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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM METODOLOGIAS PARA O ENSINO DE LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS MARIA CHRISTINA ZORZETO REFLEXÃO E LEITURA DE INSTALAÇÕES ARTÍSTICAS PARA O ENSINO DA ARTE Londrina 2016

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO … · 2018. 5. 28. · RESUMO Esta pesquisa pretendeu discutir a instalação artística como possibilidade metodológica para

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  • PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

    MESTRADO EM METODOLOGIAS PARA O ENSINO DE LINGUAGENS E

    SUAS TECNOLOGIAS

    MARIA CHRISTINA ZORZETO

    REFLEXÃO E LEITURA DE INSTALAÇÕES ARTÍSTICAS PARA O ENSINO DA

    ARTE

    Londrina

    2016

  • AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR

    QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E

    PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Dados Internacionais de catalogação-na-publicação

    Universidade Norte do Paraná

    Biblioteca Central

    Setor de Tratamento da Informação

    Zorzeto, Maria Christina

    Z88r Reflexão e leitura de instalações artística para o ensino da arte. / Maria Christina

    Zorzeto. Londrina: [s.n], 2016

    96f.

    Dissertação (Mestrado em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas

    Tecnologias). Universidade Norte do Paraná.

    Orientadora: Profa. Dra. Bernadete de Lourdes Streisky Strang.

    1 – Instalações artísticas – dissertação de mestrado- UNOPAR 2- Leitura de imagens

    3- Semiótica 4- Ensino médio 5- Hibridismo. I- Strang, Bernadete de Lourdes Streisky;

    orient. II- Universidade Norte do Paraná.

    CDD 149.946

  • MARIA CHRISTINA ZORZETO

    REFLEXÃO E LEITURA DE INSTALAÇÕES ARTÍSTICAS PARA O ENSINO DA

    ARTE

    Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias da Universidade Norte do Paraná – UNOPAR, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Bernadete de Lourdes Streisky Strang. Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Rosemari Bendlin Calzavara.

    Londrina

    2016

  • MARIA CHRISTINA ZORZETO

    REFLEXÃO E LEITURA DE INSTALAÇÕES ARTÍSTICAS PARA O ENSINO DA

    ARTE

    Dissertação apresentada à UNOPAR, ao Programa de Mestrado em Metodologias para o

    Ensino de Linguagem e suas Tecnologias, área de concentração “Formação de

    Professores e ação docente em situações de ensino”, como requisito parcial para a

    obtenção do título de Mestre, conferida pela Banca Examinadora formada pelos

    professores:

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________

    Prof.ª Dr.ª Bernadete de Lourdes

    Streisky Strang

    UNOPAR

    _______________________________

    Prof.ª Dr.ª Rosemari Bendlin Calzavara

    UNOPAR

    Prof.ª Dr.ª Sônia Maria da Costa

    Mendes

    UEM

    Londrina, ___ de ____________ de 2016

  • AGRADECIMENTOS

    À minha filha Mayra Zorzeto Ferreira, pelo incentivo e ajuda.

    À professora Bernadete de Lourdes Streisky Strang, por aceitar ser minha

    orientadora, sempre ajudando a melhorar minhas pesquisas.

    À professora Rosemari Berdin Calzavara, pela atenção e carinho.

    À professora Sonia Maria da Costa Mendes, por ter sempre me incentivado e

    aceitado fazer parte da minha Banca de Dissertação.

    À professora Samira Fayez Kfouri, pela atenção e prontidão.

    Aos meus colegas de sala e aos docentes do curso de Mestrado em Metodologias

    para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias.

    A Deus, que ilumina meu caminho.

  • “A função da arte não é a de passar por portas abertas, mas de abrir portas fechadas”.

    (FISCHER apud MORAES, 2002, p. 38)

  • ZORZETO, Maria Christina. Reflexão e leitura de instalações artísticas para o

    ensino da Arte. 2016. 96 f. Dissertação (Mestrado em Metodologias para o Ensino

    de Linguagens e suas Tecnologias) – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu,

    UNOPAR, Londrina, 2016.

    RESUMO

    Esta pesquisa pretendeu discutir a instalação artística como possibilidade

    metodológica para o ensino da arte na educação básica. Aqui se privilegiou a

    Semiótica Aplicada de Lucia Santaella para se discutir a instalação artística como

    possibilidade metodológica para o ensino dessa disciplina, na educação básica. A

    instalação é uma construção artística elaborada em espaços de museus e galerias

    com vários tipos de materiais, meios e suportes, convidando o espectador a se

    instalar na obra, percorrendo-a, relacionando-se com os objetos e participando da

    obra segundo a proposta do artista. A instalação, por ser de natureza híbrida,

    permite a inter-relação e o diálogo com outras áreas do conhecimento. Para isso,

    elaborou-se breve introdução à arte moderna e contemporânea e sobre a origem

    das instalações artísticas. Apresentou-se também possibilidades de teorias e

    metodologias para a leitura de obras artísticas, priorizando, sobretudo, a Semiótica

    Peirceana, por entendermos que a tríade primeiridade, secundidade e terceiridade

    é adequada a esta proposta, pelas suas qualidades sígnicas de sentimento,

    sensação e pensamento, o que pode proporcionar uma leitura eficaz que abrange

    desde percepções sutis às mais complexas. A instalação artística é um signo, uma

    construção que propicia releituras, e é capaz de produzir efeitos interpretativos no

    aluno.

    Palavras-chave: Instalações Artísticas. Leitura de Imagens. Semiótica. Ensino

    Médio. Hibridismo.

  • ABSTRACT

    This research aimed to discuss the art installation as a methodological opportunity

    for teaching art in basic education. It was used the Applied Semiotics by Lucia

    Santaella to discuss the art installation as a methodological possibility for teaching

    this subject. The installation is an artistic construction developed in spaces of

    museums and galleries with many kinds of materials, means and supports, inviting

    the viewer to settle in the work, running it, relating to the objects and participating in

    the work as proposed by the artist. The facility for being hybrid in its nature allows

    the interrelationship and dialogue with other fields of knowledge. For this it was

    prepared a brief introduction to modern and contemporary art and the origin of the

    art installations. It was also presented some thories and methodologies for the

    artistic works reading, prioritizing above all the Peircean Semiotics, since we

    understand that the firstness, secondness and thirdness triad are appropriate to the

    proposal, for its signifying qualities of feeling, sensation and thought, which can

    provide an effective reading ranging from subtle perceptions to more complex ones.

    The art installation is a sign, a construction that provides reinterpretations, being

    able to produce interpretive effects on the student.

    Keywords: Artistic installations. Reading images. Semiotics. High school. Hybridity.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Fotografia de pintura de animais em Lascaux ...................................... 19

    Figura 2: Seção do “Livro dos Mortos”, de Nany ................................................. 20

    Figura 3: Cupido de escaiola ............................................................................... 24

    Figura 4: Quadrado Negro sobre fundo branco ................................................... 25

    Figura 5: Drowning Girl ....................................................................................... 28

    Figura 6: Uma e três cadeiras ............................................................................. 30

    Figura 7: Quebra-mar em espiral ........................................................................ 33

    Figura 8: Electronic Superhighway ...................................................................... 37

    Figura 9: Casa Merz ............................................................................................ 40

    Figura 10: A Escola de Atenas ............................................................................ 49

    Figura 11: O Rapto das Sabinas ......................................................................... 50

    Figura 12: Estátuas de jovem ("Kouroi").............................................................. 52

    Figura 13: Doríforo .............................................................................................. 52

    Figura 14: Lacoonte e seus filhos ........................................................................ 53

    Figura 15: Madona Sistina................................................................................... 54

    Figura 16: Virgem numa Igreja ............................................................................ 55

    Figura 17: Madonna di Loreto ............................................................................. 55

    Figura 18: Ocupação Macia ................................................................................ 77

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Classificação dos Signos .................................................................... 80

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12

    2 UM BREVE PERCURSO PELA HISTÓRIA DA ARTE MODERNA E

    CONTEMPORÂNEA ......................................................................................... 18

    2.1 Arte Moderna ................................................................................................ 18

    2.2 Arte Contemporânea ..................................................................................... 26

    2.2.1 Arte e Tecnologia ............................................................................... 36

    2.3 Origem das Instalações Artísticas e sua importância no ensino das artes ... 39

    3 TEORIAS QUE FUNDAMENTAM O ENSINO DA ARTE ................................. 48

    3.1 Teoria da Visibilidade Pura ........................................................................... 48

    3.2 Vida das Formas (Teoria da Visibilidade Pura) ............................................. 51

    3.3 Método Iconológico ....................................................................................... 53

    3.4 Teoria Semiótica ........................................................................................... 56

    3.5 Novas propostas de leituras de imagens – Arte br e Caderno do

    professor investigador ................................................................................... 58

    4 PRIMÓRDIOS DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL ......................................... 62

    5 POSSIBILIDADE DE ENSINO DE ARTE ......................................................... 70

    5.1 Mediação artística ......................................................................................... 70

    5.2 Entre a escola e o Museu: caminhos para a compreensão e

    apropriação estética da arte contemporânea ................................................ 73

    6 POSSIBILIDADES DE LEITURA DA INSTALAÇÃO

    ARTÍSTICA “OCUPAÇÃO MACIA” ................................................................. 77

    7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 82

    REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 86

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ........................................................................ 96

  • 12

    1 INTRODUÇÃO

    Essa pesquisa parte da problemática de como uma “Instalação artística”

    pode colaborar com o conhecimento da arte, pelo aluno de arte na escola. A

    pesquisa também pretende discutir a instalação artística como possibilidade

    metodológica para o ensino de arte. Portanto será feita uma pesquisa bibliográfica

    e documental que pretende discutir metodologias surgidas no final do século XIX e

    XX, como: Teoria da Visibilidade Pura, Método Iconológico e Teoria Semiótica que

    contribuíram muito para a leitura de imagens, e outras mais recentes, como: Arte

    na Escola e o Caderno do Professor Investigador, do Itaú cultural, que no percurso

    de leitura de uma obra de arte aprofundam e contribuem para a apreciação e

    geração de novas ideias, desenvolvendo ações internas, como: pensar, analisar,

    criticar, contemplar e sentir para uma melhor reflexão sobre a arte contemporânea

    e seu ensino.

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) apontam para o

    ensino contextualizado, mediante a interdisciplinaridade, para incentivar o

    raciocínio e a capacidade de aprender. A importância que os PCN atribuem ao

    desenvolvimento de competências, como capacidade de perceber múltiplas

    alternativas para a solução de problemas, trabalho em equipe, aceitar críticas e

    riscos, entre outras, favorece ainda mais a introdução de instalações artísticas no

    ensino de arte.

    Dialogando com essas competências, a possibilidade de trabalhar com as

    instalações artísticas como conteúdo do Ensino de Arte é abrangente, bem

    articulada e supre todas essas competências elencadas. Sabe-se que as

    “Instalações Artísticas”, na arte contemporânea, trabalham com a

    interdisciplinaridade e, pelo seu caráter híbrido, conversam com várias áreas do

    conhecimento, utilizando-se de vários meios e suportes, o que permite que o aluno

    consiga pensar em múltiplas alternativas para a solução de um problema. Tal

    problema deve ser trabalhado em equipe e, no caso da arte, com propostas de

    instalações que levem à reflexão de problemas cotidianos como a violência,

    intolerância, racismo, exclusão, pobreza, consumismo entre outros temas.

  • 13

    A instalação artística difere de outras categorias artísticas, como pintura,

    desenho e escultura, pois é um ambiente construído em espaços de museus e

    galerias, com vários tipos de materiais, suportes e meios, solicitando ao observador

    a se instalar na obra, percorrendo-a e relacionando-se com os objetos presentes

    nela.

    Para abordar o problema de pesquisa, encontrou-se na Semiótica Aplicada

    de Santaella, uma ferramenta, que toma como base a teoria semiótica de Charles

    Sanders Peirce1 (1839 - 1914).

    Nesse contexto, a teoria semiótica é capaz de analisar e interpretar o

    domínio da cognição humana, principalmente nas criações artísticas, no caso, as

    instalações, que vêm sendo povoadas de novos signos, pois, com a hibridização

    dos meios, surgem novas analogias e associações sígnicas.

    O uso de vários meios e suportes favoreceu a expressão do artista para

    várias propostas, ampliou novos campos de percepção. A arte contemporânea é

    plurissensorial, solicitando todos os sentidos. Em uma instalação, o artista propõe

    que o espectador não seja só contemplativo, mas sim participativo, instalando-se

    na obra a ser percorrida, percebendo todas as reentrâncias, nuances e sensações

    que a obra proporciona. Algumas instalações são contestadoras, anárquicas,

    provocativas e problematizadoras, levando o espectador a refletir.

    Nas instalações artísticas, o artista solitcita que o observador vivencie a obra

    com todo seu corpo, despertando todos os sentidos. Percorrendo a obra, o

    observador se instala nela e a vive, despertando memórias, lembranças e reflexões.

    Não é mais a visualização das cores, formas e texturas, mas sim o sentir essas

    formas, texturas e cores com o próprio corpo. O espectador se desloca no tempo e

    no espaço para que a fruição estética aconteça.

    A arte contemporânea é polissêmica e sua compreensão pode envolver

    vários sentidos e várias leituras, apontando para novas transformações perceptivas

    e cognitivas, o que desencadeia uma nova visão de mundo, pois as relações do

    homem com o mundo mudaram. Gombrich (1979, p. 24) diz: “A história da arte não

    1 Peirce foi cientista, químico, matemático, físico, astrônomo, filósofo, estudioso da biologia e

    geologia. No campo das ciências culturais, ele se devotou à linguística, filologia e história. Desenvolveu sua teoria lógica, filosófica e científica da linguagem, a semiótica. Reconhecido como um dos fundadores da escola filosófica do pragmatismo.

  • 14

    é uma história de progresso na proficiência técnica, mas uma história de idéias,

    concepções e necessidades em constante mudança”.

    No Primeiro capítulo, foram feitos alguns apontamentos sobre Arte Moderna

    e Arte Contemporânea, baseados em Ernst Hans Joseph Gombrich, Edmond

    Couchot, Mario De Micheli, Nikos Stangos, Michael Archer e Stephen Farthing, para

    perceber na Arte Moderna as rupturas com a estética clássica e as transformações

    ocorridas na história da arte e seus desdobramentos na Arte Contemporânea,

    aproximando-se e apropriando-se de várias áreas do conhecimento, tornando-se

    híbrida pela utilização de vários meios, suportes e materiais, gerando novas

    possibilidades de produção artística e, consequentemente, de novas abordagens

    de leitura.

    No segundo capítulo, foi feita uma introdução à história da arte moderna e

    contemporânea, assim como considerações sobre a origem das instalações

    artísticas.

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam para a importância da

    compreensão histórica (BRASIL, 2000, p. 90):

    A construção da Base Nacional Comum passa pela constituição dos saberes integrados à ciência e à tecnologia, criados pela inteligência humana. Por mais instituinte e ousado, o saber terminará por fundar uma tradição, por criar uma referência. A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e identidades, perdemos vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas formas. A modernidade, por mais crítica que tenha sido da tradição, arquitetou-se a partir de referências e paradigmas seculares. A relação com o passado deve ser cultivada, desde que se exerça uma compreensão do tempo como algo dinâmico, mas não simplesmente linear e seqüencial.

    O ensino da história da arte é imprescindível para a compreensão e reflexão

    da história e dos saberes adquiridos pela humanidade. A arte contemporânea,

    dialoga constantemente com a história das artes. A originalidade, a criatividade e a

    imaginação é despertada pelo conhecimento de uma tradição que não pode ser

    esquecida ou ignorada, sendo inclusive referência para novas conquistas

    tecnológicas, estéticas e poéticas.

    No terceiro capítulo, serão abordadas algumas teorias e metodologias

    surgidas no final do século XIX e XX, que contribuíram muito com a leitura de

  • 15

    imagens, sendo uma delas a Teoria da Visibilidade Pura, cujo fundador foi Konrad

    Fiedler, que propôs formular uma “teoria do olhar artístico”, até então inexistente.

    Também abordaremos Henrich Wölfflin, que, em 1915, escreve em seu livro

    Conceitos Fundamentais da História da Arte uma nova metodologia para o estudo

    de obras de arte. Para Wölfflin (apud CALABRESE, 1985, p. 23),

    Todo estilo nada mais seria que a construção coerente de elementos formais, distintos em oposições binárias, tais como: “visão linear” / “visão pictórica”, “visão superficial” / “visão de profundidade”, “forma fechada/ “forma aberta”, “multiplicidade/ “unidade”, “clareza relativa” / “clareza absoluta”.

    O Método formalista está mais ligado à história da arte como história das

    formas. Aprofundando a Teoria da Visibilidade Pura, Henri Focillon, esteta e

    historiador da arte no século XX, elaborou um sistema mais dinâmico, em que as

    formas são dotadas de vida própria e buscam uma estabilidade.

    No Método Iconológico, desenvolvido por Panovsky, aborda-se a história da

    arte como a história das imagens, ou seja, a transmutação das imagens através do

    tempo para tomar novos significados. Panovsky distinguiu três níveis de significado

    na obra de arte, segundo Calabrese (1985, p. 38):

    “O tema primário ou natural” (por sua vez dividido em “factual” e “expressivo”), que consiste na identificação das formas puras; o “tema” secundário ou convencional”, que consiste na identificação dos temas de uma obra e de sua combinação; o significado intrínseco ou conteúdo”, compreendendo o posicionamento básico que, num dado período, nação, classe ou cultura, condiciona o artista e é simbolizado na obra. O primeiro setor é campo da identificação dos motivos, o segundo, da iconografia, e o terceiro, da iconologia.

    Na teoria semiótica de Charles Sanders Peirce, a leitura de um texto pode

    ser feita em três níveis, que ele denominou de: Primeiridade, Secundidade e

    Terceiridade, partindo de uma leitura mais simples até uma leitura mais complexa,

    respectivamente.

    Serão abordadas propostas mais recentes, como o material do Instituto de

    Arte na Escola e o Caderno do Professor Investigador, do Itaú Cultural. O Instituto

    de Arte na Escola, elaborado pensando no professor de arte, oferece um material

    para facilitar a leitura de imagens em sala de aula. O projeto visa formar leitores

    visuais a partir de imagens da história da arte. São oferecidos 12 cadernos com 36

  • 16

    imagens de artistas tanto da arte moderna como contemporânea. É uma

    metodologia desenvolvida para fundamentar uma reflexão mais profunda sobre a

    arte.

    O Caderno do professor Investigador (ITAÚ CULTURAL, 2008) oferece

    ferramentas para a introdução da arte contemporânea em sala de aula, leitura e

    análises de obras de artistas gerando questionamentos e reflexões sobre a arte

    contemporânea e seu ensino.

    No quarto capítulo, será abordado o ensino da arte no Brasil, desde a missão

    artística francesa (1860) até a pós-graduação em Artes, criada em 1980 pela

    Universidade de São Paulo (USP), abrindo uma linha de pesquisa em arte-

    educação.

    No quinto capítulo, serão levantadas algumas mediações feitas nas escolas,

    museus e departamentos de arte. Segundo os PCN (BRASIL, 2000, p. 78),

    O tratamento contextualizado do conhecimento é o recurso que a escola tem para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem trabalhado permite que, ao longo da transposição didática, o conteúdo do ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade. A contextualização evoca por isso áreas, âmbitos ou dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza competências cognitivas já adquiridas.

    Neste contexto, as escolas, os museus e os departamentos de arte fazem

    parte da vida social e cultural do aluno, sendo o melhor ambiente para dar

    significado aos conteúdos de aprendizagem artística adquiridas. Contribuem para

    um diálogo permanente com a arte, pois são locais de renovação constante de

    obras, de projetos de estudo, de pesquisas de novos materiais e,

    consequentemente, de novas linguagens.

    Segundo os PCN, a interdisciplinaridade e contextualização formam o eixo

    organizador da doutrina curricular expressa na LDB (2000, p. 85):

    A primeira dimensão é explicitada no artigo 26 da LDB que afirma: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional em comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

  • 17

    Nesta perspectiva, a parte diversificada do currículo segundo os PCN,

    destina-se a atender às características regionais e locais da sociedade, da cultura,

    da economia e da clientela, permitindo o desenvolvimento de projetos focalizados

    em problemas selecionados pelo professor, como atividade “extra” curricular,

    enriquecendo e ampliando a proposta pedagógica da escola e interesses sociais e

    culturais do educando para a construção de sua própria identidade que dizem

    respeito à vida da comunidade. Sendo assim, o aluno sai da condição de

    espectador passivo, contemplativo, para um fazedor ativo, participativo,

    aprendendo a conhecer, a fazer, a viver e a ser.

    No sexto capítulo, será apresentada uma leitura da instalação da artista

    Maria Lynck, Ocupação macia, baseada na semiótica aplicada de Santaella, em

    cuja tríade Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, em suas qualidades signas

    de sentimento, sensação e pensamento, proporcionará uma leitura eficaz que

    contemple desde percepções sutis às mais complexas, afinal a instalação artística

    é um signo, algo que representa algo, e é capaz de produzir efeitos interpretativos.

  • 18

    2 UM BREVE PERCURSO PELA HISTÓRIA DA ARTE MODERNA E

    CONTEMPORÂNEA

    2.1 ARTE MODERNA

    Para podermos apreciar as obras de arte, participar delas e nos relacionar

    com elas, precisamos ampliar nosso universo de imagens. É necessário perceber

    que arte é um modo de dialogar com o mundo, portanto uma forma de

    conhecimento. Com isso, trata de vários assuntos: mágicos, religiosos, políticos,

    sociais, estéticos, éticos, lúdicos, filosóficos e cotidianos, aproximando, assim, arte

    e vida; ela está no campo da filosofia, é reflexiva e discute várias questões.

    Os conceitos estéticos e as funções da arte estão relacionados ao contexto

    histórico em que ocorreu sua produção, variando muito no decorrer da história.

    A arte na pré-história, 30.000 anos a.C., tinha uma função mágica: arte a

    serviço da vida, pois o “pintor-caçador” supunha ter poder sobre o animal desde

    que possuísse sua imagem; matava os animais a fim de viver. Segundo Gombrich

    (1979, p. 22),

    Uma coisa é evidente: ninguém se teria arrastado tamanha distância até às soturnas entranhas da terra simplesmente para decorar um local tão inacessível […] A explicação mais provável para essas descobertas ainda é a de que se trata das mais antigas relíquias dessa crença universal no poder da produção de imagens; por outras palavras, que o pensamento desses caçadores primitivos era que, se fizessem uma imagem de sua presa – e talvez a surrassem com suas lanças e machados de pedra – os animais verdadeiros também sucumbiriam ao poder deles.

  • 19

    Figura 1: Fotografia de pintura de animais em Lascaux

    Fonte: Lascaux (30.000 a.C.).

    No Egito, 5.000 a.C., a função da arte era mágico-religiosa; a maioria das

    manifestações artísticas era direcionada para a alma do morto, como um guia, um

    mapa espiritual após a morte. Segundo Gombrich (1979, p. 33),

    De fato, essas obras não tinham a finalidade de serem objeto de deleite. Também elas se destinavam a “manter vivo”. Num passado sombrio e distante, tinha sido costume, quando morria um homem poderoso, que seus servos e escravos o acompanhassem na sepultura. Eles eram sacrificados para que o senhor chegasse ao além com um séquito condigno. Depois, esses horrores foram considerados excessivamente cruéis ou excessivamente onerosos, e a arte acudiu em ajuda. Em vez de servos de carne e osso, aos poderosos da Terra passaram a ser oferecidas imagens como substitutos. As pinturas e os modelos encontrados em túmulos egípcios estavam associados à idéia de suprir a alma de ajudantes no outro mundo.

  • 20

    Figura 2: Seção do “Livro dos Mortos”, de Nany

    Fonte: Livro dos Mortos (1040-945 a.C.).

    Na Grécia, século IV a.C., a arte, principalmente as esculturas e cerâmica,

    eram narrativas mitológicas em que vários escultores descobriram o movimento

    das formas, o escorço, como os sentimentos afetam o corpo, ou seja, a

    representação da “atividade da alma”. Idealizaram o corpo humano como seres de

    um mundo utópico e melhor.

    Na Idade Média, do século V até o século XII d.C., a arte cumpriu uma função

    didático-pedagógica, ou seja, era utilizada para narrar as histórias bíblicas por meio

    de imagens, pois a maioria das pessoas era analfabeta. Segundo Gombrich (1979,

    p. 95),

    O Papa Gregório, o Grande, que viveu no final do século VI d.C., seguiu essa orientação. Lembrou àqueles que eram contra todas as pinturas que muitos membros da Igreja não podiam ler nem escrever, e que, para ensiná-los, essas imagens eram tão úteis quanto os desenhos de um livro ilustrado para crianças. Disse ele: “A pintura pode fazer pelos analfabetos o que a escrita faz para os que sabem ler”.

    Os séculos XIV, XV e XVI d.C. foram o período do Renascimento, nascer

    novamente, ressurgir. Segundo Gombrich (1979, p. 169),

  • 21

    Os italianos do século XIV acreditavam que a arte, ciência e erudição tinham florescido no período clássico, que todas essas coisas tinham sido destruídas pelos bárbaros do Norte e que lhes cumpria a missão de ajudar a reviver o glorioso passado e, portanto, a inaugurar uma nova era.

    Foram muitas as descobertas no período do renascimento, como:

    Perspectiva, Sfumato, Tinta a óleo, Telas. Os artistas estudavam anatomia

    científica, matemática, deixaram de ser apenas artífices e se tornaram mestres com

    autonomia. No renascimento, arte e ciência andavam juntas.

    Desde a pré-história ao século XIX, mais precisamente até o movimento

    realista, deparamo-nos com manifestações artísticas, tais como: pintura, gravura,

    escultura, que, de um modo geral, tentavam representar o mundo real ou imaginário

    de um modo inteligível, ou seja, figurativo, de formas definidas e reconhecíveis.

    Em alguns períodos da história da arte, como na Antiguidade, existiam

    códigos de representação da figura humana, com esquemas de proporção, lei da

    frontalidade, que não podiam ser alterados, devido ao seu caráter religioso. Na

    Grécia, no século V a.C., período clássico, aparece o conceito de “mímesis”, cópia

    fiel da natureza, que tinha como função imitar a realidade, ou melhor, melhorá-la,

    em busca da forma ideal. Para o escultor Policleto, formulador da “antropometria

    Clássica”, a beleza consistia na proporção harmoniosa de todas as partes do corpo

    humano entre si (conceito estético que vai ser alterado só na arte moderna, em

    1860). A arte grega atinge seu ideal de beleza, com a liberdade de representar o

    corpo humano em qualquer posição ou movimento, observando, também, o modo

    como os sentimentos afetam o corpo em ação. Só no final do século XIX, com o

    início da Arte Moderna, ocorre a desconstrução dos cânones da arte grega clássica

    e do renascimento.

    Com o impacto da invenção fotográfica, no século XIX, a arte vai explorar

    novos territórios, não mais a “cópia” da realidade visível, mas regiões ainda

    inexploradas. Segundo Couchot (2003, p. 23),

    A fotografia não destituiu o pintor de seu tradicional poder imagético, mas abriu horizontes antes desconhecidos, enriquecendo o universo do visível do qual fazem parte e dão acesso a um imenso “armazém” de imagens e signos.

  • 22

    Para muitos autores, a Arte Moderna não se converteria no que é, sem a

    invenção da fotografia e um olhar dos artistas europeus para a arte japonesa e

    primitiva, sem se esquecer das várias conquistas tecnológicas, tais como: a luz

    elétrica, as locomotivas elétricas, o automóvel, o avião e a descoberta do

    inconsciente por Sigmund Freud, que causarão grande impacto sobre a percepção

    visual. Segundo Rivera (2002, p. 10),

    A procura de novos parâmetros formais que marca essas vanguardas é correlativa a uma valorização do “irracional”, do espontâneo, de uma expressão mais livre. É nesse contexto que os artistas do início do século XX se apaixonam pela arte africana, os pintores autodidatas, naïfs, as obras de loucos internados em hospícios. […] A descoberta do inconsciente por Freud é contemporânea dessa preocupação e vem reforçar essa tendência. Num mundo balançado pela máxima de Paul Cézanne de que “a natureza está no interior” e pela ênfase expressionista na subjetividade, não é de espantar que o inconsciente freudiano seja alçado à condição de fonte temática e formal para a criação artística. De fato, a busca de uma pureza artística, de se retomar a arte em suas origens – ingênuas, loucas ou primitivas – integra em seu ideal revolucionário a noção de inconsciente como o que se oporia ao intencional, consciente ou racional, ponderado, e permitiria portanto uma irradiação de imagens supostamente livres das amarras das convenções e exigências estéticas.

    As conquistas tecnológicas como o avião e o automóvel vão influenciar

    profundamente o trabalho do suprematista Kazimir Malevich, do movimento de

    vanguarda russo, de 1913, que, por meio do acesso a fotos de vista aérea, permitiu

    que ele visualizasse o mundo por uma outra perspectiva, e do artista dadaísta

    Marcel Duchamp, que, através de uma viagem de carro, adiciona uma nova

    sensação de velocidade, ou seja, espaço em movimento, uma experiência de outra

    dimensão, que vai refletir em algumas de suas obras.

    Os Impressionistas, em 1860, talvez os primeiros a se sentirem acuados com

    a fotografia, viraram as costas para o mimético, dissolvendo as formas em tragadas

    de luz e cor. Foi o primeiro movimento da Arte Moderna a solicitar a participação

    óptica efetiva do espectador. Ele surgiu com a descoberta da cor residual, ou seja,

    aproximando duas cores como o amarelo e o azul, formando em nossa retina a cor

    verde, tanto é que o artista Claude Monet em seu jardim em Giverny, plantou tulipas

    vermelhas com miosótis azuis, para criar uma impressão de violeta.

    Couchot (2003, p. 41), sobre o Impressionismo, diz:

  • 23

    Reprova-se, sobretudo a estes pintores o aspecto negligenciado do desenho e da composição (que os neo-impressionistas corrigem), o abandono do contorno nítido, do modelado, das sombras espessas, a grande clareza das suas telas, o excesso de colorido, a ausência de tema, a rapidez da execução, resumindo: o efeito indefinido de “impressão”. Mas não se compreende ainda que a verdadeira razão do escândalo, que desencadeará a ruptura definitiva do grande público e da arte, cumpre a vontade de arrancar o espectador de uma contemplação fácil e de colocar em trabalho o seu olhar. A retina deve fazer a síntese ótica das pinceladas estilhaçadas, o corpo deve ir e voltar para escolher a boa distância a partir da qual, subitamente, o quadro se revela. O olho do observador é doravante intimidado a participar da recomposição dos coloridos e das luzes.

    Os Impressionistas, ao contrário da fotografia, queriam uma arte do instante,

    uma arte que revelasse a dinâmica do tempo, não uma tradução fiel da natureza.

    O artista Paul Cézanne, em 1895, tem uma reação oposta à dos

    Impressionistas, já que queria revelar em suas obras a geometria, pois dizia que

    tudo na natureza se modela segundo a esfera, o cone e o cilindro. Segundo

    Couchot (2003, p. 46), “Há uma intenção evidente de desconstrução, até de

    deslocação, que atribui aos seus quadros o aspecto trincado e a ponto de explodir,

    jamais visto em pintura”.

    Nessa busca de estruturas espaciais essenciais de um mesmo objeto em

    perspectivas diversas se dá a conhecer outros lados do objeto; sendo assim, novos

    modos de olhar um objeto são apresentados ao mundo da arte. Essa nova

    percepção levará ao Cubismo, em 1909, com os artistas Braque e Picasso

    rompendo definitivamente com a perspectiva renascentista, não mais a ilusão de

    tridimensionalidade em um suporte bidimensional.

  • 24

    Figura 3: Cupido de escaiola

    Fonte: Cézanne (1895).

    Para Cumming (2000, p. 97),

    Esse Cupido de gesso parece retorcido na base. É porque Cézanne olhou para ele em muitas ocasiões e de ângulos diferentes, enquanto circulava ao seu redor. Pintando o que via em cada ocasião e construindo a figura aos poucos, ele nos mostra mais do que poderia ser visto de uma única posição.

    No Cubismo, as ideias de Cézanne, mais a influência da escultura ibérica e

    africana arcaica, leva ao Cubismo Analítico, em 1909, quando Picasso e Braque

    facetam o objeto. Segundo Micheli (2004, p. 184),

    O cubismo analítico tem início por volta do final de 1909: os planos simples e largos despedaçam-se num jogo de faces denso, contínuo, que quebra o objeto, desmembra-o em todas as suas partes, analisa-o enfim, fixando-o na superfície da tela, onde o relevo já está reduzido ao mínimo.

    Percebe-se na tela de Picasso a fragmentação do objeto, mostrada de vários

    ângulos, criando-se novas maneiras de olhá-lo.

    A seguir, em 1910, tem início o cubismo sintético. Micheli (2004, p. 185)

    ensina:

    Elemento fundamental do cubismo sintético é a livre reconstituição da imagem do objeto definitivamente liberto da perspectiva: o objeto

  • 25

    não é mais analisado e desmembrado em todas as suas partes constitutivas, mas resumido em sua fisionomia essencial, sem nenhuma sujeição às regras da imitação. A síntese se dá levando em consideração todas ou apenas algumas partes do objeto, que aparecem no plano da tela em todos os seus lados.

    Percebe-se na tela de Picasso apenas o essencial do objeto que, depois de

    analisado, será sintetizado.

    Picasso e Braque foram os primeiros artistas a se utilizarem da técnica de

    colagem, em 1911, pela qual os objetos da vida cotidiana são transportados para a

    tela, criando o confronto entre a verdade e o artifício.

    Na arte moderna, surgem movimentos de arte abstrata, como no

    expressionismo de Kandinsky, em 1910, do grupo “Cavaleiro Azul”, considerado

    como abstração lírica e espiritual. Em Mondrian, no neoplasticismo, em 1917, surge

    o abstracionismo geométrico, considerado mais racional de natureza mental. Em

    1913, surge o suprematismo, do artista Malevitch, que buscava na arte a

    supremacia absoluta da sensibilidade pura, com sua famosa tela “Quadrado negro

    sobre fundo branco”.

    Figura 4: Quadrado Negro sobre fundo branco

    Fonte: Malevich (1913).

    Sem compromisso com a representação da natureza, a arte torna-se

    autônoma, ou seja, utilizando-se dos próprios elementos visuais, a arte procura se

    expressar pelas cores, linhas, formas e texturas.

    O dadaísmo, movimento de vanguarda de 1916, criado por vários artistas,

    entre os quais Marcel Duchamp, queriam a liberdade de expressão, a

  • 26

    espontaneidade e a anarquia; para eles o gesto era mais importante do que a obra.

    Duchamp cria os ready-mades, descontextualizando os objetos, priorizando mais a

    ideia que a proficiência técnica.

    Os Surrealistas, em 1924, última vanguarda histórica, possuíam a crença em

    uma realidade superior à razão, influenciada pela psicanálise Freudiana. Segundo

    Breton (apud MICHELI, 2004, p. 157),

    Surrealismo é automatismo psíquico puro através do qual nos propomos exprimir tanto verbalmente quanto por escrito ou de outras formas o funcionamento real do pensamento; é o ditado do pensamento com a ausência de todo controle exercido pela razão, além de toda e qualquer preocupação estética e moral.

    Duas vertentes aparecem na arte moderna e suas vanguardas históricas:

    por um lado, novas vanguardas mais preocupadas com a objetividade, realidade,

    sociedade, técnica, ciência, matemática; por outro lado, vanguardas mais pautadas

    na subjetividade, a efusão, os sentimentos, a expressão, o inconsciente e a

    necessidade interior.

    2.2 ARTE CONTEMPORÂNEA

    No fim da arte moderna e início da arte contemporânea, mais precisamente

    final da década de 50, surgiram vários movimentos artísticos, como:

    Expressionismo abstrato, Hard Edge, Op Art, Pop Art (estreitando as fronteiras

    entre cultura erudita e popular) e, a partir de 1960, surgem artes mais participativas,

    como: Minimal Art, Arte Conceitual (tentativa de desmaterialização da arte), arte

    cinética, happenings, performances, instalações, body art, land art, sky art,

    videoarte, arte digital, arte transgênica, ciberarte, incitando o público a experimentar

    a obra de arte com a utilização de outros sentidos, além do olhar. Tocar, sentir,

    cheirar, ouvir, vestir, pensar, enfim o corpo todo do espectador é solicitado a

    participar da obra.

    A arte contemporânea, segundo Milliet (1997, p. 16), são

    […] inúmeras formas de arte que recorrem a todo tipo de materiais heteróclitos, objetos fabricados, materiais naturais e perecíveis, e até ao próprio corpo do artista. Todos os processos foram permitidos, incluindo os mais desconcertantes, os mais

  • 27

    provocadores, os mais incompreensíveis, tomando o artista o lugar do seu público ou, pelo contrário, fugindo dele para ir esculpir no próprio solo de um deserto longínquo; um público que foi sacudido entre obras fazendo apelo às suas reacções instintivas e outras obrigando, pelo contrário, a seguir complexos raciocínios teóricos.

    As vanguardas do início do século XX, já tinham rompido com várias

    convenções dentro do universo da arte, abrindo novos caminhos de pesquisa de

    materiais e expandindo campos de ação e território que vão beneficiar e ampliar o

    campo dos artistas da arte contemporânea, resultando em grande liberdade e

    espaço de atuação para suas criações.

    A Pop Art foi um desses movimentos, que aparece pela primeira vez

    em 1954, na Inglaterra, pelo crítico de arte Lawrence Alloway, uma arte popular

    sendo criada pela cultura de massa. A primeira obra de Art Pop foi uma colagem

    feita pelo artista inglês Richard Hamilton (2004) “O que exatamente torna os lares

    de hoje tão diferentes, tão atraentes?”. Hamilton enumera as características da Art

    Pop como: popular, efêmera, descartável, barata, produzida em massa, jovem,

    espirituosa, sexy e glamorosa.

    Nos Estados Unidos, em 1960, os precursores, considerados pré-pop, foram

    Jasper Jonhns e Robert Rauschenberg, depois os artistas Andy Warhol, Jim Dine,

    Robert Indiana, Roy Lichtenstein, Tom Wesselmann, Claes Oldenburg e James

    Rosenquist. O movimento teve influência da vanguarda Dadaísta, mas Duchamp

    critica dizendo (STANGOS, 2000, p. 198):

    Esse Neodadá, a que eles chamam neo-realismo, Arte Pop, assemblage etc., é uma saída fácil e sustenta-se do que o Dadá fez. Quando descobri os ready-mades pensei estar desencorajando a estética. No Neodadá, eles tomaram os meus ready-mades e recuperaram a beleza estética neles. Joguei-lhes o porta-garrafas e o mictório na cara como um desafio... e agora eles o admiram por sua beleza estética!

    Um dos principais artistas foi Roy Lichtenstein, que pintava histórias e

    quadrinhos em grande dimensão, usando cores primárias berrantes com branco e

    preto.

  • 28

    Figura 5: Drowning Girl

    Fonte: Lichtenstein (1963).

    Outro artista, foi Claes Oldenburg, que criou objetos, como: hambúrgueres

    gigantes (OLDENBURG, 1962), pregadores de roupa, bastão de beisebol, estojo

    de batom. São famosas as suas esculturas moles; ele dizia que ampliar e

    transmutar os objetos devolvem-lhe a força, porque desorientam o espectador

    tirando-o do torpor.

    Andy Warhol, com o uso da técnica de silk-screen, apresentava uma

    produção de massa com as imagens repetidas de ídolos famosos, como Marilyn

    Monroe (WARHOL, 1962) e Elvis Presley, ou objetos de consumo, como lata de

    sopa, garrafa de Coca-Cola e sabão em pó. Warhol disse: “A razão por que estou

    pintando assim é porque quero ser uma máquina. Tudo o que faço, e faço como

    máquina, é porque é isso o que quero fazer. Penso que seria estupendo se todo

    mundo fosse igual” (STANGOS, 2000, p. 282).

    A Minimal Art surgiu nos Estados Unidos em 1960-1970. Foi um

    movimento artístico que reagiu contra o Expressionismo Abstrato, com

    espontaneidade e automatismo (herdado dos surrealistas) e pintura gestual;

    achavam uma arte muito subjetiva e emocional. Foram também contra a Pop Art

    que a achavam vulgar demais.

    As características principais dos minimalistas era o compromisso com

    a clareza, a simplicidade da forma, eliminando narrativas que para eles só serviam

    para distrair a mente. Queriam uma simetria visual, equilíbrio perfeito e repetição

    da forma, para isso construíram objetos tridimensionais e optaram por materiais

  • 29

    industrializados, como: tubos fluorescentes, tijolos refratários, aço laminado,

    chapas de cobre e tinta industrial.

    Os principais artistas na Minimal Art, foram: Donald Judd (1969), que

    utilizava formas geométricas, como caixas de metais, colocadas na parede,

    repetindo várias vezes a mesma forma, para atingir a unidade da obra; Carl Andre,

    que fazia instalações com tijolos refratários no chão, em que o espectador podia

    percorrer a obra; Dan Flavin (1977), usava tubos fluorescentes em formas

    geométricas criando campos de cor e esculpindo com a luz. Fazia também

    instalações em que o observador pudesse percorrer a obra; e Robert Morris (1965),

    que achava que as formas simples criavam fortes sensações, sendo a maioria de

    suas obras feitas em madeira compensada, baseadas num poliedro e pintadas em

    cinza, algumas ficavam no chão, outras suspensas do teto, outras presas em duas

    paredes. Ele pretendia uma relação triangular entre objeto-espaço-espectador.

    Morris dizia que “A simplicidade da forma não equivale necessariamente à

    simplicidade da experiência”.

    Segundo Strickland (1999, p. 177), “O minimalismo é a arte reduzida ao

    mínimo absoluto, totalmente abstrata e fabricada industrialmente, sem menção à

    emoção e à personalidade do artista ou a qualquer imagem reconhecível”.

    A Arte Conceitual surgiu em 1960, nos Estados Unidos, com influências do

    artista dadaísta Marcel Duchamp, quando disse que estava mais interessado nas

    ideias do que no produto final. Segundo Stangos (2000, p. 224), sobre Duchamp

    escreve:

    Alcançando sua mais pura e mais ampla expressão, a sua “arte como idéia” foi decomposta e desdobrada em arte como filosofia, como informação, como lingüística, como matemática, como autobiografia, como crítica social, como risco de vida, como piada e como forma de contar histórias.

    Para o artista conceitual que deu o nome ao movimento Sol Le Witt, a própria

    ideia, mesmo se não é tornada visível, é uma obra de arte. Muitas obras de arte

    conceitual, utilizava de escritos, filmes, vídeos, mapas, performance, instalação e

    fotografia para documentar a obra.

    Os principais artistas da arte conceitual foram: Joseph Beuys, Joseph Kosuth

    e Piero Manzoni.

  • 30

    Joseph Beuys (1921-1986), Segundo Farthing (2010, p. 501),

    Em sua performance Como explicar quadros para uma lebre morta, Beuys2 caminhou por uma galeria de arte durante três horas, carregando consigo uma lebre morta. Com o rosto e o corpo cobertos por tinta dourada, Beuys se transformou num ser xamânico. Durante a performance, ele movia os lábios em silencio, como se estivesse mesmo explicando as imagens para o animal morto. A encenação pretendia expressar ao público a necessidade de se compreender a arte tanto espiritual quanto intelectualmente.

    Joseph Kosuth (1945-). Para Kosuth, ser artista era questionar a natureza

    da arte e a única justificativa da arte é a arte, a arte é a definição da arte. Em sua

    obra “Uma e três cadeiras”, existem três formas de uma cadeira, uma cadeira

    comum, uma fotografia de uma cadeira e a imagem da definição da palavra cadeira.

    Segundo Farthing (2010, p. 502),

    A obra estimula o espectador com a idéia física, representativa e verbal do objeto. Enquanto a arte conceitual pergunta “O que é arte?” esta obra pergunta “O que é uma cadeira?” e “ Como passamos a reconhecê-la como tal?” Kosuth está questionando como as representações e os relatos de certo tema se relacionam ao próprio tema, como essas relações são compreendidas e se determinada forma tem mais valor do que outra. Ele pede que o espectador analise como a arte e a cultura são forjadas por meio da linguagem e dos significados, e não por meio da beleza e do estilo.

    Figura 6: Uma e três cadeiras

    Fonte: Kosuth (1965).

    2 Beuys (1965).

  • 31

    Piero Manzoni (1933-1963). A obra de Manzoni era uma crítica a arte

    considerada mercadoria. Segundo Farthing (2010, p. 501), escrevendo sobre a

    obra de Kosuth:

    Em 1961, ele produziu 90 latinhas com o rótulo Merda do artista3. Cada lata supostamente continha as fezes do artista e valia seu peso em ouro. Como se acreditava que abrir as latas significava destruir o valor da obra, durante muito tempo não se soube ao certo o que as latinhas continham de fato. Em 2007, depois que algumas latas foram vendidas por US$ 80 mil, o colaborador de Manzoni, Agostinho Bonalumi, afirmou a um jornal italiano que as latas continham gesso.

    A Body Art surge em 1960, nos Estados Unidos. Algumas das principais

    características da Body Art: o artista se coloca como obra viva, usando o próprio

    corpo como suporte da obra. O Corpo passa a ser um lugar de protestos políticos,

    ideológicos, estéticos e existenciais.

    A Body Art teve influência do artista dadaísta Marcel Duchamp (1919), pois

    foi o primeiro artista a introduzir o corpo como material artístico, quando, em 1921,

    barbeou seu cabelo na forma de uma estrela. Segundo Santaella (2002), essa ação

    revela que o artista e sua obra se fundem em uma mesma realidade e que o artista,

    ele mesmo, tem uma mesma estética. Yves Klein, Marina Abramovic,

    Scwarzkogler, Carolee Schneemann e Marc Quinn podem ser citados como

    principais artistas.

    Yves Klein (1960-) usava o corpo feminino como pincel vivo. Pintava os

    corpos de mulheres em azul e depois eram carimbados sobre superfícies como tela

    e tecidos.

    Na Body Art, muitos artistas foram ao extremo, incluindo a automutilação e

    sadomasoquismo de uma forma ritualística.

    Marina Abramovic (1946-), artista sérvia,

    […] levou seu corpo aos seus limites físicos como modo de esvaziá-lo e deixá-lo em prontidão para uma experiência espiritual mais plena. Suas performances solo no início dos anos 70, muitas delas chamadas de “Ritmos” devido a um trabalho anterior com instalações de som, requeriam que ela gritasse até ficar completamente rouca, dançasse até cair por esgotamento, fosse surrada por uma máquina de vento até desmaiar, que se flagelasse,

    3 Manzoni (1961).

  • 32

    que tomasse drogas alteradoras da mente e realizasse outros atos perigosos (ARCHER, 2001, p. 113).

    O artista Schwarzkogler, em uma performance, amputou seu próprio pênis,

    centímetro por centímetro, enquanto tudo era registrado fotograficamente como um

    evento artístico.

    Carolee Schneemann (1939-), em “Prazer da carne” (1964), monta um

    cenário orgiástico de liberação sexual e feminina, em que os participantes

    lambuzados de sangue e tinta, mais carcaças de animais se misturam. Foi uma

    ação de liberação sexual feminina, uma crítica ao mundo da arte dominada pelos

    homens.

    Marc Quinn, na obra “EU” (1991), tirou cerca de 4,5 litros de seu próprio

    sangue e esculpiu sua própria imagem, fundiu e congelou. Um autorretrato que

    levanta questões sobre vida/morte.

    Sendo assim, é preciso entender que a arte contemporânea é questionadora

    e reflexiva, quando o corpo passa a ser suporte da arte ele passa a ser lugar de

    protestos, abordando vários assuntos, como: identidade sexual, limites corporais,

    relação homem-mulher, pudor, dor, morte, etc.

    A Land Art, ou Earth Art, surgiu em 1960. Os primeiros artistas foram os

    americanos. As características principais da Land Art são expandir as fronteiras da

    arte, sair dos espaços urbanos e ir para a natureza. Outra preocupação da Land

    Art é o interesse pela ecologia, conscientizar o mundo sobre a poluição e o

    consumismo. Os artistas utilizam da fotografia e texto escrito para registrar as

    intervenções temporárias na paisagem.

    Os principais artistas são Walter de Maria, Nancy Holt e Robert Smithson,

    Andy Goldsworthy e Richard Long.

    Robert Smithson (1938-1973). Em sua obra “Quebra-mar em espiral” (1970),

    transformou uma área industrial abandonada em uma das criações mais famosas

    da land art. Segundo Farthing (2010, p. 532),

    A obra consiste de uma calçada em espiral feita com pedras de basalto negro e terra, que avança para dentro do Grande Lago Salgado de Utah, que se tornara vermelho pela ação das algas, bactérias e crustáceos. Na época, Smithson não sabia que o nível da água estava baixo e que logo a obra seria encoberta. Em 2002, depois de anos submersa, Quebra-mar em espiral reapareceu subitamente. Nesse meio-tempo, as rochas foram cobertas por

  • 33

    sedimentos brancos de sal. Smithson era fascinado pelo conceito físico da entropia, ou “evolução reversa” – a natureza não apenas se regenera sozinha, como também se autodestrói sozinha – e esse interesse é evidente em Quebra-mar em espiral. Embora Smithson tenha se apropriado da natureza para um objetivo artístico, a natureza foi capaz de se apossar da obra de arte por meio da incrustação do sal e da erosão.

    Figura 7: Quebra-mar em espiral

    Fonte: Smithson (1971).

    Richard Long (1945-). Sua obra de arte são as caminhadas solitárias, em

    que vai fazendo algumas intervenções na paisagem como: esculturas de lama e

    pedra, faz círculos com pedras e gravetos, arrasta suas botas no chão (LONG,

    1987), abandonando-as para se desintegrarem na natureza. Por isso, ele fotografa

    sua obra para mais tarde apresentá-las nas galerias de arte.

    Andy Goldsworthy (1956-). O artista também trabalha com obras efêmeras,

    como pirâmides de neve, e por isso as fotografa, assim as fotografias tornam-se

    num certo sentido, à própria obra. Ele também produz livros para documentar suas

    obras (GOLDSWORTHY, 1985).

    O Hiper-realismo surge na década de 70, nos Estados Unidos. Segundo

    Farthing (2010), é uma arte tão realista quanto a fotografia e que geralmente usa

    fotografias como fonte primária. Os trabalhos parecem mais verdadeiros do que

    uma foto, com efeitos de espelhamento, alterações na profundidade de campo, na

    cor e na composição.

  • 34

    As principais características são a preocupação com temas comuns ou

    industriais, paisagens urbanas e cenas de lazer da classe média. No Hiper-

    realismo, os artistas também trabalham com esculturas em tamanho natural.

    Richard Estes (1936-) projeta a foto na tela e pinta as imagens, técnica

    apuradíssima de pintura, com vidros que refletem a cena exterior e superfícies

    luminosas de aço (ESTES, 1972).

    Audrey Flack (1931-). A artista pinta natureza-morta, com objetos que

    simbolizam a brevidade da vida (FLACK, 1977-1978).

    Chuck Close (1940-). Segundo Strtricklnd, (1999, p. 187),

    Desde 1967, Chuck Close4 pintou gigantescas fotos de passaporte de seus amigos. Dominando uma técnica impressionante, ele produz retratos pormenorizados que, a certa distância, parecem insólitas fotos de gigantes ampliadas. De perto, porém, o espectador descobre o processo de representação da imagem, pois Close emprega meios de pintura, como uma imagem pintada com suas próprias impressões digitais, o que dá a impressão de flutuação.

    Denis Peterson (1944-). Segundo Farthing (2010, p. 538),

    O pintor hiper-realista americano Denis Peterson escolheu retratar um sem-teto em “Do pó ao pó”5. O título da pintura é uma referência religiosa. “Pois tu és pó e ao pó tornarás“ é uma citação de um trecho da Bíblia (Gênesis 3:19) que costuma ser lido em funerais. A pintura sugere que o homem está próximo da morte, ou que talvez já esteja morto. Esta caído em um lugar público, mas ninguém parece saber ou se importar com isso por conta da falta de consideração da sociedade em relação aos desabrigados.

    Sendo assim, percebemos que o artista está denunciando o abandono dos

    menos afortunados, pela sociedade.

    Duane Hanson (1925-1996). Segundo Farthing (2010, p. 537),

    Hanson focava em obras figurativas, geralmente representando pessoas comuns da classe média americana. “Quenia II”6, retrata uma mulher afro-americana obesa vestida como faxineira e empurrando seu carrinho de limpeza. A escultura tem uma forte presença física que lembra o espectador que os trabalhadores mal remunerados são, em geral, “invisíveis” para a sociedade. Hanson faz os moldes usando modelos e depois cria suas esculturas com

    4 Close (1985). 5 Peterson (2006). 6 Hanson (1988).

  • 35

    resina de fibra de vidro ou bronze, decorando-as com roupas e outros acessórios.

    Ron Mueck (1958-). Artista australiano que, segundo Farthing (2010, p. 537),

    “[…] cria esculturas figurativas com fibra de vidro, resina e silicone. Suas obras são

    geralmente nus com incríveis detalhes – unhas amareladas do pé, barba por fazer

    e pelos no corpo”.

    O Neoexpressionismo surge em 1980, em vários países como Itália,

    Alemanha e Estados Unidos. Os artistas voltam a pintar, a narrar e contar histórias.

    Os temas são variados, como simbolismo, sexualidade, emoção, história coletiva

    ou autobiográfica, memórias, psicologia e literatura; enfim, buscavam inspiração

    em toda parte. O Neoexpressionismo teve influência dos movimentos artísticos,

    como o expressionismo, surrealismo, expressionismo abstrato e art pop. Segundo

    o crítico italiano Achille Bonito Oliva (apud ARCHER, 2001, p. 155),

    A desmaterialização da obra e a impessoalidade da execução que caracterizou a arte dos anos 70, segundo linhas estritamente duchampianas, estão sendo suplantadas pelo restabelecimento da habilidade manual, por meio do prazer da execução que traz de volta à arte a tradição da pintura.

    Vários artistas do neoexpressionismo, como Francesco Clemente (1952-),

    Alsem Kiefer (1945-), George Baselitz (1938-), apontaram em suas obras questões

    autobiográficas.

    Francesco Clemente (1952-).

    Na Itália, a obra de Clemente7 era fortemente autobiográfica, combinando imagens de uma maneira rítmica e livre que implica uma atmosfera fortemente carregada de erotismo, sem chegar a sugerir uma narrativa. Uma imagem leva a outra, e assim por diante, sem que elas nunca se abram para o mundo (ARCHER, 2001, p. 159).

    Anselm Kiefer (1945), segundo Archer (2001, p. 161),

    […] examinou de maneira crítica a dimensão mítica e histórica do sentido que os alemães faziam da identidade e da nacionalidade. De maneira mais explícita que a maioria, ele centralizou-se no período nazista e na Segunda Guerra Mundial. As pinturas de 1974 sobre a “terra devastada”8, tais como Maikäfer Flieg, mostravam

    7 Clemente (1980-1981) 8 Kiefer (1974).

  • 36

    paisagens enegrecidas devido à queima do restolho ou às depredações da guerra. O poder transformador do fogo era repetidamente usado por Kiefer como metáfora do processo artístico. A palha também era usada como símbolo irônico desse processo: uma referência a Rumpelstiltskin, que transformava a palha em ouro. As questões irônicas abundavam.

    Georg Baselitz (1938-). O artista pinta figuras de cabeça para baixo, para

    fugir das convenções e produzir impacto no observador; seus temas são o

    sofrimento, abordando também a Segunda Guerra Mundial. Sua obra “45”, com

    vinte quadros grandes de rostos de mulheres, distorcidos e aterrorizados, foi

    inspirada quando ele era criança e testemunhou o Bombardeio de Dresden, em

    1945 (BASELITZ, 1990).

    Segundo Archer (2001, p. 173), as pinturas de Jean-Michel Basquiat (1960-

    1988)

    […] eram cheias de palavras e frases que haviam sido riscadas, alteradas e substituídas por melhores versões9. Longe de indicar indiferença ou irreflexão, este difuso procedimento representava um esforço de esclarecimento e comunicação. Ele afirmou: “Eu considero apenas as palavras de que gosto, copiando-as repetidas vezes ou usando diagramas. Gosto de ter informação, e não apenas um toque de pincel. Só quero estas palavras para expressar os sentimentos subjacentes, sabe?”. De maneira cumulativa, as pinturas de Basquiat levam a uma áspera crítica aos EUA contemporâneos e à posição que neles ocupam os negros. “Os negros nunca são retratados de maneira realista, ou melhor, nem sequer são retratados na arte moderna, e eu estou feliz por fazê-lo”, afirmou ele.

    2.2.1 Arte e Tecnologia

    Arte e tecnologia começam com o uso da fotografia. Os artistas sempre

    desenvolveram técnicas, ou seja, habilidades, como desenhar, pintar, gravar,

    esculpir; desde a pré-história até o século XIX, as artes eram produzidas

    artesanalmente. Com a revolução industrial, surgiram máquinas que, segundo

    Santaella (2002), ampliaram a força física muscular do homem, mas, em 1839, com

    o surgimento da fotografia, ocorre o nascimento das artes tecnológicas.

    Segundo Santaella (2003, p. 152),

    9 Basquiat (1983).

  • 37

    Há tecnologia onde quer que um dispositivo, aparelho ou máquina for capaz de encarnar, fora do corpo humano, um saber técnico, um conhecimento científico acerca de habilidades técnicas específicas. Nessa medida, a arte tecnológica se dá quando o artista produz sua obra através da mediação de dispositivos maquínicos, dispositivos estes que materializam um conhecimento cientifico, isto é, que já têm uma certa inteligência corporificada neles mesmos.

    Observou-se o impacto que a fotografia trouxe para as artes, como a

    mudança de paradigma das imagens, do pré-fotográfico (desenho, gravura, pintura)

    para o paradigma fotográfico no século XIX (cinema, TV, vídeo precisam de uma

    câmera), para o paradigma Pós-fotográfico, em 1980, com o uso do computador

    (imagens digitais).

    Um dos pioneiros a trabalhar com arte e tecnologia, mais precisamente com

    videoarte e esculturas televisivas, foi o artista coreano Nam June Paik, a partir de

    1970.

    Figura 8: Electronic Superhighway

    Fonte: Paik (1995-1996).

    O artista brasileiro Eduardo Kac (1962) foi pioneiro da arte digital, arte

    holográfica, arte da telepresença e bioarte. Em 2000, o artista criou GFP Bunny,

    uma coelha geneticamente modificada que brilha em presença de luz azul, graças

    à Proteína Fluorescente Verde (GPF) inserida em seu DNA.

    Em 1997, injetou em sua perna um chip com um código numérico, com

    antigas imagens fotográficas de seus antepassados (KAC, 1997).

    Karl Sims (1977), em sua obra “Galápagos”, utilizou um software de

    programação genética para fazer evoluir artificialmente criaturas em computador.

  • 38

    A Arte Cibernética é um recorte dentro da Arte e Tecnologia, mas são obras

    que dependem da interação continua entre o interator (espectador que interage) e

    a obra. Na arte cibernética, o espectador passa de contemplador passivo a interator

    ativo.

    Como exemplo, na instalação “La Plume et Le Pissenlit”, de Edmond

    Couchot e Michel Bret (1988), eles convidam o interator a soprar uma imagem de

    flor de dente-de-leão. Ao soprar, por meio de um sensor colocado em cima de uma

    placa transparente, o interator faz com que a flor se rompa, como se estivesse

    sendo movimentada pelo vento.

    Com o uso de novas tecnologias, aparecem novos modos de percepção.

    Segundo Santaella (2002), não há mídias privilegiadas para as artes, o artista é

    livre para criar sua própria forma de discurso, com um perfil de sensibilidade

    artística apropriada para deixar sua marca distintiva no mundo.

    Segundo Canton (2011a, p. 49),

    Diferentemente da tradição do novo, que engendrou experiências que tomaram corpo a partir do século XX com as vanguardas, a arte contemporânea que surge na continuidade da era moderna se materializa a partir de uma negociação constante entre arte e vida, vida e arte. Nesse campo de forças, artistas contemporâneos buscam um sentido, mas o que finca seus valores e potencializa a arte contemporânea são as inter-relações entre as diferentes áreas do conhecimento humano.

    Na arte contemporânea, percebe-se que as fronteiras das artes foram

    ampliadas, percepção, expressão, sensibilidade, pensamentos, reflexões, criando,

    assim, novas relações e diálogos com o mundo.

    Na arte contemporânea, os valores estéticos não são só mais plásticos ou

    só conceituais. Não se busca apenas apreciação estética ou só experiências

    estéticas, mas ambas. O belo não está só na proporção, harmonia e equilíbrio, mas

    também na desconstrução e transgressões de tópicos e materiais convencionais.

    Na arte contemporânea, convivem muito bem temas convencionais em materiais

    inusitados, e o contrário também se apresenta, materiais convencionais com temas

    diferenciados. As referências à vida cotidiana, ao simples, ao efêmero, ao frágil, ao

    delicado, ao grotesco, ao que nos causa repulsa são temas levantados pelos

    artistas para serem discutidos e analisados.

  • 39

    Na arte contemporânea, alteram-se os valores, aceitam-se as contradições,

    capta-se o extraordinário no ordinário, não existem mais temas ou materiais que

    sejam indiferentes à arte. Novas propostas estéticas, elementos ainda inarticulados

    pela nossa percepção enriquecem e expandem ampliando outros sentidos, as

    influências ideológicas das mais heterogêneas, a liberdade nas diferenças como

    força libertadora. Na arte contemporânea, o artista cola, monta, representa,

    apresenta, constrói, desconstrói, apropria-se entrelaçando textos visuais, verbais e

    sonoros.

    Pensar sem dicotomias talvez seja a grande possibilidade de compreender

    a arte contemporânea, pois arte é conhecimento, invenção e subversão;

    desestabilizando e alterando o cotidiano, dá espaço para o novo, tira o espectador

    do conforto e, às vezes, torna-se problematizadora. Segundo Orientações

    Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006, p. 186), “[…] os estilos artísticos

    representam ‘visões de mundo’, isto é, diferentes intenções e valores ligados a

    convicções e necessidades espirituais, políticas, econômicas e sociais da diversa

    cultura e épocas”.

    Nesse contexto, percebe-se que a arte contemporânea também reflete e

    espelha uma sociedade e às vezes coloca mais problemas que soluções.

    2.3 ORIGEM DAS INSTALAÇÕES ARTÍSTICAS E SUA IMPORTÂNCIA NO ENSINO DAS ARTES

    Desde a pré-história até os dias de hoje, na arte contemporânea os artistas

    usaram de vários meios, suportes e técnicas para se comunicarem e se

    expressarem. Pintaram nas paredes das cavernas, templos, igrejas, telas, papel e

    corpo. Gravaram desenhos nas rochas, chão, madeiras, pedras e metal.

    Esculpiram em vários materiais, como osso, argila, madeira, pedra, bronze, ouro e

    sangue. Na arte moderna e contemporânea, aparecem outros meios de expressão,

    como happening, performance, colagem e instalação.

    Instalações são construções multimídia, derivadas especialmente da escultura, mas que, diferentemente delas, envolvem o espectador em vez de serem apenas objetos de observação. Uma das características da instalação é seu caráter comumente efêmero: ela é realizada para um determinado espaço expositivo, para depois ser desmontada. Sua utilização está profundamente

  • 40

    associada à noção de imersão total do público no contexto artístico e ao uso de diferentes meios e materiais para existir, trazendo para o campo da arte elementos comuns do dia a dia. Tais trabalhos, que também foram em sua origem chamados de “ambientações”, ganharam fôlego no início da década de 1960, mas remetem às experiências vanguardistas desenvolvidas por Marcel Duchamp (1887-1968) e às montagens do dadaísta alemão Kurt Schwitters (1887-1948) nas primeiras décadas do século XX (ITAÚ CULTURAL, 2008, p. 79).

    A primeira Instalação foi feita pelo artista de vanguarda do movimento

    dadaísta, Kurt Schwitters, em 1933. Ele deu o nome de “Casa Merz” e transformou

    seu apartamento em uma obra de arte. Schwitters andava pelas ruas de Hanover

    (Alemanha) a procura de coisas descartadas pela sociedade, como botões,

    passagens de ônibus, papel e colava esses materiais em diversos suportes que ele

    chamava de Merz.

    Figura 9: Casa Merz

    Fonte: Schwitters (1933).

    Outro artista dadaísta a fazer instalações foi Marcel Duchamp (1887-1968),

    que, em 1938, cobre o teto da galeria com 1200 sacos de carvão, incorporando o

    teto como espaço também expositivo. Em 1942, com a instalação “Milhas de

    Barbante”, ele fecha uma sala de exposições com barbante (DUCHAMP, 1942).

    No movimento artístico chamado Minimal Art (1960), vários artistas, como

    Carl Andre, Robert Morris, Dan Flavin e Sol Le Witt, trabalharam com a expansão

  • 41

    do objeto no espaço, ou seja, retiraram as esculturas de seu pedestal e colocaram

    no chão, estabelecendo, assim, uma nova relação artista-público, pois o observador

    começa a participar da obra, tendo que caminhar em novas áreas espaciais criadas

    pelos artistas.

    No Brasil, vários artistas trabalharam e trabalham com instalações, como:

    Hélio Oiticica, Lygia Clark, Cildo Meireles, Tunga, Regina Silveira, Nuno Ramos,

    Henrique Oliveira, Maria Lynch e outros.

    Hélio Oiticica (1937-1980), considerado o maior inventor da arte

    contemporânea no Brasil, em sua obra “crelazer” (OITICICA, 1970), faz uma

    síntese de seu trabalho de longos anos, como os Bólides, Núcleos e Parangolés.

    Oiticica se autodenominava um artista propositor que levava o observador a

    participar e despertar sensações sensoriais, com o uso de vários materiais, como

    areia, palha, pedras, água, folhas e terra. O convite da obra “crelazer” era que o

    espectador caminhasse com os pés descalços, despertando novas sensações e o

    prazer, para um possível encontro com uma segunda infância, libertando-se de um

    mundo opressivo e alienado. Segundo Pedrosa (apud OITICICA, 1986, p. 11),

    Arte ambiental é como Oiticica chamou sua arte. Não é com efeito outra coisa. Nela nada é isolado. Não há uma obra que se aprecie em si mesma, como um quadro. O conjunto perceptivo sensorial domina. […] Foi durante a iniciação ao samba, que o artista passou da experiência visual, em sua pureza, para uma experiência de tato, do movimento, da fruição sensual dos materiais, em que o corpo inteiro, antes resumido na aristocracia distante do visual, entra como fonte total da sensorialidade.

    Hélio Oiticica foi o artista pioneiro de instalações artísticas no Brasil, com o

    nome de arte ambiental, pois sua obra é a passagem das experiências visuais

    retinianas para experiências táteis e sensoriais.

    As instalações, por sua vez, são uma forma de ação sobre o espaço expositivo, público ou não. A instalação transforma o espaço. Ele, mais do que abrigá-la, ajuda a construí-la: o espaço é parte integrante da instalação, e é totalmente transformado por ela. As instalações são concebidas envolvendo todos os seus sentidos. O público executa tal ação física para, durante ou depois da experiência vivenciada, realizar a ação mental de compreendê-la e atribuir-lhe um sentido, sempre bastante subjetivo, uma vez que foram ativadas a sensibilidade, as lembranças e as emoções de cada receptor (ITAÚ CULTURAL, 2009, p. 13).

  • 42

    Alguns exemplos de instalações artísticas feitas por artista brasileiros

    demonstram a multiplicidade de materiais, suportes e meios utilizados para

    expressarem efeitos estéticos e suas poéticas. As instalações artísticas ativam

    experiências sensoriais, memórias, emoções, questionam problemas relevantes da

    sociedade como a corrupção, violência, direitos humanos, ética e diferentes

    dimensões do sujeito, como afetiva, crítica, estética e poética.

    Cildo Meireles (1948-), artista multimídia, um dos artistas brasileiros da arte

    contemporânea mais importantes no cenário mundial. Nos anos de 1960 e 1970,

    apresentou uma obra conceitual e política com as instalações: “Missão/Missões”

    (como construir catedrais) (MEIRELES, 1987). O artista utilizou 600 mil moedas,

    800 hóstias, 2000 ossos com a altura de 235 cm em uma área de 36 m, criticando

    a corrupção e a violência.

    Outro artista que abordou a questão da violência e corrupção foi Nuno

    Ramos (1960-), em 1992, indignado com a violência e tragédia ocorrida na Casa

    de Detenção de São Paulo em consequência da ação da polícia militar, que invadiu

    o presídio para deter uma disputa entre os presos e cujo resultado dessa ação foi

    111 prisioneiros mortos.

    A obra de Nuno, “111” (RAMOS, 1993), foi inspirada neste episódio. Ele usou

    111 paralelepípedos cobertos por asfalto e breu, com o nome das vítimas e uma

    cópia de notícia de jornal, falando sobre o incidente. Nas paredes, trechos de textos

    do artista e fotografias aéreas da Casa de Detenção, no momento da tragédia. A

    Instalação “111” faz o espectador sentir e pensar sobre o ocorrido, despertando em

    nós certo desconforto.

    A artista Regina Silveira (1939-) também trabalha com questões de conflitos

    sociais, ambientais e corrupção, uma obra política que, através de metáforas,

    revela problemas de âmbito mundial.

    Na sua instalação “Mundus admirabilis e outras pragas”, apresentada em

    Brasília, em 2007, no Pavilhão de Vidro, Jardim do Poder (SILVEIRA, 2007), a

    artista diz:

    A ideia de usar imagens de insetos daninhos para comentar aspectos de deterioração e conflito pertence ao universo conceitual de trabalhos que venho planejando e mesmo executando, pouco a pouco, em diversos meios, na tentativa de reatualizar, na contemporaneidade, as velhas pragas bíblicas, históricas e míticas.

  • 43

    Operando na hipótese de sua transposição para outros territórios da significação, as pragas revisitadas seriam metáforas não-lineares das pragas muito mais furiosas que hoje em dia nos assolam, a nível mundial e global, em diversas frentes: sociais, ambientais, culturais e “civilizadoras” ameaçando um futuro que parece a cada dia mais inviável (SILVEIRA, 2009).

    Guto Lacaz (1948-), arquiteto e artista multimídia, também trabalha em suas

    obras com questões de direitos humanos e outros de uma forma bem-humorada,

    delicada e original. A obra de Lacaz é riquíssima, vai desde objetos, performances

    e instalações. Suas obras são lúdicas com muito humor e ironia.

    Guto Lacaz é basicamente um artista plástico que, às vezes, cruza os terrenos da ciência e da tecnologia, sobretudo quando constrói as suas máquinas e aparelhos paradoxais ou absurdos. É uma espécie de antiengenheiro decidido a aplicar seu know how na desmontagem, na desorganização, na desconstrução talvez do sistema produtivo industrial. Trata-se basicamente de conceber e pôr em funcionamento publicamente dispositivos absolutamente inúteis, que repetem ad infinitum suas tarefas quixotescas (ITAÚ CULTURAL, 2001).

    A prefeitura de São Paulo, para homenagear o Bicentenário da Declaração

    de Direitos Humanos, encomendou um trabalho para o artista Guto Lacaz. Na

    instalação “Auditório para Questões delicadas” (LACAZ, 1989), no parque

    Ibirapuera em São Paulo, Lacaz fez uma intervenção no meio do lago, colocando

    fileiras de cadeiras que pareciam estar flutuando na água. A obra reflete a questão

    delicada de discutir os direitos humanos.

    Ernesto Neto (1964-), artista multimídia e grande pesquisador de materiais

    e suportes, em suas instalações trabalha com contrastes, como cheio e vazio, peso

    e leveza, tensão e repouso, opacidade e transparência, usou vários materiais:

    chumbo, meias de poliamida, tubo de malha fina preenchido com especiarias, como

    urucum, açafrão, cravo, pimenta, apresentando variadas cores e aromas e a

    proposta de participação do espectador, para experiências sensoriais, de toque e

    união com os objetos em uma relação lúdica, sensual e mágica (NETO, 2012).

    Assim como Ernesto Neto, Henrique Oliveira é um grande pesquisador,

    utilizando de materiais usados como a madeira e apresentando novas

    configurações, pensando em múltiplas alternativas para a construção de uma ideia.

  • 44

    Sobre a instalação “Túnel” (OLIVEIRA, 2007), Martins e Herszman (2009, p.

    61) dizem:

    Do lado de fora, percebemos uma parede branca, de acabamento quase perfeito, que vai se deteriorando até se abrir em um buraco, de 2 metros por 2 metros de diâmetro e forma mais ou menos circular. Ao nos aproximarmos do buraco, percebemos que há um grande espaço em seu interior, todo revestido de lascas de madeira usada, formando protuberâncias e reentrâncias, bifurcações e câmaras, para a esquerda e para a direita. O caminho da direita, após passar por uma câmara, leva à saída, na verdade outro buraco, menor do que o da entrada. A entrada e a saída caracterizam esse espaço como uma passagem, um túnel. O túnel apresenta uma estrutura orgânica: as superfícies laterais e algumas das superfícies superiores são arredondadas, sem planos, ângulos retos ou arestas. A superfície inferior, que constitui o chão é desigual. A iluminação é feita por lâmpadas envoltas em uma proteção de metal, pendurados por fios e emanando uma luz fraca e amarelada. Na câmara maior, próxima a saída, ao lado direito, cera de abelha de cor âmbar foi aplicada em uma fissura entre as placas de madeira. Seu cheiro, que lembra o de pinho ou eucalipto, impregna todo o túnel.

    Sendo assim, percebe-se que os artistas contemporâneos trazem para o

    campo das artes várias reflexões para serem discutidas apropriando-se de suportes

    e meios não tradicionais, ampliando o repertório das artes e demonstrando que arte

    é conhecimento, por isso está sempre recorrendo a novas ações criando múltiplas

    possibilidades de expressão artística.

    Na proposta de uma instalação artística para o ensino de arte, as quatro

    premissas apontadas pela Unesco, de Jacques Delors, aprender a conhecer,

    aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser, são trabalhadas pelos alunos.

    Por ser de natureza híbrida, misturando vários meios e linguagens, as instalações

    artísticas propõem novas percepções e novos conhecimentos.

    Segundo os PCN (BRASIL, 2000, p. 15), a primeira premissa é aprender a

    conhecer: “Considera-se a importância de uma educação geral, suficientemente

    ampla, com possibilidade de aprofundamento em determinada área de

    conhecimento”.

    Arte é conhecimento, pois no processo de criação e na utilização de

    instrumentos se constroem ideias e se pensa o mundo descobrindo novas maneiras

    de ver, olhar, compreender e conhecer a realidade.

  • 45

    Aprofundar no tema a ser trabalhado em uma instalação leva ao

    conhecimento de várias áreas, estimulando a curiosidade, o senso crítico e o prazer

    de aprender e conhecer, percebendo que todas as áreas do conhecimento podem

    dialogar e interagir, aprofundando o exercício de aprendizagem. Se a proposta da

    instalação artística for questões que englobam problemas ambientais e ecológicos,

    ou como melhorar o planeta, o diálogo com outras disciplinas, como história,

    geografia, biologia, ética e outras, é pertinente para uma compreensão integral de

    como a realidade vem sendo afetada e modificada pelos descasos e exploração

    descontrolada pela sociedade.

    A segunda premissa é aprender a fazer (BRASIL, 2000, p. 15): “Privilegiar a

    aplicação da teoria na prática e enriquecer a vivência da ciência na tecnologia e

    destas no social passa a ter uma significação especial no desenvolvimento da

    sociedade contemporânea”.

    O fazer em arte desenvolve habilidades para o surgimento de novas

    aptidões, é um processo de criação que através de pesquisas de materiais e

    suportes cria algo que ainda não existia criando as condições necessárias para o

    enfrentamento de novas situações que se colocam no dia a dia.

    Em um trabalho com instalação, o aluno aprende a fazer, a desenvolver

    habilidades, a trabalhar com vários materiais, meios e suportes, dos mais

    tradicionais aos mais tecnológicos, atribuindo sentido e percebendo múltiplas

    formas de resolver um problema. O conhecimento teórico da história da arte

    moderna e contemporânea enriquece a prática no momento de sua criação.

    A terceira premissa é aprender a viver (BRASIL, 2000, p.16):

    Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento.

    Trabalhando em equipe, em uma instalação o aluno aprende a viver junto, a

    perceber e se relacionar com o outro, compreender as semelhanças e diferenças

    em um contexto de liberdade, sentimento, imaginação, criatividade e respeito.

  • 46

    A quarta premissa é aprender a ser (BRASIL, 2000, p.16):

    Aprender a ser supõe a preparação do indivíduo para elaborar pensamentos autônomo e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir por si mesmo, frente às diferentes circunstâncias da vida. Supõe ainda exercitar a liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e imaginação, para desenvolver os seus talentos e permanecer, tanto quanto possível, dono do seu próprio destino.

    Nessa perspectiva, trabalhar com instalações artísticas no Ensino Médio

    capacita o aluno a expressar liberdade de sentimento, imaginação e criatividade,

    pois esses princípios são a base para todo o processo criativo, levando o aluno a

    apreender a ser um indivíduo confiante de suas escolhas, desenvolvendo

    autonomia e senso crítico.

    Na Arte Contemporânea, as atenções e preocupações estão voltadas à

    tentativa de compreensão de um mundo complexo e em constante transformação,

    por isso o caráter híbrido, interdisciplinar e sem fronteiras das instalações artísticas,

    pois as instalações podem envolver todas as linguagens, seja visual, verbal, sonora

    e corporal, despertando e solicitando todos os sentidos na produção da obra e

    proporcionando aberturas para novos conhecimentos significativos.

    Outro diálogo pertinente com os Parâmetros Curriculares Nacionais é sobre

    a “Estética da Sensibilidade” (BRASIL, 2000, p. 62): “Ela estimula a criatividade, o

    espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, a afetividade, para facilitar a

    constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o

    incerto, o imprevisível e o diferente”.

    A estética da sensibilidade, como expressão do tempo contemporâneo,

    substitui a repetição e padronização artística pela pesquisa e originalidade,

    estimulando a criatividade.

    Neste contexto, é justamente o que observamos nas instalações artísticas,

    pois o que se busca na realização de uma instalação com os alunos é a criatividade,

    o espírito inventivo de buscar novos materiais a serem explorados, a curiosidade

    pelo inusitado, a afetividade, a convivência, a valorização da diversidade, a procura

    da leveza, delicadeza e a sutileza, sempre entremeadas com o lúdico, humor,

    alegria e praze