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1 PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA OU TRÍPLICE DIMENSÃO DA LEGALIDADE: CONCEITO, APLICAÇÃO E ABRANGÊNCIA. Leonardo Cacau 1 INTRODUÇÃO O presente artigo busca conceituar o Princípio da Moralidade Administrativa, enfocando a sua tríplice dimensão, mostrando a sua utilização pelo S.T.F e S.T.J., com o objetivo de alertar o operador do direito a respeito de sua extrema relevância frente ao Direito Administrativo pátrio, o que conflita com sua, ainda, pouca efetividade. 2 PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA OU TRÍPLICE DIMENSÃO DA LEGALIDADE: CONCEITO, APLICAÇÃO E ABRANGÊNCIA O Princípio da Moralidade Administrativa, analogicamente, se compara à boa-fé objetiva do Direito Privado e representa, em termos gerais, um modelo de conduta ética que deve pautar a atuação do administrador público, o qual deve agir com ética, honestidade, lealdade e probidade em relação ao administrado, razão pela qual Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que tal princípio assumiu foros de pauta jurídica 1 . Note-se que não se trata de mera faculdade do gestor público, mas sim de uma obrigação, como uma meta a ser alcançada. Poder-se-ia, no momento, indagar: obrigação de meio ou de resultado? Defendemos, indubitavelmente, que a aplicação do Princípio da Moralidade Administrativa gera uma obrigação de resultado, isto é, não basta que o administrador público utilize de todas as formas possíveis para alcançar o interesse público (obrigação de meio), ele tem de alcançá-lo (obrigação de resultado), sob pena de responsabilizar-se por seus atos, podendo, inclusive, perder o cargo, mediante destituição ou demissão. Nesse sentido, convém transcrever a lição do mestre Celso Antonio Bandeira de Mello 2 : Acresça-se que, nos termos do art. 85, V, da Constituição, atentar contra a ‘probidade na administração’ é hipótese prevista como crime de responsabilidade do Presidente da República, fato que enseja sua destituição do cargo. Vivemos em um Estado Democrático de Direito, que tem a forma republicana de governo, cujo um de seus pilares é a responsabilidade pelos atos estatais realizados. Defender que a busca pela moralidade administrativa seria tão somente uma obrigação de meio seria ferir os próprios fundamentos da República, uma vez que estaríamos, sob a alegação de que todos os esforços possíveis foram utilizados, justificando atos estatais fracassados, ilegais, imorais e ilegítimos, bem como tornando sem efetividade, o já fragilizado, Princípio da Moralidade Administrativa. Ademais, o gestor público recebe remuneração paga pelo povo para garantir a paz social e o pleno interesse público primário. Assim como um médico cirurgião, ao realizar uma cirurgia plástica estética, tem a obrigação do resultado, cujo fracasso irá afetar apenas 1 DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.107. 2 Idem, p. 108.

Principio Da Moralidade Leonardo Cacau

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    PRINCPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA OU TRPLICE DIMENSO DA

    LEGALIDADE: CONCEITO, APLICAO E ABRANGNCIA.

    Leonardo Cacau

    1 INTRODUO

    O presente artigo busca conceituar o Princpio da Moralidade Administrativa, enfocando

    a sua trplice dimenso, mostrando a sua utilizao pelo S.T.F e S.T.J., com o objetivo de

    alertar o operador do direito a respeito de sua extrema relevncia frente ao Direito

    Administrativo ptrio, o que conflita com sua, ainda, pouca efetividade.

    2 PRINCPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA OU TRPLICE DIMENSO DA

    LEGALIDADE: CONCEITO, APLICAO E ABRANGNCIA

    O Princpio da Moralidade Administrativa, analogicamente, se compara boa-f

    objetiva do Direito Privado e representa, em termos gerais, um modelo de conduta tica que

    deve pautar a atuao do administrador pblico, o qual deve agir com tica, honestidade,

    lealdade e probidade em relao ao administrado, razo pela qual Celso Antonio Bandeira de

    Mello afirma que tal princpio assumiu foros de pauta jurdica1.

    Note-se que no se trata de mera faculdade do gestor pblico, mas sim de uma

    obrigao, como uma meta a ser alcanada. Poder-se-ia, no momento, indagar: obrigao

    de meio ou de resultado? Defendemos, indubitavelmente, que a aplicao do Princpio da

    Moralidade Administrativa gera uma obrigao de resultado, isto , no basta que o

    administrador pblico utilize de todas as formas possveis para alcanar o interesse pblico

    (obrigao de meio), ele tem de alcan-lo (obrigao de resultado), sob pena de

    responsabilizar-se por seus atos, podendo, inclusive, perder o cargo, mediante destituio

    ou demisso.

    Nesse sentido, convm transcrever a lio do mestre Celso Antonio Bandeira de Mello2:

    Acresa-se que, nos termos do art. 85, V, da Constituio, atentar contra a

    probidade na administrao hiptese prevista como crime de responsabilidade do Presidente da Repblica, fato que enseja sua destituio do cargo.

    Vivemos em um Estado Democrtico de Direito, que tem a forma republicana de

    governo, cujo um de seus pilares a responsabilidade pelos atos estatais realizados.

    Defender que a busca pela moralidade administrativa seria to somente uma obrigao de

    meio seria ferir os prprios fundamentos da Repblica, uma vez que estaramos, sob a

    alegao de que todos os esforos possveis foram utilizados, justificando atos estatais

    fracassados, ilegais, imorais e ilegtimos, bem como tornando sem efetividade, o j

    fragilizado, Princpio da Moralidade Administrativa.

    Ademais, o gestor pblico recebe remunerao paga pelo povo para garantir a paz

    social e o pleno interesse pblico primrio. Assim como um mdico cirurgio, ao realizar

    uma cirurgia plstica esttica, tem a obrigao do resultado, cujo fracasso ir afetar apenas

    1 DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. So Paulo: Malheiros, 2005, p.107.

    2 Idem, p. 108.

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    o particular envolvido, com muito maior razo os atos dos gestores pblicos, uma vez que

    seus deslizes iro prejudicar toda uma coletividade.

    Com base em tais argumentos, entendemos que a moralidade administrativa, apesar

    de ser um princpio e no uma regra, impe uma obrigao de resultado e no

    simplesmente de meio. Assim, ousamos, ento, criar uma exceo brilhante doutrina de

    Robert Alexy3 e Ronald Dworkin4, que defendem que as regras devem ser aplicadas na

    medida exata de suas prescries, impondo obrigaes de resultado, pois so mandamentos

    de prescrio; enquanto que os princpios so mandamentos de otimizao, que ordenam

    que algo seja cumprido na maior medida possvel, de acordo com as possibilidades fticas e

    jurdicas existentes.

    Ocorre que, em se tratando do Princpio da Moralidade Administrativa, em razo dos

    argumentos acima levantados, e da prpria estrutura que rege a Administrao Pblica e o

    Direito Administrativo moderno, entendemos que o princpio em estudo trata-se de uma

    exceo, pois se reveste de um mandamento de prescrio e no somente de otimizao,

    impondo sua aplicao integral e no somente na maior medida possvel.

    Destaque-se que somos a favor da notvel doutrina de Dworkin e Alexy. Apenas

    estamos criando uma exceo teoria por eles estabelecida. Afinal, no podemos esquecer,

    que a exceo apenas confirma a regra. Neste ponto, entendemos que o Princpio da

    Moralidade Administrativa , na brilhante doutrina de Humberto villa5 um postulado

    normativo, pois uma norma de 2 grau (metanorma) que estabelece a estrutura de

    aplicao de outras normas, notadamente, as demais normas administrativas.

    Sendo um postulado normativo e gerando uma obrigao de resultado, precisamos

    entender em que consiste o princpio em estudo. Hely Lopes Meireles6 nos ensina que: a

    moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da

    Administrao Pblica (Cf, art. 37, caput).

    Assim, atualmente, no basta que o administrador se limite a cumprir, friamente, o

    texto da lei, devendo, alm disso, atender moralidade administrativa e a sua finalidade,

    que a realizao do interesse pblico. Nesse sentido, Hely Lopes Meireles7 nos ensina com

    maestria que:

    Cumprir simplesmente a lei na frieza de seu texto no o mesmo que atend-la na sua letra e no seu esprito. A Administrao, por isso, deve ser

    orientada pelos princpios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o

    honesto e o conveniente aos interesses sociais. Desses princpios que o Direito Pblico extraiu e sistematizou a teoria da moralidade administrativa.

    Assim, o Princpio ou Teoria da Moralidade Administrativa envolve trs dimenses: a

    legal (legalidade estrita), a moral (honestidade, tica, lealdade) e a finalidade (conveniente

    ao interesse pblico).

    Desta forma, frise-se, para que o administrador pblico atenda aos ditames legais, no

    basta que cumpra a letra fria da lei, devendo, alm disso, atuar conforme os patres ticos

    de lealdade em relao ao administrado e motivado a realizar o interesse pblico, pois nem

    3 ALEXY, Robert.Teoria da Argumentao Jurdica [Theorie der juristischen argumentation]. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. So

    Paulo: Landy, 2001.

    4 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Srio, traduzido por Nelson Boeira. So Paulo: Martins Fontes, 2002.

    5 VILA, Humberto. Teoria dos princpios da definio aplicao dos princpios jurdicos. So Paulo:Mallheiros, 2003.

    6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ed. So Paulo:Malheiros, 1999, p.83.

    7 Idem, p.83

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    tudo que legal honesto, conforme lio dos romanos: nom omne quod licet honestum

    est.

    com base nesta trplice dimenso do Princpio da Legalidade que Hely Lopes Meireles8

    conclui que:

    o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende no s a conformao do ato com a lei, como tambm com a moral administrativa e com o interesse coletivo.

    Ocorre que, hoje, o que se verifica na Administrao Pblica, em geral, o descaso e

    a inefetividade da moralidade administrativa. No senso comum de nossos gestores vigora a

    idia de que o Princpio da Moralidade Administrativa desprovida de imperatividade, sendo,

    to-somente, uma diretriz hermenutica-interpretativa, que deve ser utilizada mais na teoria

    do que na prtica.

    Tais administradores confundem a moral comum com a moral administrativa.

    Enquanto aquela desprovida de imperatividade, gerando a sua violao, no mximo, uma

    sano social, esta norma jurdica e impe a sua observao. Nesse sentido a lio de

    Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo9:

    A denominada moral administrativa difere da moral comum, justamente por

    ser jurdica e pela possibilidade de invalidao de atos administrativos que sejam praticados com inobservncia deste princpio.

    Nesse sentido tambm a lio de Hely Lopes10, citando Hauriou:

    A moral comum, remata Hauriou, imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa imposta ao agente pblico para sua conduta interna, segundo as exigncias da instituio a que serve e a finalidade de sua

    ao: o bem comum.

    Ademais, preciso ressaltar que a Teoria dos Crculos Secantes, ao defender que nem

    tudo que imoral ilegal, pois h condutas imorais que no esto positivadas, podendo

    haver atos imorais que so legais, somente se aplica a moral comum. Tratando-se de moral

    administrativa, tudo que imoral ilegal, pois tais violaes esto todas positivadas na lei

    8.429/92, as quais, conforme o seu art. 21, no precisa sequer acarretar prejuzos aos

    cofres pblicos:

    Art.21 A aplicao das sanes previstas nesta Lei independe:

    I- da efetiva ocorrncia de dano ao patrimnio pblico

    Desta forma, escusas de que o ato sequer acarretou dano aos cofres pblicos ou de

    que o administrador que cometeu a violao ressarciu o prejuzo ao errio no convalidam o

    ato imoral, bem como no impedem a aplicao das sanes previstas na lei em estudo.

    Apenas preciso ressaltar que, em razo do Princpio da Proporcionalidade, e do

    disposto no art. 12 nico da Lei 8.429/9211, a ausncia de leso ao errio ou sua

    8 Idem, p.85.

    9 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 11ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p.119/120.

    10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito...p.83.

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    lesividade mnima no impedem a aplicao das sanes legais, porm iro influenciar no

    quantum da fixao da pena a ser arbitrada pelo juiz, frente s peculiaridades do caso

    concreto.

    Visto a diferena entre moral comum e a administrativa, preciso lembrar que a

    prpria teoria de Dworkin e Alexy, visto acima, atribui carter normativo aos princpios.

    Desta forma, os operadores do Direito tem a misso de lutar pela total, efetiva e completa

    aplicao do Princpio da Moralidade Administrativa.

    Assim, poderamos chamar o Princpio da Moralidade Administrativa de Trplice

    Dimenso da Legalidade, a fim de buscar alterar esse injustificvel senso comum e buscar

    garantir a real efetividade que o ordenamento jurdico lhe confere.

    Ora, como vimos, a Teoria da Moralidade Administrativa possui trs dimenses: a legal

    (legalidade estrita), a moral (honestidade, tica, lealdade) e a finalidade (conveniente ao

    interesse pblico). No basta, frise-se, s cumprir a lei, deve-se tambm buscar o interesse

    pblico e agir com tica. Por esta razo, de acordo com o Direito Administrativo Moderno,

    para se atingir a legalidade (lato sensu) tem-se que atingir essas trs dimenses.

    Ento, tanto a Moralidade Administrativa, como a Legalidade (lato sensu) possuem

    essa natureza tridimensional, que, notadamente, demanda sua observao em todos os

    seus planos.

    A prpria lei 8.429/92 (Lei da Moralidade Administrativa), em seu art. 1112, nos mostra

    as trs dimenses do princpio em estudo, ao afirmar que constitui ato de improbidade

    administrativa qualquer ao ou omisso que viole a legalidade (dimenso da legalidade

    estrita) a honestidade, imparcialidade e lealdade s instituies (dimenso da moral) ou que

    pratique ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na

    regra de competncia (dimenso da finalidade), seno vejamos:

    Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princpios da administrao pblica qualquer ao ou omisso que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade s instituies, e notadamente:

    I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele

    previsto na regra de competncia;

    A mais inadmissvel forma de se tentar, nos dias atuais, burlar o Princpio da

    Legalidade alegando que se cumpriu a lei, quando na verdade, no se alcanou a

    finalidade pblica, nem tampouco se agiu com honestidade.

    O gestor pblico que s cumpre a letra fria da lei (legalidade strictu sensu), sem

    garantir o interesse pblico, nem agir com lealdade frente a instituio que administra viola,

    no somente o Princpio da Moralidade, mas tambm a prpria Legalidade (latu sensu), pois

    apenas observa o plano da legalidade estrita, violando o plano da moral e do conveniente ao

    interesse pblico.

    11 Art. 12 - nico: Na fixao das penas previstas nesta lei o juiz lever em conta a extenso do dano causado, assim como o proveito

    patrimonial obtido pelo agente.

    12 Disponvel em: . Acesso em: 09 mar.2008.

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    Aprendemos, nos primrdios da faculdade, que o Direito evolui com a sociedade. Ora,

    se a descaso com a coisa pblica est evoluindo, o Direito tambm est, notadamente, em

    busca de novas formas e teorias para combat-la.

    Nesse sentido, o S.T.F., no julgamento do MS 27141 MC/DF13, cujo relator o

    Min.Celso de Mello, assim se manifestou:

    No se poder jamais ignorar que o princpio republicano consagra o dogma de que todos os agentes pblicos legisladores, magistrados e administradores so responsveis perante a lei e a Constituio, devendo expor-se, plenamente, s conseqncias que derivem de eventuais

    comportamentos ilcitos.

    A submisso de todos supremacia da Constituio e aos princpios que derivam da tica republicana representa o fator essencial de preservao da ordem democrtica, por cuja integridade devemos todos velar, enquanto legisladores, enquanto magistrados ou enquanto membros do Poder

    Executivo.

    No foi por outro motivo que o Plenrio do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a extenso do princpio da moralidade - que domina e abrange todas as instncias de poder -, proclamou que esse postulado, enquanto valor constitucional revestido de carter tico-jurdico, condiciona a legitimidade e a validade de quaisquer atos estatais:

    A atividade estatal, qualquer que seja o domnio institucional de sua incidncia, est necessariamente subordinada observncia de parmetros tico-jurdicos que se refletem na consagrao constitucional do princpio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuao do Poder Pblico, confere substncia e d expresso a uma pauta de valores ticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.

    O princpio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitaes ao exerccio do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Pblico que transgridam os valores ticos que devem pautar o comportamento dos agentes e rgos governamentais.

    (RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

    No julgado acima transcrito, observa-se que, no somente a doutrina, mas tambm o

    S.T.F. entendem que o Princpio da Moralidade um postulado revestido de carter tico-

    jurdico, decorrente do prprio princpio republicano da responsabilidade, que limita a

    atuao do poder estatal e condiciona a validade e legitimidade de todos os atos emanados

    por qualquer das suas funes (Executivo, Legislativo ou Judicirio).

    Nosso ordenamento jurdico coloca disposio do Ministrio Pblico, por meio da Lei

    8.429/92, os instrumentos necessrios para se garantir a plena efetividade do postulado da

    moralidade administrativa. A fim de se buscar a sua integral aplicao, o S.T.J., no

    julgamento do REsp 880662 / MG14, entende que a violao ao princpio da moralidade

    administrativa dispensa a existncia de dolo ou culpa por parte do agente pblico ou de

    efetiva leso ao errio, seno vejamos:

    13 Disponvel em: . Acesso em: 09 mar.2008.

    14 Disponvel em: . Acesso em: 09 mar.2008.

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    ADMINISTRATIVO. AO CIVIL PBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESPESAS DE VIAGEM. PRESTAO DE CONTAS. IRREGULARIDADE. LESO A PRINCPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO. DANO AO ERRIO. COMPROVAO. DESNECESSIDADE. SANO DE RESSARCIMENTO EXCLUDA. MULTA CIVIL REDUZIDA.

    1. A leso a princpios administrativos contida no art. 11 da Lei n 8.429/92

    no exige dolo ou culpa na conduta do agente nem prova da leso ao errio pblico. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade.

    Precedente da Turma.

    2. A aplicao das sanes previstas na Lei de Improbidade independe da

    aprovao ou rejeio das contas pelo rgo de controle interno ou pelo tribunal ou conselho de contas (art. 21, II, da Lei 8.429/92).

    3. Segundo o art. 11 da Lei 8.429/92, constitui ato de improbidade que atenta contra os princpios da administrao pblica qualquer ao ou omisso que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade s instituies, notadamente a prtica de ato que visa fim proibido em lei ou

    regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competncia (inciso I), ou a ausncia de

    prestao de contas, quando esteja o agente pblico obrigado a faz-lo

    (inciso VI).

    (REsp 880.662/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado

    em 15.02.2007, DJ 01.03.2007 p. 255).

    No obstante as criticas e entendimentos contrrios ao julgado acima exposto,

    entendemos estar correta a lio da 2 Turma do S.T.J., pois, como salientamos no inicio do

    presente artigo, a atuao pautada nos ditames da moralidade gera uma obrigao de

    resultado do administrador pblico. Desta forma, basta a efetiva ocorrncia da ilicitude para

    restar configurado o ato mprobo, no sendo cabveis escusas pautadas na ausncia de dolo

    ou culpa ou leso aos cofres pblicos.

    preciso entender que estamos na seara administrativa e no na criminal, onde vigora

    o princpio da estrita tipicidade e da responsabilidade subjetiva, pautada no dolo ou,

    eventualmente, na culpa, que so exigncias do prprio Estado Democrtico de Direito, pois

    envolve a liberdade do agente.

    No mbito administrativo natural que haja a atipicidade das condutas consideradas

    mprobas pelos agentes pblicos, bem como a responsabilidade objetiva, em algumas

    situaes. Primeiro, porque a lei no teria como prever todas as formas de corrupo

    existentes (que, como ressaltamos no incio, esto evoluindo assustadoramente). Segundo,

    porque exigir, em todas as situaes, a ocorrncia de dolo ou culpa por parte do agente

    pblico seria mitigar o prprio princpio republicano, que tem como um dos pilares a ampla

    responsabilidade estatal.

    Ademais, o S.T.F., no julgamento da ADI 279715, considerou que a Lei de Improbidade

    Administrativa no tem natureza penal, mas sim civil, no obstante acarretar sanes de

    natureza civil, administrativa e, inclusive, poltica, razo pela qual entendeu que no h foro

    por prerrogativa de funo nas aes de improbidade administrativa, declarando, assim, a

    inconstitucionalidade da Lei n 10.628/08, que acrescentou o 1 e 2 ao art. 84 do Cdigo

    15 Disponvel em: . Acesso em: 05 mar.2006.

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    de Processo Penal. Assim, a ela no se aplica os peculiares princpios da persecuo

    criminal.

    Alm do controle da probidade administrativa realizado pelo Ministrio Pblico,

    devemos observar que h, tambm, o controle social, incumbido a cada cidado brasileiro,

    por meio da Ao Popular, prevista no art.5, LXXIII, da CF/88 e regulada pela Lei 4.717/65.

    3 CONCLUSO

    O Princpio da Moralidade Administrativa um postulado normativo, decorrente do

    princpio republicano da ampla responsabilidade estatal, que gera uma obrigao de

    resultado para o agente pblico, o qual deve observncia sua trplice dimenso: a legal

    (legalidade estrita), a moral (honestidade, tica, lealdade) e a finalidade (conveniente ao

    interesse pblico), razo pela qual o chamamos de Trplice Dimenso da Legalidade.

    A violao de qualquer destes planos enseja a atuao do Ministrio Pblico, por meio

    da Ao de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), ou de qualquer cidado, por meio da

    Ao Popular (Lei 4.717/65), na busca pela invalidao do ato ilegal e a responsabilizao

    dos infratores, uma vez que a Teoria da Moralidade Administrativa limita a atuao do poder

    estatal e condiciona a validade e legitimidade de todos os atos emanados por qualquer das

    suas funes (Executivo, Legislativo e Judicirio).

    Aos operadores do Direito cabe a misso de velar pela correta e eficaz aplicao de

    tal postulado, conferindo a real importncia que o ordenamento jurdico ptrio lhe propicia, a

    fim de lhe garantir a plena efetividade.

    REFERNCIAS

    ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 11ed. Rio de Janeiro: Impetus,

    2006.

    ALEXY, Robert.Teoria da Argumentao Jurdica [Theorie der juristischen argumentation]. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. So Paulo: Landy, 2001.

    VILA, Humberto. Teoria dos princpios da definio aplicao dos princpios jurdicos. So Paulo:Mallheiros, 2003.

    DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. So Paulo: Malheiros, 2005.

    DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Srio, traduzido por Nelson Boeira. So Paulo: Martins Fontes, 2002.

    MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ed. So Paulo:Malheiros, 1999.