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Primeira Seção

MANDADO DE SEGURANÇA N. 19.084-DF (2012/0179183-9)

Relator: Ministro Sérgio Kukina

Impetrante: José do Nascimento Duarte

Advogado: Gandhi Gouveia Belo da Silva e outro(s)

Impetrado: Ministro de Estado da Defesa

Impetrado: Comandante da Aeronáutica

Interessado: União

EMENTA

Administrativo. Mandado de segurança. Impetração contra

omissão do Ministro da Defesa e ato comissivo do Comandante da

Aeronáutica. Improcedência. Denegação da ordem.

1. Não pode ser imputada omissão ao Ministro de Estado da

Defesa que, julgando-se incompetente para decidir requerimento

administrativo com conteúdo sobre o qual não lhe é dado deliberar,

encaminha o feito à autoridade competente, dando disso ciência

ao requerente. Tal agir está em consonância com os princípios da

limitação da competência e de atuação da Administração Pública,

insertos no artigo 37, caput, da Constituição Federal e nos arts. 11 e 47

da Lei n. 9.784/1999.

2. A motivação, a teor do que requer o art. 50 da Lei n. 9.784/1999,

consiste na indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que

autorizam a produção do ato administrativo.

3. Ao negar a pretensão, o Comandante da Aeronáutica, no

estrito cumprimento da norma legal (art. 50, I, da Lei n. 9.784/1999),

cuidou de apontar os fatos e os fundamentos jurídicos que impunham

o indeferimento do pedido. Descabe, por isso, falar em decisão não

fundamentada.

4. Entre os militares, o critério de antiguidade para promoção de

graduados (praças) deve levar em conta o respectivo quadro. Descabe,

por isso, alegar violação do direito de precedência tomando como

paradigma a promoção de integrantes de quadro diverso.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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5. A promoção de militar é, em regra, ato administrativo

discricionário, como se pode inferir de seu próprio conceito e, como

tal, sujeita-se à avaliação – até certo ponto subjetiva – da autoridade

competente, que decidirá sobre a conveniência e oportunidade de

sua efetivação. Se, por um lado, isto não signifi ca que o comandante

possa promover qualquer pessoa a qualquer tempo, sem observância

dos critérios e limites regulamentares (pois discricionariedade não se

confunde com arbitrariedade), é igualmente certo, de outra mão, que

o militar que atenda às exigências para ser promovido não tem, só por

isso, direito líquido e certo à desejada promoção, até porque sujeita-se,

no mínimo, à existência de vaga. Precedentes.

6 - Segurança denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a segurança,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler,

Arnaldo Esteves Lima, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og

Fernandes, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon.

Brasília (DF), 13 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Sérgio Kukina, Relator

DJe 20.11.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de mandado de segurança

impetrado por José do Nascimento Duarte, militar reformado, no qual aponta

como autoridades coatoras o Ministro de Estado da Defesa e o Comandante da

Aeronáutica, aos quais atribui, como ato coator, o indeferimento ao requerimento

apresentado pelo impetrante com o intuito de obter, pela via administrativa,

promoção ao posto de Capitão.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 33

Alega que o indeferimento atacado foi produzido “sem nenhum

fundamento jurídico plausível”, sendo este “o ponto nodal que impulsionou a

pretensão e este mandamus, para requerer e coibir o ato de autoridade negadora

de direito líquido e certo” (sic, fl . 7).

Diz também que militam a favor de sua pretensão os fatos de que (i)

sargentos do Quadro de músicos foram promovidos no prazo mínimo legal,

enquanto o impetrante sempre recebeu promoções com base no prazo máximo

e (ii), ainda que considerado o prazo máximo de sete anos entre uma promoção

e outra, o requerente, porque ingressou em 1955, poderia ter alcançado o posto

pretendido ainda em 1975.

Diz, por fi m, que outros pares obtiveram decisões judiciais favoráveis em

pleitos semelhantes e que o pedido encaminhado ao Ministro de Estado da

Defesa não foi formalmente respondido.

Requer, por isso, a concessão da ordem para determinar sua promoção, com

a fi xação de novos proventos, bem como o pagamento de valores retroativos,

respeitada a prescrição quinquenal.

O Comandante da Aeronáutica prestou as informações de fl s. 161 a 185,

nas quais suscitou preliminar de prescrição da pretensão, com fundamento no

Decreto n. 20.910/1932, pois, “sendo a promoção um ato administrativo de

efeitos concretos (impugnável, portanto, de imediato), deveria o impetrante, ao

se sentir prejudicado por não ter sido promovido anteriormente, ter ajuizado a

ação pertinente dentro do lapso temporal de cinco anos, contados a partir da

data de cada ato de provimento, sob pena de ver fulminada sua pretensão” (fl .

163).

No mérito, disse faltar ao impetrante o direito líquido e certo à promoção,

isto porque (i) a Administração “não é compelida, por qualquer dispositivo legal,

a promover os seus graduados no interstício mínimo, devendo se pautar no fl uxo

de carreira desejado” (fl . 166); (ii) as promoções de militares “encontram-se

condicionadas às limitações impostas na legislaçao e regulamentação específi cas”

(fl . 166), de modo que não há amparo legal para a concessão do pedido, (iii) além

do que o ingresso no quadro de Ofi ciais Especialistas da Aeronáutica (QOEA)

requer, dentre outros requisitos, prévia aprovação no Estágio de Adaptação ao

Ofi cialato (EAOF), curso que o impetrante não fez quando teve a oportunidade

(fl . 173).

O Ministro de Estado da Defesa, por sua vez, prestou os esclarecimentos

às fl s. 187 a 204, alegando (i) inépcia da petição inicial; (ii) ausência de interesse

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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de agir; (iii) falta de indicação do ato violador do direito; e (iv) ilegitimidade

passiva do Ministro de Estado da Defesa.

O Ministério Público Federal, nos termos do parecer às fl s. 207 a 210,

manifestou-se pela declaração da prescrição da pretensão e, acaso superada a

preliminar, pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): O impetrante aponta como

autoridades coatoras o Ministro de Estado da Defesa e o Comandante da

Aeronáutica, atribuindo ao primeiro responsabilidade por omissão e, ao segundo,

por ação, consubstanciada esta na edição de ato tido por ilegal.

Cumpre, assim, analisar separadamente as imputações, de modo a deliberar,

à luz de cada hipótese, pela procedência ou improcedência das respectivas

alegações.

1. Da prescrição.

Tenho que a preliminar de prescrição quinquenal, que foi suscitada

pelo Comandante da Aeronáutica e pelo Ministério Público Federal, com

fundamento no Decreto n. 20.910/1932, não merece acolhimento.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido

de que as ações propostas com o intuito de obter revisão do ato de promoção

estão sujeitas ao prazo de prescrição quinquenal, contado da data da respectiva

publicação. Todavia, esta não é a hipótese dos autos, por duas razões.

Primeiro porque ataca-se, formalmente, omissão do Ministro de Estado

da Defesa – não sujeita à prescrição – e ato comissivo do Comandante da

Aeronáutica, publicado no Diário Ofi cial de 14 de maio de 2012.

Depois, o que o impetrante busca não é rever sua promoção, mas obter uma

nova, a que julga ter direito.

Por tudo isso, é certo que os contornos fáticos e jurídicos da presente

demanda em nada se assemelham àqueles que deram origem aos precedentes

mencionados pelo Comando da Aeronáutica, não havendo, pois, que se cogitar

de prescrição.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 35

2. Do ato omissivo atribuído ao Ministro de Estado da Defesa.

Contra o Ministro de Estado da Defesa pesa, pela ótica do impetrante,

a responsabilidade por omissão, pois não teria respondido formalmente ao

requerimento administrativo que lhe fora encaminhado por advogado.

No ponto, a questão foi posta na inicial nos seguintes termos:

Cabe salientar que, o requerimento encaminhado ao Excelentíssimo Ministro

de Estado da Defesa, ainda não foi respondido ao profi ssional do direito que

assina esta peça, na conformidade da cópia autêntica do documento transcrito

neste petitório.

Apesar do noticiado no item precedente, em homenagem a verdade, o

Comandante da Aeronáutica, como era de se esperar da digna Autoridade,

respondeu o pleito, não ao advogado, mais sim, ao próprio requerente, o que, ao

sentir do patrono do Impetrante, não afasta a responsabilidade do Ministro de

Estado da Defesa em responder o requerimento formalmente. (sic, fl . 11).

Todavia, é o próprio impetrante quem transcreve, à fl . 21, fac-símile do

expediente assinado pelo Chefe de Gabinete do Ministro de Estado da Defesa

e dirigido ao Sr. Mozart Gouveia Belo da Silva, patrono do impetrante e

signatário do mencionado requerimento administrativo, de cujo teor se colhe:

1. Refi ro-me no requerimento datado de 13 de março de 2012. encaminhado

ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa, por meio do qual V. Sª requer

promoção do Subofi cial R/R José do Nascimento Duarte a patente de Capitão da

Aeronáutica, na Reserva Remunerada.

2. Levo ao conhecimento de V. Sª que, acatando orientação da Consultoria

Jurídica deste Ministério e em conformidade com o disposto no parágrafo único

do art. 59 da Lei n. 6.880/1980 e art. 4º da Lei Complementar n. 97/1999, o

Processo n. 60000.004242/2012-46 foi encaminhado ao Comando da Aeronáutica.

(fl . 21).

Diante dessa prova, repita-se, juntada pelo próprio impetrante, resta

evidente a improcedência da alegação de ilegalidade por omissão atribuída ao

Ministro de Estado: o requerimento administrativo foi, sim, respondido.

É bem verdade que, na hipótese dos autos, o resultado não foi o desejado

pelo requerente, mas resposta desfavorável não é falta de resposta. Ao se declarar

incompetente para apreciar o pedido que lhe fora encaminhado, “acatando

orientação da Consultoria Jurídica (...) e em conformidade com o disposto no

parágrafo único do art. 59. da Lei n. 6.880/1980 e art. 4o da Lei Complementar

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n. 97/1999”, o Ministro da Defesa remeteu os autos à Autoridade competente e

disso deu ciência ao interessado.

Não pode ser imputada omissão ao Ministro de Estado que, julgando-se

incompetente para decidir requerimento administrativo com conteúdo sobre

o qual não lhe é dado deliberar, encaminha o feito à autoridade competente

e cientifi ca ao requerente. Tal agir está em consonância com os princípios da

limitação da competência e de atuação da Administração Pública, insertos nos

artigos 37, caput, da Constituição Federal e 11 e 47 da Lei n. 9.784/1999.

Confi ram-se:

Constituição Federal

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios

de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também,

ao seguinte:

Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999:

Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos

a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação

legalmente admitidos.

Art. 47. O órgão de instrução que não for competente para emitir a decisão

final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do

procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada,

encaminhando o processo à autoridade competente. (grifo nosso).

Não há omissão e, portanto, ilegalidade atribuível ao Ministro de Estado

da Defesa, impondo-se, quanto a essa Autoridade, a denegação da segurança.

3. Do ato comissivo praticado pelo Comandante da Aeronáutica.

Ao Comandante da Aeronáutica o impetrante atribui, como ato coator,

o despacho publicado no Diário Ofi cial da União, Seção 2, de 14 de maio de

2012, com o seguinte teor:

Indeferido, por falta de amparo legal, tendo em vista que a sentença só faz

coisa julgada às partes entre as quais é dada, não benefi ciando, nem prejudicando

terceiros, conforme dispõe o artigo 472 do Código de Processo Civil (Lei n. 5.869,

de 11 de janeiro de 1973).

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 37

O requerente teve as suas promoções efetivadas em estrito cumprimento às

normas estabelecidas pelos Regulamentos para o Corpo de Pessoal Graduado da

Aeronáutica, vigentes nas respectivas datas de promoções, razão pela qual não

comportam qualquer revisão.

O interstício é o período mínimo de efetivo serviço no posto ou graduação

e, por si só, não assegura promoção, visto constituir-se em, apenas, um dos

requisitos para inclusão em Quadro de Acesso.

A inclusão no Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica está

condicionada à conclusão do Estágio de Adaptação ao Oficialato, após a

aprovação do candidato no concurso de admissão, conforme disposto no Decreto

n. 2.996, de 23 de março de 1999. (fl . 32).

Alega que esse ato foi produzido “sem nenhum fundamento jurídico

plausível”, sendo este “o ponto nodal que impulsionou a pretensão e este

mandamus, para requerer e coibir o ato de autoridade negadora de direito

líquido e certo” (sic, fl . 7).

Não é o que se verifi ca.

A motivação, a teor do que requer o art. 50 da Lei n. 9.784/1999, consiste

na indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que autorizam a produção

do ato administrativo.

Confi ra-se:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos

fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

Foi o que ocorreu. Ao negar a pretensão, o Comandante da Aeronáutica,

no estrito cumprimento da norma legal, cuidou de apontar os fatos e os

fundamentos jurídicos que impunham o indeferimento do pedido.

Descabe, por isso, falar em decisão não fundamentada.

Passa-se, então, ao exame dos demais argumentos.

A alegação de que sargentos do Quadro de Músicos foram promovidos

no prazo mínimo legal, enquanto o impetrante apenas recebeu promoções com

base no prazo máximo, não traduz, só por si, violação de direito.

De início porque, como informou o Comandante da Aeronáutica nas

informações que prestou, “cada quadro e especialidade são regidos por uma

regulamentação própria” (fl . 166). Com efeito, assinala autorizada doutrina

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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que, entre os militares, o critério de antiguidade para promoção de graduados

(praças) deve levar em conta o respectivo quadro. Confi ra-se:

As promoções serão efetuadas pelos seguintes critérios: a) antiguidade; b)

merecimento; c) escolha; d) por bravura; e ) post mortem.

Antiguidade.

Baseado na precedência hierárquica de um ofi cial sobre os demais de igual

posto, dentro do mesmo corpo, quadro, arma ou serviço, ou de um graduado sobre

os demais de igual graduação, dentro de um mesmo quadro ou qualifi cação militar.

(ABREU, Jorge Luiz Nogueira. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro:

Forense, 2010, p. 410, destaquei)

Descabe, por isso, alegar violação do direito de precedência tomando

como paradigma a promoção de integrantes de quadro diverso. Ou seja, a

eventual promoção de sargentos do Quadro Complementar (QC) não é

motivo sufi ciente para inferir que os integrantes do Quadro de Subofi ciais e

Sargentos da Aeronáutica (QSS), como é o caso impetrante, também devam ser

promovidos.

Depois, a promoção de militar é, em regra, ato administrativo discricionário,

como se pode inferir de seu próprio conceito:

Promoção é o ato administrativo que, fundamentado em valores morais e

profi ssionais, visa preencher, de forma seletiva, gradual e sucessiva, as vagas

disponíveis em grau hierárquico superior, de acordo com os efetivos fi xados em

lei para os diversos corpos, quadros, armas ou serviços de cada uma das Forças

singulares, propiciando, assim, um fl uxo regular e equilibrado de carreira para os

militares.

(ABREU, Jorge Luiz Nogueira. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro:

Forense, 2010, p. 409)

Assim, como ato discricionário que é, sujeita-se à avaliação – até certo

ponto subjetiva – da autoridade competente, que decidirá sobre a conveniência

e oportunidade de sua efetivação. Se, por um lado, isto não signifi ca que o

comandante possa promover qualquer pessoa a qualquer tempo, sem observância

dos critérios e limites regulamentares (pois discricionariedade não se confunde

com arbitrariedade), é igualmente certo, de outra mão, que o militar que atenda

às exigências para ser promovido não tem, só por isso, direito líquido e certo à

desejada promoção, até porque sujeita-se, no mínimo, à existência de vaga.

Nesse sentido:

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 39

Administrativo. Processual Civil. Análise de dispositivos constitucionais.

Impossibilidade na via do especial. Julgamento extra petita. Não confi gurado.

Servidor militar. Decreto n. 86.289/1981. Lei n. 10.951/2004. Cabo. Promoção ao

quadro especial de Terceiro-Sargento do Exército. Preenchimento de requisitos

objetivos. Existência de vagas. Necessidade. Precedentes. Comprovação.

Incidência da Súmula n. 7 desta Corte. Recurso que deixa de impugnar

fundamentos da decisão agravada. Súmulas n. 182 do Superior Tribunal de Justiça

e 283 do pretório Excelso.

[...]

2. Para a promoção de Cabos do Exército ao Quadro Especial de Terceiro-

Sargento daquela Força, além do preenchimento dos requisitos objetivos

previstos na legislação de regência - Decreto n. 86.289/1981 e Lei n. 10.951/2004

-, é necessário também existirem as respectivas vagas, fixadas essas por ato

discricionário da Administração Pública.

3. Portanto, resta afastada a alegação de que, na hipótese, desde a data em

que restou cumprido o requisito relativo ao tempo mínimo de 15 (quinze) anos de

efetivo serviço, seria devido o pagamento dos valores relativos à promoção.

[...]

6. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp n. 1.177.044-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe

27.3.2012)

Agravo regimental em recurso especial. Militar. Promoção ao Quadro Especial

de Terceiro Sargento. Vaga. Necessidade de existência. Incidência do Verbete n. 7

da Súmula do STJ.

- Sem amparo a tese recursal, pois fi rme o entendimento do STJ no sentido de

ser necessária a existência de vagas para acesso ao Quadro Especial de Terceiro-

Sargento.

- É vedado em recurso especial o reexame de matéria de fato, a teor do Verbete

n. 7 da Súmula desta Corte.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 1.231.968-SC, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma,

DJe 29.6.2011)

Pelas mesmas razões, rejeitam-se as alegações remanescentes, quais sejam,

as de que o requerente, por ter ingressado em 1955, poderia ter alcançado o

posto pretendido ainda em 1975 e a de que outros pares obtiveram decisões

judiciais favoráveis em pleitos semelhantes.

Com essas considerações, denego a segurança.

É como voto.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RECURSO ESPECIAL N. 1.069.810-RS (2008/0138928-4)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Recorrente: Neida Terezinha Garlet Belle

Advogado: Nora Lavínia Campos Cruz - Defensora Pública

Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul

Procurador: Juliana Forgiarini Pereira e outro(s)

Interessado: Município de Dona Francisca

Advogado: Sem representação nos autos

EMENTA

Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Adoção de

medida necessária à efetivação da tutela específi ca ou à obtenção do

resultado prático equivalente. Art. 461, § 5º do CPC. Bloqueio de

verbas públicas. Possibilidade conferida ao julgador, de ofício ou a

requerimento da parte. Recurso especial provido. Acórdão submetido

ao rito do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ.

1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz

adotar medidas efi cazes à efetivação de suas decisões, podendo, se

necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor

(bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada

fundamentação.

2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do

art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos

do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito

Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves

Lima e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 41

Sustentaram, oralmente, os Drs. Antonio de Maia e Pádua, pela recorrente,

e Guilherme de Escobar Guaspari, pelo recorrido.

Brasília (DF), 23 de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJe 6.11.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Recurso

Especial interposto por Neida Terezinha Garlet Belle, com fulcro no art. 105,

III, a da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que deu provimento ao Agravo de

Instrumento interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, ora recorrido, para

afastar o bloqueio de verbas públicas determinado pelo Juízo de Primeiro Grau,

no caso de inadimplemento da obrigação de fornecer medicamentos.

2. Nas razões do Apelo Raro, aduz a recorrente violação aos arts. 461, § 5º

e 461-A do CPC, sustentando que a determinação de bloqueio nas contas do

Estado do valor necessário à aquisição da medicação, confere maior efi cácia e

agilidade na prestação jurisdicional.

3. Não foram apresentadas contrarrazões (fl s. 104).

4. Admitido o Recurso Especial na origem, subiram os autos à apreciação

desta Corte Superior.

5. O ilustre Ministro Luiz Fux, Relator primevo do presente feito,

submeteu o Recurso Especial ao procedimento do art. 543-C do CPC –

Recurso Repetitivo –, afetando-o a esta 1ª Seção desta Corte Superior (art. 2º, §

1º da Resolução n. 8/2008 do STJ).

6. Às fl s. 608-610, foi deferido, pelo eminente Ministro Luiz Fux, o pedido

de tutela, realizado pelo MPF, para que o medicamento seja fornecido com

continuidade.

7. Cumpridas as formalidades da norma processual civil quanto aos

Recursos Repetitivos, o Ministério Público Federal, representado pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho, opinou pelo

provimento do Recurso Especial, nos termos da seguinte ementa:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

42

1. Processual Civil. Recurso especial representativo da controvérsia.

Fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de saúde, sob pena

de bloqueio ou seqüestro de verbas do Estado a serem depositadas em conta-

corrente. Violação ao art. 461, § 5º e 461-A, ambos do CPC.

2. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do recurso especial,

para que o acórdão recorrido seja reformado, a fi m de restabelecer a sanção de

bloqueio de verbas públicas fi xada pela decisão interlocutória de primeiro grau

(fl s. 626).

8. É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Cinge-se a

presente controvérsia em saber se é possível ao Juiz, tendo em vista as disposições

constitucionais e processuais a respeito da matéria, determinar, em ação

ordinária, o fornecimento de medicamento para portadores de doença grave,

sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas do Estado a serem depositadas em

conta corrente.

2. Dispõe o art. 461, § 5º do Código de Processo Civil:

Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer

ou não fazer, o juiz concederá a tutela específi ca da obrigação ou, se procedente o

pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente

ao do adimplemento.

(...).

§ 5º - Para a efetivação da tutela específi ca ou a obtenção do resultado prático

equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas

necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e

apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento

de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

3. Vê-se da leitura do artigo supracitado que o legislador possibilitou ao

Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a medida que,

ao seu juízo, mostrar-se mais adequada para tornar efetiva a tutela almejada. A

norma apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo,

taxativa a sua enumeração.

4. Dessa forma, é lícito ao Julgador, diante das circunstâncias do caso

concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 43

vista o fi m da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses

fáticas. Mormente no caso em apreço, no qual a desídia do ente estatal frente ao

comando judicial emitido pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por

em risco a vida da parte demandante.

5. Sendo certo, portanto, que o sequestro ou o bloqueio da verba necessária

à aquisição dos medicamentos objeto da tutela deferida no Juízo Singular,

mostra-se válida e legítima.

6. Frise-se, ainda que, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao

lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida

voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a

recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder

do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos

imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se

indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados

(AgRg no REsp n. 1.002.335-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.9.2008).

7. Não se deve olvidar, também, a prevalência da tutela ao direito subjetivo

à saúde sobre o interesse público, que, no caso, consubstancia-se na preservação

da saúde da demandante com o fornecimento dos medicamentos adequados,

em detrimento dos princípios do Direito Financeiro ou Administrativo. Vale

transcrever as disposições insertas nos arts. 6º e 196 da Carta Magna:

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação.

8. Não desconheço que há entendimentos judiciais não raras vezes

subordinando a efi cácia de princípios constitucionais ao implemento de normas

de hierarquia inferior, como que invertendo a famosa pirâmide kelseniana, ao

fazer com que a Constituição seja interpretada a partir de dispositivos que lhe

são subalternos; nessa prática judicial, se retira dos princípios constitucionais

a sua decantada força normativa e praticamente se os devolve à pretérita fase

positivista da exegese constitucional, que o mestre PAULO BONAVIDES

chama de velha hermenêutica (Curso de Direito Constitucional, São Paulo,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

44

Malheiros, 2008), quando os princípios eram considerados exteriores à

normatividade da Constituição.

9. Autores como o professor KONRAD HESSE (A Força Normativa da

Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Fabris, 1991) e

o professor NOBERTO BOBBIO (A Era dos Direitos, tradução Carlos Nelson

Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992), que elaboraram sofi sticado sistema

intelectual para a compreensão jurídica do poder normativo da Constituição,

tornam-se, nesse ambiente, meros propositores de abstracionismos ou de ideias

generosas, mas vazias, promessas sonoras, mas improváveis e frases pomposas

que não passam de sons inúteis.

10. Tenho afirmado, em várias oportunidades, que a interpretação

constitucional não pode fi car a mercê de provimentos ordinários (As Normas

Escritas e os Princípios Jurídicos, Fortaleza, Curumin, 2005), tanto por causa da

sua supremacia, como já proclamava o Professor RAUL MACHADO HORTA

(Direito Constitucional, Belo Horizonte, DelRey, 1999), quanto por causa da

manifesta insufi ciência do quadro normativo para dar conta da complexa trama

social das relações jurídicas, consoante magistralmente revelado pelo Professor

LOURIVAL VILANOVA (As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito

Positivo, São Paulo, Max Limonad, 1997).

11. Corroborando o posicionamento ora esposado, trago à colação excerto

do voto condutor do acórdão proferido pela egrégia 1ª Turma, nos autos do REsp

n. 840.912-RS, de relatoria do ilustre Ministro Teori Zavascki, DJ de 23.4.2007,

que bem destacou o ponto constitucional da questão ora controvertida:

4. Todavia, o regime constitucional de impenhorabilidade dos bens públicos

e da submissão dos gastos públicos decorrentes de ordem judicial a prévia

indicação orçamentária deve ser conciliado com os demais valores e princípios

consagrados pela Constituição. Estabelecendo-se, entre eles, confl ito específi co

e insuperável, há de se fazer um juízo de ponderação para determinar qual dos

valores confl itantes merece ser específi ca e concretamente prestigiado. Ora, a

jurisprudência do STF tem enfatizado, reiteradamente, que o direito fundamental

à saúde prevalece sobre os interesses fi nanceiros da Fazenda Pública, a signifi car

que, no confronto de ambos, prestigia-se o primeiro em prejuízo do segundo. É o

que demonstrou o Min. Celso de Mello, em decisão proferida no RE n. 393.175, de

1º.2.2006 (transcrita no Informativo n. 414, do STF):

Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da

Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao

da presente causa (Pet n. 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade do

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 45

direito à vida e à saúde, que se qualifi ca como direito subjetivo inalienável

assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput

e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um

interesse fi nanceiro e secundário do Estado, entendo - uma vez confi gurado

esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma

só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à

saúde humanas.

Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo

à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à

generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz

bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve

velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular

- e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos

cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política -

que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano

institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA

JÚNIOR, ‘Comentários à Constituição de 1988’, vol. VIII/4.332-4.334, item

n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa

constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando

justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de

maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um

gesto irresponsável de infi delidade governamental ao que determina a

própria Lei Fundamental do Estado.

Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de

tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor

das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação

-, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade

viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição

da República.

O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no

contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma

das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe

ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá

por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem

providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da

determinação ordenada pelo texto constitucional.

Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos

direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua

afi rmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à

sua efi cácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, ‘Poder Constituinte e Poder

Popular’, p. 199, itens n. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

46

inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a

tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de

injustifi cável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso

a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à

realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes

impôs a própria Constituição.

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o

reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além

da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente

respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que

o direito - como o direito à saúde - se qualifi ca como prerrogativa jurídica

de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação

de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

Cumpre assinalar, fi nalmente, que a essencialidade do direito à saúde

fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de

relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a

legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas

hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de

respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a

efi cácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra

inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.

Todas essas razões levam-me a acolher a pretensão recursal deduzida

nos presentes autos, ainda mais se se considerar que o acórdão ora

recorrido diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial que o

Supremo Tribunal Federal firmou no exame da matéria em causa (RTJ

171/326-327, Rel. Min. Ilmar Galvão – AI n. 462.563-RS, Rel. Min. Carlos

Velloso – AI n. 486.816-AgR-RJ, Rel. Min. Carlos Velloso – AI n. 532.687-MG,

Rel. Min. Eros Grau – AI n. 537.237-PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence - RE n.

195.192-RS, Rel. Min. Marco Aurélio – RE n. 198.263-RS, Rel. Min. Sydney

Sanches – RE n. 237.367-RS, Rel. Min. Maurício Corrêa – RE n. 242.859-RS,

Rel. Min. Ilmar Galvão – RE n. 246.242-RS, Rel. Min. Néri da Silveira – RE n.

279.519-RS, Rel. Min. Nelson Jobim – RE n. 297.276-SP, Rel. Min. Cezar Peluso

– RE n. 342.413-PR, Rel. Min. Ellen Gracie – RE n. 353.336-RS, Rel. Min. Carlos

Britto – AI n. 570.455-RS, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.):

Paciente com HIV/AIDS. Pessoa destituída de recursos fi nanceiros.

Direito à vida e à saúde. Fornecimento gratuito de medicamentos.

Dever constitucional do Poder Público (CF, arts. 5º, caput, e 196).

Precedentes (STF). Recurso de agravo improvido.

O direito à saúde representa conseqüência constitucional

indissociável do direito à vida.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 47

- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa

jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela

própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico

constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de

maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e

implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a

garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o

acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-

hospitalar.

- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito

fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência

constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público,

qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da

organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao

problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por

censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.

A interpretação da norma programática não pode transformá-la em

promessa constitucional inconseqüente.

- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta

Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que

compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado

brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional

inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas

expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de

maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever,

por um gesto irresponsável de infi delidade governamental ao que

determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes.

- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de

distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive

àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos

fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196)

e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e

solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente

daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de

sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes

do STF.

(RTJ 175/1.212-1.213, Rel. Min. Celso de Mello)

5. Nessa linha de entendimento, deve-se concluir que em situações

de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o da

impenhorabilidade dos recursos da Fazenda, prevalece o primeiro sobre o

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

48

segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena

de grave comprometimento da saúde da demandante, não teria sentido algum

submetê-la ao regime jurídico comum, naturalmente lento, da execução por

quantia certa contra a Fazenda Pública. Assim, pode-se ter por legítima, ante a

omissão do agente estatal responsável pelo fornecimento do medicamento, a

determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação

do direito prevalente. Assinale-se que, no caso concreto, não se põe em dúvida a

necessidade e a urgência da aquisição do medicamento.

12. Ressalte-se, por fi m, que a medida necessária à efetivação da tutela

específi ca ou à obtenção do resultado prático equivalente, deve ser concedida

apenas em caráter excepcional, onde haja nos autos comprovação de que o Estado

não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e a

demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante.

13. As Turmas que compõem esta egrégia 1ª Seção já se manifestaram em

diversos julgados nessa mesma linha de entendimento, confi ram-se:

Administrativo. Recurso especial. Fornecimento de medicamentos. Arts. 461, §

5º, e 461-A do CPC. Bloqueio de valores. Possibilidade.

1. É possível o bloqueio de verbas públicas e a fi xação de multa (astreintes)

para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.

2. Recurso especial provido (REsp n. 1.058.836-RS, Rel. Min. Mauro Campbell,

DJe 1º.9.2008).

Processual Civil. Fornecimento de medicamentos. Análise de violação de artigo

da Constituição Federal. Inviabilidade. Bloqueio de valores em contas públicas.

Possibilidade.

1. É vedado ao STJ analisar violação de dispositivo constitucional, por se

tratar de competência reservada pela Constituição Federal ao Supremo Tribunal

Federal.

2. Possibilidade de bloqueio de valores em contas públicas para garantir o

fornecimento de medicamentos pelo Estado.

3. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 1.063.825-RS, Rel. Min.

Herman Benjamin, DJe 19.12.2008).

Processual Civil. Agravo regimental no recurso especial. Fornecimento de

medicamentos pelo Estado. Medidas executivas. Bloqueio de valores de verbas

públicas. Possibilidade (art. 461, § 5º, do CPC). Medida excepcional. Precedentes

do STJ. Desprovimento do agravo regimental.

1. O entendimento pacífico desta Corte Superior é no sentido de que é

possível ao juiz - de ofício ou a requerimento da parte -, em casos que envolvam o

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 49

fornecimento de medicamentos a portador de doença grave, determinar medidas

executivas para a efetivação da tutela, inclusive a imposição do bloqueio de

verbas públicas, ainda que em caráter excepcional.

2. Nesse sentido, os seguintes precedentes: EREsp n. 770.969-RS, 1ª Seção, Rel.

Min. José Delgado, DJ de 21.8.2006, p. 224; EREsp n. 787.101-RS, 1ª Seção, Rel. Min.

Luiz Fux, DJ de 14.8.2006, p. 258.

3. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 936.011-RS, Rel. Min. Denise

Arruda, DJe 12.5.2008).

Administrativo. Custeio de tratamento médico. Bloqueio de verbas públicas.

Possibilidade. Violação a dispositivos constitucionais. Apreciação. Impossibilidade.

I - O atual entendimento desta Colenda Primeira Turma é no sentido da

possibilidade do bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio

de tratamento médico ou fornecimento de medicamentos indispensáveis à

manutenção da saúde e da vida. Precedentes: EREsp n. 770.969-RS, Rel. Min.

José Delgado, Primeira Seção, DJ de 21.8.2006; EREsp n. 787.101-RS, Rel. Min. Luiz

Fux, Primeira Seção, DJ de 14.8.2006; REsp n. 832.935-RS, Rel. Min. Teori Albino

Zavascki, DJ de 30.6.2006.

II - Inviável a apreciação dos fundamentos adotados pelo STF na apreciação

da Suspensão de Tutela Antecipada - STA n. 91, seja porque tal argumentação

fora trazida apenas nesta sede regimental como verdadeira emenda à petição

de recurso especial, afrontando os Princípios da Preclusão, da Eventualidade

e da Complementaridade, seja porque tais fundamentos são de ordem

eminentemente constitucional, cujo exame é reservado ao Supremo Tribunal

Federal, não podendo esta Corte nesta sede especial sobre eles se manifestar

sequer a título de prequestionamento.

III - Agravo regimental improvido (AgRg na REsp n. 920.468-RS, Rel. Min.

Francisco Falcão, DJ 31.5.2007).

14. Da mesma forma, no âmbito desta egrégia 1ª Seção, porém, com

diversa composição dos pares, a matéria ora em debate já foi objeto de discussão,

como se vê da seguinte julgado, dentre outros:

Administrativo. Embargos de divergência em recurso especial. Preservação da

saúde e fornecimento de remédios. Bloqueio de verbas públicas. Possibilidade.

Art. 461, § 5º, do CPC. Inexistência do apontado dissenso pretoriano. Precedentes.

Embargos de divergência não-providos.

1. Em exame embargos de divergência manejados pelo Estado do Rio

Grande do Sul, em impugnação a acórdão que entendeu cabível o bloqueio de

verbas públicas em situações excepcionais, tais como a necessidade imediata

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

50

da preservação da saúde da pessoa humana, mediante o fornecimento de

medicação em caráter de urgência, sob risco de óbito do suplicante. O aresto

embargado, proferido pela 2ª Turma, tem a ementa seguinte (fl . 111):

Administrativo Processual Civil. Custeio de tratamento médico. Moléstia

grave. Bloqueio de valores em contas públicas. Possibilidade. Art. 461, caput

e § 5º do CPC.

1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica

e da tutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de

medidas coercitivas, chamadas na lei de “medidas necessárias”, que têm

como escopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas

tutelas.

2. As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas

da expressão “tais como”, o que denota o caráter não-exauriente da

enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado

a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de

cada caso concreto.

3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da

tutela ao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade

de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório

Excelso já decidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas

apenas para resguardar as exceções do art. 1º da Lei n. 9.494/1997.

4. O disposto no caput do artigo 100 da CF/1988 não se aplica aos

pagamentos de obrigações defi nidas em lei como de pequeno valor, de

modo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada em

julgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios.

5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedida

está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação das

normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a

vida.

6. Recurso especial improvido. (REsp n. 770.969-RS, DJ 3.10.2005, 2ª

Turma, Rel. Min. Castro Meira)

A título de paradigma, o Estado requerente indicou o REsp n. 766.480-RS, o

qual, segundo alega, dispõe não ser possível o seqüestro de dinheiro ou de outros

bens públicos. Confi ra-se:

Processual Civil. Tutela antecipada. Meios de coerção ao devedor (CPC,

arts. 273, § 3º e 461, § 5º). Fornecimento de medicamentos pelo Estado.

Bloqueio de verbas públicas. Impossibilidade.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 51

1. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa

diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de

medida antecipatória ou de sentença defi nitiva de obrigação de fazer ou

entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461A do CPC. Nesse sentido é

a jurisprudência do STJ, como se pode verifi car, por exemplo, nos seguintes

precedentes: AgRg no Ag n. 646.240-RS, 1ª T., Min. José Delgado, DJ de

13.6.2005; REsp n. 592.132-RS, 5ª T., Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de

16.5.2005; AgRg no REsp n. 554.776-SP, 6ª T., Min. Paulo Medina, DJ de

6.10.2003; AgRg no REsp n. 718.011-TO, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de

30.5.2005.

2. Todavia, não se pode confundir multa diária (astreintes), com bloqueio

ou seqüestro de verbas públicas. A multa é meio executivo de coação,

não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade

do demandado a fi m de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação

decorrente da decisão judicial. Já o seqüestro (ou bloqueio) de dinheiro é

meio executivo de sub-rogação, adequado a obrigação de pagar quantia,

por meio do qual o Judiciário obtém diretamente a satisfação da obrigação,

independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado.

3. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar

quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de

entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100

da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem

de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução

direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer

outro bem público, que são impenhoráveis.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.

(REsp n. 766.480-RS, DJ 3.10.2005, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki)

2. Em situações reconhecidamente excepcionais, tais como a que se refere ao

urgente fornecimento de medicação, sob risco de perecimento da própria vida,

a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é reiterada no sentido do

cabimento do bloqueio de valores diretamente na conta corrente do Ente Público.

3. Com efeito, o art. 461, § 5º, do CPC ao referir que o juiz poderá, de ofício ou

a requerimento da parte, para a efetivação da tutela específi ca ou para obtenção

do resultado prático equivalente, “determinar as medidas necessárias, tais como

a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de

pessoas ou cousas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva,

se necessário com requisição de força policial”, apenas previu algumas medidas

cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. De tal

maneira, é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado,

buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

52

vista o fi m da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses

fáticas. É possível, pois, em casos como o presente, o bloqueio de contas públicas.

4. Tal como se evidencia, não há divergência jurisprudencial a ser dirimida, ao

contrário, como restou demonstrado, o acórdão embargado está em absoluta

sintonia com o entendimento aplicado à questão por este Superior Tribunal

de Justiça, que admite, em situações excepcionais, o bloqueio direto de verbas

públicas.

5. No caso, a autorização excepcional para o bloqueio de valores públicos

objetivou o fornecimento de medicação, em caráter de urgência, à parte

suplicante, sob pena de comprometimento da própria vida.

6. Embargos de divergência não-providos (EREsp n. 770.969-RS, Rel. Min. José

Delgado, DJ 21.8.2006).

15. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, a fi m de anular

o acórdão recorrido, restabelecendo a decisão do Juízo de Primeiro Grau que

determinou o bloqueio de verbas públicas como medida coercitiva para o devido

cumprimento da obrigação de fornecer o medicamento à ora recorrente.

16. Por tratar-se de Recurso Representativo da Controvérsia, sujeito ao

procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após

a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros

dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como

aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fi ns de cumprimento do disposto

no parágrafo 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5º, II, e 6º da

Resolução n. 8/2008 do STJ). É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.343.591-MA (2012/0190792-4)

Relator: Ministro Og Fernandes

Recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis - Ibama

Procurador: José Cândido de Carvalho Junior e outro(s)

Recorrido: J A de Souza Madeiras Ltda

Advogado: Sem representação nos autos

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 53

EMENTA

Direito Público. Recurso especial representativo de controvérsia.

Execução fi scal. Arquivamento. Art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ibama.

Autarquia federal. Procuradoria-Geral Federal. Inaplicabilidade.

1. Ao apreciar o Recurso Especial n. 1.363.163-SP (Rel.

Ministro Benedito Gonçalves, DJe 30.9.2013), interposto pelo

Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo

- Creci - 2ª Região, a Primeira Seção entendeu que a possibilidade de

arquivamento do feito em razão do diminuto valor da execução a que

alude o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 destina-se exclusivamente aos

débitos inscritos como Dívida Ativa da União, pela Procuradoria da

Fazenda Nacional ou por ela cobrados.

2. Naquela assentada, formou-se a compreensão de que o

dispositivo em comento, efetivamente, não deixa dúvidas de que o

comando nele inserido refere-se unicamente aos débitos inscritos na

Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$

10.000,00 (dez mil reais).

3. Não se demonstra possível, portanto, aplicar-se, por analogia,

o referido dispositivo legal às execuções fi scais que se vinculam a

regramento específi co, ainda que propostas por entidades de natureza

autárquica federal, como no caso dos autos.

4. Desse modo, conclui-se que o disposto no art. 20 da Lei n.

10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos das autarquias

federais cobrados pela Procuradoria-Geral Federal.

5. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento

da execução fi scal. Acórdão submetido ao regime estatuído pelo art.

543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.

Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

54

Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves

Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin.

Compareceu à sessão, o Dr. Luis Augusto Moreira Iannini, pelo recorrente.

Brasília (DF), 11 de dezembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Presidente

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 18.12.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial interposto pelo

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis -

Ibama, com base na alínea a do permissivo constitucional, com vistas à reforma

de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim

ementado (e-fl . 31):

Tributário e Processual Civil. Execução fiscal. Débito de pequeno valor.

Arquivamento do feito sem baixa na distribuição (Lei n. 10.522/2002, art. 10).

Autarquias. Aplicabilidade. Orientação jurisprudencial pacifi cada.

I – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior

Tribunal de Justiça, inclusive sob o regime de recursos repetitivos, é no sentido

de que “as execuções fi scais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00

(dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.

Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação conferida pelo

artigo 21 da Lei n. 11.033/2004” (REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira,

Primeira Seção, julgado em 13.5.2009, DJe 25.5.2009), aí inseridos os executivos

fi scais movidos pelas autarquias federais, como no caso.

II – Encontrando-se a decisão agravada em sintonia com esse entendimento,

poderá o Relator negar seguimento ao recurso, nos termos do art. 557, caput, do

CPC.

III – Agravo regimental desprovido.

Alega o recorrente, em síntese, que “(...) o art. 20 da Lei n. 10.522/2002

não pode ser aplicado no presente caso, pois aqui o crédito é do Ibama, e não

da União. Da mesma maneira, esse crédito não compõe a dívida ativa da União,

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 55

mas sim do próprio Ibama. E, por fi m, não houve qualquer requerimento da

Procuradoria Federal do Ibama, ou do Advogado-Geral da União, no sentido de

se determinar o arquivamento, sem baixa na distribuição” (e-fl . 47).

Acrescenta que “(...) não estão envolvidas aqui apenas questões fi nanceiras,

mas sim valores outros, como os educativos, disciplinadores de condutas

administrativas que são vedadas pela legislação de regência de certas atividades

e que o legislador escolheu como passíveis de punição com multas fi nanceiras”

(e-fl . 47).

Em conclusão, assevera que “a interpretação adotada pelo acórdão

recorrido além de não conter fundamentação legal própria, já que não podem ser

disciplinadas pelo art. 20 da Lei n. 10.522/2002, se revela inadequada, quando

o objeto da execução são multas administrativas de qualquer natureza” (e-fl . 48).

Não foram ofertadas contrarrazões (e-fl . 52).

O apelo foi admitido na origem e indicado como representativo de

controvérsia (e-fl . 53), o que foi mantido nesta Corte por decisão do então

Relator, em. Ministro Castro Meira (e-fl s. 78-80).

O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da

República Dr. Flávio Giron, opina pelo não conhecimento do recurso ou por

seu desprovimento (e-fl s. 72-74).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Registre-se, inicialmente, que,

embora não haja recorrência da matéria, a objetividade da questão e os diferentes

entendimentos trazidos pelos Tribunais Regionais Federais justificam sua

análise sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.

A questão é esta: o arquivamento dos autos, sem baixa na distribuição, nos

termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 deve ser estendido aos executivos fi scais

movidos pelas autarquias federais, a exemplo daqueles ajuizados pelo Ibama

para cobrança de multa por infração ambiental?

Para melhor compreensão do que fi cou decidido na origem, transcrevo o

voto condutor do acórdão recorrido (e-fl s. 33-35):

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Trata-se de agravo regimental interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama contra decisão desta

Relatoria, negando seguimento ao agravo de instrumento por ela interposto, nos

termos do art. 557, caput, do CPC, e do art. 29, XXIV, do Regimento Interno deste

Tribunal, sob o fundamento de que o decisum nele impugnado – arquivamento

provisório de execução fi scal nos termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 sob

o fundamento de que o valor do débito exeqüendo é inferior ao limite ali

estabelecido – estaria em perfeita sintonia com o entendimento jurisprudencial

de nossos tribunais sobre a matéria.

Em suas razões recursais, insiste a recorrente na alegação de que o dispositivo

legal em referência se aplicaria, apenas, aos créditos inscritos na Dívida Ativa da

União, não se estendendo às suas autarquias e fundações públicas.

Este é o relatório.

Em que pesem os fundamentos deduzidos pela recorrente, não prospera

a pretensão recursal por ela postulada, na medida em que não conseguem

infi rmar as razões em que se amparou a decisão hostilizada, que, amparando-se

no entendimento jurisprudencial já cristalizado no âmbito do colendo Superior

Tribunal de Justiça sobre a matéria, negou seguimento ao recurso de agravo, na

forma autorizada no art. 557, caput, do CPC, e do art. 29, XXIV, do RITRF 1ª Região.

Com efeito, acerca da matéria impugnada nos autos do agravo de instrumento

em referência – arquivamento provisório de execução fi scal nos termos do art. 20

da Lei n. 10.522/2002 sob o fundamento de que o valor do débito exeqüendo é

inferior ao limite ali estabelecido –, o entendimento jurisprudencial do colendo

Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, inclusive, no regime dos recursos

repetitivos, a que alude o art. 543-C do CPC, in verbis:

Tributário. Execução fi scal. Pequeno valor. Arquivamento do feito sem

baixa na distribuição. Recurso submetido ao procedimento do art. 543-C do

CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.

1. As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$

10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na

distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação

conferida pelo artigo 21 da Lei n. 11.033/2004.

2. Precedentes: EREsp n. 669.561-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de

1º.8.2005; EREsp n. 638.855-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU

de 18.9.2006; EREsp 670.580-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de

10.10.2005; REsp n. 940.882-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de

21.8.2008; RMS n. 15.372-SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 5.5.2008;

REsp n. 1.087.842, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 13.4.2009; REsp n.

1.014.996-SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 12.3.2009; EDcl no REsp n.

906.443-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.3.2009; REsp n. 952.711-SP, Rel. Min.

Mauro Campbell Marques, DJe de 31.3.2009.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 57

3. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento

do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.

4. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado

em 13.5.2009, DJe 25.5.2009).

Como visto, a controvérsia instaurada nestes autos já se encontra

defi nitivamente resolvida, no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça,

inclusive, sob o regime dos recursos repetitivos, sendo a referida orientação

jurisprudencial aplicável, também, nas hipóteses de execuções fi scais ajuizadas

por autarquias, como no caso, conforme consignou o eminente Ministro Hamilton

Carvalhido, por ocasião do julgamento do REsp n. 945.488-SP, in verbis:

Averbe-se, em remate, que o dispositivo legal invocado aplica-se às

autarquias tais como a ora recorrente, como se depreende, ad exemplum,

das recentes decisões monocráticas proferidas nesta Corte Superior de

Justiça, todas envolvendo Conselhos Regionais de atividades profi ssionais:

REsp n. 1.160.789-SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, in DJe

29.10.2009; REsp n. 1.039.881-SP, Relator Ministro Luiz Fux, in DJe 4.3.2009;

REsp n. 1.089.568-SP, Relator Ministro Castro Meira, in DJe 18.2.2009; REsp

n. 1.003.174-SP, Relator Ministro Humberto Martins, in DJe 15.4.2008; REsp

n. 1.039.528-SP, Relator Ministro Francisco Falcão, in DJe 14.4.2008 e REsp n.

969.369-SP, Relator Ministro José Delgado, in DJ 30.8.2007 (AgRg no AgRg

no REsp n. 945.488-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma,

julgado em 10.11.2009, DJe 26.11.2009).

Com estas considerações, nego provimento ao presente agravo regimental.

Muito já se discutiu nesta Corte a respeito da interpretação do art. 20 da

Lei n. 10.522/2002, advento da conversão da MPv n. 2.176-79/2001, que possui

o seguinte teor, com a redação da Lei n. 11.033/2004:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do

Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fi scais de débitos inscritos

como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela

cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

§ 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando

os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.

§ 2º Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda

Nacional, as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à

Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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§ 3º O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição

para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

§ 4º No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma

do art. 28 da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, para os fi ns de que trata

o limite indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos

consolidados das inscrições reunidas.

Ao julgar o REsp n. 1.111.982-SP, a Primeira Seção, chancelando o

voto proferido pelo Ministro Castro Meira, decidiu que o caráter irrisório da

execução fi scal (débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 – dez mil reais) não

determina a extinção do processo sem resolução do mérito. Impõe-se, a teor da

norma, apenas o arquivamento do feito, sem baixa na distribuição.

Veja-se a ementa do precedente:

Tributário. Execução fi scal. Pequeno valor. Arquivamento do feito sem baixa

na distribuição. Recurso submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da

Resolução STJ n. 8/2008.

1. As execuções fi scais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00

(dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.

Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação conferida pelo artigo

21 da Lei n. 11.033/2004.

2. Precedentes: EREsp n. 669.561-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 1º.8.2005;

EREsp n. 638.855-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 18.9.2006; EREsp

n. 670.580-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 10.10.2005; REsp n. 940.882-

SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 21.8.2008; RMS n. 15.372-SP, Rel.

Min. Humberto Martins, DJe de 5.5.2008; REsp n. 1.087.842, Rel. Min. Benedito

Gonçalves, DJe de 13.4.2009; REsp n. 1.014.996-SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de

12.3.2009; EDcl no REsp n. 906.443-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.3.2009; REsp n.

952.711-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 31.3.2009.

3. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento do art.

543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.

4. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em

13.5.2009, DJe 25.5.2009)

Já no julgamento do REsp n. 1.102.554-MG, também da relatoria

do Ministro Castro Meira, a Primeira Seção reconheceu a possibilidade de

decretação de prescrição intercorrente nas execuções fi scais arquivadas em razão

do pequeno valor do crédito se ultrapassados 5 anos da decisão que ordena o

arquivamento.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 59

É este o teor da ementa lavrada:

Processual Civil. Art. 535 do CPC. Omissão. Inexistência. Tributário. Execução

fiscal. Arquivamento. Art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Baixo valor do crédito

executado. Prescrição intercorrente. Art. 40, § 4º, da LEF. Aplicabilidade.

1. A omissão apontada acha-se ausente. Tanto o acórdão que julgou a apelação

como aquele que examinou os embargos de declaração manifestaram-se

explicitamente sobre a tese fazendária de que a prescrição intercorrente somente

se aplica às execuções arquivadas em face da não localização do devedor ou de

bens passíveis de penhora, não incidindo sobre o arquivamento decorrente do

baixo valor do crédito. Prejudicial de violação do art. 535 do CPC afastada.

2. Ainda que a execução fi scal tenha sido arquivada em razão do pequeno

valor do débito executado, sem baixa na distribuição, nos termos do art. 20 da

Lei n. 10.522/2002, deve ser reconhecida a prescrição intercorrente se o processo

fi car paralisado por mais de cinco anos a contar da decisão que determina o

arquivamento, pois essa norma não constitui causa de suspensão do prazo

prescricional. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.

3. A mesma razão que impõe à incidência da prescrição intercorrente quando

não localizados o devedor ou bens penhoráveis – impedir a existência de

execuções eternas e imprescritíveis –, também justifi ca o decreto de prescrição

nos casos em que as execuções são arquivadas em face do pequeno valor dos

créditos executados.

4. O § 1º do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 - que permite sejam reativadas as

execuções quando ultrapassado o limite legal – deve ser interpretado em conjunto

com a norma do art. 40, § 4º, da LEF – que prevê a prescrição intercorrente -, de

modo a estabelecer um limite temporal para o desarquivamento das execuções,

obstando assim a perpetuidade dessas ações de cobrança.

5. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do

CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.

(REsp n. 1.102.554-MG, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em

27.5.2009, DJe 8.6.2009)

Faço uma pausa para uma observação: em ambas as hipóteses relatadas,

a União, representada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, compôs o polo

ativo da ação.

Enfi m, ao apreciar o REsp n. 1.363.163-SP, interposto pelo Conselho

Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo - Creci - 2ª Região,

a Primeira Seção entendeu que a possibilidade de arquivamento do feito em

razão do diminuto valor da execução a que alude o art. 20 da Lei n. 10.522/2002

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

60

destina-se exclusivamente aos débitos inscritos como Dívida Ativa da União,

pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados.

Isso porque não se pode, por analogia, aplicar o referido dispositivo legal

aos Conselhos de Fiscalização Profi ssional, que se vinculam a regramento

específi co, ainda que tenham essas entidades natureza autárquica.

Nesse caso, oportuno conferir a integralidade do voto do Relator, Ministro

Benedito Gonçalves, cuja eloquente fundamentação serve de subsídio para a

hipótese em apreço:

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de aplicação do artigo 20, da Lei

n. 10.522/2002 às execuções fi scais propostas pelos Conselhos Regionais de

Fiscalização Profi ssional.

Conforme relatado, no apelo especial, o recorrente afi rma, em síntese, que

não é possível a aplicação do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 às execuções fi scais

propostas pelos conselhos de fi scalização profi ssional, tendo em vista que se

refere exclusivamente aos débitos da União, inscritos em dívida ativa pela Fazenda

Nacional. Alega, ainda, que o arquivamento deve ser feito exclusivamente a

requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, e não por iniciativa direta do

Judiciário, sendo clara a discricionariedade do executivo para decidir a respeito do

prosseguimento ou não do feito, discricionariedade esta que deve ser estendida

aos Conselhos Profi ssionais.

O acórdão recorrido manteve a decisão de primeira instância que determinou

o arquivamento sem baixa da execução fiscal, até que atinja o valor de R$

10.000,00 (dez mil reais), ainda que se trate de execução fiscal proposta por

Conselho Regional de Fiscalização Profissional, ao argumento de que esse é

o entendimento desta Corte. Para embasar sua conclusão, citou os seguintes

precedentes: AgRg no AgRg no REsp n. 945.488-SP, Primeira Turma, Relator: Min.

Hamilton Carvalhido, DJ 12.11.2009; e REsp n. 1.157.454-SP, Primeira Turma, Rel.

Min. Luiz Fux, DJ 18.8.2010).

A solução da controvérsia, a meu ver, não demanda grandes debates, podendo

ser extraída do exame do conteúdo do dispositivo legal cuja aplicação se discute,

verbis (grifos apostos):

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante

requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções

fi scais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-

Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado

igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei n.

11.033, de 2004)

§ 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados

quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 61

§ 2º Serão extintas as execuções que versem exclusivamente sobre

honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a 100 Ufi rs

(cem Unidades Fiscais de Referência).

Da simples leitura do artigo em c omento, verifica-se que a determinação

nele contida destina-se exclusivamente ao débitos inscritos como dívida ativa da

União, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados.

A possibilidade/necessidade de arquivamento do feito em razão do valor da

execução fi scal foi determinada mediante critérios específi cos dos débitos de

natureza tributária cuja credora é a União, dentre os quais os custos gerados

para a administração pública para a propositura e o impulso de demandas dessa

natureza, em comparação com os benefícios pecuniários que poderão advir de

sua procedência.

Desta forma, não há falar em aplicação, por analogia, do referido dispositivo

legal aos Conselhos de Fiscalização Profi ssional, ainda que se entenda que as

mencionadas entidades tenham natureza de autarquias.

Com efeito, tal equiparação não pode servir para que sejam aplicadas aos

Conselhos regras destinadas a um ente público específi co (União) e a débitos de

natureza exclusivamente tributária.

Conclusão semelhante a que ora se propõe foi sedimentada pela Primeira

Seção, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo de n. 1.338.247-

RS, no qual se decidiu que “embora ostentem natureza jurídica de entidades

autárquicas, não gozam de isenção quanto ao recolhimento de custas e do porte

de remessa e retorno, tendo em vista a previsão contida no art. 4º, parágrafo

único, da Lei n. 9.289/1996, que prevalece sobre as demais (arts. 27 e 511 do CPC;

e art. 39 da Lei n. 6.830/1980)”.

A respeito da situação específica dos autos, destaco, ainda, que há regra

específica destinada às execuções fiscais propostas pelos Conselhos de

Fiscalização Profi ssional, prevista pelo artigo 8º da Lei n. 12.514/2011, a qual pelo

Princípio da Especialidade, deve ser aplicada no caso concreto.

Eis o teor do referido dispositivo (grifos apostos):

Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes

a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da

pessoa física ou jurídica inadimplente.

Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de

medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação

da ética ou a suspensão do exercício profi ssional.

Esse dispositivo, diferentemente daquele aplicado pela Corte de origem,

leva em consideração as especifi cidades e parâmetros referentes aos Conselhos

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

62

de fi scalização, mormente os valores cobrados a título de anuidade, para que

se identifi quem as situações em que o custo da movimentação do judiciário

seria maior do que o direito pecuniário pleiteado, de modo a “impedir” o

prosseguimento da demanda.

Neste sentido, a submissão dos Conselhos de fiscalização profissional ao

regramento do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 confi gura, em última análise,

vedação ao direito de acesso ao poder judiciário e obtenção da tutela jurisdicional

adequada, assegurados constitucionalmente, uma vez que cria obstáculo

desarrazoado para que as entidades em questão efetuem as cobranças de valores

aos quais têm direito.

Sob esse prisma, a imposição de difi culdades para a cobrança judicial das

contribuições, as quais, difi cilmente, atingiriam a quantia mínima para o manejo

da ação executiva, poderia até mesmo prejudicar a realização das atividades

dos Conselhos, uma vez que tais contribuições recebidas dos profi ssionais são,

sabidamente, a maior fonte de receita das referidas entidades.

Em razão de todas essas considerações, e com a devida vênia aos precedentes

em sentido contrário, entendo que não se pode aplicar à presente hipótese a

conclusão da Primeira Seção, tomada no julgamento do Recurso Especial de n.

1.111.982-SP, sob o regime do artigo 534-C do CPC.

Isto porque, naquele feito, no qual se pacificou a orientação de que as

execuções fi scais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil

reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição, foi debatida

a interpretação do já mencionado artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, em caso

específico de execução fiscal promovida pela Fazenda Nacional referente

a débito inscrito em dívida ativa pela União, sem se discutir acerca da

possibilidade de aplicação de tal determinação às demandas propostas pelos

Conselhos Regionais.

Por outro lado, nos precedentes citados pelo acórdão embargado também

não foi realizado o referido debate.

Por fi m, em razão da conclusão pelo afastamento da aplicação do artigo 20,

da Lei n. 10.522/2002 às execuções fi scais propostas pelos Conselhos regionais

de fi scalização, entendo que fi ca prejudicada a discussão referente à necessidade

de que o arquivamento do feito seja realizado exclusivamente a requerimento do

Procurador da Fazenda Nacional.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para que, em razão da

inaplicabilidade do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 ao caso concreto, prossiga a

execução fi scal.

Voltemos ao art. 20, caput, da Lei n. 10.522/2002:

Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do

Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 63

inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda

Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$

10.000,00 (dez mil reais).

Efetivamente, o dispositivo em comento não deixa dúvidas de que o

comando nele inserido refere-se unicamente aos débitos inscritos na Dívida

Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela

cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Em complementação, cabe mencionar que a Portaria MF n. 75, de 22 de

março de 2012, a qual dispõe sobre a inscrição de débitos na Dívida Ativa da

União e o ajuizamento de execuções fi scais pela Procuradoria-Geral da Fazenda

Nacional, autoriza, no seu art. 2º (com a redação conferida pela MF n. 30/2012),

o Procurador da Fazenda Nacional a requerer o arquivamento, sem baixa na

distribuição, das execuções fi scais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor

consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que

não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.

No entanto, a presente execução fi scal foi ajuizada pelo Ibama – autarquia

federal criada pela Lei n. 7.735/1989, dotada de personalidade jurídica de

direito público, autonomia administrativa e fi nanceira, vinculada ao Ministério

do Meio Ambiente – e subscrita pela Procuradora Federal ofi ciante, com o

desiderato de obter o pagamento de multa, no valor de R$ 4.941,25 (quatro mil

novecentos e quarenta e um reais e vinte e cinco centavos), aplicada por infração

ao meio ambiente relativa ao transporte de madeira sem licença obrigatória.

A Lei n. 10.480/2002, ao criar a Procuradoria-Geral Federal, órgão

vinculado à Advocacia-Geral da União, atribuiu-lhe (art. 10) a “representação

judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as respectivas

atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a apuração da liquidez

e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades,

inscrevendo-os em dívida ativa, para fi ns de cobrança amigável ou judicial”.

A Lei n. 11.098/2005 acrescentou os seguintes parágrafos ao art. 10 da Lei

n. 10.480/2002:

§ 11. As Procuradorias Federais não especializadas e as Procuradorias Regionais

Federais, as Procuradorias Federais nos Estados e as Procuradorias Seccionais

Federais poderão assumir defi nitivamente as atividades de representação judicial

e extrajudicial das autarquias e das fundações públicas federais de âmbito

nacional.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

64

§ 12. As Procuradorias Federais não especializadas e as Procuradorias Regionais

Federais, as Procuradorias Federais nos Estados e as Procuradorias Seccionais

Federais poderão ainda centralizar as atividades de apuração da liquidez e certeza

dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às atividades das autarquias e

fundações públicas federais, incluindo as de âmbito nacional, inscrevendo-os em

dívida ativa, para fi ns de cobrança amigável ou judicial, bem como as atividades

de consultoria e assessoramento jurídico delas derivadas.

§ 13. Nos casos previstos nos §§ 11 e 12 deste artigo, as respectivas autarquias

e fundações públicas federais darão o apoio técnico, fi nanceiro e administrativo à

Procuradoria-Geral Federal até a sua total implantação.”

E a Lei n. 11.457/2007, assim dispôs no seu art. 22:

Art. 22. As autarquias e fundações públicas federais darão apoio técnico,

logístico e financeiro, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses a partir da

publicação desta Lei, para que a Procuradoria-Geral Federal assuma, de forma

centralizada, nos termos dos §§ 11 e 12 do art. 10 da Lei n. 10.480, de 2 de julho de

2002, a execução de sua dívida ativa.

Ademais, por força do art. 12 da Lei Complementar n. 73/1973 e do art. 1º

da Decreto-Lei n. 147/1967, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional efetua

a cobrança dos créditos inscritos em Dívida Ativa da União, tributários ou não

tributários.

Na página virtual da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional consta

relação de diversos órgãos da Administração Pública Federal cujos créditos são

por ela cobrados: Caixa Econômica Federal, Departamento de Polícia Federal,

Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Federal, Justiça Militar, Ministério

da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Defesa, Ministério da

Defesa, Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,

Ministério do Trabalho e Emprego, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,

Secretaria da Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional e

Tribunal Marítimo.

Verifi ca-se que são distintas as atribuições da Procuradoria-Geral Federal

e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, razão pela qual não se pode

equipará-las para os fi ns do art. 20 da Lei n. 10.522/2002.

Nas execuções fiscais propostas pela Procuradoria-Geral Federal, a

dispensa de inscrição e o não ajuizamento de ações para a cobrança do crédito

encontram-se subordinados à autorização do Advogado-Geral da União e do

enquadramento em uma das hipóteses previstas na Lei n. 9.469/1997.

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 65

Oportuno conferir a letra da lei, sobretudo o que dispõe o art. 1º-A da

Lei n. 9.469/1997, incluído pela Lei n. 11.941/2009, suplantando de vez a

controvérsia:

Art. 1º-A. O Advogado-Geral da União poderá dispensar a inscrição de crédito,

autorizar o não ajuizamento de ações e a não-interposição de recursos, assim

como o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos

respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos da União e das autarquias

e fundações públicas federais, observados os critérios de custos de administração

e cobrança.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à Dívida Ativa da

União e aos processos em que a União seja autora, ré, assistente ou opoente cuja

representação judicial seja atribuída à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

De passagem, cabe mencionar a antiga redação do art. 1º da Lei n.

9.469/1997:

O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das

fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de

acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor

até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não-propositura de ações e a não-

interposição de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em

curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos,

atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), em que interessadas

essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições

aqui estabelecidas.

Ao que parece, restou corroborada a assertiva do recorrente no sentido de

que outros são os alcances das sanções aplicadas por estas autarquias federais

– fi nalidade preventiva, punitiva, exemplifi cativa, educativa e social –, fruto

do exercício do poder de polícia, aqui ambiental e voltado à preservação do

patrimônio natural.

Em suma: o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos

das autarquias federais cobrados pela Procuradoria-Geral Federal.

Assim, merece reforma o acórdão recorrido ao manter a decisão do Juiz

federal de primeira instância que determinou o arquivamento do feito, sem baixa

na distribuição, equivocadamente com base no art. 20 da Lei n. 10.522/2002.

Fica prejudicada a discussão acerca do arquivamento ex offi cio da ação

executiva pelo Magistrado.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

66

Por todo o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar o

prosseguimento da execução fi scal.

Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ

n. 8/2008.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.352.791-SP (2012/0234237-3)

Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF

Recorrido: Manoel Alves dos Santos

Advogado: Sibeli Stelata de Carvalho

EMENTA

Previdenciário. Recurso especial representativo de controvérsia.

Aposentadoria por tempo de serviço. Averbação de trabalho rural com

registro em carteira profi ssional para efeito de carência. Possibilidade.

Alegação de ofensa ao art. 55, § 2º, e 142 da Lei n. 8.213/1991. Não

ocorrência. Recurso especial improvido.

1. Caso em que o segurado ajuizou a presente ação em face do

indeferimento administrativo de aposentadoria por tempo de serviço,

no qual a autarquia sustentou insufi ciência de carência.

2. Mostra-se incontroverso nos autos que o autor foi contratado

por empregador rural, com registro em carteira profi ssional desde

1958, razão pela qual não há como responsabilizá-lo pela comprovação

do recolhimento das contribuições.

3. Não ofende o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.213/1991 o

reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural

registrado em carteira profi ssional para efeito de carência, tendo

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 67

em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes

previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio

do fundo de assistência e previdência rural (Funrural).

4. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art.

543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por

maioria, vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler, negar provimento ao recurso

especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Herman

Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Mauro Campbell

Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Eliana Calmon votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Sustentou, oralmente, a Dra. Heloísa Maria Gomes Pereira, pelo recorrente.

Brasília (DF), 27 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator

DJe 5.12.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso especial

manifestado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS com base no art. 105,

III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da

3ª Região assim ementado (fl s. 108-109e):

Embargos de declaração. Aposentadoria por tempo de serviço. Atividade

como rurícola. Vínculos empregatícios registrados em CTPS. Art. 55, § 2º, Lei n.

8.213/1991.

- No caso de averbação de tempo de trabalho rural com vistas à obtenção de

aposentadoria por tempo de serviço no mesmo regime de previdência a que o

segurado sempre foi vinculado, não é exigível o recolhimento das contribuições,

relativamente ao período de labuta como rurícola anteriormente à entrada em

vigor da Lei n. 8.213/1991, desde que cumprida a carência, como ocorrido no caso

dos autos. Precedentes.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

68

- A situação em apreço não se identifica com a do trabalhador rural que

desenvolvia seu mister como “diarista”, quer-se dizer, aquele que, a cada dia,

exercia atividade campestre em local diferente, via de regra, arregimentado em

praças pública, casas do trabalhador ou outros logradouros quaisquer, de comum

conhecimento dos moradores da localidade, por parte dos chamados “gatos”

(mediadores entre os proprietários rurais e os rurícolas propriamente ditos).

Não obstante, o próprio Instituto Previdenciário tem o bóia-fria como segurado

empregado, de acordo com as Instruções Normativas INSS/DC n. 68/2002 (art. 27),

71/2002 (alínea c, inc. I, art. 40) e 95/2003 (alínea c, I, art. 2º).

- De forma semelhante, não se confunde com a hipótese daqueles pequenos

proprietários que, juntamente com o núcleo familiar, exploravam a terra

(segurados especiais) e dela obtinham seu sustento.

- Efetivamente, o recorrido foi empregado rural, segundo vínculos em CTPS.

- Como tal, o regramento de regência da espécie conferiu-lhe qualidade

de segurado/benefi ciário (Lei n. 4.214/1973, Decreto n. 53.154/1963, Decreto-

Lei n. 276/1967, Lei Complementar n. 11/1971, Decreto n. 69.919/1972 e Lei

Complementar n. 16/1973, afora a Lei n. 8.213/1991).

- Sob outro aspecto, o quesito relativo à tabela do art. 142 do regramento

ordinário restou satisfeito.

- Embora não houvesse previsão para aposentadoria por tempo de serviço aos

rurícolas na Lei Complementar n. 11/1971, a Lei n. 8.213/1991 viabilizou também

a essa classe de segurados a benesse em voga (arts. 52 e seguintes).

- Embargos de declaração parcialmente providos apenas para acrescer razões

ao aresto.

Sustenta o recorrente violação ao art. 55, § 2º, e 142, ambos da Lei n.

8.213/1991, e ao art. 333, I, do CPC, asseverando que o segurado não se

desincumbiu de provar o cumprimento do requisito de carência, bem como que

“o tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei n. 8.231/1991 não pode

ser computado para fi ns de carência, sendo que a aposentadoria por tempo de

serviço exige o cumprimento da carência prevista no artigo 142” (fl . 114e).

Segundo defende, a parte autora, na data da entrada do requerimento

administrativo, somente havia recolhido 90 contribuições, no entanto, de acordo

com a regra de transição do art. 142 da Lei de Benefícios, são exigidos 102

recolhimentos à Previdência Social.

Aduz que as anotações em carteira profi ssional relativas aos contratos de

trabalho nos períodos de 10/1962 a 3/1987 e de 4/1990 a 3/1991 não podem

ser computados para vinculação ao Regime Geral da Previdência Social -

RGPS, pois se referem a vínculos de trabalhador rural, cujos recolhimentos

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 69

eram destinados ao Fundo de Assistência ao Trabalhador rural (Funrural) e ao

Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural), nos moldes previstos

nas Leis Complementares n. 11/1971 e 16/1973.

Contrarrazões às fl s. 125-127e.

O Tribunal Regional, constatando haver multiplicidade de recursos, na

origem, com fundamento nessa questão de direito, selecionou este e o REsp n.

1.352.874-SP, com fundamento no § 1º do art. 543-C do CPC e no art. 1º da

Resolução n. 8/2008 do STJ (fl s. 132-133e).

Em decisão de fl s. 144-145e recebi o presente feito a fi m de analisar a

controvérsia. E quanto ao REsp n. 1.352.874-SP, para evitar reiterações de

teses sob o rito do processo repetitivo, determinei o seu sobrestamento até o

julgamento destes autos.

O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pela

Subprocuradora-Geral da República Gilda Pereira de Carvalho, opinou pelo

provimento do recurso especial, em parecer assim ementado (fl s. 151-155e):

Ementa. Recurso especial. Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço.

Averbação de tempo de serviço rural. Carência.

1. O artigo 55, § 2º, da Lei n. 8.213/1991 veda a utilização do tempo de serviço

do segurado trabalhador prestado antes da vigência da Lei n. 8.213/1991 para

efeito de cumprimento da carência prevista no artigo 142 do mesmo diploma.

Precedentes do STJ.

2. Tratando-se de segurado que, mediante averbação de tempo de serviço

rural anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991, visa à obtenção de aposentadoria

por tempo de serviço, não se exige o recolhimento das contribuições relativas ao

período do labor rural, contudo, o segurado deve cumprir a carência prevista no

artigo 142 da Lei n. 8.213/1991, contada a partir da vigência desse diploma legal.

3. Pelo provimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Narra a inicial que o

segurado, ora recorrido, ajuizou a presente ação em face do indeferimento

administrativo de aposentadoria por tempo de serviço, no qual a autarquia

sustentou insuficiência de carência, tendo em vista constar apenas 90

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

70

contribuições até janeiro de 1998, e não os 102 recolhimentos necessários (fl .

18e).

Registro que não se trata de ação a postular aposentadoria rural por

idade, mas, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de

serviço mediante o cômputo do tempo de serviço rural constante da Carteira

Profi ssional de Trabalhador Rural juntada às fl s. 11-17e, relativo aos períodos

de 10.12.1958 a 31.1.1971; 3.1.1972 a 15.2.1980; 3.3.1980 a 23.5.1990; e

13.6.1990 a 14.11.1990.

O pedido foi julgado procedente na sentença sob o fundamento de que “se

não houve o recolhimento previdenciário, foi por omissão do patrão, ônus esse

que não pode ser suportado pelo autor” (fl . 53e).

Em grau de apelação e reexame ofi cial, o Tribunal Regional manteve a

sentença, consignando que o autor colacionou cópias da carteira de trabalho

com anotações formais nos períodos pleiteados, perfazendo, até a data do

requerimento, 37 anos, 10 meses e 3 dias de tempo de serviço (fl . 88e).

O referido julgado fundamentou-se nos termos do art. 19 do Decreto

n. 3.048/1999, na redação original, o qual dispõe que a anotação em carteira

de trabalho vale para todos os efeitos como prova de fi liação à Previdência

Social, relação de emprego, tempo de serviço ou de contribuição e salários-de-

contribuição. Assim, o tempo de anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991 pode

ser computado, inclusive, para comprovar a carência, “desde que haja anotação

em CTPS, caso dos autos” (fl . 88e).

Em sede de embargos de declaração, a Corte de origem, integrando

o acórdão anterior, assinalou que o sistema previdenciário rural brasileiro,

“representado por diversas instituições criadas ao longo do tempo (a Fundação

da Lei n. 2.613/1955, o Fundo da Lei n. 4.214/1963 e do Decreto-Lei n.

276/1967 ou o Programa de Assistência da Lei Complementar n. 11/1971),

contou, sempre com correlatas fontes de custeio”, inclusive dos empregadores

rurais (fl . 105e).

Considero que assiste razão às instâncias ordinárias. Com efeito, mostra-

se incontroverso nos autos que o autor foi contratado por empregador rural,

com registro em carteira profi ssional desde 1958, razão pela qual não há como

responsabilizá-lo pela comprovação do recolhimento das contribuições.

A Lei n. 4.214/1963 – o Estatuto do Trabalhador Rural – “pela primeira

vez, reconheceu a condição de segurado obrigatório ao rurícola arrimo de família

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 71

e criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural - Funrural”

(REsp n. 1.105.611-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19.10.2009).

No art. 2º, a lei denominava trabalhador rural “a pessoa física que presta

serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante

salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro”,

como ocorrido na hipótese.

Por outro lado, em seu art. 63, o Estatuto determinava que os contratos de

trabalho, se constantes de anotações em carteira profi ssional, não poderiam ser

contestados, verbis:

Art. 63. O contrato individual de trabalho rural poderá ser oral ou escrito, por

prazo determinado ou indeterminado, provando-se por qualquer meio permitido

em direito e, especialmente, pelas anotações constantes da Carteira Profi ssional do

Trabalhador Rural, as quais não podem ser contestadas.

E, quanto às contribuições, disciplinava o art. 158 da mesma lei que o

Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural seria custeado por

um percentual do valor dos produtos agropecuários a serem recolhidos pelo

produtor:

Art. 158. Fica criado o “Fundo Assistên cia e Previdência do Trabalhador Rural”,

que se constituirá de 1% (um por cento) do valor dos produtos agro-pecuários

colocados e que deverá ser recolhido pelo produtor, quando da primeira operação,

ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, mediante guia própria,

até quinze dias daquela colocação.

Em 1967, com a criação do Funrural, novamente, o segurado trabalhador

rural foi excluído da participação na fonte de custeio do fundo de assistência

(grifos nossos):

Art. 158. Fica criado o Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural

(Funrural), destinado ao custeio da prestação de assistência médico-social ao

trabalhador rural e seus dependentes, e que será constituído: (Redação dada pelo

Decreto-Lei n. 276, de 1967)

I - da contribuição de 1% (um por cento), devida pelo produtor sôbre o valor

comercial dos produtos rurais, e recolhida: (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de

1967)

a) pelo adquirente ou consignatário, que fi ca sub-rogado, para êsse fi m, em

tôdas as obrigações do produtor; (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967)

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

72

b) diretamente pelo produtor, quando êle próprio industrializar os produtos;

(Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967)

II - da contribuição a que se refere o art. 117, item II, da Lei número 4.504, de 30

de novembro de 1964; (Incluído elo Decreto-Lei n. 276, de 1967)

III - dos juros de mora a que se refere o § 3º; (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276,

de 1967)

IV - das multas aplicadas pela falta de recolhimento das contribuições devidas, no

prazo previsto no § 3º, na forma que o regulamento dispuser.

Impende ressaltar que, inicialmente, o Instituto de Aposentadorias

e Pensões dos Industriários - IAPI recebeu o encargo de arrecadar para o

Funrural, bem assim, era incumbido da prestação dos benefícios estabelecidos

para o trabalhador rural e seus dependentes (art. 159 da Lei n. 4.214/1963).

Posteriormente, houve a unifi cação de todos os Institutos de Aposentadorias e

Pensões, os quais foram incorporados ao então criado INPS - Instituto Nacional

de Previdência Social, por força do Decreto-Lei n. 72/1966.

Em 1971, com o advento da Lei Complementar n. 11/1971, o Funrural

seria responsável por implementar o Prorural - Programa de Assistência ao

Trabalhador Rural, cujos recursos seriam mantidos pela contribuição de fontes

oriundas do produtor, do adquirente e das empresas, novamente excluído o

empregado rural (art. 15).

Outrossim, na atual legislação, o parágrafo único do art. 138 da Lei n.

8.213/1991 expressamente considera o tempo de contribuição devido aos

regimes anteriores à sua vigência:

Art. 138. [...].

Parágrafo único. Para os que vinham contribuindo regularmente para os

regimes a que se refere este artigo, será contado o tempo de contribuição para

fi ns do Regime Geral de Previdência Social, conforme disposto no Regulamento.

Dessa forma, não ofende, a meu ver, o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.213/1991

o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado

em carteira profi ssional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador

rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência,

eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural

(Funrural).

Nesse sentido:

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 73

Previdenciário. Empregado rural. Atividade de filiação obrigatória. Lei

n. 4.214/1963. Contribuição. Obrigação. Empregador. Expedição. Certidão.

Contagem recíproca. Possibilidade. Art. 94 da Lei n. 8.213/1991.

1. A partir da Lei n. 4.214, de 2 de março de 1963 (Estatuto do Trabalhador

Rural), os empregados rurais passaram a ser considerados segurados obrigatórios

da previdência social.

2. Nos casos em que o labor agrícola começou antes da edição da lei supra, há

a retroação dos efeitos da fi liação à data do início da atividade, por força do art. 79

do Decreto n. 53.154, de 10 de dezembro de 1963.

2. Desde o advento do referido Estatuto, as contribuições previdenciárias, no caso

dos empregados rurais, ganharam caráter impositivo e não facultativo, constituindo

obrigação do empregador. Em casos de não-recolhimento na época própria, não

pode ser o trabalhador penalizado, uma vez que a autarquia possui meios próprios

para receber seus créditos. Precedente da Egrégia Quinta Turma.

3. Hipótese em que o Autor laborou como empregado rural, no período

compreendido entre 1º de janeiro de 1962 e 19 de fevereiro de 1976, com registro

em sua carteira profi ssional, contribuindo para a previdência rural.

4. Ocorrência de situação completamente distinta daquela referente

aos trabalhadores rurais em regime de economia familiar, que vieram a ser

enquadrados como segurados especiais tão-somente com a edição da Lei n.

8.213/1991, ocasião em que passaram a contribuir para o sistema previdenciário.

5. Reconhecido o tempo de contribuição, há direito à expedição de certidão

para fi ns de contagem recíproca.

6. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 554.068-SP, Rel. Min. Laurita Vaz,

Quinta Turma, DJ 17.11.2003, grifos nossos)

Como bem ressaltado pela eminente Ministra Laurita Vaz, no acórdão

supra:

[...] quando do exercício labor rural já estava ele vinculado, obrigatoriamente,

à previdência social (I.A.P.I. e Funrural), porquanto era empregado. Não se cuida,

portanto, de atividade cuja filiação à previdência se tornou obrigatória tão-

somente com a edição da Lei n. 8.213/1991, como na hipótese dos rurícolas que

exercem seu trabalho em regime de economia familiar.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. Acórdão sujeito ao

regime do art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008.

É o voto.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

74

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O desate do thema decidendum depende de

saber se o tempo de serviço do trabalhador rural - anterior à vigência da Lei n.

8.213, de 1991 - pode ser computado para fi ns de carência.

A esse propósito, o art. 55, § 2º, da Lei n. 8.213, de 1991, dispõe:

“Art. 55 -

§ 2º - O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à

data de início de vigência desta lei, será computado independentemente do

recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de

carência, conforme dispuser o Regulamento”.

Na dicção do art. 126 do Código de Processo Civil, no julgamento da

lide cabe ao juiz aplicar as normas legais. Juízes e tribunais só podem deixar de

aplicar a lei quando declararem-na inconstitucional.

Decidindo que a anotação na carteira profi ssional dispensa o período

de carência, o tribunal a quo deixou de aplicar norma legal sem declará-la

inconstitucional, contrariando o enunciado da Súmula Vinculante n. 10 do

Supremo Tribunal Federal, in verbis:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de

órgão fracionário de tribuanl que, embora não declare expressamente a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua

incidência, no todo ou em parte”.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, dando-lhe

provimento para julgar improcedente o pedido.