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ESTADO DE RONDÔNIA TRIBUNAL DE CONTAS Gabinete do Conselheiro PAULO CURI NETO GCPCN/03 1 Fl. nº ................ Proc. nº 2.278/11 .......................... PROCESSO Nº: 2.278/2011 UNIDADE: Secretaria de Estado das Finanças ASSUNTO: Denúncia RESPONSÁVEIS Confúcio Aires Moura - Governador Benedito Antônio Alves – Secretário de Estado das Finanças RELATOR: Conselheiro PAULO CURI NETO GRUPO: I Ementa: DENÚNCIA. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. IMPORTAÇÃO E OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. AQUISIÇÃO DE BENS PARA O ATIVO FIXO. USINAS HIDRELÉTRICAS. DISPENSA DA COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DECORRENTES DE ISENÇÕES ANULADAS. ADMISSIBILIDADE POSITIVA. RENÚNCIA DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. COMPETÊNCIA FISCALIZADORA. INTERESSE PROCESSUAL. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA. CONVÊNIO ICMS Nº 47/2011. LEI ESTADUAL Nº 2.538/2011. (I) NÃO CONFORMIDADE DA RENÚNCIA DE RECEITAS AOS PRESSUPOSTOS DE RESPONSABILIDADE FISCAL. 1. Reputam-se não observados os pressupostos de responsabilidade Fiscal para a realização de renúncia de receitas, diante da: ausência de prévia estimativa do impacto orçamentário e financeiro na lei orçamentária anual e lei de diretrizes orçamentárias, em demonstrativo próprio, da falta de demonstração da não afetação das metas fiscais ou de comprovação da adoção de medidas fiscais compensatórias (art. 165, §6º, da Constituição Federal e arts. 1º, §1º, 4º, §1º, 5º, I, II, e 14 da Lei Complementar nº 101/2000, combinada com o art. 33 da Lei nº 2.339/2010). A realização de renúncia de receitas, nessas condições, configura ofensa ao princípio do planejamento e da transparência. 2. As consequências da concessão sem lastro jurídico de benefícios fiscais não se restringem ao aspecto orçamentário e financeiro, mas refletem no plano social, notadamente, pela diminuição da capacidade de investimento do Estado como condição para o cumprimento de políticas públicas essenciais a curto e longo prazo. (II) VÍCIOS INTRÍNSECOS AOS BENEFÍCIOS FISCAIS. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS. 3. Ofende o art. 155, §2º, XII, “g”, da CF, a ausência de autorização do CONFAZ para a dispensa da cobrança de créditos tributários de ICMS decorrente de isenções anteriormente

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Proc. nº 2.278/11

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PROCESSO Nº: 2.278/2011

UNIDADE: Secretaria de Estado das Finanças

ASSUNTO: Denúncia

RESPONSÁVEIS Confúcio Aires Moura - Governador

Benedito Antônio Alves – Secretário de Estado das Finanças

RELATOR: Conselheiro PAULO CURI NETO

GRUPO: I

Ementa: DENÚNCIA. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. IMPORTAÇÃO E OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. AQUISIÇÃO DE BENS PARA O ATIVO FIXO. USINAS HIDRELÉTRICAS. DISPENSA DA COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DECORRENTES DE ISENÇÕES ANULADAS. ADMISSIBILIDADE POSITIVA. RENÚNCIA DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. COMPETÊNCIA FISCALIZADORA. INTERESSE PROCESSUAL. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA. CONVÊNIO ICMS Nº 47/2011. LEI ESTADUAL Nº 2.538/2011. (I) NÃO CONFORMIDADE DA RENÚNCIA DE RECEITAS AOS PRESSUPOSTOS DE RESPONSABILIDADE FISCAL. 1. Reputam-se não observados os pressupostos de responsabilidade Fiscal para a realização de renúncia de receitas, diante da: ausência de prévia estimativa do impacto orçamentário e financeiro na lei orçamentária anual e lei de diretrizes orçamentárias, em demonstrativo próprio, da falta de demonstração da não afetação das metas fiscais ou de comprovação da adoção de medidas fiscais compensatórias (art. 165, §6º, da Constituição Federal e arts. 1º, §1º, 4º, §1º, 5º, I, II, e 14 da Lei Complementar nº 101/2000, combinada com o art. 33 da Lei nº 2.339/2010). A realização de renúncia de receitas, nessas condições, configura ofensa ao princípio do planejamento e da transparência. 2. As consequências da concessão sem lastro jurídico de benefícios fiscais não se restringem ao aspecto orçamentário e financeiro, mas refletem no plano social, notadamente, pela diminuição da capacidade de investimento do Estado como condição para o cumprimento de políticas públicas essenciais a curto e longo prazo. (II) VÍCIOS INTRÍNSECOS AOS BENEFÍCIOS FISCAIS. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS. 3. Ofende o art. 155, §2º, XII, “g”, da CF, a ausência de autorização do CONFAZ para a dispensa da cobrança de créditos tributários de ICMS decorrente de isenções anteriormente

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anuladas, bem como para a aplicação retroativa da isenção (art. 1º e §5º do art. 2º da Lei nº 2.538/2011). 4. Também padece de inconstitucionalidade formal, por violação à harmonia entre os Poderes, a interveniência administrativa do Poder Legislativo no compromisso a ser firmado entre o Estado e os beneficiários para a concessão da isenção fiscal (art. 2º, §2º, III, da Lei nº 2.538/2011), por violação ao art. 2º, 84, II, da CF e ao art. 65, I, da Constituição Estadual. (III) INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS E INCOMPATIBILIDADE COM NORMA GERAL DO DIREITO TRIBUTÁRIO. 5. Resulta em infringência ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da CF), a “singularização atual e absoluta dos destinatários da isenção” (Celso Antônio Bandeira de Melo), evidenciando propósito casuísta para conferir tratamento tributário diferenciado não justificado à luz de objetivos econômicos, sociais ou humanitários lastreados no sistema constitucional. 6. Ademais, traduz indevida sobreposição de interesses particulares aos interesses da coletividade a ausência de demonstração de que o sacrifício estimado da arrecadação é justificado pelos eventuais benefícios socioeconômicos decorrentes de compensações sociais e investimentos a serem realizados pelos beneficiários das isenções, mormente quando se ignora em absoluto o conteúdo, a qualidade e a expressão financeira dessas eventuais contraprestações. Caracterização de ofensa ao princípio implícito da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, mormente pelo impacto no custeio de serviços públicos e na realização investimentos diretos. 7. Caracteriza descumprimento sub-reptício do princípio da reserva legal, positivado no art. 176 do Código Tributário Nacional, o estabelecimento de requisitos puramente subjetivos para a concessão da isenção fiscal, resultando em alargado juízo de discricionariedade e virtual risco de tratamento discriminador, favorecimento, arbitrariedade ou, até mesmo, desvios de conduta mais censuráveis, o que, em última instância, revela-se ofensivo ao princípio da moralidade. Necessária a especificação prévia e objetiva das condições para o gozo de isenção fiscal. (IV) CONTROLE DA RENÚNCIA DE RECEITAS. 8. A incompatibilidade vertical do convênio e da lei concessiva da isenção com normas constitucionais e normas gerais do direito tributário tornam ilícito o objeto de eventual ato administrativo que vier a proceder à exclusão dos créditos tributários. Mesmo que deferida ordem judicial liminar, em ação civil pública, para a não aplicação da lei concessiva da isenção, a ausência nos presentes autos dos

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elementos concretos reunidos naquela ação impede, nesse momento, a emissão de ordem do Tribunal de Contas para o não cumprimento da lei inconstitucional, sob pena de proceder a controle abstrato de constitucionalidade, que é defeso a este órgão. Subsiste a possibilidade de, com base no poder geral de cautela, determinar à Secretaria de Finanças que informe a esta Corte a adoção de qualquer medida tendente a, de ofício ou por provocação, iniciar ou dar continuidade a procedimento administrativo para a aplicação dos benefícios fiscais, ocasião em que será eventualmente avaliada, caso o caso, a necessidade de tutela inibitória, diante do caso concreto. Tendo em vista a função pedagógica e preventiva dos Tribunais de Contas, convém seja fixado, em decisão normativa, um precedente de pré-interpretação e orientação, para a consolidação do entendimento do Tribunal. 9. Diante das ilicitudes constatadas, forçoso representar aos órgãos e entidades legitimados para iniciarem o controle abstrato de constitucionalidade, bem como encaminhar cópia da decisão ao Ministério Público do Estado. A representação aos órgãos federais de controles externo e interno torna-se conveniente diante da possibilidade de reflexo no equilíbrio econômico-financeiro nos contratos de concessão federal da exploração do potencial hidrelétrico. 10. Ciência à administração da inconstitucionalidade da lei e determinação para que informe a eventual concretização das isenções para que o Tribunal de Contas examine o ato e a inconstitucionalidade à luz do caso concreto. 11. Denúncia conhecida e considerada procedente, nos termos acima delineados.

Relatório Cuidam os autos de Denúncia apresentada pelo

senhor Francisco das Chagas Barroso, que noticia supostas

irregularidades na concessão de “isenção de ICMS na entrada

de bens do ativo imobilizado para as usinas hidrelétricas de

Santo Antônio e Jirau, conforme Convênio Autorizativo ICMS

47”.

2. O denunciante, em síntese, relata que “o

Estado de Rondônia estará abrindo mão de receita substancial

…, aproximadamente, R$ 600.000.000,00, em curto espaço de

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tempo” e que em que pese o “referido convênio autorizador

impor algumas contrapartidas por parte das empresas, como

investimento no estado, dificilmente esses investimentos

suprirão os vultosos valores que o estado perderá”. Aduz,

ainda, que a isenção não se justifica do “ponto de vista de

política fiscal de incentivo”, uma vez que as obras possuem

“destino certo” e que os “impostos, traduzidos como custos,

certamente já foram previstos nas planilhas formadoras dos

preços de energia, apresentadas pelos consórcios no leilão

da ANEEL”. Menciona que se desconhece “qualquer previsão do

impacto dessa perda abrupta de receita, muito menos se tem

notícia de medidas de compensação das perdas do imposto, a

serem adotadas pelo Estado”. Questiona, também, o benefício

fiscal à luz da moralidade administrativa.

3. Alfim, requer que “seja verificado, inclusive

cautelarmente, no âmbito da competência dessa Corte de

Contas, aspectos da constitucionalidade e legalidade do

referido benefício fiscal que se avizinha” (fls. 1-13).

4. No exame vestibular, o Corpo Instrutivo

recomendou o conhecimento da denúncia, bem como a

notificação do Chefe do Poder Executivo e do Secretário de

Estado das Finanças para apresentar justificativas, em razão

das seguintes constatações (fls. 50-102):

(a) o Estado de Rondônia, além de não arrecadar o ICMS, que ultrapassa a casa de centena de milhões e pode se aproximar da casa de bilhão de reais, nas operações interestaduais e de importação, permitirá que estes valores isentados sejam utilizados como crédito,

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compensando-os em operações futuras em que incidam ICMS;

(b) há entendimento do STJ que entende que a concessão da isenção deve ser realizada por meio de lei;

(c) não se observaram os requisitos instalados na Lei de Responsabilidade Fiscal, para conceder essa benesse às empresas das usinas hidrelétricas Na Lei Orçamentária Anual, não foram previstas as exigências consignadas no art. 14 da Lei 101/2000. Não há previsão de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício de 2011 e nos dois seguintes. Além desta previsão, deveria conter na LOA, Lei nº. 2.638, de 22 de dezembro de 2010, a demonstração de que a isenção não afetaria as metas de resultados fiscais previstas no anexo da LDO ou estar acompanhada de medida compensatória por meio de aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição; e

(d) não parece viável, do ponto de vista sócio-econômico-financeiro, a dispensa desses recursos oriundos do ICMS”. (…) “Importante destacar que não há obrigatoriedade nenhuma dessa concessão, e também o custo-benefício ainda não foi demonstrado, assim como não o foi o próprio interesse público. Se restar demonstrado que a contraprestação recebida pelo Estado for mais vantajosa que a arrecadação das centenas de milhões, podendo chegar até a casa do bilhão devido ao efeito duplicador da possibilidade de desobrigar o estorno do crédito das operações isentas, poder-se-á conceder a benesse. Em caso contrário, estar-se-á a ferir a moralidade administrativa.

5. Foram notificados acerca do teor da

manifestação técnica preliminar o Secretário de Estado das

Finanças, senhor Benedito Antônio Alves, e o Chefe do Poder

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Executivo, senhor Confúcio Aires Moura, a fim de que,

querendo, apresentassem esclarecimentos (fls. 104-105).

6. Nesse ínterim, por solicitação, foi

encaminhada ao Ministério Público estadual e a membro do

Congresso Nacional cópia do relatório técnico e dos autos,

respectivamente (fls. 108-110).

7. O Chefe do Poder Executivo estadual não se

manifestou. Por seu turno, o Secretário de Estado das

Finanças Adjunto, senhor Wagner Luis de Sousa, encaminhou

resposta, em nome do senhor Benedito Antônio Alves (fls.

111-117).

8. Ao analisar as informações prestadas, a Equipe

Técnica rechaçou os argumentos oferecidos (fls. 120-164).

Para efeito didático, segue o confronto das perspectivas da

SEFIN e da Equipe Técnica:

Esclarecimentos - SEFIN Relatório de análise – Equipe Técnica

(1) Dispensa do estorno do crédito oriundo das operações isentas(a) relativamente à dispensa do “estorno de crédito previsto no art. 21 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 operações beneficiadas com a isenção”, reconheceu que “a redação desse dispositivo é realmente inconveniente” e que, inclusive, “já está sendo elaborada uma proposta de alteração do Convênio para suprimir esse dispositivo”;

(a) a Assembleia Legislativa “aprovou lei específica para regular os benefícios previstos no Convênio ICMS 47/2011” e em seu teor não há “previsão da dispensa do estorno das operações isentadas decorrentes das operações de aquisição de equipamento e maquinário para compor o ativo imobilizado das usinas”;

(2) Incidência de ICMS nas operações de importação de bens a serem incorporados ao ativo imobilizado. (b) “não existem dúvidas acerca da incidência do ICMS nas

(b) “Quanto à questão da importação, a jurisprudência

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operações de importação”, mas “as empresas não são obrigadas a importar pelo Estado de Rondônia” e, mesmo que seja “uma conduta passível decontestação pelo Estado de Rondônia”, “é uma questão jurídica cercada de dúvidas que pode se arrastar por anos no judiciário”;

pátria é sólida no sentido de entender que o imposto será devido, nessas operações, ao Estado de destino final, ou seja, no Estado em que os bens serão utilizados, incorporados ao ativo imobilizado. Portanto, a incidência do imposto ao Estado de destino dos bens importados, nesse caso o Estado de Rondônia, independe do fato de uma empresa importar os bens e depois transferir ao Estado. O que vale é o destino final dos bens”;

(3) Incidência de ICMS nas operações interestaduais de aquisição de bens a serem incorporados ao ativo imobilizado e utilizados na geração de energia elétrica (c) “embora os Estados consumidores entendam que o diferencial de alíquotas [aplicável nas operações interestaduais] não afetaria a incidência do ISSQN” (…), pois as “máquinas e equipamentos utilizados para geração de energia elétrica (…) são componentes do ativo imobilizado”, se tais bens forem “caracterizados como insumos de uma obra de construção civil, a cobrança ficará inviabilizada em face da jurisprudência do STF”;

(c.1) o precedente judicial citado nos esclarecimentosteria sido “mal interpretado”, pois se refere à incidência de ISS nos serviços de instalação e montagem e não na aquisição, compra ou importação de equipamentos. Assim defendeu que “o fato de os equipamentos destinados ao ativo imobilizado das usinas integrarem a construção das mesmas não retira as operações do campo de incidência do [ICMS]”, sem prejuízo da incidência do ISS, nos “serviços de montagem, que têm natureza essencial de prestação de serviços”; (c.2) há “incidência do diferencial de alíquota nas operações de aquisição deequipamentos para as usinas devido aos vários convênios existentes de isenção dessas operações”; (c.3) o técnico de controle externo ressalvou sua posição pessoal no sentido de que “o tratamento mais técnico é a utilização da alíquota interna do estado vendedor com o recolhimento da totalidade dos

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recursos do imposto aos seus cofres”, (…) por “não serem contribuintes do ICMS”;

(4) Esclarecimento sobre as razões que levaram à concessão da isenção (d.1) embora a “construção das usinas independa da concessão de qualquer benefício por parte do Estado”, “as empresas interessadas alegam não ser devido o imposto, indicando que a questão será levada ao Poder Judiciário, situação que, pela praxe, demandará tempo até o desate da questão, além da incerteza de seu resultado”; (d.2) “havendo opiniões dissonantes baseadas em decisões judiciais que levam o Administrador Público a sopesar os riscos e buscar a composição com os construtores no sentido de trazer aos cofres do Estado o maior volume possível de recursos em razão da construção das usinas”;

(d.1) “Os óbices, de natureza jurídica e política, apontados pelo defendente [para justificar a concessão do benefício], pois “não há que se falar em ‘guerra fiscal’, pois a força do Rio Madeira é o diferencial para instalação das usinas em solo rondoniense”. (d.2) Além disso, no “que concerne à incerteza da arrecadação da receita, esse anódino argumento nem deve ser considerado. Esse é um pretexto anêmico, a arrecadação de receitas provenientes da importação é inquestionável. O que poderia ensejar alguma dúvida é o ICMS pertinente ao diferencial de alíquota (d.3) “Os demais apontamentos quanto aos aspectos da viabilidade e desnecessidade da concessão da isenção permanecem sem justificativas e fundamentos plausíveis. A mesma abordagem feita no relatório preliminar será mantida, visto que a defesa não apresentou sequer projeto para compensação da desoneração”;

(5) Atendimento dos pressupostos legais de responsabilidade fiscal (e) “Quanto à lei de responsabilidade fiscal, se nãofoi prevista uma receita, como é o caso, a eventual dispensa ou a não realização, não afetará o orçamento aprovado”; e

(e.1) “Quanto à responsabilidade fiscal, ao se analisar a Lei de Diretrizes orçamentárias verifica-se que esse instrumento é silente em relação à isenção das operações das usinas hidrelétricas. Há simples e genérica previsão, em seu art. 33, de que a concessão ou ampliação de isenção ou benefício, de natureza tributária ou financeira

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deverão ser acompanhadas das medidas de compensação previstas na LRF”; (e.2) Na Lei Orçamentária Anual, não foram previstas as exigências consignadas no art. 14 da Lei 101/2000. Não há previsão de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício de 2011 e nos dois seguintes. se não há medida compensatória de arrecadação de tributos, que vise contrapesar os recursos dispensados caracterizada ficará a irregularidade;

(6) Responsabilidade (f) o Corpo Técnico “entendeu, equivocadamente, por sugerir a atribuição de responsabilidade ao Secretário de Estado de Finanças, solidariamente com o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado”.

(f) Esse argumento é alçado de forma evasiva e, completamente, solta, sem ser apresentado fundamento que o abata. A prática do ato de celebração do convênio foi do Secretário de Estado das Finanças, senhor BENEDITO ANTÔNIO ALVES, devendo o mesmo ser responsabilizado pela prática de seu ato; (f.2) Não se pode ignorar que esse ato é, tipicamente, de natureza política, e não seria celebrado o convênio se o Governador do Estado não tivesse ciência, ante a importância e relevância de um assunto como esse.

9. Concluiu, por fim, a Equipe Técnica nos

seguintes termos:

Procedida à análise da justificativa apresentada para presente denúncia, a qual não foi capaz de demonstrar a viabilidade e o interesse público, permaneceram os indícios de agressão a dispositivos constitucionais e da Lei

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de Responsabilidade outrora mencionados, como abaixo seguem:

DE RESPONSABILIDADE DO SENHOR BENEDITO ANTÔNIO ALVES, SOLIDARIAMENTE, COM O SENHOR CONFÚCIO AIRES MOURA – GOVERNADOR DO ESTADO DE RONDÔNIA:

01) Descumprimento do art. 14, da Lei Complementar 101/2000, pela celebração de Convênio ICMS, que acarretará renúncia de receita, sem observar as medidas contidas nesse mesmo artigo para compensar a medida;

02) Descumprimento dos princípios da moralidade (art. 37, caput, da Constituição da República), da razoabilidade, proporcionalidade, e da supremacia do interesse público sobre o interesse privado (princípios constitucionais implícitos), por firmar convênio de isenção de ICMS nas operações de importação e interestaduais, bem como autorizar a dispensa do estorno de crédito oriundo das operações isentadas, que se efetivarem acarretarão a perda de arrecadação de quantia significativa de receita, para os empreendimentos responsáveis pela construção das usinas hidrelétricas sem, contudo, demonstrar o interesse público e viabilidade econômica.

Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator

PAULO CURI NETO

Depois de realizada a instrução processual, recomenda-se ao Conselheiro Relator:

a) que a denúncia seja CONHECIDA, e no mérito seja considerada PROCEDENTE na forma regimental;

b) que determine a retificação do “assunto do processo” para DENÚNCIA – Concessão de isenção de ICMS às Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau nas operações de importação de máquinas, aparelhos e equipamentos industriais, suas partes e peças, sem similar no país, e o ICMS relativo ao diferencial de alíquotas nas aquisições e transferências interestaduais de bens destinados ao ativo

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imobilizado das empresas geradoras e concessionárias de transmissão de energia elétrica;

c) que determine aos responsáveis que se abstenham de aplicar a referida lei, por ser a mesma eivada de inconstitucionalidade pelo fato de ferir vários princípios constitucionais, e atentar contra o interesse público;

d) que aplique a punição dos responsáveis em pagamento de multa pecuniária, preconizada no art. 55, III, da Lei Complementar Estadual 154/1996, pela celebração de convênio e concessão de isenção fiscal nas operações de aquisição de equipamentos e máquinas para compor o ativo imobilizado das usinas, ato que atenta contra o interesse e o patrimônio públicos.

e) que remeta cópia do presente relatório àquele Parquet para conhecimento da abordagem realizada na justificativa apresentada pela Sefin a esta Corte de Contas.

10. Mediante o Parecer nº 362/2011 (fls. 167-207),

o Ministério Público de Contas, opinou, em síntese, pela

violação dos princípios da supremacia do interesse público,

da indisponibilidade do interesse público, da isonomia, da

razoabilidade, bem como do pacto federativo, pelas seguintes

razões:

(a) se mostra inadmissível, na espécie, é o Estado, diante da ameaça efetivada pelos contribuintes, deixar, simplesmente, de realizar a cobrança de tributos cuja incidência é incontestável. … não pode o gestor simplesmente dispor de potenciais recursos públicos, devendo, se for o caso, em atenção aos diversos princípios e regras que regem a atuação da Administração Pública, litigar até as últimas instâncias em prol do interesse do Estado;

(b) Na situação em comento, a defesa apresentada pelo Secretário da SEFIN, em consonância

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com a Lei Estadual nº 2.538/2011, aponta que a isenção não atende ao interesse público da comunidade local, qual seja, a utilização da máquina administrativa da maneira menos gravosa ao erário. Nem se pode argumentar que o benefício direcionou-se a fomentar o crescimento econômico do Estado, já que este foi escolhido por sua predisposição natural para a geração de energia hidrelétrica, independentemente de qualquer condição mais favorável às empresas interessadas. O fato supramencionado, aliado à circunstância de que a concessão para os empreendimentos fora efetivada anos antes da edição da lei e à inexistência de menção aos valores que seriam aplicados pelos consórcios, como investimentos ou compensações, em função do benefício, indicam que as únicas reais favorecidas pela isenção são as construtoras das Usinas;

(d) o gestor não pode dispor livremente de bens e interesses do Estado, que devem ser manejados exclusivamente em benefício da coletividade. … O procedimento, a toda prova, não é o mais adequado para a consecução do fim desejado pelo Estado, qual seja, a prestação de serviços públicos à sociedade. … a pretensão de delegar aos consórcios a realização de investimentos ou de compensações, além de infringir diretamente diversos Princípios de Direito Público, finda por enfraquecer o controle de gastos, facilitando o desvio de verbas públicas;

(e) Não existe especificação de quais seriam esses investimentos e em que local eles se dariam. Inexiste ainda estipulação do valor da “contrapartida” dos consórcios beneficiários, de forma que, no que atine a esses, o Termo caracteriza verdadeiro “cheque em branco”;

(f) o Governo Municipal deixará de arrecadar valores que poderiam ser direcionados ao atendimento de suas necessidades locais, além de não ter qualquer participação no direcionamento dos investimentos e compensações prometidos;

(g) Quanto ao estudo trienal sobre os impactos decorrentes do benefício, depreende-se, da defesa trazida pelo Senhor Wagner Luis de Souza, a ausência de qualquer trabalho ou estimativa com esse

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desiderato. … Não há também notícia acerca de qualquer sorte de medidas de compensação por meio do aumento de receita, nos termos da exigência prevista no inciso II do art. 14. … A omissão atinente à ausência de previsão, na Lei Orçamentária Anual do Estado, acerca do crédito advindo da arrecadação de ICMS, não pode servir de subterfúgio para a concessão de benefício fiscal. … A complacência com a omissão caracterizaria sério precedente que poderia ser utilizado por outras Unidades Jurisdicionadas da Corte de Contas, dificultando ações de controle;

(h) Ressalte-se que, no âmbito do Tribunal de Contas, tratando-se de lei propriamente dita, ou seja, de efeitos abstratos e impessoais, e estando-se diante de um caso concreto, caberia somente negar executoriedade àquela e, concomitantemente, representar aos órgãos legitimados para a impetração de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nada obstante, o normativo em comento pode, conforme externado, ser considerado ato administrativo em sentido material. Dessa ilação é possível aferir duas consequências substanciais. A primeira delas é de que a possibilidade de controle de constitucionalidade da lei por meio de ADIN é questionável. … tratando a lei em tela de ato administrativo em sentido material, entendo que poderia a Corte de Contas adotar as medidas previstas no artigo 49, IX, da Constituição Estadual de 1989. … O exato cumprimento da lei1, in casu, perpassa pela anulação Lei Estadual nº 2.538/2011, procedimento, inclusive, almejado pelo Parquet Estadual em sede de Ação Civil Pública. Não sendo acatada a determinação do Tribunal de Contas, este poderia sustar a execução do ato impugnado. [No entanto], o procedimento é desnecessário no momento, tendo em vista que a lei se encontra suspensa por decisão judicial;

1 Nesse sentido, devem ser considerados todos os argumentos

trazidos no vertente parecer, tais como: infringência a diversos princípios de Direito Público; desrespeito a artigos da Constituição Federal; e afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal. (nota constante do original)

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(i) a benesse conferida aos consórcios causaria alteração da equação econômico-financeiro do contrato celebrado, gerando o aumento substancial do lucro auferido pelas empresas, em detrimento do interesse público que deveria prevalecer;

Diante do exposto, o MPC se manifesta como segue:

I – Que se promova a retificação da autuação do feito, que deverá ser tratado como denúncia, considerando que foram atendidos os pressupostos legais e regimentais necessários a sua admissibilidade;

II – No mérito, seja a denúncia considerada procedente, tendo em vista que:

a) Sobre as importações de máquinas, aparelhos e equipamentos, pelos consórcios responsáveis pela Construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, incide, inequivocamente, o ICMS;

b) Em relação à aquisição e transferência interestadual de bens destinados aos ativos imobilizados das referidas empresas, o Estado deve, como o faz ordinariamente, considerar a incidência do imposto;

c) A isenção concedida pelo Estado afronta os seguintes Princípios: Supremacia do Interesse Público Sobre o Privado; Indisponibilidade do Interesse Público; Moralidade; Isonomia e Razoabilidade e Proporcionalidade;

d) A realização de compensações e investimentos, como contrapartida pela isenção conferida, enfraquece o controle de gastos públicos, facilitando o desvio, além do que não existem critérios objetivos regulando o quantitativo e os locais em que aqueles deverão ser aplicados;

e) A concessão de isenção pelo Estado de Rondônia, com fulcro na realização de compensações e investimentos, constitui lesão ao pacto federativo (afronta aos artigos 1º, 18 e 158, IV, da CF/88), na medida em que subtrai do Município a livre disposição da parcela de 25% do ICMS que lhe deveria ser repassada;

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f) A concessão da Renúncia de Receita (isenção) não observou os requisitos constantes dos incisos I e II, artigo 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal;

g) Não existe qualquer razão de interesse público que justifique a isenção concedida;

III – Represente-se, com o envio de cópia dos autos, ao Procurador-Geral da República e ao Procurador-Geral de Justiça do Estado, apontando as infringências, pela Lei Estadual nº 2.538/2011, a princípios constitucionais e aos artigos 1º, 18 e 158, IV, da CF/88, para que, em sendo o caso, interponham ADI;

IV – Represente-se, com o envio de cópia dos autos, com os mesmo fundamentos, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, considerando a legitimidade do órgão para a propositura de ADI;

V – Represente-se, com o envio de cópia dos autos, à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União, alertando os citados órgãos sobre a possível quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato assinado após os leilões promovidos pela ANEEL, para a construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, no Rio Madeira;

VI – Determine-se ao Secretário da SEFIN, com supedâneo no art. 48, IX, da Constituição Estadual de 1989, que, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, anule o ato administrativo em sentido material, consistente na Lei Estadual nº 2.538/2011, tendo em vista a infração a Princípios Constitucionais e de Direito Administrativo; a afronta aos artigos 1º, 18, e 158, IV, da CF/88; o não atendimento aos requisitos para a concessão de isenção, previstos no art. 14, I e II, da LRF e a ausência de interesse público para a concessão da benesse.

É o Parecer.

Porto Velho, 1º de Setembro de 2011.

Érika Patrícia Saldanha De Oliveira Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas

11. Em ato contínuo, vieram os autos conclusos.

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É o relatório.

Admissibilidade da Denúncia

12. É inequívoco o preenchimento dos requisitos de

admissibilidade, nos termos regulamentares e regimentais. O

denunciante, devidamente identificado, é sujeito

constitucionalmente legitimado, estando o petitório redigido

em termos compreensíveis (linguagem clara e objetiva),

acerca de matéria de competência desta Corte.

13. Afinal, cuida-se de renúncia de receitas

estaduais, acerca da qual cabe a esta Corte examinar não só

a legalidade formal – a conformidade cartesiana ao

ordenamento jurídico –, mas também a legitimidade e a

economicidade (art. 70, caput, da CF). A juridicidade das

renúncias de receitas, que recebe o tratamento de “gasto

tributário”, e seus reflexos no desempenho da arrecadação

são fatos que se encontram estritamente relacionados à

competência fiscalizadora e judicante desta Corte de Contas

(arts. 11 a 14, e 58 da Lei Complementar nº. 101/2000).

14. Sob um prisma constitucional, os escopos de

controle da juridicidade administrativa abrangem: (a) a

observância dos limites negativos e as exigências positivas

impostas pelos direitos fundamentais, como o postulado da

isonomia tributária, que veda tratamento discriminatório ou

privilegiado injustificado; (b) o cumprimento de objetivos e

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valores da comunidade jurídica, normalmente encartados em

princípios constitucionais, que norteiam as políticas

públicas, como ações afirmativas de redução de desigualdades

sociais e regionais; e (c) a obtenção de padrões razoáveis

de eficiência socioeconômica, com ênfase nos resultados

sociais e econômicos, mediante a realização de mais

benefícios sociais concretos com menor custo social (art.

69, parágrafo único, do Regimento Interno).

15. Não cabe a esta Corte de Contas realizar

controle abstrato de constitucionalidade de lei ou convênio

autorizador da renúncia de receitas, o que não significa,

evidentemente, que deva esta Corte aguardar pela consumação

de ilícitos administrativos para iniciar sua atuação,

podendo valer-se, se for o caso, de seus poderes inibitórios

(“cautelares”) para impedir concretamente ilícitos ao regime

jurídico administrativo, determinando o exato cumprimento da

ordem jurídica (art. 71, IX, da CF), conforme remansosa

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal2.

16. Relata o denunciante que se avizinha “imensa

renúncia de receitas”. Dessa forma, analisado sob o prisma

da teoria da asserção, resta inequivocamente caracterizado o

interesse de agir do Controle Externo, tendo em vista a

inquestionável relevância de que se revestem, em tese, os

fatos narrados, inclusive, para a futura verificação da

regularidade das contas dos responsáveis. A propósito,

assevera o candango Jorge Ulisses Fernandes Jacoby: “O

2 MS 24.510, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-11-2003,

Plenário, DJ de 19-3-2004.

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controle sobre as receitas e renúncia de receitas é tão ou

mais importante que o controle sobre a despesa”3.

17. Em contrapartida, assiste ao denunciante o

direito subjetivo, de origem constitucional (art. 74, §2º,

da CF), que impõe ao Tribunal de Contas a apreciação do

mérito e a proferição de um provimento, qualquer que seja o

seu conteúdo. Quer seja procedente ou não sua pretensão,

forçoso tecer loas à iniciativa do denunciante, cuja

atuação, demonstrando grande espírito de mobilização cívica,

submeteu ao crivo do Controle Externo questão que apresenta

inquestionável relevância social, sobre a qual os órgãos de

fiscalização não poderiam quedarem-se inertes. Posto isso,

voto pelo conhecimento da Denúncia.

18. Dessa forma, vencido o juízo de prelibação, em

preliminar, passa-se ao exame do mérito da denúncia.

Caracterização da Renúncia de Receitas

19. Embora fosse prescindível consignar, descabe a

esta Corte decidir sobre a eventual existência ou não de

créditos tributários. Para a verificação da renúncia de

receitas, basta o ato formal do qual resulte, em tese, a

frustração de receitas públicas, sponte propria da

Administração.

3 Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo

Horizonte: Fórum, 2003, p. 411.

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20. O denunciante, a esse respeito, identificou

adequadamente a autorização formal para que o Estado, em

tese, procedesse à concessão de isenção de ICMS, em favor

das concessionárias responsáveis pela construção e uso do

aproveitamento hidráulico das usinas de Santo Antônio e

Jirau no rio Madeira para geração de energia elétrica, sob o

regime de produção independente, mediante concessão de uso

de bem público, caracterizando a renúncia de receitas

tributárias (Convênio ICMS nº 47/2011/CONFAZ, ratificado

pelo Ato Declaratório 10/11, publicado no DOU, de 10.06.11).

Conforme ressaltou o Corpo Técnico, depois de protocolada a

denúncia, foi publicada, no DOE n°. 1793, de 11 de agosto de

2011, a Lei estadual nº 2.538/2011, internalizando no

ordenamento jurídico local, formalmente, a isenção fiscal

mencionada.

21. Foram excluídas do âmbito material da hipótese

de incidência de ICMS as aquisições de torres, cabos e

componentes das linhas de transmissão, instalações, máquinas

e equipamentos destinados à integração no ativo imobilizado

na construção e operação das usinas geradoras especificadas

no convênio, das subestações e das linhas de transmissão

correlatas, seja na importação, quando não houver similar no

território nacional, seja nas operações interestaduais, no

que tange ao chamado “diferencial de alíquota de ICMS” (art.

2º, §§1º a 3º, da Lei estadual nº 2.538/2011).

22. Os benefícios fiscais previstos no Convênio

ICMS nº 47/2011/CONFAZ enquadram-se nas hipóteses de isenção

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condicional (art. 179 do Código Tributário Nacional4),

concedida sem caráter geral, com prazo determinado até 2020,

cuja fruição depende do implemento dos seguintes requisitos:

(a) comprovação da efetiva aplicação das mercadorias nas

obras; (b) celebração de termo de compromisso, assinado pela

Coordenadoria da Receita do Estado – CRE, pelo Poder

Legislativo estadual e pelo contribuinte beneficiário,

“objetivando a realização pelas empresas beneficiárias de

outros investimentos no Estado e aumento das compensações”;

(c) inexistência de produto similar produzido no país, no

caso de importação (cláusula segunda, I).

23. Além da isenção fiscal, autorizou a norma

estadual mencionada a “dispensa da cobrança dos débitos

fiscais decorrentes da anulação do benefício previsto no

item 74, do Anexo I da Tabela I do Regulamento do [ICMS]”

(art. 1º), cuja desoneração tenha sido definitivamente

reconhecida em processo administrativo regular, antes da

anulação do benefício fiscal, com efeitos retroativos, pelo

Decreto nº 15.858, de 26.4.2011, em razão da ausência de

autorização do CONFAZ.

24. O benefício a que se refere o dispositivo

anulado (item 74 RICMS) cuida de isenção relativa às

operações de importação e de entrada interestadual “de bem

novo, sem similar no mercado interno deste estado, destinado

4 “Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é

efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para concessão”.

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ao ativo imobilizado de estabelecimento industrial,

agropecuário, de empresa de construção civil ou de empresa

concessionária da prestação de serviços públicos de

radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e

gratuita”.

25. As usinas hidrelétricas, em tese, enquadram-se

no conceito de “instalação industrial destinada à produção

de energia elétrica, mediante exploração de potencial

hidráulico”, conforme definição adotada pela ANEEL. Por essa

razão, as concessionárias geradoras de energia elétrica no

Complexo do rio Madeira também foram beneficiadas pela

“dispensa do pagamento”.

26. No tocante à autorização para dispensar o

estorno dos créditos tributários obtidos com a isenção

analisada no relatório técnico inaugural (§4º do art. 2º da

Lei nº. 2.538/2011), houve a prejudicialidade superveniente

do exame da matéria, porque o dispositivo mencionado foi

vetado pelo Poder Executivo, “por inconveniência”, razão

pela qual não houve a internação na ordem jurídica local

desse benefício em especial.

27. Não há controvérsia sobre a sujeição das

operações de importação de bens à hipótese de incidência de

ICMS em favor do Estado destinatário da mercadoria, ainda

que não seja contribuinte habitual do imposto e qualquer que

seja a finalidade do bem, como reconhece o fisco estadual

(art. 155, IX, “a”, da CF, com a redação dada pela Emenda

Constitucional nº 33/2001, combinado com os arts. 2º, §1º,

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I, 4º, parágrafo único, I, 12, IX, da Lei Complementar

federal nº 87/1996).

28. Como demonstrado pela Equipe Técnica, a

jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, quando o

desembaraço aduaneiro é realizado em Estado diverso daquele

onde estiver domiciliado o destinatário jurídico da

mercadoria, “o sujeito ativo da relação tributária do ICMS é

o Estado onde está domiciliado o estabelecimento

destinatário do bem”5.

29. Tal constatação, que não é repudiada pela

Administração tributária, espanca a sua alegação de que a

incidência de ICMS na importação “é uma questão jurídica

cercada de dúvidas que pode se arrastar por anos no

judiciário”. A tentativa da Secretaria de Finanças de

controverter a incidência de ICMS nessas operações é

temerária e infundada, senão contraditória. Como visto,

ainda que o contribuinte possua diversos estabelecimentos

(isto é, a base física onde são realizadas as atividades

empresariais), o que importa é o domicílio do

“estabelecimento destinatário do bem”, e não o do

estabelecimento de sede, filial ou sucursal outra.

5 “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. 2.

Tributário. ICMS. Importação. 3. Sujeito ativo. estado-membro em que localizado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria importada, independentemente de onde ocorra o desembaraço aduaneiro. 4. Incidência da Súmula 279. 5. Agravo regimental a que se nega provimento”. (ARE 642416 AgR, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-03 PP-00413). Cf., também: AI 816953 AgR, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 02/08/2011, DJe-158 DIVULG 17-08-2011 PUBLIC 18-08-2011 EMENT VOL-02568-04 PP-00599, grifo acrescentado

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30. Por sua vez, quanto ao diferencial de

alíquota, incidente nas aquisições e transferências

interestaduais de bens destinados ao ativo imobilizado,

realmente a questão pode suscitar certa controvérsia. Mas, o

Ministério Público de Contas, corretamente, observou que “o

exame acurado dos precedentes trazidos à tona não contribui

de forma definitiva para o deslinde da contenda”, de modo

que o resultado de eventual lide “é deveras imprevisível”

(fl. 181). De qualquer sorte, não há porque controverter

para efeito do reconhecimento da possibilidade de

tributação, já que a isenção está formalmente internalizada

no ordenamento jurídico local. A concessão formal da isenção

tributária parte do pressuposto lógico de que há

presumivelmente crédito tributário a ser excluído, segundo a

sistemática adotada pelo Código Tributário Nacional (art.

175, I, da Lei federal nº 5.172/1966). Ressalte-se,

entretanto, que, aparentemente, é a isenção nas operações de

importação que, em tese, mais impactará a arrecadação.

31. Portanto, caracterizada a diminuição potencial

da arrecadação de tributo com função predominantemente

fiscal, acarretando o consequente aumento da disponibilidade

econômica do contribuinte, e, resultando em tratamento

tributário diferenciado que alcança, especificamente, grupo

determinado e identificado de contribuintes6, resta

devidamente caracterizada a renúncia de receitas, na forma

6 NOBREGA, Marcos. Renúncia de Receita; guerra fiscal e tax

expenditure: uma abordagem do art. 14 da LRF. Disponível em: <http://www.eclac.org/ilpes/noticias/paginas/6/13526/MarcosNobrega1.pdf>. Acesso em 30 de agosto de 2011.

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do art. 14, §1º7, da Lei Complementar nº 101/2000, combinado

com o art. 165, §6º, da CF.

Da Responsabilidade Fiscal: ausência do demonstrativo da estimativa do impacto orçamentário-financeiro na lei orçamentária anual (art. 165, §6º, da CF), da estimativa do impacto nas metas fiscais e do cumprimento das medidas de compensação fiscal (art. 14, I e II, da LRF)

32. Caracterizada a renúncia de receitas, forçoso

que seja examinado o cumprimento dos requisitos

constitucionais e legais pertinentes à responsabilidade

fiscal e ao planejamento orçamentário.

33. Observou o Corpo Técnico que, diferentemente

do que preceitua a Lei Complementar nº 101/2000, ao

“analisar a Lei de Diretrizes orçamentárias [Lei nº. 2339,

de 21 de julho de 2010], verifica-se que esse instrumento é

silente em relação à isenção das operações das usinas

hidrelétricas”. De outra banda, na Lei Orçamentária Anual

(Lei nº. 2.368, de 22 de dezembro de 2010), “não há previsão

de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no

exercício de 2011 e nos dois seguintes”, circunstância que

não é objetada pela Secretaria de Finanças.

7 “Art. 14. (…) § 1º. A renúncia compreende anistia, remissão,

subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”.

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34. Com efeito, não há controvérsia quanto ao fato

de que “não consta do orçamento a previsão para a renúncia

alardeada”, conforme reconhece a Secretaria de Finanças. Tal

constatação implica, evidentemente, violação ao preceito

acautelador constitucional (art. 165, §6º) que determina a

estimação do impacto, no planejamento orçamentário, de todas

as renúncias de receitas (“isenções, anistias, remissões,

subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e

creditícia”), mediante demonstrativo específico a ser

encaminhado, no projeto de lei orçamentária anual.

35. A obrigação de demonstrar, formalmente, o

impacto dos benefícios fiscais, financeiros e creditícios no

planejamento orçamentário e financeiro constitui reflexo

especial do princípio da transparência orçamentária e

fiscal. A renúncia de receitas, na sistemática

constitucional do orçamento, possui tratamento de nova

despesa pública, a chamada despesa tributária, porque produz

semelhante resultado econômico do gasto público8. Objetivou

o Poder Constituinte propiciar o controle político (art.

165, §6º, da CF) e jurídico (art. 70, caput, da CF) dos

benefícios tributários, fiscais e creditícios.

8 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e

Tributário. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 165: “(…) para o equilíbrio orçamentário, torna-se necessário não só diminuir a despesa pública como também evitar as renúncias de receitas. A expressão renúncia de receitas, equivalente a gasto tributário (tax expenditure), entrou na linguagem orçamentária americana nas últimas décadas e adquiriu dimensão universal pelos trabalhos de Surrey. Gastos tributários ou renúncias de receitas são mecanismos financeiros empregados na vertente da receita pública (isenção fiscal, redução de base de cálculo ou de alíquota de imposto, depreciações para efeito de imposto de renda, etc.) que produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública (subvenções, subsídios, restituições de impostos, etc.)”.

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36. Com base nos princípios do equilíbrio, do

planejamento e transparência, a Lei de Responsabilidade

Fiscal, complementando a sistemática constitucional, inibiu

a renúncia de receitas inopinada. Receita potencial não

arrecadada significa comprometimento da capacidade de

investimento e financiamento direto dos serviços públicos e,

no caso extremo, comprometimento do equilíbrio financeiro e

orçamentário.

37. A Lei Complementar federal nº 101/2000 tornou

obrigatório que o demonstrativo de renúncia fiscal conste

não só do orçamento anual, mas também da lei de diretrizes

orçamentárias (art. 4º, §1º, V), responsável por garantir o

equilíbrio das contas públicas. De fato, uma das funções

constitucionais da LDO é planejar as alterações da

legislação tributária, por conta de seus efeitos nas

finanças estatais (art. 165, §2º, da CF).

38. Para justificar a não observância das

exigências consignadas no art. 14 da Lei Complementar nº.

101/2000, o Secretário de Estado das Finanças alega que a

receita relativa às isenções analisadas não foram previstas

no orçamento, de modo que não implicaria em desequilíbrio

das contas públicas a criação dos benefícios fiscais.

39. Entretanto, é forçoso notar que tal alegação

contradiz-se com o que foi informado ao juízo da 1º Vara da

Fazenda Pública pela própria Secretaria de Finanças.

Conforme se relata na decisão interlocutória de mérito

proferida na ação civil pública, a Administração estadual

informou que há “lançamentos já realizados desde janeiro de

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2008 que serão atingidos pela isenção”, estimando-os em

aproximadamente cem milhões de reais. Logo, não é, em

absoluto, crível que a Administração, mesmo constituindo os

créditos tributários há três anos, alegue que tais receitas

não foram consideradas na estimativa da arrecadação.

40. De acordo com o princípio da universalidade

orçamentária, todas as receitas públicas, em tese, devem

encontrar-se previstas no orçamento, daí porque existe

demonstrativo próprio para especificar as renúncias de

receitas9. Com efeito, verifica-se que não há na lei

orçamentária vigente quaisquer estimativas de renúncia de

receitas. Logo, se houve a autorização para a concessão

formal de isenção fiscal, é lógico deduzir que a receita ora

renunciada encontrava-se, em tese, prevista na estimativa

global, já que não estava incluída do demonstrativo de

renúncia de receitas.

41. Quanto à outra alegação da Administração

estadual de que “não existe certeza dessa receita”,

novamente se contradiz com a assertiva, por ela mesma

consignada, de que “não existe dúvidas acerca da incidência

de ICMS nas operações de importação”. Evidentemente, a

estimativa da receita não exige a certeza da arrecadação mas

apenas a sua probabilidade razoável.

9 O princípio da universalidade orçamentária, que “exige que

todas as receitas sejam previstas na lei orçamentária, sem possibilidade de qualquer exclusão” (voto do Ministro Relator Gilmar Mendes na ADI-MC nº 3.949, plenário, julgado em 14.8.2008)

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42. Com base em tais argumentos evasivos, o Poder

Público não pode se eximir do dever, ínsito ao planejamento

fiscal e orçamentário, de estimar quantitativamente o

impacto das renúncias de receitas já consumadas ou a

consumar, ainda que a arrecadação seja prevista globalmente.

A ausência de inclusão e estimação da isenção de tributo com

função predominantemente fiscal, no demonstrativo próprio da

lei orçamentária anual, resulta em flagrante ofensa ao

princípio da transparência e do planejamento orçamentário,

de sede constitucional.

43. Ora, a lei de diretrizes orçamentárias para o

exercício de 2011 estabeleceu como prioridades da

Administração Pública estadual, dentre outras: “recuperar a

capacidade de investimento, com base no aperfeiçoamento dos

mecanismos de arrecadação, da racionalização dos gastos

públicos e da alavancagem de recursos de modo a ampliar o

acesso da população a serviços sociais básicos prestados com

eficiência e eficácia” e “aumento real da arrecadação

tributária” (art. 4º, II e VII, da Lei nº 2.339/2010).

44. Por sua vez, observou o Corpo Técnico que a

LDO expressamente condicionou a concessão ou ampliação de

isenção, incentivo ou benefício fiscal, à realização de

“medidas de compensação previstas na Lei Complementar

Federal nº 101, de 2000” (art. 33). Logo, a lei de

diretrizes orçamentárias dispôs que qualquer concessão de

benefício tributário ou financeiro afetará as metas fiscais,

bem como o cumprimento dos objetivos prioritários de aumento

da arrecadação e da capacidade de investimento. De fato, na

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Tabela 8 do Demonstrativo VII da LDO consta que “Não serão

realizadas medidas com impacto negativo na arrecadação”.

45. Hodiernamente, a criação de benefícios fiscais

não previstos nas leis orçamentárias viola o princípio do

planejamento fiscal. Moacir Marques da Silva, nessa esteira,

sustenta que, “a partir da edição da LRF, os Tribunais de

Contas têm suporte legal para rejeitar as prestações de

contas executadas sem a observância a este dispositivo por

contrariar o princípio do planejamento público”10.

46. Acertadamente, aduziu o Corpo Técnico de que

não se desincumbiu a Administração de demonstrar, nos seus

esclarecimentos, que (a) o impacto dessa isenção fiscal foi

previsto na elaboração do orçamento, (b) que não afetará as

metas fiscais ou (c) que serão adotadas medidas fiscais

compensatórias da perda de arrecadação no exercício de

vigência ou nos dois seguintes, conforme preceitua o art.

14, I e II, da Lei Complementar nº. 101/2000, caracterizando

inobservância ao princípio do planejamento fiscal (art. 1º,

§1º).

47. Como já registrado acima, a Secretaria de

Finanças, a despeito de lhe haver sido oportunizado, não

demonstrou, quantitativamente, o impacto dessa renúncia nos

cofres estaduais, o que implica ofensa ao princípio da

prudência fiscal, ínsito ao planejamento. Ainda que não

tenham sido reunidos dados suficientes para estimar o

10 Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal: abordagem

contábil e orçamentária para os municípios. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 64.

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impacto tributário – e a Administração não se preocupou em

fazê-lo –, é mais do que razoável presumir, em face da

enorme envergadura da obra, que a desoneração tributária há

de refletir consideravelmente na arrecadação, mormente na

isenção das operações de importações11.

48. Com efeito, pelas informações parciais

coligidas, até o momento, há severos indicativos de que os

benefícios fiscais em questão comprometerão sobremodo o

potencial de investimento estatal no curto e longo prazo, já

11 Pelas informações colacionadas pelo Corpo Técnico e que não

foram impugnadas pela Administração, todas as turbinas para a geração de energia, ao menos na Hidrelétrica de Jirau, serão adquiridas mediante importação da China e da Europa. Possivelmente, dada a complexidade e envergadura do empreendimento do Complexo do Rio Madeira, outros materiais também advirão do comércio exterior, hipótese na qual é aplicável a alíquota interna. Confiram-se, a propósito, os seguintes despachos, publicados na imprensa oficial da União: “O PRESIDENTE DAS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. - ELETROBRÁS, no exercício da competência subdelegada pela Portaria do Ministério de Minas e Energia - MME nº 143, de 2 de abril de 2008 (D.O.U. de 3 de abril de 2008), e tendo em vista o disposto no Decreto no 1.387, de 7 de fevereiro de 1995, modificado pelos Decretos nos 2.349, de 15 de outubro de 1997, e 3.025, de 12 de abril de 1999, resolve autorizar o seguinte afastamento do País: NOME: Ricardo de Oliveira Melo CARGO/FUNÇÃO: Engenheiro ÓRGÃO: CHESF PAÍS DE DESTINO: Coréia do Sul FINALIDADE: Manter a Chesf atualizada na tecnologia das subestações abrigadas à SF6, visando a adoção dessa tecnologia no Complexo Hidroelétrico do Jirau. PERÍODO: 20/06/2008 a 29/06/2008 TIPO DE AFASTAMENTO: Com ônus ENQUADRAMENTO DA VIAGEM: Artigo 1º, Inciso IV” (DOU Nº 116, quinta-feira, 19 de junho de 2008).

“O PRESIDENTE DAS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. - ELETROBRÁS, no exercício da competência subdelegada pela Portaria do Ministério de Minas e Energia - MME nº 143, de 2 de abril de 2008 (D.O.U. de 3 de abril de 2008), e tendo em vista o disposto no Decreto no 1.387, de 7 de fevereiro de 1995, modificado pelos Decretos nos 2.349, de 15 de outubro de 1997, e 3.025, de 12 de abril de 1999, resolve autorizar o seguinte afastamento do País: NOME: Eduardo Manuel da Mota Silveira CARGO/FUNÇÃO: Engenheiro ÓRGÃO: CHESF PAÍS DE DESTINO: China FINALIDADE: Integrar a comitiva de técnicos oriundos das empresas sócias do Consórcio Energia Sustentável do Brasil - ESBR, para participar de discussões técnicas relativas à definição da escolha da Empresa Dongfang Electric Machinery Company Limited e das Empresas associadas CITIC/Harbin Electric Machinery Company, Ltd., como fornecedoras das turbinas e dos geradores que irão equipar o aproveitamento Hidrelétrico Jirau PERÍODO: 18/09/2008 a 04/10/2008 TIPO DE AFASTAMENTO: Com ônus ENQUADRAMENTO DA VIAGEM: Artigo 1o, Inciso IV” (DOU nº 181, quinta-feira, 18 de setembro de 2008).

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que o convênio possui autorização para vigorar até o

exercício de 2020, o que, como se viu, não se encontra

consentâneo com as prioridades democraticamente impostas ao

Poder Público.

49. Realmente, apenas com relação aos efeitos

retroativos do benefício fiscal, conforme informações

obtidas na ação civil pública promovida pelo Ministério

Público do Estado, “a relação dos lançamentos já realizados

desde janeiro de 2008 que serão atingidos pela isenção já

montam a casa dos cem milhões de reais, … somente em relação

às empresas Energia Sustentável, Santo Antônio Energia,

Consórcio Santo Antônio Civil e Construtora Norberto

Odebrecht”. A estimação da perda da arrecadação potencial

futura é, até o momento, ignorada, mas, muito provavelmente,

adentrará também nas casas das centenas de milhões. Trata-

se, como se vê, de considerável quantia de receitas

tributárias renunciadas que, não custa relembrar, possui o

mesmo efeito econômico de gasto público. É maior do que a

dotação de diversas unidades orçamentárias estaduais.

50. Comparativamente, o valor estimado da renúncia

dos créditos retroativos, de 2008 a 2011, corresponde a:

330% da dotação orçamentária inicial da Defensoria Pública

(R$ 30.263.300,00); 607% da Controladoria Geral do Estado

(R$ 16.451.664,00); 414% da Secretaria de Estado de Ação

Social (R$ 24.113.824,00); 181% da Secretaria de Estado de

Desenvolvimento Econômico e Social (R$ 55.184.764,00); 19,7%

da Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (R$

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506.542.849,00); 19,3% do Fundo Estadual de Saúde (R$

517.568.728,00) etc12.

51. Os órgãos e fundos contábeis acima elencados

não foram aleatoriamente escolhidos. Segundo pesquisa da

Data Folha, datada de março de 2007, “a violência é hoje o

maior problema do País na opinião de 31% dos brasileiros

(…). Em seguida, vêm o desemprego (22%), a saúde (11%), a

educação (9%) e a fome/miséria (7%) (Folha de S. Paulo, São

Paulo, 25 mar. 2007, p. A1)”13.

52. Estatísticas recentes da Organização Mundial

da Saúde apontam que a cidade de Porto Velho,

particularmente, foi apontada como a quarta capital mais

violenta do país, com índice de homicídio sete vezes

superior à tolerância14. A situação não é nova, como se

sabe. No ano de 2006, em estudo de saúde coletiva, concluiu-

se que “Porto Velho, Macapá, Vitória, Rio de Janeiro e

Cuiabá são as capitais com os maiores índices de violência

premeditada – altos índices de homicídios e lesões

corporais15”.

12 Fonte: Lei estadual nº 2.368, de 22 de dezembro de 2010 – Lei

Orçamentária Anual do exercício de 2011. 13 Extraído de: <http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=84>. 14 Extraído de seguinte sítio eletrônico:

http://www.vilhenahoje.com.br/modulos.php?mod=news&arquivo=sys_news_comentlist&showmaster=sys_news&id=560&PHPSESSID=259bd58b5c9fb91e4875480ea1135edb.

15 SOUZA, Edinilsa Ramos; LIMA, Maria Luiza Carvalho de. The

panorama of urban violence in Brazil and its capitals. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2006, vol.11, n.2, pp. 363-373. ISSN 1413-8123. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1413-81232006000200014&lng=en&nrm=iso&tlng=en. Tradução livre.

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53. No mesmo ano em que obteve a aprovação do

benefício fiscal pelo CONFAZ, o Poder Executivo estadual

decretou estado de calamidade na saúde pública (Decreto nº.

15640, de 4 de janeiro de 201116), cuja carência de recursos

culminou recentemente em acordo firmado entre os Poderes

constituídos para o repasse de transferência de receitas do

DETRAN para a saúde pública.

54. O exemplo da educação pública é emblemático.

Muito embora a nota geral estadual tenha apresentado

evolução em relação ao biênio anterior, está bastante aquém

da meta a ser atingida até 2021 – a nota 6, patamar

educacional dos países membros da Organização para a

Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Ocorre que o fisco

estadual está, até 2020, renunciando a vultosas quantias de

receitas tributárias, cujo valor total, com exceção do

período retroativo, ainda é ignorado.

55. Ora, é consequência natural da renúncia de

receitas tributárias a diminuição da base de cálculo do 16 “O GOVERNADOR DO ESTADO DE RONDÔNIA, no uso das atribuições que

lhe confere o art. 65, inciso V, da Constituição Estadual, e Considerando a deficiência das ações e serviços de saúde no

Estado de Rondônia e a situação dramática a que se chegou, com notório prejuízo do atendimento na rede hospitalar e das unidades do serviço de saúde, com grave risco para a própria preservação da vida humana; (continuação na próxima folha)

Considerando a necessidade de ações para atendimento emergencial na área de saúde deste Estado; e

Considerando, finalmente, que tal conjuntura impõe ao Governo Estadual a adoção de medidas rgentes e especiais,

D E C R E T A: Art. 1º. Fica declarado estado de perigo iminente e de

calamidade pública do setor hospitalar público do Estado de Rondônia. Art. 2º. Enquanto perdurar a situação declarada no artigo anterior ficam disponíveis para atendimento aos serviços necessários da rede hospitalar, todos os bens, serviços e servidores da Administração Pública Direta e Indireta”.

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montante de recursos de aplicação obrigatória pelo Poder

Público na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212

da CF) e no serviço público de saúde (art. 77, II, §4º, do

ADCT). Ou seja, o Estado investirá menos recursos nessas

áreas essenciais. Sabe-se que, historicamente, o Poder

Público dificilmente investe mais do que lhe é exigido, até

mesmo por conta da limitação de recursos.

56. Além do seu evidente impacto orçamentário, há

sérios riscos de as metas fiscais serem prejudicadas, já que

a previsão das receitas primárias – R$ 4.313.970.258 – é

menor do que a das despesas de mesma natureza – R$

4.600.623.162 –, resultando em um déficit primário projetado

de (R$ 286.652.904). Ou seja, a previsão das receitas não

financeiras não se mostra suficiente para o pagamento das

despesas não financeiras, o que é indicativo de uma elevação

do endividamento.

57. Considerando a tendência verificada no

exercício pretérito, não é difícil perceber que o déficit

primário poderá ser, em tese, ainda mais agravado pela

vultosa renúncia de receitas ora analisada, o que

significará o aumento do endividamento público além do

presente. Curioso notar que, contrariamente, pelo resultado

nominal projetado para o exercício presente – (R$

126.666,957) –, foi estipulada a meta de diminuição do

estoque da dívida líquida do setor público.

58. Logo, em termos de planejamento fiscal, a

promoção de significativa e duradoura renúncia de receitas

mediante a criação de benefícios fiscais, não se revela

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compatível com um cenário que demonstra tendência ao déficit

primário e, ao mesmo, a meta de redução da dívida pública.

Não há qualquer sentido que, por força de norma nacional de

finanças públicas (art. 4º, §1º, da Lei Complementar nº

101/2000), metas fiscais sejam estipuladas para que sejam

ignoradas e menoscabadas. Diante da rejeição das alegações

evasivas apresentadas, não comprovou o Estado que os

benefícios fiscais em tela não impactarão as metas fiscais

estipuladas.

59. Esclareça-se, para espancar quaisquer dúvidas,

que o fato de se verificar excesso de arrecadação não

significa que não haverá impacto nas metas fiscais, haja

vista que, por exemplo, no exercício de 2009, em que pese o

excesso da arrecadação de 24,57% da receita inicialmente

prevista, o Estado fechou o exercício, ainda assim, com um

déficit primário de (R$ 262.496.650), resultando em

consequente aumento da dívida consolidada líquida (fl. 42).

60. De outro lado, é absolutamente ignorado, em

sua qualidade e expressão financeira, o suposto investimento

“na área social” a ser realizado pelos contribuintes

beneficiários a título de contraprestação pela concessão da

isenção fiscal, conforme “termo de compromisso” a ser

firmado com a Coordenadoria da Receita Estadual e a

Assembleia Legislativa. Não há mínimo detalhamento sobre as

ações e programas que serão realizados, como bem ressaltou o

Ministério Público de Contas e o Corpo Técnico.

61. Mas, ainda que houvesse, de qualquer forma,

não implicaria no cumprimento do inciso II do art. 14 da Lei

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Complementar nº 101/2000 e do art. 33 da Lei de Diretrizes

Orçamentárias para o exercício de 2011, pois a compensação

exigida pelo legislador complementar nacional é de caráter

estritamente fiscal, isto é, incremento da receita

financeira pública.

62. Dessa forma, forçoso concluir que, na criação

do benefício tributário em tela, as exigências de

responsabilidade fiscal não foram cumpridas.

63. Como visto acima, as consequências não se

restringem ao aspecto orçamentário e fiscal, mas refletem no

aspecto social, notadamente, pela diminuição da capacidade

de investimento do Estado como condição para o cumprimento

de políticas públicas essenciais a curto e longo prazo. Daí

uma das razões, insista-se novamente, de a estimativa do

impacto financeiro e orçamentário das renúncias de receitas

constar de exigência constitucional (art. 165, §6º, da CF),

à qual cabe ao intérprete conferir-lhe máxima efetividade.

64. Por essa razão, os benefícios fiscais criados

pela Lei estadual nº 2.538/2011 ofendem ao princípio da

transparência e planejamento orçamentário, conforme disposto

no art. 165, §6º, da CF, bem como ofendem aos pressupostos

de responsabilidade fiscal, previstos nos arts. 1º, §1º, 4º,

§1º, 5º, I, II, e 14 da Lei Complementar nº 101/2000,

combinada com o art. 33 da Lei nº 2.339/2010, a lei de

diretrizes orçamentárias para o exercício de 2011.

65. Como bem notou o Corpo Técnico e Parquet de

Contas, hipoteticamente, ainda que fossem atendidos os

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pressupostos de responsabilidade fiscal, o benefício fiscal

possui vícios intrínsecos que impedem o reconhecimento da

regularidade da renúncia de receitas. Ei-los, na avaliação

deste Relator:

(a) inconstitucionalidade formal, em razão da

ausência de autorização dos Estados para a

retroatividade dos benefícios fiscais

relativos a ICMS;

(b) inconstitucionalidade formal, em razão

ausência de autorização dos Estados para a

“dispensa de Cobrança” de créditos de ICMS

resultantes da anulação de isenção fiscal

criada sem prévia deliberação do CONFAZ;

(c) inconstitucionalidade formal da

interveniência do poder legislativo na

concessão administrativa do benefício fiscal;

(d) inconstitucionalidade material do

benefício fiscal em face do princípio da

isonomia;

(e) inconstitucionalidade material do

benefício fiscal em face do princípio da

supremacia do interesse público;

(f) inconstitucionalidade material por

violação ao princípio da moralidade e não

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observância do art. 176 do Código Tributário

Nacional; e

(g) inconstitucionalidade material por

violação ao princípio da razoabilidade e da

proporcionalidade.

66. É o que será analisado doravante.

Ausência de autorização dos Estados para a retroatividade dos benefícios fiscais relativos a ICMS (art. 155, §2º, XII, “g”, da CF)

67. Preliminarmente, observa-se que a lei estadual

extrapolou os limites da autorização contida no Convênio

ICMS nº. 47/2011/CONFAZ quando determinou a aplicação

retroativa do benefício, na forma do art. 2º, §5º, in

verbis:

Lei nº. 2.538, de 11 de agosto de 2011.

Art. 2º. Ficam isentas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS as importações de máquinas, aparelhos, equipamentos, suas partes e peças e outros materiais, sem similar nacional, e a aquisição e a transferência interestadual de bens destinados a integrar o ativo imobilizado, adquiridos para a construção e operação das usinas hidrelétricas e linhas de transmissão por empresas geradoras e concessionárias de transmissão de energia

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elétrica relacionadas às Usinas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira.

§ 5°. O disposto neste artigo aplica-se às operações realizadas a partir de 1º de janeiro de 2008.

68. Não há, no convênio multimencionado, qualquer

menção à eficácia retroativa, já que sua cláusula terceira

dispôs que entraria em vigor “na data da publicação de sua

ratificação nacional, produzindo efeitos até 31 de dezembro

de 2020”.

69. A legislação tributária que outorgue isenção

deve ser interpretada literalmente (art. 111, II, do CTN).

Por força constitucional, o convênio emanado do CONFAZ é

pressuposto jurídico indispensável e delimitador das normas

de não-incidência de ICMS, nos aspectos material, espacial,

pessoal, temporal e quantitativo.

70. Dessa forma, forçoso concluir que a concessão

da isenção, com efeito retroativo, extrapola a autorização

do CONFAZ, o que torna a lei estadual, no ponto, conspurcada

de inconstitucionalidade formal. A jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal é remansosa a esse respeito:

“ICMS – Benefício fiscal – Isenção. Conflita com o disposto nos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, alínea g, da CF decreto concessivo de isenção, sem que precedido do consenso das unidades da Federação.” (ADI 2.376, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 1º-7-2011.)

ICMS e repulsa constitucional à guerra tributária entre os Estados-membros: o legislador constituinte republicano, com o propósito de impedir

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a ‘guerra tributária’ entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreveu diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela CF, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo, (b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais. Convênios e concessão de isenção, incentivo e beneficio fiscal em tema de ICMS: a celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios – enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS – destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. Matéria tributária e delegação legislativa: a outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao chefe do Executivo a prerrogativa

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extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADI 1.296/PE, Rel. Min. Celso de Mello." (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário, DJ de 8-9-1995.)

71. Dessa forma, forçoso concluir pela

inconstitucionalidade chapada do §5º do art. 2º da Lei nº

2.538/2011, por violação à alínea “g” do inciso XII do §2º

do art. 155 da CF.

Ausência de autorização dos Estados para a “dispensa de Cobrança” de créditos de ICMS resultantes da anulação de isenção fiscal criada por regulamento do Poder Executivo (art. 155, §2º, XII, “g”, da CF)

72. De outro lado, a autorização para dispensa de

cobrança prevista no art. 1º da lei estadual não encontra

respaldo no convênio autorizador. Reitere-se que a

convalidação de uma isenção de ICMS inconstitucional (por

ausência de autorização do Confaz) anteriormente concedida,

deve sujeitar-se aos mesmos requisitos constitucionais da

isenção, porque, a despeito do nomen juris, possui natureza

jurídica a ela equiparada; tanto que parte da doutrina e

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alguns precedentes judiciais conceituam a isenção fiscal

como hipótese de dispensa legal do pagamento do tributo17.

73. De qualquer forma, mesmo que, eventualmente,

encarado o benefício fiscal como uma remissão – o que não

seria o mais acertado –, sua validade estaria sujeita à

deliberação e autorização dos Estados da Federação, já que

todos os benefícios fiscais relativos ao ICMS a esse

pressuposto de validade se sujeitam. Afinal, o texto

constitucional utiliza não só conceitos fechados

(“isenções”), mas também expressões genéricas (“incentivos e

benefícios fiscais”). A ratio decidendi se extrai do

seguinte precedente do STF:

“‘Guerra fiscal’ – Pronunciamento do Supremo – Drible. Surge inconstitucional lei do Estado que, para mitigar pronunciamento do Supremo, implica, quanto a recolhimento de tributo, dispensa de acessórios – multa e juros da mora – e parcelamento.” (ADI 2.906, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 29-6-2011.)

17 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional

Tributário. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 730-1. Confira, também: “A não incidência do tributo equivale a todas

as situações de fato não contempladas pela regra jurídica da tributação e decorre da abrangência ditada pela própria norma. A isenção é a dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência de seu fato gerador. Constitui exceção instituída por lei à regra jurídica da tributação. A norma legal impugnada concede verdadeira isenção do ICMS, sob o disfarce de não incidência. O art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da CF, só admite a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais por deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênio” (ADI 286, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 22-5-2002, Plenário, DJ de 30-8-2002.).

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74. Dessa forma, o texto normativo do art. 1º e do

§5º do art. 2º da Lei nº. 2.538/2011 são, formalmente,

inconstitucionais, em face da alínea “g” do inciso XII do

§2º do art. 155 da CF, conforme os precedentes acima

analisados.

Inconstitucionalidade Formal da Interveniência do Poder Legislativo na Concessão Administrativa do Benefício Fiscal

75. O diploma legislativo estadual ora analisado

confere à Assembleia Legislativa a posição de “INTERVENIENTE

ANUENTE” do termo de compromisso a ser firmado entre a

Coordenadoria da Receita Estadual – CRE e os contribuintes

beneficiados, cabendo-lhe definir a aplicação de 10% (dez

por cento) do montante de investimento a ser realizado, sob

pena de cancelamento automático e revogação do benefício

fiscal. A vigência do acordo administrativo está

condicionada à “anuência da Assembleia Legislativa” (art.

2º, §2º, III, e cláusula segunda, parágrafo único, e

cláusulas terceira e quinta do Anexo Único da Lei nº

2.538/2011).

76. Vide a disposição dos textos legais

mencionados:

Art. 2º. (…)

§2º A fruição da isenção prevista neste artigo fica condicionada:

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III – à celebração de termo de compromisso, nos termos do anexo único, objetivando a realização pelas empresas beneficiárias de outros investimentos no Estado e aumento das compensações, além das obras especificadas neste artigo.

ANEXO ÚNICO

Termo de Compromisso que entre si celebram a Coordenadoria da Receita Estadual de Rondônia e (…), com a interveniência da Assembleia Legislativa do Estado, para concessão da isenção prevista no Convênio ICMS nº 47, de 23 de maio de 2011.

Cláusula segunda. A EMPRESA compromete-se a realizar investimentos na área social, no montante de R$ (…), em conformidade com as especificações contidas na planilha em anexo, que passa a ser parte integrante deste Termo.

Parágrafo único. Do montante dos investimentos a serem realizados, 10% (dez por cento) serão aplicados conforme indicação da INTERVENIENTE ANUENTE.

Cláusula terceira. O não cumprimento das disposições deste Termo pela EMPRESA implicará no seu cancelamento automático e revogação do benefício fiscal, restabelecendo-se a cobrança do ICMS devido nas importações e nas aquisições e transferências interestaduais dos bens referidos na Cláusula primeira do Convênio ICMS nº 47, de 23 de maio de 2011, a partir da data do cancelamento. (…)

Cláusula quinta. Este Termo entra em vigor após anuência da Assembleia Legislativa e produzirá efeitos enquanto não for cancelado ou revogado.

77. A administração pública, enquanto atividade

administrativa, constitui “atividade concreta no sentido de

que põe em execução a vontade do Estado contida na lei”,

objetivando “a satisfação direta e imediata dos fins do

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Estado”18. A constituição e a exclusão do crédito tributário

constituem atividade administrativa, de efeitos concretos,

imediatamente vinculada à satisfação da função fiscal e

extrafiscal do Estado, submetida aos ditames normativos

pertinentes.

78. A concessão de isenção é, nessa esteira,

atividade administrativa que extingue ou modifica relação

tributária entre o Estado, enquanto pessoa jurídica de

direito público, e contribuintes. Compete privativamente ao

Chefe do Poder Executivo, juntamente com seus auxiliares,

exercer a direção superior da Administração Pública (art.

84, II, da CF), o que inclui a representação do Estado “em

suas relações jurídicas, políticas e administrativas” (art.

65, I, da CE).

79. Portanto, na função administrativa atípica, o

Poder Legislativo não poderia imiscuir-se nas atribuições da

Administração Fazendária, sob pena de investir contra a

harmonia entre os Poderes (art. 2º da CF). Em matéria de

isenção de ICMS, cabe ao Poder Legislativo estadual apenas

exercer a função normativa primária, internalizando no

ordenamento jurídico estadual, mediante lei específica em

sentido formal e material (norma geral e abstrata),

benefício fiscal prévia e unanimemente aprovado pelos

Estados (art. 150, §6º, da CF).

80. Ao estabelecer que a desoneração tributária

dependeria da concorrência da vontade concreta do Poder 18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed.

São Paulo: 2005, p. 61.

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Legislativo, obviamente, o diploma estadual extrapolou a

função tipicamente normativa que lhe cabe, conferindo ao

órgão legislativo atribuições administrativas ilegítimas em

face da harmonia dos Poderes. Atividades administrativas

típicas do Poder Executivo, como a histórica função de

tributação, não se subordinam à prévia ou posterior

aquiescência de qualquer outro órgão. Vide, a esse

propósito, o seguinte precedente:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.304/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXCLUSÃO DAS MOTOCICLETAS DA RELAÇÃO DE VEÍCULOS SUJEITOS AO PAGAMENTO DE PEDÁGIO. CONCESSÃO DE DESCONTO, AOS ESTUDANTES, DE CINQUENTA POR CENTO SOBRE O VALOR DO PEDÁGIO. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATROS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. AFRONTA. 1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação. 2. Afronta evidente ao princípio da harmonia entre os poderes, harmonia e não separação, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos celebrados. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.(ADI 2733, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2005, DJ 03-02-2006 PP-00011 EMENT VOL-02219-02 PP-00280)

EMENTA: Municípios: convênios itermunicipais ou de cooperação com a união e o estado: submissão a autorização prévia das Câmaras Muncipais: plausibilidade, da argüição de inconstitucionalidade, já reconhecida - com base na invocação do princípio da independência dos poderes - com relação a preceitos similares atinentes a convênios estaduais (ADIN MC 165 e 342) - fundamento a que se somam, no caso, a alegação de ofensa à autonomia municipal, sujeita, apenas, aos princípios constitucionais

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pertinentes e, se for o caso, à Lei Complementar Federal prevista no art. 23, parágrafo único, da Constituição da República; razões de conveniência também proclamadas nos precedentes referidos; suspensão cautelar deferida.

(ADI 770, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/1992, DJ 25-09-1992 PP-16482 EMENT VOL-01677-01 PP-00098)

81. Atribuições exclusivas da Administração

Fazendária na concessão de benefícios fiscais (art. 37,

XVIII, da CF) se subordinam, por força constitucional, à

legislação infraconstitucional e, consequentemente, ao

controle de juridicidade promovido pela fiscalização dos

Tribunais de Contas nas renúncias de receita (art. 70,

caput, da CF), sem prejuízo da sua submissão à jurisdição

judicial.

82. Dessa forma, a previsão da interveniência da

Assembleia Legislativa no compromisso ente o Estado e os

beneficiários afigura-se inconstitucional, à luz dos arts.

2º, 84, II, da Constituição Federal, combinados com o art.

65, I, da Constituição Estadual.

Inconstitucionalidade Material do Benefício Fiscal em face do Princípio da Isonomia

83. Na condição de pedra angular do sistema

republicano, a isonomia consiste em norma dirigente e

delimitadora da atuação estatal. No âmbito do sistema

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tributário, a isonomia tributária revolve a delicada

problemática relativa à justiça distributiva fiscal, isto é,

a repartição dos encargos e ônus tributários na sociedade,

seja na criação de encargos, seja na desoneração.

84. Por princípio, todos devem contribuir

igualmente para o custeio das atividades estatais, o que

reflete, diferentemente, para cada espécie tributária19.

Roque Antônio Carraza apostila, em irretocável lição, que “o

princípio republicano leva ao princípio da generalidade da

tributação, pelo qual a carga tributária, longe de ser

imposta sem qualquer critério, alcança a todos com isonomia

e justiça”. Afinal, historicamente, “com a República,

desaparecem os privilégios tributários de indivíduos, de

classes ou de segmentos da sociedade. Todos devem ser

alcançados pela tributação”20.

85. Os critérios de imposição do ônus (bem como da

retirada dele, mediante isenções fiscais, por exemplo)

cuidam da efetivação da isonomia material, que supõe a 19 “Dou destaque a um princípio constitucional limitador da

tributação, o princípio da igualdade tributária, que está inscrito no art. 150, II, da Constituição. Esse princípio se realiza, lembra Geraldo Ataliba, no tocante aos impostos, mediante a observância da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1º); quanto às contribuições, por meio da ‘proporcionalidade entre o efeito da ação estatal (o seu reflexo no patrimônio dos particulares) e o seu custo’, ou, noutras palavras, por meio da proporcionalidade entre o custo da obra pública e a valorização que esta trouxe para o imóvel do particular; e, referentemente às taxas, ‘pelo específico princípio da retribuição ou remuneração. Cada um consome uma certa quantidade de serviço público e remunera o custo daquela quantidade.’ (Geraldo Ataliba, ‘Sistema Trib. na Constituição de 1988’, Rev. de Dir. Trib., 51/140).” (ADI 447, Rel. Min. Octavio Gallotti, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.)

20 Curso de Direito Constitucional Tributário. 17 ed. São Paulo:

Malheiros, 2002, p. 67.

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igualdade perante a lei (isonomia formal), mas com ela não

se contenta. A isonomia real exige igualdade na lei, isto é,

no tratamento jurídico abstrato que nela se encerra.

Portanto, a concessão de tratamento tributário diferenciado

(seja um privilégio, seja um gravame) depende de sua relação

de pertinência a critérios racionalmente justificáveis, com

referência aos valores encartados no sistema constitucional.

86. Como já entrevisto, tal raciocínio opera-se

não só na criação ou instituição de tributos, mas também no

verso da moeda: a isenção tributária, que, por implicar

“renúncia pelo Estado à receita de determinado tributo (…)”,

é, “exceção à regra da universalidade na tributação,

corolário da igualdade”, como assentou Marlon Alberto

Weichert, em excelente estudo monográfico sobre o tema21. Na

condição de exceção à regra, há de haver uma justificativa

razoável para a concessão de isenções fiscais, afinal, “o

ônus do tributo não pago é assumido pelo restante da

sociedade”22. Acerca do “privilégio odioso”, Ricardo Lobo

Torres leciona que:

É necessário que o critério do discrime seja razoável ou proporcional, se compatibilizado com o objetivo da norma tributária, o que afasta desde logo as diferenças que não se cifram na situação econômica

21 Isenções tributárias em face do princípio de isonomia. Revista

de informação legislativa, v. 37, n. 145, p. 241-254, jan./mar. de 2000, p. 250. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/575. Consultado em 23 de agosto de 2011.

22 Ibidem, p. 251.

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do contribuinte ou das regiões, como sejam as baseadas no sexo, profissão, no domicílio, etc23. (…)

Privilégio odioso é a autolimitação do poder fiscal, por meio da Constituição ou da lei formal, consistente na permissão, destituída de razoabilidade, para que alguém deixe de pagar os tributos que incidem genericamente sobre todos os contribuintes ou recebe, com alguns poucos, benefícios inextensíveis aos demais24.

87. Lapidar, a esse propósito, é a seguinte

decisão do Supremo Tribunal Federal:

(…) O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA - A QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE MELLO). - O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ 136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento da absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado. Situação inocorrente na espécie. - A isenção tributária concedida pelo art. 2º da Lei nº 8.393/91, precisamente porque se acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não se qualifica - presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes - como instrumento de ilegítima outorga de privilégios

23 Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Os

Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades Isonomia. Vol. III. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 328.

24 Ibidem, p. 351

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estatais em favor de determinados estratos de contribuintes.

88. Por isso, ao lado da universalidade da

tributação (reflexo da isonomia formal), a isonomia material

legitima a utilização de fatores determinados de (i)

discriminação, que guardem pertinência com (ii) a capacidade

contributiva, conjugada com (iii) objetivos econômicos,

sociais e humanitários positivamente valorados pela ordem

jurídica.

89. A capacidade econômica (art. 145, §2º, da CF)

– que, na doutrina tributária, é comumente tratada como

princípio –, constitui um critério de diferenciação

constitucionalmente qualificado para operacionalização da

isonomia material na instituição de impostos, que tem o

escopo de reduzir (ou não agravar, pelo menos) a

desigualdade social (art. 3º, III, da CF). Dessa forma, no

imposto sobre a renda, a isonomia expressa-se como alíquotas

progressivas e, até mesmo, isenções tributárias para pessoas

com baixa renda, por exemplo. Mas, obviamente, a capacidade

contributiva não constitui o único fator de discrímen, pois

objetivos extrafiscais relacionados a valores

constitucionais poderão mitigar a sua aplicação.

90. Nesse sentido, leciona Celso Antônio Bandeira

de Melo:

Não basta, pois, poder-se estabelecer racionalmente um nexo entre a diferença e um consequente tratamento diferençado. Requer-se, demais disso, que o vínculo demonstrável seja constitucionalmente pertinente. É dizer: as vantagens

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calçadas em alguma peculiaridade distintiva hão de ser conferidas prestigiando situações conotadas positivamente ou, quando menos, compatíveis com os interesses acolhidos no sistema constitucional25.

91. Não podem os Poderes constituídos, a pretexto

de praticarem política tributária, desafiar critérios

constitucionalmente rejeitados para esse fim (sexo, raça,

cor, profissão26 etc.) ou que não possuam pertinência

racional com o tratamento tributário diferenciado. Da mesma

forma, a finalidade perseguida pela concessão discriminada

de isenção do pagamento de tributos deve ser

constitucionalmente reclamada, incentivada ou, pelo menos,

tolerada, em face de valores justificadores do afastamento

ou da mitigação da capacidade contributiva.

92. Feitas tais considerações preambulares, passo

ao exame do caso objeto da denúncia.

25 O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São

Paulo: Malheiros, 1998, p. 43. 26 “Isenção de IPTU, em razão da qualidade de servidor estadual do

agravante, postulada em desrespeito da proibição contida no art. 150, II, da CF de 1988”. (AI 157.871-AgR, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 15-9-1995, Primeira Turma, DJ de 9-2-1996.)

"A lei complementar estadual que isenta os membros do

Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no art. 150, II, da Constituição do Brasil. O texto constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. Precedentes. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte – LC 141/1996.” (ADI 3.260, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-3-2007, Plenário, DJ de 29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.334, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-3-2011, Plenário, DJE de 5-4-2011.

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93. Quais os fatores de discrímen que a

Administração estadual utilizou para a concessão do

tratamento fiscal diferençado?

94. No Convênio ICMS nº. 47/2011, foram conjugados

critérios subjetivos e objetivos. Estes são relativos às

operações desoneradas, quais sejam, a importação e a

aquisição interestadual de bens destinados ao ativo

imobilizado na construção e operação de usinas

hidrelétricas. Aqueloutros, ao contribuinte em si e, nesse

particular, revelam-se extremamente problemáticos. Apenas e

especificamente os agentes econômicos responsáveis pela

construção e exploração das “Usinas de Santo Antônio e

Jirau, localizadas no Rio Madeira” foram agraciados pelo

favor tributário, o que revela, claramente, indicativo de

favorecimento.

95. A norma de incidência tributária em comento

ofende o princípio da isonomia porque a especificidade dos

critérios de diferenciação promove uma “singularização atual

absoluta do destinatário”27. Não é admissível sob o prisma

constitucional que normas casuisticamente elaboradas, sob o

pretexto da prática de política governamental fiscal,

sobreponham interesses privados aos interesses da

coletividade, pois o propósito casuísta do ato legislativo

entra em rota de colisão com pedra angular do nosso regime

político: o princípio republicano, consoante o incensurável

pronunciamento do Ministro Celso de Melo (Pet nº 3.270,

Informativo 370):

27 Ibidem, p. 25.

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Na realidade, as Constituições republicanas do Brasil não têm sido capazes de refletir, em plenitude, as premissas que dão consistência doutrinária, que imprimem significação ética e que conferem substância política ao princípio republicano, que se revela essencialmente incompatível com tratamentos diferenciados, fundados em ideações e em práticas de poder que exaltam, sem razão e sem qualquer suporte constitucional legitimador, privilégios de ordem pessoal ou de caráter funcional, culminando por afetar a integridade de um valor fundamental à própria configuração da idéia republicana, que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade. Daí a afirmação incontestável de JOÃO BARBALHO ("Constituição Federal Brasileira", p. 303/304, edição fac-similar, 1992, Brasília), que associa, à autoridade de seus comentários, a experiência de membro da primeira Assembleia Constituinte da República, de Senador da República e de Ministro do Supremo Tribunal Federal: "Não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos, patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito (...)." (grifei) Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República. Nada deve justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinados privilégios, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos, especialmente quando a lei é editada com propósitos casuísticos e estranhos aos fins autorizados pelo princípio republicano.

96. O Tribunal de Contas, surgido historicamente

neste país por conta da proclamação da primeira República,

não deve jamais descurar da aplicação de tais princípios.

97. Entre os contribuintes favorecidos,

individualizados pela norma, e os por ela não beneficiados,

não há discrepância de condição ou situação relevante que

justifique a concessão aos primeiros de desoneração

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tributária dessa natureza. Os critérios objetivos e

subjetivos elegidos, porque absolutamente arbitrários, não

são, por si sós, motivo bastante para provocar qualquer

discriminação legítima. Afinal, porque contribuintes

responsáveis por aquela obra específica devam receber um

benefício fiscal não extensível a outros sujeitos?

98. O grupo de contribuintes destacados pela norma

de não incidência, longe de se encontrarem em situação

desfavorecida, pelo contrário, possui características que

justificariam, sob o prisma constitucional, maior sacrifício

tributário, já que, notoriamente, são dotados de

considerável capacidade econômico-contributiva. Ora, o

critério econômico deve ser obrigatoriamente considerado,

sempre que possível, na instituição de impostos (art. 145,

§2º, da CF) e, a fortiori, na respectiva desoneração28. Não

é por acaso que às pequenas empresas nacionais, por força

28 “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL

356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE. (…) 2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente”. (ADI 1.655, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2004, DJ 02-04-2004 PP-00008 EMENT VOL-02146-01 PP-00156)

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constitucional, pode ser dado tratamento tributário

favorecido (art. 170, IX, da CF29).

99. Como já realçado acima, é a capacidade

contributiva que, a priori, “define situações equivalentes e

norteia as desigualdades, enquanto instrumentos de isonomia

tributária”30, mas, evidentemente, o tratamento tributário

diferençado poderá ocorrer diante do influxo de valores

sociais, econômicos e humanitários contidos em normas

constitucionais outras, como já ressaltado.

100. Daí que, ilustrativamente, torna-se legítimo,

a despeito da capacidade contributiva, o tratamento

tributário privilegiado cujos critérios de discriminação

estejam fundados: na proteção ao mínimo existencial, na

redução das desigualdades regionais, na soberania econômica,

no fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, no

incentivo à cultura e a outros direitos sociais e econômicos

– desde que a medida adotada também se revele consentânea

com a razoabilidade (isto é, adequada, necessária e

proporcional).

101. Entrementes, para conceder a isenção, alega o

Poder Executivo estadual, singelamente, que “as empresas

29 “Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei,

por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do simples aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado" (ADI 1.643, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-12-2002, Plenário, DJ de 14-3-2003.) No mesmo sentido: RE 559.222-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-8-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.

30 WIECHERT, Isenções Tributárias em face do Princípio da Isonomia, p. 252.

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interessadas alegam não ser devido o imposto, indicando que

a questão será levada ao Poder Judiciário, situação que,

pela praxe, demandará tempo até o desate da questão, além da

incerteza de seu resultado”. Como se pode notar, não há

qualquer objeto social, econômico ou humanitário por detrás

da concessão do benefício fiscal, mas tão-somente o

favorecimento de contribuintes adrede determinados pela

norma de não incidência, por razões que não são acolhidas

pelo sistema constitucional.

102. Se a qualquer pessoa assiste o direito

constitucional do acesso à tutela jurisdicional, em

contrapartida, à Administração tributária impõe-se o dever-

poder de perseguir, indistintamente (art. 37, caput, da CF),

os créditos tributários a ela devidos, promovendo-se, dessa

forma, a distribuição proporcional dos encargos públicos.

Noutras palavras: não é lícito ao Estado condescender com

grupos de pressão, quaisquer que sejam, quando seus

interesses econômicos não estejam em conformidade com os

direitos e deveres que os cidadãos reciprocamente concederam

a si mesmos por meio de uma Constituição.

103. É realmente curioso, mas é preciso dizer o

óbvio: a concessão de isenção tributária a quem ameaça se

recusar a pagar tributos a priori devidos atende,

preferencialmente, senão exclusivamente, aos interesses

econômicos individuais de quem acabou, surpreendentemente,

beneficiado com o favor fiscal, o que, por si só, ensancha

graves distorções, pois a desoneração tributária

discriminadamente conferida a determinado grupo de

contribuintes prejudica o corpo social, pois provoca: ou

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maior sacrifício fiscal da coletividade, notadamente, dos

que não foram beneficiados pela desoneração; ou diminuição

da capacidade de investimento estatal e financiamento dos

serviços públicos usufruídos pelos cidadãos, principalmente,

os de baixo poder aquisitivo. Daí, porque, já se o disse

acima, toda desoneração tributária deve lastrear-se em valor

constitucional que justifique o sacrifício social

correspondente31.

104. Certo é que o casuísmo do benefício fiscal

resta caracterizado não só em razão dos critérios de

discriminação e da ausência de objetivo legítimo, mas

também, como já foi analisado, pelo inopino do seu

surgimento, sem que seu impacto orçamentário, financeiro e

social tenha sido previamente considerado, diferentemente do

que determina a Carta Constitucional de 1988 (art. 165, §6º,

da CF).

105. Note-se que, em temas sensíveis, a

Constituição Federal, sistematicamente, repudia o casuísmo

legislativo e legislação de inopino, cuja tendência é a

distorção da isonomia e impessoalidade e o favorecimento de

grupos, no momento, dominantes (exemplificativamente, art.

16, 29, VI, da CF). Em que pese a função extrafiscal da

tributação muitas vezes exigir mudanças repentinas da

legislação tributária, não é esse o caso.

31 Tais afirmações revelam-se particularmente preocupantes, em

razão dos fatos já narrados acima: (a) a decretação formal de calamidade na saúde pública estadual; (b) a necessidade do cumprimento de metas de qualidade de ensino público etc.

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106. Nessa esteira, não há interesse público na

concessão do benefício especificamente a esse grupo de

contribuintes, caracterizando um discrímen ilegítimo e

arbitrário ou, na voz de Ricardo Lobo Torres, um “privilégio

odioso”. Dessa forma, forçoso concluir que o benefício

tributário em questão é claramente ofensivo ao princípio da

isonomia tributária.

Inconstitucionalidade Material do Benefício Fiscal em face do Princípio da Supremacia do Interesse Público

107. Como visto, todo benefício fiscal deve possuir

subjacente um interesse público constitucionalmente

qualificado. Portanto, como visto, nem todo interesse

público justifica a quebra da isonomia tributária, senão

quando encontre um fim que se conforte com a Constituição.

108. Situação ainda mais grave ocorre quando há a

concessão de privilégios fiscais não respaldados por

qualquer finalidade pública, o que vai além do privilégio

tributário não consoante ao princípio da isonomia, para

malferir também os princípios da moralidade administrativa e

da supremacia do interesse público (art. 37, caput, da CF).

Embora estejam interligadas as perspectivas, o foco é

relativamente diverso, pois o que está em primeira pauta não

é o tratamento conferido ao contribuinte, mas a própria

atuação ilegítima do Estado.

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109. Ora, se não há qualquer finalidade pública por

detrás da atuação estatal, não resta outra conclusão senão

que o interesse privado está sendo sobreposto ao da

coletividade, sem respaldo normativo válido. É curioso que o

Estado alegue que “a composição com os construtores [é] no

sentido de trazer aos cofres do Estado o maior volume

possível de recursos”, pois os “investimentos” e

“compensações” não implicam no ingresso de recursos

financeiros nas contas estatais.

110. Antes da criação do benefício fiscal, os

consórcios responsáveis pela construção e exploração das

usinas hidrelétricas, vencedores de certame licitatório, já

estavam contratualmente obrigados à execução da obra e

prestação do serviço público. Até mesmo porque, como

confessa a própria Administração estadual: “A construção das

usinas independe da concessão de qualquer benefício por

parte do Estado. Basta o que a natureza já fez: a declive do

terreno. O que é uma verdade absoluta”. Não se entreve,

portanto, qualquer indicativo de interesse público, nos

benefícios fiscais analisados.

111. Poderia a esta afirmativa ser apresentado o

contra-argumento de que os investimentos a serem

supostamente promovidos pelos contribuintes beneficiados

supririam as perdas de arrecadação. Não é difícil verificar

que tal alegação seria vazia de sentido e temerária.

112. O Estado não comprovou a dimensão da perda

tributária, o que inviabiliza qualquer afirmativa no sentido

de que as eventuais e desconhecidas comodidades sociais a

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serem realizadas a título de contraprestação realmente

justificam o benefício fiscal. É absolutamente consentâneo

com o princípio da razoabilidade pressupor que eventual

contraprestação a ser realizada certamente será bem mais

vantajosa para o contribuinte do que o recolhimento normal

do tributo, pois essa é a lógica do lucro inerente às

atividades empresariais. Há que se pressupor o ordinário, e

não o extraordinário e anormal32.

113. De outro lado, pelas informações apuradas, a

frustração da arrecadação potencial é significativa, muito

embora não se tenha, em razão da inércia da Administração em

realizar ou apresentar a estimativa do impacto da renúncia

de receitas, precisão sobre as perdas de receitas

tributárias no curto e longo prazo33. De qualquer sorte, as

informações até o momento coligidas denotam risco para o

cumprimento das metas fiscais, endividamento não tolerado

pelo planejamento fiscal estadual, o que significa maior

32 “… O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se o

que ocorre no dia-a-dia e não o extravagante” (RE 199066 ED, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 14/04/1997, DJ 01-08-1997 PP-33483 EMENT VOL-01876-07 PP-01584).

33 Mesmo que oportunizada a voz ao Poder Executivo estadual, não

foi apresentada qualquer estimativa do impacto da renúncia fiscal e, como já dito, as leis orçamentárias não contém demonstrativos dessa natureza, a despeito das exigências legais da Lei Complementar nº 101/2000. Limita-se a consignar que a equipe técnica auditora desta Corte inflou os números de maneira aleatória, mas não tentou seriamente rebater a estimativa realizada, apresentando números verossímeis, pois, afinal, era a obrigação da Administração fazê-lo, antes de concretizar qualquer benefício fiscal. Se o Poder Executivo (ainda) não fez a estimativa por negligência, demonstrou pouco apego ao planejamento orçamentário e fiscal. Se o fez mas não quer apresentar tais informações aos órgãos de controle, o que sinceramente não queremos crer que tenha sido esse o caso, apenas reforçaria com tal postura a ausência de interesse público no benefício fiscal.

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sacrifício social (aumento dos encargos com juros,

diminuição da capacidade de investimento presente e futura).

114. Portanto, não há comprovação de que o

interesse público será efetivamente contemplado ou em que

medida o será, nem que as comodidades públicas eventualmente

realizadas justificam, financeira e qualitativamente, a

concessão do favor fiscal.

115. Afinal, para que a tese do Estado fosse

minimamente verossímil, haveria que se comprovar que se a

contraprestação a ser realizada (cujo conteúdo é

indeterminado e ignorado) provocaria, efetivamente,

utilidade pública que justificasse a perda da arrecadação

(cujo valor estimativo total a longo prazo é igualmente

ignorado, com exceção dos créditos retroativos, dos

lançamentos já realizados desde 2008, que beiram cem milhões

de reais). Não há como, logicamente, comparar objetos que

são indeterminados, qualitativa e quantitativamente.

116. Além disso, há que se considerar, como bem

salientou o Ministério Público de Contas, que o benefício

fiscal provocaria alteração do equilíbrio econômico-

financeiro dos contratos de concessão de uso do

aproveitamento hidráulico das usinas do Complexo do rio

Madeira, já que, aparentemente, os custos tributários de

ICMS teriam sido considerados na proposta apresentada. Dessa

forma, em tese, as concessionárias poderão auferir maior

margem de lucro, em detrimento do consumidor dos serviços,

se não houver redução proporcional da tarifa.

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117. Destaco o opinativo ministerial nessa parte

(fls. 204-205):

VIII – Do Equilíbrio Econômico-Financeiro

É de conhecimento público que os consórcios responsáveis pela Construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, ambas no Rio Madeira, venceram leilões realizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANELL), que tiveram como critério de julgamento a menor tarifa média pela energia a ser gerada pelas Usinas.

Dentre as garantias decorrentes da assinatura do contrato administrativo, derivado do leilão, encontra-se a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Celso Antônio Bandeira de Mello, abordando o tema, obtempera o que segue:

“Aliás, a garantia do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo não poderia ser afetada nem mesmo por lei. É que resulta de dispositivo constitucional, o art. 37, XXI, pois, de acordo com seus termos, obras, serviços, compras e alienações serão contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta.

É evidente que, para serem mantidas as efetivas condições das propostas (constantes da oferta vencedora do certame licitatório que precede o contrato), a Administração terá de manter íntegra a equação econômico-financeira inicial. Ficará, pois, defendida também contra os ônus que o contratado sofra em decorrência de alterações unilaterais, ou comportamento faltosos da Administração34”

Verifica-se que o equilíbrio econômico- financeiro35 se caracteriza como sendo uma relação,

34 Pag. 625. 35 Também denominado por alguns autores como “equação financeira do

contrato”.

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estabelecida pelas próprias partes contratantes no instante em que firmado o contrato, que envolvem um plexo de direitos e de encargos do contratado, de onde se extrai a equação, imutável, e que inclui o lucro do particular.

Nessa equação, obviamente, estão inseridos todos os custos com que o particular contratado terá de arcar, de modo que qualquer alteração, para mais ou para menos, deverá ser compensada.

No ponto, diversas notícias divulgadas na mídia dão conta de que o pagamento de ICMS, nas operações beneficiadas pela isenção, foi considerado tanto na elaboração de projetos para fins de financiamento junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, quanto na composição dos preços oferecidos no leilão promovido pela ANNEL.

Nessa senda, a benesse conferida aos consórcios causaria alteração da equação econômico-financeiro do contrato celebrado, gerando o aumento substancial do lucro auferido pelas empresas, em detrimento do interesse público que deveria prevalecer.

Assim, mister se faz que o Tribunal de Contas da União, órgão responsável pela fiscalização do leilão levado a cabo, seja admoestado da referida possibilidade, para que adote as medidas apropriadas sob o prisma legal.

118. Corrobora-se a conclusão da Procuradoria-Geral

de Contas. A desoneração tributária propicia-lhes majoração

da margem de lucro embutida na tarifa fixada. Dessa forma,

convém que o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-

Geral da União sejam informados a respeito, para que adotem

as providências pertinentes.

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Inconstitucionalidade Por Violação ao Princípio da Moralidade e Não Observância do art. 176 do Código Tributário Nacional

119. Mas, a preocupação acima externada não é a

única. A contraprestação (os ditos “investimentos” e

“compensações”) encontra-se ao inteiro alvedrio da chamada

“composição” entre a Administração Tributária e o

contribuinte, o que, a nosso sentir, possui gravíssimas

consequências.

120. Segundo o Código Tributário Nacional - diploma

cujo conteúdo contém normas gerais a que se assujeitam as

demais normas do sistema tributário local -, a isenção “é

sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos

exigidos para sua concessão” (art. 176). Ora, especificar

significa, na sua acepção prosaica, “indicar com precisão;

precisar, apontar, discriminar, descrever pormenorizadamente;

caracterizar, detalhar”.

121. Portanto, o estabelecimento dos requisitos e

condições está, objetivamente, sob a reserva de lei formal e

material, devidamente precedida da autorização unânime dos

Entes da Federação no caso do ICMS, não podendo a concessão

de isenção fiscal condicionada sujeitar-se a requisitos

puramente subjetivos, o que implicaria, na verdade,

inobservância ao princípio da reserva legal. Confira-se o

seguinte julgado:

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E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE OUTORGA AO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE DISPOR, NORMATIVAMENTE, SOBRE MATÉRIA TRIBUTARIA - DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA - MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO - POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PRINCÍPIO DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - CONVENIENCIA DA SUSPENSÃO DE EFICACIA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela propria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal a rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da Republica, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei. (…) Não basta, para que se legitime a atividade estatal, que o Poder Público tenha promulgado um ato legislativo. Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado - como o Poder Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. O legislador, em conseqüência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo tributaria, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua propria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. - Traduz situação

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configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo.

(ADI 1296 MC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/1995, DJ 10-08-1995 PP-23554 EMENT VOL-01795-01 PP-00027)

122. Portanto, com base no convênio formulado pelo

próprio Poder Executivo, a lei estadual relegou, sem

qualquer critério, ao talante do administrador público,

poderes para, em alargado juízo discricionário, impor as

condições que lhe aprouver, para a concessão de benefício

fiscal. Além disso, a legislação conferiu ao Poder

Legislativo local o poder de intervir na função

administrativa, também discricionariamente sem quaisquer

critérios, o que, claramente, ofende ao dogma da separação

das funções estatais, como visto acima.

123. Ora, claramente, essa subjetividade – que, em

última ratio, delega à Administração a definição do conteúdo

dessa isenção – contraria o objetivo da reserva legal, que é

justamente a restrição da discricionariedade da

Administração Tributária na concessão de benefícios fiscais,

a fim de que a liberdade irrestrita não provoque o virtual

risco de tratamento discriminador, favorecimento ou qualquer

outra arbitrariedade e, até mesmo, desvios de condutas mais

censuráveis.

124. A ordem jurídica nacional, prestigiando a

legalidade tributária material e a impessoalidade

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administrativa, acautelou o sistema de tributação contra o

risco de que a política de desoneração descambasse para um

promíscuo e não republicano “balcão de negociação” (o

chamado lobby), ante as virtuais consequências nefastas

desses procedimentos. Daí, afirmar-se que é fundamental a

objetividade nas condições e critérios legalmente definidos

para a concessão de qualquer isenção, sob pena de ofensa ao

princípio da reserva absoluta de lei.

125. Portanto, com base no convênio formulado pelo

próprio Poder executivo, a lei estadual delegou

invalidamente ao administrador público poderes de que não

pode dispor, o que prejudica, aliás, a isenção fiscal em si,

já que ela possui uma condição juridicamente impossível de

ser concretizada validamente, por conta da violação ao art.

176 do CTN e ao princípio constitucional da moralidade

administrativa (art. 37 da CF). Também sob esse aspecto a

lei em tela se afigura inconstitucional.

Inconstitucionalidade por Ofensa ao Princípio da Razoabilidade

126. O Corpo Técnico e o Ministério Público de

Contas aventaram ofensa ao princípio da razoabilidade e da

proporcionalidade. Aplicam-se os referidos postulados para a

ponderação de valores constitucionais em conflito. Os meios

adotados pelo legislador e pelo administrador para o

cumprimento dos fins perseguidos pela norma ou medida

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administrativa devem estar concordantes com os critérios da

adequação, da mínima onerosidade e da proporcionalidade em

sentido estrito.

127. Obviamente, quando os fins objetivados não

forem admissíveis pelo ordenamento jurídico, torna-se

prescindível a aplicação do princípio da razoabilidade,

porque não há falar em meios adequados, necessários ou

proporcionais para atingir objetivos ilegítimos, como ocorre

no caso ora analisado. Como visto acima, o discrímen

tributário pretendido pelo Governo estadual não se coaduna

com o princípio da isonomia tributária, porque não atende a

objetivos econômicos, sociais e humanitários positivamente

valorados pela ordem jurídica, nem se encontra lastreado em

interesse público. Dessa forma, a rigor, a finalidade da

concessão dos benefícios fiscais não é lícita.

128. Entretanto, como bem demonstrou o Ministério

Público de Contas, mesmo que se admitisse hipoteticamente a

licitude da finalidade perseguida pelo fisco estadual ao

conceder os benefícios tributários – o que se aceita apenas

a título de argumentação -, os meios elegidos pela

Administração ofenderiam o princípio da razoabilidade.

Novamente, não vejo razão para não deixar de transcrever

excerto do opinativo ministerial:

Ressalte-se que a concessão do benefício esbarra também nos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Acerca do tema, Celso Antônio

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Bandeira de Mello36, com a propriedade que lhe é peculiar, obtempera:

“Procede, ainda, do Princípio da legalidade o Princípio da proporcionalidade do ato à situação que demandou sua expedição. Deveras, a lei outorga competências em vista de certo fim. Toda demasia, todo excesso desnecessário ao seu atendimento, configura uma superação do escopo normativo. Assim, a providência administrativa mais extensa ou mais intensa do que o requerido para atingir o interesse público insculpido na regra aplicanda é inválida, por consistir em um transbordamento da finalidade legal.”

Mais adiante, preleciona ainda o renomado autor, in verbis:

“Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de descrição) significa que deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda.”

No caso sub examine, o Estado finda concedendo benefício a empresas particulares diante da possibilidade de receber, em contrapartida, investimentos, nos termos previstos no inciso III, § 2º, do art. 2º da Lei nº 2.538/2011, ipsis litteris:

“Art. 2º. [...]

§ 2º. A fruição da isenção prevista neste artigo fica condicionada:

36 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo,

25ª Ed., Malheiros, 2007, p. 79 e 108.

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III – à celebração de termo de compromisso, nos termos do anexo único, objetivando a realização pelas empresas beneficiárias de outros investimentos no Estado e aumento das compensações, além das obras especificadas neste artigo.”

O procedimento, a toda prova, não é o mais adequado para a consecução do fim desejado pelo Estado, qual seja, a prestação de serviços públicos à sociedade. Ora, é axiomático que só há que se falar em isenção diante de fato tributável. Estando diante de hipótese de incidência do imposto, não subsiste motivo para a busca de forma diversa de prestação de serviços, que não perpasse pela arrecadação de recursos públicos, principalmente tendo em conta as diversas repercussões do ingresso de valores no erário.

Deveras, a Atividade Financeira do Estado obedece a diversas normas de Direito Público que visam, sobretudo, proteger a probidade administrativa e o emprego regular de valores públicos.

Nesse sentido, o Estado deve efetivar, querendo adquirir bens, realizar obras ou prestar serviços, procedimento licitatório, que deve necessariamente observar o Princípio da Igualdade, possibilitando a participação de todo e qualquer interessado que atenda aos requisitos previstos em lei e no edital, tudo com o escopo de trazer ao Estado a proposta mais vantajosa.

A execução da despesa pública, por sua vez, deve seguir criteriosamente as fases previstas na Lei nº 4.320/6437, que possibilitam o controle de gastos e, em última instância, a responsabilização dos agentes públicos que deixarem de observar prescrições legais.

Não se pode esquecer, ainda, que o montante da Receita Pública repercute diretamente na Receita Corrente Líquida, que é parâmetro para alguns

37 Empenho, liquidação e pagamento.

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relevantes “limites” que devem ser observados pelo Poder Públicos, como, v.g., a remuneração de pessoal.

De mais a mais, todo e qualquer gasto perpetrado de forma irregular pela Administração Pública possibilita a punição mais severa dos agentes responsáveis, nos termos previstos no Código Penal (Crimes Contra a Administração Pública, Crimes Contra a Lei de Licitações, Crimes Contra as Finanças Públicas, etc.) e na Lei de Improbidade Administrativa.

129. Dessa forma, se fosse o caso de se admitir a

licitude do fim perseguido pelo tratamento tributário

privilegiado, o que se admite hipoteticamente, a norma

estadual também estaria eivada de inconstitucionalidade, por

ofensa ao princípio da razoabilidade.

Análise da Responsabilidade e das Providências Sugeridas pela Equipe Técnica e pelo Ministério Público de Contas

130. Sugere o Corpo Instrutivo que seja cominada

“multa pecuniária, preconizada no art. 55, III, da Lei

Complementar Estadual 154/1996”, ou seja, pela prática de

ato antieconômico. Quando foram notificadas as autoridades

públicas, havia apenas o convênio autorizador, surgindo

posteriormente o diploma legislativo concessivo do benefício

fiscal. Não há, de todo modo, alusão à aplicação concreta do

benefício fiscal, circunstância que torna, em tese,

inviável, ao menos neste átimo, a pretensão punitiva

sugerida.

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131. Com efeito, a isenção possui natureza

condicional, bilateral e onerosa, porque exige

contraprestação do contribuinte desonerado, cabendo ao Poder

Público, mediante requerimento do contribuinte, apreciar o

preenchimento dos requisitos legais. Portanto, a consumação

da renúncia de receitas depende de ato administrativo

ulterior aplicador dos diplomas normativos (art. 2º, §2º, da

Lei estadual nº. 2.538) e, desse modo, não se consumou ainda

o ciclo de positivação da desoneração tributária.

132. Além disso, evidentemente, não é possível

assujeitar atos puramente políticos (como a sanção a projeto

de lei pelo Chefe do Poder Executivo) à competência

sancionadora do Tribunal de Contas. Dessa forma, reputa-se

improcedente a pretensão punitiva sugerida pelo Corpo

Técnico, em razão da ausência de materialidade de ilícitos

administrativos consumados.

133. O Ministério Público de Contas opina que se

“Determine-se ao Secretário da SEFIN, com supedâneo no art.

48, IX, da Constituição Estadual de 1989, que, no prazo

máximo de 15 (quinze) dias, anule o ato administrativo em

sentido material, consistente na Lei Estadual nº

2.538/2011”.

134. Pugnou o Parquet que a Lei nº 2.538/2011

“configura, em verdade, ato administrativo material, já que

não possui abstração e impessoalidade características das

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leis em sentido material”38, de modo que, em tese, deve ser

assinado prazo para que sejam adotadas as medidas

necessárias ao exato cumprimento do direito (art. 49, IX, da

Constituição de 1989), sob pena de sustação do ato

impugnado, em caso de descumprimento (fl. 202).

135. Com a devida vênia, entende-se que a

providência sugerida possui dois óbices. Se firmada a

premissa de que a Lei estadual nº 2.538/2011 é,

substancialmente, ato administrativo material, não poderia o

Poder Executivo proceder à sua anulação, porque não lhe

compete a função de controle direto da legalidade dos atos

dos demais Poderes; falece à Secretaria de Finanças o poder

de anular ato doméstico ao Poder Legislativo. Em casos tais,

o Poder Executivo deve representar aos órgãos de Controle,

ao Ministério Público ou, ainda, por meio da advocacia

pública, promover diretamente ação judicial pertinente.

136. Não é inteiramente procedente a afirmativa de

que todos os dispositivos da Lei estadual nº 2.538/2011 são

equiparados a atos administrativos materiais. Com efeito, é

inegável que a norma jurídica de isenção (art. 2º, caput)

não possui generalidade, já que os destinatários da norma

são por ela individualizados. Ocorreu o que Bandeira de

Mello denominou de singularização atual e absoluta do

destinatário.

38 O juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública também entendeu que se

cuidava de mero ato administrativo, pelas mesmas razões.

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137. Mas, o texto normativo constante do art. 2º

possui a descrição de um evento hipotético que possibilita a

projeção futura da incidência da norma sobre fatos que

potencialmente se enquadrarem na tipicidade legal, tornando

o dispositivo abstrato. É a clássica estrutura lógica

condicional “se x, então y”. A aplicação da lei é repetível

no futuro, enquanto vigore, tornando necessário um ato de

subsunção que reconheça a ocorrência do fato jurídico

antecedente a desencadear a incidência do consequente

normativo.

138. Por sua vez, ainda que os elementos

descritivos contidos no texto normativo da “dispensa da

cobrança” (art. 1º) e da aplicação retroativa da isenção

(§5º do art. 2º) permitam identificar, hoje, todas as

situações fáticas, que as normas compreendem, porque cuidam

de fatos passados, é evidente que, ainda assim, haverá a

necessidade de uma ulterior concretização administrativa

para a exclusão dos créditos tributários já constituídos39.

É justamente sobre essa concretização administrativa que

deve o Tribunal de Contas atuar.

139. Considerando que todos os dispositivos da lei

encontram-se eivados de inconstitucionalidade chapada, pelas

diversas razões acima alinhavadas – o que torna a lei

estadual nula e incapaz de gerar direitos subjetivos

39 Notadamente, no caso da isenção, a lei é meramente

autorizadora, porque se trata de isenção condicional, que depende da anuência do Poder Executivo.

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(princípio da nulidade da lei inconstitucional40) –, basta

que a Administração Tributária omita-se em aplicar a lei

estadual para que seja resguardada a integridade do

ordenamento jurídico.

140. Aliás, ainda que se reconheça a natureza

material de ato administrativo no diploma legislativo, todos

os atos dele resultante são nulos de pleno direito (RE

556.504 ED, Relator: Min. Dias Toffoli41), como sustenta o

Ministério Público de Contas.

141. Nesse sentido, resta examinar a viabilidade da

sugestão da Equipe Técnica, no sentido de que fosse

“determinado aos responsáveis que se abstenham de aplicar a

referida lei”. Objetivou, portanto, a prolação de uma tutela

inibitória, provimento com finalidade preventiva, destinada

ao futuro. Para a concessão da tutela inibitória, como

sabido, deve ser conjugado o binômio: (a) ilicitude; e (b)

perigo da consumação, reiteração e continuação do ato. O

dolo ou a culpa pouco importam, neste momento, porque se

trata de tutela que objetiva garantir a integridade do

ordenamento jurídico, determinando o exato cumprimento da

40 ADI 3601 ED, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno,

julgado em 09/09/2010, DJe-244 DIVULG 14-12-2010 PUBLIC 15-12-2010 EMENT VOL-02451-01 PP-00001.

41 “EMENTA: (…) 2. Insubsistência de ato administrativo, por inconstitucionalidade, acarretando a nulidade dos atos dele logicamente decorrentes” (RE 556504 ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/08/2010, DJe-204 DIVULG 22-10-2010 PUBLIC 25-10-2010 EMENT VOL-02421-02 PP-00441).

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lei (art. 71, IX, da CF), a fim de prevenir ilícitos, mesmo

que não tenham sido ainda praticados42.

142. Como exaustivamente examinado alhures, no

momento, a ilicitude do ato futuramente concessivo da

isenção fiscal é flagrante, porque a Lei nº 2.538/2011 e o

Convênio ICMS nº 47/2011 padecem de diversos vícios de

inconstitucionalidade e ilegalidade, o que torna ilícito o

objeto do ato administrativo que vier a proceder à exclusão

dos créditos tributários. Note-se, a propósito, que

recentemente foi concedida liminar na ação direta de

inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de

Justiça, suspendendo os efeitos da lei mencionada43.

143. As informações obtidas até o momento indicam

que há suficientes indícios do perigo da consumação da

renúncia ilícita de receitas. Ora, é evidente que, ao

prestar esclarecimentos, a Administração Tributária

evidentemente apresentou, resolutamente, o propósito de

conceder os benefícios previstos no Convênio ICMS nº

47/2011, chegando a registrar que, com a aprovação da lei

indigitada, encerrou “a discussão de mérito da matéria no

âmbito do Poder Executivo” (fl. 116).

144. Ademais, deduziu-se na ação civil pública que

o Ministério Público Estadual, “tão logo foi aprovada a Lei

nº 2.538/2011 tomou conhecimento que a Secretaria de

42 Por todos, Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 4ª

Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 56. 43 Acesso em: http://www.mp.ro.gov.br/web/guest/pagina-inicial/-

/journal_content/56/10102/1704285.

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Finanças Estadual vinha realizando levantamentos dos

lançamentos pretéritos que seriam atingidos pela isenção

retroativa a janeiro de 2008, e que já havia iniciado o

trâmite para a exclusão destes créditos tributários,

faltando apenas a assinatura do termo de compromisso a que

se refere o anexo único da referida Lei”. Segundo consta da

decisão interlocutória judicial, “Conforme informação

prestada pela Secretaria de Estado de Finanças, a relação

dos lançamentos já realizados desde janeiro de 2008 que

serão atingidos pela isenção já montam a casa dos cem

milhões de reais”.

145. Tais circunstâncias, dentre outras, motivaram

a concessão em caráter liminar da antecipação da tutela na

ação civil pública, suspendendo a eficácia da Lei nº

2.538/2011 e determinando a abstenção da “exclusão de

créditos tributários lançados de janeiro de 2008 até a

presente data” e a suspensão da “análise de pedidos de

exclusão dos créditos tributários” futuros, o que afasta, ao

menos por ora, o perigo iminente da consumação do ilícito

administrativo, mas não afasta o perigo mediato resultante

da revogabilidade da antecipação de tutela.

146. Os elementos concretos coligidos na ação civil

pública promovida pelo Ministério Público do Estado não

aportaram nestes autos, o que impede, neste momento, que

esta Corte, negando executoriedade à lei inconstitucional,

profira ordem para o não cumprimento da norma, sob pena de

sustação do ato em caso de descumprimento. A atuação antes

da existência de indícios concretos da consumação de

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ilícitos caracterizaria controle abstrato de

constitucionalidade, o que nos é defeso.

147. Quadra ressaltar, porém, que há solução outra

que é igualmente eficaz e se encontra conforme à nossa

competência: com base no poder geral de cautela, cumpre

determinar à Secretaria de Finanças que informe a esta Corte

a adoção de qualquer medida tendente a, de ofício ou por

provocação, iniciar ou dar continuidade a procedimento

administrativo para a aplicação dos benefícios fiscais

previstos na Lei nº 2.538/2011, sob pena de os responsáveis

sujeitarem-se à cominação de multa, na forma do art. 55, IV,

da Lei Complementar nº 154/1996. Nessa ocasião, deverá ser

analisada a necessidade de eventual tutela inibitória, ainda

que em caráter de urgência. Dessa forma, diante de elementos

concretos da movimentação da máquina administrativa para a

concessão dos benefícios fiscais, será possibilitada a

prevenção ou correção da consumação de eventual ilícito.

148. Evidentemente, se eventualmente houver a

concessão ilícita dos benefícios fiscais de que se cuidam,

pelos motivos acima enfileirados, não poderão os

responsáveis alegar boa-fé ou outra escusa dessa natureza.

Por essa razão, tendo em vista ainda a função pedagógica e

preventiva dos Tribunais de Contas, convém que o precedente

de pré-interpretação seja fixado em decisão normativa (art.

173, III, do Regimento Interno).

149. Paralelamente, conforme corretamente sugeriu o

Ministério Público de Contas, deverá esta Corte, desde já,

formular representação ao Procurador-Geral da República e à

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Ordem dos Advogados do Brasil, para a propositura, se assim

entenderem, de ação direta de inconstitucionalidade, a fim

de expurgar definitivamente o diploma legislativo do sistema

jurídico. Ao Procurador-Geral de Justiça e à Promotoria de

Defesa do Patrimônio Público – que já propuseram,

respectivamente, ação direta de inconstitucionalidade

perante o Tribunal de Justiça e ação civil pública – deverá

ser encaminhada cópia do presente voto e do respectivo

acórdão, para que, talvez, possa subsidiar o julgamento das

ações mencionadas.

150. Por sua vez, o Tribunal de Contas da União e a

Controladoria-Geral da União deverão ser informados acerca

da possibilidade de os benefícios fiscais vierem a impactar

o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão,

de modo que adotem as providências cabíveis, a seu juízo.

Face ao exposto, submeto ao Pleno desta Corte

o seguinte voto:

I. Conhecer da denúncia apresentada pelo senhor

Francisco das Chagas Barroso acerca de

irregularidades nos benefícios fiscais previstos no

Convênio nº 47/2011/CONFAZ, em favor das

concessionárias responsáveis pela construção e uso

do aproveitamento hidráulico das usinas de Santo

Antônio e Jirau no rio Madeira para a geração de

energia elétrica, mediante a concessão de isenção

fiscal de ICMS nas aquisições de torres, cabos e

componentes das linhas de transmissão, instalações,

máquinas e equipamentos destinados à integração no

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ativo imobilizado na construção e operação das

usinas geradoras especificadas no convênio, das

subestações e das linhas de transmissão correlatas,

nas importações e nas operações interestaduais;

II. Na forma do art. 70, caput, da Constituição

Federal, considerar a denúncia procedente sobre a

irregularidade da renúncia de receitas, decorrentes

da Lei nº 2.538/2011, tendo em vista que:

(a) a concessão dos benefícios fiscais

previstos na Lei nº 2.538/2011

caracteriza renúncia de receitas, sem

que tenha sido comprovada a

observância dos pressupostos de

responsabilidade fiscal, ofendendo ao

disposto no art. 165, §6º, da

Constituição Federal, aos arts. 1º,

§1º, 4º, §1º, 5º, I, II, e 14 da Lei

Complementar nº 101/2000, combinados

com o art. 33 da Lei nº 2.339/2010

(Lei de Diretrizes Orçamentárias para

o exercício de 2011);

(b) o art. 1º e o §5º do art. 2º da Lei

nº 2.538/2011 violam o art. 155, §2º,

XII, “g”, da Constituição Federal,

por não existir autorização no

Convênio nº 47/2011/CONFAZ;

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(c) o art. 2º, §2º, III, e cláusula

segunda, parágrafo único, e cláusulas

terceira e quinta, do Anexo Único da

Lei nº 2.538/2011 violam os arts. 2º,

84, II, da Constituição Federal,

combinado com o art. 65, I, da

Constituição Estadual, por

acarretarem a interferência

administrativa do Poder Legislativo

estadual nas atribuições exclusivas

da Administração Tributária; e

(d) os benefícios tributários conferidos

pela Lei nº 2.538/2011 não se

coadunam com o princípio da isonomia

tributária, da supremacia do

interesse público sobre o particular,

da moralidade administrativa e da

razoabilidade, bem como com o art.

176 do Código Tributário Nacional;

III. Na forma do art. 173, III, do Regimento

Interno, fixar, em Decisão Normativa, precedente

interpretativo e orientativo, de seguinte teor:

(a) A ausência de estimativa do impacto

orçamentário e financeiro da isenção

fiscal e de outros benefícios

financeiros, fiscais e creditícios,

em demonstrativo próprio da Lei de

Diretrizes Orçamentárias e da Lei

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Orçamentária Anual, bem como a falta

de demonstração da não afetação das

metas fiscais ou a adoção de medidas

fiscais compensatórias da perda de

arrecadação no exercício de vigência

e nos dois seguintes, caracteriza

inobservância ao princípio do

planejamento fiscal (art. 1º, §1º,

14, I e II, da Lei Complementar nº.

101/2000), eventualmente agravado se,

ao final do exercício, resultar no

descumprimento injustificado das

metas fiscais constantes da Lei de

Diretrizes Orçamentárias;

(b) É ilícita a renúncia de receitas

decorrente de benefícios relativos a

ICMS que não estejam previstos em

convênio aprovado unanimemente pelos

Estados-membros, reunidos no CONFAZ,

ou que extrapolem os termos da

autorização eventualmente concedida;

(c) É ilícita a renúncia de receitas

decorrente de isenções e outros

benefícios fiscais que se revelarem

privilégio ou discriminação odiosa,

por ofensa ao princípio da isonomia

tributária material, configurando tal

hipótese, quando houver a utilização

de fatores de discriminação que não

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guardem pertinência com o

balanceamento da capacidade

contributiva com objetivos

econômicos, sociais e humanitários

positivamente valorados pela ordem

jurídica constitucional;

(d) É ilegítima a renúncia de receitas

quando não há evidenciação de que o

interesse público será efetivamente

contemplado e, ainda mais, quando

revelar indevida sobreposição de

interesses particulares aos

interesses da coletividade, em razão

da ausência de demonstração de que os

eventuais benefícios socioeconômicos

justificam o sacrifício estimado da

arrecadação utilizada para o custeio

de serviços públicos e investimentos

diretos;

(e) É ilícita a renúncia de receitas

decorrente de isenção condicionada à

contraprestação do contribuinte,

quando os requisitos e condições não

foram especificados, prévia e

objetivamente, em lei específica

(art. 176 do Código Tributário

Nacional), que não poderá delegar ao

administrador a discricionariedade

irrestrita na concessão do benefício,

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sob pena de incorrer no risco de

tratamento discriminatório,

arbitrário e outros desvios de

condutas.

IV. Tendo em vista as irregularidades na renúncia

de receitas decorrente da lei acima mencionada,

determinar à Secretaria de Estado das Finanças, com

base no poder geral de cautela, que informe ao

Tribunal de Contas, previamente, sobre a adoção de

qualquer medida administrativa tendente a, de ofício

ou por provocação, iniciar ou dar continuidade a

procedimento administrativo para a aplicação dos

benefícios fiscais previstos na Lei nº 2.538/2011,

sob pena de os responsáveis sujeitarem-se à

cominação de multa, na forma do art. 55, IV, da Lei

Complementar nº 154/1996, sem prejuízo da

responsabilidade solidária por eventual dano ao

erário;

V. Representar ao Procurador-Geral da República e

à Ordem dos Advogados do Brasil/RO, para a

propositura, se assim entenderem, de ação direta de

inconstitucionalidade em face da lei estadual nº

2.538/2011, pelos fundamentos constantes das alíneas

“b” a “d” do item II, ecaminhando-lhes cópia do voto

e respectivo acórdão;

VI. Encaminhar ao Procurador-Geral de Justiça e à

Promotoria de Defesa do Patrimônio Público cópia do

presente voto e do respectivo acórdão, para que, se

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assim entenderem, possa subsidiar o julgamento das

ações judiciais promovidas;

VII. Informar ao Tribunal de Contas da União e à

Controladoria-Geral da União, para que adotem as

providências cabíveis, sobre a possibilidade de

alteração de equilíbrio econômico-financeiro dos

contratos de concessão federal de exploração do

aproveitamento hidrelétrico nas usinas do Complexo

do Rio Madeira, em decorrência da eventual concessão

dos benefícios fiscais previstos na lei estadual nº

2.538/2011;

VIII. Notificar o denunciante e os denunciados

acerca da presente decisão, informando-lhes que o

inteiro teor do voto e do acórdão encontram-se no

sítio eletrônico do Tribunal (www.tce.gov.ro.br),

devendo os setores competentes providenciarem a sua

disponibilização, na forma do §1º do art. 79 do

Regimento Interno; e

IX. Depois de transitada em julgado a presente

decisão, arquivar os autos.

Sala das Sessões, 15 de setembro de 2011.

PAULO CURI NETO Conselheiro Relator