ética na sua

obra. O autor coloca a moral atrelada à ação dos indivíduos uma vez que esta se

realiza no cumprimento dos deveres em respeito à dignidade humana. Tal embate

entre a vontade e as regras determina a conduta dos indivíduos que, de fato, é

imprescindível nas relações humanas. No tocante à ética, expressa a reflexão sobre

a felicidade, ou seja, de que maneira alcançá-la de forma a tornar a “vida boa” e

significativa.

Decorre de suas incursões na temática a preocupação com o locus do

desenvolvimento do juízo moral: a escola. Esta não deve, somente, viabilizar os

conteúdos formais. Neste ínterim, deve valorizar os conteúdos da moral de modo a

desenvolver o que para o autor se denomina sensibilidade moral. Ora, mas de que

maneira? No dia-a-dia, na identificação – no corpo político-pedagógico do projeto

educacional – dos valores e princípios norteadores do funcionamento da instituição.

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Um ponto importante destacado pelo autor é a sua proposta de aulas de

Filosofia. Constata inicialmente que poucas escolas têm esta disciplina no currículo

escolar1 e que já foi considerada uma disciplina nobre que, aos poucos, foi

abandonada pelos elaboradores dos currículos. É considerada perda de tempo por

um mundo que demanda velocidade e praticidade, afinal, a modernidade presentifica

os indivíduos. Ora, para que pensar se as coisas já estão dadas? Invariavelmente, o

mundo assiste a um mal estar ético e moral por conta da superficialidade das

relações. O desenvolvimento do juízo moral está comprometido. Justamente neste

ponto que La Taylle revela sua preocupação com a educação moral dos indivíduos

na escola tomando o cuidado de propor aulas de Filosofia na escola sem reduzi-las à

tarefa da Educação Moral. Tanto que adverte e propõe:

“não estou propondo que as aulas de Filosofia equivalham a aulas de educação

moral (...). Estou apenas propondo duas coisas. A primeira: que aulas de Filosofia

estejam presentes no currículo (a partir do Ensino Médio). A segunda: que, entre

outros temas, os professores dêem destaque para a ética e a moral, tanto e tão

bem trabalhadas ao longo dos séculos. Assim, ao apresentarem a seus alunos

essa ampla área do conhecimento, os professores certamente ajudarão na

formação do juízo moral desses jovens” (LA TAYLE, 2009: 244).

Faz-se perceber, a partir da citação, a preocupação do autor, que não basta

trabalhar conteúdos de disciplinas corriqueiras. Por outro lado, a apresentação do

pensamento humano sobre o assunto através dos séculos pode ajudar os indivíduos

a pensar sobre a felicidade e sua busca.

Portanto, a escola - enquanto instituição apta a educar para a cidadania

responsável – deve ser o local da promoção de uma educação, não somente para a

lógica formal das Ciências Exatas, das constatações da Natureza ou das verificações

históricas e espaciais. Deve contemplar, também, o pensamento e a reflexão sobre o

SER, a felicidade, a conduta virtuosa, das obrigatoriedades inerentes à cidadania,

enfim, da construção do juízo e sensibilidade moral.

Apesar da coerência e pertinência demonstrada por Yves de La Tayle,

gostaríamos de apresentar uma proposta concreta de Filosofia na escola idealizada

por Matthew Lipman. O contraponto se dará, em primeiro lugar, pela metodologia

proposta e abrangência, ora denominada Filosofia para Crianças e pelo formato

didático-pedagógico calcado na dialogia.

1 Apesar que, atualmente, muitas escolas utilizem programas de Filosofia, como a proposta de

Lipman e sua Filosofia para crianças e da obrigatoriedade do ensino de Filosofia no Ensino Médio por força da lei Federal nº 11.684/08, sancionada pelo vice-presidente da República, José Alencar.

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A proposta de Matthew Lipman.

Um pensador norte-americano imaginou um dia que crianças e jovens

deveriam aproveitar parte do tempo escolar cultivando a arte de pensar. Propôs,

então, um trabalho com Filosofia entendendo que esta seria a ferramenta ideal para

suprir essa lacuna educacional tão importante. Justifica apoiando-se num modelo de

educação para o futuro onde a práxis é destaque. Defende, para tanto, a idéia

heurística (investigação, pesquisa) porque acredita que a pura e simples discussão

com palavras não leva à raiz das coisas. Estamos esboçando, aqui, o início das

idéias de um autor. Mas quem é Matthew Lipman?

Matthew Lipman, criador do Programa de Filosofia para Crianças, nasceu nos

Estados Unidos. Educador e Filósofo, na década de 60 lançou as bases teóricas do

seu programa preocupado com o baixo rendimento intelectual dos seus alunos.

Juntamente com Ann Margareth Sharp, pedagoga, fundou o Institute for the

Advancement of Philosophy for Children (IAPC) vinculado à Universidade de

Monclair, New Jersey (1974). Demonstrando ser uma prática promissora,

disseminou-se pelo mundo chegando, inclusive, ao Brasil trazida, em1984, Catherine

Young Silva. Em A Filosofia vai à escola (Lipman, 1990: 61) ele diz:

O fazer Filosofia exige conversação, diálogo e comunidade, que não são

compatíveis com o que se requer na sala de aula tradicional. A Filosofia impõe

que a classe se converta numa comunidade de investigação, onde estudantes e

professores possam conversar como pessoas e como membros de uma mesma

comunidade; onde possam ler juntos, apossar-se das idéias conjuntamente,

construir sobre as idéias dos outros; onde possam pensar independentemente,

procurar razões para seus pontos de vista, explorar suas pressuposições; que

possam trazer para suas vidas uma nova percepção do que é descobrir, inventar,

interpretar e criticar.

Filosofia e Pensamento andam juntos. Afinal de contas, pensamento é

articulação das idéias para produção do conhecimento e Filosofia, cultivo da

sabedoria, ou a arte do bem pensar. O pensamento busca os signos e o

conhecimento a verdade. Segundo Arendt o pensamento pode e deve ser

empregado na busca do conhecimento (ARENDT, 2000: 48).

Marilena Chauí, no seu livro Convite à Filosofia, relata que o pensamento é

uma atividade pela qual a consciência ou a inteligência coloca algo diante de si para

atentamente considerar, avaliar, pesar, equilibrar, reunir, compreender, escolher e ler

por dentro (Chauí, 1994: 153). John Dewey, um dos grandes referenciais da

educação e um dos pais da Filosofia pragmática americana, propõe o pensamento

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reflexivo como ideal porque, necessariamente, ele nos remete ao esforço intencional

para a descoberta de relações entre as coisas. Logo, se dá na relação do indivíduo

com o meio. Lipman, aproveitando a teoria desenvolvida por Dewey, percebeu que

poderia transportar várias idéias para seu programa de Filosofia para crianças. Dois

aspectos, nesse ínterim, chamou a atenção:

Ampliação do leque de pensamentos para além do reflexivo (que

também é constitutivo de um bem pensar): crítico, radical, abrangente, autônomo,

criativo e rigoroso;

A investigação filosófica proporcionaria uma reflexão crítica sobre o

próprio pensar (metacognição) e sobre como pensar melhor.

Portanto, acreditava que, educando crianças e jovens a partir da indumentária

filosófica, em especial Teoria do Conhecimento e Lógica, seria possível desenvolver

uma forma de pensamento mais crítico, criativo e cuidadoso. Desses conceitos é que

nasce o Programa de Filosofia para Crianças segundo a proposta de Educação para

o Pensar. Mas a que “pensar” estamos nos referindo? É um pensar qualquer?

Lipman responde a partir de algumas características inerentes ao pensamento que

deve ser trabalhado na escola: o pensar crítico, criativo e cuidadoso.

O pensar crítico, criativo e cuidadoso implica num pensar mais complexo.

Quando uma pessoa reúne essas características ela pensa melhor. Isso significa

pensar governado por critérios de forma crítica, razoável, sensível ao contexto e

disposta à autocorreção. Em Educação para o Pensar, Lorieri arremata a idéia das

características de um bom pensar afirmando que a

Educação para o pensar é uma proposta que tem como fio condutor o

trabalho investigativo (em suma, dialógico) com temáticas próprias da Filosofia e

também uma maneira própria de trabalhar essas temáticas, que é o método

reflexivo, crítico, criativo e cuidadoso (Lorieri, 2002: 14).

Vejamos, sinteticamente, as características de cada um desses tipos:

Pensamento crítico: é aquele cujo objetivo é produzir boas razões

para a produção de bons juízos e está disposto a ser autocorretivo. Razoabilidade,

sensibilidade ao contexto e criteriosidade são suas principais características;

Pensamento criativo: é aquele que procura, a partir das idéias,

estabelecer novas relações. Necessariamente é inventivo, aberto às novas

possibilidades e não fica em si mesmo;

Pensamento cuidadoso: por prezar a Ética, preocupa-se com as

conseqüências, com os outros e com as coisas.

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Completando o quadro até aqui exposto, destacamos o pensamento rigoroso,

radical e abrangente como integrantes do pensar complexo.

Enfim, reflexão e autonomia de pensamento perfazem a tônica da proposta de

Lipman. Só que, para a consecução de tais, habilidades básicas devem ser

desenvolvidas para o desenvolvimento da competência do pensar competente.

Conclusões:

É importante ressaltar que Yves de La Taille esboça uma idéia do papel que a

escola deve exercer na sociedade, uma vez que esta sofre com o que ele denomina

“cultura da vaidade” que menospreza os valores básicos de convivência social

potencializando o cosmos da competição, desrespeito e frivolidade. Sua idéia de

trabalhar a Filosofia na escola de modo a contemplar os pensamentos que já foram

produzidos pela humanidade e cultivar a intelectualidade encontra eco na atual

conjuntura nacional. Entretanto, sua restrição à implementação da disciplina apenas

no Ensino Médio – porque julga os indivíduos nesta faixa etária maduros para a

compreensão da complexidade dos pensamentos dos mais diversos filósofos –

restringe um público que, também, pode ter aulas de Filosofia: o Ensino

Fundamental. Para embasar esse argumento é que apresentamos os estudos e

trabalhos desenvolvidos por Lipman (citação) e sua proposta de Filosofia baseada no

diálogo investigativo. A máxima kantiana de que não se ensina Filosofia e sim a

filosofar atesta a proposta lipmaniana colocando os alunos como atores principais do

filosofar. Neste sentido, Filosofia na escola constitui, mais do que maturidade

intelectual: implica em ação dialógica na busca de aprofundamento de conceitos.

Com efeito, acreditamos que, mediante a proposta de Lipman, a construção do saber

filosófico e do juízo moral através da dialogia pode auxiliar na construção da

autonomia moral.

Bibliografia:

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro:

Ed. Relume-Dumará, 2000.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994.

DEWEY, John. Democracia e Educação. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1959.

LA TAILLE, Yves. Formação Ética: Do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed,

2009.

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LIPMAN, Matthew. O pensar na Educação. Petrópolis: Vozes,1995.

______________. A Filosofia vai à escola. São Paulo: Summus,1990.

LORIERI, M. A. Educação para o pensar. São Paulo. Thomsom, 2002.