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ESTADO DE RONDÔNIA TRIBUNAL DE CONTAS Gabinete do Conselheiro PAULO CURI NETO
GCPCN/03 1
Fl. nº ................
Proc. nº 2.278/11
..........................
PROCESSO Nº: 2.278/2011
UNIDADE: Secretaria de Estado das Finanças
ASSUNTO: Denúncia
RESPONSÁVEIS Confúcio Aires Moura - Governador
Benedito Antônio Alves – Secretário de Estado das Finanças
RELATOR: Conselheiro PAULO CURI NETO
GRUPO: I
Ementa: DENÚNCIA. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. IMPORTAÇÃO E OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. AQUISIÇÃO DE BENS PARA O ATIVO FIXO. USINAS HIDRELÉTRICAS. DISPENSA DA COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DECORRENTES DE ISENÇÕES ANULADAS. ADMISSIBILIDADE POSITIVA. RENÚNCIA DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. COMPETÊNCIA FISCALIZADORA. INTERESSE PROCESSUAL. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA. CONVÊNIO ICMS Nº 47/2011. LEI ESTADUAL Nº 2.538/2011. (I) NÃO CONFORMIDADE DA RENÚNCIA DE RECEITAS AOS PRESSUPOSTOS DE RESPONSABILIDADE FISCAL. 1. Reputam-se não observados os pressupostos de responsabilidade Fiscal para a realização de renúncia de receitas, diante da: ausência de prévia estimativa do impacto orçamentário e financeiro na lei orçamentária anual e lei de diretrizes orçamentárias, em demonstrativo próprio, da falta de demonstração da não afetação das metas fiscais ou de comprovação da adoção de medidas fiscais compensatórias (art. 165, §6º, da Constituição Federal e arts. 1º, §1º, 4º, §1º, 5º, I, II, e 14 da Lei Complementar nº 101/2000, combinada com o art. 33 da Lei nº 2.339/2010). A realização de renúncia de receitas, nessas condições, configura ofensa ao princípio do planejamento e da transparência. 2. As consequências da concessão sem lastro jurídico de benefícios fiscais não se restringem ao aspecto orçamentário e financeiro, mas refletem no plano social, notadamente, pela diminuição da capacidade de investimento do Estado como condição para o cumprimento de políticas públicas essenciais a curto e longo prazo. (II) VÍCIOS INTRÍNSECOS AOS BENEFÍCIOS FISCAIS. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS. 3. Ofende o art. 155, §2º, XII, “g”, da CF, a ausência de autorização do CONFAZ para a dispensa da cobrança de créditos tributários de ICMS decorrente de isenções anteriormente
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anuladas, bem como para a aplicação retroativa da isenção (art. 1º e §5º do art. 2º da Lei nº 2.538/2011). 4. Também padece de inconstitucionalidade formal, por violação à harmonia entre os Poderes, a interveniência administrativa do Poder Legislativo no compromisso a ser firmado entre o Estado e os beneficiários para a concessão da isenção fiscal (art. 2º, §2º, III, da Lei nº 2.538/2011), por violação ao art. 2º, 84, II, da CF e ao art. 65, I, da Constituição Estadual. (III) INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS E INCOMPATIBILIDADE COM NORMA GERAL DO DIREITO TRIBUTÁRIO. 5. Resulta em infringência ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da CF), a “singularização atual e absoluta dos destinatários da isenção” (Celso Antônio Bandeira de Melo), evidenciando propósito casuísta para conferir tratamento tributário diferenciado não justificado à luz de objetivos econômicos, sociais ou humanitários lastreados no sistema constitucional. 6. Ademais, traduz indevida sobreposição de interesses particulares aos interesses da coletividade a ausência de demonstração de que o sacrifício estimado da arrecadação é justificado pelos eventuais benefícios socioeconômicos decorrentes de compensações sociais e investimentos a serem realizados pelos beneficiários das isenções, mormente quando se ignora em absoluto o conteúdo, a qualidade e a expressão financeira dessas eventuais contraprestações. Caracterização de ofensa ao princípio implícito da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, mormente pelo impacto no custeio de serviços públicos e na realização investimentos diretos. 7. Caracteriza descumprimento sub-reptício do princípio da reserva legal, positivado no art. 176 do Código Tributário Nacional, o estabelecimento de requisitos puramente subjetivos para a concessão da isenção fiscal, resultando em alargado juízo de discricionariedade e virtual risco de tratamento discriminador, favorecimento, arbitrariedade ou, até mesmo, desvios de conduta mais censuráveis, o que, em última instância, revela-se ofensivo ao princípio da moralidade. Necessária a especificação prévia e objetiva das condições para o gozo de isenção fiscal. (IV) CONTROLE DA RENÚNCIA DE RECEITAS. 8. A incompatibilidade vertical do convênio e da lei concessiva da isenção com normas constitucionais e normas gerais do direito tributário tornam ilícito o objeto de eventual ato administrativo que vier a proceder à exclusão dos créditos tributários. Mesmo que deferida ordem judicial liminar, em ação civil pública, para a não aplicação da lei concessiva da isenção, a ausência nos presentes autos dos
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elementos concretos reunidos naquela ação impede, nesse momento, a emissão de ordem do Tribunal de Contas para o não cumprimento da lei inconstitucional, sob pena de proceder a controle abstrato de constitucionalidade, que é defeso a este órgão. Subsiste a possibilidade de, com base no poder geral de cautela, determinar à Secretaria de Finanças que informe a esta Corte a adoção de qualquer medida tendente a, de ofício ou por provocação, iniciar ou dar continuidade a procedimento administrativo para a aplicação dos benefícios fiscais, ocasião em que será eventualmente avaliada, caso o caso, a necessidade de tutela inibitória, diante do caso concreto. Tendo em vista a função pedagógica e preventiva dos Tribunais de Contas, convém seja fixado, em decisão normativa, um precedente de pré-interpretação e orientação, para a consolidação do entendimento do Tribunal. 9. Diante das ilicitudes constatadas, forçoso representar aos órgãos e entidades legitimados para iniciarem o controle abstrato de constitucionalidade, bem como encaminhar cópia da decisão ao Ministério Público do Estado. A representação aos órgãos federais de controles externo e interno torna-se conveniente diante da possibilidade de reflexo no equilíbrio econômico-financeiro nos contratos de concessão federal da exploração do potencial hidrelétrico. 10. Ciência à administração da inconstitucionalidade da lei e determinação para que informe a eventual concretização das isenções para que o Tribunal de Contas examine o ato e a inconstitucionalidade à luz do caso concreto. 11. Denúncia conhecida e considerada procedente, nos termos acima delineados.
Relatório Cuidam os autos de Denúncia apresentada pelo
senhor Francisco das Chagas Barroso, que noticia supostas
irregularidades na concessão de “isenção de ICMS na entrada
de bens do ativo imobilizado para as usinas hidrelétricas de
Santo Antônio e Jirau, conforme Convênio Autorizativo ICMS
47”.
2. O denunciante, em síntese, relata que “o
Estado de Rondônia estará abrindo mão de receita substancial
…, aproximadamente, R$ 600.000.000,00, em curto espaço de
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tempo” e que em que pese o “referido convênio autorizador
impor algumas contrapartidas por parte das empresas, como
investimento no estado, dificilmente esses investimentos
suprirão os vultosos valores que o estado perderá”. Aduz,
ainda, que a isenção não se justifica do “ponto de vista de
política fiscal de incentivo”, uma vez que as obras possuem
“destino certo” e que os “impostos, traduzidos como custos,
certamente já foram previstos nas planilhas formadoras dos
preços de energia, apresentadas pelos consórcios no leilão
da ANEEL”. Menciona que se desconhece “qualquer previsão do
impacto dessa perda abrupta de receita, muito menos se tem
notícia de medidas de compensação das perdas do imposto, a
serem adotadas pelo Estado”. Questiona, também, o benefício
fiscal à luz da moralidade administrativa.
3. Alfim, requer que “seja verificado, inclusive
cautelarmente, no âmbito da competência dessa Corte de
Contas, aspectos da constitucionalidade e legalidade do
referido benefício fiscal que se avizinha” (fls. 1-13).
4. No exame vestibular, o Corpo Instrutivo
recomendou o conhecimento da denúncia, bem como a
notificação do Chefe do Poder Executivo e do Secretário de
Estado das Finanças para apresentar justificativas, em razão
das seguintes constatações (fls. 50-102):
(a) o Estado de Rondônia, além de não arrecadar o ICMS, que ultrapassa a casa de centena de milhões e pode se aproximar da casa de bilhão de reais, nas operações interestaduais e de importação, permitirá que estes valores isentados sejam utilizados como crédito,
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compensando-os em operações futuras em que incidam ICMS;
(b) há entendimento do STJ que entende que a concessão da isenção deve ser realizada por meio de lei;
(c) não se observaram os requisitos instalados na Lei de Responsabilidade Fiscal, para conceder essa benesse às empresas das usinas hidrelétricas Na Lei Orçamentária Anual, não foram previstas as exigências consignadas no art. 14 da Lei 101/2000. Não há previsão de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício de 2011 e nos dois seguintes. Além desta previsão, deveria conter na LOA, Lei nº. 2.638, de 22 de dezembro de 2010, a demonstração de que a isenção não afetaria as metas de resultados fiscais previstas no anexo da LDO ou estar acompanhada de medida compensatória por meio de aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição; e
(d) não parece viável, do ponto de vista sócio-econômico-financeiro, a dispensa desses recursos oriundos do ICMS”. (…) “Importante destacar que não há obrigatoriedade nenhuma dessa concessão, e também o custo-benefício ainda não foi demonstrado, assim como não o foi o próprio interesse público. Se restar demonstrado que a contraprestação recebida pelo Estado for mais vantajosa que a arrecadação das centenas de milhões, podendo chegar até a casa do bilhão devido ao efeito duplicador da possibilidade de desobrigar o estorno do crédito das operações isentas, poder-se-á conceder a benesse. Em caso contrário, estar-se-á a ferir a moralidade administrativa.
5. Foram notificados acerca do teor da
manifestação técnica preliminar o Secretário de Estado das
Finanças, senhor Benedito Antônio Alves, e o Chefe do Poder
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Executivo, senhor Confúcio Aires Moura, a fim de que,
querendo, apresentassem esclarecimentos (fls. 104-105).
6. Nesse ínterim, por solicitação, foi
encaminhada ao Ministério Público estadual e a membro do
Congresso Nacional cópia do relatório técnico e dos autos,
respectivamente (fls. 108-110).
7. O Chefe do Poder Executivo estadual não se
manifestou. Por seu turno, o Secretário de Estado das
Finanças Adjunto, senhor Wagner Luis de Sousa, encaminhou
resposta, em nome do senhor Benedito Antônio Alves (fls.
111-117).
8. Ao analisar as informações prestadas, a Equipe
Técnica rechaçou os argumentos oferecidos (fls. 120-164).
Para efeito didático, segue o confronto das perspectivas da
SEFIN e da Equipe Técnica:
Esclarecimentos - SEFIN Relatório de análise – Equipe Técnica
(1) Dispensa do estorno do crédito oriundo das operações isentas(a) relativamente à dispensa do “estorno de crédito previsto no art. 21 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 operações beneficiadas com a isenção”, reconheceu que “a redação desse dispositivo é realmente inconveniente” e que, inclusive, “já está sendo elaborada uma proposta de alteração do Convênio para suprimir esse dispositivo”;
(a) a Assembleia Legislativa “aprovou lei específica para regular os benefícios previstos no Convênio ICMS 47/2011” e em seu teor não há “previsão da dispensa do estorno das operações isentadas decorrentes das operações de aquisição de equipamento e maquinário para compor o ativo imobilizado das usinas”;
(2) Incidência de ICMS nas operações de importação de bens a serem incorporados ao ativo imobilizado. (b) “não existem dúvidas acerca da incidência do ICMS nas
(b) “Quanto à questão da importação, a jurisprudência
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operações de importação”, mas “as empresas não são obrigadas a importar pelo Estado de Rondônia” e, mesmo que seja “uma conduta passível decontestação pelo Estado de Rondônia”, “é uma questão jurídica cercada de dúvidas que pode se arrastar por anos no judiciário”;
pátria é sólida no sentido de entender que o imposto será devido, nessas operações, ao Estado de destino final, ou seja, no Estado em que os bens serão utilizados, incorporados ao ativo imobilizado. Portanto, a incidência do imposto ao Estado de destino dos bens importados, nesse caso o Estado de Rondônia, independe do fato de uma empresa importar os bens e depois transferir ao Estado. O que vale é o destino final dos bens”;
(3) Incidência de ICMS nas operações interestaduais de aquisição de bens a serem incorporados ao ativo imobilizado e utilizados na geração de energia elétrica (c) “embora os Estados consumidores entendam que o diferencial de alíquotas [aplicável nas operações interestaduais] não afetaria a incidência do ISSQN” (…), pois as “máquinas e equipamentos utilizados para geração de energia elétrica (…) são componentes do ativo imobilizado”, se tais bens forem “caracterizados como insumos de uma obra de construção civil, a cobrança ficará inviabilizada em face da jurisprudência do STF”;
(c.1) o precedente judicial citado nos esclarecimentosteria sido “mal interpretado”, pois se refere à incidência de ISS nos serviços de instalação e montagem e não na aquisição, compra ou importação de equipamentos. Assim defendeu que “o fato de os equipamentos destinados ao ativo imobilizado das usinas integrarem a construção das mesmas não retira as operações do campo de incidência do [ICMS]”, sem prejuízo da incidência do ISS, nos “serviços de montagem, que têm natureza essencial de prestação de serviços”; (c.2) há “incidência do diferencial de alíquota nas operações de aquisição deequipamentos para as usinas devido aos vários convênios existentes de isenção dessas operações”; (c.3) o técnico de controle externo ressalvou sua posição pessoal no sentido de que “o tratamento mais técnico é a utilização da alíquota interna do estado vendedor com o recolhimento da totalidade dos
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recursos do imposto aos seus cofres”, (…) por “não serem contribuintes do ICMS”;
(4) Esclarecimento sobre as razões que levaram à concessão da isenção (d.1) embora a “construção das usinas independa da concessão de qualquer benefício por parte do Estado”, “as empresas interessadas alegam não ser devido o imposto, indicando que a questão será levada ao Poder Judiciário, situação que, pela praxe, demandará tempo até o desate da questão, além da incerteza de seu resultado”; (d.2) “havendo opiniões dissonantes baseadas em decisões judiciais que levam o Administrador Público a sopesar os riscos e buscar a composição com os construtores no sentido de trazer aos cofres do Estado o maior volume possível de recursos em razão da construção das usinas”;
(d.1) “Os óbices, de natureza jurídica e política, apontados pelo defendente [para justificar a concessão do benefício], pois “não há que se falar em ‘guerra fiscal’, pois a força do Rio Madeira é o diferencial para instalação das usinas em solo rondoniense”. (d.2) Além disso, no “que concerne à incerteza da arrecadação da receita, esse anódino argumento nem deve ser considerado. Esse é um pretexto anêmico, a arrecadação de receitas provenientes da importação é inquestionável. O que poderia ensejar alguma dúvida é o ICMS pertinente ao diferencial de alíquota (d.3) “Os demais apontamentos quanto aos aspectos da viabilidade e desnecessidade da concessão da isenção permanecem sem justificativas e fundamentos plausíveis. A mesma abordagem feita no relatório preliminar será mantida, visto que a defesa não apresentou sequer projeto para compensação da desoneração”;
(5) Atendimento dos pressupostos legais de responsabilidade fiscal (e) “Quanto à lei de responsabilidade fiscal, se nãofoi prevista uma receita, como é o caso, a eventual dispensa ou a não realização, não afetará o orçamento aprovado”; e
(e.1) “Quanto à responsabilidade fiscal, ao se analisar a Lei de Diretrizes orçamentárias verifica-se que esse instrumento é silente em relação à isenção das operações das usinas hidrelétricas. Há simples e genérica previsão, em seu art. 33, de que a concessão ou ampliação de isenção ou benefício, de natureza tributária ou financeira
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deverão ser acompanhadas das medidas de compensação previstas na LRF”; (e.2) Na Lei Orçamentária Anual, não foram previstas as exigências consignadas no art. 14 da Lei 101/2000. Não há previsão de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício de 2011 e nos dois seguintes. se não há medida compensatória de arrecadação de tributos, que vise contrapesar os recursos dispensados caracterizada ficará a irregularidade;
(6) Responsabilidade (f) o Corpo Técnico “entendeu, equivocadamente, por sugerir a atribuição de responsabilidade ao Secretário de Estado de Finanças, solidariamente com o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado”.
(f) Esse argumento é alçado de forma evasiva e, completamente, solta, sem ser apresentado fundamento que o abata. A prática do ato de celebração do convênio foi do Secretário de Estado das Finanças, senhor BENEDITO ANTÔNIO ALVES, devendo o mesmo ser responsabilizado pela prática de seu ato; (f.2) Não se pode ignorar que esse ato é, tipicamente, de natureza política, e não seria celebrado o convênio se o Governador do Estado não tivesse ciência, ante a importância e relevância de um assunto como esse.
9. Concluiu, por fim, a Equipe Técnica nos
seguintes termos:
Procedida à análise da justificativa apresentada para presente denúncia, a qual não foi capaz de demonstrar a viabilidade e o interesse público, permaneceram os indícios de agressão a dispositivos constitucionais e da Lei
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de Responsabilidade outrora mencionados, como abaixo seguem:
DE RESPONSABILIDADE DO SENHOR BENEDITO ANTÔNIO ALVES, SOLIDARIAMENTE, COM O SENHOR CONFÚCIO AIRES MOURA – GOVERNADOR DO ESTADO DE RONDÔNIA:
01) Descumprimento do art. 14, da Lei Complementar 101/2000, pela celebração de Convênio ICMS, que acarretará renúncia de receita, sem observar as medidas contidas nesse mesmo artigo para compensar a medida;
02) Descumprimento dos princípios da moralidade (art. 37, caput, da Constituição da República), da razoabilidade, proporcionalidade, e da supremacia do interesse público sobre o interesse privado (princípios constitucionais implícitos), por firmar convênio de isenção de ICMS nas operações de importação e interestaduais, bem como autorizar a dispensa do estorno de crédito oriundo das operações isentadas, que se efetivarem acarretarão a perda de arrecadação de quantia significativa de receita, para os empreendimentos responsáveis pela construção das usinas hidrelétricas sem, contudo, demonstrar o interesse público e viabilidade econômica.
Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator
PAULO CURI NETO
Depois de realizada a instrução processual, recomenda-se ao Conselheiro Relator:
a) que a denúncia seja CONHECIDA, e no mérito seja considerada PROCEDENTE na forma regimental;
b) que determine a retificação do “assunto do processo” para DENÚNCIA – Concessão de isenção de ICMS às Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau nas operações de importação de máquinas, aparelhos e equipamentos industriais, suas partes e peças, sem similar no país, e o ICMS relativo ao diferencial de alíquotas nas aquisições e transferências interestaduais de bens destinados ao ativo
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imobilizado das empresas geradoras e concessionárias de transmissão de energia elétrica;
c) que determine aos responsáveis que se abstenham de aplicar a referida lei, por ser a mesma eivada de inconstitucionalidade pelo fato de ferir vários princípios constitucionais, e atentar contra o interesse público;
d) que aplique a punição dos responsáveis em pagamento de multa pecuniária, preconizada no art. 55, III, da Lei Complementar Estadual 154/1996, pela celebração de convênio e concessão de isenção fiscal nas operações de aquisição de equipamentos e máquinas para compor o ativo imobilizado das usinas, ato que atenta contra o interesse e o patrimônio públicos.
e) que remeta cópia do presente relatório àquele Parquet para conhecimento da abordagem realizada na justificativa apresentada pela Sefin a esta Corte de Contas.
10. Mediante o Parecer nº 362/2011 (fls. 167-207),
o Ministério Público de Contas, opinou, em síntese, pela
violação dos princípios da supremacia do interesse público,
da indisponibilidade do interesse público, da isonomia, da
razoabilidade, bem como do pacto federativo, pelas seguintes
razões:
(a) se mostra inadmissível, na espécie, é o Estado, diante da ameaça efetivada pelos contribuintes, deixar, simplesmente, de realizar a cobrança de tributos cuja incidência é incontestável. … não pode o gestor simplesmente dispor de potenciais recursos públicos, devendo, se for o caso, em atenção aos diversos princípios e regras que regem a atuação da Administração Pública, litigar até as últimas instâncias em prol do interesse do Estado;
(b) Na situação em comento, a defesa apresentada pelo Secretário da SEFIN, em consonância
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com a Lei Estadual nº 2.538/2011, aponta que a isenção não atende ao interesse público da comunidade local, qual seja, a utilização da máquina administrativa da maneira menos gravosa ao erário. Nem se pode argumentar que o benefício direcionou-se a fomentar o crescimento econômico do Estado, já que este foi escolhido por sua predisposição natural para a geração de energia hidrelétrica, independentemente de qualquer condição mais favorável às empresas interessadas. O fato supramencionado, aliado à circunstância de que a concessão para os empreendimentos fora efetivada anos antes da edição da lei e à inexistência de menção aos valores que seriam aplicados pelos consórcios, como investimentos ou compensações, em função do benefício, indicam que as únicas reais favorecidas pela isenção são as construtoras das Usinas;
(d) o gestor não pode dispor livremente de bens e interesses do Estado, que devem ser manejados exclusivamente em benefício da coletividade. … O procedimento, a toda prova, não é o mais adequado para a consecução do fim desejado pelo Estado, qual seja, a prestação de serviços públicos à sociedade. … a pretensão de delegar aos consórcios a realização de investimentos ou de compensações, além de infringir diretamente diversos Princípios de Direito Público, finda por enfraquecer o controle de gastos, facilitando o desvio de verbas públicas;
(e) Não existe especificação de quais seriam esses investimentos e em que local eles se dariam. Inexiste ainda estipulação do valor da “contrapartida” dos consórcios beneficiários, de forma que, no que atine a esses, o Termo caracteriza verdadeiro “cheque em branco”;
(f) o Governo Municipal deixará de arrecadar valores que poderiam ser direcionados ao atendimento de suas necessidades locais, além de não ter qualquer participação no direcionamento dos investimentos e compensações prometidos;
(g) Quanto ao estudo trienal sobre os impactos decorrentes do benefício, depreende-se, da defesa trazida pelo Senhor Wagner Luis de Souza, a ausência de qualquer trabalho ou estimativa com esse
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desiderato. … Não há também notícia acerca de qualquer sorte de medidas de compensação por meio do aumento de receita, nos termos da exigência prevista no inciso II do art. 14. … A omissão atinente à ausência de previsão, na Lei Orçamentária Anual do Estado, acerca do crédito advindo da arrecadação de ICMS, não pode servir de subterfúgio para a concessão de benefício fiscal. … A complacência com a omissão caracterizaria sério precedente que poderia ser utilizado por outras Unidades Jurisdicionadas da Corte de Contas, dificultando ações de controle;
(h) Ressalte-se que, no âmbito do Tribunal de Contas, tratando-se de lei propriamente dita, ou seja, de efeitos abstratos e impessoais, e estando-se diante de um caso concreto, caberia somente negar executoriedade àquela e, concomitantemente, representar aos órgãos legitimados para a impetração de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nada obstante, o normativo em comento pode, conforme externado, ser considerado ato administrativo em sentido material. Dessa ilação é possível aferir duas consequências substanciais. A primeira delas é de que a possibilidade de controle de constitucionalidade da lei por meio de ADIN é questionável. … tratando a lei em tela de ato administrativo em sentido material, entendo que poderia a Corte de Contas adotar as medidas previstas no artigo 49, IX, da Constituição Estadual de 1989. … O exato cumprimento da lei1, in casu, perpassa pela anulação Lei Estadual nº 2.538/2011, procedimento, inclusive, almejado pelo Parquet Estadual em sede de Ação Civil Pública. Não sendo acatada a determinação do Tribunal de Contas, este poderia sustar a execução do ato impugnado. [No entanto], o procedimento é desnecessário no momento, tendo em vista que a lei se encontra suspensa por decisão judicial;
1 Nesse sentido, devem ser considerados todos os argumentos
trazidos no vertente parecer, tais como: infringência a diversos princípios de Direito Público; desrespeito a artigos da Constituição Federal; e afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal. (nota constante do original)
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(i) a benesse conferida aos consórcios causaria alteração da equação econômico-financeiro do contrato celebrado, gerando o aumento substancial do lucro auferido pelas empresas, em detrimento do interesse público que deveria prevalecer;
Diante do exposto, o MPC se manifesta como segue:
I – Que se promova a retificação da autuação do feito, que deverá ser tratado como denúncia, considerando que foram atendidos os pressupostos legais e regimentais necessários a sua admissibilidade;
II – No mérito, seja a denúncia considerada procedente, tendo em vista que:
a) Sobre as importações de máquinas, aparelhos e equipamentos, pelos consórcios responsáveis pela Construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, incide, inequivocamente, o ICMS;
b) Em relação à aquisição e transferência interestadual de bens destinados aos ativos imobilizados das referidas empresas, o Estado deve, como o faz ordinariamente, considerar a incidência do imposto;
c) A isenção concedida pelo Estado afronta os seguintes Princípios: Supremacia do Interesse Público Sobre o Privado; Indisponibilidade do Interesse Público; Moralidade; Isonomia e Razoabilidade e Proporcionalidade;
d) A realização de compensações e investimentos, como contrapartida pela isenção conferida, enfraquece o controle de gastos públicos, facilitando o desvio, além do que não existem critérios objetivos regulando o quantitativo e os locais em que aqueles deverão ser aplicados;
e) A concessão de isenção pelo Estado de Rondônia, com fulcro na realização de compensações e investimentos, constitui lesão ao pacto federativo (afronta aos artigos 1º, 18 e 158, IV, da CF/88), na medida em que subtrai do Município a livre disposição da parcela de 25% do ICMS que lhe deveria ser repassada;
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f) A concessão da Renúncia de Receita (isenção) não observou os requisitos constantes dos incisos I e II, artigo 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal;
g) Não existe qualquer razão de interesse público que justifique a isenção concedida;
III – Represente-se, com o envio de cópia dos autos, ao Procurador-Geral da República e ao Procurador-Geral de Justiça do Estado, apontando as infringências, pela Lei Estadual nº 2.538/2011, a princípios constitucionais e aos artigos 1º, 18 e 158, IV, da CF/88, para que, em sendo o caso, interponham ADI;
IV – Represente-se, com o envio de cópia dos autos, com os mesmo fundamentos, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, considerando a legitimidade do órgão para a propositura de ADI;
V – Represente-se, com o envio de cópia dos autos, à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União, alertando os citados órgãos sobre a possível quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato assinado após os leilões promovidos pela ANEEL, para a construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, no Rio Madeira;
VI – Determine-se ao Secretário da SEFIN, com supedâneo no art. 48, IX, da Constituição Estadual de 1989, que, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, anule o ato administrativo em sentido material, consistente na Lei Estadual nº 2.538/2011, tendo em vista a infração a Princípios Constitucionais e de Direito Administrativo; a afronta aos artigos 1º, 18, e 158, IV, da CF/88; o não atendimento aos requisitos para a concessão de isenção, previstos no art. 14, I e II, da LRF e a ausência de interesse público para a concessão da benesse.
É o Parecer.
Porto Velho, 1º de Setembro de 2011.
Érika Patrícia Saldanha De Oliveira Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas
11. Em ato contínuo, vieram os autos conclusos.
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É o relatório.
Admissibilidade da Denúncia
12. É inequívoco o preenchimento dos requisitos de
admissibilidade, nos termos regulamentares e regimentais. O
denunciante, devidamente identificado, é sujeito
constitucionalmente legitimado, estando o petitório redigido
em termos compreensíveis (linguagem clara e objetiva),
acerca de matéria de competência desta Corte.
13. Afinal, cuida-se de renúncia de receitas
estaduais, acerca da qual cabe a esta Corte examinar não só
a legalidade formal – a conformidade cartesiana ao
ordenamento jurídico –, mas também a legitimidade e a
economicidade (art. 70, caput, da CF). A juridicidade das
renúncias de receitas, que recebe o tratamento de “gasto
tributário”, e seus reflexos no desempenho da arrecadação
são fatos que se encontram estritamente relacionados à
competência fiscalizadora e judicante desta Corte de Contas
(arts. 11 a 14, e 58 da Lei Complementar nº. 101/2000).
14. Sob um prisma constitucional, os escopos de
controle da juridicidade administrativa abrangem: (a) a
observância dos limites negativos e as exigências positivas
impostas pelos direitos fundamentais, como o postulado da
isonomia tributária, que veda tratamento discriminatório ou
privilegiado injustificado; (b) o cumprimento de objetivos e
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valores da comunidade jurídica, normalmente encartados em
princípios constitucionais, que norteiam as políticas
públicas, como ações afirmativas de redução de desigualdades
sociais e regionais; e (c) a obtenção de padrões razoáveis
de eficiência socioeconômica, com ênfase nos resultados
sociais e econômicos, mediante a realização de mais
benefícios sociais concretos com menor custo social (art.
69, parágrafo único, do Regimento Interno).
15. Não cabe a esta Corte de Contas realizar
controle abstrato de constitucionalidade de lei ou convênio
autorizador da renúncia de receitas, o que não significa,
evidentemente, que deva esta Corte aguardar pela consumação
de ilícitos administrativos para iniciar sua atuação,
podendo valer-se, se for o caso, de seus poderes inibitórios
(“cautelares”) para impedir concretamente ilícitos ao regime
jurídico administrativo, determinando o exato cumprimento da
ordem jurídica (art. 71, IX, da CF), conforme remansosa
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal2.
16. Relata o denunciante que se avizinha “imensa
renúncia de receitas”. Dessa forma, analisado sob o prisma
da teoria da asserção, resta inequivocamente caracterizado o
interesse de agir do Controle Externo, tendo em vista a
inquestionável relevância de que se revestem, em tese, os
fatos narrados, inclusive, para a futura verificação da
regularidade das contas dos responsáveis. A propósito,
assevera o candango Jorge Ulisses Fernandes Jacoby: “O
2 MS 24.510, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-11-2003,
Plenário, DJ de 19-3-2004.
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controle sobre as receitas e renúncia de receitas é tão ou
mais importante que o controle sobre a despesa”3.
17. Em contrapartida, assiste ao denunciante o
direito subjetivo, de origem constitucional (art. 74, §2º,
da CF), que impõe ao Tribunal de Contas a apreciação do
mérito e a proferição de um provimento, qualquer que seja o
seu conteúdo. Quer seja procedente ou não sua pretensão,
forçoso tecer loas à iniciativa do denunciante, cuja
atuação, demonstrando grande espírito de mobilização cívica,
submeteu ao crivo do Controle Externo questão que apresenta
inquestionável relevância social, sobre a qual os órgãos de
fiscalização não poderiam quedarem-se inertes. Posto isso,
voto pelo conhecimento da Denúncia.
18. Dessa forma, vencido o juízo de prelibação, em
preliminar, passa-se ao exame do mérito da denúncia.
Caracterização da Renúncia de Receitas
19. Embora fosse prescindível consignar, descabe a
esta Corte decidir sobre a eventual existência ou não de
créditos tributários. Para a verificação da renúncia de
receitas, basta o ato formal do qual resulte, em tese, a
frustração de receitas públicas, sponte propria da
Administração.
3 Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo
Horizonte: Fórum, 2003, p. 411.
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20. O denunciante, a esse respeito, identificou
adequadamente a autorização formal para que o Estado, em
tese, procedesse à concessão de isenção de ICMS, em favor
das concessionárias responsáveis pela construção e uso do
aproveitamento hidráulico das usinas de Santo Antônio e
Jirau no rio Madeira para geração de energia elétrica, sob o
regime de produção independente, mediante concessão de uso
de bem público, caracterizando a renúncia de receitas
tributárias (Convênio ICMS nº 47/2011/CONFAZ, ratificado
pelo Ato Declaratório 10/11, publicado no DOU, de 10.06.11).
Conforme ressaltou o Corpo Técnico, depois de protocolada a
denúncia, foi publicada, no DOE n°. 1793, de 11 de agosto de
2011, a Lei estadual nº 2.538/2011, internalizando no
ordenamento jurídico local, formalmente, a isenção fiscal
mencionada.
21. Foram excluídas do âmbito material da hipótese
de incidência de ICMS as aquisições de torres, cabos e
componentes das linhas de transmissão, instalações, máquinas
e equipamentos destinados à integração no ativo imobilizado
na construção e operação das usinas geradoras especificadas
no convênio, das subestações e das linhas de transmissão
correlatas, seja na importação, quando não houver similar no
território nacional, seja nas operações interestaduais, no
que tange ao chamado “diferencial de alíquota de ICMS” (art.
2º, §§1º a 3º, da Lei estadual nº 2.538/2011).
22. Os benefícios fiscais previstos no Convênio
ICMS nº 47/2011/CONFAZ enquadram-se nas hipóteses de isenção
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condicional (art. 179 do Código Tributário Nacional4),
concedida sem caráter geral, com prazo determinado até 2020,
cuja fruição depende do implemento dos seguintes requisitos:
(a) comprovação da efetiva aplicação das mercadorias nas
obras; (b) celebração de termo de compromisso, assinado pela
Coordenadoria da Receita do Estado – CRE, pelo Poder
Legislativo estadual e pelo contribuinte beneficiário,
“objetivando a realização pelas empresas beneficiárias de
outros investimentos no Estado e aumento das compensações”;
(c) inexistência de produto similar produzido no país, no
caso de importação (cláusula segunda, I).
23. Além da isenção fiscal, autorizou a norma
estadual mencionada a “dispensa da cobrança dos débitos
fiscais decorrentes da anulação do benefício previsto no
item 74, do Anexo I da Tabela I do Regulamento do [ICMS]”
(art. 1º), cuja desoneração tenha sido definitivamente
reconhecida em processo administrativo regular, antes da
anulação do benefício fiscal, com efeitos retroativos, pelo
Decreto nº 15.858, de 26.4.2011, em razão da ausência de
autorização do CONFAZ.
24. O benefício a que se refere o dispositivo
anulado (item 74 RICMS) cuida de isenção relativa às
operações de importação e de entrada interestadual “de bem
novo, sem similar no mercado interno deste estado, destinado
4 “Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é
efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para concessão”.
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ao ativo imobilizado de estabelecimento industrial,
agropecuário, de empresa de construção civil ou de empresa
concessionária da prestação de serviços públicos de
radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e
gratuita”.
25. As usinas hidrelétricas, em tese, enquadram-se
no conceito de “instalação industrial destinada à produção
de energia elétrica, mediante exploração de potencial
hidráulico”, conforme definição adotada pela ANEEL. Por essa
razão, as concessionárias geradoras de energia elétrica no
Complexo do rio Madeira também foram beneficiadas pela
“dispensa do pagamento”.
26. No tocante à autorização para dispensar o
estorno dos créditos tributários obtidos com a isenção
analisada no relatório técnico inaugural (§4º do art. 2º da
Lei nº. 2.538/2011), houve a prejudicialidade superveniente
do exame da matéria, porque o dispositivo mencionado foi
vetado pelo Poder Executivo, “por inconveniência”, razão
pela qual não houve a internação na ordem jurídica local
desse benefício em especial.
27. Não há controvérsia sobre a sujeição das
operações de importação de bens à hipótese de incidência de
ICMS em favor do Estado destinatário da mercadoria, ainda
que não seja contribuinte habitual do imposto e qualquer que
seja a finalidade do bem, como reconhece o fisco estadual
(art. 155, IX, “a”, da CF, com a redação dada pela Emenda
Constitucional nº 33/2001, combinado com os arts. 2º, §1º,
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I, 4º, parágrafo único, I, 12, IX, da Lei Complementar
federal nº 87/1996).
28. Como demonstrado pela Equipe Técnica, a
jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, quando o
desembaraço aduaneiro é realizado em Estado diverso daquele
onde estiver domiciliado o destinatário jurídico da
mercadoria, “o sujeito ativo da relação tributária do ICMS é
o Estado onde está domiciliado o estabelecimento
destinatário do bem”5.
29. Tal constatação, que não é repudiada pela
Administração tributária, espanca a sua alegação de que a
incidência de ICMS na importação “é uma questão jurídica
cercada de dúvidas que pode se arrastar por anos no
judiciário”. A tentativa da Secretaria de Finanças de
controverter a incidência de ICMS nessas operações é
temerária e infundada, senão contraditória. Como visto,
ainda que o contribuinte possua diversos estabelecimentos
(isto é, a base física onde são realizadas as atividades
empresariais), o que importa é o domicílio do
“estabelecimento destinatário do bem”, e não o do
estabelecimento de sede, filial ou sucursal outra.
5 “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. 2.
Tributário. ICMS. Importação. 3. Sujeito ativo. estado-membro em que localizado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria importada, independentemente de onde ocorra o desembaraço aduaneiro. 4. Incidência da Súmula 279. 5. Agravo regimental a que se nega provimento”. (ARE 642416 AgR, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-03 PP-00413). Cf., também: AI 816953 AgR, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 02/08/2011, DJe-158 DIVULG 17-08-2011 PUBLIC 18-08-2011 EMENT VOL-02568-04 PP-00599, grifo acrescentado
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30. Por sua vez, quanto ao diferencial de
alíquota, incidente nas aquisições e transferências
interestaduais de bens destinados ao ativo imobilizado,
realmente a questão pode suscitar certa controvérsia. Mas, o
Ministério Público de Contas, corretamente, observou que “o
exame acurado dos precedentes trazidos à tona não contribui
de forma definitiva para o deslinde da contenda”, de modo
que o resultado de eventual lide “é deveras imprevisível”
(fl. 181). De qualquer sorte, não há porque controverter
para efeito do reconhecimento da possibilidade de
tributação, já que a isenção está formalmente internalizada
no ordenamento jurídico local. A concessão formal da isenção
tributária parte do pressuposto lógico de que há
presumivelmente crédito tributário a ser excluído, segundo a
sistemática adotada pelo Código Tributário Nacional (art.
175, I, da Lei federal nº 5.172/1966). Ressalte-se,
entretanto, que, aparentemente, é a isenção nas operações de
importação que, em tese, mais impactará a arrecadação.
31. Portanto, caracterizada a diminuição potencial
da arrecadação de tributo com função predominantemente
fiscal, acarretando o consequente aumento da disponibilidade
econômica do contribuinte, e, resultando em tratamento
tributário diferenciado que alcança, especificamente, grupo
determinado e identificado de contribuintes6, resta
devidamente caracterizada a renúncia de receitas, na forma
6 NOBREGA, Marcos. Renúncia de Receita; guerra fiscal e tax
expenditure: uma abordagem do art. 14 da LRF. Disponível em: <http://www.eclac.org/ilpes/noticias/paginas/6/13526/MarcosNobrega1.pdf>. Acesso em 30 de agosto de 2011.
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do art. 14, §1º7, da Lei Complementar nº 101/2000, combinado
com o art. 165, §6º, da CF.
Da Responsabilidade Fiscal: ausência do demonstrativo da estimativa do impacto orçamentário-financeiro na lei orçamentária anual (art. 165, §6º, da CF), da estimativa do impacto nas metas fiscais e do cumprimento das medidas de compensação fiscal (art. 14, I e II, da LRF)
32. Caracterizada a renúncia de receitas, forçoso
que seja examinado o cumprimento dos requisitos
constitucionais e legais pertinentes à responsabilidade
fiscal e ao planejamento orçamentário.
33. Observou o Corpo Técnico que, diferentemente
do que preceitua a Lei Complementar nº 101/2000, ao
“analisar a Lei de Diretrizes orçamentárias [Lei nº. 2339,
de 21 de julho de 2010], verifica-se que esse instrumento é
silente em relação à isenção das operações das usinas
hidrelétricas”. De outra banda, na Lei Orçamentária Anual
(Lei nº. 2.368, de 22 de dezembro de 2010), “não há previsão
de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no
exercício de 2011 e nos dois seguintes”, circunstância que
não é objetada pela Secretaria de Finanças.
7 “Art. 14. (…) § 1º. A renúncia compreende anistia, remissão,
subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”.
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34. Com efeito, não há controvérsia quanto ao fato
de que “não consta do orçamento a previsão para a renúncia
alardeada”, conforme reconhece a Secretaria de Finanças. Tal
constatação implica, evidentemente, violação ao preceito
acautelador constitucional (art. 165, §6º) que determina a
estimação do impacto, no planejamento orçamentário, de todas
as renúncias de receitas (“isenções, anistias, remissões,
subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e
creditícia”), mediante demonstrativo específico a ser
encaminhado, no projeto de lei orçamentária anual.
35. A obrigação de demonstrar, formalmente, o
impacto dos benefícios fiscais, financeiros e creditícios no
planejamento orçamentário e financeiro constitui reflexo
especial do princípio da transparência orçamentária e
fiscal. A renúncia de receitas, na sistemática
constitucional do orçamento, possui tratamento de nova
despesa pública, a chamada despesa tributária, porque produz
semelhante resultado econômico do gasto público8. Objetivou
o Poder Constituinte propiciar o controle político (art.
165, §6º, da CF) e jurídico (art. 70, caput, da CF) dos
benefícios tributários, fiscais e creditícios.
8 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e
Tributário. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 165: “(…) para o equilíbrio orçamentário, torna-se necessário não só diminuir a despesa pública como também evitar as renúncias de receitas. A expressão renúncia de receitas, equivalente a gasto tributário (tax expenditure), entrou na linguagem orçamentária americana nas últimas décadas e adquiriu dimensão universal pelos trabalhos de Surrey. Gastos tributários ou renúncias de receitas são mecanismos financeiros empregados na vertente da receita pública (isenção fiscal, redução de base de cálculo ou de alíquota de imposto, depreciações para efeito de imposto de renda, etc.) que produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública (subvenções, subsídios, restituições de impostos, etc.)”.
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36. Com base nos princípios do equilíbrio, do
planejamento e transparência, a Lei de Responsabilidade
Fiscal, complementando a sistemática constitucional, inibiu
a renúncia de receitas inopinada. Receita potencial não
arrecadada significa comprometimento da capacidade de
investimento e financiamento direto dos serviços públicos e,
no caso extremo, comprometimento do equilíbrio financeiro e
orçamentário.
37. A Lei Complementar federal nº 101/2000 tornou
obrigatório que o demonstrativo de renúncia fiscal conste
não só do orçamento anual, mas também da lei de diretrizes
orçamentárias (art. 4º, §1º, V), responsável por garantir o
equilíbrio das contas públicas. De fato, uma das funções
constitucionais da LDO é planejar as alterações da
legislação tributária, por conta de seus efeitos nas
finanças estatais (art. 165, §2º, da CF).
38. Para justificar a não observância das
exigências consignadas no art. 14 da Lei Complementar nº.
101/2000, o Secretário de Estado das Finanças alega que a
receita relativa às isenções analisadas não foram previstas
no orçamento, de modo que não implicaria em desequilíbrio
das contas públicas a criação dos benefícios fiscais.
39. Entretanto, é forçoso notar que tal alegação
contradiz-se com o que foi informado ao juízo da 1º Vara da
Fazenda Pública pela própria Secretaria de Finanças.
Conforme se relata na decisão interlocutória de mérito
proferida na ação civil pública, a Administração estadual
informou que há “lançamentos já realizados desde janeiro de
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2008 que serão atingidos pela isenção”, estimando-os em
aproximadamente cem milhões de reais. Logo, não é, em
absoluto, crível que a Administração, mesmo constituindo os
créditos tributários há três anos, alegue que tais receitas
não foram consideradas na estimativa da arrecadação.
40. De acordo com o princípio da universalidade
orçamentária, todas as receitas públicas, em tese, devem
encontrar-se previstas no orçamento, daí porque existe
demonstrativo próprio para especificar as renúncias de
receitas9. Com efeito, verifica-se que não há na lei
orçamentária vigente quaisquer estimativas de renúncia de
receitas. Logo, se houve a autorização para a concessão
formal de isenção fiscal, é lógico deduzir que a receita ora
renunciada encontrava-se, em tese, prevista na estimativa
global, já que não estava incluída do demonstrativo de
renúncia de receitas.
41. Quanto à outra alegação da Administração
estadual de que “não existe certeza dessa receita”,
novamente se contradiz com a assertiva, por ela mesma
consignada, de que “não existe dúvidas acerca da incidência
de ICMS nas operações de importação”. Evidentemente, a
estimativa da receita não exige a certeza da arrecadação mas
apenas a sua probabilidade razoável.
9 O princípio da universalidade orçamentária, que “exige que
todas as receitas sejam previstas na lei orçamentária, sem possibilidade de qualquer exclusão” (voto do Ministro Relator Gilmar Mendes na ADI-MC nº 3.949, plenário, julgado em 14.8.2008)
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42. Com base em tais argumentos evasivos, o Poder
Público não pode se eximir do dever, ínsito ao planejamento
fiscal e orçamentário, de estimar quantitativamente o
impacto das renúncias de receitas já consumadas ou a
consumar, ainda que a arrecadação seja prevista globalmente.
A ausência de inclusão e estimação da isenção de tributo com
função predominantemente fiscal, no demonstrativo próprio da
lei orçamentária anual, resulta em flagrante ofensa ao
princípio da transparência e do planejamento orçamentário,
de sede constitucional.
43. Ora, a lei de diretrizes orçamentárias para o
exercício de 2011 estabeleceu como prioridades da
Administração Pública estadual, dentre outras: “recuperar a
capacidade de investimento, com base no aperfeiçoamento dos
mecanismos de arrecadação, da racionalização dos gastos
públicos e da alavancagem de recursos de modo a ampliar o
acesso da população a serviços sociais básicos prestados com
eficiência e eficácia” e “aumento real da arrecadação
tributária” (art. 4º, II e VII, da Lei nº 2.339/2010).
44. Por sua vez, observou o Corpo Técnico que a
LDO expressamente condicionou a concessão ou ampliação de
isenção, incentivo ou benefício fiscal, à realização de
“medidas de compensação previstas na Lei Complementar
Federal nº 101, de 2000” (art. 33). Logo, a lei de
diretrizes orçamentárias dispôs que qualquer concessão de
benefício tributário ou financeiro afetará as metas fiscais,
bem como o cumprimento dos objetivos prioritários de aumento
da arrecadação e da capacidade de investimento. De fato, na
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Tabela 8 do Demonstrativo VII da LDO consta que “Não serão
realizadas medidas com impacto negativo na arrecadação”.
45. Hodiernamente, a criação de benefícios fiscais
não previstos nas leis orçamentárias viola o princípio do
planejamento fiscal. Moacir Marques da Silva, nessa esteira,
sustenta que, “a partir da edição da LRF, os Tribunais de
Contas têm suporte legal para rejeitar as prestações de
contas executadas sem a observância a este dispositivo por
contrariar o princípio do planejamento público”10.
46. Acertadamente, aduziu o Corpo Técnico de que
não se desincumbiu a Administração de demonstrar, nos seus
esclarecimentos, que (a) o impacto dessa isenção fiscal foi
previsto na elaboração do orçamento, (b) que não afetará as
metas fiscais ou (c) que serão adotadas medidas fiscais
compensatórias da perda de arrecadação no exercício de
vigência ou nos dois seguintes, conforme preceitua o art.
14, I e II, da Lei Complementar nº. 101/2000, caracterizando
inobservância ao princípio do planejamento fiscal (art. 1º,
§1º).
47. Como já registrado acima, a Secretaria de
Finanças, a despeito de lhe haver sido oportunizado, não
demonstrou, quantitativamente, o impacto dessa renúncia nos
cofres estaduais, o que implica ofensa ao princípio da
prudência fiscal, ínsito ao planejamento. Ainda que não
tenham sido reunidos dados suficientes para estimar o
10 Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal: abordagem
contábil e orçamentária para os municípios. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 64.
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impacto tributário – e a Administração não se preocupou em
fazê-lo –, é mais do que razoável presumir, em face da
enorme envergadura da obra, que a desoneração tributária há
de refletir consideravelmente na arrecadação, mormente na
isenção das operações de importações11.
48. Com efeito, pelas informações parciais
coligidas, até o momento, há severos indicativos de que os
benefícios fiscais em questão comprometerão sobremodo o
potencial de investimento estatal no curto e longo prazo, já
11 Pelas informações colacionadas pelo Corpo Técnico e que não
foram impugnadas pela Administração, todas as turbinas para a geração de energia, ao menos na Hidrelétrica de Jirau, serão adquiridas mediante importação da China e da Europa. Possivelmente, dada a complexidade e envergadura do empreendimento do Complexo do Rio Madeira, outros materiais também advirão do comércio exterior, hipótese na qual é aplicável a alíquota interna. Confiram-se, a propósito, os seguintes despachos, publicados na imprensa oficial da União: “O PRESIDENTE DAS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. - ELETROBRÁS, no exercício da competência subdelegada pela Portaria do Ministério de Minas e Energia - MME nº 143, de 2 de abril de 2008 (D.O.U. de 3 de abril de 2008), e tendo em vista o disposto no Decreto no 1.387, de 7 de fevereiro de 1995, modificado pelos Decretos nos 2.349, de 15 de outubro de 1997, e 3.025, de 12 de abril de 1999, resolve autorizar o seguinte afastamento do País: NOME: Ricardo de Oliveira Melo CARGO/FUNÇÃO: Engenheiro ÓRGÃO: CHESF PAÍS DE DESTINO: Coréia do Sul FINALIDADE: Manter a Chesf atualizada na tecnologia das subestações abrigadas à SF6, visando a adoção dessa tecnologia no Complexo Hidroelétrico do Jirau. PERÍODO: 20/06/2008 a 29/06/2008 TIPO DE AFASTAMENTO: Com ônus ENQUADRAMENTO DA VIAGEM: Artigo 1º, Inciso IV” (DOU Nº 116, quinta-feira, 19 de junho de 2008).
“O PRESIDENTE DAS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. - ELETROBRÁS, no exercício da competência subdelegada pela Portaria do Ministério de Minas e Energia - MME nº 143, de 2 de abril de 2008 (D.O.U. de 3 de abril de 2008), e tendo em vista o disposto no Decreto no 1.387, de 7 de fevereiro de 1995, modificado pelos Decretos nos 2.349, de 15 de outubro de 1997, e 3.025, de 12 de abril de 1999, resolve autorizar o seguinte afastamento do País: NOME: Eduardo Manuel da Mota Silveira CARGO/FUNÇÃO: Engenheiro ÓRGÃO: CHESF PAÍS DE DESTINO: China FINALIDADE: Integrar a comitiva de técnicos oriundos das empresas sócias do Consórcio Energia Sustentável do Brasil - ESBR, para participar de discussões técnicas relativas à definição da escolha da Empresa Dongfang Electric Machinery Company Limited e das Empresas associadas CITIC/Harbin Electric Machinery Company, Ltd., como fornecedoras das turbinas e dos geradores que irão equipar o aproveitamento Hidrelétrico Jirau PERÍODO: 18/09/2008 a 04/10/2008 TIPO DE AFASTAMENTO: Com ônus ENQUADRAMENTO DA VIAGEM: Artigo 1o, Inciso IV” (DOU nº 181, quinta-feira, 18 de setembro de 2008).
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que o convênio possui autorização para vigorar até o
exercício de 2020, o que, como se viu, não se encontra
consentâneo com as prioridades democraticamente impostas ao
Poder Público.
49. Realmente, apenas com relação aos efeitos
retroativos do benefício fiscal, conforme informações
obtidas na ação civil pública promovida pelo Ministério
Público do Estado, “a relação dos lançamentos já realizados
desde janeiro de 2008 que serão atingidos pela isenção já
montam a casa dos cem milhões de reais, … somente em relação
às empresas Energia Sustentável, Santo Antônio Energia,
Consórcio Santo Antônio Civil e Construtora Norberto
Odebrecht”. A estimação da perda da arrecadação potencial
futura é, até o momento, ignorada, mas, muito provavelmente,
adentrará também nas casas das centenas de milhões. Trata-
se, como se vê, de considerável quantia de receitas
tributárias renunciadas que, não custa relembrar, possui o
mesmo efeito econômico de gasto público. É maior do que a
dotação de diversas unidades orçamentárias estaduais.
50. Comparativamente, o valor estimado da renúncia
dos créditos retroativos, de 2008 a 2011, corresponde a:
330% da dotação orçamentária inicial da Defensoria Pública
(R$ 30.263.300,00); 607% da Controladoria Geral do Estado
(R$ 16.451.664,00); 414% da Secretaria de Estado de Ação
Social (R$ 24.113.824,00); 181% da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Econômico e Social (R$ 55.184.764,00); 19,7%
da Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (R$
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506.542.849,00); 19,3% do Fundo Estadual de Saúde (R$
517.568.728,00) etc12.
51. Os órgãos e fundos contábeis acima elencados
não foram aleatoriamente escolhidos. Segundo pesquisa da
Data Folha, datada de março de 2007, “a violência é hoje o
maior problema do País na opinião de 31% dos brasileiros
(…). Em seguida, vêm o desemprego (22%), a saúde (11%), a
educação (9%) e a fome/miséria (7%) (Folha de S. Paulo, São
Paulo, 25 mar. 2007, p. A1)”13.
52. Estatísticas recentes da Organização Mundial
da Saúde apontam que a cidade de Porto Velho,
particularmente, foi apontada como a quarta capital mais
violenta do país, com índice de homicídio sete vezes
superior à tolerância14. A situação não é nova, como se
sabe. No ano de 2006, em estudo de saúde coletiva, concluiu-
se que “Porto Velho, Macapá, Vitória, Rio de Janeiro e
Cuiabá são as capitais com os maiores índices de violência
premeditada – altos índices de homicídios e lesões
corporais15”.
12 Fonte: Lei estadual nº 2.368, de 22 de dezembro de 2010 – Lei
Orçamentária Anual do exercício de 2011. 13 Extraído de: <http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=84>. 14 Extraído de seguinte sítio eletrônico:
http://www.vilhenahoje.com.br/modulos.php?mod=news&arquivo=sys_news_comentlist&showmaster=sys_news&id=560&PHPSESSID=259bd58b5c9fb91e4875480ea1135edb.
15 SOUZA, Edinilsa Ramos; LIMA, Maria Luiza Carvalho de. The
panorama of urban violence in Brazil and its capitals. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2006, vol.11, n.2, pp. 363-373. ISSN 1413-8123. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1413-81232006000200014&lng=en&nrm=iso&tlng=en. Tradução livre.
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53. No mesmo ano em que obteve a aprovação do
benefício fiscal pelo CONFAZ, o Poder Executivo estadual
decretou estado de calamidade na saúde pública (Decreto nº.
15640, de 4 de janeiro de 201116), cuja carência de recursos
culminou recentemente em acordo firmado entre os Poderes
constituídos para o repasse de transferência de receitas do
DETRAN para a saúde pública.
54. O exemplo da educação pública é emblemático.
Muito embora a nota geral estadual tenha apresentado
evolução em relação ao biênio anterior, está bastante aquém
da meta a ser atingida até 2021 – a nota 6, patamar
educacional dos países membros da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Ocorre que o fisco
estadual está, até 2020, renunciando a vultosas quantias de
receitas tributárias, cujo valor total, com exceção do
período retroativo, ainda é ignorado.
55. Ora, é consequência natural da renúncia de
receitas tributárias a diminuição da base de cálculo do 16 “O GOVERNADOR DO ESTADO DE RONDÔNIA, no uso das atribuições que
lhe confere o art. 65, inciso V, da Constituição Estadual, e Considerando a deficiência das ações e serviços de saúde no
Estado de Rondônia e a situação dramática a que se chegou, com notório prejuízo do atendimento na rede hospitalar e das unidades do serviço de saúde, com grave risco para a própria preservação da vida humana; (continuação na próxima folha)
Considerando a necessidade de ações para atendimento emergencial na área de saúde deste Estado; e
Considerando, finalmente, que tal conjuntura impõe ao Governo Estadual a adoção de medidas rgentes e especiais,
D E C R E T A: Art. 1º. Fica declarado estado de perigo iminente e de
calamidade pública do setor hospitalar público do Estado de Rondônia. Art. 2º. Enquanto perdurar a situação declarada no artigo anterior ficam disponíveis para atendimento aos serviços necessários da rede hospitalar, todos os bens, serviços e servidores da Administração Pública Direta e Indireta”.
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montante de recursos de aplicação obrigatória pelo Poder
Público na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212
da CF) e no serviço público de saúde (art. 77, II, §4º, do
ADCT). Ou seja, o Estado investirá menos recursos nessas
áreas essenciais. Sabe-se que, historicamente, o Poder
Público dificilmente investe mais do que lhe é exigido, até
mesmo por conta da limitação de recursos.
56. Além do seu evidente impacto orçamentário, há
sérios riscos de as metas fiscais serem prejudicadas, já que
a previsão das receitas primárias – R$ 4.313.970.258 – é
menor do que a das despesas de mesma natureza – R$
4.600.623.162 –, resultando em um déficit primário projetado
de (R$ 286.652.904). Ou seja, a previsão das receitas não
financeiras não se mostra suficiente para o pagamento das
despesas não financeiras, o que é indicativo de uma elevação
do endividamento.
57. Considerando a tendência verificada no
exercício pretérito, não é difícil perceber que o déficit
primário poderá ser, em tese, ainda mais agravado pela
vultosa renúncia de receitas ora analisada, o que
significará o aumento do endividamento público além do
presente. Curioso notar que, contrariamente, pelo resultado
nominal projetado para o exercício presente – (R$
126.666,957) –, foi estipulada a meta de diminuição do
estoque da dívida líquida do setor público.
58. Logo, em termos de planejamento fiscal, a
promoção de significativa e duradoura renúncia de receitas
mediante a criação de benefícios fiscais, não se revela
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compatível com um cenário que demonstra tendência ao déficit
primário e, ao mesmo, a meta de redução da dívida pública.
Não há qualquer sentido que, por força de norma nacional de
finanças públicas (art. 4º, §1º, da Lei Complementar nº
101/2000), metas fiscais sejam estipuladas para que sejam
ignoradas e menoscabadas. Diante da rejeição das alegações
evasivas apresentadas, não comprovou o Estado que os
benefícios fiscais em tela não impactarão as metas fiscais
estipuladas.
59. Esclareça-se, para espancar quaisquer dúvidas,
que o fato de se verificar excesso de arrecadação não
significa que não haverá impacto nas metas fiscais, haja
vista que, por exemplo, no exercício de 2009, em que pese o
excesso da arrecadação de 24,57% da receita inicialmente
prevista, o Estado fechou o exercício, ainda assim, com um
déficit primário de (R$ 262.496.650), resultando em
consequente aumento da dívida consolidada líquida (fl. 42).
60. De outro lado, é absolutamente ignorado, em
sua qualidade e expressão financeira, o suposto investimento
“na área social” a ser realizado pelos contribuintes
beneficiários a título de contraprestação pela concessão da
isenção fiscal, conforme “termo de compromisso” a ser
firmado com a Coordenadoria da Receita Estadual e a
Assembleia Legislativa. Não há mínimo detalhamento sobre as
ações e programas que serão realizados, como bem ressaltou o
Ministério Público de Contas e o Corpo Técnico.
61. Mas, ainda que houvesse, de qualquer forma,
não implicaria no cumprimento do inciso II do art. 14 da Lei
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Complementar nº 101/2000 e do art. 33 da Lei de Diretrizes
Orçamentárias para o exercício de 2011, pois a compensação
exigida pelo legislador complementar nacional é de caráter
estritamente fiscal, isto é, incremento da receita
financeira pública.
62. Dessa forma, forçoso concluir que, na criação
do benefício tributário em tela, as exigências de
responsabilidade fiscal não foram cumpridas.
63. Como visto acima, as consequências não se
restringem ao aspecto orçamentário e fiscal, mas refletem no
aspecto social, notadamente, pela diminuição da capacidade
de investimento do Estado como condição para o cumprimento
de políticas públicas essenciais a curto e longo prazo. Daí
uma das razões, insista-se novamente, de a estimativa do
impacto financeiro e orçamentário das renúncias de receitas
constar de exigência constitucional (art. 165, §6º, da CF),
à qual cabe ao intérprete conferir-lhe máxima efetividade.
64. Por essa razão, os benefícios fiscais criados
pela Lei estadual nº 2.538/2011 ofendem ao princípio da
transparência e planejamento orçamentário, conforme disposto
no art. 165, §6º, da CF, bem como ofendem aos pressupostos
de responsabilidade fiscal, previstos nos arts. 1º, §1º, 4º,
§1º, 5º, I, II, e 14 da Lei Complementar nº 101/2000,
combinada com o art. 33 da Lei nº 2.339/2010, a lei de
diretrizes orçamentárias para o exercício de 2011.
65. Como bem notou o Corpo Técnico e Parquet de
Contas, hipoteticamente, ainda que fossem atendidos os
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pressupostos de responsabilidade fiscal, o benefício fiscal
possui vícios intrínsecos que impedem o reconhecimento da
regularidade da renúncia de receitas. Ei-los, na avaliação
deste Relator:
(a) inconstitucionalidade formal, em razão da
ausência de autorização dos Estados para a
retroatividade dos benefícios fiscais
relativos a ICMS;
(b) inconstitucionalidade formal, em razão
ausência de autorização dos Estados para a
“dispensa de Cobrança” de créditos de ICMS
resultantes da anulação de isenção fiscal
criada sem prévia deliberação do CONFAZ;
(c) inconstitucionalidade formal da
interveniência do poder legislativo na
concessão administrativa do benefício fiscal;
(d) inconstitucionalidade material do
benefício fiscal em face do princípio da
isonomia;
(e) inconstitucionalidade material do
benefício fiscal em face do princípio da
supremacia do interesse público;
(f) inconstitucionalidade material por
violação ao princípio da moralidade e não
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observância do art. 176 do Código Tributário
Nacional; e
(g) inconstitucionalidade material por
violação ao princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade.
66. É o que será analisado doravante.
Ausência de autorização dos Estados para a retroatividade dos benefícios fiscais relativos a ICMS (art. 155, §2º, XII, “g”, da CF)
67. Preliminarmente, observa-se que a lei estadual
extrapolou os limites da autorização contida no Convênio
ICMS nº. 47/2011/CONFAZ quando determinou a aplicação
retroativa do benefício, na forma do art. 2º, §5º, in
verbis:
Lei nº. 2.538, de 11 de agosto de 2011.
Art. 2º. Ficam isentas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS as importações de máquinas, aparelhos, equipamentos, suas partes e peças e outros materiais, sem similar nacional, e a aquisição e a transferência interestadual de bens destinados a integrar o ativo imobilizado, adquiridos para a construção e operação das usinas hidrelétricas e linhas de transmissão por empresas geradoras e concessionárias de transmissão de energia
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elétrica relacionadas às Usinas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira.
§ 5°. O disposto neste artigo aplica-se às operações realizadas a partir de 1º de janeiro de 2008.
68. Não há, no convênio multimencionado, qualquer
menção à eficácia retroativa, já que sua cláusula terceira
dispôs que entraria em vigor “na data da publicação de sua
ratificação nacional, produzindo efeitos até 31 de dezembro
de 2020”.
69. A legislação tributária que outorgue isenção
deve ser interpretada literalmente (art. 111, II, do CTN).
Por força constitucional, o convênio emanado do CONFAZ é
pressuposto jurídico indispensável e delimitador das normas
de não-incidência de ICMS, nos aspectos material, espacial,
pessoal, temporal e quantitativo.
70. Dessa forma, forçoso concluir que a concessão
da isenção, com efeito retroativo, extrapola a autorização
do CONFAZ, o que torna a lei estadual, no ponto, conspurcada
de inconstitucionalidade formal. A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal é remansosa a esse respeito:
“ICMS – Benefício fiscal – Isenção. Conflita com o disposto nos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, alínea g, da CF decreto concessivo de isenção, sem que precedido do consenso das unidades da Federação.” (ADI 2.376, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 1º-7-2011.)
ICMS e repulsa constitucional à guerra tributária entre os Estados-membros: o legislador constituinte republicano, com o propósito de impedir
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a ‘guerra tributária’ entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreveu diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela CF, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo, (b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais. Convênios e concessão de isenção, incentivo e beneficio fiscal em tema de ICMS: a celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios – enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS – destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. Matéria tributária e delegação legislativa: a outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao chefe do Executivo a prerrogativa
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extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADI 1.296/PE, Rel. Min. Celso de Mello." (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário, DJ de 8-9-1995.)
71. Dessa forma, forçoso concluir pela
inconstitucionalidade chapada do §5º do art. 2º da Lei nº
2.538/2011, por violação à alínea “g” do inciso XII do §2º
do art. 155 da CF.
Ausência de autorização dos Estados para a “dispensa de Cobrança” de créditos de ICMS resultantes da anulação de isenção fiscal criada por regulamento do Poder Executivo (art. 155, §2º, XII, “g”, da CF)
72. De outro lado, a autorização para dispensa de
cobrança prevista no art. 1º da lei estadual não encontra
respaldo no convênio autorizador. Reitere-se que a
convalidação de uma isenção de ICMS inconstitucional (por
ausência de autorização do Confaz) anteriormente concedida,
deve sujeitar-se aos mesmos requisitos constitucionais da
isenção, porque, a despeito do nomen juris, possui natureza
jurídica a ela equiparada; tanto que parte da doutrina e
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alguns precedentes judiciais conceituam a isenção fiscal
como hipótese de dispensa legal do pagamento do tributo17.
73. De qualquer forma, mesmo que, eventualmente,
encarado o benefício fiscal como uma remissão – o que não
seria o mais acertado –, sua validade estaria sujeita à
deliberação e autorização dos Estados da Federação, já que
todos os benefícios fiscais relativos ao ICMS a esse
pressuposto de validade se sujeitam. Afinal, o texto
constitucional utiliza não só conceitos fechados
(“isenções”), mas também expressões genéricas (“incentivos e
benefícios fiscais”). A ratio decidendi se extrai do
seguinte precedente do STF:
“‘Guerra fiscal’ – Pronunciamento do Supremo – Drible. Surge inconstitucional lei do Estado que, para mitigar pronunciamento do Supremo, implica, quanto a recolhimento de tributo, dispensa de acessórios – multa e juros da mora – e parcelamento.” (ADI 2.906, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 29-6-2011.)
17 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional
Tributário. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 730-1. Confira, também: “A não incidência do tributo equivale a todas
as situações de fato não contempladas pela regra jurídica da tributação e decorre da abrangência ditada pela própria norma. A isenção é a dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência de seu fato gerador. Constitui exceção instituída por lei à regra jurídica da tributação. A norma legal impugnada concede verdadeira isenção do ICMS, sob o disfarce de não incidência. O art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da CF, só admite a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais por deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênio” (ADI 286, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 22-5-2002, Plenário, DJ de 30-8-2002.).
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74. Dessa forma, o texto normativo do art. 1º e do
§5º do art. 2º da Lei nº. 2.538/2011 são, formalmente,
inconstitucionais, em face da alínea “g” do inciso XII do
§2º do art. 155 da CF, conforme os precedentes acima
analisados.
Inconstitucionalidade Formal da Interveniência do Poder Legislativo na Concessão Administrativa do Benefício Fiscal
75. O diploma legislativo estadual ora analisado
confere à Assembleia Legislativa a posição de “INTERVENIENTE
ANUENTE” do termo de compromisso a ser firmado entre a
Coordenadoria da Receita Estadual – CRE e os contribuintes
beneficiados, cabendo-lhe definir a aplicação de 10% (dez
por cento) do montante de investimento a ser realizado, sob
pena de cancelamento automático e revogação do benefício
fiscal. A vigência do acordo administrativo está
condicionada à “anuência da Assembleia Legislativa” (art.
2º, §2º, III, e cláusula segunda, parágrafo único, e
cláusulas terceira e quinta do Anexo Único da Lei nº
2.538/2011).
76. Vide a disposição dos textos legais
mencionados:
Art. 2º. (…)
§2º A fruição da isenção prevista neste artigo fica condicionada:
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III – à celebração de termo de compromisso, nos termos do anexo único, objetivando a realização pelas empresas beneficiárias de outros investimentos no Estado e aumento das compensações, além das obras especificadas neste artigo.
ANEXO ÚNICO
Termo de Compromisso que entre si celebram a Coordenadoria da Receita Estadual de Rondônia e (…), com a interveniência da Assembleia Legislativa do Estado, para concessão da isenção prevista no Convênio ICMS nº 47, de 23 de maio de 2011.
Cláusula segunda. A EMPRESA compromete-se a realizar investimentos na área social, no montante de R$ (…), em conformidade com as especificações contidas na planilha em anexo, que passa a ser parte integrante deste Termo.
Parágrafo único. Do montante dos investimentos a serem realizados, 10% (dez por cento) serão aplicados conforme indicação da INTERVENIENTE ANUENTE.
Cláusula terceira. O não cumprimento das disposições deste Termo pela EMPRESA implicará no seu cancelamento automático e revogação do benefício fiscal, restabelecendo-se a cobrança do ICMS devido nas importações e nas aquisições e transferências interestaduais dos bens referidos na Cláusula primeira do Convênio ICMS nº 47, de 23 de maio de 2011, a partir da data do cancelamento. (…)
Cláusula quinta. Este Termo entra em vigor após anuência da Assembleia Legislativa e produzirá efeitos enquanto não for cancelado ou revogado.
77. A administração pública, enquanto atividade
administrativa, constitui “atividade concreta no sentido de
que põe em execução a vontade do Estado contida na lei”,
objetivando “a satisfação direta e imediata dos fins do
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Estado”18. A constituição e a exclusão do crédito tributário
constituem atividade administrativa, de efeitos concretos,
imediatamente vinculada à satisfação da função fiscal e
extrafiscal do Estado, submetida aos ditames normativos
pertinentes.
78. A concessão de isenção é, nessa esteira,
atividade administrativa que extingue ou modifica relação
tributária entre o Estado, enquanto pessoa jurídica de
direito público, e contribuintes. Compete privativamente ao
Chefe do Poder Executivo, juntamente com seus auxiliares,
exercer a direção superior da Administração Pública (art.
84, II, da CF), o que inclui a representação do Estado “em
suas relações jurídicas, políticas e administrativas” (art.
65, I, da CE).
79. Portanto, na função administrativa atípica, o
Poder Legislativo não poderia imiscuir-se nas atribuições da
Administração Fazendária, sob pena de investir contra a
harmonia entre os Poderes (art. 2º da CF). Em matéria de
isenção de ICMS, cabe ao Poder Legislativo estadual apenas
exercer a função normativa primária, internalizando no
ordenamento jurídico estadual, mediante lei específica em
sentido formal e material (norma geral e abstrata),
benefício fiscal prévia e unanimemente aprovado pelos
Estados (art. 150, §6º, da CF).
80. Ao estabelecer que a desoneração tributária
dependeria da concorrência da vontade concreta do Poder 18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed.
São Paulo: 2005, p. 61.
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Legislativo, obviamente, o diploma estadual extrapolou a
função tipicamente normativa que lhe cabe, conferindo ao
órgão legislativo atribuições administrativas ilegítimas em
face da harmonia dos Poderes. Atividades administrativas
típicas do Poder Executivo, como a histórica função de
tributação, não se subordinam à prévia ou posterior
aquiescência de qualquer outro órgão. Vide, a esse
propósito, o seguinte precedente:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.304/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXCLUSÃO DAS MOTOCICLETAS DA RELAÇÃO DE VEÍCULOS SUJEITOS AO PAGAMENTO DE PEDÁGIO. CONCESSÃO DE DESCONTO, AOS ESTUDANTES, DE CINQUENTA POR CENTO SOBRE O VALOR DO PEDÁGIO. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATROS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. AFRONTA. 1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação. 2. Afronta evidente ao princípio da harmonia entre os poderes, harmonia e não separação, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos celebrados. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.(ADI 2733, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2005, DJ 03-02-2006 PP-00011 EMENT VOL-02219-02 PP-00280)
EMENTA: Municípios: convênios itermunicipais ou de cooperação com a união e o estado: submissão a autorização prévia das Câmaras Muncipais: plausibilidade, da argüição de inconstitucionalidade, já reconhecida - com base na invocação do princípio da independência dos poderes - com relação a preceitos similares atinentes a convênios estaduais (ADIN MC 165 e 342) - fundamento a que se somam, no caso, a alegação de ofensa à autonomia municipal, sujeita, apenas, aos princípios constitucionais
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pertinentes e, se for o caso, à Lei Complementar Federal prevista no art. 23, parágrafo único, da Constituição da República; razões de conveniência também proclamadas nos precedentes referidos; suspensão cautelar deferida.
(ADI 770, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/1992, DJ 25-09-1992 PP-16482 EMENT VOL-01677-01 PP-00098)
81. Atribuições exclusivas da Administração
Fazendária na concessão de benefícios fiscais (art. 37,
XVIII, da CF) se subordinam, por força constitucional, à
legislação infraconstitucional e, consequentemente, ao
controle de juridicidade promovido pela fiscalização dos
Tribunais de Contas nas renúncias de receita (art. 70,
caput, da CF), sem prejuízo da sua submissão à jurisdição
judicial.
82. Dessa forma, a previsão da interveniência da
Assembleia Legislativa no compromisso ente o Estado e os
beneficiários afigura-se inconstitucional, à luz dos arts.
2º, 84, II, da Constituição Federal, combinados com o art.
65, I, da Constituição Estadual.
Inconstitucionalidade Material do Benefício Fiscal em face do Princípio da Isonomia
83. Na condição de pedra angular do sistema
republicano, a isonomia consiste em norma dirigente e
delimitadora da atuação estatal. No âmbito do sistema
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tributário, a isonomia tributária revolve a delicada
problemática relativa à justiça distributiva fiscal, isto é,
a repartição dos encargos e ônus tributários na sociedade,
seja na criação de encargos, seja na desoneração.
84. Por princípio, todos devem contribuir
igualmente para o custeio das atividades estatais, o que
reflete, diferentemente, para cada espécie tributária19.
Roque Antônio Carraza apostila, em irretocável lição, que “o
princípio republicano leva ao princípio da generalidade da
tributação, pelo qual a carga tributária, longe de ser
imposta sem qualquer critério, alcança a todos com isonomia
e justiça”. Afinal, historicamente, “com a República,
desaparecem os privilégios tributários de indivíduos, de
classes ou de segmentos da sociedade. Todos devem ser
alcançados pela tributação”20.
85. Os critérios de imposição do ônus (bem como da
retirada dele, mediante isenções fiscais, por exemplo)
cuidam da efetivação da isonomia material, que supõe a 19 “Dou destaque a um princípio constitucional limitador da
tributação, o princípio da igualdade tributária, que está inscrito no art. 150, II, da Constituição. Esse princípio se realiza, lembra Geraldo Ataliba, no tocante aos impostos, mediante a observância da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1º); quanto às contribuições, por meio da ‘proporcionalidade entre o efeito da ação estatal (o seu reflexo no patrimônio dos particulares) e o seu custo’, ou, noutras palavras, por meio da proporcionalidade entre o custo da obra pública e a valorização que esta trouxe para o imóvel do particular; e, referentemente às taxas, ‘pelo específico princípio da retribuição ou remuneração. Cada um consome uma certa quantidade de serviço público e remunera o custo daquela quantidade.’ (Geraldo Ataliba, ‘Sistema Trib. na Constituição de 1988’, Rev. de Dir. Trib., 51/140).” (ADI 447, Rel. Min. Octavio Gallotti, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.)
20 Curso de Direito Constitucional Tributário. 17 ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 67.
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igualdade perante a lei (isonomia formal), mas com ela não
se contenta. A isonomia real exige igualdade na lei, isto é,
no tratamento jurídico abstrato que nela se encerra.
Portanto, a concessão de tratamento tributário diferenciado
(seja um privilégio, seja um gravame) depende de sua relação
de pertinência a critérios racionalmente justificáveis, com
referência aos valores encartados no sistema constitucional.
86. Como já entrevisto, tal raciocínio opera-se
não só na criação ou instituição de tributos, mas também no
verso da moeda: a isenção tributária, que, por implicar
“renúncia pelo Estado à receita de determinado tributo (…)”,
é, “exceção à regra da universalidade na tributação,
corolário da igualdade”, como assentou Marlon Alberto
Weichert, em excelente estudo monográfico sobre o tema21. Na
condição de exceção à regra, há de haver uma justificativa
razoável para a concessão de isenções fiscais, afinal, “o
ônus do tributo não pago é assumido pelo restante da
sociedade”22. Acerca do “privilégio odioso”, Ricardo Lobo
Torres leciona que:
É necessário que o critério do discrime seja razoável ou proporcional, se compatibilizado com o objetivo da norma tributária, o que afasta desde logo as diferenças que não se cifram na situação econômica
21 Isenções tributárias em face do princípio de isonomia. Revista
de informação legislativa, v. 37, n. 145, p. 241-254, jan./mar. de 2000, p. 250. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/575. Consultado em 23 de agosto de 2011.
22 Ibidem, p. 251.
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do contribuinte ou das regiões, como sejam as baseadas no sexo, profissão, no domicílio, etc23. (…)
Privilégio odioso é a autolimitação do poder fiscal, por meio da Constituição ou da lei formal, consistente na permissão, destituída de razoabilidade, para que alguém deixe de pagar os tributos que incidem genericamente sobre todos os contribuintes ou recebe, com alguns poucos, benefícios inextensíveis aos demais24.
87. Lapidar, a esse propósito, é a seguinte
decisão do Supremo Tribunal Federal:
(…) O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA - A QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE MELLO). - O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ 136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento da absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado. Situação inocorrente na espécie. - A isenção tributária concedida pelo art. 2º da Lei nº 8.393/91, precisamente porque se acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não se qualifica - presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes - como instrumento de ilegítima outorga de privilégios
23 Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Os
Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades Isonomia. Vol. III. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 328.
24 Ibidem, p. 351
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estatais em favor de determinados estratos de contribuintes.
88. Por isso, ao lado da universalidade da
tributação (reflexo da isonomia formal), a isonomia material
legitima a utilização de fatores determinados de (i)
discriminação, que guardem pertinência com (ii) a capacidade
contributiva, conjugada com (iii) objetivos econômicos,
sociais e humanitários positivamente valorados pela ordem
jurídica.
89. A capacidade econômica (art. 145, §2º, da CF)
– que, na doutrina tributária, é comumente tratada como
princípio –, constitui um critério de diferenciação
constitucionalmente qualificado para operacionalização da
isonomia material na instituição de impostos, que tem o
escopo de reduzir (ou não agravar, pelo menos) a
desigualdade social (art. 3º, III, da CF). Dessa forma, no
imposto sobre a renda, a isonomia expressa-se como alíquotas
progressivas e, até mesmo, isenções tributárias para pessoas
com baixa renda, por exemplo. Mas, obviamente, a capacidade
contributiva não constitui o único fator de discrímen, pois
objetivos extrafiscais relacionados a valores
constitucionais poderão mitigar a sua aplicação.
90. Nesse sentido, leciona Celso Antônio Bandeira
de Melo:
Não basta, pois, poder-se estabelecer racionalmente um nexo entre a diferença e um consequente tratamento diferençado. Requer-se, demais disso, que o vínculo demonstrável seja constitucionalmente pertinente. É dizer: as vantagens
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calçadas em alguma peculiaridade distintiva hão de ser conferidas prestigiando situações conotadas positivamente ou, quando menos, compatíveis com os interesses acolhidos no sistema constitucional25.
91. Não podem os Poderes constituídos, a pretexto
de praticarem política tributária, desafiar critérios
constitucionalmente rejeitados para esse fim (sexo, raça,
cor, profissão26 etc.) ou que não possuam pertinência
racional com o tratamento tributário diferenciado. Da mesma
forma, a finalidade perseguida pela concessão discriminada
de isenção do pagamento de tributos deve ser
constitucionalmente reclamada, incentivada ou, pelo menos,
tolerada, em face de valores justificadores do afastamento
ou da mitigação da capacidade contributiva.
92. Feitas tais considerações preambulares, passo
ao exame do caso objeto da denúncia.
25 O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 43. 26 “Isenção de IPTU, em razão da qualidade de servidor estadual do
agravante, postulada em desrespeito da proibição contida no art. 150, II, da CF de 1988”. (AI 157.871-AgR, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 15-9-1995, Primeira Turma, DJ de 9-2-1996.)
"A lei complementar estadual que isenta os membros do
Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no art. 150, II, da Constituição do Brasil. O texto constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. Precedentes. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte – LC 141/1996.” (ADI 3.260, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-3-2007, Plenário, DJ de 29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.334, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-3-2011, Plenário, DJE de 5-4-2011.
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93. Quais os fatores de discrímen que a
Administração estadual utilizou para a concessão do
tratamento fiscal diferençado?
94. No Convênio ICMS nº. 47/2011, foram conjugados
critérios subjetivos e objetivos. Estes são relativos às
operações desoneradas, quais sejam, a importação e a
aquisição interestadual de bens destinados ao ativo
imobilizado na construção e operação de usinas
hidrelétricas. Aqueloutros, ao contribuinte em si e, nesse
particular, revelam-se extremamente problemáticos. Apenas e
especificamente os agentes econômicos responsáveis pela
construção e exploração das “Usinas de Santo Antônio e
Jirau, localizadas no Rio Madeira” foram agraciados pelo
favor tributário, o que revela, claramente, indicativo de
favorecimento.
95. A norma de incidência tributária em comento
ofende o princípio da isonomia porque a especificidade dos
critérios de diferenciação promove uma “singularização atual
absoluta do destinatário”27. Não é admissível sob o prisma
constitucional que normas casuisticamente elaboradas, sob o
pretexto da prática de política governamental fiscal,
sobreponham interesses privados aos interesses da
coletividade, pois o propósito casuísta do ato legislativo
entra em rota de colisão com pedra angular do nosso regime
político: o princípio republicano, consoante o incensurável
pronunciamento do Ministro Celso de Melo (Pet nº 3.270,
Informativo 370):
27 Ibidem, p. 25.
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Na realidade, as Constituições republicanas do Brasil não têm sido capazes de refletir, em plenitude, as premissas que dão consistência doutrinária, que imprimem significação ética e que conferem substância política ao princípio republicano, que se revela essencialmente incompatível com tratamentos diferenciados, fundados em ideações e em práticas de poder que exaltam, sem razão e sem qualquer suporte constitucional legitimador, privilégios de ordem pessoal ou de caráter funcional, culminando por afetar a integridade de um valor fundamental à própria configuração da idéia republicana, que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade. Daí a afirmação incontestável de JOÃO BARBALHO ("Constituição Federal Brasileira", p. 303/304, edição fac-similar, 1992, Brasília), que associa, à autoridade de seus comentários, a experiência de membro da primeira Assembleia Constituinte da República, de Senador da República e de Ministro do Supremo Tribunal Federal: "Não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos, patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito (...)." (grifei) Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República. Nada deve justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinados privilégios, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos, especialmente quando a lei é editada com propósitos casuísticos e estranhos aos fins autorizados pelo princípio republicano.
96. O Tribunal de Contas, surgido historicamente
neste país por conta da proclamação da primeira República,
não deve jamais descurar da aplicação de tais princípios.
97. Entre os contribuintes favorecidos,
individualizados pela norma, e os por ela não beneficiados,
não há discrepância de condição ou situação relevante que
justifique a concessão aos primeiros de desoneração
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tributária dessa natureza. Os critérios objetivos e
subjetivos elegidos, porque absolutamente arbitrários, não
são, por si sós, motivo bastante para provocar qualquer
discriminação legítima. Afinal, porque contribuintes
responsáveis por aquela obra específica devam receber um
benefício fiscal não extensível a outros sujeitos?
98. O grupo de contribuintes destacados pela norma
de não incidência, longe de se encontrarem em situação
desfavorecida, pelo contrário, possui características que
justificariam, sob o prisma constitucional, maior sacrifício
tributário, já que, notoriamente, são dotados de
considerável capacidade econômico-contributiva. Ora, o
critério econômico deve ser obrigatoriamente considerado,
sempre que possível, na instituição de impostos (art. 145,
§2º, da CF) e, a fortiori, na respectiva desoneração28. Não
é por acaso que às pequenas empresas nacionais, por força
28 “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL
356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE. (…) 2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente”. (ADI 1.655, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2004, DJ 02-04-2004 PP-00008 EMENT VOL-02146-01 PP-00156)
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constitucional, pode ser dado tratamento tributário
favorecido (art. 170, IX, da CF29).
99. Como já realçado acima, é a capacidade
contributiva que, a priori, “define situações equivalentes e
norteia as desigualdades, enquanto instrumentos de isonomia
tributária”30, mas, evidentemente, o tratamento tributário
diferençado poderá ocorrer diante do influxo de valores
sociais, econômicos e humanitários contidos em normas
constitucionais outras, como já ressaltado.
100. Daí que, ilustrativamente, torna-se legítimo,
a despeito da capacidade contributiva, o tratamento
tributário privilegiado cujos critérios de discriminação
estejam fundados: na proteção ao mínimo existencial, na
redução das desigualdades regionais, na soberania econômica,
no fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, no
incentivo à cultura e a outros direitos sociais e econômicos
– desde que a medida adotada também se revele consentânea
com a razoabilidade (isto é, adequada, necessária e
proporcional).
101. Entrementes, para conceder a isenção, alega o
Poder Executivo estadual, singelamente, que “as empresas
29 “Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei,
por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do simples aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado" (ADI 1.643, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-12-2002, Plenário, DJ de 14-3-2003.) No mesmo sentido: RE 559.222-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-8-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.
30 WIECHERT, Isenções Tributárias em face do Princípio da Isonomia, p. 252.
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interessadas alegam não ser devido o imposto, indicando que
a questão será levada ao Poder Judiciário, situação que,
pela praxe, demandará tempo até o desate da questão, além da
incerteza de seu resultado”. Como se pode notar, não há
qualquer objeto social, econômico ou humanitário por detrás
da concessão do benefício fiscal, mas tão-somente o
favorecimento de contribuintes adrede determinados pela
norma de não incidência, por razões que não são acolhidas
pelo sistema constitucional.
102. Se a qualquer pessoa assiste o direito
constitucional do acesso à tutela jurisdicional, em
contrapartida, à Administração tributária impõe-se o dever-
poder de perseguir, indistintamente (art. 37, caput, da CF),
os créditos tributários a ela devidos, promovendo-se, dessa
forma, a distribuição proporcional dos encargos públicos.
Noutras palavras: não é lícito ao Estado condescender com
grupos de pressão, quaisquer que sejam, quando seus
interesses econômicos não estejam em conformidade com os
direitos e deveres que os cidadãos reciprocamente concederam
a si mesmos por meio de uma Constituição.
103. É realmente curioso, mas é preciso dizer o
óbvio: a concessão de isenção tributária a quem ameaça se
recusar a pagar tributos a priori devidos atende,
preferencialmente, senão exclusivamente, aos interesses
econômicos individuais de quem acabou, surpreendentemente,
beneficiado com o favor fiscal, o que, por si só, ensancha
graves distorções, pois a desoneração tributária
discriminadamente conferida a determinado grupo de
contribuintes prejudica o corpo social, pois provoca: ou
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maior sacrifício fiscal da coletividade, notadamente, dos
que não foram beneficiados pela desoneração; ou diminuição
da capacidade de investimento estatal e financiamento dos
serviços públicos usufruídos pelos cidadãos, principalmente,
os de baixo poder aquisitivo. Daí, porque, já se o disse
acima, toda desoneração tributária deve lastrear-se em valor
constitucional que justifique o sacrifício social
correspondente31.
104. Certo é que o casuísmo do benefício fiscal
resta caracterizado não só em razão dos critérios de
discriminação e da ausência de objetivo legítimo, mas
também, como já foi analisado, pelo inopino do seu
surgimento, sem que seu impacto orçamentário, financeiro e
social tenha sido previamente considerado, diferentemente do
que determina a Carta Constitucional de 1988 (art. 165, §6º,
da CF).
105. Note-se que, em temas sensíveis, a
Constituição Federal, sistematicamente, repudia o casuísmo
legislativo e legislação de inopino, cuja tendência é a
distorção da isonomia e impessoalidade e o favorecimento de
grupos, no momento, dominantes (exemplificativamente, art.
16, 29, VI, da CF). Em que pese a função extrafiscal da
tributação muitas vezes exigir mudanças repentinas da
legislação tributária, não é esse o caso.
31 Tais afirmações revelam-se particularmente preocupantes, em
razão dos fatos já narrados acima: (a) a decretação formal de calamidade na saúde pública estadual; (b) a necessidade do cumprimento de metas de qualidade de ensino público etc.
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106. Nessa esteira, não há interesse público na
concessão do benefício especificamente a esse grupo de
contribuintes, caracterizando um discrímen ilegítimo e
arbitrário ou, na voz de Ricardo Lobo Torres, um “privilégio
odioso”. Dessa forma, forçoso concluir que o benefício
tributário em questão é claramente ofensivo ao princípio da
isonomia tributária.
Inconstitucionalidade Material do Benefício Fiscal em face do Princípio da Supremacia do Interesse Público
107. Como visto, todo benefício fiscal deve possuir
subjacente um interesse público constitucionalmente
qualificado. Portanto, como visto, nem todo interesse
público justifica a quebra da isonomia tributária, senão
quando encontre um fim que se conforte com a Constituição.
108. Situação ainda mais grave ocorre quando há a
concessão de privilégios fiscais não respaldados por
qualquer finalidade pública, o que vai além do privilégio
tributário não consoante ao princípio da isonomia, para
malferir também os princípios da moralidade administrativa e
da supremacia do interesse público (art. 37, caput, da CF).
Embora estejam interligadas as perspectivas, o foco é
relativamente diverso, pois o que está em primeira pauta não
é o tratamento conferido ao contribuinte, mas a própria
atuação ilegítima do Estado.
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109. Ora, se não há qualquer finalidade pública por
detrás da atuação estatal, não resta outra conclusão senão
que o interesse privado está sendo sobreposto ao da
coletividade, sem respaldo normativo válido. É curioso que o
Estado alegue que “a composição com os construtores [é] no
sentido de trazer aos cofres do Estado o maior volume
possível de recursos”, pois os “investimentos” e
“compensações” não implicam no ingresso de recursos
financeiros nas contas estatais.
110. Antes da criação do benefício fiscal, os
consórcios responsáveis pela construção e exploração das
usinas hidrelétricas, vencedores de certame licitatório, já
estavam contratualmente obrigados à execução da obra e
prestação do serviço público. Até mesmo porque, como
confessa a própria Administração estadual: “A construção das
usinas independe da concessão de qualquer benefício por
parte do Estado. Basta o que a natureza já fez: a declive do
terreno. O que é uma verdade absoluta”. Não se entreve,
portanto, qualquer indicativo de interesse público, nos
benefícios fiscais analisados.
111. Poderia a esta afirmativa ser apresentado o
contra-argumento de que os investimentos a serem
supostamente promovidos pelos contribuintes beneficiados
supririam as perdas de arrecadação. Não é difícil verificar
que tal alegação seria vazia de sentido e temerária.
112. O Estado não comprovou a dimensão da perda
tributária, o que inviabiliza qualquer afirmativa no sentido
de que as eventuais e desconhecidas comodidades sociais a
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serem realizadas a título de contraprestação realmente
justificam o benefício fiscal. É absolutamente consentâneo
com o princípio da razoabilidade pressupor que eventual
contraprestação a ser realizada certamente será bem mais
vantajosa para o contribuinte do que o recolhimento normal
do tributo, pois essa é a lógica do lucro inerente às
atividades empresariais. Há que se pressupor o ordinário, e
não o extraordinário e anormal32.
113. De outro lado, pelas informações apuradas, a
frustração da arrecadação potencial é significativa, muito
embora não se tenha, em razão da inércia da Administração em
realizar ou apresentar a estimativa do impacto da renúncia
de receitas, precisão sobre as perdas de receitas
tributárias no curto e longo prazo33. De qualquer sorte, as
informações até o momento coligidas denotam risco para o
cumprimento das metas fiscais, endividamento não tolerado
pelo planejamento fiscal estadual, o que significa maior
32 “… O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se o
que ocorre no dia-a-dia e não o extravagante” (RE 199066 ED, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 14/04/1997, DJ 01-08-1997 PP-33483 EMENT VOL-01876-07 PP-01584).
33 Mesmo que oportunizada a voz ao Poder Executivo estadual, não
foi apresentada qualquer estimativa do impacto da renúncia fiscal e, como já dito, as leis orçamentárias não contém demonstrativos dessa natureza, a despeito das exigências legais da Lei Complementar nº 101/2000. Limita-se a consignar que a equipe técnica auditora desta Corte inflou os números de maneira aleatória, mas não tentou seriamente rebater a estimativa realizada, apresentando números verossímeis, pois, afinal, era a obrigação da Administração fazê-lo, antes de concretizar qualquer benefício fiscal. Se o Poder Executivo (ainda) não fez a estimativa por negligência, demonstrou pouco apego ao planejamento orçamentário e fiscal. Se o fez mas não quer apresentar tais informações aos órgãos de controle, o que sinceramente não queremos crer que tenha sido esse o caso, apenas reforçaria com tal postura a ausência de interesse público no benefício fiscal.
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sacrifício social (aumento dos encargos com juros,
diminuição da capacidade de investimento presente e futura).
114. Portanto, não há comprovação de que o
interesse público será efetivamente contemplado ou em que
medida o será, nem que as comodidades públicas eventualmente
realizadas justificam, financeira e qualitativamente, a
concessão do favor fiscal.
115. Afinal, para que a tese do Estado fosse
minimamente verossímil, haveria que se comprovar que se a
contraprestação a ser realizada (cujo conteúdo é
indeterminado e ignorado) provocaria, efetivamente,
utilidade pública que justificasse a perda da arrecadação
(cujo valor estimativo total a longo prazo é igualmente
ignorado, com exceção dos créditos retroativos, dos
lançamentos já realizados desde 2008, que beiram cem milhões
de reais). Não há como, logicamente, comparar objetos que
são indeterminados, qualitativa e quantitativamente.
116. Além disso, há que se considerar, como bem
salientou o Ministério Público de Contas, que o benefício
fiscal provocaria alteração do equilíbrio econômico-
financeiro dos contratos de concessão de uso do
aproveitamento hidráulico das usinas do Complexo do rio
Madeira, já que, aparentemente, os custos tributários de
ICMS teriam sido considerados na proposta apresentada. Dessa
forma, em tese, as concessionárias poderão auferir maior
margem de lucro, em detrimento do consumidor dos serviços,
se não houver redução proporcional da tarifa.
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117. Destaco o opinativo ministerial nessa parte
(fls. 204-205):
VIII – Do Equilíbrio Econômico-Financeiro
É de conhecimento público que os consórcios responsáveis pela Construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, ambas no Rio Madeira, venceram leilões realizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANELL), que tiveram como critério de julgamento a menor tarifa média pela energia a ser gerada pelas Usinas.
Dentre as garantias decorrentes da assinatura do contrato administrativo, derivado do leilão, encontra-se a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Celso Antônio Bandeira de Mello, abordando o tema, obtempera o que segue:
“Aliás, a garantia do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo não poderia ser afetada nem mesmo por lei. É que resulta de dispositivo constitucional, o art. 37, XXI, pois, de acordo com seus termos, obras, serviços, compras e alienações serão contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta.
É evidente que, para serem mantidas as efetivas condições das propostas (constantes da oferta vencedora do certame licitatório que precede o contrato), a Administração terá de manter íntegra a equação econômico-financeira inicial. Ficará, pois, defendida também contra os ônus que o contratado sofra em decorrência de alterações unilaterais, ou comportamento faltosos da Administração34”
Verifica-se que o equilíbrio econômico- financeiro35 se caracteriza como sendo uma relação,
34 Pag. 625. 35 Também denominado por alguns autores como “equação financeira do
contrato”.
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estabelecida pelas próprias partes contratantes no instante em que firmado o contrato, que envolvem um plexo de direitos e de encargos do contratado, de onde se extrai a equação, imutável, e que inclui o lucro do particular.
Nessa equação, obviamente, estão inseridos todos os custos com que o particular contratado terá de arcar, de modo que qualquer alteração, para mais ou para menos, deverá ser compensada.
No ponto, diversas notícias divulgadas na mídia dão conta de que o pagamento de ICMS, nas operações beneficiadas pela isenção, foi considerado tanto na elaboração de projetos para fins de financiamento junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, quanto na composição dos preços oferecidos no leilão promovido pela ANNEL.
Nessa senda, a benesse conferida aos consórcios causaria alteração da equação econômico-financeiro do contrato celebrado, gerando o aumento substancial do lucro auferido pelas empresas, em detrimento do interesse público que deveria prevalecer.
Assim, mister se faz que o Tribunal de Contas da União, órgão responsável pela fiscalização do leilão levado a cabo, seja admoestado da referida possibilidade, para que adote as medidas apropriadas sob o prisma legal.
118. Corrobora-se a conclusão da Procuradoria-Geral
de Contas. A desoneração tributária propicia-lhes majoração
da margem de lucro embutida na tarifa fixada. Dessa forma,
convém que o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-
Geral da União sejam informados a respeito, para que adotem
as providências pertinentes.
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Inconstitucionalidade Por Violação ao Princípio da Moralidade e Não Observância do art. 176 do Código Tributário Nacional
119. Mas, a preocupação acima externada não é a
única. A contraprestação (os ditos “investimentos” e
“compensações”) encontra-se ao inteiro alvedrio da chamada
“composição” entre a Administração Tributária e o
contribuinte, o que, a nosso sentir, possui gravíssimas
consequências.
120. Segundo o Código Tributário Nacional - diploma
cujo conteúdo contém normas gerais a que se assujeitam as
demais normas do sistema tributário local -, a isenção “é
sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos
exigidos para sua concessão” (art. 176). Ora, especificar
significa, na sua acepção prosaica, “indicar com precisão;
precisar, apontar, discriminar, descrever pormenorizadamente;
caracterizar, detalhar”.
121. Portanto, o estabelecimento dos requisitos e
condições está, objetivamente, sob a reserva de lei formal e
material, devidamente precedida da autorização unânime dos
Entes da Federação no caso do ICMS, não podendo a concessão
de isenção fiscal condicionada sujeitar-se a requisitos
puramente subjetivos, o que implicaria, na verdade,
inobservância ao princípio da reserva legal. Confira-se o
seguinte julgado:
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E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE OUTORGA AO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE DISPOR, NORMATIVAMENTE, SOBRE MATÉRIA TRIBUTARIA - DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA - MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO - POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PRINCÍPIO DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - CONVENIENCIA DA SUSPENSÃO DE EFICACIA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela propria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal a rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da Republica, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei. (…) Não basta, para que se legitime a atividade estatal, que o Poder Público tenha promulgado um ato legislativo. Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado - como o Poder Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. O legislador, em conseqüência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo tributaria, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua propria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. - Traduz situação
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configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo.
(ADI 1296 MC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/1995, DJ 10-08-1995 PP-23554 EMENT VOL-01795-01 PP-00027)
122. Portanto, com base no convênio formulado pelo
próprio Poder Executivo, a lei estadual relegou, sem
qualquer critério, ao talante do administrador público,
poderes para, em alargado juízo discricionário, impor as
condições que lhe aprouver, para a concessão de benefício
fiscal. Além disso, a legislação conferiu ao Poder
Legislativo local o poder de intervir na função
administrativa, também discricionariamente sem quaisquer
critérios, o que, claramente, ofende ao dogma da separação
das funções estatais, como visto acima.
123. Ora, claramente, essa subjetividade – que, em
última ratio, delega à Administração a definição do conteúdo
dessa isenção – contraria o objetivo da reserva legal, que é
justamente a restrição da discricionariedade da
Administração Tributária na concessão de benefícios fiscais,
a fim de que a liberdade irrestrita não provoque o virtual
risco de tratamento discriminador, favorecimento ou qualquer
outra arbitrariedade e, até mesmo, desvios de condutas mais
censuráveis.
124. A ordem jurídica nacional, prestigiando a
legalidade tributária material e a impessoalidade
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administrativa, acautelou o sistema de tributação contra o
risco de que a política de desoneração descambasse para um
promíscuo e não republicano “balcão de negociação” (o
chamado lobby), ante as virtuais consequências nefastas
desses procedimentos. Daí, afirmar-se que é fundamental a
objetividade nas condições e critérios legalmente definidos
para a concessão de qualquer isenção, sob pena de ofensa ao
princípio da reserva absoluta de lei.
125. Portanto, com base no convênio formulado pelo
próprio Poder executivo, a lei estadual delegou
invalidamente ao administrador público poderes de que não
pode dispor, o que prejudica, aliás, a isenção fiscal em si,
já que ela possui uma condição juridicamente impossível de
ser concretizada validamente, por conta da violação ao art.
176 do CTN e ao princípio constitucional da moralidade
administrativa (art. 37 da CF). Também sob esse aspecto a
lei em tela se afigura inconstitucional.
Inconstitucionalidade por Ofensa ao Princípio da Razoabilidade
126. O Corpo Técnico e o Ministério Público de
Contas aventaram ofensa ao princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade. Aplicam-se os referidos postulados para a
ponderação de valores constitucionais em conflito. Os meios
adotados pelo legislador e pelo administrador para o
cumprimento dos fins perseguidos pela norma ou medida
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administrativa devem estar concordantes com os critérios da
adequação, da mínima onerosidade e da proporcionalidade em
sentido estrito.
127. Obviamente, quando os fins objetivados não
forem admissíveis pelo ordenamento jurídico, torna-se
prescindível a aplicação do princípio da razoabilidade,
porque não há falar em meios adequados, necessários ou
proporcionais para atingir objetivos ilegítimos, como ocorre
no caso ora analisado. Como visto acima, o discrímen
tributário pretendido pelo Governo estadual não se coaduna
com o princípio da isonomia tributária, porque não atende a
objetivos econômicos, sociais e humanitários positivamente
valorados pela ordem jurídica, nem se encontra lastreado em
interesse público. Dessa forma, a rigor, a finalidade da
concessão dos benefícios fiscais não é lícita.
128. Entretanto, como bem demonstrou o Ministério
Público de Contas, mesmo que se admitisse hipoteticamente a
licitude da finalidade perseguida pelo fisco estadual ao
conceder os benefícios tributários – o que se aceita apenas
a título de argumentação -, os meios elegidos pela
Administração ofenderiam o princípio da razoabilidade.
Novamente, não vejo razão para não deixar de transcrever
excerto do opinativo ministerial:
Ressalte-se que a concessão do benefício esbarra também nos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Acerca do tema, Celso Antônio
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Bandeira de Mello36, com a propriedade que lhe é peculiar, obtempera:
“Procede, ainda, do Princípio da legalidade o Princípio da proporcionalidade do ato à situação que demandou sua expedição. Deveras, a lei outorga competências em vista de certo fim. Toda demasia, todo excesso desnecessário ao seu atendimento, configura uma superação do escopo normativo. Assim, a providência administrativa mais extensa ou mais intensa do que o requerido para atingir o interesse público insculpido na regra aplicanda é inválida, por consistir em um transbordamento da finalidade legal.”
Mais adiante, preleciona ainda o renomado autor, in verbis:
“Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de descrição) significa que deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda.”
No caso sub examine, o Estado finda concedendo benefício a empresas particulares diante da possibilidade de receber, em contrapartida, investimentos, nos termos previstos no inciso III, § 2º, do art. 2º da Lei nº 2.538/2011, ipsis litteris:
“Art. 2º. [...]
§ 2º. A fruição da isenção prevista neste artigo fica condicionada:
36 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo,
25ª Ed., Malheiros, 2007, p. 79 e 108.
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III – à celebração de termo de compromisso, nos termos do anexo único, objetivando a realização pelas empresas beneficiárias de outros investimentos no Estado e aumento das compensações, além das obras especificadas neste artigo.”
O procedimento, a toda prova, não é o mais adequado para a consecução do fim desejado pelo Estado, qual seja, a prestação de serviços públicos à sociedade. Ora, é axiomático que só há que se falar em isenção diante de fato tributável. Estando diante de hipótese de incidência do imposto, não subsiste motivo para a busca de forma diversa de prestação de serviços, que não perpasse pela arrecadação de recursos públicos, principalmente tendo em conta as diversas repercussões do ingresso de valores no erário.
Deveras, a Atividade Financeira do Estado obedece a diversas normas de Direito Público que visam, sobretudo, proteger a probidade administrativa e o emprego regular de valores públicos.
Nesse sentido, o Estado deve efetivar, querendo adquirir bens, realizar obras ou prestar serviços, procedimento licitatório, que deve necessariamente observar o Princípio da Igualdade, possibilitando a participação de todo e qualquer interessado que atenda aos requisitos previstos em lei e no edital, tudo com o escopo de trazer ao Estado a proposta mais vantajosa.
A execução da despesa pública, por sua vez, deve seguir criteriosamente as fases previstas na Lei nº 4.320/6437, que possibilitam o controle de gastos e, em última instância, a responsabilização dos agentes públicos que deixarem de observar prescrições legais.
Não se pode esquecer, ainda, que o montante da Receita Pública repercute diretamente na Receita Corrente Líquida, que é parâmetro para alguns
37 Empenho, liquidação e pagamento.
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relevantes “limites” que devem ser observados pelo Poder Públicos, como, v.g., a remuneração de pessoal.
De mais a mais, todo e qualquer gasto perpetrado de forma irregular pela Administração Pública possibilita a punição mais severa dos agentes responsáveis, nos termos previstos no Código Penal (Crimes Contra a Administração Pública, Crimes Contra a Lei de Licitações, Crimes Contra as Finanças Públicas, etc.) e na Lei de Improbidade Administrativa.
129. Dessa forma, se fosse o caso de se admitir a
licitude do fim perseguido pelo tratamento tributário
privilegiado, o que se admite hipoteticamente, a norma
estadual também estaria eivada de inconstitucionalidade, por
ofensa ao princípio da razoabilidade.
Análise da Responsabilidade e das Providências Sugeridas pela Equipe Técnica e pelo Ministério Público de Contas
130. Sugere o Corpo Instrutivo que seja cominada
“multa pecuniária, preconizada no art. 55, III, da Lei
Complementar Estadual 154/1996”, ou seja, pela prática de
ato antieconômico. Quando foram notificadas as autoridades
públicas, havia apenas o convênio autorizador, surgindo
posteriormente o diploma legislativo concessivo do benefício
fiscal. Não há, de todo modo, alusão à aplicação concreta do
benefício fiscal, circunstância que torna, em tese,
inviável, ao menos neste átimo, a pretensão punitiva
sugerida.
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131. Com efeito, a isenção possui natureza
condicional, bilateral e onerosa, porque exige
contraprestação do contribuinte desonerado, cabendo ao Poder
Público, mediante requerimento do contribuinte, apreciar o
preenchimento dos requisitos legais. Portanto, a consumação
da renúncia de receitas depende de ato administrativo
ulterior aplicador dos diplomas normativos (art. 2º, §2º, da
Lei estadual nº. 2.538) e, desse modo, não se consumou ainda
o ciclo de positivação da desoneração tributária.
132. Além disso, evidentemente, não é possível
assujeitar atos puramente políticos (como a sanção a projeto
de lei pelo Chefe do Poder Executivo) à competência
sancionadora do Tribunal de Contas. Dessa forma, reputa-se
improcedente a pretensão punitiva sugerida pelo Corpo
Técnico, em razão da ausência de materialidade de ilícitos
administrativos consumados.
133. O Ministério Público de Contas opina que se
“Determine-se ao Secretário da SEFIN, com supedâneo no art.
48, IX, da Constituição Estadual de 1989, que, no prazo
máximo de 15 (quinze) dias, anule o ato administrativo em
sentido material, consistente na Lei Estadual nº
2.538/2011”.
134. Pugnou o Parquet que a Lei nº 2.538/2011
“configura, em verdade, ato administrativo material, já que
não possui abstração e impessoalidade características das
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leis em sentido material”38, de modo que, em tese, deve ser
assinado prazo para que sejam adotadas as medidas
necessárias ao exato cumprimento do direito (art. 49, IX, da
Constituição de 1989), sob pena de sustação do ato
impugnado, em caso de descumprimento (fl. 202).
135. Com a devida vênia, entende-se que a
providência sugerida possui dois óbices. Se firmada a
premissa de que a Lei estadual nº 2.538/2011 é,
substancialmente, ato administrativo material, não poderia o
Poder Executivo proceder à sua anulação, porque não lhe
compete a função de controle direto da legalidade dos atos
dos demais Poderes; falece à Secretaria de Finanças o poder
de anular ato doméstico ao Poder Legislativo. Em casos tais,
o Poder Executivo deve representar aos órgãos de Controle,
ao Ministério Público ou, ainda, por meio da advocacia
pública, promover diretamente ação judicial pertinente.
136. Não é inteiramente procedente a afirmativa de
que todos os dispositivos da Lei estadual nº 2.538/2011 são
equiparados a atos administrativos materiais. Com efeito, é
inegável que a norma jurídica de isenção (art. 2º, caput)
não possui generalidade, já que os destinatários da norma
são por ela individualizados. Ocorreu o que Bandeira de
Mello denominou de singularização atual e absoluta do
destinatário.
38 O juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública também entendeu que se
cuidava de mero ato administrativo, pelas mesmas razões.
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137. Mas, o texto normativo constante do art. 2º
possui a descrição de um evento hipotético que possibilita a
projeção futura da incidência da norma sobre fatos que
potencialmente se enquadrarem na tipicidade legal, tornando
o dispositivo abstrato. É a clássica estrutura lógica
condicional “se x, então y”. A aplicação da lei é repetível
no futuro, enquanto vigore, tornando necessário um ato de
subsunção que reconheça a ocorrência do fato jurídico
antecedente a desencadear a incidência do consequente
normativo.
138. Por sua vez, ainda que os elementos
descritivos contidos no texto normativo da “dispensa da
cobrança” (art. 1º) e da aplicação retroativa da isenção
(§5º do art. 2º) permitam identificar, hoje, todas as
situações fáticas, que as normas compreendem, porque cuidam
de fatos passados, é evidente que, ainda assim, haverá a
necessidade de uma ulterior concretização administrativa
para a exclusão dos créditos tributários já constituídos39.
É justamente sobre essa concretização administrativa que
deve o Tribunal de Contas atuar.
139. Considerando que todos os dispositivos da lei
encontram-se eivados de inconstitucionalidade chapada, pelas
diversas razões acima alinhavadas – o que torna a lei
estadual nula e incapaz de gerar direitos subjetivos
39 Notadamente, no caso da isenção, a lei é meramente
autorizadora, porque se trata de isenção condicional, que depende da anuência do Poder Executivo.
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(princípio da nulidade da lei inconstitucional40) –, basta
que a Administração Tributária omita-se em aplicar a lei
estadual para que seja resguardada a integridade do
ordenamento jurídico.
140. Aliás, ainda que se reconheça a natureza
material de ato administrativo no diploma legislativo, todos
os atos dele resultante são nulos de pleno direito (RE
556.504 ED, Relator: Min. Dias Toffoli41), como sustenta o
Ministério Público de Contas.
141. Nesse sentido, resta examinar a viabilidade da
sugestão da Equipe Técnica, no sentido de que fosse
“determinado aos responsáveis que se abstenham de aplicar a
referida lei”. Objetivou, portanto, a prolação de uma tutela
inibitória, provimento com finalidade preventiva, destinada
ao futuro. Para a concessão da tutela inibitória, como
sabido, deve ser conjugado o binômio: (a) ilicitude; e (b)
perigo da consumação, reiteração e continuação do ato. O
dolo ou a culpa pouco importam, neste momento, porque se
trata de tutela que objetiva garantir a integridade do
ordenamento jurídico, determinando o exato cumprimento da
40 ADI 3601 ED, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno,
julgado em 09/09/2010, DJe-244 DIVULG 14-12-2010 PUBLIC 15-12-2010 EMENT VOL-02451-01 PP-00001.
41 “EMENTA: (…) 2. Insubsistência de ato administrativo, por inconstitucionalidade, acarretando a nulidade dos atos dele logicamente decorrentes” (RE 556504 ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/08/2010, DJe-204 DIVULG 22-10-2010 PUBLIC 25-10-2010 EMENT VOL-02421-02 PP-00441).
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lei (art. 71, IX, da CF), a fim de prevenir ilícitos, mesmo
que não tenham sido ainda praticados42.
142. Como exaustivamente examinado alhures, no
momento, a ilicitude do ato futuramente concessivo da
isenção fiscal é flagrante, porque a Lei nº 2.538/2011 e o
Convênio ICMS nº 47/2011 padecem de diversos vícios de
inconstitucionalidade e ilegalidade, o que torna ilícito o
objeto do ato administrativo que vier a proceder à exclusão
dos créditos tributários. Note-se, a propósito, que
recentemente foi concedida liminar na ação direta de
inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de
Justiça, suspendendo os efeitos da lei mencionada43.
143. As informações obtidas até o momento indicam
que há suficientes indícios do perigo da consumação da
renúncia ilícita de receitas. Ora, é evidente que, ao
prestar esclarecimentos, a Administração Tributária
evidentemente apresentou, resolutamente, o propósito de
conceder os benefícios previstos no Convênio ICMS nº
47/2011, chegando a registrar que, com a aprovação da lei
indigitada, encerrou “a discussão de mérito da matéria no
âmbito do Poder Executivo” (fl. 116).
144. Ademais, deduziu-se na ação civil pública que
o Ministério Público Estadual, “tão logo foi aprovada a Lei
nº 2.538/2011 tomou conhecimento que a Secretaria de
42 Por todos, Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 4ª
Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 56. 43 Acesso em: http://www.mp.ro.gov.br/web/guest/pagina-inicial/-
/journal_content/56/10102/1704285.
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Finanças Estadual vinha realizando levantamentos dos
lançamentos pretéritos que seriam atingidos pela isenção
retroativa a janeiro de 2008, e que já havia iniciado o
trâmite para a exclusão destes créditos tributários,
faltando apenas a assinatura do termo de compromisso a que
se refere o anexo único da referida Lei”. Segundo consta da
decisão interlocutória judicial, “Conforme informação
prestada pela Secretaria de Estado de Finanças, a relação
dos lançamentos já realizados desde janeiro de 2008 que
serão atingidos pela isenção já montam a casa dos cem
milhões de reais”.
145. Tais circunstâncias, dentre outras, motivaram
a concessão em caráter liminar da antecipação da tutela na
ação civil pública, suspendendo a eficácia da Lei nº
2.538/2011 e determinando a abstenção da “exclusão de
créditos tributários lançados de janeiro de 2008 até a
presente data” e a suspensão da “análise de pedidos de
exclusão dos créditos tributários” futuros, o que afasta, ao
menos por ora, o perigo iminente da consumação do ilícito
administrativo, mas não afasta o perigo mediato resultante
da revogabilidade da antecipação de tutela.
146. Os elementos concretos coligidos na ação civil
pública promovida pelo Ministério Público do Estado não
aportaram nestes autos, o que impede, neste momento, que
esta Corte, negando executoriedade à lei inconstitucional,
profira ordem para o não cumprimento da norma, sob pena de
sustação do ato em caso de descumprimento. A atuação antes
da existência de indícios concretos da consumação de
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ilícitos caracterizaria controle abstrato de
constitucionalidade, o que nos é defeso.
147. Quadra ressaltar, porém, que há solução outra
que é igualmente eficaz e se encontra conforme à nossa
competência: com base no poder geral de cautela, cumpre
determinar à Secretaria de Finanças que informe a esta Corte
a adoção de qualquer medida tendente a, de ofício ou por
provocação, iniciar ou dar continuidade a procedimento
administrativo para a aplicação dos benefícios fiscais
previstos na Lei nº 2.538/2011, sob pena de os responsáveis
sujeitarem-se à cominação de multa, na forma do art. 55, IV,
da Lei Complementar nº 154/1996. Nessa ocasião, deverá ser
analisada a necessidade de eventual tutela inibitória, ainda
que em caráter de urgência. Dessa forma, diante de elementos
concretos da movimentação da máquina administrativa para a
concessão dos benefícios fiscais, será possibilitada a
prevenção ou correção da consumação de eventual ilícito.
148. Evidentemente, se eventualmente houver a
concessão ilícita dos benefícios fiscais de que se cuidam,
pelos motivos acima enfileirados, não poderão os
responsáveis alegar boa-fé ou outra escusa dessa natureza.
Por essa razão, tendo em vista ainda a função pedagógica e
preventiva dos Tribunais de Contas, convém que o precedente
de pré-interpretação seja fixado em decisão normativa (art.
173, III, do Regimento Interno).
149. Paralelamente, conforme corretamente sugeriu o
Ministério Público de Contas, deverá esta Corte, desde já,
formular representação ao Procurador-Geral da República e à
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Ordem dos Advogados do Brasil, para a propositura, se assim
entenderem, de ação direta de inconstitucionalidade, a fim
de expurgar definitivamente o diploma legislativo do sistema
jurídico. Ao Procurador-Geral de Justiça e à Promotoria de
Defesa do Patrimônio Público – que já propuseram,
respectivamente, ação direta de inconstitucionalidade
perante o Tribunal de Justiça e ação civil pública – deverá
ser encaminhada cópia do presente voto e do respectivo
acórdão, para que, talvez, possa subsidiar o julgamento das
ações mencionadas.
150. Por sua vez, o Tribunal de Contas da União e a
Controladoria-Geral da União deverão ser informados acerca
da possibilidade de os benefícios fiscais vierem a impactar
o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão,
de modo que adotem as providências cabíveis, a seu juízo.
Face ao exposto, submeto ao Pleno desta Corte
o seguinte voto:
I. Conhecer da denúncia apresentada pelo senhor
Francisco das Chagas Barroso acerca de
irregularidades nos benefícios fiscais previstos no
Convênio nº 47/2011/CONFAZ, em favor das
concessionárias responsáveis pela construção e uso
do aproveitamento hidráulico das usinas de Santo
Antônio e Jirau no rio Madeira para a geração de
energia elétrica, mediante a concessão de isenção
fiscal de ICMS nas aquisições de torres, cabos e
componentes das linhas de transmissão, instalações,
máquinas e equipamentos destinados à integração no
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ativo imobilizado na construção e operação das
usinas geradoras especificadas no convênio, das
subestações e das linhas de transmissão correlatas,
nas importações e nas operações interestaduais;
II. Na forma do art. 70, caput, da Constituição
Federal, considerar a denúncia procedente sobre a
irregularidade da renúncia de receitas, decorrentes
da Lei nº 2.538/2011, tendo em vista que:
(a) a concessão dos benefícios fiscais
previstos na Lei nº 2.538/2011
caracteriza renúncia de receitas, sem
que tenha sido comprovada a
observância dos pressupostos de
responsabilidade fiscal, ofendendo ao
disposto no art. 165, §6º, da
Constituição Federal, aos arts. 1º,
§1º, 4º, §1º, 5º, I, II, e 14 da Lei
Complementar nº 101/2000, combinados
com o art. 33 da Lei nº 2.339/2010
(Lei de Diretrizes Orçamentárias para
o exercício de 2011);
(b) o art. 1º e o §5º do art. 2º da Lei
nº 2.538/2011 violam o art. 155, §2º,
XII, “g”, da Constituição Federal,
por não existir autorização no
Convênio nº 47/2011/CONFAZ;
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(c) o art. 2º, §2º, III, e cláusula
segunda, parágrafo único, e cláusulas
terceira e quinta, do Anexo Único da
Lei nº 2.538/2011 violam os arts. 2º,
84, II, da Constituição Federal,
combinado com o art. 65, I, da
Constituição Estadual, por
acarretarem a interferência
administrativa do Poder Legislativo
estadual nas atribuições exclusivas
da Administração Tributária; e
(d) os benefícios tributários conferidos
pela Lei nº 2.538/2011 não se
coadunam com o princípio da isonomia
tributária, da supremacia do
interesse público sobre o particular,
da moralidade administrativa e da
razoabilidade, bem como com o art.
176 do Código Tributário Nacional;
III. Na forma do art. 173, III, do Regimento
Interno, fixar, em Decisão Normativa, precedente
interpretativo e orientativo, de seguinte teor:
(a) A ausência de estimativa do impacto
orçamentário e financeiro da isenção
fiscal e de outros benefícios
financeiros, fiscais e creditícios,
em demonstrativo próprio da Lei de
Diretrizes Orçamentárias e da Lei
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Orçamentária Anual, bem como a falta
de demonstração da não afetação das
metas fiscais ou a adoção de medidas
fiscais compensatórias da perda de
arrecadação no exercício de vigência
e nos dois seguintes, caracteriza
inobservância ao princípio do
planejamento fiscal (art. 1º, §1º,
14, I e II, da Lei Complementar nº.
101/2000), eventualmente agravado se,
ao final do exercício, resultar no
descumprimento injustificado das
metas fiscais constantes da Lei de
Diretrizes Orçamentárias;
(b) É ilícita a renúncia de receitas
decorrente de benefícios relativos a
ICMS que não estejam previstos em
convênio aprovado unanimemente pelos
Estados-membros, reunidos no CONFAZ,
ou que extrapolem os termos da
autorização eventualmente concedida;
(c) É ilícita a renúncia de receitas
decorrente de isenções e outros
benefícios fiscais que se revelarem
privilégio ou discriminação odiosa,
por ofensa ao princípio da isonomia
tributária material, configurando tal
hipótese, quando houver a utilização
de fatores de discriminação que não
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guardem pertinência com o
balanceamento da capacidade
contributiva com objetivos
econômicos, sociais e humanitários
positivamente valorados pela ordem
jurídica constitucional;
(d) É ilegítima a renúncia de receitas
quando não há evidenciação de que o
interesse público será efetivamente
contemplado e, ainda mais, quando
revelar indevida sobreposição de
interesses particulares aos
interesses da coletividade, em razão
da ausência de demonstração de que os
eventuais benefícios socioeconômicos
justificam o sacrifício estimado da
arrecadação utilizada para o custeio
de serviços públicos e investimentos
diretos;
(e) É ilícita a renúncia de receitas
decorrente de isenção condicionada à
contraprestação do contribuinte,
quando os requisitos e condições não
foram especificados, prévia e
objetivamente, em lei específica
(art. 176 do Código Tributário
Nacional), que não poderá delegar ao
administrador a discricionariedade
irrestrita na concessão do benefício,
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sob pena de incorrer no risco de
tratamento discriminatório,
arbitrário e outros desvios de
condutas.
IV. Tendo em vista as irregularidades na renúncia
de receitas decorrente da lei acima mencionada,
determinar à Secretaria de Estado das Finanças, com
base no poder geral de cautela, que informe ao
Tribunal de Contas, previamente, sobre a adoção de
qualquer medida administrativa tendente a, de ofício
ou por provocação, iniciar ou dar continuidade a
procedimento administrativo para a aplicação dos
benefícios fiscais previstos na Lei nº 2.538/2011,
sob pena de os responsáveis sujeitarem-se à
cominação de multa, na forma do art. 55, IV, da Lei
Complementar nº 154/1996, sem prejuízo da
responsabilidade solidária por eventual dano ao
erário;
V. Representar ao Procurador-Geral da República e
à Ordem dos Advogados do Brasil/RO, para a
propositura, se assim entenderem, de ação direta de
inconstitucionalidade em face da lei estadual nº
2.538/2011, pelos fundamentos constantes das alíneas
“b” a “d” do item II, ecaminhando-lhes cópia do voto
e respectivo acórdão;
VI. Encaminhar ao Procurador-Geral de Justiça e à
Promotoria de Defesa do Patrimônio Público cópia do
presente voto e do respectivo acórdão, para que, se
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assim entenderem, possa subsidiar o julgamento das
ações judiciais promovidas;
VII. Informar ao Tribunal de Contas da União e à
Controladoria-Geral da União, para que adotem as
providências cabíveis, sobre a possibilidade de
alteração de equilíbrio econômico-financeiro dos
contratos de concessão federal de exploração do
aproveitamento hidrelétrico nas usinas do Complexo
do Rio Madeira, em decorrência da eventual concessão
dos benefícios fiscais previstos na lei estadual nº
2.538/2011;
VIII. Notificar o denunciante e os denunciados
acerca da presente decisão, informando-lhes que o
inteiro teor do voto e do acórdão encontram-se no
sítio eletrônico do Tribunal (www.tce.gov.ro.br),
devendo os setores competentes providenciarem a sua
disponibilização, na forma do §1º do art. 79 do
Regimento Interno; e
IX. Depois de transitada em julgado a presente
decisão, arquivar os autos.
Sala das Sessões, 15 de setembro de 2011.
PAULO CURI NETO Conselheiro Relator